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1 Revista Intellectus / Ano 07 Vol II – 2008 ISSN 1676 – 7640 http://www.intellectus.uerj.br As reformas urbanas de Camilo Sitte e Pereira Passos: a modernidade do Rio de Janeiro e de Viena sob a égide da tradição. André Nunes de Azevedo* Professor visitante do PPGH-UERJ Resumo: Este artigo discute o urbanismo do arquiteto austríaco Camillo Sitte e do engenheiro brasileiro Francisco Pereira Passos, ambos formuladores de reformas urbanas para as capitais de seus países. Este artigo desenvolve uma comparação entre as suas concepções urbanísticas de fins do século XIX e início do século XX. Palavras-chave: Camillo Sitte; Pereira Passos e reforma urbana. Abstract: This article is about the urbanism of the austrian architect Camillo Sitte and the brazilian engeneer Francisco Pereira Passos. Both of them contributed to the urban reform of their countries capitals. This article makes a comparison between their urban conceptions of the ending of 19 th century and the beginning of 20 th century. Key-words: Camillo Sitte; Pereira Passos and urban reform. Dois sujeitos. Viena e Camillo Sitte A Revolução industrial fez da urbe um problema político e econômico. A industrialização progressiva da Europa trouxe milhões de habitantes das áreas rurais à cidade. Some-se a esse movimento o aumento da expectativa de vida no Oitocentos, bem como o decréscimo da taxa de mortalidade infantil, fenômenos que colaboraram para um forte crescimento populacional. As cidades cresciam, e de maneira desordenada. Com isso cresciam as demandas de infra-estrutura urbana, como, por exemplo, adequação viária ao trânsito crescente de mercadorias, transportes públicos e pessoas; esgotamento sanitário e iluminação pública. Junto às exigências de natureza econômica, apareciam aquelas de

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Revista Intellectus / Ano 07 Vol II – 2008 ISSN 1676 – 7640

http://www.intellectus.uerj.br As reformas urbanas de Camilo Sitte e Pereira Passos: a modernidade do Rio de Janeiro e de Viena sob a égide da tradição.

André Nunes de Azevedo*

Professor visitante do PPGH-UERJ

Resumo:

Este artigo discute o urbanismo do arquiteto austríaco Camillo Sitte e do engenheiro brasileiro

Francisco Pereira Passos, ambos formuladores de reformas urbanas para as capitais de seus países.

Este artigo desenvolve uma comparação entre as suas concepções urbanísticas de fins do século

XIX e início do século XX.

Palavras-chave: Camillo Sitte; Pereira Passos e reforma urbana.

Abstract:

This article is about the urbanism of the austrian architect Camillo Sitte and the brazilian engeneer

Francisco Pereira Passos. Both of them contributed to the urban reform of their countries capitals.

This article makes a comparison between their urban conceptions of the ending of 19 th century and

the beginning of 20 th century.

Key-words: Camillo Sitte; Pereira Passos and urban reform.

Dois sujeitos. Viena e Camillo Sitte

A Revolução industrial fez da urbe um problema político e econômico. A

industrialização progressiva da Europa trouxe milhões de habitantes das áreas rurais à

cidade. Some-se a esse movimento o aumento da expectativa de vida no Oitocentos, bem

como o decréscimo da taxa de mortalidade infantil, fenômenos que colaboraram para um

forte crescimento populacional. As cidades cresciam, e de maneira desordenada. Com isso

cresciam as demandas de infra-estrutura urbana, como, por exemplo, adequação viária ao

trânsito crescente de mercadorias, transportes públicos e pessoas; esgotamento sanitário e

iluminação pública. Junto às exigências de natureza econômica, apareciam aquelas de

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caráter político. O crescimento da classe operária no espaço urbano e sua organização

crescente foram motivo de temor por parte das classes privilegiadas. A onda revolucionária

de 1848 atemorizou tanto as camadas nobres decadentes, como a burguesia ascendente, fato

a que veio somar-se a publicação do Manifesto do Partido Comunista, convocando os

operários de todo mundo à união contra o status quo. As barricadas de 1848 assentadas nas

ruelas estreitas e curvilíneas das cidades européias expunham a vulnerabilidade da malha

urbana do centro das vilas, que datavam do Antigo Regime. A cidade crescia. Tornava-se

de maneira cada vez mais aguda um problema às consciências das elites dirigentes do

Velho continente, seja pelo seu ritmo intenso de crescimento, seja pelos eventos políticos

que abrigava.

Some-se a isso a intensificação da crença no progresso, cada vez mais percebido

como um movimento de melhoria constante projetado adiante. A onda revolucionária de

1848 serviu não somente para atemorizar as classes altas européias, como também para

liberar as forças produtivas detidas pelas tradicionais relações de produção, então

dissolvidas. Essa libertação de potenciais reprimidos conduziu a uma explosão do

crescimento econômico no período entre 1848 e 1873, que pode ser classificada como uma

das mais vertiginosas desde o alvorecer da Idade Moderna. Esse movimento despertou uma

espécie de “febre do progresso” entre as elites dirigentes européias, o que deu ensejo a uma

seqüência de exposições universais, que se destinavam a tornar notório o auto

deslumbramento europeu com o desempenho de sua economia. O progresso impunha-se.

Mais do que nunca o fazia traduzido em aportes tecnológicos e crescimento material. Seu

movimento era percebido como irresistível, inexorável. Uma caudal que se impunha de

forma imperativa, exigindo o cumprimento de suas determinações.

A cidade era um problema político e econômico e o progresso exigia

providências. As reformas urbanas não tardaram a chegar. A primeira grande ação

reformadora foi a do prefeito Georges Eugène Haussmann em Paris, chefiada pelo

engenheiro Alphonse Alphand. Com três fases, iniciou-se em 1853 e concluiu-se em 1870.

Embora não tenha sido modelo para toda a Europa, constituiu-se em forte referência para as

cidades do continente, sobretudo no que diz respeito à crença na capacidade dos Estados

oitocentistas de empreender grandes reformas modernizadoras do espaço urbano. Seu

3

exemplo motivou uma onda de reformas urbanas no Velho continente, como as de Florença

e Barcelona1. Viena foi mais uma cidade européia a inscrever-se nesta torrente

reformadora.

As origens de Viena remontam ao século VI ac. No local onde hoje se assenta a

capital austríaca, às margens do Danúbio, existia um povoado num cruzamento da estrada

do Âmbar, que ligava o mar Báltico ao Adriático e por onde mercadores de diversos povos

do Mediterrâneo passavam para trocar seus produtos pelos do norte europeu, no qual

destacava-se o âmbar amarelo2, inspirador do nome da via. Posteriormente, surgiu como

um ponto estratégico de ocupação militar romana para impedir os constantes saques de

marcomanos na estrada que ligava Roma ao Norte da Europa. A presença bélica romana

iniciou-se como um acampamento de tropas e propiciou o desenvolvimento da localidade

como empório comercial que operava trocas entre mercadorias da Península itálica e as

regiões germânicas. Logo os romanos a chamaram de Vidibona3, que significa boa vista.

Desde suas origens, Viena apresentou-se como uma cidade que abrigava diferentes povos.

Isso ocorria por força não somente de sua capacidade comercial, como entreposto e local

privilegiado pelo entrecruzamento de estradas romanas, mas também pelas peculiaridades

de sua geografia que, pelo itinerário do rio Danúbio, possibilitava a ligação marítima entre

os povos autóctones e diversas outras etnias, como as eslavas, balcânicas e aquelas do Mar

Negro.

A cidade entrou no século XIX com esta marca. Lugar de convívio das diferenças.

Entre as suas origens e o Oitocentos, a diversidade de povos e culturas só fez aumentar na

capital austríaca. Então, convivia ali uma numerosa comunidade de judeus, alguns latinos,

outras minorias germânicas protestantes, balcânicos e um sem número dos mais distintos

povos eslavos. Após o Congresso de Viena, em 1815, a Áustria tornara-se a grande herdeira

do Império Otomano decadente e, com ele, o ônus político de administrar o cadinho de

diversidades étnicas, suas demandas políticas, intolerâncias recíprocas e os seus choques

culturais. A ordem diante da diversidade, antes arquitetada pela presença absolutista de

Maria Teresa ou pelo despotismo ilustrado de seu filho e sucessor José II4, parecia cada vez

mais difícil de ser estabelecida. O problema da gestão da diversidade étnica no espaço

urbano vienense só fez-se aprofundar ao longo do século XIX. Com o desenvolvimento da

economia capitalista na época Biedermeier5 e a crescente diversificação de interesses no

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interior da sociedade civil vienense, o controle político das diferenças na cidade ficou

comprometido. A emergência das revoluções de 1848, e todo o processo de liberalização

política que dela decorreu só fez liberar as tensões antes represadas por uma ordem que,

ainda em muito, se baseava nos instrumentos político-jurídicos que permaneciam do Antigo

Regime. A invasão de Viena por tropas húngaras em 1848 e o sentimento de relativa

simpatia dos vienenses germânicos para com a ação magiar, demandante de autonomia

política, dá nota do mal-estar da convivência multi-étnica na capital austríaca6 que, no mais,

via-se às voltas com ondas crescentes de anti-semitismo.

As tensões continuaram na cidade durante todo o século XIX. Após os abalos de

1848, o débil imperador Ferdinando I é convencido pela nobreza a abdicar do trono em

favor de seu sobrinho, Francisco José I que, reorganizando as forças conservadoras

austríacas, reestabelece o absolutismo com a ajuda do exército e da aristocracia, em 18537.

No entanto, a afirmação dos interesses das minorias étnicas diante do poder austríaco era

iminente, sobretudo no caso húngaro, segmento mais forte do vasto grupo de eslavos

súditos da Coroa, que iam desde os Bálcãs, até a Polônia. Em 1867, o imperador aprova

uma série de medidas que liberalizam a política austríaca, com uma imprensa livre segundo

a lei e uma legislação civil de forte cunho liberal. O Império da Áustria passa a chamar-se

Áustria-Hungria. Essa nação eslava passa a ter autonomia política e o novo Império dois

parlamentos, um em Viena e outro em Budapeste. Ao mesmo tempo, a influência judaica

crescia na sociedade vienense, que contava com significativa presença de israelitas na

magistratura, altos cargos da burocracia pública, quadros universitários e prósperos

empresários. O mal-estar fazia-se sentir de maneira mais pronunciada no interior da

aristocracia, decadente, porém ainda muito influente no governo. Ainda, causava receio à

nobreza a emergência de uma camada média urbana e, principalmente, de uma alta

burguesia ascendente, despossuída de tradição, mas ambiciosa no avanço político em

direção ao Estado. Além disso, a população da cidade crescia exponencialmente. No

período entre 1840 e 1870 o contingente populacional da capital austríaca dobrou,

progressão válida para o número de empresas neste intervalo8. Um aumento vertiginoso

para três décadas.

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A cidade afigurava-se cada vez mais acanhada e inadequada aos novos

movimentos de expansão. A antiga Viena ficara pequena ante o avultado das mudanças que

ocorriam em poucas décadas. Uma reforma urbana fazia-se imperativa.

Em 1857 a elite governante vienense encontrava-se premida por uma gama de

problemas e traumatizada pela ocupação dos civis austríacos em armas nos episódios de

1848. Assim, toma a decisão de urbanizar uma área baldia em forma de anel que

circundava o centro tradicional da capital do Império. Nesta região localizava-se a cidade

barroca, local de residência da elite de Viena e dos principais elementos simbólicos do

poder austríaco: o palácio imperial e a catedral de Santo Estevão. O local, um velho bastião

de defesa contra as invasões turcas, servia então de espaço para manobras militares. Outra

razão que o mantinha era o afastamento do centro da cidade de seus subúrbios, afirmando

uma função simbólica de hierarquia entre nobreza e plebe. Com o fim da ameaça otomana,

sua existência perdia quase totalmente o sentido. Desocupado, só tornaria o centro mais

vulnerável a possíveis motins populares.

O projeto de urbanização da área ociosa em torno do centro viria a público em

1860. Previa a construção de uma avenida circular, em forma anelar, o que lhe conferiu o

nome de Ringstrasse, avenida do anel. A nova via mantinha o isolamento do centro

nobiliárquico pela sua disposição em circunferência, e o seu conteúdo acentuaria sua

distância do espaço mais tradicional de Viena. A Ringstrasse destinou-se a lugar de morada

de uma nova burguesia ascendente. Sua arquitetura diversificada expressava os valores de

desta classe burguesa triunfante. Elementos marcantes9 da arquitetura urbana traduziam-se

em estilo barroco, renascentista, neoclássico ou gótico, dando nota da convivência da

diversidade que o novo arco de valores desta urbanística buscava conotar. Nela instalou-se

a sede da câmara municipal de Viena, o parlamento austríaco, a universidade e o Teatro

Municipal. Laicismo, paz social, razão, arte, ciência e alta cultura sobressaiam no espaço da

nova avenida. A Ringstrasse trazia em si os valores de uma nova classe social e seu

principal ideário político: o liberalismo. Com a incorporação da tecnologia mais hodierna e

em formatação circular, que propunha a incorporação do caráter cinético da vida moderna,

a Ring era um convite ao individualismo, à impessoalidade e a dispersão, elementos da

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modernidade que despertariam a oposição dos românticos austríacos, ciosos da tradição

como elemento garantidor de identidade.

Um desses opositores foi o arquiteto austríaco Camillo Sitte, que manifestou a sua

insatisfação com a avenida do anel em 1889, em um livro chamado der Städtebau10, “A

construção das cidades”.11

Camilo foi filho de Franz Sitte, um mestre construtor e um restaurador de igrejas

que se tinha como um “arquiteto privado”12. Fortemente romântico, Franz participara do

movimento revolucionário de 1848, no qual, junto com um grupo de arquitetos, defendeu o

neogótico como estilo por excelência do povo austríaco13. Este estilo, que recuperaria as

origens medievais, seria uma espécie de ponta de lança da luta contra o classicismo

dominante que, na visão deste grupo, conspurcaria a alma vienense.

Mesmo sendo um arquiteto e historiador da arte do final do século XIX, Camilo

Sitte teve a sua formação fortemente influenciada pelo horizonte paterno, pela perspectiva

artesanal. Essa marca seria decisiva para a construção de seus princípios.

Camilo Sitte assim define a sua concepção de cidade a partir de Aristóteles: “uma

cidade deve ser construída de modo a proporcionar a seus habitantes segurança e

felicidade”. O uso da definição do conceito de boa cidade em Aristóteles na introdução de

sua obra já prenuncia a perspectiva deste arquiteto romântico austríaco. A grande questão

de Sitte é a corrosão moral que a cidade moderna, técnica e funcionalista, causa na alma do

povo vienense. Cético em relação ao progresso tecnológico e ao capitalismo, este urbanista

abomina a sociedade moderna e todos os seus corolários. Esta urbe seria marcada pela

perda da dimensão contemplativa da vida, de sua serenidade e força agregadora. A cidade

moderna seria o espaço do movimento contínuo, da alienação da identidade, da corrosão do

passado pelo devir e da dispersão. Abandonaria ainda a formação natural do local e imporia

um elemento de artificialidade pelo abuso do esquadro e do compasso como elementos

uniformizadores e geometrizantes. Seu lugar central seriam as grandes avenidas retas,

cansativas aos olhos e abafadora das obras de arte da arquitetura. Para Camilo Sitte, seria

inútil construir grandes prédios com estilos que remetem ao passado, pois a estrutura

urbana funcionalista desta cidade faria perder o sentido contemplativo a que deveriam

destinar-se. Escondidas em meio ao emaranhado urbano que convidava a uma vida intensa

e desprovida de espírito estético, perderiam seu sentido. O historicismo moderno, portanto,

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não lhe bastava. Sua defesa do resgate da tradição não poderia ser tópica, mas sim

organicista, em um sistema urbanístico que recuperasse a cidade antiga ou o burgo

medieval conspurcado pelos vícios da urbe moderna.

O contraponto a esta urbe adoecida seria a cidade antiga, que reunia as qualidades

de ser sadia, harmoniosa e ao mesmo tempo intelectualmente efervescente. Nela, o lugar

central seriam as praças, centros dinâmicos da urbe, lugar do encontro, de festa pública, da

congregação dos cidadãos. O mercado romano seria o espaço do povo, festejando seu

encontro cotidiano e o vigor da cidade. A ágora grega seria o lugar de encontro do debate

sobre a política, da argumentação inteligente, enfim, da ebulição da polis, da exibição de

seu vigor e de sua exuberância humana e artística.

A praça de Camilo Sitte tem uma função distinta da persuasão pela retórica e seu

convite à submissão às esferas de poder próprias da praça barroca14, e de suas citações

contemporâneas, como na reforma urbana de Haussmann. Ao contrário desta última, várias

ruas não deveriam afluir à praça, a fim de ressaltar a monumentalidade da obra de arte

arquitetônica, esvaziando assim a praça em função do monumento. De forma distinta, a

cidade concebida por Sitte deveria ter a praça como elemento central, não devendo,

portanto, acorrer à ela senão uma única via. As demais deveriam, no máximo, dirigir-se à

rua principal antes de chegar à praça, garantindo assim o seu poder de agregação. A praça

poderia e deveria ser lugar de arte e grandeza arquitetônica, mas esta jamais poderia roubar-

lhe a primazia na cidade. Antes, é a praça quem garante o significado da arte urbana, na

medida em que se faz a condição de possibilidade da contemplação estética serena à

coletividade da urbe.

Com efeito, para Camilo Sitte, a praça cumpre uma função decisiva na vida

urbana pois, primeiro: injeta unidade moral no seu povo ao convocá-lo à agregação,

segundo: limpa o ambiente urbano encharcado de prédios aglomerados e, terceiro: alimenta

um povo através da arte ao subtrair-lhe da movimentação alienante do emaranhado de ruas

e remetê-lo à contemplação, resgatando-lhes a sua moralidade e, logo, a sua humanidade.

Assim, Camilo Sitte vê a função do arquiteto-urbanista como a de salvador de

uma comunidade urbana, médico para os males que a doença moderna instilou na alma dos

cidadãos através de seu cotidiano corruptor. Não foi sem razão que, após a publicação de

Der Städtebau, em 1889, em um contexto de crescente reação política romântica aos novos

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hábitos do mundo moderno15, Camilo Sitte foi chamado para reformar um sem número de

cidades germânicas16.

Este arquiteto vienense caracterizou-se como um urbanista inserto no grupo de

reformadores urbanos que, segundo Carl Schorske, percebiam a cidade como vício17. Para

ele, a urbe moderna seria uma ameaça moral a séculos de história da civilização ocidental.

Uma perspectiva urbanística bastante ajustada ao grupo de políticos austríacos ascendentes,

filiados a um romantismo cioso de princípios como identidade, origem e pertencimento.

Grupo indubitavelmente reagente a uma Viena que crescia vertiginosamente em população,

economia, diversidade social e, principalmente, tensão multicultural. Este último o grande

desafio da liberal-democracia iluminista e seu sonho de gestão racional das diferenças.

Não obstante, este arquiteto vienense de alma romântica, nostálgico de uma Viena

construída pelas mãos de seus artesãos, constituiu-se como um marco na história do

urbanismo ao desenvolver, com o seu Der Städtebau, o primeiro grande ataque urbanístico

à prática de demolições indiscriminadas inauguradas por Haussmann18. Camilo Sitte

vincara não somente a história do urbanismo austríaco. Fazia-o assim também com a

história do urbanismo europeu.

Dois sujeitos. O Rio de Janeiro e Pereira Passos

O movimento de ação reformadora das cidades européias não poupou a América

do Sul. Enquanto o Brasil ingressava no século XX postergando uma ação de reforma

urbana que vinha discutindo desde a virada do último quartel do século XIX19, a cidade de

Buenos Aires já ostentava uma remodelação urbanística que provocava inveja nos vizinhos

lusófonos do continente20.

O Rio de Janeiro, capital do Brasil, adentrava o novo século mantendo uma

estrutura urbana herdada dos tempos coloniais. Os colonizadores portugueses estruturaram

o arranjo viário da cidade aproveitando os acidentes do seu terreno21. Ruas estreitas e

sinuosas caracterizavam a cidade colonial remetendo à herança árabe na Península

9

Ibérica22, bem como uma arquitetura e aparelhagem urbana muito peculiar a este período23.

Este conjunto de características coloniais eram fortemente associadas pela maior parte da

opinião pública brasileira do alvorecer do século XX a um passado que se desejava

esquecer. Para a maior parte da elite intelectual republicana, a cidade colonial, que insistia

em manter-se de pé, remetia a um universo simbólico que representava toda uma história

nacional que buscavam superar pela força do progresso, um imperativo dos novos tempos,

uma força meta-histórica irresistível. Ademais, desde meados do século XIX, o Rio de

Janeiro foi estigmatizado como cidade pestilenta, foco de epidemias, endemias e reputada

como lugar de “des-ordem” na ocupação do espaço urbano, falta de compostura, civilidade

e de desagradável sinestesia, tida como feia, mal cheirosa e ruidosa A cidade convivia ainda

com problemas crônicos de infra-estrutura, como falta de água, esgotamento sanitário

ineficiente, calçamento precário, deficiência de iluminação, drenagem de terrenos

pantanosos, canalização de seus rios, além de um porto – então o maior do país –

sensivelmente inadequado à movimentação de mercadorias que por ele transitavam24.

Assim como Viena, o Rio de Janeiro revelou forte crescimento de sua população

durante a segunda metade do século XIX, com especial destaque para a virada do século.

Entre 1890 e 1920, a capital brasileira passara de cerca de 500.000 habitantes para um

pouco mais de 1.120.000. Somente no intervalo entre 1890 e a Grande reforma urbana do

Rio de Janeiro de 1903-190625, o contingente populacional da urbe carioca somou cerca de

300.000 novos habitantes.

A segunda metade do Oitocentos, com especial destaque para as décadas de 70 e

80 foram marcadas pela crise do escravismo, o crescimento e diversificação das camadas

médias urbanas e a forte inversão de capital estrangeiro na cidade, no setor de infra-

estrutura, por conta do fenômeno europeu do Imperialismo. Na primeira década do século

XIX, a maior parte dos serviços de infra-estrutura urbana era realizado pelos escravos. O

advento da lei Eusébio de Queiroz, que proibia o tráfico negreiro, somado ao intenso ritmo

de crescimento urbano - demandante em progressão do aprimoramento de serviços públicos

– somaram-se para que o serviço de infra-estrutura urbana migrasse das mãos escravas para

o poder público via concessões privadas. Nas décadas de 70 e 80 do século XIX a crise do

escravismo só se radicalizou, vindo ao encontro da necessidade européia de evadir seus

capitais para outros continentes, o que fez no Rio de Janeiro através da prestação de

10

serviços urbanos. A cidade crescia em progressão acelerada, a opinião pública aumentava o

seu clamor pela solução de problemas crônicos da cidade que se arrastavam por décadas:

epidemias, endemias, falta de água e esgotamento sanitário mobilizavam cada vez mais as

camadas médias emergentes.

Com o fim da escravidão os problemas da urbe avolumaram-se. Uma parte

significativa dos escravos recém libertos aflui para a principal cidade do país. Ex-escravos

do Vale do Paraíba Fluminense, Bahia e Minas Gerais afluem em grande monta rumo às

oportunidades de sobrevivência que a capital nacional supostamente poderia oferecer. A

eles unem-se uma massa de migrantes pobres não oriundos da escravidão e de imigrantes

estrangeiros, sobretudo portugueses, que tomavam as ruas do Rio de Janeiro. Durante o

início do século XX, o contingente de habitantes da capital que não eram originários da

cidade chegou a aproximadamente 55 % do total da população26. Ampliar a estrutura viária

e de transportes em geral e alojar essa massa exógena à urbe carioca tornava-se cada vez

mais um imperativo. Ao mesmo tempo, havia problemas prementes no setor mais dinâmico

da economia nacional, a cafeicultura paulista. A escassez de mão-de-obra qualificada era

um problema que ameaçava seriamente este setor, configurando-se assim em uma grande

preocupação para os oligarcas paulistas. Fazia-se fundamental estimular a imigração de

mão-de-obra européia, tida como a mais qualificada27, a fim de manter a reprodução e

prosperidade do capital neste setor. Para isso, tornava-se decisivo melhorar a imagem da

capital do país no exterior, principal porta de entrada de imigrantes. Necessitava-se

trabalhar a imagem do Rio de Janeiro, maculado pelo signo de cidade insalubre,

pestilenta28.

Um problema adicional residia na ordem tributária nacional que emergira da

constituição republicana. Esta determinava que aos estados membros da federação caberia a

arrecadação dos impostos advindos das exportações, enquanto à União restaria o conjunto

de tributos originários das importações. Ora, como o Rio de Janeiro possuía o principal

porto importador da cidade, fazia-se necessário, por uma questão de equilíbrio das contas

públicas – um velho problema econômico republicano que se arrastava, ampliar e reformar

o porto carioca e a estrutura viária do centro, a fim de propiciar as condições necessárias à

distribuição das mercadorias de um porto ampliado em suas movimentações.

11

Ainda, é de grande relevância lembrar um problema não mencionado pela

historiografia e que, certamente, foi um dos elementos motivadores da Grande reforma

urbana do Rio de Janeiro: a questão da legitimação da República diante do povo

brasileiro29. Desgastada não somente diante da opinião pública, como também e,

principalmente, entre os segmentos populares, os governos republicanos que sucederam a

Floriano Peixoto amargaram forte antipatia das camadas baixas, saudosas da figura paternal

do imperador e da princesa Isabel, libertadora dos escravos. Isto decorria de maneira

especial no Rio de Janeiro. Campos Sales, assim que deixou a Presidência da República,

ingressou em um trem na estação Central do Brasil debaixo de estrondosa vaia do público

carioca ali presente30. A reforma urbana do Rio de Janeiro vinha portanto, entre outros

ofícios, buscar angariar a simpatia do regime entre a opinião pública brasileira e a

população da capital federal, dado fundamental para a conquista da boa governança, uma

dificuldade patente durante a primeira década da República.

Com efeito, a motivação da reforma urbana do Rio de Janeiro, iniciativa do

governo de Rodrigues Alves, obedecia a diversas demandas. Rodrigues Alves, um ex-

monarquista do Partido Conservador, formado bacharel em Direito na Faculdade do Largo

de São Francisco em São Paulo, foi um dos vários homens públicos do Império à migrar

para a República. Paulista, membro legítimo das oligarquias cafeeiras de São Paulo, da qual

descendia31, chegara ao Governo Federal após uma carreira triunfante na política

republicana. Foi Deputado Federal, membro destacado da comissão de finanças. Ministro

da Fazenda de Floriano Peixoto e de Prudente de Moraes, vindo a tornar-se ainda

governador de São Paulo, cargo que exerceu no quadriênio logo anterior a sua gestão na

presidência da República32. Na época, uma espécie de ante-sala da presidência da

República. Foi ex aluno do Imperial Colégio Pedro II durante sete anos, período em que

morou no Rio de Janeiro. Logo, conhecia bem a urbe carioca, suas especificidades e

problemas, que vivenciou de maneira intensa, tendo inclusive um filho vitimado nesta por

força da febre amarela.

Rodrigues Alves fora portador do título honorífico de Conselheiro do Império e,

assim que assume o poder, logo trata de organizar um ministério de notáveis, que contava

com alguns ex monarquistas. Por isso, seu período de gestão presidencial ficou conhecido

como a “República dos Conselheiros”. Figura híbrida, Rodrigues Alves percebeu que as

12

questões do Rio de Janeiro a serem alcançados na reforma urbana não poderiam ser

equacionadas da mesma maneira que os objetivos paulistas e nacionais também almejados.

Assim, divide a reforma urbana da capital em duas reformas distintas. Uma sob o comando

do Governo Federal, e outra sob a responsabilidade do Governo Municipal33.

A parte que ficou sob a égide federal foram as obras que se articularam à obra e

objetivo principal deste governo: a do porto. Desse modo, coube ao Governo Federal não só

reformar e ampliar o porto, mas também arruar a região adjunta ao mesmo e construir três

avenidas que escoassem as suas mercadorias, a saber: a atual Avenida Rodrigues Alves,

que margeia o mesmo; a Avenida do Mangue, atual Avenida Francisco Bicalho, destinada a

evadir as mercadorias no sentido da zona norte da urbe e a Avenida Central, atual Avenida

Rio Branco, pensada para embelezar a cidade e também escoar os produtos do porto para o

comércio do Centro da cidade.

Todo o restante da cidade ficara sob a responsabilidade da reforma urbana

municipal. A escolha do alcaide surpreendeu. Até os últimos dias de dezembro de 1902, os

nomes mais cotados na imprensa eram os de Joaquim Murtinho, matogrossense, e o do

Conselheiro Antônio Prado, figura de proa da elite cafeicultora paulista. No entanto, um

nome não esperado foi anunciado. Era uma figura fortemente ligada à cidade34: o

engenheiro Pereira Passos.

Nascido em 1836, Francisco Pereira Passos foi filho de um produtor rural

escravista de Mangaratiba, onde foi criado até a adolescência, antes de vir para a Corte, a

fim de concluir os estudos iniciados por preceptores na fazenda de seu pai. Formou-se em

engenharia pela Escola Militar do Largo de São Francisco, precursora das Escolas Central e

Politécnica. Logo após formar-se engenheiro vai à França como adido da legação

diplomática brasileira neste país, cargo que lhe foi arranjado pelo pai, que pretendia

corrigir-lhe o rumo assumido pela escolha de uma profissão com baixo status social no

Brasil do século XIX. Em Paris, Pereira Passos acompanha parte da grande reforma urbana

de Haussmann e atua como engenheiro auxiliar em obras de estradas férreas no interior da

França. Após alguns anos, retorna ao Brasil, onde desenvolve uma carreira como

engenheiro no serviço público imperial. Rapidamente destaca-se pelos seus conhecimentos

técnicos e habilidade no manejo das ciências exatas. É então convidado a assumir a chefia

da Comissão de Melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro em 1874, que ficou

13

encarregada pelo imperador de desenvolver uma reforma urbana na cidade. Após o malogro

de seus dois projetos de reformação urbana por falta de recursos do governo e de interesse

da iniciativa privada, ocupa o cargo máximo da engenharia nacional, o de diretor da Estrada

de Ferro Pedro II, no qual fica durante quatro anos, retirando-se com um prestígio bem

maior do que aquele com o qual entrara e consolidando-se como um dos maiores nomes da

engenharia nacional. Entre este período e a sua ascensão à prefeitura do Rio de Janeiro atua

sempre como engenheiro do serviço público, exceto pelo fato de adquirir uma madeireira,

que conservou desde os tempos da monarquia, até a sua gestão como prefeito da capital.

Fez algumas longas viagens a diversos lugares do mundo, destacando-se por um forte

espírito cosmopolita. Estuda em Paris na década de 80 do século XIX, na Escola de pontes

e calçamentos, freqüentando inclusive a cadeira de Economia Política. Antes de assumir

como Alcaide, ainda dirige a, então, Estrada de Ferro Central do Brasil no governo de

Prudente de Moraes. Embora sempre se declarasse apolítico, foi sempre simpático ao

Imperador, a quem admirava, embora tenha lhe recusado o título de barão do Corcovado na

década de oitenta, afirmando não acreditar em títulos. Desde os tempos de colegial no Rio

de Janeiro, sempre assumiu posição deliberadamente contrária à escravidão, postura que

manteve mesmo quando presenteado na década de 60, em seu casamento, com um casal de

escravos, que de pronto recusara, afirmando somente acreditar no trabalho livre. Enquanto

um engenheiro que passou toda a sua carreira trabalhando no serviço público, foi

fortemente identificado com o ideal monárquico de promover uma civilização nos trópicos,

valor para ele muito superior a grande meta dos governantes republicanos: o ideal de

progresso.

A idéia de civilização envolve vários aspectos: a compostura e civilidade urbana,

viver sob um governo que confira ordem coletiva ao caos de interesses individuais sob a

forma de uma lei impessoal, a sofisticação na apresentação material de uma sociedade, o

desenvolvimento científico e intelectual, assim como o cultural e estético e, principalmente,

o reconhecimento do valor da história, a idéia de pertencimento a um movimento social,

político, cultural e econômico que lhe precede, que vem do passado, que faz o presente se

sentir devedor e portador de uma tradição. Ao contrário da idéia de progresso, valor maior a

ser exaltado pelos republicanos, a idéia de civilização, grande metáfora política do Império,

remete a uma legitimação pelo passado, não pelo futuro, pelo advir.

14

Com efeito, a idéia de uma utilização ordenada do espaço urbano, a idéia de

império da lei, de educação pública, desenvolvimento material, estímulo à cultura,

reverência ao passado, promoção do sentimento estético e pertencimento a uma tradição,

seriam dados fundamentais dessa idéia35.

Homem público profundamente marcado pelo ideal monárquico de civilização,

Pereira Passos iria traduzir esses princípio em sua ação reformadora. Nos primeiros dias

após ser nomeado Prefeito do Rio de Janeiro, o que ocorrera no dia 30 de dezembro de

1902, o engenheiro iria decretar uma série de proibições que visavam regulamentar o uso

do espaço urbano da cidade. Proíbe a prática de acender fogueiras nas ruas, a ordenha do

leite de vacas em vias públicas, prática comum na cidade, inclusive no Centro, a venda de

víscera de animais, a tavolagem, a venda de bilhetes de loterias, feita aos berros, o costume

de andar descalço, soltar balões, entre outras coisas. É também o prefeito que termina com

a prática do entrudo na cidade, substituindo-a pela batalha de flores, considerada mais

adequada aos padrões de uma cidade que perseguia o ideal civilizador.

Pereira Passos percebia o Brasil e o Rio de Janeiro que administrava como

pertencentes a um movimento secular de afirmação da civilização do Velho Continente.

Embora não reconhecesse a Europa como a única civilização, a entendia como a civilização

na qual a sua cidade encontrava-se filiada, na qualidade de portadora da tradição ocidental.

Esse é um dado fundamental para compreender-se a figura de Pereira Passos, um prefeito

que pensava a idéia de civilização no Rio de Janeiro pela idéia de pertencimento a uma

historicidade ocidental, uma tradição que deveria ser afirmada pela sua ligação com o

movimento da cultura européia, que a teria feito surgir no século XVI. Cabe aqui ressaltar

que, ao contrário do que foi sustentado pela historiografia sobre a reforma Passos, o

prefeito não buscou imitar Paris. Seja na arquitetura, seja nas suas implementações de

aparelhagem urbana, seja mesmo na sua lógica e arranjo viário e urbanístico, a reforma

urbana de Pereira Passos foi bastante diferente daquela desenvolvida por Haussmann. O

próprio Pereira Passos reputa Paris como uma cidade de arquitetura monótona, demasiado

homogênea, julgando Berlim a grande cidade européia. Para o prefeito, muito mais do que

a capital francesa, a cultura européia, nos aspectos materiais e imateriais era a grande

referência, embora não a única36. Seu sentimento de pertença a cultura do Velho mundo o

15

fez buscar, de maneira malograda, introduzir aqui a festa do carnaval veneziano, com baile

de máscaras típico da cidade do Vêneto.

Quanto a educação pública, a qual atribuía grande valor, constrói várias escolas no

subúrbio da cidade e transfere outras do centro para esta região, uma vez que esta região da

cidade gozava de uma rede escolar municipal bem mais vasta que a precária rede suburbana

de então. Constrói, no subúrbio do Engenho de Dentro, uma escola de formação

profissional para os filhos dos funcionários da rede ferroviária e concede, após longo

período de abandono, um substantivo aumento salarial para os professores da rede

municipal.

No entanto, é na concepção urbanística do prefeito que o seu caráter civilizador

mais se faz notar. De forma distinta da perspectiva progressista e mecanicista que seriam

expressadas pelos reformadores urbanos do Governo Federal entre 1903 e 1906 - grupo de

engenheiros do Clube de Engenharia ligados à oligarquia cafeicultora paulista - o prefeito

do Rio de Janeiro atua em uma perspectiva que se poderia classificar como organicista e

tributária do culturalismo37. O urbanismo culturalista, tem por base a reverência à tradição

de uma cidade e a busca da retomada do caráter orgânico da mesma, que é ameaçado com o

rápido crescimento das urbes modernas do século XIX. O urbanista culturalista prima por

resgatar a dimensão de totalidade da cidade, evitando a sua formatação em parcelas

estanques. Seu intuito é interconectar as diversas regiões da urbe, facilitando e estimulando

a circulação entre elas, a fim de que a cidade possa não só ser pensada, mas também

funcionar como um todo orgânico. Cabe aqui lembrar mais uma vez a diferença desse

modelo orientador da reforma urbana de Pereira Passos e a urbanística da reforma

Haussmann, já que a comparação entre as duas na chave da imitação da segunda pela

primeira tornou-se uma forte referência em nossa historiografia. De forma distinta da

reforma urbana de Pereira Passos, na reforma Haussmann um conjunto de novas avenidas

amplas e circulares retirava o trânsito e o acesso ao centro da cidade, a fim de evitar a

presença popular neste espaço, fortemente marcado pelas barricadas populares presentes no

processo revolucionário de 1848. O prefeito do Rio de Janeiro desenvolveu a nova estrutura

viária da cidade operando a lógica contrária à de Haussmann. Constrói três ligações francas

do Centro à zona Norte da cidade, antes inexistentes38, e ainda deixa projetada e em estágio

inicial de desenvolvimento uma quarta, que seria uma grande avenida, com o traço próximo

16

a atual Avenida Castelo Branco, mais conhecida como “Radial Oeste”. Esta última avenida

já estava preconizada, com uma trajetória muito similar, no seu plano de reforma urbana da

Comissão de Melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro de 1875, quando optou por não

intervir na região do Centro da cidade. Buscou assim preservar as características históricas

desta região, pelas quais tinha apreço. No plano de reforma urbana de 1875, a perspectiva

de Pereira Passos era a de cumprir este intuito deslocando a centralidade da cidade para o

bairro de Vila Isabel, que projetara a partir do início de seu arruamento pela Companhia de

Bonde Jardim Botânico, em 1874. Assim, conservaria o centro do Rio de Janeiro como

centro histórico, liberando-o de qualquer intervenção que descaracterizasse a sua estrutura

urbana e arquitetura originais.

Com a construção de três vias de ligação do Centro com o subúrbio e a finalização

dos estudos para a efetivação de uma quarta, Pereira Passos buscava atrair as classes

populares ao Centro da urbe, posto que o entendia como lugar da exemplaridade da

civilização. Nesta perspectiva, as camadas populares poderiam dotar-se do espírito de

civilidade no centro e disseminá-lo pelos subúrbios do Rio.

Ainda, na reforma urbana municipal de 1903-1906, Passos fez várias obras no

subúrbio da cidade, cuidando principalmente da melhoria e articulação da estrutura viária

dos bairros da região, facilitando assim, sobremaneira, a sua conexão. Liga também o

bairro de Botafogo a Copacabana, sendo o responsável pela assimilação de boa parte do

litoral á malha urbana da cidade, uma marca que caracteriza a identidade da cidade e da

cultura carioca até os dias atuais. Ainda, nesta perspectiva organicista, chega ao capricho

visionário de ligar a Gávea à Barra da Tijuca durante a reforma. A zona sul como um todo

também é pensada integrada à cidade, o que se dá com a construção da Avenida Beira Mar,

responsável pela articulação do Centro com Botafogo. Em seu projeto original, que data de

1876, no segundo relatório da Comissão de Melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro,

projeta esta avenida de maneira mais radicalmente orgânica, pois partiria de São Cristóvão

ao mesmo destino, bordando o litoral carioca. Este projeto, sem dúvida mais ao seu gosto,

não pôde ser efetivado na Grande reforma urbana do Rio de Janeiro, pois os reformadores

federais já haviam utilizado uma boa parte deste litoral com os propósitos de sua

intervenção mecanicista na região do porto do Rio de Janeiro.

17

O objetivo de Pereira Passos era conectar a cidade, resgatar-lhe a organicidade

ameaçada com o seu crescimento e fazer do Centro o lugar pedagógico da civilização, lugar

do império da lei, da civilidade, da cultura e do sentimento estético. Por isso é que neste

espaço o prefeito projetou o Teatro Municipal, não sem sentido próximo ao Teatro Lírico,

grande centro da cultura estética imperial e do novo prédio da Escola de Belas Artes,

construída pelo Governo Federal em 1904. A força evocadora de cultura do lugar atrairia

ainda a Bibilioteca Nacional, lá estabelecida um ano após o Teatro Municipal, em 1910 e,

na década de 20, um grande conjunto de cinemas privados do empresário espanhol

Francisco Serrador, que tornaria a região conhecida até os dias de hoje como Cinelândia.

A idéia de manter as camadas populares pelo centro da cidade, a fim de melhor

educá-las nos princípios da civilização, também motivou outras medidas do prefeito, como

construir uma vila operária no Centro, na Avenida Salvador de Sá, e deixar projetada outras

três, sendo duas nesta região e uma na zona Sul da cidade, mais especificamente no bairro

da Glória, no qual tinha feito várias intervenções urbanísticas que convocavam a fruição

estética. Urbaniza ainda várias praças pela cidade, inclusive a Praça XV na qual fixou um

coreto de música destinado ao lazer dos operários nos fins de semana. Também no centro

construiu um aquário público para o lazer dos cariocas, inovação que trouxe para o Rio

inspirado em um similar que vira em uma viagem que fizera a Nápoles, um hábito comum

na biografia de Passos, um viajante cosmopolita fascinado com as inovações que eclodiam

pelo mundo39. No seu livro “Notas de viagem. Cartas a um amigo”, no qual registra suas

impressões de uma grande viagem que realiza em várias partes do mundo logo após ter

deixado a prefeitura, Pereira Passos deixa clara, mais de uma vez40, o seu desejo de que as

camadas populares da cidade utilizem o espaço urbano do centro. Em uma passagem do

livro chega, inclusive, a ironizar aqueles que se sentiam chocados com a presença popular

nesta região que, depois de reformada, passou a ser identificada pelas elites do Rio de

Janeiro como um lugar civilizado.

Além da busca da constituição de uma organicidade à cidade, as reformas urbanas

de Pereira Passos traduzem também uma série de atos que dão nota de um culto à tradição

da cidade expressa no espaço urabano como lugar de memória. Assim o foi na sua reforma

urbana projeta no segundo relatório da Comissão de Melhoramentos da cidade do Rio de

Janeiro, de 1876, quando mesmo fortemente pressionado pela opinião de engenheiros para

18

desbastar todo o Morro do Castelo, não o faz, sugerindo uma solução original que consistiu

na proposta de abertura de uma avenida ligando a Prainha – atual Praça Mauá, ao largo da

Mãe do Bispo – atual Cinelândia41 e uma outra, perpendicular a esta, que desembocaria na

atual Praça Mauá. Assim, sem derrubar o símbolo da fundação da cidade, Passos respondia

às críticas de que o Centro do Rio carecia de circulação de ar, pois desta maneira captaria as

brisas oceânicas da direção Leste, Sul e Norte do Centro.

Procede sob a mesma orientação na reforma urbana municipal de 1903-1906,

quando novamente a contrapelo da opinião pública decide manter de pé a Câmara

Municipal colonial, localizada na atual Cinelândia e considerada uma “choupana” de

arquitetura colonial, um estilo tido como “atrasado” pelos arautos do progresso de então e a

maior parte da opinião pública. Mais ainda, decide construir o faustoso Teatro Municipal

do Rio de Janeiro em frente a mesma, em um ato de afirmação do diálogo entre a

modernidade e a tradição.

Para Pereira Passos, distintamente dos reformadores federais do consórcio entre os

engenheiros do Clube de Engenharia e as elites governantes paulistas, a modernidade não

se fazia a despeito de um passado, fazendo tabula rasa desse em nome de um progresso

devastador, mas antes o incorporando organicamente, como em uma espiral, na qual o

moderno só poderia ser entendido no interior de uma historicidade.

Pereira Passos e Camillo Sitte. Aproximações e antinomias.

Contemporâneos, Pereira Passos e Camillo Sitte42 notabilizaram-se em duas das

maiores cidades do Ocidente como formuladores de projetos urbanísticos que enfrentavam

os desafios do crescimento acelerado das cidades modernas. Proponentes de arranjos

originais para uma nova relação do cidadão com o seu espaço urbano, estes dois urbanistas

revelaram aproximações e antinomias que merecem uma comparação a fim de melhor

definirmos as especificidades de cada projeto e o diálogo que estabeleceram com a tradição

e a modernidade de suas cidades, esta última muito comumente expressa pela ação

devastadora da idéia de progresso, uma referência ideológica central na modernidade do

século XIX e fortemente carregada com um conteúdo “des-historicizante”.

19

Camillo Sitte é um urbanista culturalista. Para nós, além disso, é também,

politicamente, um conservador romântico. Alguém que entende a conservação como

condição indispensável da manutenção de valores como a moralidade de um povo, sua

coesão e sua identidade como dado referido à sua origem e pertencimento.

Assim, a Viena de Sitte aparecia despontando com catedrais góticas, citação das

origens bárbaras da cidade, e de uma Idade Média mítica, idealizada como lugar da pureza

moral de uma Germânia cristã. Ao mesmo tempo, a cidade idealizada por Sitte era também

citação das origens da civilização ocidental. Buscava preservar o ideal de cidade antiga e a

sua busca pela felicidade, que o autor faz questão de citar na alusão a Aristóteles no início

de seu Der Städtebaun: “uma cidade deve ser construída de modo a proporcionar a seus

habitantes segurança e felicidade”. A segurança a que o dístico de Aristóteles faz menção

deve ser entendida aqui, na recepção de Camillo Sitte, como a segurança referencial que só

a afirmação de uma moral holística poderia proporcionar ante ao movimento desagregador

do “progresso”. Neste projeto culturalista de resistência, a praça seria o seu núcleo

principal. Inspirada na ágora grega e na praça do mercado romano, ela seria lugar de

encontro dos seus cidadãos entre si e com a dimensão estética da vida, promotora de

humanização ante o mecanicismo ou, poderíamos dizer, automatismo, induzido pela cinese

vertiginosa da vida moderna. A cidade moderna seria ameaça à felicidade e segurança de

seus cidadãos ao furtar-lhes a sua humanidade em troca de uma vida autômata, orientada

somente para a produção material.

A urbe moderna seria vítima ainda da atomização provocada pelo progresso

econômico e a alienação do sentido de comunidade que conferiria identidade a um povo.

Não era sem razão que a praça do mercado romano era um modelo significativo para Sitte,

pois era local de encontro e convivialidade entre os cidadãos. Eles não se consumiam pela

cidade. Dela usufruiam com a sua utilização comunitária. Daí o seu apelo à história, lugar

de usufruto urbano. As suas citações das praças das cidades clássicas e da arquitetura gótica

da comuna medieval idealizada. Daí também o sentido do seu apelo à praça como elemento

nuclear da cidade. Ela é a condição de possibilidade do resgate do belo enquanto totalidade

que se ameaçava perder com o crescimento acelerado de Viena. Na iminência moderna da

perda da totalidade pelo crescimento acelerado da urbe, Sitte interpunha a praça como lugar

da contemplação da arte e da retomada do belo como totalidade.

20

Em Sitte, a totalidade orgânica da cidade e a conservação de seu passado seria

obra de arte pelas mãos do urbanista, uma vez que criação poética do artista que este é. Para

este vienense, o urbanista seria ainda mais do que um artista, cumpriria o papel de redentor

de uma comunidade, de herói prometeico em busca do belo ameaçado. Às máculas do

progresso, a ação salvífica do artista. Contra a sua torrente, a conservação como obra de

arte.

Quanto a Pereira Passos, trata-se sem dúvida de um urbanista tributário do

culturalismo, revelando elementos deste, como a busca pela totalidade da cidade através da

promoção de sua organicidade e a valorização de sua história impressa no espaço urbano.

No entanto, ao contrário de Sitte, não vê problemas na modernidade e suas inovações. Não

reage à idéia de progresso, apenas a percebe como a civilização em movimento. Ao fazer

isso, longe de negar a idéia de progresso, Pereira Passos a assume, não obstante fazê-lo

subordinando-a ao valor, para ele maior, da civilização. Para este urbanista, o progresso não

era pensado como uma linha reta, que deveria superar o passado, ignorando-o. A sua

concepção de progresso era pensada como uma espiral, que avançava sempre incorporando

o passado, ganhando sentido a partir dele, como um movimento que vem do passado ao

futuro, tornando o passado, forçosamente, uma presença neste, posto que visto como

consubstancial ao presente e ao futuro.

Para o prefeito do Rio de Janeiro, o progresso não era apenas um dado relativo ao

desenvolvimento material da sociedade, não gozava de autonomia como tal, mas, antes,

obedecia aos imperativos de um passado em movimento para diante. O progresso era a

civilização em movimento. Sua tradução era a manutenção e ampliação de institutos dessa

civilização. Vida estética, ciência, cultura, tecnologia, compostura, educação e império da

lei deveriam ser constantemente “aperfeiçoadas”, consoantes às conquistas da civilização

Ocidental em movimento no tempo. Para Pereira Passos, a terefa do urbanista deveria ser

de natureza dupla, obedecendo a dois movimentos: o de operar uma espécie de

agiornamento de sua cidade com o movimento da tradição43 ocidental no tempo, e o de

preservar elementos próprios da tradição de sua cidade, conferindo-lhes um novo sentido

urbanístico a partir do progresso, pensado como movimento de uma civilização.

Foi por esta razão que Pereira Passos resistiu em reformar o centro urbano do Rio

de Janeiro em 1875, caminhando a contrapelo de especialistas respeitados. Foi também por

21

ela que, novamente divergindo da opinião pública, fez questão de manter o prédio da

Câmara colonial do Rio de Janeiro, tida pela imprensa da época como “choupana do atraso

colonial”, diante da qual construiu a obra moderna do Teatro Municipal. Ainda, nesta

perspectiva, nunca propôs demolir o Morro do Castelo, marco da fundação da cidade, não

obstante ter sido fortemente pressionado a fazê-lo em 1876 e em 1903, sob o argumento de

que este dificultava a circulação de ar da urbe, o que favoreceria a propagação de moléstias.

Assim, Pereira Passos difere-se tanto de Camillo Sitte, que nega o progresso,

percebido como agente destruidor do passado, buscando mantê-lo enquanto reação ao efeito

das transformações perpetradas pela modernidade e o futuro desagregador que prenunciava;

como dos reformadores federais, que afirmavam o progresso como um futuro sem passado

e que, mais ainda, necessitavam destruir o passado para estabelecer o futuro.

Se Camillo Sitte via o urbanismo como forma de conservação/defesa de uma

civilização, localizando a sua cidade ideal no tempo passado, os reformadores a serviço do

governo de Rodrigues Alves o entendiam como instrumento de promoção do progresso,

situando a sua cidade ideal no tempo futuro. Distante destas polaridades do tempo, Pereira

Passos percebia o urbanismo como forma de “atualização histórica” de uma civilização em

movimento. Sua cidade ideal consubstanciaria passado e futuro a partir do espaço de

experiências dinâmicas do presente.

1 Cf. Leonardo Benévolo. História da cidade. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 607. 2 Cf. Paul Hofmann. Os vienenses. Esplendor, decadência e exílio. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1996. p.19. 3 Cf. Marcel Brion. Viena no tempo de Mozart e Schubert. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 10. 4 Para um panorama dos governos destes dois soberanos austríacos do século XVIII, ver: Hofmann. Op. Cit. P. 61 – 108. 5 Chama-se período Biedermeier, ou cultura Biedermeier, o período politicamente liberal e de significativo crescimento da burguesia austríaca, governado em sua maior parte do Meternich, que vai de 1815 a 1848, logo antes dos três levantes ocorridos neste último ano em Viena. Cf. Brion. Op. Cit . p. 255. 6 Um quadro dos acontecimentos de 1848 em Viena pode ser encontrado em Marcel Brion. Op. Cit. P. 277 -300. 7 Cf. Hofmann. Op. Cit. P. 112. 8 Cf. Carl Schorske. Viena fin-de-siècle. São Paulo: Companhia das Letras/Ed. Da Unicamp, 1988. p. 47. 9 O conceito de elementos marcantes é do arquiteto norte americano Kevin Lynch, que se notabilizou pelo estudo da cidade de Boston. Ver: Kevin Lynch. A imagem da cidade: Lisboa: Edições 70, 1990.

22

10 Camilo Sitte. A construção das cidades. Apud. François Choay. Utopias e realidades. Uma antologia. São Paulo: Perspectiva, 1992. p. 206. 11 O título completo em português é “A construção das cidades segundo seus princípios artísticos”. Foi editado no Brasil pela Ática. Ver: Camillo Sitte. A construção das cidades segundo seus princípios artísticos. São Paulo: Ática, 1992. 12 Cf. Schorske. Op. Cit. P. 82. 13 Ibdem. 14 Sobre a praça barroca e a discussão acerca da retórica e a persuasão, ver: Giulio Carlo Argan. L´Âge baroque. Genève: Skira, 1994. Sobre o ethos assimilador do barroco, ver: José Antonio Maravall. A cultura do barroco. São Paulo: Edusp, 1997. 15 Sobre esta reação, ver: Hofmann. Op. Cit. P. 149-156. exemplos destacados desses políticos que conotavam a reação romântica à modernidade austríaca são: Karl Luger, Georg Von Scöenerer e Jörg Lanz. 16 Cf. Schorske. Op. Cit. P. 87. 17 Sobre a idéia de cidade como vício, ver: Carl Schorske. Pensando com a história. Indagações na passagem para o modernismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 18 A avaliação que confere esta primazia à Camilo Sitte encontra-se em: Leonardo Benévolo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 2001. P. 354. 19 Isso se deu com a constituição da Comissão de Melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro em 1874. Sobre a formação dessa comissão e seus dois relatórios, respectivamente, em 1875 e 1876, ver: André Nunes de Azevedo. Da Monarquia à República: um estudo dos conceitos de civilização e progresso na cidade do Rio de Janeiro entre 1868 e 1906. Tese de doutoramento em História apresentada à Puc-Rio. Rio de Janeiro, 2003. 20 Ver crônica de autoria de Olavo Bilac sobre a Buenos Aires reformada, 18 de novembro de 1900, publicada na Gazeta de Notícias. Apud Giovanna Rosso Del Brenna (org.). O Rio de Janeiro de Pereira Passos: uma cidade em questão II. Rio de Janeiro: Index, 1985. p.15-16. 21 Cf. Paulo Santos. Quatro séculos de arquitetura colonial. Rio de Janeiro: editora da Ufrj, 1977. p. 9 e10 22 Durante o século XIX, a maioria das ruas do Rio de Janeiro não passava de 5,40 metros.Cf. Adolfo Morales de Los Rios Filho. O Rio de Janeiro imperial. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. P. 94. 23 Sobre a arquitetura colonial do Rio de Janeiro no período colonial, ver: Paulo Santos. Op. Cit. P. 5-34. 24 Sobre os problemas de infra-estrtura do porto do Rio de Janeiro, ver: Sérgio Tadeu N. Lamarão. Dos trapiches ao porto. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de cultura, 1991. 25 Faremos uso aqui do conceito de Grande reforma urbana do Rio de Janeiro para indicar o processo de reformação urbana federal e municipal que ocorreu na cidade entre 1903 e 1906. Sobre este conceito ver tese André N. de Azevedo. Da Monarquia à República: um estudo dos conceitos de civilização e progresso na cidade do Rio de Janeiro entre 1868 e 1906. Op. Cit. 26 Cf. José Murilo de Carvalho. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 17. 27 A idéia de superioridade intelectual e maior disciplina para o trabalho como qualidades raciais dos elementos caucasóides está explicitada em um dos principais ideólogos do PRP, irmão do presidente Campos Sales, o intelectual paulista Alberto Sales. Ver: João Alberto Sales. A pátria paulista. Distrito federal: UNB, 1993. Importante referência para o estudo desta visão paulista acerca das supostas qualidades dos europeus é o trabalho de Salles. Ver: Iraci Galvão Salles. Trabalho, progresso e sociedade civilizada. São Paulo: Hucitec, 1986.

23

28 Isto está explícito no discurso de posse do presidente Rodrigues Alves, em 15 de novembro de 1902, e pode ser percebido pela política Federal de confecção de cartões postais do Rio de Janeiro reformado para fazer propaganda da cidade no exterior. 29 É o que sustento em minha tese de doutorado. Ver. André N. de Azevedo. Da Monarquia à República: um estudo dos conceitos de civilização e progresso na cidade do Rio de Janeiro entre 1868 e 1906. Op. Cit. 30 Ver: José Murilo de Carvalho. Op. Cit. 31 O pai de Rodrigues Alves era um imigrante português do Minho. Sua mãe pertencia a uma abastada família de fazendeiros do café de São Paulo. Sobre a biografia de Rodrigues Alves, ver: Afonso Arinos de Melo Franco. Rodrigues Alves. Apogeu e declínio do presidencialismo. Rio de Janeiro: José Olímpio. São Paulo: Edusp, 1973. 2v. 32 Rodrigues Alves foi Governador de São Paulo entre fins de 1898 e finais de 1902. Foi Presidente da República entre novembro de 1902 e o mesmo mês de 1906. 33 Faz-se fundamental frisar essa distinção, posto que a historiografia trata das duas reformas como uma mônada. A nossa perspectiva de trabalho é distinta. Entende que ocorreram duas reformas urbanas significativamente diferentes. A reforma urbana Federal, marcada pelo consórcio entre elites políticas paulistas e Clube de Engenharia, que pensou o Rio de Janeiro a partir de questões funcionais, para o Brasil e para a cafeiculltura paulista. Foi uma reforma urbana mecanicista, que tinha como valor fundamental a idéia de progresso. Já a reforma urbana municipal pensou a cidade como um todo orgânico. Foi reverente à sua tradição e teve como valor fundamental a idéia de civilização. 34 Devemos lembrar que, embora nascido no estado do Rio de Janeiro, em Guaratiba, na Fazenda do Bálsamo, de propriedade de seu pai, Francisco Pereira Passos desenvolvera a sua vida toda no Rio de Janeiro, desde os tempos de adolescência onde estudara no centro da cidade, no Colégio dos Padres Paiva. 35 Para uma análise mais detida da idéia de civilização, ver: André Azevedo. A gênese e o desenvolvimento da idéia de civilização e progresso na Europa da idéia moderna ao século XIX. Revista eletrônica Intellectus. Rio de Janeiro: ano III, n. 2, 2004. 36 Disto da nota a construção do prédio mourisco em Botafogo e do salão assírio do Teatro Municipal, concebido pelo próprio Pereira Passos, que encomendou da mesopotâmia - quando lá esteve no final da primeira década do século XX - as placas de mármore esmaltadas com pinturas assírias. Ver: Francisco Pereira Passos. Notas de viagem. Cartas a um amigo. Rio de Janeiro: Olímpio de Campos e C. 1913. Pereira Passos também esteve no Egito, Oriente Médio, China, Japão, bem como em regiões limítrofes da cultura ocidental, como a Rússia. Não é descartável a hipótese de que tenha sido o brasileiro que mais conheceu o mundo em sua época. 37 Sobre o organicismo e culturalismo na história do urbanismo, ver: François Choay. Op. Cit. P. 16-20. 38 Sobre o plano viário de Pereira Passos em sua reforma urbana de 1903-1906, ver: André Azevedo. A reforma urbana de Pereira Passos: uma tentativa de integração conservadora. In: Revista Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n. 10, 220 p. maio-agosto 2003. p. 35-64. 39 Era hábito de Pereira Passos trazer uma série de inovações técnicas do exterior para aplicá-las no Rio de Janeiro. Foi assim com a luz elétrica, com sistema cremalheira para estradas de ferro, que trouxe da Suíça e o bonde elétrico por alimentação com cabos aéreos, que trouxe de Omaha, nos Estados Unidos, entre outras. 40 Este de seu livro desejo aparece em duas passagens de seu livro notas de viagem. Uma, quando alude as lavadeiras na beira do Promenade des anglais, em Nice, ironizando a opinião dos brasileiros que não aprovam a presença popular no centro do Rio de Janeiro e outra, na mesma cidade, quando vê membros das camadas populares passeando pelo centro urbano e afirma: “É isso que nos falta”. Ver: Francisco Pereira Passos. Op. Cit.

24

41 A nós fica bastante evidente que o projeto executado do engenheiro Lauro Muller para o traçado da Avenida Central foi uma cópia deste projeto de avenida de Pereira Passos. 42 Pereira Passos nasceu em 1836 e faleceu em 1913. Camillo Sitte nasceu em 1843, sendo, portanto apenas 7 anos mais novo que o brasileiro e faleceu em 1903. 43 O conceito de tradição ao qual nos referimos aqui é aquele do filósofo alemão Hans Georg Gadamer, que tem origem no termo überlieferung e não na palavra alemã tradiktion. Tradição aqui é mais do que mera transmissão de práticas do passado. É algo que não pode ser inventado, posto que é visceral á história, é presença de uma historicidade. Ver: Hans G. Gadamer. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 1998.

Bibliografia:

Azevedo, André Nunes de. Da Monarquia à República: um estudo dos conceitos de civilização e progresso na cidade do Rio de Janeiro entre 1868 e 1906. Tese de doutoramento em História apresentada à Puc-Rio. Rio de Janeiro, 2003.

____ A gênese e o desenvolvimento da idéia de civilização e progresso na Europa da idéia moderna ao século XIX. Revista eletrônica Intellectus. Rio de Janeiro: ano III, n. 2, 2004

____ A reforma urbana de Pereira Passos: uma tentativa de integração conservadora. In: Revista Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n. 10, 220 p. maio-agosto 2003. p. 35-64.

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