texto 09_coleções botânicas - documentação da biodiversidade brasileira

4
7/23/2019 Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira http://slidepdf.com/reader/full/texto-09colecoes-botanicas-documentacao-da-biodiversidade-brasileira 1/4 COLEÇÕES BOTÂNICAS: DOCUMENTAÇÃO DA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA  Ariane Luna Peixoto Marli Pires Morim  A demanda por conhecimento acerca da biodiversidade, em escalas global, regional e nacional, cresceu muito apó s a Conferê ncia das Na çõ es Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992. O s documentos pre- parat ó rios para o evento e os compromissos de governo assumidos eagendados, durante eap ó so evento, t rouxeram para os mais di ferentessetoresda sociedade temasat é  entã o considerados apenas do rol dos cientistas. O conhecimento, a conserva çã o e o uso sustent á vel da fauna, da flora e do ambiente onde vivem animais e plantasfazem parte, com destaque, desses temas. A discuss ã o deles, hoj e, perpassa diferentes meios de comunica çã o e segmentos da sociedade. Isso, emboradesejado peloscient istas, eraimpensado at é antes da Conven çã o daDiversidadeBiol ó gica(CD B), um dos docu- mentos maisimportantesda Conferê ncia de 1992. A taxonomia biol ó gica é  aci ê ncia que mais diretamente lida com a biodiversidade, especialmente nos ní veisdeesp é cies, etambé m com a diversidade gené tica. At é  recentemente, taxonomi stastinham sua not oriedadeapenas ent reosseuspares, emboraoseu trabalho, desde Lineu, na segunda metade do s é culo XVIII, tenha sido considerado de grande import â ncia e suporte indispens á vel para uma grande variedade de prop ó sitos. Al é m do labor de colecionamento, identi- fica çã o, descri çã o, estudos da biologia e interrelacionamento entre os t á xons, esses cientistas s ã o, de modo geral, chamados para opina- rem e emitirem laudos sobrea biodi versidade. Taxonomistas de v á rias partes do mundo, organizados em socieda- des cient í ficas, apó s consul tase di scuss õ es amplas, elaboraram a Systemat i csAgenda 2000: Char ti ng the Bi osphere. Neste documento (1) foram tra ç ados objetivos e estrat é gias visando, predominante- mente, a responder quest õ escomo: Quaiss ã o asesp é ciesdo pl aneta e como elas se relacionam filogeneticamente?Onde elas ocorrem? Quais s ã o as suas caracter í sticas?A miss ã o da taxonomia, para o s é culo XXI, a í  estabelecida é  descobrir, descrever e inventariar a di versidade de esp é cies do mundo; analisar e sintetizar as informa- çõ esoriundas desse esfor ç o em prol da ci ê ncia eda sociedade. Wil- son (2) afirmou que descrever e classificar todas as espé ciesvivasdo planeta era um dos grandes desafios cient í ficos do s é culo XXI. Ele tamb é m fez c á lculosdocustoeconô mi co dessatarefa US$ 500 por esp é cie, um total de US$5 bilhõ es distri bu í dos por 10 ou 20 anos. Cientistas, em v á rios lugares do mundo, manifestaram-se, mos- trando que este nã o era um valor t ã o alto, quando comparado com outras demandas de governos. Entretanto, a busca desse montante de recursos parece imposs í vel quando os governos e fundos privados ainda nã o t ê m em altapri oridadeo invent á ri o dabiodiversidade (3). 21 B I O D I V E R S I D A D E  / A  R T I G O S dascole çõ es nacionais. Os pesqui sadorescont am os passos que, ini - ciados sob a é gide do MCT em reuniã o realizada em 2002, resulta- ram na cartade Bras í li aepermiti rã o ao Brasil uni r asdiferentescole- çõ es efacil itar o seu acesso e estudo. Saber qual é  e aonde est á  nosso acervo bioló gico é  uma quest ã o estrat é gica para o pa í s. Em outro artigo que mostra a relev â nciado trabalho multidi sciplinar, Carlos Alberto Joly (Unicamp) e É ri caSpeglich (Cri a) relatam a his- t ó ria e o sucesso do projeto Biota/Fapesp quenasceu deuma vontade da comunidadepaulistaepermitiu aforma çã o de uma rede de proje- tosea organiza çã o dos pesqui sadores envolvidos no desvendar da bio- diversidade do estado. No artigo, os pesquisadores nã o s ó  relatam o projetoemsi, mas fornecemosendere ç os já  disponí veis para consulta. Ainda dentro do t ó pico de gerenciamento, é  muito importanteque sejaent endida a compl exalegisla çã o gerada sobre o assunto, e qual a rela çã o da mesma com asati vidades de pesquisa cient í fica. É  impor- tanteque o pa í stenhauma legisla çã o pr ó pria que permita salvaguar- dar suas riquezas, mas anã o utiliza çã o e o desconhecimento fazem com que qualquer riqueza seja inó cua. Este assunto é  tratado por Walter Colli (USP) que fez um importante levantamento das leis, portarias e outros instrumentos legais que versam sobre o tema. O cotejamento destas com a pr ó pria constitui çã o brasileira busca dar umaperspectivaque admi taabusca do conhecimento deforma con- tinuada eprogressiva, sem deixar de lado, suaposs ibilidade de explo- ra çã o e anecess idade da conserva çã o. Em outras palavras, como pode ser legislada a explora çã o sustentada de nossasriquezas. O ú ltimo artigo versa diretamente sobre o gerenciamento de projetos que possam di recionar o esforç odecientistasdediferentesá reas para a coloca çã o de produtos no mercado. Este é  o t ó pico tratado por M iguel Trefaut Rodrigues(USP), onde s ã o analisadasasformasde execu çã o e s ã o exemplificados modelos que poderiam contribuir para colher os nossos ovos de ouro , n ã o s ó  mantendo a galinha, mas tamb é m gerando descend ê ncia para que a biodiversidade brasi- leira seja algo mais que hist ó ria para osnossosfilhos enetos. Regina Pekelmann M arku s e Mi guel Trefaut Rodri gues - I nsti tut o deBioci  ê ncias - USP 

Upload: celio-moura-neto

Post on 19-Feb-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira

7/23/2019 Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira

http://slidepdf.com/reader/full/texto-09colecoes-botanicas-documentacao-da-biodiversidade-brasileira 1/4

COLEÇÕES BOTÂNICAS:DOCUMENTAÇÃO DABIODIVERSIDADE BRASILEIRA

 Ariane Luna Peixoto

Marli Pires Morim

 Ademanda por conhecimento acerca da biodiversidade, emescalas global, regional e nacional, cresceu muito após aConferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, realizada em 1992. Os documentos pre-paratórios para o evento e os compromissos de governo

assumidos e agendados, durante e após o evento, trouxeram para osmais di ferentes setores da sociedade temas até então consideradosapenas do rol dos cientistas. O conhecimento, a conservação e o uso

sustentável da fauna, da flora e do ambiente onde vivem animais eplantas fazem parte, com destaque, desses temas. A discussão deles,hoje, perpassa diferentes meios de comunicação e segmentos dasociedade. Isso, embora desejado pelos cientistas, era impensado atéantes da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), um dos docu-mentos mais importantes da Conferência de 1992.A taxonomia biológicaé a ciência que mais diretamente lida com abiodiversidade, especialmente nos ní veis de espécies, e também coma diversidade genética. Até recentemente, taxonomistas tinham suanotoriedade apenas entre os seus pares, embora o seu trabalho, desdeLineu, na segunda metade do século XVIII, tenha sido consideradode grande importância e suporte indispensável para uma grande

variedade de propósitos. Além do labor de colecionamento, identi-ficação, descrição, estudos da biologia e interrelacionamento entreos táxons, esses cientistas são, de modo geral, chamados para opina-rem e emitirem laudos sobre a biodiversidade.Taxonomistas de várias partes do mundo, organizados em socieda-des cientí ficas, após consultas e discussões amplas, elaboraram aSystematics Agenda 2000: Charting the Biosphere. Neste documento(1) foram traçados objetivos e estratégias visando, predominante-mente, a responder questões como: Quais são as espécies do planetae como elas se relacionam filogeneticamente?Onde elas ocorrem?Quais são as suas caracterí sticas?A missão da taxonomia, para oséculo XXI, aí  estabelecidaé descobrir, descrever e inventariar adiversidade de espécies do mundo; analisar e sintetizar as informa-

ções oriundas desse esforço em prol da ciência e da sociedade. Wil-son (2) afirmou que descrever e classificar todas as espécies vivas doplaneta era um dos grandes desafios cient í ficos do século XXI. Eletambém fez cálculos do custo econômico dessa tarefa– US$ 500 porespécie, um total de US$5 bilhões distribuí dos por 10 ou 20 anos.Cientistas, em vários lugares do mundo, manifestaram-se, mos-trando que este não era um valor tão alto, quando comparado comoutras demandas de governos. Entretanto, a busca desse montantede recursos parece impossí vel quando os governos e fundos privadosainda não têm em alta prioridade o inventário da biodiversidade (3).

21 

B I O D I V E R S I D A D E / A   R T I G O S

das coleções nacionais. Os pesquisadores contam os passos que, ini-ciados sob aégide do MCT em reunião realizada em 2002, resulta-ram na carta de Brasí lia e permiti rão ao Brasil unir as diferentes cole-ções e facil itar o seu acesso e estudo. Saber qual é e aonde está nossoacervo biológicoé uma questão estratégica para o paí s.Em outro artigo que mostra a relevância do trabalho multidisciplinar,

Carlos Alberto Joly (Unicamp) eÉrica Speglich (Cria) relatam a his-tória e o sucesso do projeto Biota/Fapesp que nasceu de uma vontadeda comunidade paulista e permitiu a formação de uma rede de proje-tos e a organização dos pesquisadores envolvidos no desvendar da bio-diversidade do estado. No artigo, os pesquisadores não só relatam oprojeto em si, mas fornecem os endereços já disponí veis para consulta.Ainda dentro do tópico de gerenciamento,é muito importante queseja entendida a complexa legislação gerada sobre o assunto, e qual arelação da mesma com as atividades de pesquisa cient í fica.É impor-tante que o paí s tenha uma legislação própria que permita salvaguar-dar suas riquezas, mas a não utilização e o desconhecimento fazemcom que qualquer riqueza seja inócua. Este assunto é tratado por

Walter Colli (USP) que fez um importante levantamento das leis,portarias e outros instrumentos legais que versam sobre o tema. Ocotejamento destas com a própria constituição brasileira busca daruma perspectiva que admita a busca do conhecimento de forma con-tinuada e progressiva, sem deixar de lado, sua possibilidade de explo-ração e a necessidade da conservação. Em outras palavras, comopode ser legislada a exploração sustentada de nossas riquezas. Oúltimo artigo versa diretamente sobre o gerenciamento de projetosque possam direcionar o esforço de cientistas de diferentesáreas paraa colocação de produtos no mercado. Este é o tópico tratado porMiguel Trefaut Rodrigues (USP), onde são analisadas as formas deexecução e são exemplificados modelos que poderiam contribuir

para colher os nossos “ovos de ouro”, não só mantendo a galinha,mas também gerando descendência para que a biodiversidade brasi-leira seja algo mais que história para os nossos filhos e netos.

Regina Pekelmann M arku s e Mi guel Trefaut Rodri gues - I nsti tuto de Bioci  ê ncias - USP 

Page 2: Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira

7/23/2019 Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira

http://slidepdf.com/reader/full/texto-09colecoes-botanicas-documentacao-da-biodiversidade-brasileira 2/4

Estima-se em 264 mil a 279 mil o número de espécies de plantas conhe-cidas no mundo, ou seja, de espécies formalmente descritas e documen-tadas em coleções biológicas (por espécimes, mas também, algumasvezes, por uma iconografia). O Brasil é considerado o paí s de maiordiversidade biológica, destacando-se no ranking mundial de paí sesmegadiversos. Abriga cerca de 14% da diversidade de plantas do mundo!

(4). Para o território brasileiro estima-se em 45,3 mil a 49,5 mil onúmero de espécies de plantas descritas (5). Em relação a fungos, estima-se que o planeta abrigue entre 70,5 mi l a 72 mi l espécies, das quais o Bra-sil detém 12,5 mil a 13,5 mil espécies descritas. Este alto padrão de diver-sidade dá ao Brasil extraordinária competit ividade diante de demandasambientais e biotecnológicas, nas quais o capital natural gera grandesbenef í cios econômicos, convertendo-se, mesmo, em poder.Os documentos que certificam a diversidade e a riqueza da flora deuma determinada região ou paí s encontram-se depositados em cole-ções botânicas. Essas coleções são bancos de materiais (espécimes ouexemplares) vivos ou preservados e os dados a eles associados. Os jar-dins botânicos, os arboretos e os bancos de germoplasma são exem-

plos de coleções vivas. Os herbários, as palinotecas são exemplos decoleções preservadas. Os herbários e outras coleções a eles associadas(carpotecas, xilotecas) são ferramentas imprescindí veis para o traba-lho dos taxonomistas e apoio indispensável para muitas outrasáreasdo conhecimento. O herbário provê o voucher para um grupo deorganismos vivos; fornece a base de dados acerca da distribuição geo-gráfica e da diversidade de plantas; guarda a memória de conceitosmorfológicos e taxonômicos e a maneira como esses conceitos foramsendo modificados.Os cinco maiores herbários do mundo, cadastrados noIndex Herba- riorum encontram-se listados natabela 1. O Index Herbariorum lista3.210 herbários do mundo, fornecendo seus endereços, especialis-

tas vinculados, principais coleções sob sua guarda e outras informa-ções, e entre eles estão 73 brasileiros (6). A Sociedade Botânica doBrasil mantém umaweb na UFRGS contendo os principais dadossobre os herbários brasileiros, os taxonomistas e os táxons nos quaistrabalham (7).

No Brasil há 114 herbários ativos, dos quais cerca da metade detêmenos de 20 mil exemplares; 23 herbários têm mais de 50 mil exemplares. Os seis maiores herbários do Brasil encontram-se listados tabela 2. Em conjunto, os herbários brasileiros guardam um acerde pouco mais de 5 milhões de espécimes. A tabela 3 apresentaquantitativo de espécimes por região geográfica. A densidade

coleta média para o Brasil é de 0,62 espécime por km2. Este valomuito baixo quando comparado a valores estimados para alguns pses de alta diversidade na América Latina, como México e ColômbAs regiões sudeste e sul concentram os maiores quantitativos de hebários e densidades de coleta. A região norte, com a maiorárea tertorial do paí s, é aquela que concentra o maior contingente de terrcobertas por ecossistemas naturais, e a que apresenta os menoresí ndces de coleta e a menor quantidade de herbários.

Embora o número de exemplares reunidos nas coleções brasileiseja significativo e tenha crescido notadamente nasúlt imas décadespecialmente devido a implantação de cursos de pós-graduação eprogramas de floras estaduais e regionais, representa ainda mupouco no contingente de acervos dos herbários do mundo. Este faé contraditório, quando se considera que o paí s detém cerca de 14

da diversidade vegetal do planeta.Prance (11) mostrou o crescimento de alguns herbários no perí ocompreendido entre 1974 e 1990. Na América Latina, os herbáride Bogotá (COL) e México (Mexu) foram os que mais se destacram. Em 1990, o COL detinha 330 mil exemplares e o Mexu 5mil, o crescimento correspondendo a 153% e 197%, respectivmente. O herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RBapontado como tendo um crescimento de 81%.É salutar perceber também o quanto se avançou no conhecimenda flora brasileira. AFlora Brasili ensis , editada por Martius, Eich& Urban entre 1840 e 1906, descreve 22.767 espécies, das qu5.689 eram novas para a ciência. Esta obra foi elaborada predomnantemente com base em exemplares coletados por naturalist

europeus e enviados para herbários do exterior. Os tipos das espécaí  descritas, bem como outras coleções históricas, encontram-sportanto, fora do paí s. O número de espécies conhecido hoje paangiospermas no Brasil representa mais que o dobro daquele citana obra de Martius e colaboradores. Para os demais grupos de platas e fungos este númeroé, então, muito maior. A maioria dos exemplares, especialmente os tipos de espécies descritas após aFlora Brsi liensis , está em herbários brasileiros (9).Alguns dados obtidos por grupos de cientistas podem demonstros avanços obtidos nosúlt imos anos, mas, principalmente, sina

22 

B I O D I V E R S I D A D E / A   R T I G O S

Page 3: Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira

7/23/2019 Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira

http://slidepdf.com/reader/full/texto-09colecoes-botanicas-documentacao-da-biodiversidade-brasileira 3/4

zam o quanto ainda precisa se conhecer sobre a flora do Brasil,mesmo em regiões consideradas bem estudadas. Demonstram quenovas espécies ou novas citações de ocorrências de táxons, inde-pendem da área geográfica abrangida ou do grupo vegetal emestudo. A Flora Fanerogâmica do estado de São Paulo tem dadospublicados sobre 56 famí lias, abrangendo 895 espécies. A obra

completa compreenderá 7,5 mil espécies distribuí das em 180famí lias. Na análise de 49 famí lias, algumas com dados ainda par-ciais, 43 táxons foram descritos como novos para a ciência e 121novas ocorrências foram registradas para São Paulo, i ncluindouma famí lia botânica, Ceratophyllaceae (11). Foram assinaladas,também, espécies não reencontradas em campo, sugerindo que asmesmas estejam extintas no estado pela destruição de seus ambien-tes naturais, ou que sejam espécies raras ou comáreas de distribui-ção muito restri ta. A documentação destes táxons não recoletadosem São Paulo restringem-se hoje, apenas, aos exemplares guarda-dos nas coleções de herbário. Na reserva ecológica de Macaé deCima, no estado do Rio de Janeiro, onde foram identificados 883

espécies de angiospermas, 17 eram novas para a ciência (12). Nomunicí pio do Brejo da Madre de Deus, um inventário da bioflorados musgos pleurocárpicos em uma propriedadede 700 hectares, revelou que das 23 espéciesinventariadas para o local, seis eram novas ocor-rências não apenas para aquela área, mas para onordeste brasileiro (13).Conhecer as espécies de plantas e fungos que ocor-rem no território brasileiro, organizar as informa-ções e os dados a elas relacionadas e disponibilizareste conhecimento visando o progresso da ciênciae o bem estar da sociedade são questões que neces-

sariamente precisam perpassar pelo planejamentoestratégico do paí s. O desconhecimento da biotabrasileira torna o paí s vulnerável em muitos cam-pos entre os quais cabe destacar a descoberta de novos f ármacos, opatenteamento de processos biológicos e a impossibilidade de fazerparcerias verdadeiras com instituições cientí ficas de diferentes paí -ses, de modo que ambos os lados possam obter dividendos doconhecimento gerado.Como vencer este desafio com um contingente criticamentepequeno de taxonomistas e com a maioria das coleções ainda nãoestruturadas para atender a crescente demanda de serviços?Qualquermodificação no status atual do conhecimento sobre a biodiversidadede modo a se alcançar patamares muito mais altos passa, essencial-

mente, pelo estabelecimento de um programa consistente e conti-nuado de estí muloà formação de recursos humanos naárea de taxo-momia. Sem taxonomistas bem formados o paí s fica frágil diante doscompromissos assumidos na CDB e da impossibilidade de diagnós-ticos seguros de diferentes componentes da biodiversidade.Os herbários hoje informatizados vêm respondendo com muitomais agilidade às perguntas dos cientistas, dos gestores da áreaambiental e também de outros segmentos da sociedade. Os herbá-rios da Universidade Estadual de Feira de Santana (Huefs), com 65mil espécimes, e o da Embrapa Amazônia Oriental (IAN) com 295

mil, totalmente informatizados, quando consultados, respondemde formaágil com informações diversas sobre o acervo. Muitas vezesas respostas recebidas satisfazemàs dúvidas e questões levantadaspelos estudantes e cientistas, evitando assim deslocamentos até ascoleções e o manuseio do material. Este fato diminui os custos depesquisa e agiliza o processo de geração do conhecimento. Entre-

tanto, a informatização dos herbários brasileiros aindaé incipiente.Apenas 52% deles estão com mais da metade ou com o acervo total-mente informatizado (8). Neste contingente estão, principalmente,os herbários com acervos de menos de 20 mil exemplares. Por outrolado, 11% dos herbários sequer iniciaram o processo de informati-zação, estando entre eles alguns dos grandes herbários do paí s(8).A automação dos serviços de gerenciamento dos acervos vem modi-ficando o labor curatorial. Entretanto é possí vel prever alteraçõesmuito maiores que poderão interferir em procedimentos desde acoleta de espécimes até a disponibi lização de suas imagens na inter-net. O georeferenciamento de amostras constitui-se em informa-ção essencial para correlacionar dados de diferentes origens, tanto

bióticos como abióticos. A sua inclusão no protocolo de campo dasamostras vem sendo cada vez mais requerida. A valorização de ima-

gens de campo e de herbário facil itará o acesso amuitos caracteres e informações. O conceito deherbário virtual ainda está por ser definido. Os her-bários virtuais hoje disponí veis compreendem pre-dominantemente webs interativas com base dedados de nomes cientí ficos que possibilitam con-sulta remota. Alguns já dispõem de imagens asso-ciadas aos nomes. O herbário do futuro certa-mente será muito diferente do atual, embora oespécime colecionado em campo e conveniente-

mente armazenado certamente continuará sendo asua pedra de toque. Entretanto, o que parece prio-ritário e não muito distante da realidade brasileira

é a integração, dentro de cada herbário, de todas as suas coleções.Partes diferentes de uma mesma planta, como madeira, f lores fixa-das, folhas em gel de sí lica para estudos de DNA e a exsicata, pro-priamente dita, com o mesmo código de acesso. Ou seja, interope-rabilidade de diferentes bases de dados.As incongruências e conflitos nas estratégias adotadas por diferentessetores de governo visando inventários de biodiversidade em áreasnaturais, especialmente em Unidades de Conservação (UC), vêmdificultando ou até inviabilizando o desenvolvimento de pesquisasbásicas e essenciais para o avanço do conhecimento sobre a biota e os

ecossistemas do paí s. Istoé contraditório, tendo em vista que entreas prioridades das UCs, e dos órgãos que as administram, estãoexpressos os inventários. Também são pouquí ssimas as fontes defomentos especí ficas e desburocratizadas, que priorizam projetos deinventários; que reconhecem que o enriquecimento de coleçõescientí ficas com exemplares colecionados dentro de padrões pré-esta-belecidosé prioritário para a conservação.A globalização dos esforços necessários para a implementação daConvenção da Diversidade Biológica vem promovendo, através devários mecanismos, a ampliação de canais de diálogos entre cientis-

23 

B I O D I V E R S I D A D E / A   R T I G O S

OCONCEITO

DE HERBÁRIOVIRTUAL

AINDA ESTÁPOR SER

DEFINIDO.

Page 4: Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira

7/23/2019 Texto 09_Coleções Botânicas - Documentação Da Biodiversidade Brasileira

http://slidepdf.com/reader/full/texto-09colecoes-botanicas-documentacao-da-biodiversidade-brasileira 4/4

tas, sociedade e governos. A discussão de problemas como a mensu-ração, avaliação, conservação e sustentatibilidade da diversidadebiológica e de seus componentesé feita não apenas nos museus e her-bários, mas em diferentes f óruns de governo e de sociedade. A inter-net facili tou a divulgação das informações e dados, numa escala queera impensável há alguns anos.

A guarda da coleção, como patrimônio no qual cada exemplar éúnico e insubstituí vel, é a principal tarefa das instituições quedetêm esses acervos e dosórgãos que as mantêm. Entretanto, ofuturo dos herbários depende, em grande parte, da sua habilidadede absorver e adaptar novas metodologias e tecnologias, e de com-preender demandas já manifestas pela sociedade. A mudança deparadigma das coleções depende também de uma polí tica governa-mental voltada aos acervos biológicos com investimentos apropria-dos e permanentes.

Ari ane Luna Peixoto é professora ti tul ar aposentada da U FRRJ, coordenadora do programa de 

p  ós-gradua ção do Insti tuto de Pesqui sas Jardim Bot  â nico do Rio de Janeiro.

Marli Pires Morim é pesqui sadora do Insti tuto de Pesqui sas Jardim Bot  â nico do Rio de Janeiro.

Referências bibliográficas

1. SA 2000.“System atics A genda 2000:C harting the Biosphere”.Technical Report .NewYork.34p.1994.

2. W ilson,H .D .A global m ap of biodiversity.Science 298:2279.2000.3. H eyw ood,V.Floristics and m onography–na uncertain future?Taxon 50:361-330.2001.4. Shepherd,G .C onhecim ento de diversidade de plantas terrestres do Brasil.In :Lew in-

sohn,T.M .& P.I.Prado.Biodiversidade brasileira. Síntese do estado atual do conhecimento .São Paulo.C ontexto.2002

5. Lew insohn,T.M .& ,P.I.Prado.Biodiversidade brasileira. S í ntese do estado atual do conhe- cimento .São Paulo.Contexto.2002

6. H olm gren,P.K.& H olm gren,N .H .Index H erbariorum ,ed.8.[http:// www.nybg. org/ bsci/ih/ih.html ].2003

7. [http://www8.ufrgs.Br/taxonomia ]

8. Peixoto,A.L.& Barbosa.,M .R.V.2002.“The currente situation in Brazil:general strate-gies,regional differences,local floras,state-level floras and herbarium databasing”.[http://www.cria.org/html ].

9. Silva,M .M .F.,C arvalho,L.F.e Baungratz,J.F.A.O Herb  á rio do Jardim Bot  â nico do Rio de Janeiro–  um expoente na hist  ória da flora brasileira .Rio de Janeiro.JBRJ.2001.

10.Prance,G .T.2001.D iscovering the plant world.Taxon 50:295-359.11.M am ede,M .C .ined.“A experiência do projeto Flora Fanerogâm ica do estado de São

Paulo”.In :Peixoto,A.L.(org.).Coleções biológicas de apoio ao inventário,uso susten-tável e conservação da biodiversidade.N o prelo.

12.G uedes-Bruni,R.R & Lim a,M .P.M .“A bordagem geográfica,fitofisionôm ica,florística etaxonôm ica da reserva ecológica de M acaé de Cim a”.In :M .P.M .Lim a & R.R.Guedes-Bruni,(org).Reserva ecol  ógica de Maca é de Cima ,N ova Friburgo,RJ:Aspectos florísti-cos das espécies vasculares.V.1.Rio de Janeiro.JBRJ.1994.

13.Valdevino,J.A ;Sá,P.S.A & Porto,K.C .M usgos pleurocárpicos da M ata Serrana de Per-

nam buco,Brasil.Acta Bot.Bras .16(2):161-174.2002.

AS COLEÇÕESZOOLÓGICAS BRASILEIRAS:PANORAMA E DESAFIOS

Hussam Zaher

Paulo S.Young

Os museus de história natural têm como função principarmazenar, preservar e ordenar o acervo de espécimes repsentando a diversidade biológica de organismos (f ósseiatuais) que povoaram o planeta até os dias de hoje. Esta divsidade não foi constante durante os 600 milhões de anos q

constituem a história da vida na Terra, e apresentou episódios dramticos de extinção e recomposição fauní sticas perceptí veis através registro f óssil. Durante estes “pulsos” de retração e de expansão vida terrestre, sucederam-se milhares de linhagens de seres cujo tes

munho f óssil constitui aúnica prova da sua existência.A biodiversidade que conhecemos hoje em dia representa apenuma pequena parcela desta diversidade pretérita. Mesmo assiainda não fazemos idéia do número de organismos que habita a Te(1). Estima-se que devam existir de 10 a 100 milhões de espécies. Ocientistas descreveram até hoje 1,7 milhão de espécies, uma í nfimfração de toda a diversidade estimada, e continuam descobrindo driamente espécies novas em todas as partes do mundo. O simpconfronto desses dois números fornece a dimensão do desafio laçado aos pesquisadores que tratam de mapear a biodiversidade.O termobiodiversidade carrega uma noção eminentemente histrica e evolutiva. Entretanto, o aprimoramento dos conceitos sob

os mecanismos biológicos ligadosà formação desta biodiversidafoi vagaroso e seguiu o passo do descobrimento de novos continetes e de seus biomas. Até o iní cio do século XIX, exemplares de platas e animais eram coletados por aventureiros e comerciantes, longo de suas viagens pelo mundo, e enviados aos centros europepara alimentarem os gabinetes de curiosidades que estimulavamimaginário da nobreza. Alguns dos gabinetes formaram, então, embriões do que viriam a ser grandes coleções zoológicas européicomo por exemplo o Museu de História Natural de Paris.No decorrer do século XIX, o conhecimento acerca da biodiverdade planetária expandiu-se significativamente, graçasà intensificção do comércio marí timo e das rotas de navegação entre o Novoo Velho Mundo. Nessaépoca de ouro da Zoologia, os museus de h

tória natural já haviam conquistado um papel preponderante nciências biológicas como centros de estudo da biodiversidade.associação feita entre os museus de história natural e o estudo da bdiversidade não parou de se estreitar e se fortalecer no decorrer danos. Da mesma forma, a pesquisa em sistemática, que trata desscoleções cientí ficas, passou a representar a espinha dorsal do conhcimento em biodiversidade.

POR QUE FORMAR E MANTER COLEÇÕES ZOOLÓGICAS? A impotância das coleções cientí ficas, mantidas especialmente n

24 

B I O D I V E R S I D A D E / A   R T I G O S