texto 02 - camargo, luis henrique volpe. a força dos...
TRANSCRIPT
1
A força dos precedentes no moderno Processo Civil Brasileiro1
Luiz Henrique Volpe Camargo
Doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP.
Especialista em Direito Processual Civil pela UCDB, em
convênio com o Instituto Nacional de Pós-Gradução (INPG).
Professor do curso de graduação e especialização da
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) de Campo Grande,
MS. Advogado e consultor jurídico em Mato Grosso do Sul.
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de
demonstrar a importância do respeito aos
precedentes judiciais, como forma de
assegurar a igualdade na aplicação da lei e a
unidade no Direito. Para alcançar seus
objetivos, além de tratar das regras inerentes
ao tema, o estudo recorreu à teoria geral do
direito, à filosofia e ao direito comparado,
com a exposição das principais
convergências e divergências das duas
grandes famílias do direito contemporâneo: a
anglo-saxônica (common law) e a romano-
germânica (civil law). Circunscrito a aspectos
do Direito Processual Civil, o trabalho
aborda três recursos que entrelaçam a força
dos precedentes judiciais e o princípio da
isonomia no processo civil brasileiro: o
ABSTRACT
This paper aims to demonstrate the
importance of respecting judicial precedents
as a way to ensure the equal application of
law and in law unit. To achieve its
objectives, the study talks about the rules
inherent to the subject and uses the general
theory of law, philosophy and the right
compared, with the exposure of the main
similarities and differences of the two great
families of modern law: the Anglo-Saxon
(common law) and the Roman-Germanic
(civil law). Limited to the aspects of the Civil
Procedural Law, the work brings up requests
for review that intertwines the force of
judicial precedents and the principle of
equality in Brazilian civil procedure: Special
Appeal; Extraordinary Appeal and
1 VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique. In Direito Jurisprudencial . Teresa Arruda Alvim Wambier (coord). São Paulo: RT, 2012, p. 553/674.
2
Recurso Especial; o Recurso Extraordinário e
os Embargos de Divergência. Tal abordagem
visa a criar condições de interposição,
processamento e julgamento de tais recursos,
com vistas à solução prática de processos
judiciais. Ao final, o resultado colhido
permite concluir que o sistema brasileiro está
em transformação, caminhando a passos
largos no sentido de alcançar os escopos que
motivaram a pesquisa.
Divergence‟s Appeal. This approach aims to
create conditions of interposing, processing
and judgment of such appeals for practical
solving of litigations. At the end, the result
shows that the system in Brazil is in a
process of transformation, striding towards to
achieve the scopes that motivated this
research.
Palavras-chave: Processo Civil. Igualdade.
Lei. Precedente Judicial. Técnicas
processuais. Casos iguais.
Keywords: Civil Procedure. Equality. Law.
Judicial precedent. Procedural techniques.
Similar cases
Sumário: 1. Introdução. 2. O precedente e a jurisprudência no sistema romano-germânico
(civil law). 3. O precedente no sistema anglo-saxônico (common law). 4. A decomposição do
precedente no common law: ratio decidendi (ou holding) e obiter dicta. 5. A identificação de
causas iguais e o distinguishing do common law. 6. A técnica de revisão do precedente:
Overruling. 7. Dos fundamentos para o respeito aos precedentes do sistema brasileiro. 7.1.
Tratamento igualitário. 7.2. Previsibilidade e segurança jurídica. 7.3. Agilidade na entrega da
prestação jurisdicional. 7.4. Desestímulo à litigância judicial e à utilização de recursos. 7.5.
Mais qualidade na prestação jurisdicional. 7.6. Garantia da confiança no trabalho dos juízes e
da unidade na aplicação do direito. 8. A igualdade a partir de precedentes fortes. 9. Três
técnicas que entrelaçam a força dos precedentes judiciais e o princípio da isonomia no
processo civil brasileiro. 9.1. Recurso especial (art. 105, III, da CF). 9.1.1. O recurso especial
fundado na interpretação divergente da lei federal realizada por outro tribunal (art. 105, III,
“c”, da CF). 9.1.2. Os recursos especiais repetitivos (art. 543-C do CPC) e o poder-dever de
afetar e de determinar o processamento de recurso por amostragem, sobrestando todos os
demais recursos especiais que tratem da mesma matéria, para, ao depois, aplicar a tese
firmada (art. 543-C, §§1º, 2º e 7º do CPC) 9.2. Recurso extraordinário (art.102, III, da CF).
9.2.1. A repercussão geral (CF, art. 102, §3º e art. 543-A da CPC) e o poder-dever de negar
seguimento a todos os recursos extraordinários que versem sobre matéria idêntica a respeito
da qual o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela inexistência de repercussão geral (art.
3 543-A, §5º do CPC). 9.2.2. Teoria da objetivação do recurso extraordinário; a suspensão da
execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal realizada pelo Senado Federal (art. 52, X da CF) e a dispensa de
julgamento pelo plenário ou órgão especial (parágrafo único do art. 481 do CPC). 9.2.3. Os
recursos extraordinários repetitivos (art. 543-B do CPC) e o poder-dever de afetar e
determinar o processamento do recurso por amostragem, sobrestando todos os demais
processos que tratem da mesma matéria, para, ao depois, aplicar a tese firmada (art. 543-B, §§
1º, 2º, 3º e 4º do CPC). 10. Embargos de divergência (art. 546 do CPC). 11. Conclusão.
1. Introdução
No Brasil, diferentemente do que acontece especialmente nos países que adotam o
sistema anglo-saxônico (common law), ainda não existe o sentimento geral de que o Poder
Judiciário, como instituição da República e intérprete da lei, deva dar tratamento uniforme aos
jurisdicionados que sejam partes de processos distintos, onde se discutem idênticas questões.
Muito já avançou para alterar essa realidade.
Não obstante isso, ordinariamente, o resultado dos processos ainda se define pelo
setor de distribuição, isto é, depende da “sorte” ou “azar” – para utilizar expressões
coloquiais – de o processo “cair” com este ou aquele juiz, ou de o recurso ser sorteado para
esta ou aquela turma, para este ou aquele relator.
E o presente trabalho tem o objetivo de abordar a forma como o direito nacional
está se transformando a partir do estudo do que há de mais moderno no sistema brasileiro: a
força dos precedentes judiciais.
O estudo pretende demonstrar que o respeito aos precedentes é caminho
irreversível2, pois, dentre outras coisas, tem a virtude de garantir isonomia na aplicação da lei,
previsibilidade, segurança jurídica, confiança no Poder Judiciário, celeridade, redução da
2 Como explica Cassio Scarpinella Bueno “seja porque determinadas decisões têm efeitos vinculantes, seja, quanto menos, porque têm efeitos „meramente persuasivos‟; nunca, para a experiência jurídica nacional, foi tão importante saber o que e como os Tribunais decidem as mais variadas questões. E saber como eles decidiram para saber como eles vão decidir nos sucessivos „novos‟ casos que lhe são apresentados para julgamento.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva. v.1. 2007, p. 72)
4 carga de trabalho, eficiência e mais qualidade da prestação jurisdicional, que são anseios de
qualquer povo organizado regido pelo Estado Democrático de Direito.
Ao longo do trabalho, far-se-á um breve passeio pelo sistema anglo-saxônico
(common law), ocasião em que se discorrerá sobre mecanismos que são comuns na Inglaterra
e nos Estados Unidos e que, se bem compreendidos, muito podem auxiliar a aplicação de
regras contempladas no Código de Processo Civil em vigor.
O trabalho também enfrentará três recursos do sistema atual (recurso especial,
recurso extraordinário e embargos de divergência) que são vitais no estudo dos precedentes
judiciais, quer porque são julgados pelos tribunais de cúpula do sistema judiciário nacional,
quer porque seu resultado em certos casos exerce o poder da vinculação e em outros casos
influência em grau máximo.
Essa exposição objetiva criar condições de interposição, processamento e
julgamento de tais recursos, com vistas à solução prática de processos judiciais.
Não se tem, entretanto, a pretensão de esgotar cada um dos recursos que serão
abordados. Para não extrapolar os limites delineados para o trabalho, se discorrerá sobre tais
temas apenas na medida em que entrelaçarem a força dos precedentes judiciais e o princípio
da isonomia.
2. O precedente e a jurisprudência no sistema romano-germânico (civil law)
No sistema romano-germânico (civil law), ordinariamente, precedente3 é um
pronunciamento judicial, monocrático ou colegiado, sobre questão jurídica determinada, cujas
razões determinantes, de regra, apenas orientam (mas não vinculam) o pedido ou o
julgamento de casos posteriores sobre a mesma matéria.
A jurisprudência4, para os fins deste trabalho, é o conjunto de julgados
harmônicos entre si, fruto da reiterada e constante interpretação e aplicação da lei em uma
3 “Precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos” (DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, v. 2. Salvador: Podivm, 2011, p. 385)
4 Rubens Limongi França4 noticia que o termo comporta pelo menos cinco sentidos: “O primeiro, um conceito lato, capaz de abranger, de modo geral, toda ciência do direito, teórica ou prática, seja elaborada por
5 mesma linha. É, por outras palavras, conjunto de precedentes sobre uma mesma questão
jurídica, numa mesma direção.
Assim, a distinção básica entre precedente e jurisprudência reside na
circunstância de que enquanto um precedente é substantivo singular, a jurisprudência é
substantivo coletivo, e, para ser corretamente denominada como tal, deve se constituir de um
conjunto de decisões ou acórdãos uniformes, que reflitam o pensamento dominante de um
determinado tribunal ou, se possível, do Poder Judiciário por inteiro.
Os precedentes e a jurisprudência, quando utilizados na argumentação jurídica,
têm o objetivo de, pelo método da comparação, influir, persuadir, convencer, já que como diz
Víctor Gabriel Rodríguez5 “o ser humano raciocina muito pela semelhança, pela analogia”. É
que, como diz Richard. A. Posner6, “o raciocínio por analogia é o principal candidato a um
método que irá diferenciar os advogados dos argumentadores comuns.”
3. O precedente no sistema anglo-saxônico (common law).
Na família anglo-saxônica (common law), o direito é essencialmente produzido
pelos juízes (judge made law). Nesse modelo político-jurídico, apesar da gradual aproximação
ao sistema codicista (civil law) e diante da cada vez mais acentuada produção de normas pelo
Poder Legislativo, a base dos pedidos e dos julgamentos são os precedentes.
Nesse sistema, como diz Hans Kelsen7, “o tribunal que cria o precedente funciona
como legislador, talqualmente o órgão a que a Constituição confere poder para legislar”.
jurisconsultos, seja por magistrados [...] O segundo ligado à etimologia do vocábulo, que vem de „juris + prudentia‟, consistiria no conjunto das manifestações dos jurisconsultos (prudentes), ante questões jurídicas concretamente a eles apresentadas. Circunscrever-se-ia ao acervo dos hoje chamados „pareceres‟, quer emanados de órgãos oficiais, quer de jurisperitos não investidos de funções públicas. O terceiro, o de doutrina jurídica, teórica ou prática ou de dupla natureza, vale dizer, o complexo de indagações, estudos e trabalhos, gerais e especiais, levados a efeito pelos juristas sem a preocupação de resolver imediatamente problemas concretos e atuais. O quarto, o de massa geral das manifestações dos juízes e tribunais sobre as lides e negócios submetidos à sua autoridade, manifestações essas que implicam uma técnica especializada e um rito próprio, imposto por lei. O quinto, finalmente, o de conjunto de pronunciamentos, por parte do mesmo Poder Judiciário, num determinado sentido, a respeito de certo objeto, de modo constante, reiterado e pacífico.” (FRANÇA, Rubens Limongi. O direito, a lei e a jurisprudência. São Paulo: RT, 1974, p. 145-146)
5 RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 200, p. 144.
6 POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo; revisão técnica e da tradução Mariana Mota Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 116.
7 KELSEN, Hans. O problema da justiça. Tradução João Baptista Machado. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 278.
6 Nessa linha, os precedentes ditam regras de comportamento humano e, em razão de se
tratarem de normas jurídicas gerais, geram a legítima confiança de que casos iguais ulteriores
serão tratados igualmente aos anteriores (treat like cases alike)8.
Em tal família, os precedentes têm efeito vinculante vertical, porque o
entendimento dos órgãos superiores do Poder Judiciário vincula os inferiores (binding
authority), e também têm efeito vinculante horizontal, porque perante a mesma Corte onde foi
formado, o precedente, de regra, deve ser seguido9.
É preciso dizer que no common law não existe uma regra escrita prescrevendo a
necessidade de observância dos precedentes. Existe, sim, conforme célebre frase10 do juiz da
Suprema Corte dos Estados Unidos, Oliver Wendell Holmes, o “peso da tradição de pelo
menos 1000 anos” que justifica o respeito ao que já fora decidido no passado. É, portanto,
inerente à cultura do povo anglo-saxão.
No common law, portanto, como diz Herbert L. A. Hart11, o precedente é um
exemplo “dotado de autoridade” que, por isso mesmo, deve obrigatoriamente ser observado.
É um antecedente judiciário do qual se deve extrair a essência da tese jurídica (ratio
decidendi), para dirigir o julgamento de processos judiciais subsequentes que tratem de
questões análogas.
4. A decomposição do precedente no common law: ratio decidendi (ou holding) e
obiter dicta.
8 As condutas dos jurisdicionados são pautadas pela produção judicial tanto que, como explica Teresa Arruda Alvim Wambier, existe o sentimento de que “o juiz não pode desapontar os cidadãos. Estes não podem ser surpreendidos por uma decisão que nunca poderia ter sido imaginada antes. A previsibilidade é inerente ao Estado de Direito”. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: “civil law e common law”. Revista de Processo, v. 172, ano 34, jun., 2009, p. 128)
9 “O sistema do common law é informado pela teoria do stare decisis, segundo a qual o precedente judicial, - rectius: a sua ratio decidendi - , sobretudo aquele emanado da Corte superior, é dotado de eficácia vinculante não são para a própria Corte como também para os juízos que lhe são hierarquicamente inferiores.” (DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, v. 2. Salvador: Podivm, 2011, p. 390)
10 A frase foi citada na Questão de ordem no RE 370682, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/2010, DJe 17-11-2010 (p. 649)
11 HART, Herbert L.A. O conceito de direito. 2.ed. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 139.
7
O sistema de respeito12 aos precedentes, que é representado pela máxima stare
decisis et non quieta movere13, tem origem14 no common law, onde, como dito, o direito é
fundamentalmente feito pelos juízes15.
Assim, no sistema anglo-saxão, a cada caso submetido a julgamento o juiz tem
que pesquisar se há pronunciamento judicial anterior sobre o mesmo tema e, constatando a
existência, realizar um processo de decomposição16 do precedente.
A decomposição tem o objetivo de separar a essência da tese jurídica ou razão
de decidir (ratio decidendi no direito inglês ou holding no direito norte-americano) das
12 Como diz Lenio Luiz Streck “O princípio que respalda a doutrina dos precedentes consiste em que, em cada caso, o juiz deve aplicar o princípio legal existente, isto é, deve seguir o exemplo ou precedente das decisões anteriores (stare decisis)”. (STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro. Eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1998, p. 43)
13 Tradução livre: Ficar como foi decidido e não mover o que está em repouso; ou, o que está decidido deve ser mantido e não pode ser molestado; ou ainda, Mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido.
14 John Henry Merryman e Rogelio Pérez-Perdomo14 dizem que: “A data comumente utilizada para assinalar o início da tradição da common law é o ano de 1066, quando os normandos derrotaram os defensores nativos em Hastings e conquistaram a Inglaterra. Se aceitarmos esta data, a tradição da common law teria pouco mais de novecentos anos de idade.” (MERRYMEN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradição da civil law. Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Trad. Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2009, p. 24)
15 No ponto, Willian L Reynolds citado por José Marcelo Menezes Vigliar: “Our system of case law embodies the doctrine of precedent. An ancient doctrine, with roots as far back as the Year Books, it tells us that cases should be decided today the same way the were decided in the past. Another name for this doctrine is stare decisis (from a longer maxim, stare decisis et non quieta movere). As stare decisis is applied in American courts today, it is expected, in the event an apparently similar case is not followed, that the court explain why precedent did no control […] Finally, the court may overrule the precedent, but again it must justify that decision. Although our courts do no adhere to a rigid view of stare decisis, that doctrine exerts a very strong force. As might be expected of a doctrine of such distinguished lineage, stare decisis has many virtues. They can be broken down into three groups: efficiency, predictability, and uniformity or fairness” (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Uniformização de jurisprudência: segurança jurídica e dever de uniformizar: a forma de composição de dissídios jurisprudenciais instituída pelo art. 555, § 1º, do CPC (de acordo com a Lei n. 10.352, de 26-12-2001). São Paulo: Atlas, 2003, p. 148) Tradução livre: “Nosso sistema de case law personifica a doutrina do precedente. Uma doutrina antiga, com raízes tão antigas quanto os Year Books, diz-nos que os casos devem ser decididos hoje da mesma forma o foram decididos no passado. Outro nome para essa doutrina é stare decisis (a partir de uma longa máxima, stare decisis et non quieta movere). Como stare decisis é aplicada nos tribunais americanos, hoje, espera-se, na hipótese um caso aparentemente semelhantes não ser seguido, que o tribunal explique porque não o precedente não guiou a nova decisão [...] Por último, o Tribunal pode revogar o precedente, mas, neste caso, deve justificar a decisão. Apesar de nossos tribunais não aderirem a uma visão rígida de stare decisis, a doutrina tem muita força. Como seria de esperar de uma doutrina de linhagem tão distinta, stare decisis tem muitas virtudes. Elas podem ser divididas em três grupos: eficiência, previsibilidade e uniformidade ou equidade”.
16 A esse propósito Edward D. Re diz que: “Os precedentes não se devem aplicar de forma automática. O precedente deve ser analisado cuidadosamente para determinar se existem similaridades de fato e de direito para estabelecer a posição atual da Corte com relação ao caso anterior. Estuda-se o precedente para determinar se o princípio nele deduzido constitui a fundamentação da decisão ou tão-somente um dictum. Apenas os fundamentos da decisão merecem reconhecimento e acatamento com força vinculativa. Um dictum é apenas uma observação ou opinião e, como tal, goza tão-somente de força persuasiva.” (RE, Eduard D. Stare decisis. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, v. 327, jul/set., 1994, p. 38)
8
considerações periféricas (obiter dicta), pois é apenas o núcleo determinante17 do precedente
que vincula18 (binding precedent) o julgamento dos processos posteriores.
Essa tarefa de decomposição19 do precedente faz parte do treinamento e da
formação de advogados e juízes que atuam no sistema anglo-saxônico20, já o domínio da
17 Na visão de Luiz Renato Ferreira da Silva “O fato de se dizer que os julgamentos dos juízes ingleses são os elementos configuradores das regras a serem aplicadas a futuros julgamentos não pode acarretar que se considere toda e qualquer decisão como um precedente, e, muito menos, devem ser tidas como vinculativas todas as partes de uma decisão. Faz-se mister, destarte, analisar o que, dentro de um julgamento, pode ser tido como fundamental, devendo ser seguido nos vindouros exames de casos concretos. (FERREIRA DA SILVA, Luis Renato. A regra do precedente no direito inglês. Revista de direito civil, ano 20, n. 75, jan./mar., 1996, p. 50)
18 Como sustenta Michele Taruffo: “A doutrina do precedente faz distinção entre ratio decidendi, que é a regra de direito que é colocada como fundamento jurídico da decisão sobre os fatos específicos do caso, e obiter dictum, ou seja, todas aquelas afirmações e argumentações que estão contidas na motivação da sentença, mas que, por serem úteis para a compreensão da decisão e de seus motivos, não são parte integrante do fundamento jurídico da decisão”. Traduçao livre do orginal: “La dottrina del precedente distingue tra ratio decidendi, ossia la regola di diritto che è stata posta a diretto fondamento della decisione sui fatti specifici del caso, e obiter dictum, ossia tutte quelle affermazioni ed argomentazioni che sono contenute nella motivazione della sentenza ma che, pur potendo essere utili per la comprensione della decisione e dei suoi motivi, tuttavia non costituiscono parte integrante del fondamento giuridico della decisione. (TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. In: MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; LARREA, Arturo Zaldívar Lelo (Coords.). La ciencia del derecho processal constitucional: estudios en homenage a Hector Fix-Zamudio en sus cincuenta años como investigador del Derecho. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, Tomo V: juez y sentencia constitucional, 2008, p. 800) Para Karl Larenz “o que constitui o precedente não é a decisão do caso concreto com força de caso julgado, mas a resposta dada pelo tribunal, na motivação da sentença, a uma questão de direito que se suscita de modo idêntico ou pelo menos comparável no caso a decidir agora”. (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2.ed. Tradução José de Souza e Brito e José Antonio Veloso. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1969, p. 495)
19 Existem diferentes métodos para se destacar a ratio decidendi. Luiz Renato Ferreira da Silva apresenta duas teorias acerca do tema, a saber: “Uma primeira teoria consiste no chamado teste de inversão ou Teoria de Wambaugh, segundo a qual, para determinar-se a ratio decidendi de um caso, deve-se pegar a suposição do que seja ratio e inseri-la no contexto do julgamento. Deve-se, após, acrescentara a tal proposição uma palavra que inverta seu sentido. Caso a decisão da Corte fosse a mesma com a palavra modificada, tem-se que a proposição original, por melhor que tenha sido, não era a ratio decidendi do caso. [...] Outro método defendido pelo Dr. Goodhart segundo o qual a determinação passa por saber-se quais os fatos tratados pelo Tribunal como fatos materiais. Consideram-se fatos materiais („material facts‟) aqueles que são considerados imprescindíveis para que se possa decidir um caso e cuja presença caracteriza aquela situação e outras futuras.” (FERREIRA DA SILVA, Luis Renato. A regra do precedente no direito inglês. Revista de direito civil , ano 20, n. 75, jan./mar., 1996, p. 51) A notícia da existência de três métodos para decantar a ratio decidendi é assim sumarizada por H.K. Lücke: “A essência da vinculação de uma decisão judicial é tradicionalmente somada na frase ratio decidendi („razão para decisão‟). Muitos pensamentos e esforços foram despendidos para analisar e definir este conceito e encontrar um método confiável para descobrir como a ratio decidendi de um caso é apurada de maneira mais adequada. Parece haver três idéias principais: a assim chamada teoria clássica; a visão generalizada, a qual Julius Stone foi um proeminente defensor na Austrália, que considera toda a noção de que um único caso poderia conter apenas uma única ratio decidendi como uma ilusão completa; e a teoria dos „ fatos materiais‟ desenvolvida por Goodhart”. No original: “The binding essence of a judicial decision is traditionally summed up in the phrase ratio decidendi (‟reason for deciding‟). A great deal of thought and effort has been expended in defining and analysing this conc ept and in finding a reliable method for working out how the ratio decidendi of a case is best ascertained. There appear to be three main approaches: the so-called classical theory; the wide-spread view, of which Julius Stone was a prominent supporter in Australia, is which considers the whole notion that a single case could stand for a single ratio decidendi as a complete illusion; and the „material facts‟ theory developed by Goodhart.” (LÜKE, H. K. Ratio decidendi: adjudicative rationale and source of law. Disponível em: <http://epublications.bond.edu.au/cgi/viewcontent.cgi?article=1001&context=blr&sei-redir=1
9 técnica é condição para o bom exercício de qualquer das carreiras jurídicas, afinal, como diz
Teresa Arruda Alvim Wambier21 em seu artigo publicado nesta obra “a interpretação de um
precedente, para que dele se extraia a holding ou a ratio decidendi é uma tarefa tão (ou mais!)
complexa do que a de interpretar a lei”.
Um exemplo22 citado por Fredie Didier Júnior, em palestra realizada em 11 de
agosto de 2011, na XII Conferência Estadual dos Advogados do Mato Grosso do Sul, parece
deixar clara a diferença entre ratio decidendi e obiter dictum. No período de intensa polêmica
acerca do termo inicial do prazo de 15 dias, previsto no art. 475-J do CPC para o
cumprimento de sentença, o Min. Humberto Gomes de Barros23 foi relator de um recurso
especial, cujo resultado foi muito divulgado no meio jurídico. Na ocasião, a 3ª Turma do STJ
decidiu que tal prazo começaria a correr a partir da data do trânsito em julgado, sob o
fundamento de que: “A Lei não explicitou o termo inicial da contagem do prazo de quinze
dias. Nem precisava fazê-lo. Tal prazo, evidentemente, inicia-se com a intimação. O art. 475-J
não previu, também, a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença. A intimação -
dirigida ao advogado - foi prevista no § 1º do Art. 475-J do CPC, relativamente ao auto de
#search=""ratio+decidendi:+adjucative"">. Acesso em: 22 mar. 2011.) Também sobre o tema: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: RT, 2010, p. 223-228.
20 “A cultura jurídica dos Estados Unidos requer que os alunos sejam ensinados a analisar casos para determinar os fatos relevantes, questões que a Corte precisa decidir, e os fundamentos que são apropriados para responder as questões jurídicas. Assim, o método de ensino de casos é um aspecto necessário do precedente vinculante”. e prossegue “Assim sendo, muito do ensino jurídico americano concentra-se na análise de decisões publicadas a luz de decisões anteriores para reconhecer questões, fundamentos e precedentes. Essa abordagem realça a razão ou fundamento da decisão da Corte, bem como requer que a questão jurídica ou questões de um caso jurídico sejam articuladas no contexto dos fatos do caso” (COLE, Charles D. Precedente judicial: a experiência norte-americana. Revista de Processo, v. 23, n.92, out.-dez., 1998. p. 83-84).
21 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes, Isonomia e Evolução do Direito. In Direito Jurisprudencial . Teresa Arruda Alvim Wambier (coord). São Paulo: RT, 2012, p. 11/96.
22 Marco Antônio Botto Muscari apresenta outro interessante exemplo que pode auxiliar a compreensão da atividade de decomposição do precedente: “O art. 53 do Código do Consumidor impede que, nos contratos de compra e venda de imóveis, seja estabelecida a perda total das prestações em benefício do credor, caso haja inadimplemento do adquirente. Num contrato celebrado no ano de 1988 houve inadimplemento por parte do compromissário comprador. A construtora pleiteia em juízo a resolução do contrato e a perda das prestações que o adquirente moroso desembolsou até então. Questão relevante, no caso sub judice, é saber se o Código do Consumidor incide nos contratos celebrados antes do seu advento. O tribunal afirma que, veiculando normas de ordem pública, a Lei Federal n. 8.078/90 pode reger negócios pretéritos. E vai além, frisando que , mesmo que se entendesse inaplicável o Código de Defesa do Consumidor, face a anterioridade do compromisso, a perda das prestações teria natureza penal compensatória, havendo lugar para a redução a que alude o art. 924 do Código Civil. Supondo que estivéssemos no sistema norte-americano, apenas a tese da efetiva aplicabilidade do Código do Consumidor aos contratos pretéritos seria obrigatória. A ratio decidendi seria: veiculando normas de ordem pública, a Lei Federal n. 8.078/90 incide em negócios celebrados antes do seu advento. A aplicabilidade do art. 924 do Código Civil foi afirmada de passagem, apenas para enriquecer a fundamentação e demonstrar que, ainda que não se aplicasse o Código do Consumidor, estaria afastada a possibilidade de perda integral das prestações; seria um obter dictum, portanto. (MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 82-83)
23 REsp 954859/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 16/08/2007, DJ 27/08/2007, p. 252.
10 penhora e avaliação. Nesse momento, não pode haver dúvidas, a multa de 10% já incidiu (se
foi necessário penhorar, não houve o cumprimento espontâneo da obrigação em quinze dias).
Alguns doutrinadores enxergam a exigência de intimação pessoal. Louvam-se no argumento
de que não se pode presumir que a sentença publicada no Diário tenha chegado ao
conhecimento da parte que deverá cumpri-la, pois quem acompanha as publicações é o
advogado. O argumento não convence. Primeiro, porque não há previsão legal para tal
intimação, o que já deveria bastar. Os arts. 236 e 237 do CPC são suficientemente claros neste
sentido. Depois, porque o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o constituiu.
Cabe a ele comunicar seu cliente de que houve a condenação. Em verdade, o bom patrono
deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique
em condições de cumprir a condenação.” No mesmo voto, a Corte ainda assentou que: “Se o
causídico, por desleixo omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele deve
responder por tal prejuízo.”
A primeira passagem é a ratio decidendi do precedente, porque diz respeito ao
cerne dos fundamentos que levam a conclusão final. Vale dizer, foi na primeira passagem que
a Corte apresentou o real fundamento para adotar o trânsito em julgado como o termo inicial
da fluência do prazo de 15 dias para cumprimento do julgado. Já a segunda é obiter dictum,
posto que dita em caráter complementar, porquanto a responsabilidade civil ou não do
advogado pela não-comunicação de seu cliente acerca da data do trânsito em julgado não era
o tema do recurso especial, tampouco dizia respeito ao núcleo da discussão jurídica da causa.
Se quando da formação de tal precedente vigorasse no sistema brasileiro o stare
decisis, nos casos subsequentes a solução contida na ratio decidendi do julgado seria
vinculante para todos os casos subsequentes, enquanto que o obiter dictum não seria.
Como tal sistema ainda não vigora no Brasil, juízes de 1º grau, tribunais de 2º
grau e o próprio STJ emitiram diversos outros posicionamentos, cada um em uma direção,
sendo certo que hoje, por ter sido a questão resolvida pela Corte Especial24 do STJ, há
24 “1. O cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada. 2. Na hipótese em que o trânsito em julgado da sentença condenatória com força de executiva (sentença executiva) ocorrer em sede de instância recursal (STF, STJ, TJ E TRF), após a baixa dos autos à Comarca de origem e a aposição do "cumpra-se" pelo juiz de primeiro grau, o devedor haverá de ser intimado na pessoa do seu advogado, por publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de quinze dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir sobre o montante da condenação, a multa de 10% (dez por
11 fortíssima tendência (mas não vinculação efetiva) de prevalecer o entendimento de que o
termo inicial começa a correr a partir da intimação na pessoa de seu advogado, por meio do
Diário da Justiça.
Independente da solução desse caso específico, como o direito nacional está em
fase de transformação e como os precedentes vêm ganhando força cada vez mais, é preciso
incorporar a técnica de identificação da ratio decidendi e sua separação do obiter dictum ao
sistema brasileiro, pois, como diz François Rigaux25, “quando uma decisão anterior é
invocada como precedente, ela própria deve (primeiro) ser interpretada”.
5. A identificação de causas iguais e o distinguishing do common law
Depois de identificada a ratio decidendi de um precedente26, o processo de
aplicação passa por definir se o novo processo em julgamento é, como diz Robert Alexy27,
“suficientemente igual” ao tema debatido no precedente. Assim, é indispensável estabelecer o
que é e o que não é relevante para a comparação das causas, já que o ato decisório coerente28
sempre demanda a demonstração de que o caso é suficientemente igual ao precedente e, por
cento) prevista no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil. ...”(REsp 940274/MS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio De Noronha, Corte Especial, julgado em 07/04/2010, DJe 31/05/2010)
25 RIGAUX, François. A lei dos juízes. Tradução Edmir Missio; revisão da tradução Maria Ermantina Galvão; revisão técnica Gildo Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 71.
26 Para Teresa Arruda Alvim Wambier, as etapas de julgamento no sistema anglo saxônico ocorrem na seguinte ordem: “No common law depois de ser o caso analisado em seus aspectos fáticos (indissociáveis de sua qualificação jurídica, aos olhos de quem analisa), o foco passa a situar-se em um dos vários (já selecionados) precedentes. Qual seria o adequado? Então, grosso modo, os passos seriam: 1) Examinar o caso; 2) Verificar a relevant similarity entre ambos os casos, o que deve ser decidido e o precedente (analogy); 3) Determinação da ratio decidendi; 4) Decisão de aplicar o precedente para resolver o caso.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Interpretação da lei e de precedentes: civil law e common law. Revista dos Tribunais, v. 893, ano 99, p.33-45, mar., 2010, p. 38)
27 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 557.
28 Acerca do tema Hans Kelsen sustentou que: “Como a decisão que constitui um precedente pode ser vinculante apenas para a decisão de casos iguais, a questão de saber se um caso é igual ao precedente é de importância decisiva. Como nenhum caso é igual ao precedente sob todos os aspectos, „a igualdade‟ de dois casos que a esse respeito interesse considerar apenas pode residir no fato de eles coincidirem em certos pontos essenciais [...]. Porém, a questão de saber em que pontos têm de coincidir para serem considerados como „ iguais‟ apenas pode ser respondida com base na norma geral que determina a hipótese legal (Tatbestand), fixando os seus elementos essenciais. Portanto, só com base na norma geral que é criada pela decisão com caráter de precedente se pode decidir se dois casos são iguais. A formulação desta norma geral é o pressuposto necessário para que a decisão do caso precedente possa ser vinculante para a decisão de casos „ iguais‟. (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 278)
12 isso, a resposta judiciária merece ser idêntica ou, ao reverso, que o caso não é suficientemente
igual e, por tal motivo, a decisão tem que ser diferente.
Para que dois casos sejam iguais não é necessário que a igualdade seja absoluta,
isto é, em todos os aspectos, em todos os detalhes. Diante de um novo caso, é preciso
identificar o ponto efetivamente nuclear do precedente invocado de modo a possibilitar ou
não o seu enquadramento ao caso em exame, pois, como sempre há uma ou outra minúcia a
distinguir dois processos, a imposição da condição de ocorrência de exata, total e irrestrita
similitude entre novo caso e caso paradigma, inviabilizaria totalmente o sistema de respeito
aos precedentes. Como há diferenças que são irrelevantes para a comparação da questão
jurídica29, estas devem ser desprezadas. Esse juízo de valor será sempre feito pela parte no ato
de postular com base em precedente ou no ato do juiz30 de decidir com base em antecedente
judiciário.
Por exemplo31, imagine-se a existência de um precedente que imponha a divisão
de despesas em um condomínio atípico, ou seja, em um condomínio informal de casas que
estão todas numa mesma região. Se um tribunal optar por ordenar a divisão de despesas neste
caso, idêntico tratamento deve ser dispensado para demandas futuras que tratem da mesma
questão, ainda que nos casos subsequentes o condomínio informal seja, por exemplo, de lojas
29 Essa comparação, entrentato, passa ao largo dos elementos da ação do sistema nacional, quais sejam, partes,
causa de pedir e pedido, pois a questão aqui tratada não envolve em definir a ocorrência de conexão, litispendência ou continência.
30 Como explica Michele Taruffo “O precedente fornece uma regra (universalizável, como já foi dito) que pode ser aplicada como critério de decisão no caso subsequente em que função da identidade ou – como acontece na lei – pela analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do segundo caso. Naturalmente, a analogia dos dois casos fáticos (caso concreto) não é dada in re ipsa, e é confirmada ou excluída pelo juiz do caso subsequente, dependendo se ele considera entre os fatos dos dois casos. É, portanto, o juiz do caso sucessivo que estabelece se existe ou não existe o precedente, em seguida – por assim dizer – „cria‟ o precedente”. No original: “Il precedente fornisce una regola (universalizzabile, come già si è detto) che può essere applicata come criterio di decisione nel caso successivo in funzione della identità o – come accade di regola – dell‟analogia tra i fatti del primo caso e i fatti del secondo caso. Naturalmente l‟analogia delle dua fattispecie concrete non è data in re ipsa, e viene affermata o esclusa del giudice caso successivo a seconda che costui ritenga prevalenti gli elementi di identità o gli elementi di differenza tra i fatti dei due casi. E‟ dunque il giudice del caso successivo che stabilisce se esiste o non esiste il precedente, e quindi – per così dire – „crea‟ il precedente.” (TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. In: MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; LARREA, Arturo Zaldívar Lelo (Coords.). La ciencia del derecho processal constitucional: estudios en homenage a Hector Fix-Zamudio en sus cincuenta años como investigador del Derecho. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, Tomo V: juez y sentencia constitucional, 2008, p. 798)
31 A esse propósito, citando exemplo de Henke, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira diz que: “Se o proprietário de um imóvel havia demandado seu vizinho por danos causados em sua propriedade pelas efusões de um taque de água, a demanda não poderá ser desacolhida alegando-se que uma decisão anterior tinha também atribuído ao proprietário os danos causados por um extintor de incêndio. A diferença fática é irrelevante, importando o aspecto da culpa e sua vinculação à norma que a regula.” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A semelhança no dissídio jurisprudencial para efeitos de recurso especial e embargos de divergência e a lógica. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 136-139)
13 comerciais ou de escritórios. É que é indiferente se o condomínio atípico existe entre casas
ou entre lojas comerciais ou escritórios, pois o que deve ser comparado é se havia ou não o
condomínio informal. Em suma, nos dois exemplos os casos são juridicamente iguais32
ainda que sejam diferentes em alguns aspectos fáticos irrelevantes.
Outro exemplo também pode auxiliar na compreensão da questão: imagine que
um mutuário “X” emprestou dinheiro do Banco “A” , para adquirir uma casa pelas regras do
Sistema Financeiro da Habitação, mediante o compromisso de restituição do valor em 360
meses, com saldo devedor corrigido pela poupança. Insatisfeito com a evolução do saldo
devedor, esse mutuário ingressa em juízo objetivando a revisão do contrato, pretendendo a
substituição do indexador, ou seja, a troca da taxa referencial (TR), que é o indexador da
poupança, pelo IGPM/FGV. Após a contestação do réu, amparado no entendimento do STJ
materializado no RESP 969.129/MG33, que foi processado na forma do art. 543-C do CPC, o
juízo de 1º grau julga improcedente o pedido, mantendo o indexador contratado. Imagine-se
ainda que um mutuário “W” – que emprestou dinheiro do Banco “B” , também pelas normas
do Sistema Financeiro da Habitação, para adquirir um apartamento com compromisso de
pagar o saldo devedor, corrigido pela poupança, no prazo de 240 meses – ingressa em juízo
com idêntica pretensão, e, depois da citação e contestação do réu, novamente o juízo julga
improcedente o pedido. Recebendo um terceiro processo, desta feita proposto pelo mutuário
“Y” , que emprestou dinheiro do Banco “C” , para adquirir um quarto em um apart-hotel,
também pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação, para pagamento em 120 meses e
que também quer alterar o indexador do contrato (poupança), o juízo está autorizado a rejeitar
liminarmente o pedido com base no art. 285-A. É indiferente que os mutuários são distintos
32 No tema, Robert Alexy diz que: Juízos sobre igualdade fática parcial nada dizem sobre a obrigatoriedade de um tratamento igual ou desigual. A igualdade fática parcial é compreensível com um tratamento desigual e a desigualdade fática parcial é compreensível com um tratamento igual. O fato de que tanto a quanto b sejam marinheiros não exclui a possibilidade de que a seja punido por furto e b, não. O fato de a ser um marinheiro e b bancário não excluí a possibilidade de que tanto a quanto b sejam punidos por furto. Portanto, a fórmula „o igual deve ser tratado igualmente; o desigual, desigualmente‟, é necessário compreender „igual‟ e „desigual‟ como algo que não seja uma igualdade – ou uma desigualdade – fática parcial em relação a um aspecto qualquer. Como não existem dois indivíduos ou duas situações, entre os quais não exista tanto igualdade fática parcial quanto uma desigualdade fática parcial, tudo teria que ser tratado ao mesmo tempo como igual ou como desigual, caso a fórmula se relacionasse a uma igualdade – ou a uma desigualdade – fática parcial em relação a algum aspecto qualquer.” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 399)
33 “1. Para os efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/91, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei nº 8.177/91, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico”. (REsp 969129/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 15/12/2009).
14 (“X”, “W” ou “Y”), que o banco é distinto (“A”, “B” ou “C”), que o imóvel é distinto (casa,
apartamento ou quarto de apart-hotel), que o período de pagamento é distinto (360, 240 ou
120 meses), se um pagou mais parcelas que o outro; se um é bancário, o outro é militar e o
outro é empresário; pois, o que importa é que a questão jurídica é a mesma. Todas essas
variantes, mesmo que reconhecidas num ou noutro caso, são indiferentes para o resultado da
causa, pois o que é importa é que o núcleo da questão jurídica é o mesmo, qual seja: a TR é
ou não indexador legítimo para os contratos celebrados pelo Sistema Financeiro da Habitação,
onde se ajusta a correção pela variação da poupança? E os motivos determinantes (ratio
decidendi) da primeira e da segunda sentença (ambas alinhadas com o entendimento do STJ),
aplicados ao terceiro caso, autorizam a rejeição liminar do pedido com base no art. 285-A do
CPC, pois os casos são suficientemente iguais.
E no common law o juiz deverá criar solução própria para o processo quando,
mediante comparação, constatar a existência de particularidade relevante que o diferencie34,
que o individualize, que, enfim, o distinga (discrímen) do precedente e caso não exista outra
regra exata para a questão. Este ato de comparar, constatar disparidade e afastar a aplicação
obrigatória do precedente é denominado de distinguishing.
6. A técnica de revisão do precedente: Overruling
Atualmente, mesmo no sistema anglo-saxônico, onde os precedentes têm efeitos
vinculantes, existe a possibilidade35 de superação do entendimento.
Nem sempre foi assim. Na Inglaterra, até 1966, a Câmara dos Lordes estava
vinculada aos seus próprios precedentes, que somente poderiam ser alterados caso o
34 Rodolfo de Camargo Mancuso diz que: O afastamento dos binding precedents só pode se dar excepcionalmente, mediante a demonstração cabal de que a ratio decidendi exposta no caso paradigma não se aplica ao caso sub judice, em virtude de certas singularidades na situação de fato deste último; do contrário, prevalece o milenar princípio stare decisis et non quieta movere, a balizar o julgamento de casos futuros e análogos. No ponto, observa Márcia Regina Lusa Cadore: „O juiz ficará vinculado ao precedente apenas se a situação fática posta em julgamento for a mesma. Caso contrário, inexiste a vinculação. Isso obviamente significa que os fatos da causa devem conter pelos menos um elemento relevante que os distinga dos examinados no precedente. Nasce ai a técnica do distinguishing, na qual é preservada a tradicional argumentação from case to case‟.” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 29)
35 Robert Alexy sustenta que “é possível que um caso seja igual a outro caso anteriormente decidido em todas as circunstâncias relevantes, mas que, porém, se queira decidir de outra maneira porque a valoração dessas circunstâncias mudou”. (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. A teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira Cláudia Toledo. 2.ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 265)
15 Parlamento editasse regra específica que resultasse na modificação do entendimento. Mas,
através do Practice Statement de 26-07-1966 houve, como explica Luis Renato Ferreira da
Silva36, “a determinação exarada por ato do Lord-Chancellor Gardiner de que a Câmara dos
Lordes não mais estaria vinculada pelos seus precedentes caso a severidade da sua aplicação
conduzisse a uma injustiça no caso concreto. Por meio deste ato, mudou-se significativamente
o panorama de regra do precedente, eis que se permitiu à House of Lords anular, ou superar
suas próprias decisões”.
Essa alteração, que importa na negação de um precedente, é possível em situações
especiais e, de regra, pode ser realizada pelo tribunal que criou o precedente ou por corte
superior. De maneira geral, o overruling ocorre diante do teor de novas leis ou de alterações
jurídicas ou sociais substanciais. Como diz Teresa Arruda Alvim Wambier37 “Quando se
detecta a necessidade de mudança, ou porque (a) se considera agora, a norma errada; ou
porque (b) se considera agora a norma errada, embora ela não estivesse errada quando foi
criada, ocorre o overruling. Esta é uma das principais técnicas, usadas no sistema de common
law, para adaptar/corrigir/flexibilizar o direito.”
A superação de um precedente exige do operador do direito elevada carga de
argumentação jurídica, já que, como sustenta Karl Larenz, citado por Robert Alexy38 “o
simples fato de que uma proposta de solução já tenha sido aplicada é uma boa razão para
voltar a elegê-la”.
Overruling, portanto, é método de trabalho de juízes de tribunais onde, depois da
reavaliação dos fundamentos que levaram à formação de um precedente que ordinariamente
36 FERREIRA DA SILVA, Luis Renato. A regra do precedente no direito inglês. Revista de direito civil, ano 20, n. 75, jan./mar., 1996, p. 54. O mesmo evento foi assim descrito por Antônio Felipe A. Gallo “Por esta doutrina (do precedente), os juízes inferiores ou de igual hierarquia ficam obrigados a decidir seguindo os precedentes, sendo que a House of Lords, como mais alto tribunal britânico, decidiu em 1966 que deveria seguir suas próprias decisões anteriores se, assim, lhe parecesse justo”. (GALLO, Antônio Felippe A. A lei como fonte principal do direito inglês nos dias de hoje. Revista dos Tribunais, v. 673, ano 80, nov., 1991, p. 33, nota de rodapé 6). Mauro Cappelletti, por sua vez, relata o acontecido da seguinte forma: “[...] a doutrina do „stare decisis‟ pode ser aplicada de maneira muito flexível, o que realmente acontece especialmente nos Estados Unidos, enquanto que na Grã-Bretanha a rigidez de sua aplicação também tem sido atenuada ultimamente, entre outros motivos, pela famosa declaração do Lord Chanceler que, em 1966, falando pela unanimidade da House of Lords, afirmou o poder daquela Corte de alterar a própria jurisprudência”. (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 122).
37 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: “civil law e common law”. Revista de Processo, v. 172, ano 34, jun., 2009, p. 135-136.
38 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. A teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira Cláudia Toledo. 2.ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 267.
16 se aplicaria ao caso em julgamento, decide-se por cancelar a fórmula anterior e atribuir uma
interpretação, total ou parcialmente, diferente da antecedente.
O overruling pode ter retrospective effects (efeitos pretéritos) ou prospective
effects (efeitos para o futuro). Quando se atribui efeitos pretéritos (retrospective effects) (ex
tunc), na prática, o jurisdicionado é julgado com base em regra nova, não existente no
momento em que agiu ou se omitiu indevidamente. Portanto, o jurisdicionado é surpreendido
com novo modelo de conduta. Como explica Teresa Arruda Alvim Wambier39, em casos tais,
“a parte sucumbente vai ser „punida‟ não porque deixou de cumprir um dever que tinha, mas
porque deixou de cumprir um dever criado depois de ocorrida a sua conduta”.
Quando, de outro lado, se realiza o overruling com efeitos prospectivos
(prospective effects) a nova orientação do tribunal valerá da data da decisão de virada para
frente (ex nunc) ou de outro marco temporal futuro (pro futuro) escolhido pela Corte, que
deve ser expressamente consignado no corpo do novo precedente.
7. Dos fundamentos para o respeito aos precedentes do sistema brasileiro.
O obrigatório respeito aos precedentes, que, como visto acima, é a base do sistema
anglo-saxônico, vem sendo gradualmente introduzido no sistema brasileiro, que é
genuinamente de base codicista.
Esse saudável (e irreversível) caminho é capaz de produzir uma série40 de
benefícios aos jurisdicionados, aos operadores do Direito e ao Poder Judiciário. De forma
breve, é sobre isso que se discorrerá nos tópicos seguintes.
7.1. Tratamento igualitário
39 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: “civil law e common law”. Revista de Processo, v. 172, ano 34, jun., 2009, p. 135.
40 A partir da doutrina de Allan Farnsworth, ao tratar do sistema anglo-saxônico, Cândido Rangel Dinamarco, diz que “a força vinculante dos holdings (máximas contidas nos julgamentos) proporciona a quádrupla vantagem expressa nas palavras igualdade-segurança-economia-respeitabilidade”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Súmulas Vinculantes. In. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo I. São Paulo: Malheiros, 6. ed. 2010, p. 216-217)
17
A exemplo da previsão da Constituição alemã41, da Constituição portuguesa42, da
Constituição espanhola43 e da Constituição americana44, a Constituição brasileira de 1988
prevê no art. 5º que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”.
Tamanha é a relevância dessa previsão para o ordenamento jurídico brasileiro que
ela foi elevada a categoria de valor supremo no preâmbulo45 da Carta da Republica.
Esse direito à igualdade, como diz Teresa Arruda Alvim Wambier46, “está entre os
direitos invioláveis, no art. 5º da CF. Trata-se de princípio umbilicalmente ligado ao Estado
de Direito e ao regime democrático, e tem estado presente nas preocupações dos povos
ocidentais desde a Revolução Francesa” que, como completa a mesma autora47, “tinha como
lema Liberté, Fraternité et Égalité”.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello48, “o alcance do princípio não se
restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser
editada em desconformidade com a isonomia”. Além disso, esse comando da Carta da
República consagra a igualdade real e não, apenas, a igualdade formal, pois, ser igual perante
a lei significa ser igual na aplicação da lei. É a positivação do princípio da igualdade ou da
41 “Artikel 3 [Gleichheit vor dem Gesetz] (1) Alle Menschen sind vor dem Gesetz gleich”. Tradução livre: Art. 3º [Igualdade perante a lei] (1) Todos são iguais perante a lei”.
42 “Artigo 13º (Princípio da igualdade) 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
43 “Artigo 14. Los españoles son iguales ante la ley, sin que pueda prevalecer discriminación alguna por razón de nacimiento, raza, sexo, religión, opinión o cualquier otra condición o circunstancia personal o social”
44 “Amendment XIV – Section 1. All persons born or naturalized in United States and subject to jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the State wherein they reside. No State shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection oh the laws”. Tradução livre: “Emenda XIV. Seção 1. Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis”.
45 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sobre a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”
46 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia, como inspiradores da compreensão de algumas recentes alterações do direito positivo: Constituição Federal e CPC. Revista do Advogado, São Paulo, v. 26, 2006, p. 188.
47 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 98, abr./jun., 2000, p. 298.
48 BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 9.
18
universalidade, que, como explica Robert Alexy49, “serve de base para o princípio da Justiça
Formal. O princípio da justiça formal exige „observar uma regra que obriga tratar da mesma
maneira todos os seres de uma mesma categoria‟”.
Isto tudo quer dizer que o art. 5º, caput, da Constituição Federal garante a
igualdade na formação da lei, na própria lei e na sua aplicação.
Ora, se a lei é igual para todos, a interpretação que dela decorre também deve
gerar idêntica aplicação, pois, como questiona Rodolfo de Camargo Mancuso50, “é plausível
que a isonomia aplique-se à norma legislada, mas não atue em face da norma judicada?”
O jurisdicionado, quando vai a juízo, quer sagrar-se vencedor, quando perde, sem
dúvidas, fica insatisfeito, mas essa insatisfação se potencializa a níveis insuportáveis quando
toma conhecimento de que um caso igual foi decidido de maneira antagônica51. Se, de outro
lado, o jurisdicionado se sente inserido no mesmo contexto de todos52, mesmo que perca a
causa, seu nível de insatisfação certamente se reduz. O sentimento que predominará é de que
perdeu porque – assim como todos os demais na mesma situação – não tinha direito.
A esse própósito, em seu artigo publicado nesta obra, Pedro Miranda de Oliveira53
sustenta que “Causa perplexidade a qualquer um (e, curiosamente, menos àquele que opera
com o direito) a circunstância de uma mesma questão jurídica receber do Judiciário mais de
uma solução. Essa perplexidade apenas se multiplica e ganha contornos objetivamente
nocivos quando o mesmo tema acaba sendo comum a um grande número de demandas. Com
efeito, decisões divergentes geram insegurança jurídica nos jurisdicionados e descrédito do
Poder Judiciário. É, portanto, nefasto, do ponto de vista jurídico. São os efeitos deletérios da
divergência.”
49 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. A teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira Cláudia Toledo. 2.ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 219.
50 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 27.
51 Sobre o tema, o Min. Luiz Fux sustenta que: “É inegável a função popular da jurisdição, posto que, em nome do povo, essa parcela da soberania é exercida. Ora, não ressoa coerente que cidadãos residentes na mesma localidade e sujeitos à mesma ordem jurídica recebam tratamento diverso das fontes encarregadas da aplicação e da interpretação das leis.” (FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2009, p.958)
52 Como bem lembra Alf Ross, é inafastável, na ótica do cidadão, “a exigência de que os casos análogos recebam tratamento similar, ou de que cada decisão concreta seja baseada numa regra geral”. (ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução de Edson Bini, São Paulo: Edipro, 2000, p. 111)
53 OLIVEIRA, Pedro Miranda. O binômio repercussão geral e súmula vinculante: necessidade da aplicação conjunta dos dois institutos. In Direito Jurisprudencial . Teresa Arruda Alvim Wambier (coord). São Paulo: RT, 2012, p. 675/750.
19
O tratamento desigual é permitido apenas quando existir discrímen legítimo (o
distinguishing do common law). O ponto de partida é a fórmula de Aristóteles, incontáveis
vezes repetida, no sentido de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais. Assim, conforme sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello54
“tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de
outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o
específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada”.
Isto quer dizer que o tratamento anti-isonômico é possível apenas quando existir
uma diferença legítima entre o processo em julgamento e o precedente paradigma que tenha
correção lógica com tal desigualdade55.
Como diz Leonardo José Carneiro da Cunha56 “a necessidade de se manter
coerência, ordem e unidade no sistema, impondo que casos idênticos sejam solucionados da
mesma maneira, privilegia os princípios da isonomia e da legalidade, conferindo maior
previsibilidade para casos similares ou idênticos e afastando arbitrariedades ou decisões
tomadas ao exclusivo sabor de contingências ou vicissitudes pessoais do julgador.”
Nessa linha, em acatamento ao mandamento constitucional, a regra geral deve ser
a de respeito aos precedentes. Deve-se garantir a isonomia perante o sistema judiciário.
Assim, embora não vigore o stare decisis nos países que adotam o civil law, dentre eles o
Brasil, o respeito aos precedentes deve decorrer da necessidade de tratamento igualitário
perante a lei exigido pela Constituição, como uma das faces do Estado Democrático de
Direito.
7.2. Previsibilidade e segurança jurídica
54 BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 38.
55 No particular, Celso Antônio Bandeira de Mello diz que: “A discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fato diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia.” (BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 39)
56 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 179, ano 35, jan., 2010, p. 149.
20
Os atos praticados pelos jurisdicionados são pautados pelos termos da lei, por
isso, a decisão de realizar ou não um determinado negócio depende, sempre, da análise prévia
do ordenamento jurídico, ou seja, pressupõe o conhecimento prévio das regras do jogo, que
devem ser claras e precisas. A segurança jurídica é uma das faces do princípio da proteção da
confiança. Trata-se de princípio implícito do sistema brasileiro, que decorre do Estado
democrático de direito (CF, art. 1º).
Segundo Karl Larenz57, em função do princípio da proteção da confiança, “os
tribunais não podem iludir a confiança que o público deposita na continuação de uma
jurisprudência que tenha por fundamento uma convicção jurídica geral”.
Pois bem, apesar da segurança jurídica ser necessária ao bem-estar da população e
fator para se aferir o desenvolvimento do país, é certo que no Brasil a análise apenas da
norma legislada não é o bastante para conferir total segurança, pois, como antes registrado,
quando o juiz soluciona conflitos de normas, supre lacunas ou preenche os claros da lei, cria
regras de direito.
Se o Poder Judiciário respeita seus precedentes, o jurisdicionado tem segurança
jurídica quanto à legalidade ou ilegalidade dos negócios que realiza em consonância com os
termos da norma legislada e da norma judicada. Se, de outro lado, o Poder Judiciário admite
a dispersão de entendimentos, todo negócio acaba se transformando num labirinto, pois, o
cidadão sabe como entra, mas jamais tem a certeza de como sairá e se sairá. Dito por palavras
outras, o respeito aos precedentes funciona como uma bússola a guiar o caminho dos
jurisdicionados. O desrespeito, de outro lado, importa em deixá-los totalmente desorientados.
A tranquilidade do ser humano está intimamente ligada à previsibilidade. Quando
acontece aquilo que é esperado, que é aguardado, ninguém é pego de surpresa. Se, de outro
lado, acontece o imprevisto, o inesperado, o impensado, todos ficam intranquilos, pois a
surpresa é fonte de medo. Como diz Cármen Lúcia Antunes Rocha58 “Guerreiro, o homem é
um ser buscante de paz. Esta realiza-se interiormente na busca da segurança que o direito é
capaz de garantir”.
57 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2.ed. Tradução José de Souza e Brito e José Antonio Veloso. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1969, p. 504.
58 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da coisa julgada e o vício de inconstitucionalidade. Revista Fórum Administrativo - Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, ano 9, n. 100, jun., 2009, p. 41
21
O respeito a precedentes importa, na verdade, em respeitar as regras do jogo,
pois, como expõe Sálvio de Figueiredo Teixeira59, “não se pode ter como ideal a justiça que
se mostra vacilante, indecisa, sobretudo porque „perante a jusriprudência incerta, ninguém
está seguro de seu direito‟.”
Assim, a valorização e respeito aos precedentes importa em mudar o cenário de
intranquilidade atual, de existência da loteria60 das decisões judiciais, para, de fato, gerar
59 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Da Jurisprudência predominante, da uniformização da jurisprudência uniforme. In: Revista de jurisprudência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, v. 6, n. 21, jan./fev., 1984, p. 15.
60 Sobre o assunto, há muitos anos Alfredo Buzaid já dizia que: “Não repugna o jurista que os tribunais, num louvável esforço de adaptação. Sujeitem a mesma regra jurídica a entendimento diverso, desde que se alterem as condições econômicas, políticas e sociais; mas lhe repugna que sobre a mesma regra jurídica dêem os tribunais interpretação diversa e até contraditória, quando as condições em que ela foi editada continuam as mesmas. O dissídio resultante de tal exegese descorçoa os litigantes.” (BUZAID, Alfredo. Prefácio à obra Uniformização da jurisprudência, de Sidney Sanches. São Paulo: RT, 1975); A esse propósito, Natacha Nascimento Gomes Tostes diz que “Se dois casos idênticos recebem tratamento diverso, qual das decisões é justa, e qual é injusta? Onde se efetuou a distribuição da Justiça? Cremos, assim, que em nenhuma das hipóteses pode se falar em verdadeira distribuição da Justiça, já que houve uma desestabilização da ordem. Sujeitar o indivíduo, portanto, à „ loteria das decisões judiciais‟ pode ser considerado um dos caminhos mais propícios para a desestruturação da ordem e para o não cumprimento dos preceitos insculpidos na Carta de 1988.” (TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Uniformização da jurisprudência. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 104, out./dez., 2001, p. 195). No ponto, Rodolfo de Camargo Mancuso sustenta que as lides não podem “Ficar sujeitas a decisões aleatórias e de todo insuspeitas – assim surpreendendo as partes –, como se fosse o processo um barco a deriva, ficando o seu destino final sujeito a eventualidade de seu encaminhamento a este ou àquele órgão judicial, ou da distribuição do recurso a este ou àquele órgão fracionário do Tribunal.” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 285); Para Cândido Rangel Dinamarco é angustiante defrontar com “casos que se repetiam e ainda se repetem, que atravancam a Justiça pela grande quantidade, que muitas vezes terminam com resultados diferentes, depende da aleatória distribuição a câmaras ou julgadores de tendências desiguais, tudo para desgaste do Poder Judiciário e enorme insegurança para os sujeitos litigantes.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Súmulas vinculantes. In: . Fundamentos do processo civil moderno. 6.ed. São Paulo: Malheiros, Tomo I, 2010, p. 220); José Carlos Barbosa Moreira também enalteceu a impossibilidade de o resultado da causa depender da sorte argumentando que: “Não se trata, nem seria concebível que se tratasse, de impor aos órgãos judicantes uma camisa-de-força, que lhes tolhesse o movimento em direção a novas maneiras de entender as regras jurídicas, sempre que a anteriormente adotada já não corresponda às necessidades cambiantes do convívio social. Trata-se, pura e simplesmente, de evitar, na medida do possível, que a sorte dos litigantes, e afinal a própria unidade do sistema jurídico vigente, fiquem na dependência exclusiva da distribuição do feito ou do recurso a este ou àquele órgão.” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2006, p. 5); José Marcelo Menezes Vigliar60 sustenta que: “Realmente, ao jurisdicionado há que se reservar mais do que simples sorte à moda lotérica, que coloca numa determinada situação, que o convidará ao êxito ou à derrota, consoante simples regras de distribuição do seu recurso em determinado tribunal. Não se pode, portanto, deixar que o destinatário da tutela jurisdicional passe a aguardar ardentemente pela boa distribuição do recurso, porque tal expectativa agrava o distanciamento entre a Justiça e os homens, porque parte de um mesmo tribunal vê, numa mesma tese, faces que levam por vezes a resultados de mérito completamente antagônicos.” (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Uniformização de jurisprudência: segurança jurídica e dever de uniformizar: a forma de composição de dissídios jurisprudenciais instituída pelo art. 555, § 1º, do CPC (de acordo com a Lei n. 10.352, de 26-12-2001). São Paulo: Atlas, 2003, p. 201). Quanto ao assunto, José Maria Rosa Tesheiner argumenta que: “É um escândalo que a vitória ou a sucumbência da parte se determine pela sorte, conforme a distribuição de seu processo se faça a esta ou aquela Câmara. Se todos são iguais perante a lei (Constituição, art. 5º), não se concebe que o Tribunal trate uns diferentemente dos outros, em identidade de circunstâncias. (TESHEINER, José Maria Rosa. Uniformização da jurisprudência, Revista Ajuris , v. 50, nov. 1990, p. 179). Segundo Eduardo de Albuquerque Parente “Não é razoável assistir ao
22 previsibilidade e garantir segurança jurídica aos jurisdicionados, o que acaba por interferir
diretamente na confiança interna e externa, e, por conseguinte, no desenvolvimento do país.
7.3. Agilidade na entrega da prestação jurisdicional
Como cediço, o trabalho de construir uma tese jurídica ou de decidir um processo
demanda estudo e meditação. Quanto mais complexo o caso, maior é o tempo que deve ser
dedicado à preparação de sua solução.
Nessa linha, se a cada novo caso sob julgamento, o julgador pesquisar apenas a lei
e a doutrina, sem levar em conta julgados anteriores, isto é, sem considerar o trabalho anterior
de outros magistrados, certamente percorrerá um caminho muito mais longo do que aquele
que também recorrer aos precedentes.
É que os precedentes já contêm as considerações sobre os dois lados da moeda,
isto é, as ponderações das partes e, o que é principal, o posicionamento já tomado pelo Poder
Judiciário sobre a questão em discussão. Consequentemente, quem consulta precedente
encurta o caminho, pois aproveita o trabalho e a pesquisa anterior para agilizar o seu trabalho.
A esse propósito John Henry Merryman e Rogelio Pérez-Perdomo61 dizem que “os advogados
com casos legais difíceis têm seu caminho facilitado se encontram uma decisão publicada que
tenha resolvido caso semelhante. O mesmo, é claro, vale para os juízes”.
Assim, questões complexas já solucionadas anteriormente permitem que
processos idênticos posteriores sejam decididos de forma mais rápida, pois, diante da
existência de um precedente, o tempo de pesquisa da solução da causa será invariavelmente
menor.
processo como se assiste a um jogo, no qual não basta ter o direito, é preciso encontrar um juiz que tenha a vontade de lhe dar esse direito. Na prática, isso se traduz na noção de que a parte não poder ficar sujeita a ter de contar com a sorte na distribuição do feito, torcer para ser sorteado aquele – justo aquele – julgador que, ao contrário de outro (que pode presidir o juízo ao lado), aplicará o direito como esperado.” (PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Jurisprudência: da divergência à uniformização. São Paulo: Atlas, 2006, p. 34-35 [Coleção Atlas de Processo Civil]). Para Eduardo Cambi “parte-se da seguinte premissa: se a Constituição contempla o princípio da isonomia, sendo todas as pessoas iguais (art. 5º, caput), para a mesma situação jurídica, a lei deve ser aplicada do mesmo modo. A situação inversa, contida no fenômeno da jurisprudência lotérica, proporciona a falta de certeza do direito, sendo a causa de crise, pois é a certeza quanto à aplicação do direito que dá segurança à sociedade e aos indivíduos que a compõem sub incerto enim iuri nemo bonorum aut animae securus vivit (sob um direito incerto ninguém vive seguro dos bens e da vida). (CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 90, n. 786, abr., 2001, p. 112)
61 MERRYMEN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradição da civil law. Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Trad. Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2009, p. 123.
23
Quem ganha com isso é o jurisdicionado, por receber uma resposta judiciária mais
ágil, mais rente aos fatos e, por isso mesmo, mais capaz de cumprir a função reparadora62.
Além disso, o respeito aos precedentes tem o poder de agilizar a entrega da
prestação jurisdicional, tanto no processo onde a questão jurídica é decidida, mediante a
aplicação de diversos mecanismos que tornam o julgamento mais abreviado (CPC, arts. 285-
A, 518, 557), quanto nos demais processos, pois, decidindo mais rapidamente um feito,
sobrará mais tempo para que o magistrado decida os demais.
Assim, sob este ponto de vista, a valorização e respeito aos precedentes importa
em dar cumprimento ao dever de garantir meios para a duração razoável do processo previsto
na Constituição Federal (art. 5º, LXXVII)63.
7.4. Desestímulo à litigância judicial e à utilização de recursos
A dispersão de posicionamentos jurídicos é fonte interminável da utilização de
recursos, pois, se o Poder Judiciário tem entendimento vacilante acerca de determinada
questão jurídica evidentemente que o jurisdicionado sucumbente, se tiver condições
financeiras para suportar os custos, interporá todos os recursos cabíveis para fazer aplicar no
seu caso a solução que lhe favorece.
Assim, quando juízes e desembargadores se negam a aplicar a tese firmada pelos
tribunais de superposição acabam por exigir da parte a interposição de novos recursos para
62 Sobre o tema, José Rogério Cruz e Tucci, com comentários próprios e citando Rafael Bielsa e Eduardo Graña, sustenta que: “É inegável, por outro lado, que, quanto mais distante da ocasião tecnicamente propícia for proferida a sentença, a respectiva eficácia será proporcionalmente mais fraca e ilusória. De tal sorte, „um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico do conteúdo da decisão‟.” (TUCCI. José Rogério Cruz e. Garantia do processo sem dilações indevidas. Revista Jurídica, ano 48, v. 277, nov., 2000, p. 6)
63 No mesmo sentido: art. 6º, §1º da Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Individuais (“Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ele dirigida”.); art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, instituído por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ele formulada, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”...); no art. 24.2 da Constituição Espanhola (“Todos têm direito ao juiz ordinário previamente determinado por lei, à defesa e à assistência de advogado, a ser informado da acusação contra si deduzida, a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias”...); art. 11, b, da Constituição Canadense dos Direitos e Liberdades (“Toda pessoa demandada tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável”.)
24 que, no tribunal superior, seja efetivamente aplicada a tese prevalente. Isso exige novas
despesas e dispêndio de energia das partes, advogados e, em especial, do Poder Judiciário64.
O mesmo fenômeno se identifica com o ajuizamento de novas ações. Se o
entendimento do Poder Judiciário é vacilante, todos ingressam em juízo para tentar a sua
sorte. Se, de outro lado, o posicionamento é uniforme, só ingressam em juízo aqueles que
sabem que realmente tem direito65.
Em suma, o respeito aos precedentes é positivo para o jurisdicionado e saudável
para o próprio Poder Judiciário, pois traz como consequência a descarga, isto é, a diminuição
do trabalho em função da redução do número de novas causas e de recursos.
7.5. Mais qualidade na prestação jurisdicional
A redução da carga do trabalho repetitivo do magistrado, mediante a observância
dos precedentes, permite o estudo mais aprofundado das teses jurídicas dos casos individuais,
denominados de hard cases.
Assim, o ideal é que tendo mais tempo em função da redução do trabalho
repetitivo, os juízes possam produzir decisões mais bem elaboradas, mais detalhadas, e, por
assim dizer, mais suscetíveis de gerar o conformismo do vencido.
No panorama atual, onde juízes têm que decidir um caso atrás do outro, repetindo
julgamentos de casos múltiplos, diante da impossibilidade de redução do estoque de
processos, consolidou-se o entendimento que o magistrado não está obrigado a responder item
64 A esse propósito Teresa Arruda Alvim Wambier sustenta que “é inegável que, quanto mais intensa a controvérsia jurisprudencial acerca de uma questão jurídica, maior também será, proporcionalmente, a quantidade de recursos interpostos pelas partes a respeito do tema”. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: “civil law e common law”. Revista de Processo, v. 172, ano 34, jun., 2009, p. 159). No particular, Cândido Rangel Dinamarco sustenta que diante da “fragmentação de julgados presente na realidade brasileira, tem-se que nos julgamentos repetitivos e absolutamente desvinculados residem fatores que podem comprometer cada um desses ideais da boa justiça, porque somente os que puderem e se animarem a subir ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça poderão afastar de si os julgamentos desfavoráveis suportados nas instâncias locais.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Efeitos vinculantes das decisões judiciárias. In: . Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros, Tomo II , 2000, p. 1126-1127.)
65 A esse propósito, Marco Antônio Botto Muscari diz que “sem o clima de incerteza jurídica, muitos litígios sequer nasceriam. E mesmo que nascessem, quando o cliente consultasse um advogado, este lhe diria: „não adiante irmos ao Poder Judiciário, porque a derrota é certa desde a primeira instância: nossos argumentos já foram exaustivamente debatidos por toda a Magistratura e, no final, o tribunal superior disse que não têm razão os que pensam como nós. [...] O número de recursos também diminuiria, já que o advogado diria à parte, que no juízo a quo segundo a orientação jurisprudencial dominante e que, sem argumentos novos para explorar, nenhum tribunal alteraria a sentença.” (MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 60)
25 por item do que foi articulado pelas partes, ou seja, que o juiz teria a liberdade de escolher o
que decide e o que não decide, produzindo, com isso, decisões que enfrentam apenas aquilo
que o magistrado, a seu critério, entende como pertinente e não necessariamente o que as
partes apresentam em seus arrazoados.66
Com a descarga de trabalho, fruto da presumida solução mais rápida de demandas
repetitivas, acredita-se – e espera-se – que juízes realmente enfrentem todos os argumentos
das partes que, por si só, possam levar a conclusão jurídica inversa a adotada, cumprindo,
pois, com o dever de realmente fundamentar as decisões judiciais, já que as partes não são
figurantes do processo ou meras espectadoras da atuação judicial, mas, sim, impulsionadoras
e destinatárias da prestação jurisdicional, logo, aquilo que sustentam não pode ser
simplesmente ignorado pelo magistrado, a seu exclusivo arbítrio.
Assim, seja por qual ângulo que se analise a questão, bem compreendida a
questão, é possível sustentar que a observância aos precedentes é capaz de proporcionar mais
qualidade na prestação jurisdicional.
7.6. Garantia da confiança no trabalho dos juízes e da unidade na aplicação
do direito
Atualmente, o sistema consente com o tratamento desigual, o que, muitas vezes,
gera a indignação do jurisdicionado, pois, casos iguais acabam recebendo respostas judiciárias
díspares.
Com a liberdade total para decidir apenas de acordo com seu livre convencimento,
quando juízes e desembargadores se posicionam contrariamente a orientação firmada pelos
tribunais de superposição, acabam criando a ilusão na mente do jurisdicionado
provisoriamente vencedor. É que, nestes casos, se o vencido em 2º grau não sucumbir diante
da “jurisprudência defensiva” e tiver sucesso na admissão de seu recurso pelo tribunal
superior, a reforma do acórdão fruto de posicionamento divergente será – ou pelo menos deve
ser – inevitável.
66 Neste quadro, como já tivemos a oportunidade de sustentar, “quando o Tribunal ignora um fundamento que, se
fosse considerado, alteraria o julgamento da causa e decide contra a parte que o suscitou, em vez de promover a tão desejada pacificação social, função primordial do Estado-Juiz, na verdade, acaba gerando mais perplexidade porque nestas situações, na maioria das vezes, o vencido levará consigo o sentimento de que o julgamento não foi reto porque se exatamente aquele argumento ignorado (e relevante para o desfecho da causa) tivesse sido analisado a conclusão poderia ser outra.” (VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique. A motivação dos julgamentos dos Tribunais de 2.º grau na visão do Superior Tribunal de Justiça: acórdão completo ou fundamentado? Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 33, n. 162, ago., 2008, p. 202)
26
Esse perde e ganha acaba contribuindo para o descrédito do Poder Judiciário, já
que, como diz Eduardo Cambi67, quando “um órgão julgador decide de um jeito e outro de
outro, instaura-se a atmosfera de incerteza, com a conseqüência de retirar a credibilidade
social da administração da justiça”.
E o respeito aos precedentes, com o tratamento igualitário para casos iguais em
todos os graus de jurisdição, tem a virtude de resgatar a credibilidade, revigorando a
confiança da população no trabalho dos juízes68.
Acreça-se que o respeito aos precedentes não fere a autonomia funcional do juiz.
Antes de tudo, é preciso resgatar a razão da existência da garantia da independência funcional
do magistrado. Com efeito, ela existe para assegurar que o juiz decida livre de pressões
políticas e de medo, por exemplo, de ter seu subsídio reduzido, de ser transferido para a
inatividade ou ser removido para comarcas longínquas. Existe para que o julgador seja
instrumento de realização do justo, sem receio de contrariar quem quer que seja. Existe,
enfim, para que o juiz possa decidir a favor de quem realmente tem direito. Logo, é garantia
assegurada ao juiz em benefício do jurisdicionado e não do próprio magistrado em si69.
Ora, se a essência da garantia da independência funcional é o benefício ao
jurisdicionado, invocá-la para justificar decisões antagônicas para casos iguais representa
67 CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 90, n. 786, abr., 2001, p. 111.
68 Segundo Sidnei Agostinho Beneti: “Um dos maiores choques para o jurisdicionado é a diversidade de interpretação jurisdicional para situações idênticas, aquinhoando ou desamparando vizinhos, parentes, presos da mesma cela, trabalhadores do mesmo empregador. Que desafio, esse, o da formação de jurisprudência estável, pressuposto de afirmação do poder dos Juízes! Quanto de desgaste do poder dos juízes vem da dispersão do sentido da jurisprudência!” Em outra obra, o mesmo autor68 comenta que a sobrevivência de teses contraditórias é incompreensível “para os jurisdicionados, que vêem casos absolutamente idênticos receberem desfecho diverso – o que, além de desprestigiar a decisão judicial e, evidentemente, arrefecer o respeito espontâneo da norma, gera o descrédito na justiça e permite a suposição de influências ignotas, por perseguição ou favorecimento, na produção do julgado desfavorável ou favorável.” (BENETI, Sidnei Agostinho. Doutrina de precedentes e organização judiciária. In: FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coords.). Processo e constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 484).
69 Sobre o tema Natacha Nascimento Gomes Tostes diz que “a independência do magistrado não é garantia posta a seu serviço ou favor, mas sim em favor da população que anseia por Justiça” e complementa mais adiante que “a independência do magistrado deve ser utilizada para reverte-se em prol da população, cujo destino está em suas mãos, e não para ser fonte que jorra vaidade pessoal, com a satisfação íntima de que: „sou integrante do grupo do eu sozinho, e decido como eu quero, porque sou independente‟. Não se fala, aqui, do magistrado que procura uma nova interpretação, no sentido de fazer evoluir o direito ou que, do exame acurado e minucioso do caso, verifica que a hipótese sub judice é diversa das que anteriormente foram deduzidas, mas sim daquele juiz „rebelde‟, que insiste em não observar a matéria pacificada, prestando verdadeiro desserviço ao povo.” (TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Uniformização da jurisprudência. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 104, out./dez., 2001, p. 196).
27 total desvirtuamento de sua razão de existir, porque, em última análise, essa realidade gera a
insatisfação e perplexidade dos jurisdicionados.
Privilegiar a autonomia funcional do juiz como garantia do magistrado e não do
jurisdicionado é o mesmo que concordar com respostas judiciais díspares, pois, se no Brasil
há milhares de juízes e se cada um tiver a liberdade de decidir à sua maneira casos que se
reproduzirem e que forem distribuídos pelas varas país afora, certamente, cada magistrado
solucionará a questão de um modo.
Mesmo que se admita que a garantia é do juiz (e não do jurisdicionado), então, a
questão coloca em choque as garantias do exercício individual da magistratura com a
necessidade de que o Judiciário, como instituição, diga aos jurisdicionados qual é a posição
do Poder quanto à determinada questão jurídica, aplicando-a de maneira uniforme a todos os
casos iguais, pois, como já ponderado, não é sustentável e tampouco aceitável que duas
pessoas, em idênticas situações, sejam tratadas desigualmente pelo Estado-Juiz. O
jurisdicionado, que é o destinatário final da prestação jurisdicional, não consegue
compreender e se conformar com essa realidade.
É que, como diz Teresa Arruda Alvim Wambier70, a “liberdade é do Judiciário e
não do juiz. Fixada a regra, não pode ser desrespeitada, devendo ser aplicada a todos os casos
iguais sob pena de se afrontar de maneira intolerável o princípio da isonomia”.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni71, “imaginar que o juiz tem o direito de julgar
sem se submeter às suas próprias decisões e às dos tribunais superiores é não enxergar que o
magistrado é uma peça do sistema de distribuição de justiça, e, mais do que isso, que este
sistema não serve a ele, porém ao povo”.
Assim, por todas essas razões, é certo que a valorização e respeito aos precedentes
cumpre importante papel social de resgatar e consolidar a confiança do povo no sistema e no
trabalho dos juízes, garantindo, assim, unidade na aplicação do direito.
8. A igualdade a partir de precedentes fortes
70 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: “civil law e common law”. Revista de Processo, v. 172, ano 34, jun., 2009, p. 174
71 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: RT, 2010, p. 65.
28
Quando se defende solução uniforme para casos iguais, é preciso definir quem tem
a atribuição de ditar o paradigma. No sistema brasileiro, a Constituição da República, ao tratar
das competências de cada órgão do Poder Judiciário, já contempla essa orientação: (a) os
Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais têm a missão de dar a última palavra na
interpretação do direito local e sobre fatos e provas; (b) o Superior Tribunal de Justiça, ao seu
turno, têm a atribuição de decidir a aplicação do direito federal; e (c) o Supremo Tribunal
Federal, por sua vez, diz, em último nível, qual é a interpretação da Constituição Federal72.
Assim, em cada um desses temas, a Carta da República já diz qual órgão do Poder Judiciário
tem, respectivamente, o poder de dar a orientação a ser seguida pelos demais.
Além disso, também é preciso definir qual é o paradigma73. É que para aferir se
há ou não igualdade de tratamento é indispensável um processo de comparação, e o ato de
comparar pressupõe a eleição de um exemplo, de um modelo. E é nesse contexto que a
questão será abordada.
Este tópico se destina, em especial, a discorrer sobre os precedentes que devem se
constituir, ao lado da jurisprudência, como os paradigmas para se buscar e se assegurar o
tratamento igualitário. Nessa linha, este estudo pretende denominar os julgados
paradigmáticos de precedentes fortes, cuja formação pressupõe:
a) que o debate sobre questão jurídica já esteja amadurecido;
72 No common law à regra de quem vincula quem é a seguinte: tratando-se de causas iguais, ressalvadas algumas exceções, os precedentes dos órgãos de cúpula vinculam a si próprios (vinculação horizontal) e a todos os órgãos de inferior hierarquia (vinculação vertical); os precedentes dos órgãos intermediários vinculam a si e aos outros órgãos inferiores e assim sucessivamente. A recíproca não é verdadeira, porque a vinculação existe de cima para baixo e não de baixo para cima. A hierarquia do sistema inglês foi assim sintetizada por Neil Andrews: “Existe uma hierarquia de precedentes nessa pirâmide de tribunais. Assim, as decisões da House of Lords são vinculantes para todos os tribunais inferiores, incluindo a Court of Appeal. As decisões da Court of Appeal não são vinculantes para a House of Lords, que é superior. A decisão da Court of Appeal é vinculante não só para os tribunais inferiores (como a High Court ou as country courts), mas também para a própria Court of Appeal. Existem, por certo, algumas exceções. Uma decisão da High Court não é vinculante em relação à Court of Appeal, nem no que tange à House of Lords, mas vincula as coutry courts. No entanto, os precedentes de longa data, em qualquer nível, dentro dessa hierarquia, podem adquirir força considerável na medida em que se consagram como um princípio fundamental.” (ANDREWS, Niel. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra. Orientação e revisão de tradução Teresa Arruda Alvin Wambier. São Paulo: RT, 2009)
73 A história revela que todos os países onde a uniformidade interpretativa é regra sempre se preocuparam em criar mecanismo de compilação, de reunião, de ajuntamento dos precedentes. Era o caso, por exemplo, do livrinho das Ordenações Manuelinas onde as soluções tomadas em mesa grande eram nele registradas “para depois não vir em dúvida”. Era também o caso do Livro Verde (depois rebatizado de Livro da Relação) das Ordenações Filipinas, onde os assentos da Casa de Suplicação do Direito Português eram reunidos. Era, outrossim, o caso das coleções chamadas placita, que reuniam o arrêt de règlement dos parlaments da França. No Brasil, já foi o caso do Livro dos Prejulgados, previsto na Lei 316, de 25-11-1936. É, ainda, a hipótese da coleção de casos do direito inglês, denominada de Years Books, depois sucedida pelos Laws Reports. É, igualmente, o caso do Restatement of the Law do direito norte-americano.
29
b) a publicidade anterior à formação do precedente, para facultar a participação
de interessados;
c) a possibilidade real de participação de interessados (amicus curiae) cujas
atribuições institucionais tenham pertinência temática com a questão jurídica
em julgamento;
d) o julgamento por quórum qualificado, preferencialmente pelo órgão de cúpula
do tribunal;
e) a publicidade posterior à formação do precedente, para amplo conhecimento
sobre o resultado, que pautará condutas futuras;
f) a possibilidade de revisão do entendimento diante de alterações econômicas,
políticas ou sociais importantes ou, ainda, em função da alteração da lei;
g) a existência de forma de controle ao seu desrespeito.
No sistema atual, os julgamentos de recursos extraordinários repetitivos (CPC, art.
543-B) e de recursos especiais repetitivos (CPC, art. 543-C) obedecem fielmente a esse ritual
e, como tal, são considerados precedentes fortes. Vale dizer, são originários dos órgãos de
cúpula do sistema judicial brasileiro e têm procedimento diferenciado na sua formação.
Há, ainda, outros precedentes que também são originários dos órgãos de cúpula,
mas que, na sua formação, ainda não preveem a participação de amicus curiae. Por falta de
previsão legal, são constituídos de forma menos participativa, porque são restritos às
argumentações das partes e do Ministério Público. Nos tribunais superiores, é possível incluir
nessa categoria os acórdãos de embargos de divergência (CPC, art. 546), o resultado de
julgamento de incidentes de uniformização da jurisprudência (CPC, arts. 476 a 479; RI/STJ,
arts. 118 a 121) e os entendimentos materializados em enunciados de súmula persuasiva (arts.
7º, VII e 102 e 103 do RI/STF; arts. 44, I e IV, e 121 a 124 do RI/STJ). Nos tribunais
regionais e estaduais, por sua vez, o resultado de julgamento de incidentes de uniformização
da jurisprudência (CPC, arts. 476 a 479), da assunção de competência (CPC, art. 555, §1º), e,
onde existirem, os entendimentos materializados em enunciados de súmula persuasiva.
Assim, embora nem todas essas medidas contenham todas as características do
procedimento padrão para a formação de um precedente forte, pelo menos reúnem a maioria
30 delas. Assim, a força (ou influência) desses precedentes decorre de seu processo de
julgamento diferenciado.
Os precedentes comuns, isto é, originários de casos individuais e sem respeito ao
procedimento padrão de formação de um precedente forte, também deverão ter efeitos pan-
processuais quando formarem jurisprudência, ou seja, quando constituírem em conjunto de
julgados harmônicos entre si, fruto da reiterada e constante interpretação e aplicação da lei em
uma mesma linha.
Para a identificação da formação da jurisprudência, o ideal mesmo parece ser criar
onde não existe e incrementar onde já funcionam campos nos sites de cada um os tribunais de
modo a que, com atualização permanente, todos os casos julgados sejam reunidos por
questão jurídica decidida. Essas ferramentas, a um só tempo, servirão como fonte de pesquisa
e como instrumento de controle da coerência interna (com seus próprios julgamentos) e
externa (com o julgamento de outros tribunais) de Corte.
Quanto mais completos e mais acessíveis forem esses instrumentos de consulta do
entendimento prevalente dos órgãos de cúpula, menor será a dispersão de entendimentos,
porque, sem dúvidas, muitos apresentam pretensões ou decisões contra o entendimento dos
tribunais de superposição por rebeldia, mas, certamente, muitos outros o fazem por
desconhecimento.
Tudo isso pode contribuir para introduzir no sistema nacional uma cultura de
respeitar os precedentes, o que ainda não existe tanto que em memorável acórdão o Min.
Humberto Gomes de Barros74 assim ponderou: “O Superior Tribunal de Justiça foi concebido
para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em
todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se
manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de
quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado
compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao
sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se
nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar,
estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de
que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la.”
74 AgRg nos EREsp 228432/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, julgado em 01-02- 2002, DJ 18-03-2002, p. 163.
31
Acredita-se, entretanto, que se aprovado o projeto de novo Código de Processo
Civil tal como previsto atualmente, a exemplo do que acontece nos países do common law, o
Brasil terá positivado em seu principal diploma processual quem orienta a atuação de quem75,
pois o art. 882 do PLS nº 166/2010 (PL nº 8046/2010) diz que: “Os tribunais, em princípio,
velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte:
[...] II – os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos
órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; III – a
jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a
ele vinculados; IV – a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores
deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a
concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia.”
A esse propósito, Rodolfo de Camargo Mancuso76 cita o art. 59, §2º da primeira
Constituição da República, de 1981, que dizia que “nos casos em que houver de aplicar as leis
dos Estados, a Justiça Federal consultará a jurisprudência dos tribunais locais e vice-versa, as
justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos tribunais federais quando houverem de
interpretar as leis da União”. Isto quer demonstrar que as disposições do art. 882, II, III e IV
do PLS nº 166/2010 (PL nº 8046/2010) tentam alcançar um velho ideal perseguido ao longo
dos anos – e de diferentes maneiras – pelo direito brasileiro: a isonomia.
E com tais novas disposições que se quer, de modo aperfeiçoado, reintroduzir no
direito brasileiro, os tribunais locais e os juízos de 1º grau poderão – na verdade, deverão –
resolver as matérias de modo isonômico, aplicando a todos os casos repetitivos as mesmas
respostas judiciárias já consagradas nos tribunais superiores e no próprio tribunal estadual
(TJs) ou regional (TRFs).
Assim, a se manter a tendência atual de os tribunais superiores solucionarem, por
meio de precedentes fortes (CPC, art. 543-B e 543-C), as principais discussões jurídicas
75 A esse propósito, a Constituição Federal de 1891 prescrevia no art. 59, §2º que: “Nos casos em que houve de aplicar leis dos Estados, a Justiça federal consultará a jurisprudência dos tribunais locais, e vice versa, as justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos tribunais federais quando houverem de interpretar as leis da União”.
76 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 225.
32 repetitivas, em razoável espaço de tempo, o Brasil poderá ter um salto positivo de qualidade
tanto no sentido de tratamento igualitário, quanto de celeridade na prestação jurisdicional77.
77 Nesse sentido é a recente notícia no site do STJ: “STJ decide mais de 300 recursos repetitivos no primeiro semestre. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, no primeiro semestre de 2011, mais de 300 recursos repetitivos. Destes, 231 foram julgados pela Primeira Seção, 25 pela Segunda e 26 pela Terceira Seção. A Corte Especial foi responsável pelo julgamento de 27 repetitivos. Para o segundo semestre, 176 recursos repetitivos aguardam apreciação dos órgãos julgadores. O resultado desses julgamentos ajudará o Judiciário a reduzir o número de recursos sobre o mesmo tema, além de diminuir o tempo de tramitação das ações judiciais. O rito de julgamento dos recursos repetitivos está previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil e pode ser adotado sempre que se verifica a existência de grande número de recursos especiais (cujo julgamento compete ao STJ) a respeito de uma mesma questão de direito. Nessas situações, o STJ julgará apenas um deles (ou alguns, eventualmente) e o resultado irá orientar o tratamento de todos os demais, que ficam sobrestados na segunda instância à espera da decisão superior. Primeira Seção. Responsável pelas matérias de Direito Público, a Primeira Seção é a que detém o maior número de repetitivos. Entre os temas ainda pendentes de apreciação, há questões referentes ao fornecimento de medicamento necessário ao tratamento de saúde, sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas do Estado a serem depositadas em conta - corrente (REsp 1.069.810), e à controvérsia sobre a solidariedade da União, de Estados e Municípios para figurar no polo passivo de demanda relacionada ao fornecimento de medicamentos (REsp 1.144.382). Também se destaca a prescrição para o redirecionamento da execução fiscal, no prazo de cinco anos, contados da citação da pessoa jurídica (REsp 1.201.993). Os recursos em que se discute a contribuição para o Sesc e Senai por empresa prestadora de serviços educacionais (REsp 1.255.433) e a incidência ou não da contribuição social destinada ao PIS e à Cofins sobre juros sobre capital próprio, à luz das Leis 10.637/02 e 10.833/03 (regime não cumulativo de tributação), bem como dos Decretos 5.164/04 e 5.442/05 (REsp 1.200.492), estão entre os repetitivos que aguardam julgamento. Outros temas importantes também entram na lista. Um deles é o recurso referente à competência do Procon, na esfera estadual, exercendo seu poder de polícia, quando versar sobre a relação de consumo, para fiscalizar e autuar a Caixa Econômica Federal (CEF), impondo-lhe penalidade, mesmo tratando-se de empresa pública federal (REsp 1.133.654). Há, ainda, o recurso que discute questão relacionada à responsabilidade do contribuinte (sujeito passivo) pelo recolhimento do Imposto de Renda incidente sobre valores decorrentes de sentença trabalhista, na hipótese em que a fonte pagadora não procede à retenção ou recolhimento do tributo (REsp 1.136.940). Segunda Seção. A Segunda Seção, especializada em Direito Privado, aborda os mais variados temas que envolvem diretamente a vida dos cidadãos brasileiros. Um dos destaques entre os repetitivos que aguardam o pronunciamento da Seção (REsp 962.230) trata da possibilidade de a vítima de sinistro ajuizar ação indenizatória diretamente contra a seguradora do pretenso causador do dano, ainda que não tenha feito parte do contrato de seguro. Em caso similar, no REsp 925.130, a Seção vai discutir a possibilidade de condenação solidária de seguradora que foi litisdenunciada pelo segurado, causador de danos a terceiro em ação de indenização por este ajuizada. Ênfase também para o julgamento (REsp 1.114.398) referente às ações de indenização ajuizadas contra a Petrobras em virtude de vazamento de óleo combustível e a consequente proibição de pesca nos rios e baías de Antonina e Paranaguá (PR). O STJ vai decidir ainda sobre a responsabilidade civil de fornecedores de serviços ou produtos, por inclusão indevida do nome de consumidores em cadastro de proteção ao crédito, em decorrência de fraude praticada por terceiros (REsp 1.197.929). Temas como benefícios em espécie, contratos bancários, expurgos inflacionários e planos econômicos também serão julgados pelos ministros no próximo semestre. Terceira Seção. Responsável pela apreciação das questões atinentes à área criminal, previdenciária e administrativa (na parte relativa a servidor público), a Terceira Seção também tem controvérsias jurídicas relevantes a serem decididas segundo o rito dos recursos repetitivos. Entre os temas que serão debatidos pelo colegiado está a possibilidade de aplicação do concurso material e da continuidade delitiva no caso do cometimento dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, em relação à mesma vítima (REsp 1.103.194). A questão que trata das saídas temporárias e limitação da quantidade de dias (REsp 1.166.251; REsp 1.176.264) também será abordada. Um outro caso importante (REsp 1.111.566) vai definir quais meios de provas são legítimos, além do bafômetro, para a caracterização do estado de embriaguez do motorista. O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDF). O pedido é para que seja reformada a decisão em habeas corpus que trancou ação penal contra um motorista de Brasília que dirigia supostamente bêbado. Salário-maternidade devido a trabalhadoras rurais, aposentadoria rural, contribuição dos aposentados e pensionistas para custeio de assistência médica e pretensão de correção pela variação integral nos débitos judiciais são outros assuntos de destaque na agenda da Terceira Seção. Corte Especial. Os 15 ministros integrantes do órgão máximo, em se tratando de julgamentos no STJ, têm ainda 26 recursos repetitivos para apreciar. São questões que, por
33
Com a solução uniforme das denominadas demandas múltiplas, caberá ao Poder
Judiciário de maneira geral decidir novas questões jurídicas ou os denominados hard cases78,
isto é, os processos complexos que não se reproduzem, que não se multiplicam e que, por tal
razão, demandam análise individual.
Por tudo isso, a valorização e respeito aos precedentes importa, exatamente, em
mudar o panorama de dispersão atual para assegurar a igualdade perante a lei prevista na
Constituição Federal.
9. Três técnicas que entrelaçam a força dos precedentes judiciais e o princípio da
isonomia no processo civil brasileiro.
O sistema nacional tem diversas técnicas que podem, mediante o respeito aos
precedentes, garantir a isonomia na aplicação do direito.
Por integrar obra coletiva, este trabalho se limitará a enfrentar apenas três delas: o
recurso especial, o recurso extraordinário e os embargos de divergência.
São recursos julgados por tribunais de superposição, cujo resultado, em alguns
casos, exerce vinculação ou, em outros, influência em grau máximo no julgamento de
processos subsequentes que tratem da mesma matéria.
A exposição realizará, dentro do possível, o cotejo com o projeto de novo Código
de Processo Civil (PLS 166/2010–PL 8046/2010) na versão aprovada no Senado Federal, ou
dizerem respeito a todas as seções especializadas, serão submetidas à Corte Especial. Alguns desses recursos envolvem temas processuais como a inviabilidade da expedição de precatório complementar para o pagamento de juros de mora decorrentes do período entre a data de expedição e a data do efetivo pagamento do precatório original, desde que realizado no prazo estabelecido no artigo 100, parágrafo 1º, da Constituição Federal (REsp 933.081). Outros dizem respeito a interesses mais gerais da sociedade, como os recursos que tratam de indenização por dano moral, pensão e sistema financeiro da habitação – especialmente a possibilidade de o credor de mútuo hipotecário vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação cobrar eventual saldo remanescente da dívida após a adjudicação do imóvel dado em garantia (REsp 1.110.541). Também será debatido o recurso que trata da aplicação da multa de 10%, prevista no caput do artigo 475 -J, do Código Processual Civil, na hipótese em que o devedor, na fase de cumprimento de sentença ilíquida, efetua o depósito das quantias incontroversas e apresenta garantias referentes aos valores controvertidos, objeto de impugnação (REsp 1.147.191)”. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/ engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=102644>. Acesso em: 26 jul. 2011.
78 Trata-se de mais uma expressão norte-americana que, aos poucos, se consolida no Brasil. Esta prática de utilização de expressões estrangeiras (especialmente “americanizantes”) é bastante criticada por José Carlos Barbosa Moreira em seu artigo “A subserviência cultural” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A subserviência cultural. Temas de Direito Processual. 7ª série, São Paulo: Saraiva. p. 263-271, 2001.
34 seja, sem as eventuais modificações que certamente serão realizadas pela Câmara dos
Deputados79.
9.1. Recurso especial (art. 105, III, da CF)
O recurso especial foi criado na Constituição de 1988. Com ele foi instituída uma
então nova Corte – o Superior Tribunal de Justiça – com a missão de, em substituição ao
Supremo Tribunal Federal, guardar a integridade das leis federais e a realizar, em nível
nacional, a uniformização da jurisprudência. Por outras palavras, em 1988 aconteceu a cisão
nas atribuições do Supremo Tribunal Federal. A Corte Suprema, pela via do recurso
extraordinário, continuou com o monopólio da última palavra em matérias constitucionais,
mas a interpretação final das leis federais, por meio do recurso especial, foi transferida para o
novo Tribunal de então, o Superior Tribunal de Justiça.
O Min. Athos Gusmão Carneiro80 assim sintetizou a repartição de competências
ocorrida em 1988: “O recurso extraordinário previsto no sistema constitucional anterior foi
desdobrado em recurso extraordinário stricto sensu – RE e recurso especial – REsp, aquele
destinado precipuamente à tutela das normas constitucionais e com julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal (CF, art. 102, III); este, o recurso especial, voltado à tutela da lei (ou tratado)
federal, com julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, III).”
Na mesma linha do recurso extraordinário, o recurso especial é de fundamentação
vinculada. É recurso de estrito direito que visa a corrigir ocasionais erros na aplicação do
direito federal, mas não os erros na definição dos fatos. Como explicou o Min. Antônio de
Pádua Ribeiro em artigo no jornal O Estado de S. Paulo de 11-07-1989 citado por Gilson
Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol81: “Para a boa compreensão do recurso especial, é
importante compreender a sua filosofia, a razão da sua existência. A sua função precípua é dar
prevalência à tutela de um interesse geral do Estado sobre o interesse dos litigantes
(Liebman). O motivo está, segundo lembra Buzaid, em que o erro de fato é menos pernicioso
79 Até o fechamento deste artigo, em 05-12-2011, o Deputado Sérgio Barradas Carneiro, relator-geral na Câmara
dos Deputados, não havia apresentado o relatório-geral de conclusão de seu trabalho, o que, estima-se, acontecerá no final do mês de março de 2012.
80 CARNEIRO, Athos Gusmão. Requisitos específicos de admissibilidade do recurso especial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JÚNIOR, Nelson (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1999, p. 97.
81 MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 128.
35 do que o erro de direito. Com efeito, o erro de fato, por achar-se circunscrito a determinada
causa, não transcende os seus efeitos, enquanto o erro de direito contagia os demais Juízes,
podendo servir de antecedente judiciário.”
O art. 105, III, da Constituição da República estabelece três hipóteses de
cabimento do recurso especial. São elas: a) quando o acórdão recorrido contrariar tratado ou
lei federal, ou negar-lhes vigência; b) quando o acórdão recorrido julgar válido ato de governo
local contestado em face de lei federal; ou, c) quando der a lei federal interpretação divergente
da que lhe haja atribuído outro tribunal.
A interpretação conjunta do art.105, III, da Constituição Federal com o art. 541 do
CPC, demonstra que a petição recursal deve ser dividida em pelo menos três partes: a) a
primeira reservada à exposição dos fatos e do direito; b) a segunda dedicada à comprovação
do cabimento do recurso; e, c) a terceira dedicada ao mérito, com as razões do pedido de
declaração de nulidade ou reforma. Assim, no mérito, o recurso especial pode objetivar
somente a cassação; ou apenas a reforma; ou ao mesmo tempo, em pedidos sucessivos, a
cassação ou a reforma do acórdão recorrido. Em linhas gerais, quer isto dizer que o
reconhecimento de uma das hipóteses do art. 105, III, da CF pode resultar na declaração de
nulidade do acórdão do tribunal de origem, com remessa para novo julgamento diante do erro
de procedimento; ou na reforma com substituição do entendimento da Corte de origem (CPC,
art. 512) por outro do Superior Tribunal de Justiça que esteja afinado com correta
interpretação da legislação federal.
Na esteira de seu precursor – o recurso extraordinário82–, o recurso especial tem
juízo de admissibilidade desdobrado ou bipartido. Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-
82 Como noticia Sabina Maria Alves, citando José Miguel Garcia Medina “em análise histórica dos recursos extraordinários brasileiros, anota que o Recurso extraordinário surgiu no Brasil por meio do Decreto 848, e 24.10.1890, tendo por base um instituto similar do direito norte-americano – o writ of error. No Decreto 848, e 24.10.1890 já era possível se identificar a ocorrência a possibilidade de se discutir a validade de lei da União, e também a validade de lei estadual em face de lei federal, ambas hipóteses presentes, hoje, no dispositivo constitucional que trata do recurso especial. Porém apenas com o advento da Constituição de 1891, em seu art. 59, §.1º, criou-se dispositivos constitucional que tinha por objeto, o debate e a uniformização da legislação infraconstitucional. O citado artigo tinha a seguinte redação: „Das sentenças da justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis e atos dos governos dos Estados em face da Constituição Federal e a decisão considerar válidos esses atos e essas leis impugnadas”. (ALVES, Sabrina Maria. Função uniformizadora do recurso especial e defesa da lei federal. Monografia (Especialização) - Universidade do Sul de Santa Catarina, 2008, p.11-12).Disponível<http://bdjur.stj.gov.br/jspui/bitstream/2011/21437/1/sumula_vinculante_instrume nto_uni
formizacao.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2010. Depois, por meio da EC de 07-09-1926, o recurso fundado em divergência jurisprudencial foi positivado no art. 59, § 1º, „c‟ Constituição da República de 1891 que dizia: “Ao Supremo Tribunal Federal compete: [..]. 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância,
36 Presidente do Tribunal local faz a análise dos requisitos gerais de admissibilidade. Esses
requisitos, como é corrente, dividem-se em intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse de
recorrer) e extrínsecos (tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fatos
extintivos ou impeditivos do direito de recorrer). Além desses requisitos gerais de todos os
recursos, ocorre a análise dos requisitos próprios de admissibilidade do recurso especial,
especialmente: a) a ocorrência ou não do prequestionamento83, isto é, a circunstância de a
questão jurídica ter ou não sido efetivamente julgada pelo Tribunal local (“causa decidida”);
b) o exaurimento ou não das vias recursais impugnativas ordinárias84; c) tratar ou não o
recurso de matéria exclusivamente de direito85; d) a habilitação prévia86 ou não do advogado
subscritor do recurso para atuar em nome do cliente.
Preenchidas tais condições, o recurso é admitido e remetido ao Superior Tribunal
de Justiça que, a seu turno, faz nova análise dos mesmos requisitos, pois o tribunal de
superposição não está vinculado ao juízo positivo exercido no tribunal de origem. Admitindo
o recurso, ato contínuo o STJ julgará o seu mérito. O procedimento de julgamento é, em
suma, assim previsto no art. 257 do RI/STJ: “No julgamento do recurso especial, verificar-se-
á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não
conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.
Para os limites deste trabalho, importa, em especial, a hipótese do art. 105, III,
“c”, da CF e é sobre ela que se discorrerá adiante.
9.1.1. O recurso especial fundado na interpretação divergente da lei federal
realizada por outro tribunal (art. 105, III, “c”, d a CF)
haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: c) quando dous ou mais tribunaes locaes interpretarem de modo differente a mesma lei federal, podendo o recurso ser tambem interposto por qualquer dos tribunaes referidos ou pelo procurador geral da República” Como explica Rodolfo de Camargo Mancuso, “os textos constitucionais subsequentes mantiveram, com alguma alteração terminológica, o dissenso pretoriano como fundamento para o recurso extraordinário (1934: art. 76, III, d; 1937: 101, III, d; 1946:101, III, d; 1967 e EC 01/69: 119, III, d; 1988: 105, III, c), valendo destacar que neste última e vigente Carta Magna o fundamento em causa deixou de autorizar o manejo do RE, para desafiar o recurso especial, dirigido ao então criado STJ”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 293) .
83 Súmula 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos de declaração, não foi apreciada pelo tribunal a quo”.
84 Súmula 207 do STJ: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem”.
85 Súmula 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. 86 Súmula 115 do STJ: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos
autos”.
37
A Constituição Federal, no art. 105, III, „c‟ da CF, estabelece uma hipótese de
cabimento de recurso especial: o recurso será admissível quando o acórdão, proferido por um
dos Tribunais Regionais Federais ou por um dos Tribunais de Justiça dos Estados ou do
Distrito Federal, “der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro
tribunal”.
Discute-se na doutrina se a alínea „c‟ do art. 105, III, da CF realmente se
constituiria em uma hipótese autônoma de cabimento do recurso especial ou se seria um mero
desdobramento da alínea „a‟ que diz que o recurso tem lugar quando a decisão recorrida
“contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”.
Nesse sentido, colhe-se a doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier87 que diz
que: “A letra a, em nosso sentir, trata de um possível fundamento do recurso especial: ter a
decisão recorrida contrariado ou negado vigência a lei federal ou a tratado. A letra c dispõe no
sentido de que cabe recurso especial quando na decisão recorrida se der à lei federal
interpretação diferente da que lhe haja dado outro tribunal, sendo esta a correta e aquela, a
equivocada. Vê-se, pois, que, rigorosamente, a letra c já estaria abrangida pela letra a, pois,
interpretando mal a lei federal teria o tribunal a quo contrariado a norma apontada. O mesmo
cabe dizer-se com relação a alínea b, pois, se a decisão recorrida julgou válido ato do governo
local (quando não deveria tê-lo feito) contestado em face de lei federal, a lei federal também
terá sido, de certo modo, contrariada. Então, as letras b e c, rigorosa e ortodoxamente, são
subsumíveis na a que diz respeito à essência de seu fundamento.”
Na mesma direção são as lições de Jose Miguel Garcia Medina88: “A nosso ver, a
hipótese prevista na alínea c do art. 105, III, é perfeitamente ajustável à alínea a do mesmo
dispositivo constitucional. Isso porque o recorrente, nesse caso, mesmo indicando decisões
divergentes da impugnada, deverá imputar-se a pecha da contrariedade à lei federal.
Outrossim, a indicação da decisão divergente em relação à decisão recorrida servirá, tão-
somente, para reforçar a argumentação do recorrente, demonstrando ao órgão ad quem que
outro Tribunal já manifestou entendimento no sentido pretendido, com a interposição do
recurso.”
87 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6.ed. São Paulo: RT, v. 16, 2007, p. 274-275.
88 MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5.ed. São Paulo: RT, 2009, p. 86-87.
38
O pensamento da doutrina é avalizado pelo Superior Tribunal de Justiça que,
conforme acórdão relatado pelo Min. Teori Albino Zavascki89, já decidiu que é “deficiente a
argumentação do recurso que não aponta qual o dispositivo legal que teria obtido
interpretação diversa da que foi dada por outro tribunal em sua aplicação”.
Portanto, como diz o Min. José Carlos Moreira Alves90, “a divergência, pois, de
fundamento para, em verdade, a reforço de fundamento mais singelo, que é a simples
alegação de má interpretação pela Corte de que emanou a decisão recorrida”.
Na esteira desse pensamento uniforme, acredita-se que a alínea c não contém uma
hipótese autônoma de cabimento de recurso especial. Está, na verdade, amalgamada com
alínea a, já que o mesmo fundando o recurso na interpretação divergente atribuída por outro
tribunal, o recorrente haverá de demonstrar a negativa de vigência ou a contrariedade a lei
federal para, ao final, concluir que interpretação correta ou a incidência adequada da norma
não é a realizada pelo acórdão recorrido, mas, sim, a pronunciada pelo acórdão paradigma.
Independente dessa imbricação entre as alíneas c e a, é certo que quando
provocado pela via do recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça cumpre o papel de
uniformizar a jurisprudência dos Tribunais brasileiros. O objetivo perseguido é, com diz
Rodolfo de Camargo Mancuso91, “possibilitar a unidade da interpretação da lei federal em
todo o território nacional”. É o exercício da função nomofilácica92 (= de guardião das leis
federais pela interpretação justa ou verdadeira da lei) que, como expõe Carlos Alberto Álvaro
89 REsp 1027133/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/05/2008, DJe 15/05/2008. No mesmo sentido: AgRg no Ag 1028663/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010;
90 MOREIRA ALVES, José Carlos. Recurso especial com fundamento em divergência jurisprudencial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JÚNIOR, Nelson (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e outras formas de impugnação das decisões judiciais. São Paulo: RT, v.4, 2001, p. 388.
91 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 297.
92 Como informam Hiago Moraes Bertoldi e Rafael Rauch “Piero Calamandrei foi o idealizador do termo, sustentando que a sentença possuiria uma função declarativa, haja vista que o juiz deveria julgar sempre em consonância com a lei. A fidelidade do juiz à lei, portanto, seria a razão para explicar a necessidade de se instituir um órgão especial encarregado de averiguar a correta aplicação da lei: „El carácter constitucional del principio de la „ fidelidad del juez a la ley‟ sirve para explicar cómo el ordenamiento público haya sentido la necesidad de instituir um órgano especial de control encargado de verificar su observancia [...]. Cuando resulta que la injusticia de la sentencia es el efecto de la transgresión por parte del juez de la norma que le fija, para aquél y para todos los casos futuros, la condición y el límite de su poder”. (BERTOLDI, Hiago Moraes; RAUCH, Rafael. Superior Tribunal de Justiça: tribunal de sobreposição? Disponível em: <http://tex.pro.br/ tex/listagem-de-artigos/192-artigos-jul-2008/5921-superior-tribunal-de-justica-tribunal-de-sobreposicao>. Acesso em: 18 ago., 2011).
39
de Oliveira93: “Se desenvolve por meio de um método comparativo de decisões postas em
confronto, a reclamar a congruência dos contornos fáticos e a semelhança dos elementos
jurídicos da causa, de modo a exigir do tribunal de revisão, no exercício de sua alta tarefa, um
pronunciamento que se preste para uniformizar a aplicação do direito quanto surgir
divergência na interpretação do direito.”
Como sustenta Sabrina Maria Alves94 o recurso especial pela alínea „c‟, do inciso
III, do art. 105 da Constituição Federal visa a impedir “a formação de verdadeiros „quistos
jurídicos regionais‟, que teriam orientações jurídicas diversas, com todos os nefastos efeitos
que se possa ter nesse quadro”. É que, como diz Flávio Cheim Jorge95, se “a lei nasce para ter
somente um único entendimento, e mesmo assim, diante de uma mesma conjuntura histórica,
ela é interpretada de forma diferente, o objeto do recurso especial pela letra c é reunificador”.
Essa missão uniformizadora (ou reunificadora) se restringe a solucionar a
dissensão na interpretação e aplicação de lei federal96, assim compreendida, como diz Cassio
Scarpinella Bueno97: “Não só as leis provenientes do Congresso Nacional (leis em sentido
formal e substancial), mas também leis que o são apenas em sentido substancial, como se dá
com as medidas provisórias, com os decretos autônomos e, mesmo, com regulamentares
93 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A semelhança no dissídio jurisprudencial para efeitos de recurso especial e embargos de divergência e a lógica. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 136-130.
94 ALVES, Sabrina Maria. Função uniformizadora do recurso especial e defesa da lei federal. Monografia (Especialização) - Universidade do Sul de Santa Catarina, 2008, p. 6. Disponível<http://bdjur.stj.gov.br/jspui/ bitstream/2011/21437/1/sumula_vinculante_instrumento_uniformizacao.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2010.
95 JORGE, Flávio Cheim. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CAMBI, Accácio (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, v. 4, 2001, p. 377- 378.
96 Para Uadi Lammêgo Bulos a missão do STJ é de manter a integridade do direito federal, que é atribuição mais ampla do que guardar a lei federal. Nesse sentido: “o papel do recurso especial é a tutela de uma realidade maior – o direito federal –, em cujo regaço insere-se a lei federal, que é, apenas, uma parte dessa realidade. [...] Registre-se que a lei é federal não pelo seu campo espacial de aplicação, e sim porque promanou do Poder Legislativo da União. Daí a Carta de 1988 determinar que compete à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, especial e do trabalho (art. 22, I). E o direito federal? O que seria? Diz-se direito federal a parcela da ordem jurídica que agrega preceitos relacionados à competência da União, englobando, além da lei, do decreto, do regulamento, dos preceitos estrangeiros e das medidas provisórias, os princípios subjacentes ao fenômeno jurídico como um todo, explícitos e implícitos. A noção de direito federal, portanto, se comparada a lei federal, é muito mais ampla, no que tange ao controle de legalidade do julgamento proferido pelo tribunal a quo, pois não se resume ao conjunto de atos legiferantes emanados do Poder Legislativo da União”. (BULOS, Uadi Lammêgo. Recurso especial: meio idôneo para a tutela de princípios gerais de direito? In: CALMON, Eliana; BULOS, Uadi Lammêgo (Coord.). Direito processual: inovações e perspectivas - estudos em homenagem ao ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 446 e 448).
97 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva. v.5. 2008, p. 272.
40 editados pelo Presidente da República [...]. Estão excluídos da locução, contudo, os atos
normativos secundários, produzidos a partir de lei preexistente, dentre os quais os regimentos
internos de Tribunais, equiparáveis a leis locais [...]; resoluções, circulares, portarias e
instruções normativas [...], provimentos da OAB [...]; atos declaratórios da Secretaria da
Receita Federal.”
Como diz Rodolfo de Camargo Mancuso98: “Se a divergência envolver o mesmo
texto, mas sua origem não for federal, e sim local, fica afastada a incidência do recurso
especial que, desenganadamente, é recurso próprio de Tribunal da Federação e desempenha
um papel político: propiciar a uniformidade de interpretação de direito federal, donde não
interessar, nesse contexto, a quizília exclusivamente local.”
A divergência que autoriza o manejo do recurso especial é unicamente aquela
proveniente de Tribunais diferentes. Não cabe ao tribunal de superposição (STJ) solucionar
desacordo interno de um mesmo Tribunal Regional Federal ou de um mesmo Tribunal de
Justiça99 (divergência intra muros), porque esta tarefa é relegada ao próprios Tribunais de 2º
grau por meio do incidente de uniformização de jurisprudência ou por meio do incidente de
assunção de competência.
A expressão “outro tribunal” prevista no art. 105, III, „c‟ da CF, engloba os
Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e, também, o próprio Superior Tribunal
de Justiça. Para Luiz Guilherme Marinoni100: “Quando o Superior Tribunal de Justiça se
depara com decisão que diverge de precedente de sua autoria, não há propriamente
„divergência jurisprudencial‟. Bem vistas as coisas, divergência jurisprudencial apenas pode
existir entre tribunais de igual estatura, e não entre um tribunal ordinário e aquele a quem
incumbe unificar a interpretação da lei federal, zelando pela unidade do direito federal no
País. Um Tribunal de Justiça ou Regional Federal não diverge do Superior Tribunal de
Justiça, mas desrespeita a autoridade das suas decisões.”
Entretanto, independe do nome que se dê ao evento (divergência ou desrespeito) é
inequívoco que é possível confrontar, mediante recurso especial, acórdão de Tribunal de 2º
98 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 299.
99 Nesse sentido é Súmula 13 do STJ que diz que “A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial” e sua antecessora, editada no tempo que ainda não existia o Superior Tribunal de Justiça, qual seja, a Súmula 369 do STF que diz que “Julgados do mesmo tribunal não servem para fundamentar o recurso extraordinário por divergência jurisprudencial”.
100 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: RT, 2010, p. 387.
41 grau com acórdão paradigma do Superior Tribunal de Justiça, como o objetivo de fazer
prevalecer a tese de direito contemplada no acórdão modelo.
Não é possível, contudo, a interposição de recurso especial contra acórdãos de
Turma Recursal dos Juizados Especiais. É que o art. 105, III, da CF se refere à possibilidade
de interposição do recurso de causas decididas por Tribunais Regionais Federais e Tribunais
dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, mas não em face de acórdãos de Turmas
Recursais de Juizados Especiais. Esta questão, apesar de ser clara no texto constitucional – já
que Turma Recursal não é Tribunal de 2º grau –, já foi objeto de diversos recursos, o que
levou o Superior Tribunal de Justiça editar o enunciado de Súmula nº 203 que diz “Não cabe
recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.
A expressão “decisão recorrida”, constante no art. 105, III, da CF, deve ser lida
em conjunto com a expressão “única ou última instância” que a antecede. Quer isto dizer que
a expressão “decisão recorrida”, na verdade, significa “acórdão recorrido”, já que o recurso
especial só é cabível quando exaurida a instância ordinária (= “única ou última instância”),
isto é, quando não couber mais no âmbito do Tribunal local qualquer outro recurso, seja ele
agravo interno ou embargos infringentes. Vale dizer, não é possível admitir o recurso especial
contra decisão monocrática (CPC, art. 557, caput e §1º-A), porque contra ela cabe agravo
interno (CPC, art. 557, §1º), nem contra acórdão não unânime em recurso de apelação que
tenha reformado sentença de mérito, porque contra ele cabem embargos infringentes (CPC,
art. 530).
Por exigência do parágrafo único do art. 541 do CPC e do art. 255 do RI/STJ, não
basta que a divergência seja alegada, pois ela precisa ser provada. É preciso provar que o
acórdão recorrido e o acórdão paradigma contêm exegese diversa do mesmo texto101 de lei
federal. Há duas formas de a parte recorrente se desincumbir desse ônus: a) mediante a
juntada do acórdão paradigma, obtido por cópia do processo original ou de via disponível na
internet, que demonstre que Tribunal diverso aplicou lei federal em sentido antagônico ao
emprestado ao mesmo texto pela Corte prolatora do acórdão recorrido, hipótese em que o
101 “2. A divergência jurisprudencial ensejadora da admissibilidade, do prosseguimento e do conhecimento do recurso há de ser específica, revelando a existência de teses diversas na interpretação de um mesmo dispositivo legal, embora idênticos os fatos que as ensejaram, o que não ocorre, in casu. 3. Recurso Especial do qual não se conhece”. (REsp 1077942/SP, Rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ/RJ), Quinta Turma, julgado em 07/04/2011, DJe 10/05/2011) No mesmo sentido: REsp 70 4.459/RJ, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Quarta Turma, julgado em 23/02/2010, DJe 08/03/2010)
42 denominado acórdão paradigma deve ser autenticado ou ter sua autenticidade declarada pelo
próprio advogado (art. 255, §1º, „a‟, do RI/STJ); ou, b) mediante a citação do volume e
página de repositório102 oficial, autorizado ou credenciado onde o acórdão paradigma foi
publicado na íntegra.
Nesta segunda hipótese, o acórdão não precisa ser juntado ao recurso especial (art.
255, §1º, „b‟, do RI/STJ). É que, como explica Flávio Cheim Jorge103, “os repertórios oficiais
ou credenciados são aqueles aos quais o Superior Tribunal de Justiça atribui credibilidade às
suas informações, razão pela qual torna-se desnecessária a cópia do acórdão”.
No corpo do recurso, cabe ao recorrente demonstrar, de forma clara, a
divergência. Deve, por outras palavras, fazer a comparação analítica da desarmonia, mediante
a transcrição dos trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as
circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados (art. 255, §2º, do
RI/STJ e parte final do parágrafo único do art. 541 do CPC). Como diz Sérgio Rizzi, citado
por Flávio Cheim Jorge104, “é preciso, portanto, escandir, é preciso detalhar, fazer confronto
do texto do acórdão recorrido com o texto paradigma, para compor o conflito de teses, para
demonstrar a dissidência, para evitar a divergência. Necessário o contraste analítico entre o
acórdão recorrido e o acórdão padrão”.
A forma mais eficaz de se realizar tal demonstração é mediante a confecção de
uma tabela no corpo do recurso com duas colunas, uma destinada ao acórdão recorrido e
outra, ao lado, destinada para a transcrição do acórdão paradigma. Este formato de
exposição, de um lado, atende a exigência formal de transcrição dos trechos conflitantes e, de
outro lado, evidência a semelhança das bases fáticas e, ao mesmo tempo, a discrepância de
respostas judiciárias. É dizer, a tabela permite comparar os argumentos contrários de um
(paradigma) e outro (recorrido) acórdão.
102 “Art. 225 do RI/STJ: § 3º São repositórios oficiais de jurisprudência, para o fim do § 1º, b, deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista do Tribunal Federal de Recursos, e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único deste Regimento”.
103JORGE, Flávio Cheim. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CAMBI, Accácio (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, v. 4, 2001, p. 395.
104JORGE, Flávio Cheim. Recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CAMBI, Accácio (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, v. 4, 2001, p. 403.
43
Mas no recurso especial fundado na interpretação divergente de outro tribunal não
basta à parte transcrever, lado a lado, a parte do acórdão recorrido e paradigma que revele a
divergência na interpretação da lei federal. É necessário apresentar a comparação analítica da
divergência, assim compreendido trabalho de demonstrar, em detalhes, a similitude de bases
fáticas e a injustificável disparidade de resposta judiciária.
Como sustenta Rodrigo Baroni105 “ao defender que a melhor interpretação é
aquela produzida pelo acórdão paradigma, o recorrente está a infirmar a posição adotada pelo
acórdão recorrido”.
É, portanto, necessário que o recorrente apresente um trabalho que, acima de tudo,
desperte o interesse do leitor. Quanto ao assunto, Víctor Gabriel Rodríguez106 diz que:
“Qualquer transcrição ou citação ipsis litteris conta com mínima atenção do leitor. Todo
interlocutor pretende originalidade, e, por assim dizer, não gosta de ter o trabalho de ler (ou
ouvir) aquilo que o autor/argumentante não teve o trabalho de elaborar, mas apenas de copiar.
Imaginemos que um professor entre em sala de aula e diga aos seus alunos que, como seu
livro-texto tem toda a matéria daquele dia exposta em detalhes, melhor do que ele poderia
recriar em nova elaboração, poupar-se-á de dar uma aula convencional e passará, durante
cinqüenta minutos, a ler o livro de sua autoria, conclamando a atenção dos estudantes. O que
estes fariam? Certamente se distrairiam ou abandonariam a aula. Embora o conteúdo do livro
seja o mesmo ou até melhor do que aquele que o professor poderia recriar em aula, a leitura
da transcrição é desinteressante. Por isso toda citação longa é pouco recomendável. Todo
ouvinte ou leitor merece a cortesia da originalidade.”
A esse propósito, Teresa Arruda Alvim Wambier107 diz que: “Embora seja
preferível a demonstração da divergência do modo mais pormenorizado e claro possível, a
partir do corpo de acórdãos recorrido e padrão, o relevante é que se ponham à mostra os
pontos que a lei leva em conta para incidir, os „pontos de apoio‟ da norma no mundo dos
fatos, sob pena de descer a minúcias que não importam para o confronto.”
105BARONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. São Paulo: RT, 2010, p.242. 106 RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. 4.ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 150-151. 107WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito
e de ação rescisória: recurso extraordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: RT, 2001, p. 245.
44
Os acórdãos confrontados devem ter bases fáticas suficientemente iguais, ou seja,
não precisam se igualar em todos os mínimos detalhes, mas, apenas, naquilo que for essencial,
nuclear, fundamental, pois, como sustenta Robert Alexy108, “nunca há dois casos
completamente iguais. Sempre se encontrará uma diferença. O verdadeiro problema se
transfere, por isso, à determinação da relevância das diferenças”.
Como já sustentado, a igualdade fática exigida para se buscar a uniformização de
entendimentos – e, por consequência, o tratamento igualitário perante a lei – precisa
restringir-se ao núcleo da questão e não a pontos periféricos.
Acerca do tema, assim discorre Carlos Alberto Álvaro de Oliveira109: “Impõe-se
ressaltar que a análise comparativa deve se circunscrever exclusivamente à ratio decidendi,
nunca a elementos à margem da decisão do caso, como os comentários, as observações, os
obiter dicta, em suma, lançados pelo órgão judicial. Entende-se como ratio decidendi a
argumentação jurídica que constitui o substrato fundamental da decisão em resposta à
demanda da parte, e como obiter dictum as considerações desenvolvidas a propósito do caso
decidido, sem que dessas derive, direta e necessariamente, a decisão. Por isso mesmo, o obiter
dictum pode representar quando muito uma contribuição conceitual, mas não dar forma a um
precedente em sentido próprio.”
Por isso, para negar seguimento ao recurso especial, não basta ao Presidente (ou
Vice-Presidente, conforme o regimento interno) do Tribunal local ou ao Ministro no STJ se
valer – como lamentavelmente sói acontecer – do genérico argumento de que o dissídio não
está caracterizado porque as bases fáticas são diversas. Deve, sim, pelo dever constitucional
(CF, art. 93, IX) e legal (CPC, art. 165 e 458, II) de fundamentação das decisões judiciais,
demonstrar, ainda que de forma concisa, a existência de discrímen legítimo que descaracterize
o dissídio, e, por consequência, legitime o tratamento desigual. Por outras palavras, deve
demonstrar a existência de diferença realmente relevante nas bases fáticas do acórdão
recorrido e do acórdão paradigma que impossibilite a comparação das teses jurídicas.
108ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. A teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira Cláudia Toledo. 2.ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 265.
109OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A semelhança no dissídio jurisprudencial para efeitos de recurso especial e embargos de divergência e a lógica. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 136-137.
45
O acórdão paradigma deve conter entendimento atual, assim compreendido o
representativo do entendimento ainda em aplicação, pouco importando se o precedente
colacionado no recurso especial é velho ou novo. Como diz Min. Luiz Fux110 “a divergência
há de ser atual, isto é, não pretérita, uma vez que não preenche o requisito de admissibilidade
o recurso que invoca julgados ultrapassados sobre questões em relação às quais o tribunal já
assentou sua jurisprudência, nos temos da decisão impugnada”.
Vale dizer, não é legítimo que o Superior Tribunal de Justiça, a pretexto de o
paradigma ser antigo, negar-se a julgar o mérito do recurso especial pela alínea c, sobretudo
nos casos de loteria judiciária, isto é, nos casos onde há variadas interpretações da mesma lei
federal. Havendo precedentes antagônicos representativos de teses contrárias contemporâneas
e preenchidos os requisitos formais é dever da Corte julgar o recurso, uniformizando a
jurisprudência, afinal, está é a razão de sua existência. Por outras palavras, havendo
discrepância de entendimentos, por menor que seja, em respeito à missão conferida ao
Superior Tribunal de Justiça pelo art. 105, III, “c” da CF, recurso especial tem que ser julgado
pelo mérito justamente para consolidar – se possível por súmula ou precedente forte – o
entendimento uniforme da Corte sobre a questão federal posta em análise.
Segundo o STJ, por entendimento consolidado na Súmula 83111, o recurso
especial por divergência sequer pode ser admitido quando veicular tese ultrapassada. O
problema aqui, é que a súmula 83 do STJ112 estabelece base subjetiva (= “orientação”),
porque não mensura como se afere tal “orientação” que autoriza a negativa de seguimento ao
recurso por ser a tese ultrapassada. Com a devida vênia, a Súmula 83 é a contramão da razão
de existir dos enunciados da jurisprudência predominante, porque tem redação inadequada.
É que por conter enunciado ambíguo exige do operador do direito – na expressão
de Victor Nunes Leal113 – a “interpretação da interpretação”. Assim, ao invés de ser fonte de
segurança jurídica, de previsibilidade, e, em especial, de tratamento igualitário, é, na verdade,
mina de dispersão de decisões díspares. Diante disso, acredita-se que a súmula 83 somente
pode ser invocada quando a tese tida por ultrapassada estiver sumulada ou for objeto de
110FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2009, p. 897. 111 “Súmula 83 do STJ: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação se firmou no
mesmo sentido da decisão recorrida”. 112A Súmula 286 do STF, editada no tempo que ainda não existia o Superior Tribunal de Justiça, diz que: “Não
se conhece do recurso extraordinário fundado em divergência jurisprudencial, quando a orientação do plenário do Supremo Tribunal Federal já se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.
113 LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista dos Tribunais, v. 70, n. 553, São Paulo: RT, nov., 1981, p. 295.
46 procedente forte, formado pelo procedimento padrão previsto no art. 543-C do CPC. Fora
desses casos, é ilegítima a negativa de seguimento com base na Súmula 83.
Essa ressalva é feita porque, como sustenta Carlos Alberto Carmona114, o Superior
Tribunal de Justiça “cria tantos entraves para a apreciação de recursos especiais que o recurso
que objetiva a uniformização da interpretação da lei federal mais parece uma miragem,
tornando pouco eficaz a promessa constitucional de tornar aquela corte de superposição um
fator eficaz de interpretação harmônica do direito federal”.
Quanto ao direito projetado, é de se consignar que a regulamentação do recurso
especial fundado na alínea “c”, do inciso III, do art. 105 da Constituição Federal, que hoje é
prevista no parágrafo único art. 541 do CPC, é repetida, em iguais termos, no §1º do art.
983115 do PLS nº 166/2010/PL nº 8046/2010. No ponto, a novidade no texto esboçado está no
§2º do art. 983, que passa a permitir que defeitos formais não graves sejam desconsiderados
possibilitando o julgamento do mérito do recurso especial, verbis: “§ 2º Quando o recurso
tempestivo contiver defeito formal que não se repute grave, o Superior Tribunal de Justiça ou
Supremo Tribunal Federal poderão desconsiderar o vício, ou mandar saná-lo, julgando o
mérito”. Se interpretado de maneira virtuosa e com os olhos voltados para a efetiva prestação
da tutela jurisdicional de mérito – e não na simples redução indiscriminada da carga de
trabalho – este §2º do art. 983 tende a potencializar o poder de uniformizador do recurso
especial fundado na alínea c, do inciso III, do art. 105 da Constituição Federal. Quanto ao
ponto, de se registrar que, ainda que em situações excepcionais, a Corte Especial116 do
Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “sendo notória a divergência de orientação
adotada pelo acórdão recorrido e a jurisprudência aqui predominante, é de se dispensar o
rigor formal na demonstração do dissídio”.
Tudo isto parece demonstrar que, sem bem interposto e se bem julgado, o recurso
especial fundado em dissídio jurisprudencial é poderosíssimo instrumento para tratamento
114CARMONA, Carlos Alberto. Apresentação da obra Jurisprudência: da divergência à uniformização, de Eduardo de Albuquerque Parente. São Paulo: Atlas, 2006.
115“Art. 983. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição da República, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I – a exposição do fato e do direito; II – a demonstração do cabimento do recurso interposto; III – as razões do pedido de reforma da decisão recorrida. § 1º Quando o recurso fundar -se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”.
116AgRg nos EREsp 280619/MG, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Corte Especial, julgado em 19/11/2003, DJ 19/12/2003, p. 301.
47
igualitário117, pois é mecanismo de uniformização externa (extra muros), que tem como fim a
unidade na aplicação do Direito em caráter nacional.
E o instrumento é poderoso não só no sentido de resolver o específico processo de
onde o recurso especial foi tirado, mas, sobretudo, por ter o poder de ditar orientação para
julgamento de casos futuros pelo próprio STJ (eficácia horizontal) e pelos órgãos inferiores
(eficácia vertical), posto que originário do Tribunal que na divisão de competências do Poder
Judiciário brasileiro que tem a missão de dar a última palavra na exegese da lei federal.
9.1.2. Os recursos especiais repetitivos (art. 543-C do CPC) e o poder-dever de
afetar e de determinar o processamento de recurso por amostragem,
sobrestando todos os demais recursos especiais que tratem da mesma matéria,
para, ao depois, aplicar a tese firmada (art. 543-C, §§1º, 2º e 7º do CPC)
Diante do grande número de recursos versando sobre matérias idênticas que ao
longo dos anos vêm abastecendo um estoque invencível de processos no Superior Tribunal de
Justiça, bem assim diante da discrepância de respostas judiciárias que os múltiplos
julgamentos sempre geraram, o Poder Legislativo aprovou a Lei 11.272, de 08-05-2008 que
introduziu o art. 543-C no CPC para disciplinar o processamento dos chamados “recursos
especiais repetitivos”, o que, ao depois, diante da autorização do § 9º do mesmo artigo, foi
regulamentado pelo STJ, por meio da Resolução nº 8, de 2008.
Como sustenta Ada Pellegrini Grinover118: “Trata-se de uma técnica conhecida
em diversos países, que a denominam de „caso-piloto‟, „caso-teste‟ ou „processo-mestre‟.
Consiste o mecanismo em permitir que, entre várias demandas idênticas, seja escolhida uma
só, a ser decidida pelo tribunal, aplicando-se a sentença aos demais processos, que haviam
ficado suspensos. Esse método é utilizado pela Alemanha, Áustria, Dinamarca, Noruega e
Espanha (nesta, só para o contencioso administrativo).”
117 “Aqui se exterioriza a preocupação com a igualdade substancial no trato dos jurisdicionados – já que todos são iguais perante a lei (CF, art. 5º, caput) – isonomia só alcançável em havendo uniformidade exegética sobre a norma legal: tanto aquela abstratamente inserida no ordenamento, quanto aquela aplicada judicialmente nos casos concretos, porque só assim se alcançará o tratamento igual às situações iguais e desigual nas situações desiguais, na medida das desigualdades, conforme consagrado conceito”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 314).
118GRINOVER, Ada Pellegrini. O tratamento dos processos repetitivos. JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (Coords.). Processo civil: novas tendências: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. Coord. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 5.
48
Diz o §1º do art. 543-C do CPC que “caberá ao presidente do tribunal de origem
admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao
Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o
pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça”.
Como se vê, diante de “recursos repetitivos”, a lei concede ao Presidente do
Tribunal local (ou a quem couber o juízo de admissibilidade) o poder-dever de escolher um
(ou mais de um) recurso especial representativo da controvérsia.
O(s) recurso(s) eleito(s) ou afetado(s) será(ão) admitido(s) e remetido(s) ao
Superior Tribunal de Justiça para julgamento por amostragem da tese jurídica. Segundo o §1º
do art. 1º da Resolução nº 8, de 2008, esta seleção deve compreender os processos que
“contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso
especial”. Como sustenta José Miguel Garcia Medina119 “é importante, no entanto, que,
havendo recursos em sentido favorável ou contrário a uma dada orientação, sejam
selecionados recursos que exponham, por inteiro, ambos pontos de vista”.
Por força do §1º do art. 543-C do CPC, todos os demais recursos especiais que
tratem da mesma matéria – e, por incidência do art. 7º da Resolução nº 8, de 2008, todos os
agravos contra a inadmissão de recurso especial que versem sobre o mesmo tema – serão
sobrestados nos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais até julgamento, pelo
Superior Tribunal de Justiça, da questio iuris no caso piloto.
Sem prejuízo da atribuição concedida ao presidente do Tribunal de origem, por
autorização do §2º do art. 543-C do CPC, o relator no Superior Tribunal de Justiça também
poderá, constando que já há no âmbito do Tribunal recurso não-julgado que trate de matéria
que se reproduz ou que tem o condão de se multiplicar em vários outros processos, afetar um
(ou mais de um) para julgamento por amostragem. Aliás, a prática tem demonstrado que o ato
de seleção tem sido iniciado diretamente no próprio Superior Tribunal de Justiça.
Depois do afetamento, o relator no STJ oficiará a todos os Presidentes de
Tribunais de 2º grau comunicando o fato e determinando o sobrestamento120 previsto no CPC.
119MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5.ed. São Paulo: RT, 2009, p. 106.
120A suspensão, diz §3º do art. 1º da Resolução nº 8, de 2008, deve ser certificada em cada um dos processos.
49
Devem ser sobrestados os recursos cuja matéria nele tratada coincida121 com a que é objeto do
afetamento.
A despeito do silêncio da lei, acredita-se que também devem ser suspensos todos
os recursos especiais, agravos do art. 544 e embargos de divergência já tramitem no STJ,
afinal, não faz qualquer sentido impor a suspensão apenas aos recursos que ainda estão na
origem, afinal, os que estão no estágio mais avançado também tratam do mesmo assunto e,
portanto, também merecem a mesma resposta judiciária. A esse propósito, assim discorrem
Teresa Arruda Alvim Wambier e Maria Lúcia Lins Conceição de Medeiros122: “implica dizer
que a compreensão adequada do dispositivo legal autoriza que se afirme abranger, esta regra,
o sobrestamento do andamento de todos os recursos especiais, quer daqueles que estejam
ainda não tribunal de origem, que daqueles que estejam encaminhados ao STJ”.
Essa suspensão, quer quando determinada no tribunal de origem, quer quando
determinada no Superior Tribunal de Justiça, se aplica aos recursos interpostos antes ou
depois do ato de afetação e sem mantém desde a publicação da escolha do recurso piloto até a
publicação do acórdão de seu julgamento.
Quando houver no Tribunal de origem ou no STJ o sobrestamento indevido,
acredita-se que caberá à parte prejudicada a interposição de agravo interno (ou regimental123)
121“agravo regimental. Recurso especial. Pretensão de sobrestamento de feito cujo tema foi submetido a repercussão geral. Matéria de cunho processual. Possibilidade de exame. 1. Controvérsia cuja solução envolve somente questão de cunho processual não merece ficar sobrestada porque seu mérito não coincide com o tema relativo aos expurgos inflacionários de caderneta de poupança, objeto de recurso em trâmite no egrégio Supremo Tribunal Federal e submetido ao regime da repercussão geral. 2. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AgRg no REsp 919386/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 10-05-2011, DJe 18-05-2011)
122WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de. Recursos repetitivos - realização integral da finalidade do novo sistema impõe mais do que a paralisação dos recursos especiais que estão no 2º grau. Revista de Processo, São Paulo: RT, n 191, ano 36, jan., 2011, p. 192.
123Em sentido diverso: “A nosso ver, havendo sobrestamento indevido da tramitação de algum recurso extraordinário ou especial pela presidência do tribunal a quo, deverá ser admitido agravo de instrumento para o STF ou o STJ, conforme o caso (cf. art. 544 do CPC), demonstrando-se que aquele recurso não se insere no rol de recursos com fundamento em idêntica questão controvérsia selecionados pelo órgão a quo”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5.ed. São Paulo: RT, 2009, p. 106) “Caso um recurso venha a ser sobrestado de maneira equivocada na origem, as alternativas para se sanar as eventuais falhas no sobrestamento se dividem entre o agravo de instrumento ou mesmo a reclamação, nos moldes dos arts. 13 a 18, da Lei 8.038/90. Em nossa compreensão, a modalidade da reclamação para a preservação da competência do Superior Tribunal de Justiça nos parece a medida tecnicamente mais adequada”. (LEMOS, Bruno Espiñeira. Recursos especiais repetitivos. Curitiba: Letra da Lei, 2009, p. 42) “[...] apesar da omissão do dispositivo legal, deve ser admitia a apresentação de agravo de instrumento (e não retido nos autos) ou mesmo medida cautelar (como reconhecido em decisões do próprio STJ em casos similares), contra a decisão que determina o sobrestamento dos demais recursos, caso defenda o interessado que não há identidade de causas e/ou que o atraso no julgamento do apelo pode causar-lhe sério gravame”. (ARAÚJO, José Henrique Mouta. O julgamento de
50 contra o ato judicial. Se a decisão foi do Presidente do Tribunal de 2º grau, o recurso deverá
ser decidido pelo Tribunal Pleno ou Órgão Especial, a depender da composição do Tribunal.
Se a decisão for de relator no STJ, o recurso competirá à Turma, no caso de sobrestamento de
recurso especial ou agravo do art. 544 do CPC, ou à respectiva Seção ou Corte Especial, no
caso de sobrestamento de embargos de divergência. A única matéria que poderá ser objeto de
tal recurso é a demonstração da distinção do caso indevidamente sobrestado com a matéria
objeto do recurso afetado. Em outras palavras, este novo recurso necessariamente deverá
demonstrar a existência de um discrímen que justifique o tratamento diferenciado. Pois bem,
provido o agravo interno, cancela-se o sobrestamento. Improvido, mantém-se a suspensão.
No Superior Tribunal de Justiça o recurso amostra será processado de forma
diferenciada. Em primeiro lugar a questão jurídica que será objeto de deliberação colegiada
deve ser delimitada claramente no ato de afetamento, sendo vedado à Corte, por ocasião do
julgamento, estender o exame a outros temas. É que o interesse de pessoas, órgãos ou
entidades participarem do feito decorrerá da matéria previamente destacada, sendo
antijurídica a prolação de um acórdão com capítulo surpresa, assim compreendido aquele que
trate de matéria não destacada no ato de afetamento.
Na sequência, para os fins do §4º do art. 543-C, o relator poderá – na verdade,
deverá124 – oficiar a pessoas, órgãos ou entidades cujas atribuições institucionais tenham
pertinência temática com a questão jurídica em julgamento, dando-lhes conhecimento da
afetação e facultando-lhes prazo para que, na condição de amicus curiae, ofereçam subsídios
à perfeita compreensão da controvérsia. A depender da matéria objeto de afetamento devem
ser comunicados, por exemplo, o Conselho Federal da OAB125, a Defensoria Pública da União
(DPU), o Banco Central do Brasil (BACEN), a Federação Nacional de Bancos
(FEBRABAN), o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), a Agência Nacional de Energia
Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a Associação
recursos especiais por amostragem: notas sobre o art. 543-C, do CPC. Revista dialética de direito processual, n. 65, ago., 2008, p. 60).
124 “Apesar de não haver uma obrigatoriedade entende-se que, antes toda a sistemática idealizada para o julgamento de recursos repetitivos fundados em idêntica questão de direito, até para que a discussão sobre a matéria alcance a maior amplitude possível, de forma que represente sua análise e, posteriormente, os fundamentos do acórdão, a maior exatidão possível sobre a matéria, para que esse acórdão não seja motivos de críticas, até porque a ele será conferido efeito vinculante a ser adotado, ou não, pelos tribunais locais ou regionais, deve, sim, em todos os casos que envolvem recursos repetitivos, haver manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia”. (TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. A nova sistemática do recurso de agravo do art. 544 do CPC contra decisão denegatória de recursos extraordinário e especial. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 192, ano 36, fev., 2011, p. 169).
125O CFOAB editou o Provimento 128/2008 regulamentando os parâmetros de sua atuação nos recursos especiais repetitivos.
51 Brasileira de Serviços Comutados (ABRAFIX), Associação Brasileira de Loterias Estaduais
(ABLE), dentre tantos outros.
Em função do interesse público ínsito ao próprio julgamento que terá efeitos pan-
processuais, por disposição do §5º do art. 543-C do CPC, o Ministério Público deve ser
intimado a se manifestar no prazo de 15 dias. Decorrido tal prazo, com ou sem manifestação
do órgão ministerial, o recurso deverá ser submetido a julgamento por uma das Seções ou,
quando existir questão de competência de mais de uma Seção, pela Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça (art. 2º da Resolução nº 8, de 2008).
No âmbito do STJ, por ocasião do julgamento da Questão de Ordem (QO) no
REsp 1063343/RS126, restou decidido que o pedido de desistência de recurso especial afetado
somente pode ser apreciado depois de julgada a questão jurídica127. Pacificou-se, portanto,
que é vedada a desistência apresentada pela parte para impedir a decisão sobre a questão
jurídica, sob o argumento central de que o interesse coletivo que caracteriza o julgamento dos
processos submetidos à Lei 11.272/2008 deve se sobrepor ao direito individual de desistir do
recurso,que está previsto no art. 511 do CPC. É que, como diz o Min. Luiz Fux128, “a técnica
dos recursos repetitivos abarca interesse público indisponível pela vontade das partes”. Em
suma, a desistência é admitida, mas só produz efeitos depois de firmada a tese.
126“Processo civil. Questão de ordem. Incidente de Recurso Especial Repetitivo. Formulação de pedido de desistência no Recurso Especial representativo de controvérsia (art. 543-C, § 1º, do CPC). Indeferimento do pedido de desistência recursal. É inviável o acolhimento de pedido de desistência recursal formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução nº 08/08 do STJ. Questão de ordem acolhida para indeferir o pedido de desistência formulado em Recurso Especial processado na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução nº 08/08 do STJ”. (QO no REsp 1063343/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 17/12/2008, DJe 04/06/2009) No mesmo sentido: REsp 1111148/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 24/02/2010, DJe 08/03/2010; EDcl no REsp 1129971/BA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 12/05/2010, DJe 24/05/2010; REsp 689.439/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 04/03/2010, DJe 22/03/2010; REsp 1129971/BA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 24/02/2010, DJe 10/03/2010; DESIS no REsp 882.690/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 22/02/2010.
127 Para Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha “quando se seleciona um dos recursos para julgamento, instaura-se um novo procedimento. Esse procedimento incidental é instaurado por provocação oficial e não se confunde com o procedimento principal recursal, instaurado por provocação do recorrente.” E a partir dessa premissa concluem que quando o recorrente, em tal caso, “desiste do recurso, a desistência deve atingir, apenas, o procedimento recursal, não havendo como negar tal desistência, já que, como visto, ela produz efeitos imediatos, não dependendo de concordância da outra parte, nem de autorização ou homologação judicial” arrematando a seguir que “tal desistência, todavia, não atinge o segundo procedimento, instaurado para a definição do precedente ou da tese a ser adotada pelo tribunal superior.” (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, v. 3. 9ª. Ed. Salvador: Podivm, 2011, p. 322-323)
128FUX, Luiz. A desistência recursal e os recursos repetitivos. BDJur , Brasília. Disponível em: <http://bdjur.stj. jus.br/dspace/handle/2011/27102>. Acesso em: 10 fev. 2010, p. 12.
52
De regra, o julgamento do mérito dos recursos afetados é revestido de
fundamentação mais profunda do que os demais recursos especiais julgados. É que, como diz
a Min. Fátima Nancy Andrighi129, “há toda uma mobilização que supera em muito a discussão
inter partes; há a influência do amicus curiae, do Ministério Público, dos próprios Tribunais
de 2º grau e, necessariamente, a participação das Seções ou da Corte Especial. A experiência
tem mostrado que o julgamento mobiliza de forma mais impactante até mesmo os próprios
Ministros do STJ”.
Pois bem, julgado o recurso amostra e publicado o seu acórdão, caberá ao
Superior Tribunal de Justiça, por meio da coordenadoria do órgão julgador, oficiar a todos os
Presidentes de Tribunais de 2º grau comunicando o resultado da “decisão-quadro130”, a fim de
que, cancelando a suspensão dos processos, procedam na forma prevista no art. 543-C, 7º do
CPC. Como explicam Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina131, em
casos tais, “a atuação do STJ será muito parecida a de um tribunal de cassação, na medida em
que se terá definido apenas a tese a ser aplicada pelo tribunal a quo, no reexame da decisão
recorrida”.
Nos Tribunais de 2º grau, quem tiver a atribuição de fazer o juízo de
admissibilidade do recurso deverá analisar um a um os casos cuja tramitação foi reativada,
comparando a discussão jurídica neles travada com a matéria decidida pelo Superior Tribunal
de Justiça. Vale dizer, caberá ao desembargador responsável pelo juízo de admissibilidade
decompor o precedente forte formado pelo julgamento do recurso piloto, separando a
essência da tese jurídica (ratio decidendi) das considerações periféricas (obiter dicta), para
depois, se os casos forem suficientemente iguais132, adotar um dos dois possíveis caminhos.
O primeiro de, com base no art. 543-C, § 7º, inciso I, do CPC, negar seguimento
ao recurso especial se o acórdão recorrido tiver decidido a questão na mesma direção da
orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso representativo de
129ANDRIGHI, Fátima Nancy. Recursos repetitivos. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 185, ano 35, p. 265-281, julho, 2010, p. 277-278.
130 “Conforme art. 6º, caberá a Coordenadoria da Seção ou Corte Especial, conforme o caso, expedir ofício aos tribunais de origem comunicando o resultado do julgamento e remetendo cópia do acórdão relativo ao recurso especial julgado, ou seja, da „decisão quadro‟”. (MARTINS, Samir José Caetano. A regulamentação dos recursos especiais repetitivos (resolução n.8/2008 do STJ). Revista dialética de direito processual. n. 67, out., 2008, p. 127).
131WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre o novo art. 543-C do CPC: sobrestamento de recursos especiais “com fundamento em idêntica questão de direito”. Revista de processo, v. 33, n. 159, p. 215-221, mai, 2008, p.220.
132Vide item 3.4 supra, que trata da “identificação de causas iguais”.
53
controvérsia. Neste caso, conforme decidido na Questão de Ordem no Ag 1154599/SP 133, a
parte que tiver o recurso especial inadmitido, não poderá interpor o agravo previsto no art.
544 do CPC, sob o fundamento de que a admissão de tal forma da impugnação ao julgado
resultaria no descumprimento de um dos objetivos da Lei 11.272/2008, que é o de reduzir o
número de processos remetidos ao STJ. A permissão para a utilização do agravo do art. 544
do CPC, como sustentou o Min. Cesar Asfor Rocha, implicaria na “mera substituição de cores
e de nomenclaturas dos recursos que subirão ao Superior Tribunal de Justiça, impedindo que
as partes obtenham justiça rápida e definitiva com o trânsito em julgado da decisão de mérito
e ferindo, no meu entender, o espírito da nova lei”.
Em tais casos, a exemplo da opção adotada pelo Supremo Tribunal Federal134 no
trato da recorribilidade da decisão que nega seguimento a recurso extraordinário que verse
sobre tema que a Corte Constitucional já pronunciou a inexistência de repercussão geral, no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça se definiu que contra a decisão tomada com base no
art. 543-C, § 7º, inciso I, do CPC cabe apenas o agravo interno, dirigido ao próprio tribunal
de origem.
Para obter a admissão do recurso, caberá ao agravante demonstrar que a decisão
fundada no art. 543-C, § 7º, inciso I, do CPC está equivocada porque seu processo trata de
tema diferente do precedente que motivou a negativa de seguimento. Vale dizer: deverá
demonstrar que há uma particularidade relevante que diferencia, que individualiza, que,
enfim, o distingue o caso (é denominado distinguishing do common law). Pois bem, provido o
133“QUESTÃO DE ORDEM. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. EXEGESE DOS ARTS. 543 E 544 DO CPC. AGRAVO NÃO CONHECIDO. Não cabe agravo de instrumento contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543, § 7º, inciso I, do CPC. Agravo não conhecido”. (QO no Ag 1154599/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, julgado em 16/02/2011, DJe 12/05/2011)
134“EMENTA: Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito das matérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem. (AI 760358 QO, Relator: Min. Gilmar Mendes (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-227 DIVULG 02-12-2009 PUBLIC 03-12-2009 REPUBLICAÇÃO: DJe-030 DIVULG 18- 02-2010 PUBLIC 19-02-2010).
54 agravo interno, o recurso especial será admitido. Improvido, se manterá a negativa de
seguimento.
O segundo de determinar a remessa dos autos à turma do próprio Tribunal de 2º
grau que realizou o julgamento do recurso originário135 sempre que acórdão recorrido tiver
decidido a questão em sentido oposto à orientação firmada no caso piloto pelo Superior
Tribunal de Justiça. Este reenvio dos autos para a Turma que julgou o recurso originário tem
o objetivo de comunicar o resultado do julgamento por amostragem realizado pelo STJ para
pautar, em juízo de reconsideração, nova decisão para causa específica. Assim, a Turma do
Tribunal local não julgará o recurso especial, mas, sim, rejulgará136 o recurso originário
(seja ele o recurso de apelação, os embargos infringentes ou o agravo de instrumento do art.
522). O reenvio dos autos também tem o objetivo de evitar a remessa dos autos ao STJ, pois,
pela necessidade de unidade na aplicação do direito, espera-se que o tribunal local se retrate,
fazendo incidir, desde logo, o entendimento da Corte de superposição firmado em precedente
forte acerca da questão.
Conforme decidido pela Corte Especial do STJ na Questão de Ordem (QO)
alusiva aos Recursos Especiais nº 1.154.288-RS137, 1.148.726-RS, 1.155.480-RS e 1.158.872-
RS, para se recusar a aplicar a mesma solução adotada no precedente forte, o Tribunal de 2º
grau deve apresentar elevado grau de fundamentação, pois não basta uma simples ratificação
imotivada do que foi decidido anteriormente. E caso a turma do Tribunal de origem,
inobstante o contido na Questão de Ordem acima comentada e contrariando a idéia de
sistema138, insista em manter o entendimento discrepante, publicando acórdão complementar
135O recurso originário pode ser de apelação, embargos infringentes ou o agravo de instrumento do art. 522. 136Trata-se de exceção à regra do art. 463 do CPC. 137“Vistos. A Corte Especial do STJ, na sessão do dia 10.12.2009, no julgamento da Questão de Ordem alusiva
aos Recursos Especiais ns. 1.148.726-RS, 1.154.288-RS, 1.155.480-RS e 1.158.872-RS, decidiu: “a) A restituição, por decisão de órgão fracionário independentemente de acórdão, unipessoal de relator, ou da Presidência (NUPRE), dos recursos especiais à Corte de origem, para que sejam efetivamente apreciadas as apelações e/ou agravos como de direito, à luz do que determinam a Lei n. 11.672/2008 e a Resolução STJ n. 8/2008. b) a expedição de ofício aos Srs. Presidentes dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, sobre a decisão tomada na presente Questão de Ordem”. Nesses termos e com base no art. 34, inciso XVIII, do RISTJ, determino a baixa dos autos ao Tribunal de origem para o exato cumprimento do art. 543 -C do CPC. Publique-se. Brasília (DF), 16 de dezembro de 2009. Ministro Aldir Passarinho Junior”
138Como diz a Min. Nancy Andrighi, a orientação firmada no caso piloto “repercutirá tanto no plano individual, resolvendo a controvérsia inter partes, quanto na esfera coletiva, norteando o julgamento dos múltiplos recursos que discutam idêntica questão de direito”. (QO no REsp 1063343/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 17/12/2008, DJe 04/06/2009). Para Gisele Leite e Denise Heuserler “O novo dispositivo racionaliza sensivelmente a tutela jurisdicional no âmbito dos recursos especiais mantendo a intenção adotada pelo legislador nas reformas anteriores e merece destaque pela tentativa de resgate da respeitabilidade em nosso sistema judiciário”. (LEITE, Gisele; HEUSELER, Denise. O novo artigo 543-C do
55 que ratifique, sem qualquer acréscimo substancial, a posição anteriormente adotada, o recurso
especial antes interposto deverá ser remetido ao desembargador competente para o exercício
do juízo de admissibilidade na forma do §8º do art. 543-C do CPC. Caso, de outro lado, esse
acórdão complementar acresça novos fundamentos, caberá ao recorrente ratificar ou retificar
seu recurso especial para contrapor os novos motivos apresentados. No caso de aditamento ao
recurso especial, se deverá abrir o prazo de 15 dias para que o recorrido, querendo, também
retifique as suas contrarrazões.
Ainda que, no mérito, seja inequívoco que o resultado do recurso especial será
favorável ao recorrente, isto não quer dizer que os requisitos de admissibilidade devam ser
desconsiderados. Assim, caso exista vício formal, como, por exemplo, a intempestividade, o
recurso especial deve ser inadmitido. De outro lado, não havendo vícios formais, uma vez
admitido o recurso especial, ele será encaminhado ao STJ que, na forma do art. 5º, II, da
Resolução nº 8, de 2008, serão julgados – providos de plano – pela Presidência, nos termos da
Resolução n. 3, de 17 de abril de 2008. Nesse sentido é o magistério de Humberto Theodoro
Júnior139 “Nestes termos, chegando ao STJ, o recurso será liminarmente provido [...] uma vez
que o acórdão terá sido proferido contra decisão representativa do entendimento dominante
firmado pelo STJ, por meio da Corte Especial ou Seção especializada”.
Os recursos que já estavam distribuídos aos respectivos relatores e estavam
sobrestados no STJ, por incidência do art. 5º, I, da Resolução nº 8, de 2008, serão decididos
na forma do art. 557 do CPC, vale dizer, serão providos de plano quando o acórdão contrariar
a orientação firmada no precedente forte ou serão improvidos de plano quando contiverem
tese que contrarie a orientação firmada no caso piloto.
Estes precedentes fortes, em função da forma diferenciada de seu julgamento,
passarão a legitimamente orientar julgamentos futuros de todos os casos iguais e, por tal
razão, deve-se dar amplo conhecimento sobre o seu resultado.
Nessa linha, acredita-se que todos os acórdãos contrários ao entendimento
firmado no precedente forte do STJ, deverão ser submetidos ao juízo de retratação (CPC, art.
543-C, §7º, II) do tribunal local, que, ao seu turno, para manter o acórdão contrário ao
acórdão padrão do STJ, haverá de enfrentar um a um os fundamentos adotados na sua
código de processo civil, a buscada celeridade e da isonomia. ADV - Advocacia dinâmica: boletim informativo semanal, v. 28, n. 39, set. 2008, p.661).
139THEODORO JÚNIOR, Humberto. Recurso especial e o novo artigo 543-C do Código de processo civil (Lei n 11.672, de 08.05.08). Revista Magister: direito civil e processual civil, v. 4, n. 24, mai./jun., 2008, p. 34.
56 formação, de maneira a demonstrar a necessidade de revisão da matéria fixada no caso piloto.
Quer isto demonstrar que os precedentes fortes não têm efeito vinculante, mas tem sim
elevadíssimo poder de influir em decisões futuras.
Somente nos casos de alterações econômicas, políticas ou sociais importantes ou
ainda em função da alteração da lei é que se admitirá a revisão da tese firmada, o que deve ser
acompanhado de modulação temporal140 dos efeitos da virada da jurisprudência. Entretanto,
diante da posição adotada pelo STJ na Questão de Ordem no Ag 1154599/SP141, no sentido de
não mais admitir o agravo do art. 544 do CPC, não existe via para a revisão da tese. A
despeito do silêncio da lei e da postura restritiva do STJ, acredita-se que nesses casos
especiais deve ser admitida a revisão da tese, por meio de um procedimento de revisão ou
140 Com relativo grau de intensidade, apesar de alguns posicionamentos expressos em sentido contrário (AI 521546 AgR-ED, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 26-04-2005, DJ 13-05- 2005; RE 430421 AgR, Relator: Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, julgado em 30 -11-2004, DJ 04-02- 2005; AI 474335 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Primeira Turma, julgado em 30/11/2004, DJ 04 -02-2005. No sentido da rejeição da modulação de efeitos: RE 377457, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 17-09-2008, Public 19-12-2008), o Supremo Tribunal Federal vem se utilizando da técnica de modulação de efeitos em processos subjetivos (RE 78594, Relator: Min. Bilac Pinto, Segunda Turma, julgado em 07-06-1974, DJ 04-11-1974 (validado dos atos praticados por oficial de justiça em data anterior a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual que autorizou sua designação); Inq 687 QO, Relator: Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 25-08-1999, DJ 09-11-2001 (competência por prerrogativa de função e validade dos atos praticados com base na Súmula 394, que foi cancelada); RE 122202, Relator: Min. Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 10-08-1993, DJ 08-04-1994 (retribuição declarada inconstitucional não e de ser devolvida no período de validade inquestionada da lei de origem, mas tampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade); RE 197917, Relator: Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 06-06-2002, DJ 07-05-2004 (Tributário); CC 7204, Relator: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 29-06-2005, DJ 09-12-2005 (no caso da definição da nova competência da Justiça do trabalho, onde se decidiu que os processos ainda não sentenciados deveriam ser remetidos para a Justiça do Trabalho e os já julgados, de outro lado, deveriam permanecer na Justiça Comum); HC 82959, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 23-02-2006, DJ 01-09-2006 (no caso da progressão de regime pena onde se fixou que os indivíduos que já tivessem cumprido integralmente a pena no regime fechado não poderiam pleitear indenizações por erro judiciário); RE 442683, Relator: Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 13-12-2005, DJ 24-03-2006 (funcionário de fato); RE 556664, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 12-06-2008, DJe 14-11-2008 (número de vereadores no caso Mira Estrela); MS 26602, Relator: Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 04-10-2007, DJe 16-10- 2008 (fidelidade partidária); MS 26603, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 04-10- 2007, DJe-241 18-12-2008 (fidelidade partidária); RE 500171 ED/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16- 3-2011 (declarada a inconstitucionalidade da cobrança de taxas de matrícula em universidades públicas e editada a Súmula Vinculante 12); HC 70514, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/1994, DJ 27-06-1997 (prazo em dobro para Defensoria Pública até que seja até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público);) isto é, em processos cujos acórdãos, de regra, têm efeitos inter partes, mas que em função do instituto da repercussão geral, da forma de processamento dos recursos extraordinários repetitivos e da teoria da objetivação do recurso extraordinário, na prática, se constituem em precedentes fortes que exercem – ou pelo menos devem exercer – um enorme poder de influenciar as decisões, porquanto originários do órgão de cúpula do sistema judicial brasileiro.
141“QUESTÃO DE ORDEM. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. EXEGESE DOS ARTS. 543 E 544 DO CPC. AGRAVO NÃO CONHECIDO. Não cabe agravo de instrumento contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543, § 7º, inciso I, do CPC. Agravo não conhecido”. (QO no Ag 1154599/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, julgado em 16/02/2011, DJe 12/05/2011).
57 cancelamento do precedente forte, em simetria com procedimento de revisão ou
cancelamento dos enunciados de súmula vinculante que está previsto na Lei nº 11.417, de 19
de dezembro de 2006 e regulamentado na Resolução do STF de nº 388, de 05 de dezembro de
2008 ou ainda por paralelismo com o procedimento de revisão da tese de inexistência de
repercussão geral previsto no §5º do art. 543-A, do CPC.
O CPC projetado (PLS nº 166/2010/PL nº 8046/2010) mantém e aperfeiçoa a
técnica por diversos motivos. Primeiro porque no art. 991, caput142, coloca fim ao juízo de
admissibilidade bipartido para os recursos repetitivos, relegando apenas ao tribunal ad quem o
seu exame, eliminando, portanto, um filtro para que a questão chegue, desde logo, ao STJ.
Segundo porque positiva no §2º do art. 991143 a necessidade de indicação precisa, na decisão
de afetamento, da questão jurídica a ser julgada, evitando o capítulo surpresa do acórdão que
foi abordado linhas atrás. Terceiro porque os §§3º e 4º do art. 991144 passam a prever a
suspensão de todos os processos que tratem da questão afetada, em todos os graus de
jurisdição, garantindo a igualdade de tratamento em âmbito nacional. Quarto porque o art.
993145 fala da obrigatoriedade de aplicação da tese firmada no recurso representativo da
controvérsia, reduzindo, com isso, as chances de tratamento anti-isonômico. Quinto porque,
no art. 952, parágrafo único146, fica positivada a impossibilidade de a parte desistir do recurso
especial afetado, em vista do interesse público que é ínsito ao seu destacamento. Sexto porque
o art. 307, II147, autoriza a rejeição liminar do pedido, em 1º grau, quando a tese do autor
contrariar o entendimento firmado no acórdão no recurso representativo da controvérsia.
142“Art. 991. Caberá ao presidente do tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça independentemente de juízo de admissibilidade, ficando suspensos os demais recursos até o pronunciamento definitivo do tribunal superior”.
143 “Art. 991. [...] § 2º Na decisão de afetação, o relator deverá identificar com precisão a matéria a ser levada a julgamento, ficando vedado, ao Tribunal, a extensão a outros temas não identificados na referida decisão”.
144“Art. 991. [...] § 3º Os processos em que se discute idêntica controvérsia de direito e que estiverem em primeiro grau de jurisdição ficam suspensos por período não superior a doze meses, salvo decisão fundamentada do relator. § 4º Ficam também suspensos, no tribunal superior e nos de segundo grau de jurisdição, os recursos que versem sobre idêntica controvérsia, até a decisão do recurso representativo da controvérsia”.
145“Art. 993. Decidido o recurso representativo da controvérsia, os órgãos fracionários declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese”.
146“Art. 952. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. No julgamento de recurso extraordinário cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e no julgamento de recursos repetitivos afetados, a questão ou as questões jurídicas objeto do recurso representativo de controvérsia de que se desistiu serão decididas pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal”.
147 “Art. 307. O juiz julgará liminarmente improcedente o pedido que se fundamente em matéria exclusivamente de direito, independentemente da citação do réu, se este: [...] II – contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;”
58
Sétimo porque o art. 483, §3º, III148, dispensa o reexame necessário quando a sentença estiver
alinhada com a orientação de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em
julgamento de casos repetitivos.
Isto tudo parece demonstrar que no sistema atual, e, com mais vigor, no sistema
projetado, que a técnica de julgamento é um importantíssimo instrumento para garantir
tratamento igualitário perante a lei.
9.2. Recurso extraordinário (art.102, III, da CF)
No Brasil, foi a Constituição da República de 1891, no art. 59, § 1º149, que em
primeiro lugar previu o cabimento de recurso extraordinário. Naquele tempo, o Supremo
Tribunal Federal decidia tanto alegações de violação à lei federal quanto a contestação desta
em face da Constituição.
Embora com expressões parcialmente diferentes, este modelo foi mantido na
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 (art. 76, 2, III150), na
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937 (art. 101, III151), na
148 “Art. 483. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: [...] § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: [...] II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos;”
149“Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...] 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas”.
150 “Art 76 - A Corte Suprema compete: [...] 2) julgar: III - em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância: a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado; b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada; c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válido o ato ou a lei impugnada; d) quando ocorrer diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou entre um deste Tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal;”
151“Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...] III - julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instâncias: a) quando a decisão for contra a letra de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado; b) quando se questionar sobre a vigência ou validade da lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada; c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válida a lei ou o ato impugnado; d) quando decisões definitivas dos Tribunais de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou decisões definitivas de um destes Tribunais e do Supremo Tribunal Federal derem à mesma lei federal inteligência diversa”.
59
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 (art. 101, III152) e na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1967 (art. 114, III153), mesmo com as modificações
realizadas pelo ato institucional nº 6, de 1969 (art. 114, III154), pela emenda constitucional nº
1, de 1969 (art. 119, III155) e pela emenda constitucional nº 7 (art. 119, III 156), de 1977.
Pois bem, com o intuito de acelerar a prestação jurisdicional e para tentar
solucionar a chamada “crise do Supremo Tribunal Federal” que, a cada dia, recebia mais e
mais processos para julgar, como consignado, em 1988 houve uma mudança estrutural do
Poder Judiciário brasileiro. Criou-se o Superior Tribunal de Justiça que passou a ter a missão
de guardar as leis federais e a realizar, em nível nacional, a uniformização da jurisprudência
pela via recursal. Assim, em palavras simples, a partir daquele momento o Brasil passou a ter,
pela via do recurso especial, um Tribunal responsável pela integridade da aplicação das leis
federais (STJ) e outro, pela via do recurso extraordinário, guardião da Constituição Federal
(STF).
152 “Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...] III - julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes: a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal; b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada; c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato; d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal in vocada for diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros Tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal”.
153 “Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal: [...] III - julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de Governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal; d) der à lei interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal”.
154 “Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em única ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência a tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato do Governo local, contestado em face da Constituição ou de lei federal; d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.
155 “Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato do govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal. Parágrafo único. As causas a que se refere o item III, alíneas a e d, dêste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie ou valor pecuniário”.
156 “Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato do govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal. § 1º As causas a que se fere o item III, alíneas a e d, deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal”.
60
Mesmo com essa divisão de atribuições, o recurso extraordinário continuou a
depender do preenchimento de pressupostos formais, denominados de requisitos intrínsecos
(cabimento, legitimidade, interesse de recorrer) e extrínsecos (tempestividade, preparo,
regularidade formal e inexistência de fatos extintivos ou impeditivos do direito de recorrer)
gerais a quaisquer recursos, que são analisados no juízo de admissibilidade.
Este juízo era – e é – bipartido porquanto essa apreciação era – e ainda é –
realizada pelo Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal local (c.f. respectivo regimento
interno) ou Turma recursal local, e depois, novamente, pelo Supremo Tribunal Federal por
ocasião do julgamento do recurso. Preenchidos os pressupostos formais o recurso é admitido.
Ausente um ou mais de um, o recurso é inadmitido.
Até a instituição da repercussão geral por meio do art. 102, §3º da CF e da
posterior regulamentação, ultrapassado positivamente o juízo de admissibilidade dos
pressupostos gerais dos recursos excepcionais, o Supremo Tribunal Federal passava ao juízo
de mérito de todos os recursos eram encaminhados para a Corte. Nele, ao menos da hipótese
do art. 102, III, “a” da CF, analisava – e atualmente também analisa – se ocorreu ou não
houve ou não a afirmada contrariedade à Constituição Federal. Havendo, o recurso era
provido. Não havendo, o recurso era improvido. Apesar desta ideal separação de juízos de
admissibilidade e de mérito, o art. 102, III, “a” indicava – e ainda indica – uma sobreposição
de tais juízos, vez que dispõe que o Supremo Tribunal Federal julgará o recurso
extraordinário quando o ato recorrido “contrariar” dispositivo da Constituição, o que, numa
interpretação literal, indica que o recurso somente seria cabível se a contrariedade
efetivamente existisse, logo, nesta hipótese, somente seriam admitidos os recursos que fossem
providos.
E foi desta forma que o Supremo Tribunal Federal decidiu até 2003, quando,
sensível às ponderações de José Carlos Barbosa Moreira157, 158 e 159, o Tribunal pleno, em voto
157 “Note-se que não é homogênea a técnica empregada pelo legislador constituinte nas várias letras do art. 102, nº III. Nas letras b e c (agora, também, na letra d), ele se ateve a uma descrição axiologicamente neutra; a realização do „tipo‟ constitucional não implica de modo necessário que o recorrente tenha razão. Uma decisão pode perfeitamente ser correta e merecer „confirmação‟ apesar de haver declarado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgado válida lei ou ato de governo local contestada em face da Constituição, ou, ainda, julgada válida lei local contestada em face de lei federal. Quer isto dizer que nas letras b, c, e d se usa a técnica bem adequada à fixação de pressupostos de cabimento do recurso extraordinário, isto é, de circunstâncias cuja presença importa para que dele se conheça, mas cuja relevância não ultrapassa esse nível, deixando intacta a questão de saber se ele deve ou não ser provido. Já a letra a, muito ao contrário, a descrição do texto contém um juízo de valor: a decisão que contrarie dispositivo constitucional é decisão, à evidência, incorreta, e como tal merecedora de reforma. Aí, portanto, se ficar demonstrada a realização do „tipo‟, o
61
condutor da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence no RE 298694160, resolveu que: “alteração
da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, se for
para dar-lhe provimento: distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, – para o
qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão
recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados – e o juízo de mérito, que
envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição,
ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso
extraordinário”.
Antes deste julgamento, na expressão de Francisco Cavalcanti Pontes de
Miranda161, havia no Supremo Tribunal Federal encambulhamento162 entre juízo de mérito e
juízo de admissibilidade. Depois do leading case, o STF passou a separá-los mais
nitidamente, admitindo ou inadmitindo os recursos que preenchessem os requisitos gerais de
admissibilidade e provendo ou improvendo respectivamente os recursos acolhidos ou
denegados pelo mérito.
Pois bem, retomando o fio histórico, em 2004, o Supremo Tribunal Federal estava
no auge de outra crise, pois, apesar da divisão de atribuições de 1988, a remessa mensal de
recursos seguia constante ritmo de crescimento. Em função disso, por meio da reforma do
Poder Judiciário realizada pela EC nº 45, de 8-12-2004, criou-se o instituto da repercussão
geral, ou seja, criou-se novo pressuposto de admissibilidade específico dos recursos
recorrente não fará jus ao mero conhecimento, senão ao provimento do recurso. Para empregar a técnica semelhante à das letras b, c e d, deveria o legislador constituinte ter dito na letra a: “quando a decisão recorrida for impugnada sob a alegação de contrariar dispositivo desta Constituição”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2006, p. 591)
158 Teresa Arruda Alvim Wambier aduz na mesma direção: “No que diz respeito ao recurso extraordinário e ao recurso especial, ocorre um fenômeno típico dos recursos com fundamentação vinculada, consiste em que haja certa dose de sobreposição entre o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito. [...] É que seria possível afirmar que, tendo sido admitido um recurso extraordinário ou especial, a estes recursos sempre se teria que dar provimento, já que se teria considerado haver tais ofensas, em admitindo os recursos”. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso extraordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: RT, 2001, p. 173).
159 Cassio Scarpinella Bueno também discorre na mesma linha: “É indiferente, para estes fins, ao contrário do que sugere a redação do dispositivo, que a decisão tenha mesmo contrariado a Constituição Federal. Para fins de cabimento do recuso, basta a alegação, fundamentada suficientemente (v.n. 2,6, capítulo 3), de que se trata de decisão que contraria a Constituição. A efetiva contrariedade é mérito do recurso e não diz respeito, conseqüentemente, a seu cabimento”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva. v.4. 2009, p. 253).
160 RE 298694, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 06-08-2003, DJ 23-04-2004. 161 PONTES DE MIRANDA; Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e outras
decisões. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 153-154. 162 Do verbo encabulhar que, segundo o dicionário Aurélio, significa: “1. Juntar de cambulhada. [Sin. pop.:
encangalhar.] 2. Encambar . 3. Ligar; unir, prender. 4. Enredar-se, enlear-se”.
62 extraordinários. Diz o art. 102, §3º da CF: “No recurso extraordinário o recorrente deverá
demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da
lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela
manifestação de dois terços de seus membros”.
A matéria foi regulamentada163 posteriormente com alterações no Código de
Processo Civil e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Estabeleceu-se no art.
543-A, §1º que “para efeito de repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de
questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem
os interesses subjetivos da causa” com o complemento seguinte no §3º do mesmo artigo no
sentido de que “haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária à
súmula ou jurisprudência dominante do tribunal”.
Ressalvada a hipótese de afronta à súmula, que é uma base objetiva, todos os
demais critérios são tipos abertos, ou seja, são cláusulas gerais ou prescrições de alcance geral
que devem ser preenchidas pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar de escapar aos limites
deste trabalho o enfrentamento das hipóteses de configuração da repercussão geral, em linhas
bem gerais, é necessário registrar que tanto a quantidade de causas com a mesma quaestio
iuris, quanto a importância164 e qualidade (mesmo sem quantidade) da discussão jurídica em
si podem caracterizar a repercussão geral. Para José Manoel de Arruda Alvim Netto165:
“Trata-se de conceito bastante amplo, abrangendo repercussão jurídica, econômica, social e
política: „largo espectro de pessoas, largo segmento social, decisão sobre assunto
constitucional impactante, sobre tema constitucional muito controvertido, em relação à vida, à
liberdade, à federação, à invocação do princípio da proporcionalidade [...] ou, ainda, outros
valores conectados a Texto Constitucional que se alberguem debaixo da expressão
repercussão social.”
163CPC, artigos 543-A e 543-B, acrescidos pela Lei nº 11.418/06; RISTF, artigos 322-A e 328, com a redação da Emenda Regimental nº 21/2007; artigo 328-A, com a redação da Emenda Regimental nº 23/08 e da Emenda Regimental nº 27/2008; artigo 13, com a redação da Emenda Regimental nº 24/2008 e da Emenda Regimental nº 29/2009; artigo 324, com a redação da Emenda Regimental nº 31/2009; Portaria 138/2009 da Presidência do STF; QO-AI 715.423, Min. Ellen Gracie e QO-RE 540.410, Min. Cezar Peluso.
164A esse respeito, Rodrigo Baroni, ao comparar a repercussão geral brasileira com o certiorari norte- americano, diz que “A Rule 10 da Supreme Court norte-americana, utiliza-se das expressões „ important question‟ e „ important matter‟ para representar questões que possam ser apreciadas no writ of certiorari, demonstrando a necessidade de restringir-se o trabalho aos casos que efetivamente mereçam sua atenção”. (BARONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. São Paulo: RT, 2010, p. 219)
165ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues; GOMES JR., Luiz Manoel; FISCHER; Octavio Campos; FERREIRA, William Santos (Coords.). Reforma do judiciário. Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 63.
63
Três objetivos centrais motivaram a criação deste pressuposto de admissibilidade
específico dos recursos extraordinários: o primeiro foi limitar a competência do STF para
julgar as questões que tenham relevância social, política, econômica ou jurídica que
transcendam os interesses subjetivos da causa; o segundo destinou-se, como diz José Rogério
Cruz e Tucci166, a “acelerar a marcha dos recursos nos tribunais superiores”; e o terceiro foi o
de, como consta do site167 oficial do STF, “uniformizar a interpretação constitucional sem
exigir que o STF decida múltiplos casos idênticos sobre a mesma questão constitucional”.
E é exatamente o que circunda este terceiro ponto, que tem ligação direta com o
tema deste trabalho, é que a matéria será de agora em diante enfrentada.
9.2.1. A repercussão geral (CF, art. 102, §3º e art. 543-A da CPC) e o poder-dever
de negar seguimento a todos os recursos extraordinários que versem sobre
matéria idêntica a respeito da qual o Supremo Tribunal Federal já decidiu
pela inexistência de repercussão geral (art. 543-A, §5º do CPC)
Até a regulamentação da repercussão geral, que passou a ser exigida nos recursos
extraordinários interpostos de acórdãos publicados a partir de 03-05-2007 (QO-AI
664.567168), todo e qualquer recurso de competência do STF que preenchesse os pressupostos
gerais de admissibilidade tinha que ser julgado pela Corte.
166 TUCCI. José Rogério Cruz e. O advogado, a jurisprudência e outros temas de processo civil. São Paulo: Quarter Latin, 2010, p. 125.
167Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina= apresentacao>. Acesso em: 22 jul. 2011.
168 “EMENTA: I. Questão de ordem. Recurso extraordinário, em matéria criminal e a exigência constitucional da repercussão geral. 1. O requisito constitucional da repercussão geral (CF, art. 102, § 3º, red. EC 45/2004), com a regulamentação da L. 11.418/06 e as normas regimentais necessárias à sua execução, aplica-se aos recursos extraordinários em geral, e, em conseqüência, às causas criminais. 2. Os recursos ordinários criminais de um modo geral, e, em particular o recurso extraordinário criminal e o agravo de instrumento da decisão que obsta o seu processamento, possuem um regime jurídico dotado de certas peculiaridades - referentes a requisitos formais ligados a prazos, formas de intimação e outros - que, no entanto, não afetam substancialmente a disciplina constitucional reservada a todos os recursos extraordinários (CF, art. 102, III). 3. A partir da EC 45, de 30 de dezembro de 2004 - que incluiu o § 3º no art. 102 da Constituição -, passou a integrar o núcleo comum da disciplina constitucional do recurso extraordinário a exigência da repercussão geral da questão constitucional. 4. Não tem maior relevo a circunstância de a L. 11.418/06, que regulamentou esse dispositivo, ter alterado apenas texto do Código de Processo Civil, tendo em vista o caráter geral das normas nele inseridas. 5. Cuida-se de situação substancialmente diversa entre a L. 11.418/06 e a L. 8.950/94 que, quando editada, estava em vigor norma anterior que cuidava dos recursos extraordinários em geral, qual seja a L. 8.038/90, donde não haver óbice, na espécie, à aplicação subsidiária ou por analogia do Código de Processo Civil. 6. Nem há falar em uma imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário em matéria criminal, porque em jogo, de regra, a liberdade de locomoção: o RE busca preservar a autoridade e a uniformidade da inteligência da Constituição, o que se reforça com a necessidade de repercussão geral das questões
64
A realidade brasileira era, portanto, bem diferente da Suprema Corte americana,
onde o Tribunal tinha – e tem – a discricionariedade de escolher, dentre os recursos a ela
submetidos, os que julga e o que não julga. Como relata Sidnei Agostinho Beneti169: “A rotina
do serviço e o processo de seleção dos casos, de modo discricionário, tornaram possíveis à
Corte vencer a carga de serviço. Recebe ela anualmente cerca de 1500 casos novos, dos quais
julga apenas aproximadamente 150, porque a jurisdição não é obrigatória, mas, sim,
discricionária. A discricionariedade exerce-se mediante a escolha dos casos por intermédio do
Certiorari. Daniel Meador explica: „Com exceções menores, a jurisdição da Corte é
discricionária. Os litigantes pedem à Corte o Writ de Certiorari, solicitando, de fato, à Corte,
que ouça e decida um caso no mérito. A Corte, então, na sua discrição, decide se o faz. Nesse
processo a Corte empresa a „regra dos quatro‟. Se quatro dos nove Juízes desejam conceder o
Writ de Certiorari, o caso será levado à decisão. De outro modo, o Certiorari é denegado, e a
decisão da Corte inferior é deixada em vigor‟ (American Courts, West Publising Co, 1991, p.
27).”
Para mudar este panorama nacional e transformar o Tribunal Constitucional
brasileiro em órgão colegiado de julgamento apenas de grandes questões constitucionais, foi
instituído o filtro denominado de repercussão geral. Com isso, agora de fato, o Supremo
Tribunal Federal se transformou na Corte que tem a missão de apresentar a “fórmula da
constitucionais nele versadas, assim entendidas aquelas que “ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 1º, incluído pela L. 11.418/06). 7. Para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção - por remotas que sejam -, há sempre a garantia constitucional do habeas corpus (CF, art. 5º, LXVIII). II. Recurso extraordinário: repercussão geral: juízo de admissibilidade: competência. 1 . Inclui-se no âmbito do juízo de admissibilidade - seja na origem, seja no Supremo Tribunal - verificar se o recorrente, em preliminar do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação especificamente voltada para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 2º; RISTF, art. 327). 2. Cuida-se de requisito formal, ônus do recorrente, que, se dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, esta sim sujeita “à apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal” (Art. 543-A, § 2º). III. Recurso extraordinário: exigência de demonstração, na petição do RE, da repercussão geral da questão constitucional: termo inicial. 1. A determinação expressa de aplicação da L. 11.418/06 (art. 4º) aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência não significa a sua plena eficácia. Tanto que ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal a tarefa de estabelecer, em seu Regimento Interno, as normas necessárias à execução da mesma lei (art. 3º). 2. As alterações regimentais, imprescindíveis à execução da L. 11.418/06, somente entraram em vigor no dia 03.05.07 - data da publicação da Emenda Regimental nº 21, de 30.04.2007. 3. No artigo 327 do RISTF foi inserida norma específica tratando da necessidade da preliminar sobre a repercussão geral, ficando estabelecida a possibilidade de, no Supremo Tribunal, a Presidência ou o Relator sorteado negarem seguimento aos recursos que não apresentem aquela preliminar, que deve ser “formal e fundamentada”. 4. Assim sendo, a exigência da demonstração formal e fundamentada, no recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007”. (AI 664567 QO, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2007, DJe-096 Public 06-09-2007).
169BENETI, Sidnei Agostinho. O processo na suprema Corte dos Estados Unidos. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 695, ano 82, set., 1993 p. 272.
65
Justiça” de que tratou Benjamin Nathan Cardozo170, ao referir-se à Suprema Corte americana,
verbis: “O tribunal não existe para o litigante individual, mas para o corpo indefinido de
litigantes, cujas causas estão potencialmente envolvidas na causa específica em exame. Os
danos sofridos pelos autores são apenas os símbolos algébricos dos quais o tribunal deve
extrair a fórmula da Justiça”.
Na mesma linha, assim discorreu a Min. Ellen Gracie171: “O instituto da
repercussão geral sobreveio como instrumento para desafogar o Supremo Tribunal Federal e
racionalizar a sua atividade jurisdicional, restringindo o conhecimento dos recursos
extraordinários àqueles que apresentem questão constitucional de tal relevância que sua
solução seja do interesse da sociedade e não apenas das partes.”
Como diz o Min. Luiz Fux172: “O principal escopo prático do instituto consiste na
pretensão de redução do número de processos submetidos à Corte maior, prevendo-se numa
percepção otimista a redução do mesmo para um patamar em torno de 80% (oitenta por
cento), possibilitando a maior dedicação de seus membros à apreciação de causas que
realmente são de fundamental importância para garantir os direitos constitucionais dos
cidadãos.”
Por isso, como explica José Miguel Garcia Medina173, desde a regulamentação do
instituto, o recorrente precisa “demonstrar que o tema constitucional discutido no recurso
extraordinário tem uma relevância que transcende aquele caso concreto, revestindo-se de
interesse geral. Pode-se dizer, desse modo, que, para a admissibilidade do recurso
extraordinário, a questão constitucional dever ser qualificada pela característica indicada no
art. 102, §3º, da Constituição Federal.”
O instituto, em sua substância, guarda semelhança com a arguição de relevância
que já vigorou nos sistema brasileiro entre 1975, quando da emenda do regimento interno do
STF de nº 3 de 75, que, por força do art. 119, parágrafo único, da CF de 1967174 tinha força de
lei, até 1988 com a promulgação da então nova Constituição Federal. Apesar da similitude, a
170CARDOZO, Benjamin Nathan. A natureza do processo e a evolução do direito. Tradução de Lêda Boechat
Rodrigues. São Paulo: Editora Nacional do Direito, 1956, p. 3. 171 Rcl 10793, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2011, Processo Eletrônico DJe -107
Public. 06-06-2011. 172 FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2008, p. 883. 173MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral e outras questões relativas aos
recursos especial e extraordinário. 5.ed. São Paulo: RT, 2009, p. 56. 174 E depois por força do art. 119, §1° da CF de 1967, com redação dada pela emenda constitucional nº 7, de
1977.
66 comparação com a arguição de relevância, tal como prevista originariamente pela ER nº 3, de
1975, demonstra algumas diferenças que podem ser assim sintetizadas. Enquanto:
a) a existência de relevância da questão jurídica deveria ser reconhecida por, pelo
menos, um terço dos Ministros do STF (4 Ministros), atualmente, a inexistência de
repercussão geral deve ser reconhecida por, pelo menos, dois terços dos membros da Corte (8
Ministros).
b) no passado, diante da presunção do RI/STF de irrelevância de todas as questões
jurídicas, a arguição de relevância, se acolhida, possibilitava o julgamento do mérito do
recurso extraordinário, no sistema atual, de outro lado, diante da presunção legal de
repercussão geral, a sua inexistência, se reconhecida, leva ao movimento inverso, vale dizer à
impossibilidade de julgamento do mérito do recurso extraordinário;
c) o reconhecimento relevância da matéria discutida não dependia de decisão
motivada e se tratava de ato discricionário. Nos dias atuais, de outra forma, a decisão de
inexistência de repercussão geral deve ser motivada e pautar-se por critérios legais e
regimentais;
d) o julgamento da arguição de relevância acontecia em sessão reservada, a
deliberação sobre a existência ou não de repercussão geral, de outra banda, deve ser realizado
em sessão pública virtual que, pode, inclusive, ser acompanhada por qualquer interessado
pela internet, no site do STF175.
e) no passado, a arguição de relevância se fazia por incidente próprio, atualmente,
a repercussão geral deve ser demonstrada no corpo do próprio recurso extraordinário, em
preliminar (capítulo destacado).
f) o inciso XI, do art. 325 do RI/STF176 de então prescrevia que era considerada
relevante questão que pudesse ter reflexos na ordem jurídica, a partir da consideração de
aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa; atualmente, o art. 543-A,§1º do
CPC diz que tem repercussão geral as questões que são relevantes do ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos das partes.
175Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/listarProcesso.asp?situacao=EJ>. Acesso em: 25 jul. 2011.
176Duas emendas regimentais trataram do assunto no STF: a ER nº3 de 1975 e depois a ER nº 2, de 1985.
67
Em dados de direito comparado, como relata José Manoel de Arruda Alvim
Netto177: “A repercussão geral acrescenta mais um requisito, prévio: não mais bastará para o
recurso extraordinário a evidência da lesão à CF (acompanhada da sucumbência), senão que,
ainda, é necessário que a apreciação pelo STF seja justificada pelo impacto, pela importância,
pela relevância, pela significação fundamental da questão (Alemanha) ou pela gravidade
institucional (Argentina) abrigada no recurso.”
Pois bem, como já consignado, a preliminar de repercussão geral tem que ser
apresentada no corpo do recurso extraordinário. No tribunal ou turma de origem, quem tiver a
atribuição de fazer o primeiro juízo de admissibilidade analisará apenas se o recurso contém
ou não o tópico destinado a demonstração da repercussão geral. Embora o tribunal de origem
tenha a atribuição de fazer o juízo de valor acerca da presença ou não de todos os requisitos
intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse de recorrer) e extrínsecos (tempestividade,
preparo, regularidade formal e inexistência de fatos extintivos ou impeditivos do direito de
recorrer) não pode fazer juízo de valor quanto à ocorrência ou não da repercussão geral, pois
deve restringir a analisar se a parte alegou ou não a sua caracterização. Vale dizer, tribunal
(ou turma recursal) de origem é absolutamente incompetente para julgar a questão, que, a teor
do art. 543-A, § 2º do CPC, cabe exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal. Assim, como
diz Bruno Dantas178, “o RE poderá ser inadmitido na origem por ausência de qualquer
requisito de admissibilidade, excetuada a repercussão geral das questões discutidas, cujo
exame é privativo do STF”.
Admitido na origem, o recurso será remetido ao STF, onde será realizada a
distribuição e sorteado o relator. Neste ponto, existem posicionamentos divergentes sobre
qual análise de acontecer primeiro: se o da existência de repercussão geral ou se o da presença
dos requisitos gerais de admissibilidade. Quanto ao tema, enquanto Rodolfo de Camargo
Mancuso179 diz que a apreciação da repercussão geral é “cronologicamente antecedente” à
análise dos requisitos tradicionais de admissibilidade porque o art. 102, §3º da CF diz que “o
STF analisa a repercussão geral para admitir ou não o RE”; José Rogério Cruz e Tucci180, de
177ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de direito processual civil. 11.ed. São Paulo: RT, v. 1, 2007, p. 218.
178DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 218.
179 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 185.
180TUCCI. José Rogério Cruz e. O advogado, a jurisprudência e outros temas de processo civil. São Paulo: Quarter Latin, 2010, p. 134.
68 outro lado, diz que: “O relator do recurso extraordinário deve examinar, com precedência,
todos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário. Sendo positivo o
juízo de admissibilidade, só então é que a questão da repercussão geral será levada
primeiramente à apreciação da turma.”
No magistério do Min. Luiz Fux181: “A interpretação sistemática do dispositivo
indica que o recurso extraordinário permanecerá distribuído a um relator que, a seu ver,
poderá analisar todos os requisitos de admissibilidade e a um só tempo, se houver utilidade
em prosseguir na análise do cabimento da repercussão geral, ouvir o denominado amicus
curiae. Isso significa dizer que, apesar de argüida a repercussão geral o recurso necessita
ultrapassar a barreira dos demais requisitos de admissibilidade [...].”
Nem a norma introdutora (CF, art. 102, §3º), nem o CPC tratam de tal questão
claramente. O RISTF, entretanto, prescreve que no art.13, V, „c‟ que é atribuição do
Presidente despachar: “Como Relator, nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do Código de
Processo Civil, até eventual distribuição, os agravos de instrumento, recursos extraordinários
e petições ineptos ou de outro modo manifestamente inadmissíveis, inclusive por
incompetência, intempestividade, deserção, prejuízo ou ausência de preliminar formal e
fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria seja destituída de
repercussão geral, conforme jurisprudência do Tribunal.”
Esse dispositivo parece deixar claro que em primeiro lugar deve haver a análise
dos pressupostos gerais de admissibilidade, inclusive, com a possibilidade de decisão
monocrática para parte do próprio Presidente. Acresça-se a isso que o art. 323 do RISTF diz
que “Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a)
ou o Presidente submeterá, por meio eletrônico, aos demais ministros, cópia de sua
manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral”. Portanto, somente se constada
a presença dos requisitos gerais de admissibilidade pelo Presidente e, depois pelo relator, é
que o exame colegiado da existência ou não da repercussão geral será realizado.
É que, com a devida vênia, não faz qualquer sentido a Corte deliberar sobre a
existência ou não da repercussão geral se o recurso é, por exemplo, intempestivo. A análise da
tempestividade, assim como os demais requisitos gerais, deve ser prévia. Na mesma direção é
181 FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, , v. 1, 2009, p. 891.
69
a doutrina de Cassio Scarpinella Bueno182 quando afirma que “é mister, antes, a identificação
de que haja „questão constitucional‟ apta a ser reexaminada pelo Supremo Tribunal Federal, e
somente depois da constatação de que aquela mesma „questão constitucional‟ oferece
repercussão geral para os fins do §3º do art. 102 da Constituição Federal”.
No STF, também como registrado, se pelo menos 4 (quatro) Ministros votarem
pela existência da repercussão geral, o requisito já estará preenchido, afinal, na forma o
art.102, §3º da CF, a recusa a presunção legal depende de 8 (oito) votos do total de 11 (onze)
Ministros da Corte. Vale frisar: a regra é a da existência de repercussão geral de todas as
questões constitucionais. O inverso é exceção cujo reconhecimento depende de deliberação
por quórum altamente qualificado, equivalente ao exigido para aprovar, revisar ou cancelar de
súmulas vinculantes (art. 103-A da CF).
Como a deliberação sobre a existência ou não da repercussão geral tem efeitos
pan-processual, o relator poderá – na verdade, deverá – admitir a participação de terceiros
(amicus curiae) que poderão subsidiar a Corte com fundamentos para o correto julgamento da
questão. O ideal é que o relator tome a iniciativa de oficiar a pessoas, órgãos ou entidades
cujas atribuições institucionais tenham pertinência temática com a questão jurídica em
julgamento, dando-lhes conhecimento da iminente deliberação sobre a repercussão geral e
facultando-lhes prazo para que, na condição de amicus curiae, ofereçam subsídios à perfeita
compreensão da controvérsia. É hipótese de contraditório institucionalizado que legitima o
procedimento de formação do precedente forte, cujos efeitos se espraiam para todos os casos
iguais.
É que, como explica Cassio Scarpinella Bueno183: “A previsão de eficácia futura
para casos idênticos da decisão que reconhece a inexistência de repercussão geral, constitui
fator suficiente para que o maior número possível de „interessados‟ possa manifestar-se
perante aquela Corte em busca da mais adequada definição do que se amolda e daquilo que
não se amolda naquela expressão.”
Pois bem, julgada a questão e reconhecida a repercussão geral, o mérito do
recurso será julgado. De outro lado, afastado o reconhecimento da repercussão geral o recurso
182BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva. v. 5, 2008, p. 259.
183BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 626-627.
70
será inadmitido e, na forma do art. 543-A, §5º do CPC184, tal entendimento “valerá para todos
os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese”.
Por outras palavras, todo e qualquer recurso extraordinário subsequente que
contiver matéria suficientemente igual àquela sobre a qual o Supremo Tribunal Federal já
pronunciou a inexistência de repercussão geral serão indeferidos liminarmente no próprio
tribunal (ou turma) de origem185, ou, caso isto não aconteça, pelo Presidente do STF, na forma
do art. 13, V, „c‟186 reafirmado pelo caput do art. 327187 do RISTF, ou, em último caso, pelo
relator, na forma do §1º188 do art. 327 do RISTF.
Isto, portanto, demonstra que também no particular é necessário recorrer aos
critérios de comparação de causas iguais já abordados neste trabalho e assim enaltecidos por
José Manoel de Arruda Alvim Netto189: “A expressão „matéria idêntica‟ a que se refere o §5º
do art. 543-A do CPC, para ser corretamente entendida, pode, ou deve, levar em consideração
o que sejam ratio decidendi e obiter dicta. Valer dizer, haver-se-á de identificar a questão
central, nuclear, que há de ser idêntica ou a mesma, no caso já apreciado pelo STF e existente
nos demais recursos, independentemente da extensão e da variedade da argumentação. A ratio
decidendi responde ao núcleo, à essência de uma controvérsia, ao passo que os obiter dicta
são considerações não integrantes de uma resposta a esse núcleo ou a essa essência.”
Contra a decisão que negar seguimento ao recurso extraordinário por incidência
do §5º do art. 543-A do CPC, isto é, sob o argumento de que em precedente o STF já realizou
juízo negativo de existência de repercussão geral, somente poderá questionar tal decisão numa
184 A previsão é reafirmada no RISTF da seguinte forma: “Art. 326. Toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para todos os recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada, pelo(a) Relator(a), à Presidência do Tribunal, para os fins do artigo subseqüente e do artigo 329”.
185 Como diz Arruda Alvim: “A tarefa local é, exclusivamente, a de estabelecer identidade entre o paradigma tido sem repercussão geral e aos demais casos, também desvestidos de repercussão geral”. (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de direito processual civil. 11.ed. São Paulo: RT, v. 1, 2007, p. 222)
186 Art.13 do RISTF. São atribuições do Presidente: [...] V – despachar: [...] “c) como Relator, nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do Código de Processo Civil, até eventual distribuição, os agravos de instrumento, recursos extraordinários e petições ineptos ou de outro modo manifestamente inadmissíveis, inclusive por incompetência, intempestividade, deserção, prejuízo ou ausência de preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria seja destituída de repercussão geral, conforme jurisprudência do Tribunal”.
187 “Art. 327 do RISTF. A Presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão”.
188 “Art. 327 do RISTF. ... § 1º Igual competência exercerá o(a) Relator(a) sorteado(a), quando o recurso não tiver sido liminarmente recusado pela Presidência”.
189 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Manual de direito processual civil. 11.ed. São Paulo: RT, v. 1, 2007, p. 222.
71 situação: quando alegar que seu caso é distinto do precedente do STF. Neste caso, conforme
decidido pelo STF na Questão de Ordem no AI 760358190, a parte não poderá interpor o
agravo previsto no art. 544 do CPC, porque, segundo a Corte Suprema, tal autorização
resultaria no descumprimento de um dos objetivos da EC nº 45/2004 e da Lei 11.418/2006,
que, como dito, é o de evitar que o Tribunal Constitucional seja obrigado a decidir repetidas
vezes a mesma matéria. A parte também não poderá diretamente ingressar com Reclamação
por usurpação da competência do STF (CF, art. 102, l, „I ‟) porque o “filtro da repercussão
geral perderia sua razão de ser se se admitisse que os recursos sobrestados ou mantidos no
tribunal de origem fossem, por via transversa, remetidos ao Supremo, depois de já definida a
questão da repercussão geral”191. Em tal circunstância, caberá o agravo interno, dirigido ao
190“EMENTA: Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543 -B, do CPC, aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito das matérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem. (AI 760358 QO, Relator: Min. Gilmar Mendes (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-227 DIVULG 02-12-2009 PUBLIC 03-12-2009 REPUBLICAÇÃO: DJe-030 DIVULG 18- 02-2010 PUBLIC 19-02-2010). O STJ adotou posicionamento idêntico: “QUESTÃO DE ORDEM. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. EXEGESE DOS ARTS. 543 E 544 DO CPC. AGRAVO NÃO CONHECIDO. Não cabe agravo de instrumento contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543, § 7º, inciso I, do CPC. Agravo não conhecido”. (QO no Ag 1154599/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, julgado em 16/02/2011, DJe 12/05/2011)
191“RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336- RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA. 1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF 727. 2. O Plenário desta Corte decidiu, no julgamento da Ação Cautelar 2.177-MC-QO/PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil. 3. Fora dessa específica hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o Supremo Tribunal Federal. 4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor agravo interno perante o Tribunal de origem. 6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco. 7. Não-conhecimento da presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida. 8. Determinação de envio dos autos ao Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno. 9. Autorização concedida à Secretaria desta Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação”. (Rcl 7569, Relator: Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-232 Public 11-12-2009); “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não é cabível a reclamação para
72 próprio tribunal ou turma de origem. Para obter a admissão do recurso, caberá ao agravante
demonstrar que a decisão fundada no §5º do art. 543-A do CPC está equivocada porque seu
processo trata de tema diferente do precedente que motivou a negativa de seguimento. A parte
deverá demonstrar que há uma particularidade relevante que diferencia, que individualiza,
que, enfim, o distingue o caso (é denominado distinguishing do common law). Pois bem,
provido o agravo interno, o recurso extraordinário será admitido. Improvido, se manterá a
negativa de seguimento.
Ressalvadas essa hipótese, a decisão do STF pela inexistência de repercussão
geral tem efeito vinculante e impede a remessa de todos os recursos extraordinários
subsequentes para a Corte Constitucional. Somente nos casos de alterações econômicas,
políticas ou sociais importantes ou ainda em função da alteração da lei192 é que se admitirá a
revisão da tese firmada, o que deve ser acompanhado de modulação temporal dos efeitos da
virada da jurisprudência. Nesses casos especiais deve ser admitida a revisão da tese, por meio
de um procedimento de revisão previsto no §5º do art. 543-A, do CPC e no art. 327 do
RI/STF.
No projeto de novo CPC (PLS nº 166/2010/PL nº 8046/2010), a regra do §5º do
art. 543-A do CPC em vigor é repetida ipsis litteris no §4º do art. 989.
Portanto, a repercussão geral tem ligação com o tema central deste trabalho no
juízo negativo de admissibilidade dos recursos extraordinários, sendo certo que a correta
aplicação do art. 543-A, §5º do CPC, permite, a partir da observância do precedente forte, o
tratamento igualitário perante a lei.
9.2.2. A teoria da objetivação do recurso extraordinário; a suspensão da execução,
no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva
do Supremo Tribunal Federal realizada pelo Senado Federal (art. 52, X da
CF) e a dispensa de julgamento pelo plenário ou órgão especial (parágrafo
único do art. 481 do CPC)
corrigir eventual equívoco na aplicação da repercussão geral pela Corte de origem. II – Agravo improvido”. (Rcl 11250 AgR, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2011, Processo Eletrônico DJe-125 Public 01-07-2011)
192 São exemplos de revisão de decisão anterior de inexistência de repercussão geral os seguinte precedentes: RE 614232 AgR-QO-RG, Relatora: Min. Ellen Gracie, julgado em 20/10/2010, DJe-043 Public 04-03-2011; RE 614406 AgR-QO-RG, Relatora: Min. Ellen Gracie, julgado em 20/10/2010, DJe-043 Public 04-03-2011.
73
Para abordar este tópico, em primeiro lugar, é necessário fazer uma breve
revisitação das formas de controle de constitucionalidade cabíveis no sistema brasileiro.
É possível o controle concentrado (ou abstrato) e o controle difuso (ou concreto).
O controle concentrado (principaliter) é o realizado exclusivamente pelo Supremo
Tribunal Federal (art. 102, I, „a‟ da CF), por meio de ação direta de inconstitucionalidade,
ação declaratória de constitucionalidade, ação de descumprimento de preceito fundamental ou
ação de inconstitucionalidade por omissão. Uma vez proclamada a inconstitucionalidade ou a
constitucionalidade de lei ou ato normativo por qualquer destas vias – os denominados
processos objetivos ou sem sujeitos – o resultado têm eficácia erga omnes e efeito vinculante,
conforme previsão do art. 28 da Lei 9.868/1999; art. 10, §3º da Lei 9.882/1999 e, sobretudo,
do §2º do art. 102 da Constituição Federal.
O controle difuso (incidenter tantum), de outro lado, pode ser realizado pelo
Supremo Tribunal Federal e, também, por juízes de 1º grau, tribunais de 2º grau e por outros
tribunais superiores. Reconhecida a inconstitucionalidade, de regra, o resultado terá eficácia
apenas inter partes. Excepcionalmente, se a inconstitucionalidade for declarada pelo Supremo
Tribunal Federal pela via do recurso extraordinário – portanto, em processo subjetivo ou com
sujeitos –, poderá se atribuir eficácia erga omnes se o Senado Federal, depois de comunicado
do resultado do processo pelo Presidente da Corte Constitucional, exercer a opção política de,
com base no art. 52, X, da Constituição Federal, editar resolução suspendendo – na verdade,
extirpando193 do sistema – a eficácia da lei ou ato normativo tido por inconstitucional.
Acontece que, como explica Rodolfo de Camargo Mancuso194: “vem ganhando
corpo entendimento de que, por não se registrar uma diferença substancial entre esse tipo de
controle e o que resulta do regime concentrado/direto, pode o STF imprimir eficácia
expansiva extra-autos à decisão no bojo do recurso extraordinário que reconhece a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, a tese chamada objetivação do recurso
extraordinário.”
Por outras palavras, o Supremo Tribunal Federal, com grande frequência, tem
proclamado que os resultados dos processos objetivos e subjetivos julgados pela Corte
193 Nesse sentido: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6.ed. São Paulo: RT, 2007, v. 16, p. 407.
194MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 116.
74 Constitucional indistintamente teriam eficácia erga omnes e efeito vinculante, vale dizer,
teriam o mesmo peso.
Pronunciamento nesse sentido ocorreu, por exemplo, por ocasião do julgamento
da Reclamação 4.335/AC. Conforme Informativo nº 463 do STF, os Ministros Gilmar
Mendes e Eros Grau votaram pelo acolhimento da reclamação por entenderem que juiz de 1º
grau estaria vinculado ao resultado do controle difuso de constitucionalidade, mesmo sem
resolução do Senado Federal. Veja-se, pois, o resumo do Informativo nº 463195 do STF: “O
Tribunal retomou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da
Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de
progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente
fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à
autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a
inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime a
condenados pela prática de crimes hediondos - v. Informativo 454. O Min. Eros Grau, em
voto-vista, julgou procedente a reclamação, acompanhando o voto do relator, no sentido de
que, pelo art. 52, X, da CF, ao Senado Federal, no quadro de uma verdadeira mutação
constitucional, está atribuída competência apenas para dar publicidade à suspensão da
execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal, haja vista que essa decisão contém força normativa bastante para
suspender a execução da lei.”
É bem verdade que esse julgamento ainda não foi concluído, mas, como visto, há
dois votos no sentido da teoria da objetivação do recurso extraordinário.
Em sede doutrinária o Min. Gilmar Ferreira Mendes196 já defendeu que: “A
natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos seus
procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece
legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direito e no
controle incidental. Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o
Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle
195Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo463.htm#Reclamação:% 20Cabimento%20e%20Senado%20Federal%20no%20Controle%20da%20Constitucionalidade%20-%205. Acesso em: 25 jul. 2011.
196 MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, n. 162, ano 41, abr./jun., 2004, p. 164.
75 incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias
decisões legislativas que reconhecem efeito transcendente às decisões do STF tomadas em
sede de controle difuso. Esse conjunto de decisões judiciais e legislativas revela, em verdade,
uma nova compreensão do texto constitucional no âmbito da Constituição de 1988. É possível
sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da
completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, na nova compreensão que se
conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988.”
Na linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal, Luiz Guilherme
Marinoni197 sustenta que o “irreversível” processo de objetivação do controle concreto da
constitucionalidade: “Funda-se unicamente na forma peculiar dessas decisões, oriunda de
local privilegiado em que o Supremo está localizado no sistema brasileiro de distribuição da
justiça. Assim, a eficácia vinculante das decisões do Supremo nada tem a ver com a
comunicação do Senado, certamente ilógica e desnecessária para tal fim. Ora, no controle
difuso, a lei declarada inconstitucional continua a existir, ainda que em estado latente. A
comunicação é feita apenas para permitir ao Senado, em concordando com o Supremo
Tribunal Federal, suspender a execução do ato normativo. A não concordância daquele em
nada interfere sobre a eficácia vinculante da decisão deste. Trata-se de planos distintos.”
Essa corrente de pensamento que prega a tese chamada objetivação do recurso
extraordinário é movimento similar ao que já aconteceu no Brasil nos anos 70198. Na ocasião,
a Procuradoria-Geral da República (art. 119, I, „l ‟199, da EC Nº 1, 17-10-1969 e art. 174,
197MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: RT, 2010, p. 84. 198 Discussões em torno do papel do Senado Federal no exercício da competência atualmente prevista no ar. 52,
X, da CF/88 sempre existiram. Como informa Sérgio Sérvulo da Cunha, durante a vigência da Constituição de 1946 discutia-se “se o Senado era jungido pela decisão do Supremo Tribunal Federal e se era homologatório o ato que praticasse. É magnífica, a propósito, a lição de Alimoar Baleeiro: „O que sustento é que o Senado tem o direito de dar ou não dar a suspensão de lei impugnada como inconstitucional. Pode fazê-lo, para observar se o Supremo Tribunal se estabiliza na matéria e vem a ter uma jurisprudência predominante sobre ela. Não podemos negar que, na história do Supremo Tribunal, a respeito de inúmeras teses, a sua jurisprudência tem vacilado, e encontramos, às vezes, num espaço pequeno de tempo, decisões declarando que tal lei é inconstitucional e outra, que é constitucional, acerca de vários problemas... O Senado tem o direito, mesmo depois da Súmula, de esperar que se pacifique, que afinal se tranqüilize o entendimento do Supremo Tribunal; porque pode acontecer que passe a resolução numa tarde e, nessa mesma tarde, resolva o Supremo que aquela lei, que era inconstitucional, seja constitucional... pode, também, não fazer nada, cruzar os braços, deixar a matéria em ponto morto, que nada lhe acontece, porque não há sanção para a sua resistência‟” (CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 79).
199“Art. 119 da EC Nº 1, 17-10-1969. Compete ao Supremo Tribunal Federal: I - processar e julgar originariamente; [...] l) a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual;”
76
caput200, do RI/STF/1970) ostentava o monopólio para a propositura da antiga representação
de inconstitucionalidade. O resultado de tal processo objetivo tinha eficácia erga omnes
apenas a partir do entendimento201 do próprio Supremo Tribunal Federal. Sobre o assunto,
colhe-se o voto condutor do Min. Moreira Alves, na Representação nº 1.016-3/SP202: “Para a
defesa de relações jurídicas concretas em face de leis ordinárias em desconformidade com as
Constituições vigentes na época em que aqueles entraram em vigor, há a declaração de
inconstitucionalidade incidenter tantum, que só passa em julgado para as partes em litígio
(conseqüência estritamente jurídica), e que só tem eficácia erga omnes se o Senado Federal
houver por bem (decisão de conveniência política) suspendê-la no todo ou em parte. Já o
mesmo não ocorre com referência a declaração de inconstitucionalidade obtida em
representação, a qual passa em julgado erga omnes, com reflexos sobre o passado (a nulidade
opera ex tunc), independentemente da atuação do Senado, por se tratar de decisão cuja
conveniência política do processo de seu desencadeamento se fez a priori, a que se impõe,
qualquer que sejam as conseqüências para as relações jurídicas concretas, pelo interesse
superior da preservação do respeito à Constituição que preside à ordem jurídica vigente.”
Portanto, naquele momento histórico, o Supremo Tribunal Federal pregava que
suas decisões em controle concentrado (principaliter), independentemente da resolução do
Senado Federal, tinham eficácia erga omnes.
Foi, contudo, somente em 17-3-1993, com a promulgação da EC nº 3, que a
eficácia defendida há muitos anos pelo Supremo Tribunal Federal foi positivada
especificamente para as ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal no §2º ao art. 102, da Constituição Federal que diz: “As decisões definitivas de mérito,
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de
lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo”.
200 “Art. 174 do RI/STF/1970 – O Procurador-Geral da República poderá submeter ao Tribunal o exame de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que este declare a sua inconstitucionalidade”.
201 O art. 180 do RI/STF/1970 prescrevia que “Declarada a inconstitucionalidade, no todo ou em parte, o Presidente do Tribunal, imediatamente, a comunicará aos órgãos interessados, e, transitado em julgado o acórdão, remeterá cópia autêntica da decisão ao Presidente do Senado Federal, no caso do art. 42, VII, da Constituição”. O art. 42, VII da Constituição, de sua vez, dizia que “Art. 42 da EC Nº 1, 17-10-1969. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] VII - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto, declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;”
202 Rp 1016, Relator: Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/1979, DJ 26-10-1979.
77
Mais adiante, em 1999, o parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868 de 10-11-1999,
que regulamentou tanto a ação declaratória de constitucionalidade quanto a ação declaratória
de inconstitucionalidade, estendeu a eficácia erga omnes e o efeito vinculante a todas as ações
ao dispor que: “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a
interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem
redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do
Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”.
No mesmo ano, o art. 10, §3º, da Lei 9.882, de 3-12-1999, que regulamenta a ação
de descumprimento de preceito fundamental, também passou a prescrever que: “Julgada a
ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos
questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito
fundamental. [...] § 3º A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente
aos demais órgãos do Poder Público.”
Foi, no entanto, apenas em 2004, com a promulgação da EC nº 45, que a eficácia
erga omnes e o efeito vinculante ganharam status constitucional para todos os processos
objetivos, diante da nova redação do §2º do art. 102, da Constituição Federal que diz: “§ 2º
As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações
diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal.”
Este resgate histórico quer demonstrar que, seguindo a lógica de acontecimentos
do passado, a teoria da objetivação do recurso extraordinário, fundada no argumento central
de que a EC nº 45/2004 teria realizado mutação constitucional e dado novo sentido à regra do
art. 52, X, da Constituição Federal, é o prenuncio de que no futuro, alteração legislativa
possivelmente instituirá, de forma efetiva, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante aos
julgados de recursos extraordinários pelo Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, tal como as normas estão postas atualmente, por mais que se acredite
que os precedentes da Corte Constitucional devam inexoravelmente ser seguidos por todos os
órgãos que estiverem abaixo na pirâmide do Poder Judiciário brasileiro, não se pode
78 concordar com a equivalência, em termos de eficácia e efeito, dos acórdãos do controle
concentrado de constitucionalidade com os do controle difuso.
No atual mosaico legislativo, não é possível simplesmente desconsiderar o
comando do art. 52, X, da Constituição Federal que está hígido no ordenamento jurídico. A
competência privativa outorgada na Carta da República ao Senado Federal, que vem sendo
repetida desde 1934 nas sucessivas constituições brasileiras, não é apenas a de dar publicidade
à deliberação prévia do Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário. A publicidade
de tais atos se dá, por ordem da própria Corte Constitucional, por meio do Diário da Justiça,
independentemente de qualquer ato do Senado Federal. O papel do legislativo neste caso, na
verdade, é muito maior. Exerce a função de controle político da exclusão de uma regra
jurídica que antes fora criada pelo Poder Legislativo (art. 59 da CF/1988) e referendada pelo
Poder Executivo, que, quando da sanção, não apôs veto (art. 66, §1º da CF/1988). É função
que faz parte do sistema de freios e contrapesos dos poderes da República.
Acresça-se a isso que desconsiderar o papel do Senado Federal importa em
equiparar a representatividade do recorrente em um processo subjetivo, que pode ser um
cidadão comum, àquela outorgada, mediante especial seleção legislativa, aos legitimados para
promover processos objetivos. Se toda e qualquer decisão do STF tem eficácia erga omnes e
efeito vinculante, como sustentam os defensores da teoria da objetivação do recurso
extraordinário, qual a razão de tanto rigor da própria Corte Constitucional na apuração da
pertinência temática do autor do processo objetivo com a questão submetida em juízo? De
duas uma: ou se apresenta uma razão plausível para a dicotomia na forma de controle de
constitucionalidade do sistema brasileiro ou, desde logo, se atribui a qualquer cidadão a
legitimidade ativa para promover ADI, ADC, AIO e ADPF.
No sistema atual, a única maneira que o Supremo Tribunal Federal tem para, a
partir do resultado de processos subjetivos, atribuir eficácia erga omnes e efeito vinculante
sem a edição de resolução pelo Senado Federal (art. 52, X da CF) é mediante a aprovação de
enunciados de súmula vinculante.
Nesse sentido, aliás, foi o voto divergente do Min. Sepúlveda Pertence por
ocasião do julgamento da Reclamação 4335/AC. Na ocasião, conforme informativo nº 463 do
79
STF203, Sua Excelência consignou que mesmo diante do pronunciamento do plenário do
Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade “não se poderia, a partir
daí, reduzir-se o papel do Senado, que quase todos os textos constitucionais subseqüentes a
1934 mantiveram. Ressaltou ser evidente que a convivência paralela, desde a EC 16/65, dos
dois sistemas de controle tem levado a uma prevalência do controle concentrado, e que o
mecanismo, no controle difuso, de outorga ao Senado da competência para a suspensão da
execução da lei tem se tornado cada vez mais obsoleto, mas afirmou que combatê-lo, por
meio do que chamou de „projeto de decreto de mutação constitucional‟, já não seria mais
necessário. Aduziu, no ponto, que a EC 45/2004 dotou o Supremo de um poder que,
praticamente, sem reduzir o Senado a um órgão de publicidade de suas decisões, dispensaria
essa intervenção, qual seja, o instituto da súmula vinculante.”
O Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Min. Luiz Fux204
também já aplicou esta mesma solução jurídica, verbis: “O sistema de controle de
constitucionalidade das leis adotado no Brasil implica assentar que apenas as decisões
proferidas pelo STF no controle concentrado têm efeitos erga omnes. Consectariamente, a
declaração de inconstitucionalidade no controle difuso tem eficácia inter partes. Forçoso,
assim, concluir que o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei instituidora do tributo
pelo STF só pode ser considerado como termo inicial para a prescrição da ação de repetição
do indébito quando efetuado no controle concentrado de constitucionalidade, ou, tratando-se
de controle difuso, somente na hipótese de edição de resolução do Senado Federal, conferindo
efeitos erga omnes àquela declaração (CF, art. 52, X).”
Na mesma direção é o entendimento de Fábio Martins de Andrade205 quando diz
que: “A edição da súmula vinculante poderá ser considerada como uma espécie de „substituta‟
da resolução do Senado Federal, que atribui efeito vinculante e eficácia erga omnes à decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal, quando suspende total ou parcialmente a execução
de lei declarada inconstitucional, consoante dispõe o art. 52, inciso X, da Constituição da
203 Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo463.htm# Reclamação :%20Cabimento%20e%20Senado%20Federal%20no%20Controle%20da%20Constitucionalidade%20-%205>. Acesso em: 25 jul. 2011.
204AgRg no REsp 511279/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18-03-2004, DJ 10-05- 2004, p. 173.
205ANDRADE Fábio Martins de. Comentários sobre a regulamentação da súmula com efeito vinculante: EC n° 45/2004 e Lei n° 11.417, de 19.12.2006. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 44, n. 174, abr./jun., 2007, p. 61-62.
80 República. É que a súmula com efeito vinculante somente terá sentido lógico se for editada
antes de eventual resolução do Senado Federal.”
Tudo isto demonstra que apesar do peso e da notória autoridade de todo e
qualquer pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, a eficácia erga omnes e o efeito
vinculante dependem de autorização legislativa expressa, o que, até o momento, ainda não
existe. Mesmo os julgamentos realizados na sistemática atual, com prévio reconhecimento da
repercussão geral, não existe o efeito vinculante efetivo, pois, diferentemente das súmulas
vinculantes, não há disposição constitucional ou legal nesse sentido. Em outras palavras, não
existe norma que obrigue, incondicionalmente, os demais juízes a decidir da mesma maneira
que o STF. Existe, sim, aquilo que o Min. Gilmar Mendes206 nominou de efeito vinculante
virtual, que emana do procedimento de formação do precedente forte, da posição e do
prestígio da Corte Constitucional, bem assim da necessidade de tratamento igualitário perante
a lei (art. 5º, II, da CF).
Este tema foi objeto de emblemático julgamento recente do STF, nos autos da
Reclamação 10793/SP207, onde, em voto condutor da Min. Ellen Gracie a Corte decidiu que
206 Em voto no RE 363852, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 03 -02-2010, DJe 22-04- 2010.
207 O acórdão está assim ementado: 1. As decisões proferidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário na solução, por estes, de outros feitos sobre idêntica controvérsia. 2. Cabe aos juízes e desembargadores respeitar a autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal tomada em sede de repercussão geral, assegurando racionalidade e eficiência ao Sistema Judiciário e concretizando a certeza jurídica sobre o tema. 3. O legislador não atribuiu ao Supremo Tribunal Federal o ônus de fazer aplicar diretamente a cada caso concreto seu entendimento. 4. A Lei 11.418/2006 evita que o Supremo Tribunal Federal seja sobrecarregado por recursos extraordinários fundados em idêntica controvérsia, pois atribuiu aos demais Tribunais a obrigação de os sobrestarem e a possibilidade de realizarem juízo de retratação para adequarem seus acórdãos à orientação de mérito firmada por esta Corte. 5. Apenas na rara hipótese de que algum Tribunal mantenha posição contrária à do Supremo Tribunal Federal, é que caberá a este se pronunciar, em sede de recurso extraordinário, sobre o caso particular idêntico para a cassação ou reforma do acórdão, nos termos do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil. 6. A competência é dos Tribunais de origem para a solução dos casos concretos, cabendo-lhes, no exercício deste mister, observar a orientação fixada em sede de repercussão geral. 7. A cassação ou revisão das decisões dos Juízes contrárias à orientação firmada em sede de repercussão geral há de ser feita pelo Tribunal a que estiverem vinculados, pela via recursal ordinária. 8. A atuação do Supremo Tribunal Federal, no ponto, deve ser subsidiária, só se manifesta quando o Tribunal a quo negasse observância ao leading case da repercussão geral, ensejando, então, a interposição e a subida de recurso extraordinário para cassação ou revisão do acórdão, conforme previsão legal específica constante do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil. 9. Nada autoriza ou aconselha que se substituam as vias recursais ordinária e extraordinária pela reclamação. 10. A novidade processual que corresponde à repercussão geral e seus efeitos não deve desfavorecer as partes, nem permitir a perpetuação de decisão frontalmente contrária ao entendimento vinculante adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Nesses casos o questionamento deve ser remetido ao Tribunal competente para a revisão das decisões do Juízo de primeiro grau a fim de que aquela Corte o aprecie como o recurso cabível, independentemente de considerações sobre sua tempestividade. 11. No caso presente tal medida não se mostra necessária. 12. Não-conhecimento da presente reclamação.” (Rcl 10793, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2011, Processo Eletrônico DJe-107 Public. 06-06-2011). No mesmo sentido: Rcl 9471 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes,
81 embora os acórdãos proferido em Recurso Extraordinário (processo subjetivo) teria, sim,
efeito vinculante, mas, paradoxalmente, não seria cabível Reclamação contra as decisões que
desrespeitassem tal entendimento.
Como a Corte decidiu que não teria cabimento a reclamação, implicitamente,
também decidiu que o efeito vinculante no resultado de processos subjetivos208, é virtual, mas
não efetivo. Exerce, portanto, enorme influência, mas não poder. Desempenha papel
persuasivo no grau máximo, mas não impõe vinculação. O poder de vincular, no sistema
posto, se restringe às súmulas vinculantes (art. 103-A da CF); ao resultado dos processos
objetivos (art. 102, §2º da CF; art. 28 da Lei 9.868, de 10-11-1999 e art. 10, §3º da Lei 9.882,
de 3-12-1999); à decisão de inexistência de repercussão geral (CPC, art. 543-A, §5º e art. 543-
B, §2º); e, para o processo originário específico, o resultado do incidente de uniformização da
jurisprudência (CPC, art. 478).
Segunda Turma, julgado em 29/06/2010, DJe-149 Public 13-08-2010; Rcl 11250 AgR, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2011, processo eletrônico DJe-125 Public 01-07-2011; Rcl 7569, Relatora: Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-232 Public 11-12-2009; Rcl 7547, Relator: Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-232 Public 11-12-2009.
208 Nessa linha: “2. Alegação de ofensa às decisões proferidas nos Recursos Extraordinários 346.084/PR, 357.950/RS, 358.273/RS e 390.840/MG. Tais precedentes não possuem efeito vinculante e eficácia erga omnes, e nelas as reclamantes não figuraram como partes”. (Rcl 8364 AgR, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 02-03-2011, Public 28-03-2011). Pelo conteúdo da liminar em reclamação, embora ainda não decidida pelo mérito até a consulta realizada em 21-08-2011, parece ser oposto o entendimento do Min. Joaquim Barbosa: “DESPACHO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada por IBM Brasil Indústria, Máquinas e Serviços LTDA. contra decisão proferida pelo juiz do trabalho da 12ª Vara do Trabalho de Campinas/SP, que, nos autos de reclamação trabalhista (processo 0172700-91.2007.5.15.0131), determinou o pagamento de créditos trabalhistas, em caráter subsidiário, tendo em vista que a devedora principal se encontra em processo de falência. A requerente sustenta a ofensa ao decidido por esta Corte no RE 583.955, rel. min. Ricardo Lewandowski, Dje 27.08.2009, que teve sua repercussão geral reconhecida. Afirma que a responsabilidade subsidiária surge, apenas, quando esgotadas todas as tentativas de obter o valor do crédito junto ao devedor principal. E, no caso, tendo em vista que a devedora principal encontra-se em processo de falência, o crédito contra ela existente deve ser inscrito no quadro-geral de credores e, somente após a configuração inequívoca da inadimplência, ser executada a devedora subsidiária. Por esta razão, sustenta que a justiça do trabalho não é competente para processar e julgar a execução dos referidos créditos trabalhistas. Requer a concessão de medida liminar, para que seja determinada a suspensão do processo em curso perante a 12ª Vara do Trabalho de Campinas, até a decisão final na presente reclamação. No mérito, requer a procedência do pedido. As informações foram prestadas (petição 0056381/2010). É o breve relato. Decido. Nessa análise preliminar, própria das cautelares, parece -me que a decisão reclamada vai de encontro ao decidido por esta Corte no RE 583.955, rel. Min. Ricardo Lewandowski, repercussão geral reconhecida, em que se decidiu que uma vez decretada a falência, a execução de crédito trabalhista deve ser processado perante o juízo falimentar. Por outro lado, o periculum in mora consiste na possibilidade de levantamento do valor depositado para garantia do juízo, tendo em vista que os embargos à execução opostos pela ora reclamante não foram conhecidos, conforme informações prestadas pelo juiz do trabalho. Assim, e reservando-me o direito a uma análise mais detida do caso quando do julgamento do mérito, defiro a medida liminar, para suspender o trâmite da execução trabalhista 0172700 - 91.2007.5.15.0131, até o julgamento final da presente reclamação. Comunique-se. Publique-se. Abra-se vista ao procurador-geral da República”. (Rcl 10617 MC, Relator: Min. Joaquim Barbosa, julgado em 13-10-2010, Public 20-10-2010).
82
Ademais, não é possível equiparar o resultado de um processo subjetivo com o
efeito de uma súmula vinculante, pois, na forma do art. 103-A da CF, está pressupõe
reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria constitucional.
Assim, independentemente da validade ou não da teoria da objetivação do
recurso extraordinário, é certo que as deliberações do Supremo Tribunal Federal devem ser
respeitadas porque são da mais alta Corte do país. Vale recordar, no sistema da common law,
não existe qualquer regra escrita prescrevendo que os precedentes da Suprema Corte
americana são vinculantes. Existe, sim, uma tradição milenar nesse sentido. E o Brasil,
acredita-se, está numa fase de fortalecimento da cultura da observância dos precedentes.
Apesar, portanto, da decisão de inconstitucionalidade em controle difuso não ter
efeito vinculante efetivo antes da resolução do Senado Federal, é certo que tão logo prolatada,
produz resultado no sentido de acelerar e desburocratizar julgamentos futuros sobre a mesma
questão nos demais tribunais. É que o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em casos
tais torna dispensável a aplicação da regra do art. 97 da Constituição Federal, que trata da
cláusula de reserva de plenário. Isto significa que, nestas circunstâncias, por aplicação do
parágrafo único do art. 481 do CPC, “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao
plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver
pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”,
havendo, pois, autorização para que os órgãos fracionários decidam pela inconstitucionalidade
sem qualquer risco de nulidade da decisão209, por incompetência absoluta.
Nesse sentido é a decisão da Corte Constitucional brasileira citada por Alexandre
de Moraes210: “Versando a controvérsia sobre ato normativo já declarado inconstitucional
pelo guardião maior da Carta Política da República – o Supremo Tribunal Federal – descabe o
deslocamento previsto no art. 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo
órgão fracionário homenageia não só a racionalidade, como também implica na interpretação
teleológica do art. 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta
ao princípio de economia e celeridade. A razão de ser do preceito está na necessidade de
evitar que órgãos fracionários apreciem, pela primeira vez, a pecha de inconstitucionalidade
argüida em relação a um certo ato normativo.”
209 Não há qualquer ofensa à Súmula Vinculante nº 10 que diz “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte” posto que a hipótese é diversa.
210 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 670.
83
Em suma, antes da resolução senatorial, os acórdãos do Supremo Tribunal Federal
em controle difuso de constitucionalidade têm elevadíssimo efeito persuasivo para os
processos futuros sobre a mesma questão, mas não – pelo menos ainda – efeito vinculante
efetivo. A despeito da inexistência de vinculação, a observância de tais precedentes, sem
dúvida, é fonte segura para atribuição de soluções jurídicas iguais para casos iguais.
9.2.3. Os recursos extraordinários repetitivos (art. 543-B do CPC) e o poder-dever
de afetar e determinar o processamento do recurso por amostragem,
sobrestando todos os demais processos que tratem da mesma matéria, para,
ao depois, aplicar a tese firmada (art. 543-B, §§ 1º, 2º, 3º e 4º do CPC
Como visto, um dos objetivos da reforma do Poder Judiciário realizada por meio
da EC nº 45/2004, foi o de, ao criar o instituto da repercussão geral (CF, art. 102, §3º), poupar
a Suprema Corte brasileira de ter que decidir questões que não têm relevância do ponto de
vista econômico, político, social ou jurídico.
O art. 102, §3º da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei 11.418, de 20-
12-2006, que, ao introduzir o art. 543-B, §1º no CPC, passou a evitar que, mesmo nos casos
que ostentem repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fosse obrigado a decidir
repetidas vezes a mesma matéria.
Tal como acontece em relação aos recursos especiais repetitivos, o art. 543-B,
caput c/c §1º do CPC, concede ao desembargador de Tribunal de 2º grau que tiver a
atribuição de realizar juízo de admissibilidade de recurso extraordinário, o poder-dever de
escolher um (ou mais de um) recurso que trate de matéria constitucional repetitiva, para
julgamento por amostragem da tese jurídica pelo Supremo Tribunal Federal. Como diz Bruno
Dantas211, deve ser escolhido recurso que “leve em conta a robustez e a completude de
argumentos na tentativa de demonstração da repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso”.
O(s) recurso(s) eleito(s) ou afetado(s) será(ão) admitido(s) e remetido(s) ao
Supremo Tribunal Federal para julgamento por amostragem da tese jurídica.
211DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 319.
84
Sem prejuízo da atribuição concedida ao presidente do Tribunal de origem, por
autorização do parágrafo único do art. 328 do RI/STF, a Presidência do STF ou o Relator
sorteado, quando verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento em
idêntica controvérsia, selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a
devolução dos demais aos tribunais ou turmas de juizado especial de origem, para aplicação
dos parágrafos do art. 543-B do Código de Processo Civil.
A diferença aqui em relação ao sistema dos recursos especiais repetitivos reside
apenas na base normativa da autorização para a seleção do caso amostra pelo Tribunal
superior. Enquanto a atuação do relator no STJ está fundada no art. 543-C, §2º do CPC, igual
poder-dever é atribuído à Presidência e/ou ao relator no STF pelo próprio regimento interno
da Corte (= parágrafo único do art. 328 do RI/STF) e não por lei federal. Isso é mera
constatação e não crítica, até porque, salvo melhor juízo, não existe razão para se atribuir tal
poder-dever aos tribunais locais e não conferir idêntica atribuição à própria Corte
Constitucional.
Apesar de nem o CPC, nem o regimento interno do STF tratarem do assunto, a
exemplo que prevê o §1º do art. 1º da Resolução nº 8, de 2008, do STJ, acredita-se que a
seleção do recurso afetado deve compreender os processos que “contiverem maior
diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos” no recurso extraordinário, bem
assim, se possível, recursos que tratem de teses antagônicas, tudo para possibilitar que a Corte
Suprema tenha contato com os pontos de vista antagônicos.
Pois bem, realizado o afetamento, ante a previsão do caput do art. 328 do RI/STF,
caberá ao relator no STF oficiar a todos os Presidentes de Tribunais de 2º grau ou turmas de
juizado especial de origem para comunicar o fato, determinando o sobrestamento. No ponto,
diferentemente do que acontece com a técnica212 de processamento dos recursos especiais
repetitivos, além da suspensão dos Recursos Extraordinários já contida no 543-B, §1º do CPC
e dos agravos do art. 544 do CPC prevista no art. 328-A, §1º do RI/STF, o caput do art. 328
do RI/STF também prevê a suspensão de “todas as demais causas com questão idêntica”.
Embora o ideal seja, de fato, a suspensão de “todas as demais causas com questão
idêntica”, tal regra é de direito processual e, como tal, somente poderia ser validamente
criada por lei federal (CF, art. 22, I). Nem mesmo o §5º do art. 543-B, que diz que “o
212 No qual o art. 543-C, §1º do CPC prevê suspensão de todos os recursos especiais e a Resolução nº 8, de 2008 prevê o sobrestamento de todos os agravos do art. 544 do CPC que tratem do mesmo tema.
85 Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros,
das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral” valida a previsão do caput do
art. 328 do RI/STF, posto que, a teor do art. 96, I, „a‟, da Constituição Federal, no regimento
interno, os tribunais podem dispor sobre competência e o funcionamento do órgão. Contudo,
não tem autorização constitucional para criar nova hipótese de suspensão de todos os
processos Brasil afora, mesmo que a disposição regimental seja motivada pelo nobre ideal de
garantir tratamento igualitário.
Independente da Constitucionalidade ou não da regra, é certo que a suspensão
nesta extensão (= “todas as demais causas com questão idêntica”) é defendida por Teresa
Arruda Alvim Wambier e Maria Lúcia Lins Conceição de Medeiros213 para os recursos
especiais repetitivos, posicionamento que, acredita-se, mutatis mutandis, também entendem
como adequado para os recursos extraordinários repetitivos.
Reafirmando a necessidade de sobrestamento dos recursos na origem o art. 328-A
do RI/STF diz que “nos casos previstos no art. 543-B, caput, do Código de Processo Civil, o
Tribunal de origem não emitirá juízo de admissibilidade sobre os recursos extraordinários já
sobrestados, nem sobre os que venham a ser interpostos, até que o Supremo Tribunal Federal
decida os que tenham sido selecionados nos termos do § 1º daquele artigo”.
Esse dispositivo regimental, na verdade, é desnecessário, pois, se o caput do art.
328 do RI/STF prevê a suspensão de “todas as demais causas com questão idêntica”, é
evidente que não poderá ser realizado o juízo de admissibilidade, afinal, na forma da primeira
parte do art. 266 do CPC “Durante a suspensão é defeso praticar qualquer ato processual”.
Esta suspensão de todas as causas Brasil afora que tratem do tema se manterá até
julgamento da questio iuris no caso piloto pelo Supremo Tribunal Federal.
Na mesma linha do que já se sustentou para os recursos especiais repetitivos,
quando houver o sobrestamento indevido de uma causa em virtude do afetamento de um
recurso extraordinário, caberá à parte prejudicada a interposição de: a) agravo de instrumento
213 “a regra possibilita a suspensão de todos os processos (ou de determinados atos, nesses processos) que tenham por objeto controvérsia idêntica àquela que será resolvida pelo STJ, no recurso selecionado, evitando que, em 1º e 2º graus, sejam realizados atos e proferidas decisões que se revelem incompatíveis, seja no plano jurídico, seja no plano empírico, com a decisão paradigmática do leading case” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de. Recursos repetitivos - realização integral da finalidade do novo sistema impõe mais do que a paralisação dos recursos especiais que estão no 2º grau. Revista de Processo, São Paulo: RT, n 191, ano 36, p. 188-197, jan., 2011, p. 192)
86 do art. 522 do CPC, se a decisão for de juiz de 1º grau; b) mandado de segurança, se a decisão
for de juiz em Juizado Especial; c) agravo interno para a Turma ou Câmara, se a decisão for
de relator de recurso de apelação ou agravo de instrumento em 2º grau; d) agravo interno para
a Turma recursal, se a decisão for de relator de recurso inominado no Juizado Especial; e)
agravo interno para a Seção, se a decisão for de relator no 2º grau em embargos infringentes;
f) agravo interno214 para o Tribunal Pleno ou Órgão Especial, se a decisão for de
desembargador responsável pelo juízo de admissibilidade no Tribunal local; g) agravo interno
para a Turma Recursal, se a decisão for de juiz presidente da Turma no juízo de
admissibilidade na Turma Recursal de Juizados Especiais; h) agravo interno para a Turma de
Uniformização se a decisão for de relator; i) agravo interno para a respectiva Turma, Seção ou
Corte Especial do STJ (a depende do recurso sobrestado), se a decisão for de relator; j) agravo
interno para a respectiva Turma do STF, se a decisão for de relator na Corte Constitucional; k)
agravo interno para o Plenário do STF, se a decisão for de seu Presidente. A única matéria
que deverá ser objeto de todos esses recursos é a demonstração da distinção do caso
indevidamente sobrestado com a matéria objeto do recurso afetado. Em outras palavras, este
novo recurso necessariamente deverá demonstrar a existência de um discrímen que justifique
o tratamento diferenciado. Pois bem, provido o recurso, seja ele qual for, cancela-se o
sobrestamento. Improvido, mantém-se a suspensão.
Por aplicação ampliativa do §6º do art. 543-A que trata da possibilidade de
manifestação de “terceiros” para a “análise da repercussão geral”; por paralelismo com o
recurso especial repetitivo (CPC, §4º do art. 543-C) e por aplicação analógica da regra do art.
321, §5º, III, do RI/STF, que trata do processamento de recurso extraordinário interposto no
âmbito dos Juizados Especiais Federais, acredita-se que relator deverá oficiar a pessoas,
órgãos ou entidades cujas atribuições institucionais tenham pertinência temática com a
questão jurídica em julgamento, dando-lhes conhecimento da afetação e facultando-lhes prazo
para que, na condição de amicus curiae, ofereçam subsídios ao julgamento da questão relativa
a existência ou não de repercussão geral e, em especial, acerca do mérito da questão
constitucional controvertida. É a participação democrática de tais órgãos é que elevará ainda
mais o poder de influência do julgado do STF para balizar decisões de casos futuros.
214 Em sentido diverso: “Se o Tribunal determina indevidamente o sobrestamento de RE com fundamento em identidade de controvérsia em outros casos múltiplos, só restará a parte insurgir contra essa decisão por agravo de instrumento, nos mesmos moldes do que já ocorre quanto ao RE indevidamente retido, com o objetivo de demonstrar que não há identidade entre seu caso e os demais que se encontram sobrestados, aguardando pronunciamento do STF”. (DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 320).
87
Também por paralelismo com a técnica dos recursos especiais repetitivos,
acredita-se que a parte recorrente fica impossibilitada de desistir o recurso extraordinário
afetado como manobra para impedir que a formação do precedente forte, em vista do
interesse público que é ínsito ao seu destacamento. Assim, eventual desistência, ainda que
manifestada antes do julgamento, só surtirá efeitos no caso concreto depois de firmada a tese,
vale dizer, depois de decidido o mérito do recurso extraordinário.
Retomando o processamento do caso-piloto, antes da análise do mérito, passará
pela decisão de existência ou não da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal.
Decidindo pela inexistência da repercussão geral, o mérito do recurso
extraordinário não será julgado. Neste caso, todos os processos sobrestados serão reativados,
com as seguintes possíveis providências:
a) por incidência do §2º do art. 543-B do CPC, todos os recursos extraordinários e
agravos do art. 544 do CPC sobrestados considerar-se-ão automaticamente não
admitidos.
b) todos os processos em todos os demais graus de jurisdição retomarão seu
curso para que possam receber decisão individual, sem se pautar por paradigma
do Supremo Tribunal Federal, porque no caso o Corte Suprema se absteve de
decidir o mérito da questão.
A parte que tiver seu recurso extraordinário inadmitido por incidência do §2º do
art. 543-B do CPC, isto é, sob o argumento de que em precedente o STF já realizou juízo
negativo de existência de repercussão geral, somente poderá questionar tal decisão numa
situação: quando alegar que seu caso é distinto do precedente do STF. É a mesma hipótese de
negativa de seguimento com base no art. 543-A, §5º do CPC.
Em tal circunstância, como já discorrido neste trabalho, face ao entendimento do
STF na Questão de Ordem no AI 760358215, a parte não poderá interpor o agravo previsto no
215“EMENTA: Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema
88 art. 544 do CPC, porque, segundo a Corte Suprema, tal autorização resultaria no
descumprimento de um dos objetivos da EC nº 45/2004 e da Lei 11.418/2006, que, como dito,
é o de evitar que o Tribunal Constitucional seja obrigado a decidir repetidas vezes a mesma
matéria. A parte também não poderá diretamente ingressar com Reclamação por usurpação da
competência do STF (CF, art. 102, l, „I ‟) porque, como consta do informativo nº 622216 do
STF, o “filtro da repercussão geral perderia sua razão de ser se se admitisse que os recursos
sobrestados ou mantidos no tribunal de origem fossem, por via transversa, remetidos ao
Supremo, depois de já definida a questão da repercussão geral”. Em tal circunstância, caberá
o agravo interno, dirigido ao próprio tribunal ou turma de origem. Para obter a admissão do
recurso, caberá ao agravante demonstrar que a decisão fundada no §2º do art. 543-B do CPC
está equivocada porque seu processo trata de tema diferente do precedente que motivou a
negativa de seguimento. Como já consignado para os recursos especiais repetitivos: a parte
deverá demonstrar que há uma particularidade relevante que diferencia, que individualiza,
que, enfim, o distingue o caso (é denominado distinguishing do common law). Pois bem,
provido o agravo interno, o recurso extraordinário será admitido. Improvido, se manterá a
negativa de seguimento.
Ressalvadas essa hipótese, também como já consignado quando do comentário ao
art. 543-A, §5º do CPC, a decisão do STF pela inexistência de repercussão geral tem efeito
vinculante e impede a remessa de todos os recursos extraordinários subsequentes para a Corte
Constitucional. Somente nos casos de alterações econômicas, políticas ou sociais importantes
ou ainda em função da alteração da lei é que se admitirá a revisão da tese firmada, o que deve
ser acompanhado de modulação temporal dos efeitos da virada da jurisprudência. Nesses
Corte ao julgar o mérito das matérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem. (AI 760358 QO, Relator: Min. Gilmar Mendes (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-227 DIVULG 02-12-2009 PUBLIC 03-12-2009 REPUBLICAÇÃO: DJe-030 DIVULG 18- 02-2010 PUBLIC 19-02-2010). O STJ adotou posicionamento idêntico: “QUESTÃO DE ORDEM. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. EXEGESE DOS ARTS. 543 E 544 DO CPC. AGRAVO NÃO CONHECIDO. Não cabe agravo de instrumento contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543, § 7º, inciso I, do CPC. Agravo não conhecido”. (QO no Ag 1154599/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, julgado em 16/02/2011, DJe 12/05/2011)
216Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo622.htm#Repercuss%C3 %A3o%20geral%20e%20n%C3%A3o%20cabimento%20de%20reclama%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 26 jul. 2011. No mesmo sentido: Rcl 9471 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 29/06/2010, DJe-149 Public 13-08-2010; Rcl 11250 AgR, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2011, processo eletrônico DJe-125 Public 01-07-2011); ; Rcl 7569, Relatora: Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-232 Public 11-12-2009; Rcl 7547 Relator: Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-232 Public 11-12-2009; Rcl 11465, Relator: Min. Joaquim Barbosa, julgado em 15-04-2011, Public 19/04/2011; AgRg na Rcl 9757, Relator: Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 09-12-2010, Public 28/04/2011.
89 casos especiais deve ser admitida a revisão da tese, por meio de um procedimento de revisão
previsto no §5º do art. 543-A, do CPC e no art. 327 do RI/STF.
De outro lado, caso o Supremo Tribunal Federal, decida pela existência de
repercussão geral, o mérito do recurso extraordinário piloto será julgado. Publicado o
acórdão, caberá ao Supremo Tribunal Federal oficiar ao Superior Tribunal de Justiça, a todos
os Presidentes de Tribunais de 2º grau e Turmas Uniformização ou Turmas Recursais,
comunicando o resultado do julgamento a fim de que cancelem a suspensão dos processos e
procedam conforme prescrição do art. 543-B, §3º do CPC.
Especificamente em relação aos recursos extraordinários sobrestados, o Superior
Tribunal de Justiça, os Tribunais de 2º grau, as Turmas de Uniformização e as Turmas
Recursais deverão agir na forma do §3º do art. 543-B que diz: “julgado o mérito do recurso
extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de
Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se”.
A despeito da expressão equívoca217 do Código (= “declará-los prejudicado”), é
certo que a primeira alternativa possível é a inadmissão do recurso extraordinário. Por outras
palavras, se o acórdão recorrido tiver decidido a questão na mesma direção da orientação
firmada pelo Supremo Tribunal Federal no caso paradigmático, o recurso extraordinário que
contiver a tese contrária será inadmitido pelo desembargador que tiver a atribuição de fazer o
juízo de admissibilidade. Caberá, portanto, ao desembargador decompor o precedente forte
formado pelo julgamento do recurso piloto, separando a essência da tese jurídica (ratio
decidendi) das considerações periféricas (obiter dicta), para depois, se os casos forem
suficientemente iguais, decidir pela inadmissão.
O segundo caminho possível é a retratação. Ela poderá ser realizada pela Câmara
(ou Turma) que realizou o julgamento do recurso originário dentro do próprio Tribunal,
Turma de Uniformização ou Turma Recursal. Diante disso, quando o Presidente ou Vice-
Presidente constatar que acórdão recorrido decidiu a questão no sentido contrário à orientação
firmada pelo Supremo Tribunal Federal no caso paradigmático, deverá remeter o processo à
Câmara (ou Turma). Este reenvio dos autos para a Câmara (ou Turma) que julgou o recurso
originário tem o objetivo de comunicar o resultado do julgamento por amostragem realizado
pelo STF para pautar, em juízo de reconsideração, nova decisão para causa específica. Assim,
217 A expressão é equívoca porque a palavra “prejudicado” está ligada à perda do objeto. Salvo melhor juízo, o correto seria dizer que os recursos “serão inadmitidos”.
90
a Câmara (ou Turma) de origem não julgará o recurso extraordinário, mas, sim, rejulgará218
o recurso originário (seja ele qual for). O reenvio dos autos também tem o objetivo de evitar a
remessa dos autos ao STF, pois, pela necessidade de unidade na aplicação do direito, espera-
se que o colegiado de origem se retrate, aplicando, desde logo, o entendimento da Corte de
superposição firmado em precedente forte acerca da questão. Caso não aconteça a retratação,
segundo o art. 543-B, §4º do CPC, o recurso extraordinário passará pelo juízo de
admissibilidade. Se admitido, será remetido ao STF, onde o relator sorteado,
monocraticamente, cassará ou reformará “o acórdão contrário a orientação formada”. Isso,
portanto, demonstra que quando o STF, reconhecendo a existência de repercussão geral,
decide o mérito do recurso extraordinário, seu julgado não tem efeito vinculante efetivo.
Comentando a questão, Fernando Facury Scaff219 discorre em sentido inverso ao
sustentar que “a decisão de mérito que vier a ser proferida neste sistema de repercussão geral
terá „efeito vinculante‟ pois „valerá para todos os recursos em matéria idêntica, que serão
indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese‟, conforme preceitua o art. 543-A, parág. 5º,
do CPC”. José Henrique Mouta Araújo220 vai na mesma direção ao defender que “Aqui se
apresenta novo instituto com eficácia vinculante, ao lado da súmula e de repercussão geral
negada (art. 543-A, parágrafo 5º, do CPC): a decisão do mérito dos recursos indicativos da
controvérsia terá eficácia vinculante, tendo em vista que os poderes do ministro relator
englobam e a cassação ou a reforma do acórdão contrário a orientação firmada.”
Com o devido respeito, concorda-se com a essência do pensamento, mas não com
os seus fundamentos. É que embora o julgamento de mérito do Supremo Tribunal Federal,
realizado depois do reconhecimento da repercussão geral, se constitua num precedente forte
que realmente deva ser respeitado pelos demais órgãos do Poder Judiciário, é certo que não
existe o efeito vinculante efetivo, pois, diferentemente das súmulas vinculantes, não há
disposição constitucional ou legal nesse sentido. Em outras palavras, não existe norma que
obrigue, incondicionalmente, os demais juízes a decidir da mesma maneira que o STF. Existe,
sim, como já consignado, aquilo que o Min. Gilmar Mendes221 nominou de efeito vinculante
218 Trata-se de exceção à regra do art. 463 do CPC. 219 SCAFF, Fernando Facury. Novas dimensões do controle de constitucionalidade no Brasil: prevalência do
concentrado e ocaso do difuso. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo (Coords.). O processo na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 586.
220 ARAÚJO, José Henrique Mouta. O julgamento de recursos especiais por amostragem: notas sobre o art. 543- C, do CPC. Revista dialética de direito processual, n. 65, ago., 2008, p. 59.
221 Em voto no RE 363852, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 03 -02-2010, DJe 22-04- 2010.
91 virtual, que emana do procedimento de formação do precedente forte, da posição e do
prestígio da Corte Constitucional, bem assim da necessidade de tratamento igualitário perante
a lei (art. 5º, II, da CF). O art. 543-A, §5º do CPC, que na ótica tais autores prescreveria o
efeito vinculante, na verdade, indica o procedimento que a própria Corte Constitucional irá
adotar para os processos futuros – equivalente ao art. 557 do CPC –, mas não que juízes de 1º
grau, desembargadores e ministros do STJ estejam obrigados a decidir de tal maneira a ponto
de, a exemplo do que ocorre com a súmula vinculante, autorizar o manejo da reclamação222
para fazer valer a decisão do STF.
Em casos tais, o efeito vinculante (efetivo) realmente só existirá se ocorrer uma
das duas alternativas seguintes: se o STF editar uma súmula vinculante a partir de tal
julgamento; ou se o Senado Federal, valendo-se dos poderes do art. 52, X, da CF, depois de
comunicado pelo STF acerca do resultado do recurso extraordinário por meio de Ofício “S”,
baixar uma resolução atribuindo efeito erga omnes a tal julgado. Fora desses casos, o efeito
vinculante é virtual, mas não efetivo. Exerce influência, mas não poder.
Acerca da questão, assim discorre Luis Alberto Reichelt223: “Sob essa ótica, ao
julgar o recurso extraordinário, o STF não está apenas julgando um recurso interposto por
uma parte em face de um acórdão, mas também está, ao mesmo tempo, ditando um a política
a ser seguida pelo Poder Judiciário em casos análogos àquele decidido em sede de precedente.
Essa política acabará ganhando espaço de aplicação tanto no julgamento dos recursos
extraordinários que estejam com a sua tramitação sobrestada nos tribunais de origem (art.
543-C, §§3º e 4º do CPC) quanto nas decisões que vierem a ser proferidas em face de novos
recursos extraordinários que vierem a ser submetidos à análise do STF (art. 543-C, §4º, do
mesmo diploma legal).”
Assim, na hipótese da aplicação do caput do art. 328 do RI/STF, com a suspensão
de todos os processos que versem sobre a questão Brasil afora, depois do julgamento amostra,
espera-se que os juízes, desembargadores e ministros apliquem a mesma tese firmada no STF,
o que produz uma série de vantagens, quais sejam: (a) o tratamento isonômico; (b)
previsibilidade; (c) agilidade na solução final dos processos; (d) descarga de trabalho; (e)
222 Rcl 10793, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2011, Processo Eletrônico DJe -107 Public. 06-06-2011.
223REICHELT, Luis Alberto. A duração do processo, o julgamento do recurso extraordinário dotado de repercussão geral e a modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 193, ano 36, mar., 2011, p. 144.
92 mais qualidade na prestação jurisdicional; e, em especial, (f) credibilidade ao Poder
Judiciário.
O cotejo com o texto projetado para o CPC (PLS nº 166/2010/PL nº 8046/2010)
parece indicar que a técnica de julgamento dos recursos extraordinários repetitivos, além de
mantida, é aperfeiçoada por diversos motivos. Primeiro porque no art. 991, caput224, coloca
fim ao juízo de admissibilidade bipartido para os recursos repetitivos, relegando apenas ao
tribunal ad quem o seu exame, eliminando, portanto, um filtro para que a questão chegue,
desde logo, ao STF. Segundo porque positiva no §2º do art. 991225 a necessidade de indicação
precisa, na decisão de afetamento, da questão jurídica a ser julgada, evitando o capítulo
surpresa no acórdão. Terceiro porque os §§3º e 4º do art. 991226, afastando a alegação de
inconstitucionalidade da regra prevista no caput do art. 328 do RI/STF, passam a prever a
suspensão de todos os processos que tratem da questão afetada, em todos os graus de
jurisdição, garantindo a igualdade de tratamento em âmbito nacional. Quarto porque o art.
993227 fala da obrigatoriedade de aplicação da tese firmada no recurso representativo da
controvérsia, reduzindo, com isso, as chances de tratamento anti-isonômico. Quinto porque,
no art. 952, parágrafo único228, fica positivada a impossibilidade de a parte desistir do recurso
extraordinário afetado, em vista do interesse público que é ínsito ao seu destacamento. Sexto
porque o §7º do artigo 989229 repete em parecidos termos o atual art. 543-B, §3º do CPC.
224“Art. 991. Caberá ao presidente do tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça independentemente de juízo de admissibilidade, ficando suspensos os demais recursos até o pronunciamento definitivo do tribunal superior”.
225 “Art. 991. [...] § 2º Na decisão de afetação, o relator deverá identificar com precisão a matéria a ser levada a julgamento, ficando vedado, ao Tribunal, a extensão a outros temas não identificados na referida decisão”.
226 “Art. 991. [...] § 3º Os processos em que se discute idêntica controvérsia de direito e que estiverem em primeiro grau de jurisdição ficam suspensos por período não superior a doze meses, salvo decisão fundamentada do relator. § 4º Ficam também suspensos, no tribunal superior e nos de segundo grau de jurisdição, os recursos que versem sobre idêntica controvérsia, até a decisão do recurso representativo da controvérsia”.
227 “Art. 993. Decidido o recurso representativo da controvérsia, os órgãos fracionários declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese”.
228 “Art. 952. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. No julgamento de recurso extraordinário cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e no julgamento de recursos repetitivos afetados, a questão ou as questões jurídicas objeto do recurso representativo de controvérsia de que se desistiu serão decididas pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal”.
229 “Art. 989. [...] § 7º No caso do recurso extraordinário processado na forma da Seção III deste Capítulo, negada a existência de repercussão geral no recurso representativo da controvérsia, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos”. (Obs.: Há equívoco de remissão no projeto, pois o texto, na verdade, quer se referir à subseção II e não à seção III.)
93
Sétimo porque o art. 307, II230, autoriza a rejeição liminar do pedido, em 1º grau, quando a
tese do autor contrariar o entendimento firmado no acórdão no recurso representativo da
controvérsia. Oitavo porque o art. 483, §3º, III231, dispensa o reexame necessário quando a
sentença estiver alinhada com a orientação de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal
Federal em julgamento de casos repetitivos.
Diante de tais razões é possível concluir que no sistema vigor, e, com mais ênfase,
no sistema projetado, que a técnica de julgamento é um instrumento muito importante para
fazer valer o direito previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal.
10. Embargos de divergência (art. 546 do CPC)
Como cediço, os tribunais superiores têm repartição de competências. Enquanto o
Supremo Tribunal Federal232 é composto pelo Plenário (11 ministros) e por duas Turmas (5
ministros), o Superior Tribunal de Justiça233 é composto pelo Plenário (33 ministros); por um
órgão especial, denominado Corte Especial (15 ministros mais antigos); por 3 (três) Seções
especializadas (cada uma com 10 ministros); e, também, por 6 (seis) Turmas especializadas
(cada uma com 5 ministros).
Algumas Seções ou Turmas podem, respectivamente, concorrer entre si em
atribuições. Em função disso, por ocasião do julgamento de casos concretos, pode acontecer a
divergência de respostas judiciárias. Vale dizer, em tese, é possível que uma mesma questão
seja decidida em uma direção na primeira Turma e, depois, em sentido antagônico na segunda
Turma da mesma corte.
230 “Art. 307. O juiz julgará liminarmente improcedente o pedido que se fundamente em matéria exclusivamente de direito, independentemente da citação do réu, se este: [...] II – contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;”
231 “Art. 483. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: [...] § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: [...] II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos”.
232 A competência do Plenário, que é jurisdicional e administrativa, está prevista nos arts. 6º, 7º e 8º do RI/STF. As atribuições das Turmas, por sua vez, são fixadas nos arts 8º e 9º do RI/STF.
233 A Primeira e a Segunda Turmas compõem a Primeira Seção; a Terceira e a Quarta Turmas, a Segunda Seção; e a Quinta e a Sexta Turmas, a Terceira Seção. A competência do Plenário, que é administrativa, está prevista no art. 10 do RI/STJ. A atribuição da Corte Especial, que é jurisdicional e está prevista no art. 11 do RI/STJ, não está sujeita à especialização. A competência das Seções e das Turmas, que igualmente é jurisdicional, é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa, tudo conforme, respectivamente, dispõem os artigos 12 e 13 do RI/STJ.
94
Com o objetivo de dirimir divergência234 interna (intra muros) entre órgãos do
mesmo tribunal e, por consequência, unificar a posição da corte acerca da exegese do direito
em tese, o art. 546 do CPC prevê o cabimento do recurso denominado de embargos de
divergência exclusivamente no âmbito do STF e STJ.
O recurso passou a ser expressamente admitido no sistema brasileiro em função
da Lei 623, de 19-02-1949, que inseriu parágrafo único no art. 833 do CPC de 1939 para
prever que “além de outros casos admitidos em lei, são embargáveis, no Supremo Tribunal
Federal, as decisões das Turmas, quando divirjam entre si ou de decisão tomada pelo Tribunal
Pleno”.
Depois disso, quando do então novo Código de Processo Civil de 1973, em
função de acréscimo feito no Senado Federal ao anteprojeto elaborado por Alfredo Buzaid, o
recurso passou a ser previsto no art. 546 da seguinte forma: “Art. 546. O processo e o
julgamento do recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal, obedecerão ao que
dispuser o respectivo regimento interno. Parágrafo único. Além dos casos admitidos em lei, é
embargável, no Supremo Tribunal Federal, a decisão da turma que, em recurso extraordinário,
ou agravo de instrumento, divergir do julgamento de outra turma ou do plenário.”
Mais adiante, com a cisão das atribuições do Supremo Tribunal Federal e a
criação do Superior Tribunal de Justiça pela Constituição de 1988, a Lei 8.038 de 28-05-1990,
por meio de seu art. 44, revogou o art. 546 do CPC e erigiu em seu lugar o texto do art. 29
234 Nesse sentido: “Vê-se que a função deste recurso é a uniformizar a jurisprudência interna dos tribunais superiores”. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso extraordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: RT, 2001, p. 250); “O recurso de embargos de divergência visa, como outros mecanismos processuais, a uniformizar a jurisprudência, eliminando controvérsia existente sobre determinadas teses jurídicas, com todos os inconvenientes daí derivados”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva. v.5, 2008, p. 308); “O recurso segue previsto nos regimentos internos do STF (arts. 330 e 332) e do STJ (arts. 11, XIII; 12, §único, I, 266 e 267), com a precípua função de promover a uniformização interna da jurisprudência até porque, de outro modo, não se compreenderia um recurso fundado em dissídio aflorado entre os órgãos fracionários de um mesmo Tribunal”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 299-300). Em sentido diverso: “Não há que se cogitar, importante destacar, como se escreve costumeiramente, que tal recurso tenha o condão de uniformizar o entendimento do Tribunal. Na verdade, diante de uma situação em que haja dúvida acerca do posicionamento da respectiva corte sobre determinado assunto, possibilitam, os embargos de divergência, que seja proferida uma decisão de acordo com o que o Tribunal pensa - e não apenas uma de suas turmas. Dissipa-se, como consequência, eventuais dúvidas e interpretações distintas daquela que deve externar verdadeiramente o entendimento do Tribunal. Observe-se, portanto, que a razão primeira dos embargos não é a uniformização da jurisprudência de Tribunais Superiores, mas sim permitir que a decisão a ser proferida reflita, repita-se, o entendimento do Tribunal. Significa dizer que esse recurso tem por ratio essendi evidenciar a real interpretação do tribunal a respeito de uma determinada questão jurídica. A uniformização, como dito, é mera conseqüência de seu julgamento”. (JORGE, Flávio Cheim. Embargos de divergência: alguns aspectos estruturantes. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 190, ano 35, p. 9-36, dez., 2010, p. 16).
95 para prever que “É embargável, no prazo de 15 dias, a decisão da turma que, em recurso
especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, observando-se
o procedimento estabelecido no regimento interno”.
Como anota José Carlos Barbosa Moreira235, o art. 29 “curiosamente o reservou
só para os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial. No
plano legal, pois, deixou de haver base para os embargos de divergência no Supremo Tribunal
Federal, onde, todavia, se considerou que subsistiam com suporte no regimento interno”.
Depois disso, por meio da Lei 8.950/1994, os embargos de divergência foram reintroduzidos
no Código de Processo Civil, restaurando na lei federal a expressa possibilidade de sua
interposição no âmbito do STF. Desde então, o recurso vigora nos mesmos moldes previstos
atualmente.
Diz a redação em vigor do art. 546 do CPC que: “É embargável a decisão da
turma que: I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do
órgão especial; II – em recurso extraordinário, divergir do julgamento de outra turma ou
plenário. Parágrafo único. Observar-se-á, no recurso de embargos, o procedimento
estabelecido no regimento interno.”
Como informa Helena Najjar Abdo236, o recurso de embargos de divergência do
direito brasileiro é, em alguma medida, cotejável com diversos institutos do direito
comparado, tais como: o recurso de revista para o Tribunal Pleno de Portugal; o recurso de
casación por unificación de doctrina e o recurso en interés de la ley da Espanha; o ricorso
per cassazione da Itália; o pourvoi en cassation da França; e o recurso de inaplicabilidad de
ley da Argentina. Rodolfo de Camargo Mancuso237 ainda acrescenta a esse rol o
sprungrevision da Alemanha, que também pode ser, grosso modo, comparado ao recurso de
embargos de divergência brasileiro.
235BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2006, p. 633.
236ABDO, Helena Najjar. Embargos de divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de direito comparado. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ASSIS, Araken de (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: RT, v. 9, 2006, p. 242-248.
237MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4.ed. São Paulo: RT, 2010, p. 245.
96
No Brasil, como autêntico recurso que é, os embargos de divergência são cabíveis
contra acórdão – e não contra decisão monocrática238 – em recurso especial ou recurso
extraordinário. É, portanto, manejável depois de materializada a derrota da parte. Assim,
diferentemente do incidente de uniformização da jurisprudência que se destina a prevenir
divergência interna corporis e pode ser suscitado antes do julgamento, o recurso de embargos
de divergência se presta para corrigir (dirimir ) a divergência interna e é cabível depois da
deliberação pelo colegiado. Também diferentemente do recurso especial fundado em
interpretação divergente atribuída por outro tribunal, que é cabível contra acórdãos de
Tribunais de 2º grau, os embargos de divergência são admissíveis quando a discrepância
ocorre entre órgãos do STF ou do STJ.
A raiz dos embargos de divergência está no Código de Processo Civil (CPC, art.
546) e não na Constituição Federal. É, como sustenta Flávio Cheim Jorge239, “recurso de
fundamentação livre e não de fundamentação vinculada”. Não se presta, contudo, como diz o
Min. Ricardo Lewandowski240 “à mera revisão do acerto ou desacerto do acórdão
embargado”, pois, é imprescindível a configuração da divergência na aplicação de lei federal
ou a divergência na aplicação da Constituição Federal para que possa ser manejável pela parte
sucumbente.
No que diz respeito ao cabimento, há uma primeira questão que precisa ser
abordada: os embargos de divergência são ou não cabíveis contra acórdão de agravo interno
(ou agravo regimental)?
Quanto ao ponto, antes de tudo, é preciso rememorar que o agravo interno,
previsto no art. 557, §1º do CPC, é o recurso cabível contra decisão monocrática em qualquer
recurso, inclusive, nos recursos excepcionais. Assim, pela via do agravo interno, a parte
submete ao órgão colegiado, conforme o caso, a questão objeto do recurso especial ou
extraordinário visando à declaração de nulidade ou a reforma do julgamento unipessoal. Pois
bem, no passado (1976), por meio do enunciado de Súmula nº 599, o Supremo Tribunal
Federal firmou que “são incabíveis embargos de divergência da decisão da Turma, em agravo
238Nesse sentido: AgRg nos EAg 1122672/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 01-07- 2011, DJe 02/08/2011.
239 JORGE, Flávio Cheim. Embargos de divergência: alguns aspectos estruturantes. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 190, ano 35, p. 9-36, dez., 2010, p. 17.
240RE 355796 AgR-ED-EDv-AgR, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 23-02- 2011, DJe-051 Public 18-03-2011.
97
regimental”. Como explica Flávio Cheim Jorge241: “De fato, à época da consolidação desse
entendimento, era impensável a utilização dos embargos contra decisão em agravo
regimental. Isso, porque o agravo regimental tinha seu cabimento restrito às decisões
monocráticas proferidas em sede de agravo de instrumento contra decisão denegatória de
admissibilidade de recurso extraordinário. A matéria, portanto, objeto de discussão no agravo
regimental era, apenas, o acerto ou desacerto da decisão do relator que negou provimento ao
agravo de instrumento, mantendo, assim, a inadmissibilidade do recurso extraordinário.”
Acontece que, presentemente, a decisão unipessoal tomada com base no art. 557,
caput ou §1º-A do CPC, tem espectro muito mais amplo, o que, por conseguinte, também se
estende ao respectivo agravo interno. Ora, havendo decisão monocrática, o agravo interno é a
via da qual a parte pode se valer para que a turma julgue a matéria de fundo do recurso
excepcional, logo, havendo dissenso entre o resultado de agravo interno julgado por uma
turma com o de outro precedente de outro órgão do mesmo tribunal, inegável242 o cabimento
dos embargos de divergência.
No STJ, a questão começou a se consolidar neste sentido em 10-04-2000, quando
do julgamento dos EResp 133.451/SP243. Como sustentou a Min. Eliana Calmon244 em sede
241JORGE, Flávio Cheim. Embargos de divergência: alguns aspectos estruturantes. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 190, ano 35, p. 9-36, dez., 2010, p. 21.
242 Em sentido contrário: “Nada obstante o inegável brilho dessas opiniões, em nosso sentir torna-se difícil aceitá-la, à vista da leitura da emenda regimental que deu nova redação ao art. 15, IV, do RISTF de 1963; art. 21, §§1º e 2º, do atual RISTF; art. 34, XVIII, do RISTJ; art. 38 da Lei 8.038/1990, da redação original do art. 557 do CPC; da redação do art. 557 do CPC, dada pela Lei 9.139/1995; e, finalmente, do que dispõe o atual art.557 do CPC, todas normas que autorizam o relator a julgar unipessoalmente o recurso. Perceba -se que a súmula 599 do STF foi editada no ano de 1977 e o julgamento unipessoal de recurso é possível desde o ano de 1963. Ressalte-se, também, que lei sempre previu que a decisão do relator fosse impugnada por meio de agravo. Nessa ordem de idéias, não pode ser admitido o raciocínio segundo o qual a Lei 9.756, de 17.12.1998, que deu redação atual ao art. 557, modificou entendimento sumulado pelo STF. Cumpre assinalar, por necessário, que a norma do ar.t. 546 do CPC indica com precisão que os embargos de divergência somente terão pertinência quando, tratando-se de decisão de turma, vier o respectivo acórdão a ser proferido, unicamente, em sede de recurso especial ou recurso extraordinário. Trata-se de um específico requisito de admissibilidade recursal de caráter objetivo, que se qualifica como fator de conformação da atividade processual da parte”. (CARVALHO, Fabiano. Os embargos de divergência e a Súmula 316 do STJ. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; SOUZA, André Pagani de (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis: e assuntos afins. São Paulo: RT, v. 10, 2006, p. 99-100.
243 “1. Antes das reformas processuais impostas, notadamente pelas Leis ns. 9.139/95 e 9.756/98, não havia julgamento monocrático do mérito do recurso especial. Daí a plena aplicação do enunciado da Súmula n. 599/STF. 2. Atualmente, pode o Relator do STJ julgar, monocraticamente, o mérito do recurso especial, cuja decisão poderá ser revista pelo Colegiado via agravo regimental. 3. A aplicação da Súmula n. 599 do STF merece temperamentos. São cabíveis os embargos de divergência contra acórdão proferido em agravo regimental, se julgado o mérito do recurso especial em agravo de instrumento ou interposto o mesmo contra decisão monocrática do Relator em recurso especial. [...] 5. Embargos de divergência recebidos. (EREsp 133451/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 10/04/2000, DJ 21/08/2000, p. 89).
244CALMON, Eliana. Embargos de divergência e a súmula 599/STF. In: CALMON, Eliana; BULOS, Uadi Lammêgo (Coords.). Direito processual: inovações e perspectivas - estudos em homenagem ao ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 222.
98 doutrinária “a nova posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça é moderna,
principialista e, sobretudo, eficiente, desprezando as razões formais para a obtenção maior: a
uniformização da jurisprudência interna de uma Corte que se firma, sobretudo, em
precedentes”.
É que como diz Flávio Cheim Jorge245 é: “impensável que se retire o direito da
parte de interpor os embargos de divergência apenas porque dotou-se o relator de maiores
poderes. De rigor, se a decisão do recurso especial pela Turma é embargável, igualmente será
aquela proferida pela Turma, em sede de agravo regimental, que também aprecia o recurso
especial. Ambas as decisões são rigorosamente equivalentes em conteúdo ou forma.
Pacificada a questão em tais termos, em 05-10-2005, o STJ editou a Súmula 315
que diz que: “Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental,
decide recurso especial”. Este pensamento ecoou no Supremo Tribunal Federal que, por sua
vez, em 26-04-2007, ao julgar o AgR-ED-EDv-AgR-RE 283240246 e o AgR-ED-EDv-AgR-
RE 285093247, cancelou a sua Súmula 599.
Ainda em relação ao cabimento, há dois outros questionamentos relacionados
entre si: a) os embargos de divergência são cabíveis apenas se o dissenso sobre determinada
questão jurídica se der quanto ao mérito do recurso especial ou recurso extraordinário ou
também quanto ao juízo de admissibilidade? b) os embargos de divergência são ou não
admissíveis contra acórdão em agravo nos próprios autos (art. 544)?
No âmbito do STJ, em acórdão relatado pelo Ministro Humberto Martins248, a
matéria já foi assim decidida: “Não são admissíveis os embargos de divergência se o acórdão
245JORGE, Flávio Cheim. Embargos de divergência: alguns aspectos estruturantes. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 190, ano 35, p. 9-36, dez., 2010 p. 12-13.
246“Embargos de Divergência - Acórdão em Agravo Regimental - Recurso Extraordinário - Apreciação indireta - Adequação. Conforme o disposto no artigo 546 do Código de Processo Civil, interpretado presente o objetivo da norma, mostram-se cabíveis os embargos de divergência quando o acórdão atacado por meio deles implica pronunciamento quanto a recurso extraordinário. Embargos de Divergência - Acórdão Proferido em Agravo Regimental - Verbete nº 599 da Súmula do Supremo. Ante o novo entendimento sobre o alcance do artigo 546 do Código de Processo Civil, não subsiste, sendo cancelado, o Verbete nº 599 da Súmula do Supremo - “São incabíveis embargos de divergência de decisão de Turma, em agravo regimental”. Direito - Alcance - Jurisprudência - Evolução. Incumbe ao órgão julgador evoluir no entendimento inicialmente adotado tão logo convencidos os integrantes de assistir maior razão, ante o ordenamento jurídico, à tese inicialmente rechaçada. (RE 283240 AgR-ED-EDv-AgR, Relatora: Min. Ellen Gracie, Relator p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 26-04-2007, DJe-047 Public 14-03-2008)
247RE 285093 AgR-ED-EDv-AgR, Relatora: Min. Ellen Gracie, Relator p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 26-04-2007, DJe-055 Public 28-03-2008.
248 EREsp 958.013/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 27-04-2011, DJe 04-05- 2011. No mesmo sentido: EDcl no AgRg nos EREsp 981.406⁄PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe
99 embargado não conheceu do recurso, por falta de preenchimento dos pressupostos de
admissibilidade, enquanto o paradigma enfrentou o mérito da questão”.
O mesmo Superior Tribunal de Justiça249, por sua Corte Especial, decidiu que “é
possível a discussão dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial, em sede de
embargos de divergência, quando tal prescindir do reexame de fatos e provas, constituindo-se
em questão puramente de direito”.
José Carlos Barbosa Moreira250 assim se pronunciou sobre o tema: “É indiferente
que o acórdão da turma haja deixado de conhecer o recurso ou que, dele conhecendo, lhe
tenha dado ou negado provimento. Os textos (legal e regimental) não distinguem e em
qualquer desses casos é possível a configuração do dissídio jurisprudencial.”
Nessa linha, acredita-se que não existe razão jurídica para a inadmissão dos
embargos de divergência também em relação ao juízo de admissibilidade dos recursos
excepcionais, pois onde a lei não discrimina não cabe ao intérprete fazê-lo.
Esse mesmo raciocínio parece autorizar a conclusão de que, a despeito do
silêncio251 do art. 546 do CPC, os embargos de divergência também são cabíveis contra
acórdãos de agravo nos próprios autos (art. 544), que é o sucessor do agravo de instrumento.
Ora, se a lei não especifica as matérias que podem ser objeto dos embargos de divergência –
isto é, não estabelece se devem dizer respeito ao mérito ou ao juízo de admissibilidade – é
possível concluir pelo cabimento dos embargos de divergência contra acórdão que, ao julgar o
agravo do art. 544, dissentir do entendimento de outra turma acerca dos pressupostos de
admissibilidade do recurso excepcional. Os embargos divergência não são, entretanto,
admissíveis quando o agravo nos próprios autos não for conhecido por intempestividade ou
por outro defeito formal, pois nesta circunstância o acórdão se fundará na ausência dos
pressupostos de admissibilidade do agravo do art. 544 e não no exame dos requisitos do
22.05.2009; AgRg nos EREsp 918.298⁄RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 27.02.2009; EREsp 656.969⁄PE, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 15.05.2006; AgRg nos EREsp 299.629⁄SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Corte Especial, DJ de 03.02.200.
249 EDcl nos EREsp 512.399/PE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 04-05-2011, DJe 07-06-2011.
250 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2006, p. 634-635.
251 Note-se que o RI/STF, que no particular tem redação anterior à criação do STJ, diz o seguinte no art. 303: “Cabem embargos de divergência à decisão de Turma que, em recurso extraordinário ou em agravo de instrumento, divergir de julgado de outra Turma ou do Plenário na interpretação do direito federal”.
100 recurso extraordinário ou do recurso especial, que é a condição de cabimento do recurso pelo
art. 546 do CPC.
No ponto, irretocável a defesa de Flávio Cheim Jorge252: “Se para o cabimento de
embargos de divergência nos recursos excepcionais não existe limitação de matéria, podendo,
portanto, os referidos embargos versar sobre o juízo de admissibilidade ou de mérito dos
recursos – a depende exclusivamente do âmbito de divergência –, há que se aceitar que
qualquer acórdão que verse sobre tais matérias seja igualmente impugnável pelos embargos.
[...] Ora, se o acórdão que não admite o recurso especial pode ser impugnado pelos embargos,
por que também não caberiam embargos de divergência contra a decisão que, em sede de
agravo de instrumento, não admite o recurso especial? Uma de duas: ou os tribunais
superiores mudam o entendimento – pacificado – de que cabem embargos de divergência
contra o não conhecimento dos recursos excepcionais; ou, então, há que se evoluir no sentido
de também admitirem-se os embargos contra acórdão que, em agravo de instrumento, decidiu
a respeito da admissibilidade do recurso excepcional.”
Portanto, com o máximo respeito, está equivocado o entendimento solidificado na
Súmula 315 do STJ que, fazendo referência ao agravo de instrumento hoje substituído pelo
agravo nos próprios autos, diz que “não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo
de instrumento que não admite recurso especial”.
A desarmonia que autoriza o manejo dos embargos de divergência é, de regra,
aquela proveniente de órgão diferente do mesmo Tribunal253, vale dizer de outra Turma ou do
Tribunal Pleno no caso do STF; e de outra Turma, de Seção ou da Corte Especial no caso do
STJ. Neste sentido, é a antiga Súmula 353 do STF: “São incabíveis os embargos da Lei 623,
de 19.02.1949, com fundamento em divergência entre decisões da mesma Turma do Supremo
Tribunal Federal”. Quando, entretanto, houver alteração substancial da composição do órgão,
é possível254 o confronto entre acórdão recorrido e paradigma da mesma turma.
252JORGE, Flávio Cheim. Embargos de divergência: alguns aspectos estruturantes. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 190, ano 35, dez., 2010, p. 24.
253 “nunca poderá ser demonstrada a divergência com acórdão de outro tribunal, ou seja, a finalidade dos embargos é tão-somente a de uniformizar a jurisprudência do próprio Tribunal”. (MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 191).
254 Em sentido contrário: “Segundo doutrina e jurisprudência muito abalizadas, são admissíveis embargos de divergência apoiados em precedentes da mesma turma julgadora do acórdão embargado, desde que tenha havido modificação substancial na composição do colegiado. Entretanto, o enunciado n. 353 da Súmula do Supremo Tribunal Federal propugna pela inadmissão de embargos „com fundamento em divergência entre decisões da mesma turma do Supremo Tribunal Federal‟. Não é só. O correto verbete encontra amparo no art.
101
Nesse sentido, amparado no entendimento do STF255, é o magistério de Sergio
Seiji Shimura256: “O acórdão paradigma pode até ser proferido pela mesma Turma, porém, se
prolatado por ministros que não mais integram o tribunal, é possível o recurso de embargos de
divergência. Se a composição da Turma alterar, de molde a gerar discrepância da
jurisprudência, então mostra-se viável o recurso de embargos de divergência, embora seja da
mesma Turma.”
Na mesma linha é a doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier257:
“Acertadamente, não se tem considerado absoluta a regra no sentido de que o acórdão
divergente há de ser de outra Turma, quando, ainda que seja da mesma Turma, foi proferido à
época em que tinha outra composição”.
Em igual direção é o posicionamento do Min. Eduardo Ribeiro de Oliveira258
quando afirma que se “ocorreu mudança em sua (= da turma) composição, só formalmente
será a mesma e a uniformização dependerá do pronunciamento do órgão próprio”.
Na dicção do art. 546, caput, do CPC, o acórdão recorrido deve ser sempre
originário de Turma. Assim, no âmbito do STJ, são incabíveis os embargos de divergência
contra acórdãos das Seções ou da Corte Especial; e no âmbito do STF, são também incabíveis
os embargos de divergência contra acórdãos do Tribunal Pleno.
546 do Código, que condiciona a admissibilidade do recurso à divergência em relação „ao julgamento de outra turma‟. Além do mais, a rigor, não há dissídio a ser pacificado quando os arestos divergentes foram proferidos pela mesma turma, quando que tenha havido alteração da composição do colegiado. Trata-se, na verdade, de evolução jurisprudencial. Então, tudo indica que não são cabíveis embargos de divergência quando o alegado dissenso jurisprudencial ocorre entre acórdãos de uma mesma turma, ainda que tenha ocorrido alteração substancial na respectiva composição. (SOUZA, Bernardo Pimentel. Dos embargos de divergência. Dos recursos. Vitória: Instituto Capixaba de Estudos, 2002, p. 665).
255 RE 103792 EDv, Relator: Min. Paulo Brossard, Tribunal Pleno, julgado em 07-10-1994, DJ 09-12-1994; RE 318469 EDv-QO, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 03-10-2002, DJ 11-10-2002; No mesmo sentido: EREsp 160969/PE, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Segunda Seção, julgado em 22 -03- 2000, DJ 29-05-2000, p. 108; EREsp 45227/SP, Rel. Ministro Jesus Costa Lima, Terceira Seção, julgado em 15-12-1994, DJ 13-02-1995, p. 2218; AgRg nos EREsp 29521/PR, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Seção, julgado em 30-05-1995, DJ 22-04-1996, p. 12508; Em sentido contrário: EREsp 240054/SC, Rel. Ministro Edson Vidigal, Corte Especial, julgado em 29-08-2002, DJ 21-10-2002, p. 264; AgRg nos EAg 1262188/SC, Rel. Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, julgado em 08-06-2011, DJe 01-07-2011; EREsp 798.264/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 24-11-2010, DJe 14-02-2011.
256 SHIMURA, Sergio Seiji. Embargos de divergência. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; et al (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 420-421.
257 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso extraordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: RT, 2001, p. 253.
258 OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Embargos de divergência. NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ASSIS, Araken de (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis: e assuntos afins. São Paulo: RT, v. 9, 2006, p. 150.
102
Se o órgão de onde emana o acórdão paradigma ainda existir (= não tiver sido
extinto), mas não tiver mais a atribuição de decidir a questão jurídica, também será incabível
a utilização de seu precedente para a comparação de teses por meio dos embargos de
divergência. Nesse sentido, é o entendimento consolidado na Súmula 158 do STJ que diz:
“Não se presta a justificar os embargos de divergência o dissídio com o acórdão da Turma ou
Seção, que não tenha mais competência para a matéria nele versada”.
Note-se que é o acórdão recorrido que deve ser originário de Turma, mas não o
acórdão paradigma. O precedente modelo, que deve ser fruto de órgão colegiado (e não
atuação unipessoal), pode ser de qualquer órgão do próprio (e não de outro) Tribunal, em
qualquer tipo de recurso ou processo de competência originária. Como diz Sergio Seiji
Shimura259: “Quando se afirma que a decisão contra a qual cabem embargos de divergência
deve ser aquela proferida pela Turma, não se quer dizer que o acórdão – que servirá de
parâmetro – tenha de ser prolatado necessariamente também por outra Turma. Não. A decisão
a ser colocada em confronto pode ter sido exarada por Seção, Órgão Especial ou Plenário
(neste caso desde que não haja uniformização na jurisprudência). Portanto, o que se exige é
que a decisão a ser atacada seja tomada pela Turma. Todavia, a outra decisão pode ter sido
proferida em sede de outro recurso ou processo, não necessariamente em recurso especial ou
extraordinário.”
Ressalte-se que o acórdão paradigma que deu base a recurso especial com alicerce
na alínea „c‟ do art. 105, III, da CF, não pode dar amparo a embargos de divergência
originário do mesmo processo, por aplicação da Súmula 598 do STF que diz: “Nos embargos
de divergência não servem como padrão de discordância os mesmos paradigmas invocados
para demonstrá-la, mas repelidos como não dissidentes no julgamento do recurso
extraordinário”. Esta orientação, aliás, era prevista no parágrafo único260 do art. 331 do
RI/STF para o tempo em que a Corte Constitucional tinha a atribuição de solucionar dissídios
da jurisprudência pela via do Recurso Extraordinário, verbis: “Não serve para comprovar
divergência acórdão já invocado para demonstrá-la, mas repelido como não dissidente no
julgamento do recurso extraordinário”.
259SHIMURA, Sergio Seiji. Embargos de divergência. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; et al (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 418.
260 Revogado pela Emenda Regimental n. 26/2008.
103
Tal como ocorre com o recurso especial fundado no art. 105, III, „c‟ da CF, ante a
previsão do art. 331261 do RI/STF e do art. 266, §1º262 do RI/STJ, o recorrente precisa provar
que o acórdão recorrido e o acórdão paradigma contêm exegese diversa do mesmo texto da
Constituição Federal, no caso de embargos de divergência originários de Recurso
Extraordinário; ou do mesmo texto de lei federal, no caso de embargos de divergência
oriundos de Recurso Especial.
Há duas formas de a parte recorrente se desincumbir desse ônus: a) mediante a
juntada do acórdão paradigma, obtido por cópia do processo original ou de via disponível na
internet, que demonstre: a.1) no caso de embargos de divergência originários de Recurso
Extraordinário, que outra Turma ou o Tribunal Pleno do STF deu a dispositivo da
Constituição Federal sentido antagônico ao emprestado ao mesmo texto pelo acórdão
recorrido; ou que, a.2) no caso de embargos de divergência oriundos de Recurso Especial,
demonstre que outra Turma, uma Seção ou a Corte Especial do STJ atribuiu exegese diversa
ao mesmo texto de lei federal. Neste caso, o denominado acórdão paradigma deve ser
autenticado ou ter sua autenticidade declarada pelo próprio advogado (art. 255, §1º, „a‟, do
RI/STJ); ou, b) mediante a citação do volume e página de repositório oficial, autorizado ou
credenciado onde o acórdão paradigma foi publicado na íntegra. Nesta segunda hipótese, por
paralelismo com o recurso especial pela alínea „c‟ o art. 105, III, da CF, o acórdão não precisa
ser juntado aos embargos de divergência, pois existe a presunção legal de publicidade e
confiabilidade dos textos publicados em repositórios oficiais263 de jurisprudência. Sobre o
tema, colhe-se a antiga Súmula 290 do STF: “No recurso extraordinário pela letra d do art.
101, II, da Constituição, a prova do dissídio jurisprudencial far-se-á por certidão, ou mediante
a indicação do Diário da Justiça ou de repertório de jurisprudência autorizado, com a
transcrição do trecho que configure a divergência, mencionadas as circunstâncias que
identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.”
261 Art. 331 do RI/STF. A divergência será comprovada mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. Parágrafo único. Não serve para comprovar divergência acórdão já invocado para demonstrá -la, mas repelido como não dissidente no julgamento do recurso extraordinário.
262 Art. 266 do RI/STJ. [...] § 1º A divergência indicada deverá ser comprovada na forma do disposto no art. 255, §§ 1º e 2º, deste Regimento.
263 “Art. 225 do RI/STJ: § 3º São repositórios oficiais de jurisprudência, para o fim do § 1º, b, deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista do Tribunal Federal de Recursos, e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único deste Regimento”.
104
Também como acontece com o recurso especial fundado na interpretação
divergente da lei federal realizada por outro tribunal, no corpo dos embargos de divergência
cabe ao recorrente demonstrar, de forma clara, a dissensão. Deve, por outras palavras, fazer a
comparação analítica da desarmonia, mediante a transcrição dos trechos dos acórdãos que
configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os
casos confrontados. Como já consignado neste trabalho, a forma mais eficaz de se realizar tal
demonstração é mediante a confecção de uma tabela no corpo do recurso com duas colunas,
uma destinada ao acórdão recorrido e outra, ao lado, destinada para a transcrição do acórdão
paradigma. Este formato de exposição, de um lado, atende a exigência formal de transcrição
dos trechos conflitantes e, de outro lado, evidência a semelhança das bases fáticas e, ao
mesmo tempo, a discrepância de respostas judiciárias. É dizer, a tabela permite comparar os
argumentos contrários de um (paradigma) e outro (recorrido) acórdão.
Os acórdãos confrontados devem ter bases fáticas suficientemente iguais, ou seja,
não precisam se igualar em todos os mínimos detalhes, mas, apenas, naquilo que for essencial,
nuclear, fundamental. Como já sustentado, a igualdade fática exigida para se buscar a
uniformização de entendimentos – e, por consequência, o tratamento igualitário perante a lei
– precisa restringir-se ao núcleo da questão e não a pontos periféricos. O que precisa mesmo
ser passível de comparação são os motivos determinantes que levaram a uma e outra
conclusão, de modo a que o órgão dentro do tribunal de composição mais ampla, decida,
afinal, qual das duas posições jurídicas espelha o real entendimento da Corte. Em suma: é
imperativa a comparação da essência da tese jurídica do acórdão paradigma e o acórdão
recorrido e é dispensável o cotejo das considerações periféricas dos julgados.
No ponto, Sergio Seiji Shimura264 sustenta que: “Tanto para o Superior Tribunal
de Justiça, como para o Supremo Tribunal Federal, insta lembrar que, entre os dois acórdãos
que se mostraram dessemelhantes, é necessário que se tenha exercido o mesmo grau de
cognição. Por outras palavras, se a decisão da Turma é pelo não-conhecimento do recurso
especial, não cabe invocar – como decisão divergente – acórdão que apreciou o mérito
recursal.”
Com o máximo respeito, em parte discordando de Sergio Seiji Shimura, acredita-
se que não é possível guardar, sempre, o mesmo grau de cognição. Como cediço, é
264SHIMURA, Sergio Seiji. Embargos de divergência. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; et al (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 418-419.
105 pressuposto para o manejo dos embargos de divergência que exista desacordo entre órgãos da
mesma Corte. Assim, por exemplo, se o acórdão recorrido não admitiu o recurso especial por
entender não configurado o requisito da “causa decidida” (prequestionamento), para
viabilidade e utilidade dos embargos de divergência, a parte de confrontá-lo com acórdão
paradigma que, decidindo de forma diferente como o prequestionamento se configura,
admitiu outro recurso especial e, por conseguinte, conheceu do seu mérito. Note-se que neste
caso a comparação entre acórdão recorrido e paradigma não se dará quanto ao capítulo que
trata do mérito do acórdão modelo, mas, sim, quanto à parte que trata da admissibilidade do
recurso. Quer isto dizer que embora os acórdãos tenham grau de cognição final diferente (em
um caso não houve enfrentamento de mérito e no outro houve), no que diz respeito à
admissibilidade, o grau de cognição é comparável e a dissensão é demonstrável. A não ser
assim jamais serão admissíveis os embargos de divergência no juízo de admissibilidade,
afinal, para seu cabimento nesta circunstância, é necessário que se aponte acórdão paradigma
onde o juízo de admissibilidade foi positivo (ou vice-versa). Ora, e se no acórdão paradigma o
juízo foi positivo, naturalmente, o mérito do recurso foi julgado, pois, como cediço, os
pressupostos de admissibilidade são, para valer-se de uma metáfora, uma espécie de
passaporte que tem o único objetivo de viabilizar o exame do mérito. Assim, inegável que o
grau de cognição não é um dogma e deve ser aferido caso a caso.
A doutrina de Araken de Assis265 parece avalizar essa posição, verbis: “Por
exemplo, o acórdão embargado não conheceu do recurso especial, porque versava questão
constitucional, enquanto o acórdão paradigma conheceu do recurso e enfrentou o mérito. Se,
ao contrário, o acórdão embargado não conheceu do recurso, entendendo que ausente certa
condição de admissibilidade, enquanto o acórdão paradigma conheceu do recurso, estimando
preenchida aquela condição, cabem embargos de divergência.”
Apesar do rigor266 – excessivo muitas vezes – na análise da similitude fática
necessária a confronto de teses jurídicas, é de se reafirmar que, em situações excepcionais, a
Corte Especial267 do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “sendo notória a divergência
265 ASSIS, Araken. Manual dos recursos. De acordo com a nova sistemática para os recursos repetitivos no STJ (Lei 11.672/2008 e Resolução 8/2008). 2.ed. São Paulo: RT, 2008, p. 841.
266 “Com efeito, os tribunais de superposição devem utilizar da melhor interpretação para fazer valer o interesse da lei, afastando-se do excessivo rigor quanto às normas processuais. De fato, no momento em que se burocratizam demasiadamente os requisitos de admissibilidade, afasta-se a mais justa aplicação da lei”. (TORREÃO, Marcelo Pires. Dos embargos de divergência: teoria e prática no superior tribunal de justiça e no supremo tribunal federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004, p. 168)
267 AgRg nos EREsp 280619/MG, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Corte Especial, julgado em 19-11- 2003, DJ 19-12-2003, p. 301. Na mesma linha: AgRg nos EREsp 649398/SC, Rel. Ministro Francisco
106 de orientação adotada pelo acórdão recorrido e a jurisprudência aqui predominante, é de se
dispensar o rigor formal na demonstração do dissídio”.
O acórdão paradigma deve conter entendimento atual, assim compreendido o
representativo do entendimento ainda em aplicação, pouco importando se o precedente eleito
como paradigma é velho ou novo. Acerca do tema, colhe-se a doutrina de Cassio Scarpinella
Bueno268: “Os embargos de divergência voltam-se à uniformização da jurisprudência atual,
isto é, recente, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Se a
divergência já se mostra defasada ou, até mesmo, superada por novas manifestações dos
órgãos daqueles Tribunais, o recurso deve ser descartado.”
É nesse sentido, aliás, a Súmula 168 do STJ que diz “Não cabem embargos de
divergência quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão
embargado”. No passado, quando tinha atribuição de decidir as questões de direito federal, o
STF também já tinha firmado a Súmula 247 no sentido de que “O relator não admitirá os
embargos da Lei 623, de 19.02.1949, nem deles conhecerá o Supremo Tribunal Federal,
quando houver jurisprudência firme do Plenário no mesmo sentido da decisão embargada”.
Como diz Bernardo Pimentel Souza269: “Os embargos de divergência alcançam
tanto as questões de direito material como as de direito processual. Basta lembrar que o
Supremo Tribunal Federal também decide sobre direito processual ao proferir o juízo de
admissibilidade do recurso extraordinário. Ora, havendo dissenso entre as turmas acerca da
interpretação da legislação processual que cuida da deserção, da tempestividade, da
regularidade formal, são perfeitamente cabíveis embargos de divergência, a fim de que o
Pleno fixe a exegese adequada. Além do mais, o art. 546 não faz restrição alguma quanto à
natureza da quaestio iuris a ser veiculada no recurso. Exige-se apenas o dissenso entre
acórdãos proferidos por órgãos colegiados do próprio tribunal superior.”
Peçanha Martins, Corte Especial, julgado em 04-10-2006, DJ 23-10-2006, p. 233; EREsp 345788/PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Primeira Seção, julgado em 09-06-2004, DJ 02/08/2004, p. 285; EREsp 222525/MA, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, julgado em 06 -12-2000, DJ 19-03- 2001, p. 71; EREsp 776.110/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, julgado em 10-03-2010, DJe 22-03-2010; AgRg nos EREsp 640.527/PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, julgado em 12/11/2008, DJe 24/11/2008.
268 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva. v.5, 2008. p. 311.
269 SOUZA, Bernardo Pimentel. Dos embargos de divergência. Dos recursos. Vitória: Instituto Capixaba de Estudos, 2002, p. 657. No mesmo sentido: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: RT, 2007, p .949-950.
107
Pois bem, interpostos os embargos de divergência no prazo de 15 dias, por
sorteio, o recurso será distribuído ao relator para o juízo de admissibilidade (art. 335, caput,
do RI/STF e art. 266, §3º do RI/STJ). No âmbito do STJ, o relator “poderá indeferi-los,
liminarmente, quando intempestivos, ou quando contrariarem Súmula do Tribunal, ou não se
comprovar ou não se configurar a divergência jurisprudencial”.
Da decisão monocrática de inadmissão, cabe agravo interno no prazo de 5 dias.
De outro lado, no caso de admissão, o recorrido será intimado para responder ao recurso no
prazo de 15 dias. Apresentadas ou não as contrarrazões, o recurso será incluído em pauta para
julgamento colegiado.
No âmbito do STF, os embargos de divergência serão, sempre, julgados pelo
Tribunal Pleno (art. 6º, IV do RI/STF). No STJ, por sua vez, embargos de divergência serão
julgados pela Seção competente quando as Turmas divergirem entre si ou o paradigma for da
própria Seção. Ainda no âmbito do STJ, se a divergência for entre Turmas de Seções diversas,
ou entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial, caberá a esta o julgamento do recurso
(art. 266 do RI/STJ).
Por ocasião do julgamento, o órgão competente, como diz José Carlos Barbosa
Moreira270 “assentará a tese jurídica correta e aplicá-la-á à espécie”.
Neste caso, cumprida estará a missão de solucionar a divergência intra muros, o
que, a um só tempo, resolverá o processo em si e gerará um precedente forte – fortíssimo – a
ser aplicado em casos subsequentes, posto que oriundo do órgão de composição mais ampla
para julgamento do tema no âmbito de cada respectivo tribunal.
A esse propósito, Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery271 dizem que:
“Reconhecida a divergência, o órgão superior do STF ou STJ procederá cronologicamente da
seguinte forma: a) fixará a tese jurídica que, naquele tema, deverá prevalecer; b) poderá cassar
o acórdão embargado e rejulgar a matéria nele discutida ou mantê-lo, caso entenda que a tese
prevalecente não é a do interesse do embargante. Para a fixação da nova tese jurídica sobre a
matéria sobre a qual até então divergiam os órgãos fracionários do STF ou STJ, o tribunal
poderá prestigiar um ou outro entendimento daqueles órgãos, ou ainda criar um novo
270 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2006, p. 636.
271 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 950.
108 entendimento com outros fundamentos. Por isso é que, nos EDiv, o tribunal, depois de firmar
a existência da divergência, fixará a nova tese jurídica e a aplicação ao caso concreto. É nisso
que reside o comando previsto no STF 456 e no RISTJ 257, quando se refere a „aplicar o
direito à espécie‟, porque os EDiv são uma espécie de continuação do julgamento do RE e do
REsp.”
Contra o acórdão do STJ, se presente qualquer das hipóteses constitucionais (art.
102, III), ainda caberá o recurso extraordinário para o STF. De outro lado, contra o acórdão
dos embargos de divergência no âmbito do STF caberá apenas o recurso de embargos de
declaração para esclarecer obscuridade, eliminar contradição ou suprir omissão de ponto
sobre o qual devia pronunciar-se o tribunal. Fora destas hipóteses, é o fim da linha por
esgotamento total da cadeia recursal no sistema brasileiro.
O projeto de novo Código também altera substancialmente os embargos de
divergência. Ressalvada a omissão quanto ao cabimento dos embargos de divergência no
âmbito do STF – que, se mantida na redação final, certamente representará um retrocesso –,
nos demais aspectos, o texto projetado deixa clara as diversas hipóteses de cabimento,
valorizando, portanto, esse clássico instrumento de tratamento igualitário perante a lei.
O art. 997 do PLS 166, de 2010 (PL 8046, de 2010) diz que: „É embargável a
decisão de turma que: I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da
seção ou do órgão especial, sendo as decisões, embargada e paradigma, de mérito; II – em
recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo
as decisões, embargada e paradigma, relativas ao juízo de admissibilidade; III – em recurso
especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo uma
decisão de mérito e outra que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a
controvérsia; IV – nas causas de competência originária, divergir do julgamento de outra
turma, seção ou do órgão especial.”
O texto tem a virtude de deixar clara quais são as hipóteses de comparação
possíveis entre acórdão paradigma e recorrido, com o alargamento do cabimento do recurso
para as causas de competência originária do STJ, o que não é previsto expressamente no
sistema atual.
Além disso, o texto projetado também tem outros dois méritos, pois:
109
a) deixa expresso que no §1º272 do art. 997 que “Poderão ser confrontadas teses
jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência
originária”;
b) soluciona a omissão do sistema atual273 quanto ao termo inicial do prazo para
recurso extraordinário quando o acórdão do recurso especial tem dois capítulos
autônomos, sendo que um deles comporta o recurso extraordinário e outro os
embargos de divergência, prescrevendo no parágrafo único do art. 998 que:
“Na pendência de embargos de divergência de decisão proferida em recurso
especial, não corre prazo para interposição de eventual recurso extraordinário”.
Não obstante os avanços, em resumo do que foi exposto, de lege ferenda, parece
ser interessante consignar no texto do projeto de novo CPC o cabimento dos embargos de
divergência: a) também em recurso extraordinário na esteira do que sempre se admitiu no
sistema brasileiro em termos expressos desde 1949274; b) também em agravo de admissão
(sucessor do atual agravo nos próprios autos), na linha do que se sustentou acima; e, c) tendo
272 Há um equívoco no projeto que merece correção, pois como não há § 2º no art. 997, o texto que hoje está no “§1º” deve ser precedido da expressão “parágrafo único”.
273 Sobre o tema: “1. Interposição simultânea de mais de um recurso contra sentença ou acórdão. Não-cabimento. Princípio da unirrecorribilidade expressamente previsto no Código de Processo Civil de 1939 e implicitamente acolhido pela legislação processual vigente, em razão da sistemática por ela inaugurada e da cogente observância à regra da adequação dos recursos. 2. Embargos de divergência e recurso extraordinário. Interposição simultânea. Impossibilidade. Enquanto não apreciados os embargos opostos pela parte interessada, não se pode afirmar tenha o juízo a quo esgotado a prestação jurisdicional, nem que se cuida de decisão de única ou última instância, pressuposto constitucional de cabimento do extraordinário. 3. Distinção entre o caso sub examine e a hipótese de simultaneidade de embargos infringentes e recurso especial e/ou extraordinário que, quer se entenda ou não como exceção legal à regra da unicidade, não mais subsiste em face da superveniência da Lei 10352/01. Agravo regimental não provido”. (RE 355497 AgR, Relator: Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 25-03-2003, DJ 25-04-2003); “1. O Princípio da unirrecorribilidade estava expressamente previsto no Código de Processo Civil de 1939 e foi implicitamente acolhido pela legislação processual vigente, em razão da sistemática por ela inaugurada e da cogente observância da regra da adequação dos recursos. 2. Embargos de divergência e recurso extraordinário. Interposição contra uma mesma decisão. Impossibilidade. Enquanto não apreciados os embargos opostos pela parte interessada não se pode afirmar que o juízo a quo tenha esgotado a prestação jurisdicional, nem que se trata de decisão de única ou última instância. Pressuposto constitucional de cabimento do extraordinário. Agravo regimental não provido”. (AI 563505 AgR, Relator): Min. Eros Grau, Primeira Turma, julgado em 27- 09-2005, DJ 04-11-2005)
274 “Prende-se a origem desses embargos à relutância do Supremo Tribunal Federal em admitir, sob o Código de 1939, que as decisões de duas turmas comportassem impugnação mediante revista. Argumentava-se que o art. 833 daquele estatuto, referindo-se a „Câmaras Cíveis Reunidas‟, tinha âmbito de incidência restrito aos tribunais estaduais, os únicos onde existia tal órgão. A solução encontrada pelo legislador foi, a nosso ver, das piores: em vez de editar norma (se necessária se entendida que fosse) consagradora, em termos expressos, da aplicabilidade da revista ao Supremo Tribunal Federal, optou a Lei nº 623, de 19-1-1949, por acrescentar ao art. 833 do estatuto processual então em vigor um parágrafo único, assim redigido: „Além de outros casos admitidos em lei, são embargáveis, no Supremo Tribunal Federal, as decisões das Turmas, quando divirjam entre si ou de decisão tomada pelo Tribunal Pleno‟. Surgiu destarte nova e peculiar figura de embargos, a aumentar a equivocidade desse nomen iuris, aplicado a remédios e características mais diversas”. (BARBOSA MOREIRA, BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2006, p. 633).
110 por base acórdão paradigma da mesma turma na hipótese de alteração substancial de sua
composição.
Pelo exposto, inegável que o recurso de embargos de divergência se constitui em
instrumento para tratamento igualitário, pois é mecanismo de uniformização interna, que tem
como fim a unidade na aplicação do Direito em caráter nacional. Sobre o tema, Helena Najjar
Abdo275 diz que: “A preocupação tutelada pela previsão desse recurso é, justamente, a
preservação da isonomia entre os jurisdicionados. Ou seja, não quer o sistema processual (e,
evidentemente, toda a sociedade) que se estabeleçam diferenciações injustificáveis entre
sujeitos que se encontram em situações idênticas.”
Seu resultado, por ser oriundo de órgãos de cúpula do STF e STJ, exerce enorme
influência no julgamento de casos futuros, tanto que como diz Araken de Assis276 “firma uma
orientação universal” que preferencialmente deve ser materializada em súmula (arts. 44, I e
IV; 121 a 124 do RI/STJ e arts. 7º, VII, 102 e 103 do RI/STF), daí porque tanto no sistema em
vigor quanto no sistema projetado tem a virtude de possibilitar o tratamento igualitário
perante a lei.
11. Conclusão
No início deste trabalho, apontamos a existência de um problema no sistema
brasileiro: a falta de unidade na aplicação do direito.
E, a partir do estudo da força dos precedentes judiciais, o trabalho se dispôs a
abordar a forma como o direito nacional está se transformando para mudar esse cenário.
Na brevíssima exposição sobre alguns aspectos do common law foi possível
verificar que a base daquele sistema para alcançar clareza, estabilidade, previsibilidade,
eficiência e legitimidade é o respeito a produção judicial pretérita, especialmente de tribunais
superiores, pois, de regra, os precedentes de cada tribunal vinculam o órgão inferior e, na
275ABDO, Helena Najjar. Embargos de divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de direito
comparado. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ASSIS, Araken de (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: RT, 2006, v. 9, p. 229.
276 ASSIS, Araken. Manual dos recursos. De acordo com a nova sistemática para os recursos repetitivos no STJ (Lei 11.672/2008 e Resolução 8/2008). 2.ed. São Paulo: RT, 2008, p. 854.
111 maioria dos casos, a si mesmo. Nos países que adotam tal sistema é corrente que casos iguais
sempre merecem idêntico tratamento (treat like cases alike). Estabilidade e previsibilidade
são, portanto, pilares do sistema anglo-saxônico.
O trabalho também abordou aspectos do recurso especial, do recurso
extraordinário e dos embargos de divergência, ocasião que se constatou que o direito
brasileiro caminha para garantir a desejável unidade, que, em última análise, importa em
assegurar a igualdade perante a lei prescrita em cláusula pétrea (art. 5º, caput) e elevada a
valor supremo (preâmbulo) da sociedade brasileira pela Constituição da República.
Constatou-se também que, de maneira geral, a boa aplicação de tais instrumentos
pressupõe um ato comparação, para identificar os casos são suficientemente iguais e discernir
como se identifica um discrímen legítimo que torna um caso diferente. E é nessa medida que
técnicas consagradas no common law podem ser úteis ao sistema nacional, em especial a
forma de decompor o julgado paradigma para separar a essência da tese jurídica (ratio
decidendi ou holding) das considerações periféricas (obiter dicta), além das técnicas de
distinguishing e overruling.
Em suma, com os olhos voltados à solução prática de processos judiciais, o
trabalho enalteceu a força dos precedentes judiciais no moderno Processo Civil Brasileiro.