tese sandro marmelo. petroleo e a necessidade de um multilat

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Coimbra, 2009. Faculdade de Economia Universidade de Coimbra Mestrado em Relações Internacionais: Estudos de Economia Política Internacional Dissertação Final de Mestrado O mercado petrolífero Mundial: a necessidade de um multilateralismo de gestão energética Sandro Miguel Pereira Marmelo Aluno nº20040573 Orientador: Professor Joaquim Feio Ano lectivo 2008/09

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  • 1. Faculdade de Economia Universidade de Coimbra Mestrado em Relaes Internacionais: Estudos de Economia Poltica Internacional Dissertao Final de MestradoO mercado petrolfero Mundial: a necessidade de um multilateralismo de gesto energticaSandro Miguel Pereira Marmelo Aluno n20040573 Orientador: Professor Joaquim Feio Ano lectivo 2008/09Coimbra, 2009.

2. ObrigadoAos amigos, pela compreenso da minha ausncia. Ao Professor Joaquim Feio, pela pacincia. famlia pelo apoio.ii 3. ndice 1.Introduo ............................................................................................................... 1 2. A indstria petrolfera: uma histria de procura de poder em 3 fases. .......... 12 2.1. A primeira fase: a anarquia de mercado ........................................................ 13 2.2. A segunda fase do mercado: da internacionalizao cartelizao empresarial............................................................................................................... 15 2.3. A terceira fase da indstria: a ascenso dos Estados-nao e a criao de um oligoplio petrolfero trilateral. ......................................................................... 25 3. O binmio cooperao-confrontao como modelo estruturante do mercado petrolfero hodierno. ................................................................................................ 33 3.1. A teoria do oligoplio vertical.......................................................................... 34 3.2. A oligopolizao vertical de mercado como modo de convergncia terica de interesses. ........................................................................................................... 37 3.3. A conflitualidade imanente a uma estruturao oligoplica de mercado. ... 40 3.3.1. A estruturao do mercado petrolfero e o seu potencial de conflito. ..... 41 3.3.2. O petrleo como instrumento de crispao poltico-econmica mundial. 45 3.3.3. A questo da propriedade de recursos e a deteriorao dos termos de troca na gnese de conflitos econmicos. ............................................................. 48 4. O binmio cooperao-confrontao como mecanismo do egosmo racional: a Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo como exemplo. ................. 54 4.1. O debate entre o institucionalismo funcional e o neo-realismo: uma adaptao OPEP. .................................................................................................. 55 4.2. Uma organizao tripartida. ............................................................................ 61 4.3. A OPEP: um elemento de desestabilizao econmica internacional. ......... 65 4.4. A OPEP: uma estrutura sustentvel? .............................................................. 67 5. A sustentabilidade do mercado internacional de petrleo. .............................. 70 5.1. A interdependncia entre o processo de Globalizao e o processo de petrolizao econmica. ....................................................................................... 71 5.2. A importncia do petrleo: uma realidade socialmente construda. ............ 75 5.3. A teoria do colapso social e a Longa Emergncia econmica. .................. 78 5.4. O pico petrolfero: entre a preocupao e a negao................................... 88 5.4.1. A contra-informao como modo de fortalecimento dos elementos produtores do oligoplio petrolfero. ...................................................................... 94 5.4.2. As multinacionais e a alterao gradual do seu rumo negocial: um indcio forte do pico petrolfero. ......................................................................................... 99iii 4. 6. A necessidade de um novo consenso econmico baseado num novo paradigma energtico............................................................................................ 104 6.1. Obstculos a uma renovao energtica ..................................................... 105 6.1.1. A questo econmico-financeira................................................................ 107 6.1.2. A questo social. ......................................................................................... 111 6.2. O papel dos Estados nacionais num processo de reconverso energtica. ................................................................................................................................ 114 6.2.1. O papel dos agentes privados e a importncia da sua articulao com os Estados. .................................................................................................................. 117 6.2.2. Rumo a um multilateralismo de gesto energtica.................................. 121 7.Concluso ............................................................................................................ 125iv 5. Resumo:Este estudo pretende desenvolver uma anlise da indstria internacional do petrleo, e dos seus impactos tanto na sociedade, no seu mbito interno, como no mercado internacional. O objectivo ser provar que o petrleo, apesar de numa primeira fase ter permitido um desenvolvimento econmico bastante acentuado a praticamente todos os Estados do globo, interagindo com o processo de globalizao econmica, constituiu-se, nas ltimas dcadas, como um elemento potenciador de instabilidade, tanto econmica como securitria, no contexto internacional. Sendo um mercado baseado em relaes de poder, esta indstria fica sujeita aos interesses conjunturais de uma srie de Estados que perseguem interesses prprios. Do mesmo modo, sendo uma realidade socialmente construda e legitimada por governos e populaes, esta fora produtiva foi vista como inesgotvel por estes agentes, tendo isto impedido a criao e a tomada de medidas destinadas ao combate dependncia petrolfera mundial, subsistindo este mercado num oligoplio produtivo trilateral muito particular, estando longe de ser uma estrutura de mercado democratizada e baseada nos princpios econmicos liberais.v 6. Abstract:This study aims to develop an analysis of the international oil industry and its impact both in international society and in the international market. The aim is to prove that oil, although initially have allowed an accelerated economic development of almost all states of the world, interacting with the process of economic globalization, embodies itself in recent decades as an enhancer element of instability, both economic and securitary, in the international context. As a market based in power relations, this industry is based in agents that pursue their own interests. Similarly, being a socially constructed reality, legitimized by governments and peoples, oil as a productive force was taken as an infinite resource, and this prevented the creation and adoption of measures to combat global oil addition.vi 7. 1.IntroduoA energia foi desde sempre um elemento fundamental para a construo e fortalecimento da identidade humana ao longo dos sculos, num processo que principiou com a descoberta do fogo na poca primitiva e que gradualmente se foi estabelecendo como elemento potenciador de bem-estar social e econmico medida que as sociedades se iam tambm desenvolvendo poltica e economicamente. Foi no ltimo sculo que se assistiu ascenso de um sistema energtico de grande importncia para o mundo, nomeadamente o sector petrolfero, que se constitui como recurso energtico por excelncia do desenvolvimento econmico e social, e que teve grande parte de responsabilidade na criao da moderna sociedade da informao.O petrleo , portanto, um elemento imprescindvel ao sistema econmico internacional moderno, e ao prprio sistema de relaes internacionais, visto ter-se consolidado como um importante mecanismo de poder, econmico e diplomtico, para uma srie de agentes econmicos, nomeadamente empresas multinacionais e Estados produtores de petrleo, que procuram o domnio deste recurso vital, atravs de mecanismos de organizao1 8. empresarial no mercado e na arena poltica internacional tendo em vista uma maximizao de poder atravs do controlo da produo e comercializao petrolfera.Este trabalho procura explicitar que o modelo de organizao por excelncia dos actores petrolferos neste mercado faz-se atravs de mecanismos de oligopolizao e verticalizao, ou seja em relaes de estratificao econmica e em jogos de poder entre agentes. O realismo est portanto muito presente na gnese estrutural deste mercado que subsiste num oligoplio petrolfero trilateral, onde a cooperao cclica e a confrontao quase permanente so a norma que prevalece neste mercado.Esta dissertao tem o duplo objectivo de dar a conhecer os fundamentos polticos e econmicos subjacentes ao mercado petrolfero, enquanto estrutura fundamental das sociedades contemporneas, e por outro lado, procurar dar a conhecer os efeitos criados pela estruturao petrolfera mundial.Pretendemos comprovar que uma estruturao oligoplica do mercado petrolfero lesa e volatiliza no s a economia, como tambm o prprio2 9. ambiente poltico mundial. Uma estrutura de mercado baseada numa srie de agentes econmicos que perseguem interesses de curto-prazo, aliado a uma estruturao social e governativa internacional que impediu a criao de medidas de combate a um sistema energtico pouco democrtico na sua essncia, torna o sistema poltico e econmico internacional extremamente voltil.Ser um oligoplio produtivo do mais importante recurso do mundo sustentvel no longo prazo? Quais os efeitos da utilizao excessiva por parte das sociedades contemporneas de uma energia dinmica, porm sujeita a exausto? Que dificuldades aguardam a sociedade internacional, e a economia mundial, perante a necessidade de uma eventual mudana de paradigma energtico dominante?O sistema petrolifero,a sua sustentabilidade e o seu modelo deestruturao tm sido nos ultimos anos, um dos factores mais prementes e cruciais para entender as dinmicas econmicas e politicas mundiais, tendo esta indstria se consubstanciado nos ltimos anos como um elemento de instabilidade crnico, tanto no respeitante ao nvel securitrio como no que concerne ao sector econmico. portanto relevante a escolha desta temtica para a elaborao desta dissertao, na medida em que o lapso temporal em3 10. que esta dissertao foi escrita foi atravessado transversalmente por uma srie de fenmenos, econmicos e sociais, gerados por aumentos histricos dos preos do petrleo internacional que, estranhamente, so pouco analisados e discutidos pela sociedade civil, como se uma crise energtica fosse uma consequncia e no uma causa das crises econmicas e financeiras a que assistimos no sculo XXI.A anlise do mercado petrolfero mundial ento importante pois aps um perodo de seis anos, correspondente aos dois choques petroliferos da dcada de 70, em que os governos sentiram necessidade de diversificar a sua poltica energtica, a descoberta de novas jazidas petrolferas, e a consequente expanso industrial que esta situao potenciou, tornaram de novo indispensvel a descoberta continuada de jazidas petroliferas. Os agentes econmicos passaram ento a analisar as crises energticas, e econmicas sob um ponto de vista de curto-prazo, cujo solucionamento estaria numa nova expanso industrial, potenciada por novas descobertas petrolferas, sendo que medidas de longo-prazo, nomeadamente uma reestruturao dos ciclos energticos mundiais, foram negligenciadas.Portanto o enquadramento terico seguido por este trabalho pretende comprovar que o mercado internacional de petrleo realista na sua gnese4 11. estrutural e construtivamente sustentado. As bases do mercado internacional depetrleoemergemdestadualidadeterica,comopretendemoscomprovar.A bibliografia relacionada com esta temtica assenta portanto numa dualidade doutrinal que este trabalho procura captar. O primeiro indcio desta dualidade assenta no estudo da estruturao deste mercado, e das foras que o constituem e interagem entre si no mercado. Este um tema relativamente analisado e explorado, onde os pontos de convergncia entre obras se cifram na noo de que este mercado se baseia em jogos de procura de poder, econmico e diplomtico, poder este que se adquire atravs do domnio da capacidade produtiva de petrleo.Entre as obras que procuram analisar a estrutura do mercado petrolfero mundial, o livro de Alessandro Roncaglia (1985) The international oil market:a case of trilateral oligopoly, caracteriza o mercado internacional de petrleo como um oligoplio constitudo por trs elementos: o primeiro elemento ser constitudo pelas multinacionais petrolferas, o segundo elemento sero os Estados produtores de petrleo e o terceiro elemento consubstanciar-se- nos Estados consumidores de petrleo. Apresentando este modelo de estruturao, Roncaglia caracteriza o mercado internacional de petrleo,5 12. como uma estrutura dinmica, sujeita a interesses conjunturais dos agentes envolvidos, reflectindo as suas aces esta dinmica de procura de poder.A obra de Daniel Yergin (1992) The prize: the epic quest for oil, Money andpower onde o autor caracteriza o mercado petrolfero, na sua globalidade, como um jogo de procura de poder de soma nula, onde os benefcios que um agente alcana so resultado das perdas dos demais agentes concorrentes no mercado tambm outro importante instrumento de anlise do mercado petrolfero, sendo reconhecido como a obra que melhor combinou elementos histricos com elementos poltico-econmicos de anlise para caracterizar este mercado como uma estrutura egoisticamente racional.No que concerne analise da sustentabilidade deste mercado, os estudos que versam sobre esta componente do mercado petrolfero tm vindo a aumentar ao longo do tempo, sobretudo a partir da dcada de 1970 com o advento das crises energticas despoletadas pela Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo, e o seu impacto sobre a sociedade ocidental, com o ressurgimento das teses de Malthus, acerca da (in)sustentabilidade econmica mundial, e com a publicao do relatrio do Clube de Roma: todos estes contributos advogam a necessidade de criar limites ao6 13. crescimento econmico e medidas de conservao econmica e social, como modo de evitar o colapso das sociedades modernas.A partir destas teses estabelecem-se dois pontos de anlise distintos, concernentes sustentabilidade dos mercados petrolferos mundiais:Por um lado a tese mais catastrofista, personificada na obra de James Howard Kunstler (2005), urbanista e jornalista americano, The LongEmergency: Surviving the Converging Catastrophes of the Twenty-first Century, advoga o fim das sociedades que se baseiem em recursos naturais no-renovveis, no havendo medidas capazes de inverter este declnio. O autor critica as modernas sociedades como modo e estilo de vida, por considerar as mesmas um subproduto nascido da confluncia de dois factores: um perodo de paz relativa conjugado com quantidades abundantes e baratas de combustvel no-renovvel.Autilizaoexcessivadestaenergiafinitaenquantomododedesenvolvimento coloca em risco o presente e futuro econmico, e levar inevitavelmente ao colapso econmico e social, e ao fim da sociedade como a conhecemos, sendo que nem medidas de reestruturao econmica e7 14. social ou medidas tendentes adopo de novas fontes energticas podero impedir o fim da sociedade moderna, baseada em hidrocarbonetos.Contrastando com esta tese mais catastrofista surgem outras teses mais optimistas, ainda que as mesmas assumam a insustentabilidade do sistema energtico baseado no petrleo, assumindo tambm que a oligopolizao do mercado petrolfero e a inerente volatilidade do mercado poder servir como um estimulo descoberta de fontes energticas mais baratas, mais limpas e menos desestabilizadoras da ordem internacional moderna, e criao de uma sociedade baseada num paradigma energtico e produtivo diferente do actual.Entre estas obras merecem destaque o livro do economista Stephen Leeb (2006), The coming economic colapse: how you can trive when oil costs200$ a barrel, que malgrado acreditar que perante o aumento da procura de petrleo por parte de uma srie de economias emergentes, como a ndia e a China, e da diminuio do abastecimento de petrleo devido iminncia de um pico de produo petrlifera, o mundo poder entrar numa catstrofe econmica podendo o preo do petrleo atingir os 200 dlares por barril. Esta situao no entanto poder ser aproveitada para gerar riqueza por parte dos agentes econmicos que saibam aproveitar as oportunidades que8 15. surgiro deste estado de coisas, nomeadamente no que concerne ao investimento em fontes energticas capazes de suavizar a crise energtica.Peter Tertzakian, economista merece tambm destaque, com o seu livro1000 barrels a second (2006), onde adverte para a necessidade de uma reestruturao energtica ao nvel mundial, para que os nveis de vida que o petrleo de extraco barata e abundante propiciaram se possam manter. A energia e o seu controlo sempre determinaram a subsistncia ou a decadncia das sociedades, e desta vez, com o petrleo, no ser diferente. Ao contrrio de Kunstler, Tertzakian acredita que existem alternativas que possibilitem a manuteno do nosso padro de vida actual, mesmo perante um cenrio de fim do petrleo de custo baixo e muito abundante, acreditando tambm que a chave para isto acontecer reside em pequenos passos dados pela humanidade, que permitam mesma comprar tempo para implementar alternativas energticas eficazes e substitutas perfeitas do petrleo.De modo a atingir os objectivos propostos no inicio desta dissertao, a tese estar dividida em duas partes lgicas: os captulos 2 e 3 diro respeito anlise da estrutura do mercado petrolfero internacional, tanto no passado como no presente, procurando caracterizar este mercado como um elemento9 16. de instabilidade da ordem poltica e econmica internacional, visto basear-se numa estrutura lesiva da livre concorrncia, o oligoplio, cujo ncleo produtivo elabora estratgias de curto-prazo para procurar alcanar poder, politico e econmico, sobre o ncleo consumidor, num contexto anrquico e sem regulador definido. A OPEP ser analisada no captulo 3 como estudo de caso, procurando demonstrar que mais do que uma estrutura de regulao de mercado actual, um elemento de instabilidade internacional.A segunda parte, envolvendo os captulos 4, 5 e 6 procura analisar a vertente de sustentabilidade deste mercado, e do oligoplio a si subjacente. Inicialmente procurar-se- explicitar at que ponto o petrleo contribuiu para a modernidade, para o potenciar do processo de globalizao, e para um consequente aumento artificial dos modos de vida e de criao de riqueza, mas tambm analisar em que medida uma sociedade baseada numa energia no-renovvel, e sujeita a oligoplios de produo, poder ser sustentvel no mdio e longo-prazo, onde se perfilam uma srie de epifenmenos, desde logo o pico petrolfero, que podem colocar em causa a sustentabilidade do oligoplio petrolfero mundial.O trabalho procura por fim apresentar algumas propostas para contornar a actual estruturao do mercado energtico actual, sujeito a uma srie de10 17. interesses de curto-prazo dos agentes envolvidos neste processo, e as dificuldades de apresentao de um plano energtico inovador e no sujeito a rupturas propiciadas pelo mercado. Nomeadamente ser apresentada a necessidade de um maior multilateralismo de gesto energtica, como essencial para a estabilizao poltica e econmica internacionalH que ressalvar que todas as citaes aqui reproduzidas literalmente, e provindas de um contexto idiomtico original que no o portugus, se encontram de antemo traduzidas para a lngua portuguesa, sendo de qualquer modo sempre explicitada, conforme a boa etiqueta acadmica, a edio e o nmero de pgina da obra original de onde estas citaes foram retiradas. Deste modo foi pretenso do autor poupar algum espao textual, e economizar algum tempo de leitura ao leitor, aplicando este espao noutros segmentos da tese, evitando a colocao das citaes originais no contexto textual.11 18. 2. A indstria petrolfera: uma histria de procura de poder em 3 fases.A energia, e o petrleo, desde sempre se fundamentou num jogo de procura de poder entre todos os agentes envolvidos neste mercado, que ora cooperam entre si para obter benefcios econmicos de curto-prazo ora se confrontam em defesa dos seus interesses prprios. Esta dualidade relacional marcou a indstria petrolfera ao longo dos trs ciclos de mercado que a mesma atravessou, segundo a anlise deste trabalho.12 19. 2.1. A primeira fase: a anarquia de mercadoA fase inicial deste mercado corresponde a umlapso temporalrelativamente curto, menos de uma dcada, ocorrendo no primeiro quartel do sculo XIX, em paralelo com a descoberta de jazidas petrolferas nos Estados Unidos da Amrica, no Estado da Pensilvnia. Sendo este lapso temporal coincidente com o inicio da Segunda Revoluo Industrial havia portantonecessidadedefontesenergticascommaiordinamismoeconmico do que, por exemplo, o leo de baleia e o querosene que eram ento as fontes energticas mais comummente utilizadas, sobretudo para o aquecimento e iluminao.As primeiras descobertas de jazidas petrolferas levaram, uma srie de entidades individuais e colectivas a entrarem numa corrida ao petrleo, disputando entre si os terrenos, onde as descobertas ocorreram. A competiodesenfreada,desorganizadaeanrquica,desprovidadeconhecimento tcnico, e de enquadramentos legais ao nvel da explorao, levou destruio de uma srie de poos petrolferos ou sua exausto prematura, o que levou por sua vez a flutuaes de preos bastante acentuadas no mercado1 (Maugeri, Leonardo, 2006). A primeira fase deste 1Segundo Maugeri (2006: 6) em 1860 o preo do petrleo era de 0.10 dlares por barril (D/B), tendo em 1861 chegado aos 10 D/B. Em 1862 as flutuaes faziam-se em torno dos 0.10 D/B e os 2.25 D/B.13 20. mercado corresponde portanto a uma fase de anarquia entre agentes neste mercado.14 21. 2.2. A segunda fase do mercado: da internacionalizao cartelizao empresarial.A segunda fase deste mercado, data do inicio da dcada de 60 do sculo XIX at 1960. Contrariamente primeira fase do mercado, a comercializao e explorao deste recurso no se consubstanciava em entidades individuais ouempresassub-organizadas,massimemempresasfortementeorganizadas e burocratizadas e estruturadas verticalmente (Yergin, 1992). Estaportantoapocaemqueocorreverdadeiramenteainternacionalizao petrolfera, em paralelo com o aumento da sua importncia nos ciclos econmicos mundiais.Segundo Alfred Chandler (1990) coube a John Rockeffeller, o fundador da primeira empresa petrolfera de dimenso global, a Standard Oil Company , inaugurar uma nova era no mercado internacional de petrleo, sobretudo o modo de organizao empresarial desta indstria: as empresas que efectivamente queriam entrar no mercado tinham de seguir a mesma estratgia da empresa de Rockeffeller, ou seja a verticalizao empresarial, conseguida atravs da actuao de uma empresa ao longo de toda a cadeia de produo e distribuio de um recurso, procurando deste modo diluir os riscos de mercado igualmente pelas vrias fases da cadeia produtiva.15 22. Em boa verdade nenhuma empresa fazia concorrncia companhia criada por Rockefeller que personificava um monoplio 2 que tornava impossvel uma competio em igualdade de condies entre todos os intervenientes de mercado (Yergin, 1992: 42-44). A alterao deste status quo monoplico foi portanto o grande desafio que a indstria petrolfera enfrentou nesta fase do mercado, dado o interesse renovado pelo petrleo na esfera internacional que implicou o surgimento de uma srie de novos actores a actuar no sector petrolfero, dentro e fora dos EUA.Um sistema regulatrio tendente ao favorecimento da livre-concorrncia no mercado internacional surgiu inevitavelmente: o Sherman Antitrust Act de 18903 que implicou uma diviso, decretada pelo Supremo Tribunal Americano em 1911, do monoplio de Rockefeller em 33 empresas, que por meio de processos de aquisio e fuso empresarial, deram origem s cinco grandes empresas petrolferas americanas4, foi o exemplo mais claro da2Segundo Maugeri (2006) a Standard Oil Company controlava, em 1890, 90% das refinarias e canais de distribuio americanos, detinha a vasta maioria dos carros tanque utilizados para a distribuio petrolfera por estrada e ferrovia, detendo alm do mais a grande maioria da frota martima destinada distribuio mundial de petrleo. Detinha ainda uma vasta rede de contactos espalhados por todo o territrio americano, que transmitia para a sede da companhia uma srie de informaes, como o nvel dos preos de petrleo vendido a retalho, as vendas de querosene e a descoberta de novas jazidas petrolferas que pudessem afectar o preo do mercado petrolfero, e os lucros da Standard Oil Company. 3 Segundo Hans Thorelli (1955), o Sherman Antitrust Act de 1890 foi motivado pela crescente hostilidade entre actores no mercado relativamente ao monoplio que vigorava, considerado como sendo antagnico dos interesses dos consumidores e das instituies democrticas. O Sherman Act visava assim o fim do monoplio petrolfero, e dos abusos de mercado e o fim das situaes que o perpetuavam, nomeadamente as restries entrada de novos actores neste mercado, e a sua absoro pelas empresas de maior dimenso. 4 Exxon, Mobil Oil e Chevron,Texaco e a Gulf Oil (Parra, Francisco, 2004: 10).16 23. interveno regulatria estatal no mercado, com vista a torn-lo mais concorrencial5 (Yergin, 1992).Na Europa fundada, em 1889, a Royal Dutch Petroleum, companhia holandesa que actua, preferencialmente, na regio das ndias Holandesas. Em 1897 surge a empresa britnica Shell Transport and Trading Company, que controlava uma grande percentagem da produo de petrleo russo, e asitico6 (Laurent, 2006).Para compensar a poltica de subsdios da Standard Oil em territrio americano, combater a dependncia Europeia do petrleo de abastecimento Russo, e combater a influncia crescente da Standard Oil Company nas suas regies de influncia, os lderes da Shell, Samuel Marcus, e da DutchPetroleum Transport, Henri Detterding, decidem uma fuso das suas companhias, em 1906, daqui nascendo a Royal Dutch Shell, que no final da primeira guerra mundial deteria um poder de mercado na ordem dos 75% (Yergin, 1992).5A Shell comprou em condies muito vantajosas os interesses da Rotschilds no petrleo explorado em Baku, no Azerbeijo, poca territrio russo (Laurent, 2006: 35). 6 A Shell detinha concesses petrolferas na regio da Insulndia, na Indonsia, na Tailndia, nas Filipinas e na Birmnia (Laurent, 2006).17 24. Em teoria a indstria petrolfera mudava os seus pressupostos bsicos de actuao: de um monoplio, baseado na actuao da Standard Oil Company, passa-se a uma nova fase de mercado que, teoricamente, significaria maior concorrncia entre companhias, que deviam obedecer a critrios de maior integrao e verticalizao.A maior concorrncia neste mercado seria tambm decorrente da modificao do paradigma energtico mundial, com a ascenso de uma srie de derivados de petrleo, notavelmente a gasolina, superando as vendas de carvo e do leo de baleia na primeira dcada do sculo XX, facto a que no est alheio o surgimento do primeiro modelo automvel concebido para um pblico de massa, o Ford T7, e da primeira vaga de electrificao mundial (Lopes Velho, 2006).A partir da primeira dcada do sculo XX e em paralelo com a mobilizao blica mundial, o petrleo torna-se um activo fundamental na logstica de guerra8, sentindo-se por parte das vrias chancelarias necessidade de se7O Ford T popularizou-se e tornou-se de utilizao corrente a partir do ano de 1908, em paralelo com a maior facilidade de concesso de crdito e do paradigma produtivo de Henry Ford, produo em massa para um consumo em massa. 8 O petrleo foi utilizado para fins blicos, primeiramente na Marinha Britnica, por despacho do ento Ministro da Marinha de Guerra Britnica, Winston Churchill, que deu ordem para a mesma marinha fazer a transio do carvo para o petrleo, pois este facilitava enormemente o esforo de guerra tanto no nvel logstico como no nvel de combate.18 25. encontrarem novas reas de produo e prospeco deste recurso9, sobretudo para o abastecimento da mquina de guerra das grandes potncias mundiais, que exigia enormes quantidades de energia para se manterem operacionais10O conflito pe em destaque o facto do petrleo se ter tornado no s um recurso econmico essencial, mas tambm um importante factor estratgico, fenmeno que as grandes potncias compreenderam imediatamente.Perante a viragem britnica para um sistema energtico mais eficiente, baseado no petrleo, o Kaiser alemo, Guilherme II, inicia a construo de um caminho-de-ferro, ligando Berlim a Bassor, com passagem por Istanbul e Bagdade, projecto financiado pelo Deutsche Bank (Laurent, Eric, 2006). Em plena guerra, a ordem alem era tambm para que os submarinos alemes afundassem os grandes navios petroleiros americanos que nesta altura abasteciam a Europa, pois havia a plena conscincia poltica e militar que sem petrleo era impossvel assegurar o esforo de guerra de qualquer uma das alianas envolvidas. Como referiu George Clemenceau, primeiro-ministro9A Venezuela, sobretudo o espao circundante ao Lago Maracaibo, a Lbia, a Arglia e o Iro foram algumas das mais importantes reas de prospeco petrolfera nesta fase do mercado (Parra, 2004). 10 A necessidade de novas jazidas petrolferas tornou-se mais premente dado o fim do acesso aos campos petrolferos russos, situados na regio de Baku, em virtude da revoluo bolchevique (Murray, Williamson e Millet, Allan R., 2000).19 26. francs num telegrama enviado ao Presidente americano, Woodrow Wilson, em 15 de Dezembro de 1917:Qualquer falta de gasolina causaria a paralisia imediata dos nossos exrcitos e poderia obrigar-nos a uma trgua inaceitvel para os Aliados. Se os Aliados no querem perder a guerra, preciso que a Frana combatente disponha de gasolina, quando se der o derradeiro choque germnico, to necessrio como o sangue nas batalhas de amanh (Laurent, 2006: 34).Com o fim da guerra assistimos no s a um perodo de paz, como a um esforo de verticalizao de mercado que contribuiu, num segundo momento desta fase de internacionalizao, para uma centralizao do poder do mercado petrolfero nas mos de sete empresas gigantescas, as chamadassete irms11, que passaram a dominar, impedindo a entrada de novos actores no mercado, sendo estes agentes absorvidos na orgnica destas sete empresas, permitindo-lhes alcanar uma enorme escala de negcios, e confinando os Estados de provenincia das reservas a concesses financeiras extremamente baixas (Lopes Velho, 2006).11Quando falamos das sete irms, e do seu cartel, referimo-nos definio que distingue sete empresas que dominaram totalmente o mercado mundial de petrleo: Exxon, Royal Dutch Shell, Texaco, Mobil Oil, Gulf Oil, Chevron e British Petroleum (Lopes Velho, 2006: 302).20 27. Este estado de coisas foi perpetuado pelo Tratado Da Linha Vermelha, em 1928, que marcou o inicio da cartelizao do mercado de petrleo visando a coordenao de actividades entre as multinacionais e o aumento das barreiras entrada de novas empresas12. Segundo Yergin esta conferncia foi acima de tudo uma conferncia de paz destinada a trazer um novo mpeto indstria europeia e asitica no ps-guerra (1992: 261).O acordo, secreto, foi um modo de as grandes petrolferas partilharem as jazidas petrolferas dos Estados resultantes do colapso do Imprio Otomano13, com o traado de uma linha vermelha ao longo das fronteiras deste antigo imprio, que delimitava e estabelecia que nenhum territrio englobado neste acordo poderia ser explorado sem o consentimento dos restantes signatrios do tratado (Lopes Velho, 2006), como mostra a figura 1.12De facto, o acordo da Linha Vermelha institui um verdadeiro cartel internacional, que aps a formao da Companhia Francesa de Petrleo e das empresas resultantes do desmantelamento da Standard Oil, formou o Cartel das sete irms. 13 Turquia, Iraque, Sria e Pennsula Arbica.21 28. Figura 1: Acordo da Linha Vermelhahttp://farm3.static.flickr.com/2367/2515322575_e503d10e37.jpgAo mesmo tempo as empresas originadas pela dissoluo da CompanhiaTurca de Petrleo estavam obrigadas, por este tratado, a restringir ao mximo as suas concesses territoriais, ou a compra de petrleo no antigo territrio Otomano, o fornecimento de petrleo fora da esfera das sete irms era restringido, assegurando-se o controlo concertado de mercado por parte das grandes multinacionais, e a sua partilha concertada do petrleo do Mdio-Oriente (Keohanne, Robert O., 1984: 151).As regras estabelecidas pelo tratado da Linha Vermelha reflectiram portanto um nexo de no competitividade no mercado, baseando-se no princpio da competitividade como elemento desestabilizador do sistema petrolfero22 29. internacional e na norma de que as empresas no se deveriam envolver em actos competitivos (Keohanne, 1984: 60).Aps a Segunda Guerra Mundial14, a reconstruo europeia e japonesa, patrocinada pelos Estados Unidos da Amrica, e o prprio crescimento norteamericano,tantoeconmicocomodemogrfico 15,impulsionaumamodificao profunda dos estilos de vida das populaes ocidentais, baseando-se esta modificao em remessas de energia barata e abundante, provenientes do Cucaso e Mdio-Oriente (Parra, 2004).Apesardeduranteumsculoteremdominadoomercado,oenfraquecimento do cartel das sete irms a partir da dcada de 1960 foi uma realidade, sendo causado por um aumento do poder reivindicativo dos Estados proprietrios das reservas, por discrdias em torno do sistema das concesses do mdio-oriente, entre multinacionais, e pelo ressurgimento de antigos actores na esfera de produo petrolfera16 (Yergin, 1992: 419-523).14Conflito no qual o petrleo tambm desempenhou um papel fulcral na vitoria dos aliados e na derrota das potncias do Eixo. 15 O Baby-boom. 16 Nomeadamente a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) e alguns Estados do leste europeu, nomeadamente a Romnia (Parra, 2004: 7).23 30. A partir dos anos 60 do sculo XX assistimos a uma deteriorao dos termosdetrocanomercadopetrolferomundial,profundamente e dando incio terceira fase da indstria.24modificando-o 31. 2.3. A terceira fase da indstria: a ascenso dos Estados-nao e a criao de um oligoplio petrolfero trilateral.A terceira e actual fase desta indstria, e aquela que este trabalho procura analisar com maior profundidade, ocorre com a ascenso de uma srie de Estados produtores de petrleo, que se organizam numa estrutura de mercado prpria, a Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP), e que se consciencializam do seu papel nos destinos da economia mundial, ao serem fornecedores lquidos do recurso energtico que mantm estvel esta mesma economia. Do mesmo modo, as grandes multinacionais e os pases consumidores lquidos deste recurso ficam, de certo modo, dependentes das decises de mercado destes actores recentemente organizados.Com o incio das exploraes das multinacionais no territrio dos Estados que viriam a dar origem OPEP, em 1960, as multinacionais petrolferas funcionavam de acordo com um sistema de pagamento de concesses, baseadas em preos de referncia internacional, anexado ao padro dlarouro. Atravs da valorizao ou desvalorizao cambial deste padro monetrio nos mercados internacionais, eram calculadas as comisses e taxas de explorao pagas pelas empresas aos governos anfitries, sendo que o comrcio de petrleo se baseava em regras estabelecidas pelas25 32. prprias companhias intervenientes no mercado, reinando por isso o informalismo econmico mais absoluto (Chalabi, 1997: 127).No dia 4 de Setembro de 1960, aps um ano de sucessivas baixas no preo das concesses pagas pelas multinacionais petrolferas 17 aos Estados de procedncia das jazidas, o Iraque, o Emirado do Abu Dhabi, a Venezuela e a Arbia Saudita reuniram-se em Bagdad fundando a OPEP, uma organizao econmica intergovernamental permanente, criada como um mecanismo de contrapeso s polticas consideradas arbitrrias e unilaterais das companhias petrolferas estrangeiras, com o intuito de dar uma voz mais activa aos pases exportadores de petrleo na indstria. Esta organizao pretendia ser, portantoUm garante da estabilidade dos preos do petrleo nos mercados mundiais, eliminando as flutuaes de preos consideradas desnecessrias, em funo dos interesses dos seus integrantes, e da sua necessidade de fluxos constantes e contnuos de receitas, atravs do fornecimento regular de petrleo aos pases consumidores, e do retorno do capital dos investimentos na indstria petrolfera (OPEP, 2008; DOE:2004).17Consequncia do ressurgimento da URSS enquanto produtor de petrleo, com mercado de escoamento primordial na Europa, e de se ter alcanado um pico na produo petrolfera americana (Lopes Velho, 2006).26 33. O primeiro indcio do papel renovado da OPEP coincide com o colapso do sistema monetrio de Bretton Woods, em 1971, que significa o fim do padro dlar-ouro internacional, e levou a uma srie de flutuaes cambiais no mercado internacional.Uma vez que a maior parte dos pases produtores se tinha conformado com um critrio de preos de exportao de petrleo relativamente estvel, ainda que relativamente reduzido, baseado no padro dlar-ouro, evidente que com esta crise financeira mundial, gerada pelo fim deste sistema monetrio relativamente estvel, os pases produtores de petrleo tenham ficado descontentes por verem os preos da sua exportao primordial, pagas pelas multinacionais, flutuarem de um modo nunca antes visto. Os Estados produtores decidem ento actuar no mercado, e na diplomacia econmica, atravs de uma posio de fora, de modo a evitarem situaes econmicas de recesso e perda de poder de compra dos seus prprios cidados 18, requerendo uma renegociao dos termos das concesses econmicas pagas pelas grandes multinacionais (Hammes, David e Wills, Douglas, 2005).18O facto de o petrleo ser denominado e comercializado em dlares, significava que uma desvalorizao cambial desta moeda, representaria perda de poder de compra para os pases produtores de petrleo, uma vez que grande parte das importaes destes Estados provinha de pases com moedas em flutuao relativamente ao dlar.27 34. Tendo obtido xito nas suas exigncias de maior equidade na redistribuio dos lucros decorrentes da venda de petrleo19, a organizao alcanou a legitimidade internacional necessria para uma postura mais impositiva atravs da utilizao do petrleo enquanto instrumento de poltica externa, o que redundou nos dois choques petrolferos gerados pela OPEP, em 1973 e em 1979 (Chalabi, 1997: 125-130).Em Outubro de 1973 a Guerra do Yom Kippur, opondo uma coligao de pases rabes a Israel20, e o apoio diplomtico ocidental concedido ao Estado Israelita por parte dos Estados Unidos e Holanda levou pela primeira vez a que a opinio pblica rabe clamasse pelo uso do petrleo como instrumento de poltica externa, e como medida dissuasora do apoio dos pases ocidentais a Israel, com a ameaa latente de interrupo do abastecimento petrolfero como pano de fundo. Os membros rabes da OPEP anunciaram um embargo selectivo das suas importaes petrolferas, por via martima, para os EUA e Holanda, para alm de uma reduo de produo de 5% de produo diria de petrleo at retirada israelita dos territrios ocupados aquando da Guerra dos 6 dias em 196721, e posterior restaurao dos territrios19Segundo o Departamento de Energia Americano (DOE), as petrolferas sentiram-se constrangidas a fazer ajustes nas comisses de explorao, pagas aos pases anfitries, para compensar os efeitos de desvalorizao do dlar, sendo ao mesmo tempo o preo de referncia do petrleo elevado, no incio de 1973, em 5,7% (DOE, 2004). 19 Notavelmente o Estado Srio e o Estado Egpcio. 21Com a Guerra dos 6 dias, Israel aumenta o seu territrio em mais de 15 vezes o seu tamanho original. Domina importantes reas estratgicas como a Pennsula do Sinai, a Faixa de Gaza, os Montes Gol e o sector Oriental da Jordnia (Hammes e Douglas: 2005).28 35. palestinianos por parte do Estado Israelita 22 (Hammes e Douglas, 2005: 508509).Nos meses seguintes ao primeiro choque petrolfero, os preos de referncia do petrleo comercializado pela OPEP continuaram a sua tendncia de subida acentuada, em funo da percepo dos pases produtores de petrleo de que os consumidores de petrleo estavam dispostos a pagar qualquer preo para evitar interrupes de fornecimento (Chalabi, 1997: 132-133).A ecloso do segundo choque petrolfero, em Fevereiro de 1979, com a deposio do X do Iro, pela Revoluo Islmica dos Ayatollas e que ps fim Companhia Iraniana do Petrleo, implicando a retirada imediata de circulao do mercado de cerca de 5.5 milhes de barris por dia (MB/D) do mercado mundial de petrleo, acentuou esta tendncia de subida de preo do petrleo, nos mercados internacionais (Maugeri, 2006). Em Junho de 1979, o preo oficial de petrleo alcanou os 18 d/b, e em Agosto de 1980 atingiu o valor de 30 d/b (Yergin, 1992: 598-600).22Os pases rabes reunidos em Genebra aumentaram ainda o preo do barril de petrleo de 2.99 dlares d/b para 4.12 d/b. Dois meses depois, em pleno Inverno, poca de utilizao mais intensiva de petrleo, houve nova alta unilateral do preo de referncia do petrleo, para 11.65 d/b (Maugeri, 2006: 103-112).29 36. Em Outubro de 1980 eclode a guerra do Golfo, entre Iro e Iraque, e como resultado o potencial extractivo da OPEP diminui ainda mais, dada a retirada imediata de 4.4 milhes de barris de petrleo dirios no mercado mundial23. Deu-se ento um aumento do preo deste recurso energtico de 14.34 d/b para 34.40 d/b entre finais do ano de 1978 a Novembro de 1980, em virtude da retirada acumulada de cerca de 10 MB/D do mercado durante este perodo de tempo de cerca de dois anos, que englobou o segundo choque petrolfero e a Guerra do Golfo (Lopes Velho, 2006).Por todas estas crispaes do abastecimento e fornecimento do petrleo ao nvel mundial desde o fim da dcada de 70, tomou forma a necessidade de se generalizar a estrutura de mercado livre e transparente, enquanto pedra basilar da comercializao petrolfera. Os choques petrolferos da dcada de 1970 sensibilizaram a opinio pblica mundial, os cidados, e os prprios governos dependentes das importaes liquidas de petrleo para a necessidade de mais transparncia nos processos negociais, e para o facto de estarem a negociar com Estados com um crescente poder negocial na esfera internacional (Maugeri, 2006: 141).23A diminuio do potencial extractivo da OPEP neste perodo, ocorreu tanto devido destruio de infra-estruturas produtivas e extrativas de petrleo, no Iro e no Iraque, como devido interrupo de produo decretada por estes Estados, empenhados acima de tudo em manter a sua indstria de guerra.30 37. A indstria do petrleo, cada vez mais decisiva para o crescimento dos Estados do Globo, era agora tutelada pelos Estados detentores das jazidas, que se cristalizam como entidades maximizadoras de poder, que perderam a dado momento o receio de usar os seus recursos naturais como arma poltica de grande eficcia.Dcadas passadas, o processo de regulamentao do mercado petrolfero pouco avanou e no tornou este sector menos conflitual apesar de, nos anos 90, surgirem correntes de pensamento defensoras de uma atitude de maior cooperao entre produtores e exportadores, evitando-se deste modo uma atitude de permanente confrontao entre agentes do mercado de petrleo24.Se verdade que as primeiras duas fases da indstria tiveram como epicentro o domnio das multinacionais, e do capital financeiro e de investimentos a si subjacente, a terceira fase diz respeito a uma tentativa de domnio da terra e das jazidas petrolferas por parte dos Estados nacionais com grande nmero de jazidas petrolferas no seu territrio. Tambm aqui a falta de uma institucionalizao clara e perfeitamente definida torna estas disputas um meio de crescimento de rivalidades econmicas e tambm 24Muita gente viu os investimentos downstream dos pases da OPEP, no Ocidente, como o primeiro passo nesta poltica de cooperao, trazendo o bem comum a todos os envolvidos neste processo (Noel, Pierre, 1999).31 38. polticas, sendo tambm uma das razes mais fortes para a predominncia de volatilidade no mercado petrolfero.32 39. 3. O binmio cooperao-confrontao como modelo estruturante do mercado petrolfero hodierno.Segundo Jeremy Rifkin (2002), a evoluo do sistema internacional resultou na criao de ilhas de ordem mundial cada vez menores que por sua vez se inserem em oceanos de desordem cada vez maiores.Seguindo a mesma linha de raciocnio, hoje em dia exigem-se cada vez maiores quantidades de energia para manter as estruturas econmicas e sociais em perfeito funcionamento, tal como a manuteno dos padres de vida da civilizao moderna, mas paralelamente as condies de obteno da energia so a cada dia mais dificultadas por mecanismos polticos e econmicosdesestabilizadoresdaordemeconmicainternacional25,intercalados por uma cooperao cclica e utilitarista entre todos os agentes deste mercado.25A prpria frmula de formao dos preos do petrleo nos mercados internacionais segue esta lgica: o preo do petrleo resulta da aco de uma srie de fundamentos polticos, econmicos e cambiais. Devido a estes factores o preo do petrleo est sujeito a uma enorme volatilidade internacional.33 40. 3.1. A teoria do oligoplio vertical.Alessandro Roncaglia (1985) afirma que o mercado internacional de petrleo um gigantesco oligoplio trilateral, constitudo por trs agentes principais: 1) as grandes companhias mundiais do petrleo, cujo sector de actuao se d ao nvel da produo, refinao e comercializao do crude escala mundial, 2) um grupo de pases em vias de desenvolvimento, detentores de grandes reservas de petrleo, que fazem por isso parte da OPEP, sendo a produo e comercializao de crude definidas, directa ou indirectamente, pelos governos destes pases e 3) pases sem reservas substanciais de petrleo, sendo por isso dependentes de abastecimentos externos, por parte de Estados em que abunda o petrleo, como ilustra a figura 2. Figura 2: Oligoplio petrolfero trilateral ProdutoresConsumidoresMultinacionais Figura baseada no esquema de Alessandro Roncaglia (1985).34 41. Formalmente podemos analisar o mercado mundial de petrleo sob um ponto de vista oligoplico, devido ao pequeno nmero de actores envolvidos neste mercado, porm estes actores detm capacidade e dimenso suficiente para alterar o preo de um determinado produto no mercado internacional, atravs das suas prprias aces. Num mercado oligopolista, como o petrolfero, qualquer aco de um actor produtor no mercado suficiente para modificar as condies de equilbrio desse mesmo mercado, alterando as quantidades ou preos do produto negociado (Wallerstein, Immanuel, 2004: 95).O objectivo primordial de todos os elementos deste tringulo realizar o melhor negcio possvel26 e portanto a quantidade de petrleo que um agente petrolfero consegue colocar no mercado, depende dos preos praticados pelos seus competidores, e em grande medida pelo grau de oferta e procura do produto no mercado, num determinado contexto (Wallerstein, 2004: 95). Estes factores podero ser definidos ou no em concertao de interesses entre todos os agentes envolvidos no mercado, concertao esta utilizada para reduzir a margem de incerteza num mercado pautado por agentes econmicos com mtodos de actuao e objectivos muito distintos.26Maiores quantidades de produto ao menor preo no caso dos pases dependentes de petrleo, ou maior lucro possvel de venda no caso dos Estados ou multinacionais exportadoras35 42. O mercado assim pautado por uma clara dualidade entre concorrncia e cooperao de mercado entre os seus intervenientes facto que em parte tambm contribui para a sua verticalidade27, assente em dois processos: odownstream28 e o upstream29 como mostra a figura 3. Figura 3: Cadeia de produo e comercializao petrolfera: upstream e downstream UpstreamDownstream Elaborao prpria27Entendemos que existe verticalizao de uma dada indstria, quando uma firma se envolve nos vrios processos da cadeia do produto, e no se especializa num s segmento dessa cadeia. Isto permite uma centralizao dos vrios processos ao longo da cadeia do produto permitindo uma minimizao de custos e um processo distributivo mais eficiente, sendo os riscos e prejuzos distribudos em igualdade ao longo dos vrios processos da cadeia do produto. 28 O downstream um processo tcnico que engloba todos os mecanismos de transporte, refinao, logstica e marketing de petrleo (Pulido, Joo e Fonseca, Pedro, 2004) 29 O upstream compreende todos os mecanismos de pesquisa, explorao e produo petrolfera (Pulido e Fonseca, 2004).36 43. 3.2. A oligopolizao vertical de convergncia terica de interesses.mercadocomomododeA necessidade de preservar posies estratgicas em matria de concorrncia petrolfera conduziu todas as multinacionais a adoptarem processos de internacionalizao, diversificao da actividade produtiva e acordos de parceria com Estados com abundncia de reservas petrolferas, onde exercem as suas actividades ao longo de toda a cadeia de produto, verticalizando os seus processos industriais e procurando deste modo diluir os riscos da actividade igualmente por todos os processos da cadeia (Pulido e Fonseca, 2004: 23-24).Quando um agente econmico se integra verticalmente, garante no nvel superior a qualidade e quantidade do fornecimento petrolfero, a um custo reduzido, devido proximidade com a fonte de fornecimento, e no nvel inferior o controlo, total ou parcial, dos canais de distribuio, estando mais prximo do consumidor final (Clinton, Stephen et al., 2008). Os agentes econmicos conseguem deste modo aumentar os seus lucros, contabilizados atravs de um clculo entre o preo final de um recurso no mercado e custo de explorao desse recurso ao longo da cadeia produtiva.37 44. De acordo com a lgica supracitada, pases com grande nmero de reservas petrolferas em condies de serem exploradas, esto interessados em adquirir interesses na rea da refinao, logstica e marketing sendo do seu interesse a defesa das estruturas de refinao sedeadas no seu territrio, por entidades estrangeiras (Pulido e Fonseca, 2004). Destas estruturas est dependente a entrada de capital nos cofres do Estado, que ser usado para legitimar o regime perante a sua populao, atravs da criao de mecanismos de bem-estar social, ou de represso poltica, e investido em poderio militar destinado criao de vantagens geopolticas territoriais (Mahalamat, 2008).Do mesmo modo uma srie de pases produtores procuram apoio militar e diplomtico no Ocidente, como medida de controlo geopoltico das suas reas de influncia territoriais, prometendo uma poltica de preos mais favorvel em troca deste apoio 30 (Claes, Dag Harald, 2001). O sistema petrolfero permite assim, em teoria, a criao e o estreitamento de laos polticos entre Estados produtores e Estados consumidores, servindo as30A relao de cordial diplomacia que se estabeleceu entre a Arbia Saudita e os EUA tambm uma relao de interesse mtuo: a Arbia Saudita procura apoio militar e diplomtico dos EUA que permite uma perpetuao do seu regime, enquanto os EUA aproveitam o papel dominante da Arbia Saudita na OPEP para obterem preos de petrleo mais baixos e competitivos.38 45. multinacionais como intermedirio primordial na criao destes vnculos polticos31, como explicitado pela figura 4.Figura 4: Dinmica cooperativa dentro do oligoplio petrolferoFigurada baseada no esquema de Doug Claes (2001: 48)31Segundo Robert Pirog (2007) a relao da China com Estados como o Iro, a Venezuela e a Rssia em parte motivado pela necessidade que a China tem de estabelecer contactos e acordos com Estados ricos em petrleo, capazes de sustentar o seu processo de industrializao requerente de enormes quantidades de petrleo de baixo custo e existente em quantidade abundante.39 46. 3.3. A conflitualidade imanente a uma estruturao oligoplica de mercado.Paralelamente cooperao entre agentes, o mercado petrolfero sendo uma estrutura onde subsistem uma dualidade de interesses divergentes entre agentes, tambm se consubstancia em conflito e discrdia, tanto politica como econmica entre os seus membros. Segundo este trabalho, esta discrdia alm de se consubstanciar em questes polticas e econmicas, deriva tambm de uma deteriorao dos termos de troca entre todos os integrantes deste oligoplio econmico e do prprio modelo de estruturao negocial em que o mercado petrolfero se baseia.40 47. 3.3.1. A estruturao do mercado petrolfero e o seu potencial de conflito.O mercado petrolfero mundial, baseando-se num oligoplio produtivo, tambm uma estrutura onde interagem uma srie de actores com propsitos e mtodos de actuao muito diferentes.Sendo que o propsito da existncia de qualquer multinacional a criao de valor acrescentado e a maximizao de lucros, a criao e existncia de empresas nacionalizadas justifica-se, por sua vez, por objectivos de poltica e propaganda interna e de criao, em teoria, de polticas de pleno emprego, de redistribuio equitativa de riqueza para os cidados, e de programas de bem-estar social, sendo estes programas financiados essencialmente pela entrada de capital proveniente das receitas petrolferas (Pirog, 2007).Como seria de prever, numa lgica eminentemente concorrencial, estes objectivos institucionais esto algumas vezes em concertao e na maioria das vezes em conflito.41 48. O alto nvel de rentabilidade do mercado petrolfero explica-se, numa primeira anlise devido ao actual padro energtico mundial: o sector petrolfero no tem substitutos directos e perfeitos, no plano energtico mundial actual, continuando a ser o recurso energtico mais consumida em todo o planeta32: a sua importncia para a economia mundial, e as suas caractersticasenergticasnicas33, permitemque estesectorsejaconsiderado nico e essencial pelos Estados consumidores (Porter, 1998).A vinculao dos consumidores energia dominante cria uma menor sensibilidade dos mesmos a uma subida do preo ou seja, dada a dependncia de petrleo, uma subida do preo do petrleo no desincentiva o consumo pois mesmo com um preo mais elevado os consumidores esto dispostos a pagar mais por um recurso do qual tm absoluta necessidade, e que essencial s suas economias pois providencia crescimento e bemestar econmico s mesmas (Ministrio das Obras Pblicas, Transporte e Comunicaes, 2005: 8).Outra vertente que explica a importncia do petrleo para a economia mundial consubstancia-se no facto deste sector energtico ser intensamente32Peter Tertzakian (2006) afirma-nos que o mundo consome 1000 barris de petrleo por segundo. Nomeadamente a facilidade do transporte deste recurso por terra, atravs de oleodutos e camies cisterna, ou por mar atravs de grandes navios petroleiros. Alm do mais o petrleo um recurso no sujeito a degradao orgnica, podendo manter-se armazenado por um perodo ilimitado de tempo. 3342 49. verticalizado na sua forma, e por isso os seus agentes produtores terem criado barreiras fsicas e naturais explorao de jazidas por parte de novos agentes, que exigem grandes fluxos de capital, para fazer face aos gastos com tecnologia e infra-estruturas34 de prospeco e abastecimento. As grandes empresas multinacionais a actuar no sector criaram enormes obstculos entrada de novos actores no mercado, por meio de mecanismos e redes verticais que lhes possibilitaram uma supremacia no controlo de reservas e na produo e comercializao do recurso petrolfero o que se saldou num aumento da sua dimenso e quota de mercado (Pulido e Fonseca, 2004).Da conjugao entre a grande necessidade energtica mundial, assente primordialmente em petrleo, e a verticalizao empresarial deste sector surge uma indstria que usufrui de lucros bem acima do que seria expectvel num nvel competitivo, pois as alternativas a este sector so escassas e com menor dinmica econmica e energtica que o sector petrolfero. Os agentes produtores usufruem tambm de uma certa liberdade de actuao, dentro dos limites de risco, atravs da reduo forada de agentes econmicos a actuar neste mercado (Roncaglia, 2005).34Oleodutos, terminais petrolferos, aparelhos de perfurao e prospeco.43 50. Ciclicamente deram-se imposies de regulamentao compulsria neste mercado, com vista a torn-lo mais justo e mais concorrencial, porm o mercado no deixou de ser uma estrutura baseada num oligoplio produtivo, que assenta em relaes de poder e estratificao vertical, intercalado por uma cooperao utilitarista, onde a procura de poder de mercado a regra dominante para os agentes petrolferos, isoladamente ou concertadamente.44 51. 3.3.2. O petrleo como instrumento de crispao poltico-econmica mundial.A relao entre Estados produtores e Estados consumidores de petrleo, e multinacionaisassume,emprimeirolugar,umcarcterideolgicoperceptvel: os pases-chave na produo mundial de petrleo so, maioritariamente, Estados dispostos a usar o petrleo como uma arma de chantagem poltica e econmica (Claes, 2001: 47). O petrleo portanto um importante instrumento de aumento de poder diplomtico para os Estados produtores, podendo ser usado como mecanismo de obteno de poder, ou de chantagem sobre os Estados consumidores.O sistema econmico mundial na actualidade, sendo intensamente dependente de petrleo, reduz o nvel de resposta poltica internacional s ameaas vindas dos pases produtores de petrleo, por parte dos Estados consumidores35. Outros pases usam o petrleo como arma que legitima a sua retrica anti-imperialista, anti-liberal e anti-capitalista, espalhando este sentimento por toda a sua rea de influncia dificultando a criao de vnculos diplomticos e econmicos do Ocidente nestas zonas. O caso venezuelano o mais perceptvel destes casos, pois atravs da retrica 35O caso Iraniano, cuja ambio nuclear pe em risco todo o esquema de segurana do Golfo Prsico no foi resolvido multilateralmente exactamente pelo medo de retaliaes assentes na diminuio do abastecimento petrolfero Iraniano ao Ocidente e que poderiam levar o petrleo a novos mximos histricos de preo. (Pirog, 2007: 8).45 52. bolivariana, Hugo Chavez conseguiu agregar uma srie de Estados, e seus lderes36, sua causa, estabelecendo alianas informais com as mesmas e complicando deste modo o dilogo e a prpria troca comercial dos Estados Ocidentaiscomospasesdaesferadeinflunciavenezuelana,nomeadamente na regio Caribenha e na Amrica Latina37 (Pirog, 2007).Segundo Mahamalat (2008: 15) um alto grau de consumo petrolfero no mundo reflecte-se simultaneamente em ganhos de bem-estar e em ganhos de segurana para os Estados produtores de petrleo. Os lucros obtidos atravs das vendas petrolferas sero usados para legitimar o Estado no plano interno, atravs da criao de programas de bem-estar social promovidos pelo petrleo, ou de programas de represso interna, ou ambos, mas tambm para a manuteno da posio geopoltica e estratgica de um Estado atravs da compra de armamento.Um Estado procurar legitimao externa e segurana interna, atravs de uma combinao entre a necessidade de poder externo e bem-estar interno, conseguida atravs de capital de investimento, o que contribui enormemente36Entre outros o Presidente boliviano, Evo Morales, o Presidente equatoriano, Rafael Correa e mais recentemente a Presidente argentina, Cristina Kirschner. 37 O Bolivarianismo, teoria poltica segundo a qual estas alianas informais se baseiam, apregoa a nacionalizao de uma srie de sectores estratgicos para os Estados, nomeadamente o sector energtico.46 53. para a volatilidade poltica e econmica internacional (Mahamalat, 2008). Isto decorrente de uma deteriorao dos termos de troca no mercado internacional de petrleo que ocorreu na terceira fase desta indstria, h cerca de quatro dcadas.47 54. 3.3.3. A questo da propriedade de recursos e a deteriorao dos termos de troca na gnese de conflitos econmicos.Os pases produtores tm ao longo do tempo estabelecido, informalmente, um acervo de regras que reflectemuma forma de controlo soberano sobre os recursos naturais localizados na sua esfera territorial, consubstanciando-se esta premissa no entendimento de que o Estado-nao legitimamente proprietrio dos recursos naturais que se encontrem no seu territrio, tendo toda a autoridade para decidir as regras para a concesso da explorao destes recursos a entidades terceiras (Mommer, Bernard, 2000 apud Fuser, Igor, sd: 16).Este novo modo de actuao dos Estados produtores baseia-se numa anlise de custo-benefcio circunstancial, assente na negociao, que permite, por exemplo, a concesso de jazidas territoriais aos agentes econmicos que ofeream melhores condies, financeiras e polticas, aos Estados onde as jazidas esto localizadas.Em contraste, a cartilha liberal seguida pelos pases consumidores e pelas multinacionais, pe em destaque o direito dos agentes investidores no48 55. mercado, minimizando a questo da propriedade de recursos. Seguindo este ideia-baseas matrias-primas devero ser consideradas como um patrimnio natural a ser explorado em comum, e pelo bem comum da humanidade, preferencialmente pelas multinacionais, cabendo apenas aos Estados hospedeiros o direito de cobrana de impostos e taxao sobre os lucros obtidos com a explorao destes recursos por terceiros, de acordo com regras estabelecidas pelos Estados investidores (Mommer, 2000, apud Fuser, sd: 1617).Nas duas primeiras fases do mercado petrolfero, a troca entre agentes foi clara: as grandes multinacionais que se estabeleceram no territrio de explorao do recurso exploraram as jazidas petrolferas com as tecnologias de que dispunham, com o seu prprio capital. Actuando com a aquiescncia dos Estados em cujo territrio exerciam a explorao, forneciam algumas concesses financeiras a estes agentes que no dispunham, numa primeira fase, de capital, tecnologia ou conhecimento para exercerem a explorao e prospeco do recurso no seu territrio (Pulido e Fonseca: 2004). O territrio, nesta primeira fase pobre, inexplorado e o conhecimento tcnico e especializado nulo.49 56. medida que a actividade de explorao vai prosseguindo, tambm o Estado em que as exploraes ocorrem se vai desenvolvendo, tanto economicamente como tecnologicamente, aumentando o seu poder negocial face s multinacionais. A explorao de recursos no territrio, levou o mesmo a desenvolver-se, e mais agentes econmicos esto dispostos a fixarse no territrio para poderem tambm explorar os recursos em que este territrio rico. Sendo que a actividade j demonstrou, numa primeira fase, que pode ser vivel economicamente, significando lucro para os agentes envolvidos, mais agentes externos esto dispostos a concorrer pela concesso das exploraes territoriais, tendo de oferecer mais contrapartidas negociais que os seus concorrentes para poder obter estas concesses territoriais (Fuser, sd).Do mesmo modo tendo o Estado em desenvolvimento obtido grandes injeces de capital que incitaram ao seu desenvolvimento, tambm a mode-obra e o conhecimento tcnico dos seus cidados aumentou na mesma medida, tal como a predisposio que estes Estados sentem para investir em tecnologia de extraco e prospeco de jazidas de ponta, e na qualificao dos seus cidados. Uma srie de Estados da OPEP comprovam esta afirmao, na medida em que a maior parte das suas elites, foram educadas e especializadas no estrangeiro.50 57. Isto permitiu um aumento de conhecimento tcnico especializado, em vrios domnios, como a gesto empresarial, obtido no centro mundial, que foidepoisaplicadonaperiferiamundial,levandoaummaiordesenvolvimento e a um aumento negocial relativo dos pases ricos em recursos naturais, e formalizao destes Estados em empresas nacionais de petrleo, e a uma deteriorao do domnio de mercado das multinacionais, e do seu poder negocial, face aos Estados em que as jazidas so exploradas (Plasschaert, Sylvain e Duhn, John, 1993)Deste modo, temos vindo a assistir a uma deteriorao dos termos de troca no mercado petrolfero, que contribui para a criao de conflito entre agentes deste mercado, e que pode redundar em real, ou potencial, aumento de preos de petrleo, cortes de fornecimento, ou expropriaes de multinacionais dos territrios em que operam, nomeadamente em Estados da esfera da OPEP.A figura 5 pretende sumariar todas as concluses aqui explicitadas, como modelo de surgimento de conflito no mercado internacional de petrleo.51 58. Figura 5: Causas de conflito entre integrantes do oligoplioFigura baseada no esquema de Doug Claes (2001)Por tudo o que foi exposto at ao momento podemos qualificar o mercado petrolfero mundial como anttese de um mercado de concorrncia perfeita, pois nesta estrutura subsistem poucos agentes produtivos com capacidade de sobrevivncia no mercado. Isto decorrente da enorme dimenso assimtrica assumida pelos agentes envolvidos no processo de produo e comercializao de petrleo e que contam com a capacidade de influenciar o equilbrio de mercado onde se inserem, com as suas aces no mesmo, sendo, por isso, price-makers.52 59. Os actores produtores, dado o seu poder de influncia no mercado, esto mais susceptveis a adoptarem comportamentos individuais ou, de grupo, no mercado em que actuam, decorrendo esta aco precisamente do facto de deterem recursos tangveis, capazes de influenciar o mercado38, mas tambm recursos intangveis39. Estes recursos permitem a estes Estados um controlo e um poder sobre o mercado que vai alm do simples controlo fsico, e entra na prpria manipulao dos mercados financeiros (Claes, 2001). O mercado petrolfero portanto uma estrutura onde subsistem uma srie de estruturas e mecanismos de procura de poder, sendo a OPEP o mecanismo onde mais claramente se distingue este estado de coisas.38Controlo fsico de jazidas, concesses de explorao em vrias etapas da cadeia de produo, propriedade dos canais de distribuio e marketing do mercado (Claes, 2001: 45). 39 Informao privilegiada sobre a quantidade exacta de recursos em condies de serem explorados no territrio, mtodos de produo, ou instrumentos comerciais (Claes, 2001: 45).53 60. 4. O binmio cooperao-confrontao como mecanismo do egosmo racional: a Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo como exemplo.Today OPEC meetings barely register more than blips in anything other than trade publications and the inside pages of Wall Street Journal. The news is not what ministers have agreed upon, but what they failed to agree upon.FADIL CHALABI54 61. 4.1. O debate entre o institucionalismo funcional e o neo-realismo: uma adaptao OPEP.Segundo David Mitrany (1948) a cooperao entre Estados pode ser adquirida em reas tcnicas de convenincia mtua, podendo criar efeitos multiplicadores de cooperao em outras reas funcionais onde os Estados, desde que acreditem que podem sair beneficiados do processo, cooperam.Seguindo a mesma linha de raciocnio, Keohanne e Nye (1977) defendem que a integrao numa instituio econmica especializada um meio de um Estado se precaver contra rupturas de abastecimento de bens e capitais, permitindo o acesso privilegiado a mercados externos s suas fronteiras, de modo concertado (Keohanne e Nye, 1977).Ou seja, a instituio onde os Estados cooperam servir para combater a incerteza decorrente de um ambiente internacional anrquico, o que impedir o abandono da estrutura organizacional por parte dos seus membros, ou a adulterao de acordos estabelecidos no seio da organizao, que possam por em causa a coeso do grupo. Num contexto anrquico, a presena de organizaes formais que substitui um leviato supranacional, coordenando e centralizando as aces de uma srie de Estados.55 62. Keohanne e Nye (1977) afirmam que atravs da superviso da conduta dos membros de uma organizao, por parte dos seus pares, e atravs do respeito por mecanismos normativoseprocedimentais, adiscrdiaorganizacional pode ser evitada, e a cooperao alcanada. Estes autores no analisaram porm que o grande desafio de qualquer organizao econmica permitir, atravs de aces concertadas dos vrios agentes associados, o aumento do preo do produto no mercado, sem que isto estimule a entrada de novos actores no sector, atrados pelo lucro decorrente de um determinado sector.Estes autores no analisaram tambm a perspectiva de necessidade que os pases da periferia mundial estabelecem com uma srie de recursos, que em muitos casos so a sua nica fonte de exportaes, e o impacto que esta necessidade econmica poder significar no comportamento de um Estado no mercado, ainda que este Estado esteja inserido numa organizao supranacional.Quando uma organizao no providencia benefcios econmicos, ou polticos aos seus membros, estes procuraro lucros atravs de outros mtodos, nomeadamente a adulterao dos acordos estabelecidos aquando56 63. da entrada na estrutura, agindo contrariamente quilo que foi estipulado pela organizao, consoante os seus interesses no contexto poltico e econmico do momento (Osborne, Dale K., 1978).No caso particular da OPEP, esta criou um mecanismo para permitir organizaoumcontrolodospreosequantidadesdepetrleotransaccionados no mundo: as quotas de produo.O sistema de quotas um sistema negocial voluntrio de produo e exportao de petrleo, baseado num conceito alargado da OPEP 40, que assimconseguirindicaraquantidadedepetrleoproduzidaecomercializada pelos seus membros no mercado, num dado contexto, em quantidades previamente diferenciadas e de acordo com as prprias caractersticas e dotaes individuais de cada um destes Estados. Atravs da concertao, segundo a OPEP, o preenchimento do espao intermdio entre a procura mundial de petrleo no mercado internacional, e o abastecimento petrolfero vindo de elementos externos organizao alcanado (Adelman, 2001: 20-23).40Ou seja, o sistema de quotas dever basear-se num sistema de confiana mtua entre todos os estados-membros da OPEP.57 64. Porm, um mecanismo de aco concertada no mercado, decretado por uma entidade supra-nacional, se no for acompanhado de um mecanismo normativo e regulador no ser eficiente ao impor aos estados-membros da organizao os mecanismos e objectivos de grupo da organizao, nem obrigar os estados-membros a abdicarem dos seus objectivos individuais.A OPEP uma organizao de Estados soberanos, que reagem no s a aspectos econmicos, mas sobretudo a impulsos e a agendas polticas muito distintas entre si. A OPEP, sendo originalmente uma tentativa de regulamentao de mercado, nunca teve um mecanismo de imposio dos acordos estabelecidos no seu seio, repousando apenas em compromissos baseados na boa f dos seus membros (OPEP, 2008). Assim, qualquer desvio s decises da organizao no poder ser correspondido por qualquer mecanismo punitivo da organizao, pois esta no tem poder para tal.Um mecanismo voluntrio destinado conteno da produo e exportao de um recurso, para alm de ser visto como um mecanismo no abrangido por um contrato obrigatrio, muitas vezes visto como interferncia na soberania de um Estado que depende maioritariamente das receitas petrolferas para sobreviver. No tendo a OPEP capacidade punitiva58 65. relativamente aos membros que no cumprem as quotas acordadas temos como resultado uma produo quase sempre contrria ao proposto pela organizao, comprometendo os objectivos da cpula organizacional e desestabilizando o mercado mundial deste recurso, volatilizando a estrutura de produo e oferta do mesmo, como nos evidencia a figura 6.Figura 6: Tectos de produo da OPEP e produo efectiva at 2005http://www.house.gov/jec/hearings/testimony/110/05-23-07/Smith.pdfA coeso portanto o calcanhar de Aquiles da organizao, de tal maneira que a OPEP, enquanto estrutura organizacional, est em grande medida dependente das aces de outros agentes exteriores OPEP para59 66. cumprir os seus objectivos de aumentar o preo do barril de petrleo atravs de cortes no abastecimento petrolfero 41.41Um corte de 1.5 milhes de barris foi decidido pela OPEP entre o ano de 2001 e 2002, e contou com a participao essencial dos maiores produtores exteriores OPEP, como a Noruega, a Rssia e o Mxico, que se comprometeram a cortar as suas exportaes petrolferas, em concertao com a OPEP (Omondude, 2002).60 67. 4.2. Uma organizao tripartida.Qualquer aco de um agente que desafie o mtodo de actuao decretado por uma organizao, que tome parte num contexto anrquico, cria insegurana poltica aos restantes membros da organizao, sendo esta sempre vista como prioritria relativamente segurana econmica: deste modo a cooperao econmica ser sempre limitada pelo sentimento de segurana de um Estado, e pela anlise que este faz das capacidades militares dos restantes Estados dentro e fora da organizao (Grieco, Joseph, 1988: 500).Ou seja, a OPEP no uma organizao nica e coesa, mas sim uma organizao de Estados soberanos, independentes e em crescimento econmico, sendo acima de tudo um cartel de pases com agendas politicas e econmicas prprias, neste caso a sua prpria segurana poltica, que alcanada atravs das receitas obtidas com a venda de petrleo (Adelman, 2001).Se verdade que a OPEP possui uma estrutura em desacordo institucional, isto tambm decorrente da criao de alianas informais entre estadosmembros dentro da prpria organizao. De acordo com as suas orientaes61 68. polticas42 e dotaes estruturais internas43 os Estados determinam as suas regras de conduta e actuao de acordo com os seus pares, formalizando alianas informais especficas que constituem um mecanismo suplementar e capacitado para combater a incerteza decorrente de um ambiente internacional anrquico e de uma organizao, a OPEP, constituda por membros muito distintos entre si, e nem sempre com relaes pacficas entre si44.Em primeiro lugar podemos analisar o grupo de Estados liderado pela Arbia Saudita, Emirados rabes Unidos e o Kuwait que so favorveis a preos moderados e a um incremento na produo mundial de petrleo: so os Estados com o maior nvel de reservas petrolferas dentro da organizao, procurando por isso que as quotas de produo aumentem, para que o preo do petrleo se mantenha constante e baixo, e o consumo mundial deste recurso se mantenha elevado. Estes Estados, detendo cerca de 3.9% da populao total da OPEP e cerca de 60% da produo total de petrleo da organizao, tm todo o interesse numa produo de longo-prazo a um preo moderado, para prolongarem o perodo de explorao das suas42Por exemplo se um Estado segue uma orientao republicana ou monrquica. Se um Estado rico em recursos naturais, ou se tem escassez destes recursos. 44 Mahalamat (2008) recorda-nos que cerca de 30% dos lucros da venda de petrleo dos pases do ncleo rabe da OPEP, foram gastos, entre 1974 e 1998, na compra de armamento. No podemos tambm esquecer que entre este perodo de tempo ocorreram mais de 70 conflitos blicos entre membros desta organizao. 4362 69. reservas, salvaguardando os seus lucros decorrentes da venda de petrleo (Mahalamat, 2008).O grupo de Estados favorvel a uma diminuio da produo liderado pela Lbia e Arglia, pases com nveis de produo petrolfera baixa, e com grande densidade populacional, absorvendo internamente uma grande percentagem do petrleo que produzem: exportando uma quantidade mais baixa de petrleo estes Estados procuram que haja uma quantidade baixa de petrleo no mundo, para que o preo a que este internacionalmente comercializado seja o mais elevado possvel. Mahalamat (2008) afirma que estes Estados seguem um padro de interesse de curto-prazo no estabelecimento do preo internacional deste recurso.Por ltimo dentro da OPEP subistem um grupo de pases, com tendncia de mercado no totalmente definida, e que usam esta indefinio para se colocaram do lado de qualquer uma das anteriores faces consoante os seus interesses e agendas polticas e econmicas circunstanciais: fazem parte desta faco a Nigria, Angola e a Venezuela.63 70. Em geral os polticos dentro de uma organizao procuram primeiramente os ganhos imediatos de curto-prazo, no se importando com as consequncias futuras das suas aces 45: sendo assim o processo decisrio dentro de uma organizao como a OPEP acima de tudo um mecanismo evidente de procura de benefcios polticos e econmicos, formalizado em grupos de interesses de pases com as mesmas vises e objectivos econmicos e diplomticos dentro de uma s organizao, que est longe de ser coesa.45Isto fica evidente no incio da formao da OPEP onde os seus responsveis se envolveram na definio de uma poltica petrolfera organizacional sem terem em conta as capacidades produtivas e o peso relativo, em termos de reservas petrolferas, de alguns Estados-nao. Desta maneira pases com reservas petrolferas baixas, mas com influncia poltica assinalvel, como a Lbia e a Arglia, conseguem pressionar pases com reservas petrolferas elevadas, levando estes Estados a cooperar com as suas exigncias.64 71. 4.3. A OPEP: internacional.umelementodedesestabilizaoeconmicaSubsistindo numa lgica de ganhos de curto-prazo, os interesses e mtodos de actuao dos membros da OPEP variam circunstancialmente, dependendo da conjuntura e das reivindicaes de segurana e bem-estar dos seus membros.Dada a divergncia de interesses em que subsiste organizao, com o desrespeito reiterado pelas quotas de produo decretadas pela organizao, e do facto da prpria OPEP se basear em estimativas de produo de membros exteriores organizao, que no passam de hipteses tericas que podero, ou no, concretizar-se, de acordo com as circunstncias internacionais do momento (Adelman, 2001). A OPEP tende a actuar sob pressupostos de actuao errados, aumentando o preo do recurso quando os indcios de mercado apontam para escassez de petrleo, ou baixando a oferta quando os indcios apontam que o mercado tem grande quantidade deste recurso (Gately, 1984: 1100-1114).65 72. A OPEP um cartel sem disciplina e sem controlo sobre os seus prprios mecanismos de oferta e procura, e sem controlo sobre os objectivos dos seus membros, que frequentemente colidem com os prprios objectivos da organizao. Isto cria um ambiente econmico e politico voltil, na medida em que o mundo est dependente dos fluxos econmicos gerados pelo petrleo para se manter economicamente vivel e providenciar bem-estar aos seus cidados, o que normalmente no acontece, devido a altas de preos energticos decretados pelos estados-membros da OPEP, baseandose estes em pressupostos errados46.46Alm do mais esta situao promove nos Estados dependentes de petrleo situaes de recesso econmica grave, e numa diminuio de poder de compra assinalvel para as populaes de Estados dependentes de exportaes petrolferas.66 73. 4.4. A OPEP: uma estrutura sustentvel?Um cartel pode desaparecer atravs de trs mecanismos de mercado: 1) a presso externa de substitutos perfeitos do produto comercializado pelo cartel, neste caso o petrleo; 2) a fora centrpeta associada ao abandono da organizao por parte de um membro com grande peso dentro da instituio; 3) divergncias internas em torno de concesses e negociaes dentro da organizao (Osbourne, Dale. K., 1978).Visto que a organizao funciona numa lgica de ganho de poder de curtoprazo, negligenciando o longo prazo, temos de considerar que num contexto de potencial pico petrolfero, como o que vivemos hoje em dia, a ameaa de produtos substitutos a grande ameaa que pe em causa a existncia deste cartel institucionalmente frgil, em conjugao com uma srie de fenmenos que podem tornar indispensvel a entrada destes produtos substitutos no mercado internacional, nomeadamente o fenmeno do pico do petrleo.Fica manifesto que o primeiro grande problema do mercado hodierno de petrleo a inexistncia de um mecanismo regulador de mercado. O mercado actual consubstancia-se essencialmente numa organizao de67 74. Estados produtores de petrleo, que usam a organizao em que se inserem para obterem benefcios de curto-prazo poltico e econmico. O petrleo um recurso que se inter-relaciona com estratgias nacionais e internacionais de obteno de poder, essencialmente de curto prazo, no podendo esta organizao ser vista como uma estrutura de controlo hegemnico de mercado, devido sua incapacidade de criar e impor normas de actuao a todos os agentes envolvidos no mercado (Keohanne, 1984: 191).A oligopolizao deste mercado, a modernizao estrutural das economias mundiais do ltimo sculo, baseada em grandes quantidades de petrleo, e a consequente dependncia da economia mundial deste recurso, que ser em seguida analisada, contribui para tornar os Estados em crescimento econmico, dependentes deste oligoplio. Os Estados programam os seus ciclos econmicos em funo deste recurso e dos agentes que disponibilizam este recurso, para se manterem economicamente estveis e prsperos e para manterem o seu grau de bem-estar social intacto, enquanto os Estados produtores de petrleo crescem economicamente e adquirem enorme capacidade de influncia diplomtica e econmica sobre o mundo industrializado.68 75. Subjacente ao mercado petrolfero est portanto um jogo oligoplico de interesses, entre todos os seus elementos, que por estarem dependentes do petrleo, ou das suas receitas, perpetuam a existncia deste oligoplio.69 76. 5. A sustentabilidade do mercado internacional de petrleo.The most significant characteristic of modern civilization is the sacrifice of the future for the present, and all the power of science has been prostituted to this purpose.WILLIAM JAMES70 77. 5.1. A interdependncia entre o processo de Globalizao e o processo de petrolizao econmica.A estruturao e subsistncia da economia petrolfera um subproduto criado pela interdependncia clara entre o petrleo de extraco barata e de fluxos constantes, e a globalizao enquanto processo que permiteO estreitamento cada vez maior entre pases e povos, atravs da destruio de barreiras artificiais circulao transfronteiria de mercadorias, servios, capitais, conhecimentos e de pessoas, sendo isto resultado da diminuio dos seus custos de utilizao, originada por uma maior democratizao no uso de transportes e comunicaes (Stiglitz, Joseph, 2002: 9).A globalizao baseando-se largamente nestes pressupostos beneficiou enormemente da ascenso do petrleo enquanto energia dominante, e com a criao de estruturas baseadas no transporte, que facilitaram a deslocao e movimento social e econmico, para alm do aumento do grau de bemestar dos cidados47, e consequentemente facilitaram a internacionalizao econmica. (Chandler, 1990).47Auto-estradas, veculos de transporte e deslocao, carreiras martimas, transporte areo.71 78. Paralelamente, a globalizao permite o aumento da importncia e dimenso da indstria petrolfera no mundo fomentando a criao de instrumentos financeiros, fiscais e econmicos48, que permitem aos Estados e empresas suportar a vaga de crescimento social e econmico criado pelo petrleo. As inovaes econmicas e sociais surgidas de uma economia essencialmente petrolfera permitiram que alguns agentes econmicos concretizassem crescimento, atravs da concorrncia ou da obteno de economias de escalas, que redundariam em oligoplios em vrios sectores (Chandler, 1990: 34).No caso do petrleo, a criao de um sistema econmico inteiramente dependente deste recurso em fluxos abundantes e de custos reduzidos de extraco, para a sua operacionalizao, permite a ascenso de um sector petrolfero de enorme dimenso, tanto econmica como diplomtica, no ltimo sculo, e a sua constituio num oligoplio produtivo que manipula a economia mundial de acordo com os interesses conjunturais dos seus constituintes. Isto por sua vez tolda as medidas e aces dos governos centrais impedindo os mesmos de tomarem medidas destinadas a combater a dependncia energtica.48Melhoria do sistema bancrio e bolsista, com uma consequente melhoria no funcionamento do sistema de crdito e do sistema de activos bolsistas.72 79. Ao permitir o movimento, a deslocao, a inovao tcnica, e os meios financeiros para suportar este avano da tcnica, o petrleo permite tambm a modernizao de zonas anteriormente sem riqueza49, e o estabelecimento e perpetuao de uma diviso internacional de trabalho, segundo a qual algumas reas mantm o monoplio da pesquisa cientfica e do poder poltico, outras produzem matrias-primas, enquanto outras economias apenas se limitam a consumir os bens produzidos em outras partes do mundo.A diferenciao produtiva mundial permite uma economia mundial a duas velocidades,subsistindoemalgunsEstadossectoreseconmicosextremamente avanados, conjugados com outros sectores em decadncia, permitindo a criao de um mercado de escoamento produtivo global de fluxos de capitais, pessoas e matrias-primas, dependente dos fluxos de movimento possibilitados pela utilizao do petrleo (Masi, 1999: 73).Os pases em que abunda o capital retiram deste pases recentemente industrializados, produtos no manufacturados e matrias-primas que utilizam no seu territrio, nos seus processos industriais e de acumulao de49Notavelmente o grupo de pases que mais beneficiou com este estado de coisas, foi o ncleo rabe da OPEP, que passou no s a estar includa nos fluxos econmicos mundiais, como a ter um papel primordial nos mesmos aps a dcada de 1960.73 80. riqueza interna50. Em troca, os Estados recentemente industrializados recebemmatrias-primasqueospasesmaisindustrializadosnecessitam, produtos manufacturados, ou, sobretudo, capital.50Sendo o petrleo o recurso em destaque.74no 81. 5.2. A importncia do petrleo: uma realidade socialmente construda.Os recursos e o meio ambiente esto em constante interaco com a sociedade: a ordem econmica globalizada e a utilizao mais premente e cada vez mais necessria da cincia e da tcnica em todos os domnios do realevoluramemtornodeumparadigmadedesenvolvimentoessencialmente baseado em petrleo de baixo custo e grande abundncia (Tertzakian, 2006; Kunstler, 2005;Rifkin, 2002;Leeb 2006).Seguindo a teoria construtivista de Alexander Wendt (2003) podemos analisar uma fora econmica bruta, o petrleo, como produto surgido de uma srie de ideias utilitaristas, partilhadas pela sociedade e pelos prprios Estados, que versam na centralidade econmica do petrleo, o que permite por sua vez a criao de instituies, com enorme poder diplomtico e econmico, destinadas gesto desta fonte energtica51. Isto formaliza o petrleo como uma fora cada vez mais necessria para o progresso social e econmico das sociedades, o que, por sua vez, legitima os agentes que controlam primordialmente este recurso, pois estes so vistos como51A Agncia Internacional de Energia, e sobretudo a OPEP, foram duas das instituies mais importantes, destinadas gesto deste recurso energtico.75 82. capacitados para providenciar crescimento e desenvolvimento econmico ao mundo, mesmo que possam, eventualmente, procurar obter interesses e benefcios prprios e de curto-prazo.O petrleo, enquanto potenciador de crescimento e desenvolvimento econmico das sociedades contemporneas, , assim, um produto social e economicamente construdo e consensualizado ao longo deste ltimo sculo, tanto pelos agentes produtores, que utilizam este recurso como um mecanismo para alcanar poder diplomtico e econmico como pelos agentes consumidores que, por sua vez, esto dependentes destes fluxos de poder para poderem manter o seu nvel de vida e bem-estar social intacto, resistindo a encontrar alternativas energticas capacitadas para substituir plenamente o petrleo.A dualidade de interesses que fortalece o oligoplio trilateral de petrleo hodierno baseia-se portanto, segundo a teoria construtivista de Wendt (2003: 104), na premissa de que o mais importante factor da sociedade e a organizao das foras materiais na natureza, e o modo como estes recursos so controlados pela sociedade como um meio de obteno de vantagens e de bem-estar econmico.76 83. A procura de poder subjacente posse de petrleo, e as aces dos agentes envolvidos no processo social e econmico so explicados pela tentativa de posse e gesto dos recursos energticos, e pela dialctica biunvoca que estes recursos estabelecem com a sociedade e com as suas estruturas de funcionamento e modernizao.77 84. 5.3. A teoria do colapso social e a Longa Emergncia econmica.O grande atractivo de uma economia movida a petrleo , portanto, a criao de uma bolha artificial de prosperidade global de curto prazo para os Estados, com a consequente obteno de legitimidade de um Estado perante os seus cidados, atravs do fornecimento de remessas estveis e seguras de energia, que legitimam este bem-estar (Kunstler, 2005). O consenso econmico que se gerou no ltimo sculo entre os lderes mundiais, e a relativa estabilidade social que este consenso gerou, criaram a noo de que nem as sociedades nem as economias globais podem viver ou desenvolver-se sem petrleo, e as vantagens econmicas, sociais e de bemestar a si associadas.Kunstler (2005) adverte-nos que perante um cenrio de fim do petrleo de custo de extraco baixo, e de extraco abundante e constante, o mundo poder mais cedo ou mais tarde num ciclo econmico conhecido como Longa Emergncia energtica52, processo que s se encerrar com a52Um perodo temporalmente longo, que se caracterizar pelo declnio extractivo e produtivo da energia dominante, petrleo, e por uma srie de alteraes significativas na cadeia produtiva, social e econmica da decorrentes78 85. descoberta de um novo tipo de energia, que possa relevar o petrleo na sociedade e nos seus fluxos econmicos53.O petrleo um dos factores com maior importncia na modernizao da sociedade e na determinao dos seus fluxos econmicos, na medida em que a energia assente neste recurso inclui, actualmente, fornecimentos de comida, trabalho, mobilidade e bem-estar social. Portanto, a energia sustenta a ordem social e a complexidade a si imanente, que permite-nos solucionar os problemas que surgem nas nossas vidas, melhorando-as e tornando-as mais fceis e cmodas54 (Homer-Dixon, 2006: 80). medida que a sociedade se modernizou55 e burocratizou ficou porm mais vulnervel possibilidade de choques exgenos sendo isto possibilitado, por uma lei de rendimentos decrescentes (Tainter, Joseph, 1988): maior crescimento econmico significa maior complexidade social e econmica exigindo mais energia e permite, quase que exige, a descoberta e 53Esta nova etapa energtica dever conjugar-se com o fim da oligopolizao de mercado como modelo de estruturao por excelncia do mercado energtico mundial, e por uma modificao radical dos modos de vida das populaes, que se devero adaptar a um paradigma de frugalidade, ao invs do paradigma de abundncia que viveram no ltimo sculo. 54 O petrleo providencia hoje em dia cerca de 40% das necessidades energticas mundiais, sendo essencial agricultura, manufactura e petroqumica permitindo, alm do mais, quase todas as potencialidades de transporte, urbano ou comercial, necessrias ao bem estar-humano e econmico mundial