tese de doutorado lira tm

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FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISAS AGGEU MAGALHÃES Doutorado em Saúde Pública TEREZA MACIEL LYRA A Política de Saúde Ambiental do Recife, em 2001 e 2002: uma análise a partir do Programa de Saúde Ambiental RECIFE 2009

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Tese de doutorado em que foi avaliada a Política de Saúde Ambiental da Prefeitura do Recife.

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  • FUNDAO OSWALDO CRUZ

    CENTRO DE PESQUISAS AGGEU MAGALHES

    Doutorado em Sade Pblica

    TEREZA MACIEL LYRA

    A Poltica de Sade Ambiental do Recife,

    em 2001 e 2002: uma anlise a partir do

    Programa de Sade Ambiental

    RECIFE 2009

  • Tereza Maciel Lyra

    A Poltica de Sade Ambiental do Recife, em 2001 e 2002:

    uma anlise a partir do Programa de Sade Ambiental

    Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Sade Pblica do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes, Fundao Oswaldo Cruz ,como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutora em Cincias.

    Orientador:

    Jos Luiz do Amaral Corra de Arajo Jnior

    Recife, 2009

  • Catalogao na fonte: Biblioteca do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes

    L992p

    Lyra, Tereza Maciel.

    A poltica de sade ambiental do Recife em 2001 e 2002: uma anlise a partir do Programa de Sade Ambiental / Tereza Maciel

    Lyra. Recife: T. M. Lyra, 2009. 300 f.: il., tab., graf. Tese (Doutorado em Sade Pblica) - Centro de Pesquisas

    Aggeu Magalhes, Fundao Oswaldo Cruz, 2009. Orientador: Jos Luiz do Amaral Corra de Arajo Jnior. 1. Polticas pblicas de sade. 2. Formulao de polticas. 3.

    Planos e programas de sade. 4. Anlise de projetos. 5. Avaliao de programas e projetos de sade. 6. Poltica ambiental. 7. Programas governamentais. 8. Brasil. I. Arajo Jnior, Jos Luiz do Amaral Corra de. II. Ttulo.

    CDU 32:614

  • TEREZA MACIEL LYRA

    A Poltica de Sade Ambiental do Recife, em 2001 e 2002:

    uma anlise a partir do Programa de Sade Ambiental

    Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Sade Pblica do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes, Fundao Oswaldo Cruz ,como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutora em Cincias.

    Aprovada em: 03 de Julho de 2009

    BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________

    Dr. Jos Luiz do Amaral Corra de Arajo Jnior Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes CpqAM/Fiocruz

    ___________________________________________________ Dra. Luci Praciano

    Departamento de Medicina Social Centro de Cincias da Sade/UFPE

    ____________________________________________________ Dr. Antnio Carlos Gomes do Esprito Santo

    Departamento de Medicina Social Centro de Cincias da Sade/UFPE

    _____________________________________________________ Dra. Ide Dantas Gurgel

    Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes CpqAM/Fiocruz _____________________________________________________

    Dr. Rmulo Maciel Filho Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes CpqAM/Fiocruz

  • AGRADECIMENTOS

    O longo caminho percorrido para concluso de uma tese de doutorado permeado de

    uma multiplicidade de sentimentos. Sentimento de satisfao e prazer pelas descobertas, de

    sofrimento pelas dificuldades enfrentadas e no raro de solido. Vivi todos esses sentimentos.

    Em alguns momentos, intensa satisfao pelos novos conhecimentos adquiridos, de vivenciar

    a experincia do Programa de Doutorado Sanduche, de compartilhar descobertas. Porm

    tambm vivenciei o lado doloroso. Seja pela saudade dos que aqui ficaram durante minha

    estadia em Leeds, seja pelas dificuldades que todos que j vivenciaram a experincia, bem

    conhecem. Entretanto, ao longo dessa jornada, foram muitos aqueles que me apoiaram e

    incentivaram. A eles, quero agradecer.

    Fundao Capes, pelo financiamento da Bolsa de Doutorado Sanduche, realizada entre os

    meses de janeiro e agosto de 2008, momento de grande enriquecimento pessoal;

    Aos colegas do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes, antigos companheiros, novos

    compartilhamentos;

    Aos colegas da Universidade de Pernambuco, pela liberao para realizao do PDEE, e pela

    compreenso pela ausncia em alguns momentos;

    Aos amigos que estiveram ao meu lado durante toda essa jornada, e muito alm dela. Temo

    citar alguns nominalmente, e no fazer justia a todos, mas aqueles em quem confio e

    compartilho o afeto, bem o sabem. Foram e so amigos, no sentido completo do seu

    significado. Alguns amigos mais recentes, outros de longa data, porm todos tendo em

    comum a sinceridade, a compreenso e a cumplicidade, to necessrias para definir a sentido

    de amizade;

    A meu orientador e amigo, Jos Luiz, pela orientao precisa, porm, sobretudo, por ter

    confiado em minha incurso na anlise de polticas;

  • A todos os que fazem a Diretoria de Vigilncia em Sade, da Secretaria de Sade do Recife,

    pelo convvio prazeroso e o aprendizado mtuo. Os mais de cinco anos ao lado de todos que

    fazem a diretoria, foram sem dvidas, anos de troca e de afeto;

    Aos ex-Secretrios de Sade do Recife, Humberto Costa, Antonio Mendes e Gustavo Couto,

    pela confiana que sempre depositaram em mim, e em minha equipe. Falar dos mesmos

    falar de amizade e companheirismo que no datam de agora. Compartilhamos ideais, idias e

    projetos, que se estendem at os dias de hoje;

    A todos os que concordaram em contribuir com o presente estudo atravs das entrevistas, meu

    muito obrigada;

    Aos meus irmos Francisco, Paulo e Carlos, e em particular a minha irm Marta, pelo apoio

    constante, e pela amizade irrestrita;

    Aos colegas de turma do Programa de Doutorado, turma 2005/09, sucesso a todos;

    Ao Professor Ricky Kalliecharan, por ter me recebido em Leeds, pelas trocas sempre

    interessantes, e pelo apoio que nos ofereceu, a mim e a meus filhos;

    Ao Nuffield Centre, da University of Leeds, por ter me recebido durante o Programa de

    Doutorado Sanduche;

    A memria dos meus avs maternos, com quem convivi intensamente, e que deixaram a

    melhor das saudades;

    Aos meus pais, Lil e Dcio, a quem dedico esse trabalho. Pais exemplares foram tambm

    profissionais exemplares. Ela, professora Emrita pela Universidade de Pernambuco, ele,

    professor Emrito pela Universidade Federal de Pernambuco. Alm do exemplo profissional,

    nos deram exemplo de vida de solidariedade e de profundo afeto. A eles, muito obrigada;

    Aos meus filhos, Frederico, Camila e Matias, tudo que eu aqui diga ser insuficiente para

    expressar o significado deles para mim. Divertidos, inteligentes, companheiros, solidrios e

    amigos em todos os momentos, Fred, Cami e Mati, so tudo de bom!

  • LYRA, T. M : A Poltica de Sade Ambiental do Recife, em 2001 e 2002: uma anlise a partir do Programa de Sade Ambiental. 2009. Tese (Doutorado em Cincias), Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes, Fundao Oswaldo Cruz, Recife, 2009. ___________________________________________________________________________

    RESUMO

    A descentralizao tem favorecido o surgimento de inovaes. Os municpios tm sido lcus privilegiados para o surgimento de novas prticas, dentre essas o Programa de Sade Ambiental (PSA). O PSA surge no mbito da Secretaria de Sade do Recife em 2001. Alm de recuperar os princpios do SUS, fundamentam-se nos princpios da Promoo da Sade, do Programa Marco de Ateno ao Meio Ambiente (OPAS) e da Agenda 21. Reconhecido como inovador, e surgido como uma proposta de enfrentamento dos graves e crnicos problemas que afetam a cidade do Recife, o PSA contm elementos relevantes para uma anlise como poltica pblica, o que nos propusemos realizar ao longo da presente tese. O trabalho teve por objetivo analisar o PSA desde sua colocao na agenda pblica em 2001, at a implementao do mesmo na cidade do Recife, em 2002. Buscou-se compreender o contexto no momento da elaborao do PSA em 2001, como se deu seu processo de elaborao, que atores influenciaram, qual o contedo propositivo do PSA e como o mesmo dialoga com os princpios do SUS e da Promoo da Sade. O contexto, processo, atores e contedo foram tambm analisados no momento da implementao do PSA, em 2002. Foi realizado um estudo qualitativo de caso, com 20 entrevistas semi-estruturadas, analisadas atravs de condensao de significados. Foram cumpridas as exigncias ticas. As principais ferramentas utilizadas foram as de anlise de polticas pblicas. Os resultados revelam achados sobre o contexto, processo, atores e contedo. principais resultados referentes ao contexto foram: as mudanas ocorridas devido a eleio do candidato do PT para a Prefeitura (2001/04); as caractersticas scio-sanitrias do Recife; a escolha do Secretrio de Sade, poltica e tecnicamente hbil; equipe de gestores majoritariamente sanitaristas; adeso dos tcnicos; incremento financeiro, que se traduziu no equilbrio do tringulo de governo de Matus. Quanto ao processo, destacou-se a captao da oportunidade por parte dos gestores para elaborao do PSA. Os principais atores foram os gestores e tcnicos setoriais, mas, identificou-se outros atores extra-setorias, que ressaltou a construo da viabilidade. O contedo do PSA dialogou com os princpios do SUS e da Promoo da Sade. Em relao ao momento da implementao, destaca-se a influencia da epidemia de dengue em 2002, que exerceu presso tanto no ritmo como na implementao das aes do programa.

    Palavras Chave: 1. Polticas pblicas de sade; 2. Formulao de polticas; 3. Planos e programas de sade; 4. Anlise de projetos; 5. Avaliao de programas; 6. Poltica ambiental; 7. Programas governamentais; 8. Brasil.

  • LYRA, T. M. The Environmental Health Policy in Recife in 2001 and 2002: an analysis from the Health Environment Program. 2009. PhD. Thesis (Doctorate in Sciences). Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes, Fundao Oswaldo Cruz, Recife, 2009. ___________________________________________________________________________

    ABSTRACT

    Decentralization has favored innovation. The municipalities have been privileged sites to the appearance of new practices, the Health Environment Programme (Programa de Sade Ambiental -PSA) among them. The PSA emerges in the Health Secretariat of Recife in 2001, fundamented in the principles of Health Promotion of Attention to the Environment Programme (Programa Marco de Ateno ao Meio Ambiente - OPAS) and Agenda 21, besides retrieving the SUS principles. Recognized as innovating as well as a proposal to facing the serious and chronic problems which affect the city of Recife, the PSA has relevant elements to be analysed as a public policy, our aim throughout the present essay. The present work aims at analysing the PSA since its placing in the public agenda in 2001 to its implementation in the city of Recife in 2002. The context at the moment and the process of the elaboration of the programme in 2001, the actors influencing it, its proposed content and how the dialogue between the PSA and the principles of the SUS and Health Promotion were the focus of our study. The context, process, actors and content were also analysed at the moment of the PSA implementation in 2002. A qualitative case study, involving 20 semi-structured interviews analysed by meaning condensation was done, following all ethical requirements. The policy analysis tools were used. The main findings were: the context of change with the election of the PT candidate to the City Office (2001/04); the social-sanitary characteristics of Recife; the choice of the political and technically apt Health Secretary; a team of major sanitary managers; the joining of technicians; financial increment, shown in the balance of Matus government triangle. As far as the process was concerned, the capitation of opportunity by the PSA elaborating managers stands out. The main actors were the sector managers and technicians, but there were extra-sector actors as well, who made the construction of viability prominent. The PSA content dialogued with the SUS and Health Promotion principles. As refers to the moment of implementation, the influence of the dengue epidemics in 2002 stands out, for the pressure it exerted both on the rhythm as on implementing the programme actions themselves. The present work has achieved its proposed objectives, the method and tools used having shown applicability. Keywords: 1. Public health policies, 2. Formulation of policies, 3. Health plans and programs; 4. Analysis of projects, 5. Program evaluation; 6. Environmental Policy, 7. Government programs, 8. Brazil.

  • LISTA DE FIGURAS DE ILUSTRAES

    Figura 1 O tringulo de anlise de polticas de sade

    87

    Figura 2 O Recife Distritos Sanitrios, Recife, 2001

    105

    Quadro 1 Perfil e nmero dos entrevistados

    114

    Quadro 2 O significado natural das unidades e seus temas centrais

    120

    Quadro 3 Equipe de dirigentes da Secretaria de Sade do Recife em

    Janeiro de 2001

    141

    Quadro 4 Abordagem dos problemas de sade ambientais do Recife,

    antes e depois do PSA

    160

    Quadro 5 Equipe tcnica de formulao do PSA em 2001

    167

    Figura 3 O PSA segundo o modelo de Kingdon

    179

    Quadro 6 Caractersticas dos Atores envolvidos na formulao do

    PSA em 2001

    195

    Quadro 7 Nmero e proporo de bairros segundo reas de risco e

    Distritos Sanitrios, Recife, 2001

    198

    Quadro 8 Processo de trabalho do PACS/PSF e PSA

    214

    Figura 4 Estrutura de gesto do Programa de Sade Ambiental

    216

    Quadro 9 Caractersticas dos Atores envolvidos na implementao

    do PSA em 2002

    258

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ACS Agente Comunitrio de Sade

    ADCT Ato das Disposies Constitucionais Transitrias

    AOA Agente Operacional de Apoio

    ASA Agente de Sade Ambiental

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    Cefet Centro Federal de Educao e Tecnologia de Pernambuco

    Codecir Comisso de Defesa Civil do Recife

    CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa

    CNS Conferncia Nacional de Sade

    CPqAM Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes

    CVA Centro de Vigilncia Ambiental

    Dircon Diretoria de Controle Urbano

    DS Distrito Sanitrio

    DVS Diretoria de Vigilncia Sade

    EC Emenda Constitucional

    Emlurb Empresa de Manuteno e Limpeza Urbana do Recife

    Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz

    Funasa Fundao Nacional de Sade

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    MS Ministrio da Sade

    OMS Organizao Mundial de Sade

    OP Oramento Participativo

    OPAS Organizao Pan-Americana de Sade

    PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade

    PDEE Programa de Doutorado no Brasil com Estgio no Exterior

    PES Planejamento Estratgico Situacional

    PPA Plano Plurianual

    PPI Programao Pactuada Integrada

    PSA Programa de Sade Ambiental

    PSF Programa de Sade da Famlia

    PT Partido dos Trabalhadores

  • RPA Regio Poltico Administrativa

    Sesan Secretaria de Saneamento do Recife

    SAMU Servio de Atendimento Mvel de Urgncia

    Sucan Superintendncia de Camapanhas

    SUS Sistema nico de Sade

    SVS Secretaria de Vigilncia em Sade

    TFVS Teto Financeiro de Vigilncia em Sade

    UFPE Universidade Federal de Pernambuco

    VS Vigilncia em Sade

  • SUMRIO

    1 INTRODUO

    15

    2 PROMOO DA SADE

    21

    2.1 INTRODUO 22

    2.2 PROMOO DA SADE 22

    2.3 OS MLTIPLOS MOMENTOS DA PROMOO DA SADE 25

    2.4 DE OTTAWA A BANGKOK - AS CONFERNCIAS

    INTERNACIONAIS SOBRE PROMOO DA SADE

    28

    2.4.1 Alma-Ata - um marco 29

    2.4.2 Carta de Ottawa - pilar fundamental da Promoo da Sade 29

    2.4.3 Declarao de Adelaide - polticas saudveis 31

    2.4.4 Sudsvall - ambientes favorveis sade 32

    2.4.5 Rio - 92 e a Agenda 21 34

    2.4.6 Jacarta - uma cidade em desenvolvimento sedia uma Conferncia 35

    2.4.7 Das idias s aes: a Conferncia do Mxico 36

    2.4.8 Um mundo globalizado e Bangkok - contradies, ou volta ao

    passado?

    37

    2.5 A PROMOO DA SADE E SEUS PRINCPIOS 39

    2.5.1 A Concepo ampliada de sade 40

    2.5.2 A intersetorialidade como princpio e meta 41

    2.5.3 Empoderar os indivduos e a comunidade 44

    2.5.4 A Equidade 47

    2.5.5 Integralidade 49

    2.5.6 A universalidade como princpio 51

    2.5.7 A descentralizao das aes 53

    2.6 CONSIDERAES SOBRE PROMOO DA SADE

    54

    3 ANLISE DE POLTICAS PBLICAS: CONCEITOS E

    INSTRUMENTOS

    57

    3.1 INTRODUO 58

  • 3.2 POLTICAS PBLICAS 58

    3.3 ANLISE DE POLTICAS 60

    3.4 O CICLO DA POLTICA 64

    3.4.1 O reconhecimento de um problema 65

    3.4.2 A formulao de polticas 69

    3.4.3. A tomada de deciso 70

    3.4.4 Implementando a poltica 78

    3.4.5 Avaliando a poltica implementada 81

    3.5 ANLISE DE POLTICAS PBLICAS DE SADE

    FERRAMENTAS

    84

    3.5.1 Uma estrutura analtica - o tringulo de anlise de polticas de sade 87

    3.6 ESCOLHENDO CAMINHOS 94

    4 OBJETIVOS

    97

    4.1 OBJETIVO GERAL 98

    4.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

    98

    5 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    99

    5.1 INTRODUO 100

    5.2 PESQUISA QUALITATIVA 100

    5.3 ESTUDO DE CASO 102

    5.4 TRIANGULAO 103

    5.5 PERODO E LOCAL DO ESTUDO 104

    5.5.1 A cidade do Recife 104

    5.5.2 Perodo do estudo 106

    5.6 A PESQUISA E O PESQUISADOR 107

    5.6.1 Dilemas pessoais 108

    5.7 OS ESTGIOS DE UM ESTUDO QUALITATIVO COM

    ENTREVISTAS

    109

    5.7.1 A tematizao 110

    5.7.2 Definio do desenho do estudo e consideraes ticas 110

    5.7.3 As entrevistas 111

  • 5.7.4 Transcrevendo as entrevistas 115

    5.7.5 Analisando as entrevistas 115

    5.7.6 A anlise das entrevistas 119

    5.7.7 Validade, confiabilidade e generalizao 121

    5.7.8 A Anlise documental

    122

    6 RESULTADOS E DISCUSSO

    124

    6.1 INTRODUO 125

    6.2 O CONTEXTO EM 2001 125

    6.2.1 O macro-contexto 126

    6.2.2 O micro-contexto: a Secretaria de Sade do Recife 135

    6.2.3 A conjuno de fatores: o equilbrio no tringulo de governo 150

    6.3 PROCESSO DE ELABORAO DO PROGRAMA DE SADE

    AMBIENTAL

    155

    6.3.1 Introduo 155

    6.3.2 Superar o antigo, buscar o novo 155

    6.3.3 O desenvolvimento do PSA 156

    6.3.4 Consideraes sobre o processo de elaborao do PSA 177

    6.4 OS ATORES E O PSA EM 2001 183

    6.4.1 Introduo 183

    6.4.2 Os atores setoriais 184

    6.4.3 Os atores extra setoriais no mbito da Prefeitura do Recife 188

    6.4.4 Consideraes sobre os atores em 2001 193

    6.5 CONTEDO DO PROGRAMA DE SADE AMBIENTAL 2001 196

    6.5.1 Introduo 196

    6.5.2 Apresentando o Programa de Sade Ambiental 196

    6.5.3 Ambiente - Ambiente - atualidade do termo, influncias recebidas 199

    6.5.4 O PSA e os princpios do SUS 203

    6.5.5 O PSA e a Promoo da Sade 219

    6.5.6 Consideraes sobre o contedo do PSA em 2001 230

    6.6 A IMPLEMENTAO SE INICIA O ANO 2002 E O PROGRAMA

    DE SADE AMBIENTAL

    233

    6.6.1 Introduo 233

  • 6.6.2 O Contexto em 2002 233

    6.6.3 O processo de implementao 238

    6.6.4 Entram em cena os ASA, mas, no s! 250

    6.6.5 O contedo do PSA 259

    6.6.6 Consideraes sobre o momento da implementao do PSA em 2002

    261

    7 CONSIDERAES FINAIS

    265

    7.1 INTRODUO 266

    7.2 A ORIGINALIDADE DO ESTUDO 266

    7.3 AS RESPOSTAS S PERGUNTAS CONDUTORAS E OBJETIVOS

    PROPOSTOS

    267

    7.3.1 Que aspectos contextuais favoreceram o surgimento de um

    programa nos moldes do Programa de Sade Ambiental no Recife

    em 2001?

    267

    7.3.2 Como se deu o processo poltico que cercou a definio, elaborao e

    deciso pela implementao do PSA?

    269

    7.3.3 Que atores estiveram envolvidos com o processo de definio e

    elaborao do PSA em 2001?

    270

    7.3.4 Qual o contedo propositivo do PSA, e como o mesmo dialoga com

    os princpios identificados como os de uma poltica promotora de

    sade e com os princpios do SUS?

    271

    7.3.5 Que aspectos referentes ao contexto, processo, atores e contedos,

    marcaram o momento da implementao do PSA, em 2002?

    273

    7.4 O MTODO, E AS FERRAMENTAS UTILIZADAS 275

    7.5 LANANDO NOVAS QUESTES 278

    7.6 ALGUMAS SUGESTES

    279

    REFERNCIAS

    281

    APNDICES

    308

  • 15

    1

    INTRODUO

  • 16

    1 INTRODUO

    O Sistema nico de Sade (SUS) reconhecido como um dos maiores sistemas

    pblicos de sade do mundo, e foi institudo a partir de um amplo processo de mobilizao de

    um conjunto de atores, que se convencionou denominar Movimento Sanitrio. O SUS tem por

    princpios a universalidade das aes, a equidade e a integralidade, princpios to imbricados

    entre si, que se tornam quase unidade (CECLIO, 2006). Entre as diretrizes organizativas,

    destaca-se a descentralizao das aes e servios.

    Embora j no final da dcada de 80 iniciativas rumo descentralizao de aes

    tenham ocorrido, foi com a instituio das Normas Operacionais Bsicas na dcada de 90, que

    o processo de descentralizao da gesto vem se consolidando. A descentralizao um dos

    pilares do SUS, e sua consolidao tem favorecido o surgimento de inovaes de prticas de

    sade, em particular no mbito dos municpios. Porm, tais inovaes esto fortemente

    relacionadas a fatores conjunturais, o que cria um aparente paradoxo. Se por um lado, novos

    gestores assumindo novos desafios criam inovaes, por outro criada uma instabilidade dos

    sistemas pblicos, como o SUS, que findam por ficar a merc dos humores dos governantes e

    permeveis a presses polticas (PAIM; TEIXEIRA, 2007; SOLLA, 2007).

    Os municpios tm sido lcus privilegiados para o surgimento de novas prticas,

    muitas das quais se tornaram posteriormente polticas nacionais, a exemplo do Programa de

    Sade da Famlia, o Servio de Atendimento Mvel de Urgncia (SAMU) e aspectos da

    reforma psiquitrica (SOLLA, 2007). Outras propostas mantm o seu perfil local, como no

    caso do Programa de Sade Ambiental (PSA) do Recife.

    O PSA surge no mbito da Secretaria de Sade do Recife em 2001. Alm de recuperar

    os princpios do SUS, o PSA fundamenta-se em trs grandes eixos tericos conceituais: os

    princpios da Promoo da Sade, os desenvolvidos pelo Programa Marco de Ateno ao

    Meio Ambiente, elaborado sob a coordenao da Organizao Pan-Americana de Sade e os

    princpios abordados na Agenda 21 (AGENDA 21, 1995; ORGANIZAO PAN-

    AMERICANA DE SADE, 2000; RECIFE, 2001).

    O PSA surge no Recife em um momento no qual a cidade vivenciava pela primeira

    vez um governo capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), eleito depois de um

    surpreendente segundo turno, em um acirrado processo de disputa entre campos bem

    delimitados. De um lado as foras mais conservadoras do Estado de Pernambuco, no qual se

    inseria o ento vice-presidente da Repblica, Marco Maciel, e contava com apoio do tambm

  • 17

    ento governador, Jarbas Vasconcelos, que detentor de forte apoio popular; de outro, um

    candidato do PT, ex-metalrgico, carismtico, tendo como candidato a vice um histrico

    militante das lutas contra a ditadura, ligado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e que

    contou com apoio dos demais partidos ditos de esquerda (BARRETO, 2002).

    A campanha de 2000 foi marcada por forte apelo ideolgico, e de acusaes ao PT e

    seus aliados. Para analistas daquele momento, tal acirramento favoreceu a eleio do bloco de

    oposio (BARRETO, 2002; DIRCEU, 2008). A conquista da Prefeitura do Recife pelos

    candidatos Joo Paulo Lima e Silva e Luciano Siqueira criou uma energia particular na

    cidade, com forte apoio dos movimentos sociais organizados, da populao em geral, bem

    como de intelectuais. Nesse sentido, a composio do primeiro secretariado frente da

    Prefeitura do Recife espelhou por um lado a composio poltica que apoiou os candidatos,

    por outro, contou com a participao de pessoas reconhecidas em suas reas. A Secretaria de

    Sade do Recife no foi exceo.

    Em janeiro de 2001, Humberto Costa assume a pasta da sade. Liderana reconhecida,

    o ento Secretrio compe uma equipe majoritariamente de sanitaristas, tcnicos ou militantes

    polticos com experincia de movimentos sociais. A equipe de Diretores, que naquele

    momento assumia suas funes, vislumbrava a oportunidade de colocar em prtica reflexes,

    amadurecidas ao longo de suas formaes ou militncia no Movimento pela Reforma

    Sanitria. O ano de 2001 foi um ano de efervescncia, no qual foram elaborados e lanados, o

    PSA, o Programa Academia da Cidade, e o SAMU, para citar os mais expressivos.

    O PSA foi concebido e desenhado pela Secretaria de Sade do Recife em parceria com

    a Secretaria de Planejamento, a Secretaria de Saneamento, a Empresa de Manuteno e

    Limpeza Urbana, e a Comisso de Defesa Civil. Em agosto de 2001, o PSA foi apresentado

    ao grupo dirigente da Prefeitura do Recife. Em 13 de dezembro de 2001 foi oficialmente

    lanado, e em 15 de fevereiro de 2002 foi assinado o Decreto Municipal 19.187/2002 que o

    oficializa (RECIFE, 2001, 2002a).

    A ruptura com as antigas prticas, centralizadoras, verticalizadas, desarticuladas e

    vinculadas estritamente ao controle de endemias, preconizadas pelo PSA, implica em

    reconhecer a sade ambiental de forma ampla, incorporando tanto o monitoramento dos riscos

    biolgicos como dos riscos no biolgicos, esses tradicionalmente vinculados concepo de

    sade ambiental (ORGANIZAO PAN-AMERICANA DE SADE, 2000a).

    Em 2003 o PSA foi um dos vinte finalistas do Prmio Gesto Pblica e Cidadania,

    concedido pela Fundao Getulio Vargas e pela Fundao Ford, em reconhecimento a prticas

  • 18

    inovadoras, seja em nvel local, regional ou nacional (NELSON, 2005, NELSON;

    BRIGAGAO; OLIVEIRA, 2004).

    Em 2006 o PSA do Recife foi alvo de uma Auditoria Operacional por parte do

    Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE), que buscou avaliar o PSA em funo da sua

    estrutura, aspectos gerenciais e adequao material para o alcance dos objetivos propostos

    pelo programa. Embora aponte dificuldades de diversas ordens, o documento final do TCE

    coloca o PSA como relevante, redutor da excluso social, por ter nos seus princpios

    norteadores a universalidade, a equidade e assumir um novo conceito dos problemas de

    sade relacionando-os com o meio-ambiente (TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE

    PERNAMBUCO, 2005, p. 11).

    No entanto, apesar do reconhecimento de sua relevncia, e j tenha tido aspectos

    especficos estudados (ALBUQUERQUE, 2005; ALBUQUERQUE; AUGUSTO, 2005;;

    BEZERRA, 2008; BITOUN, 2005; FERREIRA; LIMA, 2003; SILVA; LIMA, 2005;

    MARINHO; SANTOS, 2004, 2005; ROTTA; BELCHIOR, 2005) o PSA ainda no foi alvo

    de um estudo mais sistematizado como seu papel de poltica pblica.

    Tendo surgido como uma proposta de enfrentamento dos graves e crnicos problemas

    que afetam a cidade do Recife, alm de recuperar o iderio da Promoo da Sade, o PSA

    contm elementos relevantes para uma anlise como poltica pblica, o que nos propusemos

    realizar ao longo da presente tese.

    , no entanto, importante fazer uma ressalva. O termo Poltica talvez fosse mais

    adequado para referir-se ao PSA, pois o mesmo preenche os requisitos que Mattos (2006)

    atribui ao termo. Para o autor, uma poltica busca dar resposta a certos problemas de sade ou

    s necessidades de grupos especficos, com enfoques tanto na promoo, na preveno como

    na ateno. Porm, o mesmo ator reconhece que muitas polticas no pas tm recebido a

    denominao de programa (como o Programa de Sade da Famlia, ou Programa de Ateno

    Integral Sade da Mulher, dentre outros), porm na realidade se constituem polticas.

    Portanto, mesmo carregando em seu nome o termo programa, consideramos que o PSA uma

    poltica, ser como tal aqui tratado.

    Neste sentido, colocamos as seguintes questes que nortearam o presente trabalho:

    1. Que aspectos contextuais favoreceram o surgimento de um programa nos moldes do

    Programa de Sade Ambiental no Recife em 2001?

  • 19

    2. Como se deu o processo poltico que cercou a definio, elaborao e deciso pela

    implementao do PSA?

    3.Que atores estiveram envolvidos com o processo de definio e elaborao do PSA

    em 2001?

    4. Qual o contedo propositivo do PSA, e como o mesmo dialoga com os princpios

    identificados como os de uma poltica promotora de sade e com os princpios do

    SUS?

    5. Que aspectos referentes ao contexto, processo, atores e contedos, marcaram o

    momento da implementao do PSA, em 2002?

    Para respondermos as questes colocadas, o trabalho foi subdividido em seis captulos,

    alm da presente introduo.

    No segundo captulo ser apresentada reviso sobre promoo da sade, sua evoluo

    ao longo dos trinta anos desde a criao do termo por Lalonde, ex-ministro canadense. No

    captulo, alm da apresentao das cartas e declaraes lanadas durante as Conferncias

    Internacionais de Promoo da Sade, sero aprofundados os princpios identificados como os

    da promoo da sade, bem como o dilogo dos mesmos com os princpios e diretrizes do

    SUS.

    No terceiro captulo sero apresentadas e discutidas o que se entende por polticas

    pblicas. Ferramentas e modelos de anlise de poltica sero apresentados, e opes definidas.

    nesse captulo que sero explicitadas as opes de modelos explicativos para a realizao da

    anlise do PSA, em 2001 e 2002.

    O quarto captulo apresenta os objetivos geral e especficos do presente trabalho.

    O quinto captulo explicitar os procedimentos metodolgicos adotados, justificando-

    se cada opo. nesse captulo que os aspectos ticos que envolvem pesquisas sero

    abordados.

    No sexto captulo sero apresentados os resultados encontrados. um captulo longo,

    sub-dividido em cinco partes. A primeira parte, focada nos aspectos contextuais em 2001 e

    que influenciaram a definio da agenda, a formulao do PSA e a deciso em implement-lo.

    A segunda parte, voltada para a compreenso do processo poltico, e cobre o ano de 2001.

    Aspectos relativos aos atores que estiveram envolvidos com o PSA em 2001 sero abordados

    na terceira parte do captulo. O contedo propositivo do PSA e seu dilogo com os princpios

    da promoo da sade e do SUS o foco da quarta parte do captulo. Por fim, a ltima parte

  • 20

    dos resultados voltada para o momento da implementao do PSA, na qual sero analisados

    os aspectos contextuais, processuais, dos atores e do contedo, que particularizam tal

    momento.

    No ltimo captulo as respostas s perguntas condutoras sero sintetizadas, de modo a

    recuperar a totalidade dos achados. Nesse captulo algumas consideraes e novos problemas

    sero levantados, abrindo-se assim a possibilidade de uma agenda para aprofundamento de

    questes identificadas como relevantes.

  • 21

    2

    PROMOO DA SADE

  • 22

    2 PROMOO DA SADE

    2.1 INTRODUO

    O presente captulo discute o que se entende por promoo da sade. Partindo do

    histrico do conceito, desde o Relatrio Lalonde, apresenta as principais concluses das seis

    Conferncias Internacionais sobre Promoo da Sade, realizadas entre os anos de 1986 e

    2005, alm de enfocar aspectos da Conferncia de Alma-Ata e da Conferncia das Naes

    Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), por apresentarem estreito

    dilogo com o que se compreende por promover sade. Por fim, os princpios preconizados

    como os da Promoo da Sade, identificados como travando estreito dilogo com os

    princpios e diretrizes do SUS, sero apresentados e discutidos.

    2.2 PROMOO DA SADE

    O PSA do Recife afirma no seu contedo propositivo ser uma poltica que busca a

    promoo da sade. Assim sendo, discutir o que se entende por Promoo da Sade e que

    marcos conceituais sustentam sua concepo etapa necessria e fundamental do presente

    trabalho. Buscaremos, a partir de documentos, artigos, livros e teses que dialogam com o

    tema, desenvolver a evoluo histrica do que atualmente se compreende por Promoo da

    Sade, antecipando desde j que no , nem poderia ser, uma abordagem exaustiva de um

    tema no consensual, que se fundamenta em princpios e diretrizes polissmicos.

    Do ponto de vista histrico, Souza e Grundy (2004) destacam que a promoo da

    sade como idia e base para elaborao de polticas sociais antecede o uso explcito da

    expresso, e assim como Buss (2003), identificam que ainda em 1946, Sigerist (apud BUSS,

    2003; SOUZA; GRUNDY, 2004), um historiador mdico, faz referncias a tarefas essenciais

    da pratica mdica: a promoo da sade, a preveno de doenas, a recuperao dos enfermos

    e a reabilitao.

  • 23

    Na atualidade o tema da Promoo da sade tem, como marco histrico o Relatrio

    Lalonde, publicado em 1974 pelo ento Ministro da Sade do Canad (BUSS, 2000, 2003;

    CARVALHO, 2004a, 2004b; SOUZA; GRUNDY, 2004).

    No documento intitulado A New Perspective on the Health of Canadians Marc

    Lalonde parte do diagnstico de que os problemas de sade no Canad no seriam resolvidos

    apenas com a oferta de servios. Para Lalonde os problemas de sade tm por fundamento o

    que chama de campo da sade. Tal campo sendo decomposto em quatro amplos componentes:

    biologia humana; meio ambiente; estilo de vida e organizao da assistncia sade. Lalonde

    afirma que os esforos para enfrentamento dos problemas de sade tm historicamente se

    concentrado no eixo da organizao da assistncia, no entanto, que a origem dos problemas

    atuais seria decorrente da inter-relao dos outros trs componentes, ou seja: biologia

    humana, meio ambiente e estilos de vida (BUSS, 2000; CARVALHO, 2004a; SOUZA,

    GRUNDY, 2004)

    Segundo Carvalho (2004, 2004a), o Relatrio Lalonde preconiza adicionar anos

    vida e adicionar vida aos anos. Garantindo a qualidade de vida tanto de indivduos como de

    coletividades, tendo por eixo central de atuao um conjunto de aes que procura intervir

    positivamente sobre condutas individuais desfavorveis a uma vida saudvel, o que se d a

    partir de um modelo que inter-relaciona os quatro grupos explicativos apontados para o

    fenmeno sade.

    Embora reconhecendo a importncia do relatrio Lalonde, Carvalho (2004; 2004a)

    considera limitao no mesmo, por partir do pressuposto de que caberia aos indivduos

    assumir a responsabilidade sobre os efeitos deletrios sua sade em funo de seus hbitos

    de vida. Tal explicao pode conduzir a que, grupos populacionais menos favorecidos sejam

    culpabilizados por problemas de sade cuja determinao esteja fora de sua possibilidade de

    opo ou deciso. A observao de Carvalho tem sido a tnica das discusses sobre promoo

    da sade ao longo das Conferncias Internacionais e debates de tericos do campo.

    Buss (2000, 2003) divide em dois grandes blocos as conceituaes para Promoo da

    Sade. No primeiro, as aes de promoo da sade consistiriam em atividades focadas no

    estilo de vida. As atividades de promoo estariam voltadas para transformao do

    comportamento dos indivduos ou de suas famlias, ou no mximo no mbito da comunidade,

    com tendncia a concentrarem-se nos componentes educativos, relacionados a riscos

    comportamentais passiveis de mudanas, e ao menos em parte, sob controle dos indivduos.

    Nessa abordagem no fariam parte do mbito da promoo da sade fatores que estivessem

    fora do controle individual.

  • 24

    No segundo, no qual se reconhece o papel protagonista dos determinantes gerais sobre

    as condies de sade, e para o qual, a sade produto de um amplo espectro de fatores

    relacionados com a qualidade de vida, as atividades de promoo da sade estariam mais

    voltadas ao coletivo e ao ambiente (fsico, social, poltico, econmico e cultural), atravs de

    polticas pblicas e de condies favorveis ao desenvolvimento da sade, alm de aes de

    reforo capacidade individual e das comunidades (BUSS, 2000, 2003).

    Czeresnia (2003) tambm identifica duas perspectivas da promoo da sade. Uma,

    que denomina de conservadora e que refora a tendncia diminuio da responsabilidade do

    Estado, cabendo aos sujeitos a auto-gesto da sua sade. Outra, progressista, com foco

    voltado para a melhoria da qualidade de vida das populaes, com uma dimenso maior que

    meramente circunscrita ao setor sade.

    O primeiro momento influenciado pelas repercusses do Relatrio Lalonde, pode ser

    identificado nas orientaes de prticas de promoo da sade, observadas ao longo da dcada

    de 1970, tanto no Canad, como em outros pases que adotaram prioritariamente estratgias

    focadas em mudanas de estilo de vida e comportamentos individuais considerados de risco,

    como tabagismo, obesidade ou comportamento sexual. Tais prticas, indiscutivelmente,

    obtiveram resultados importantes, porm trazem implcita a possibilidade de transferir

    vtima a culpa exclusiva pelos problemas de sade. As polticas ancoradas nessa estratgia

    tm recebido crticas devido aos efeitos limitados por sua nfase unilateral, sem um enfoque

    mais coletivo da determinao social do processo sade-doena (SCOLI; NASCIMENTO,

    2003).

    Mesmo que atualmente haja crticas ao foco do Relatrio Lalonde, o mesmo

    permanece reconhecido como o grande marco das discusses que inauguraram um novo

    tempo para a promoo da sade. Assim, Souza e Grundy (2004), referem que o Relatrio

    Lalonde, ao levantar uma nova perspectiva para promoo da sade influenciou importantes

    iniciativas lideradas pela Organizao Mundial de Sade (OMS), a exemplo da Assemblia

    realizada em Alma-Ata, em 1978, e das seis Conferncias Internacionais realizadas entre os

    anos de 1986 e 2005, e na Amrica Latina e Caribe, as reunies da Colmbia, em 1992 e em

    Trinidad-Tobago, em 1993.

    No presente tpico, apresentaremos as concluses e recomendaes das seis

    Conferncias Internacionais de Promoo da Sade, o dilogo entre os mesmos, alm de

    aspectos prioritrios de duas outras Conferncias, Alma-Ata e a Rio-92, pela interface

    importante de suas recomendaes e o pensamento de promoo da sade. Dialogaremos

    tambm com os princpios da Promoo da Sade, tais como identificados na Poltica

  • 25

    Nacional de Promoo da Sade, e com os princpios e diretrizes do SUS, por reconhecermos

    nos mesmos harmonia com os princpios da promoo da sade.

    2.3 OS MLTIPLOS MOMENTOS DA PROMOO DA SADE

    Em 1986 realiza-se a primeira Conferencia Internacional sobre Promoo da Sade,

    em Ottawa (Canad). A conferncia de Ottawa (1986) assume a idia de sade como

    resultante de diferentes condicionantes. No Brasil, no mesmo ano, o relatrio da VIII

    Conferncia Nacional de Sade, incorpora tal concepo, posteriormente afirmada na

    Constituio Federal do Brasil de 1988. Tais documentos reconhecem a sade como direito

    fundamental do homem, cabendo ao Estado garanti-la (CZERESNIA, 2003).

    A Carta de Ottawa destaca que a sade uma importante dimenso da qualidade de

    vida, e, portanto, as condies para obt-la esto relacionadas a mltiplos determinantes: a

    paz, a educao, a moradia, a alimentao, a renda, um ecossistema estvel, justia social e

    equidade (BRASIL, 2003b, p.283).

    A experincia de ter sade, ou estar doente so formas de manifestao da vida,

    portanto, experincias singulares e subjetivas. Czeresnia (2003) salienta o imenso desafio que

    tal fato coloca para a sade pblica. Ao assumir a responsabilidade pela promoo da sade, o

    setor sade coloca-se diante da contradio de se organizar em torno da doena, no levando

    suficientemente em conta a distncia entre a construo mental do adoecer, como experincia

    concreta de vida, e os conceitos utilizados para sua compreenso. nesse sentido que surge a

    distino entre preveno e promoo da sade.

    A promoo da sade deve se diferenciar da preveno. A preveno, como

    classicamente conceituada por Leavel e Clark (1976) refere-se a medidas adotadas antes do

    surgimento de uma doena ou agravo visando evitar o seu surgimento. A promoo da sade

    diferencia-se na medida em que tem um horizonte amplo na busca por sade. Leavell e Clark

    (1976) utilizam o conceito de promoo da sade dentro do seu modelo de historia natural da

    doena, no entanto com um enfoque bem diferente do que vem sendo compreendido a partir

    da Conferncia de Ottawa.

    O modelo de histria natural da doena, que influenciou, e influencia at hoje aes de

    sade, preconiza trs nveis de preveno: primria, secundria e terciria. A promoo da

    sade e a proteo especfica comporiam a preveno primria, a serem desenvolvidas no

  • 26

    perodo de pr-patognese. Como promoo da sade, os autores consideram aes que no

    sendo dirigidas para determinada doena, contribuem para o aumento da sade e do bem estar

    geral. O foco de Leavell e Clark (1976) do que seriam aes de promoo inclui entre outras,

    educao, nutrio, moradia adequada ou aconselhamento sexual. O contato com profissionais

    de sade e a realizao de exames peridicos, esto tambm entre as aes de promoo da

    sade. Portanto, o enfoque primordial dos dois autores, embora tenha elementos importantes,

    voltado exclusivamente para os indivduos, e em alguns casos estendidos para a famlia.

    A preveno teria por objetivo evitar enfermidades, e a ausncia de doenas seria um

    objetivo suficiente.

    O modelo de histria natural da doena conformado de acordo com o modelo

    biomdico, e enfatiza a antecipao da doena atravs de aes que visem estabelecer ou re-

    estabelecer, o equilbrio dinmico entre hospedeiro, agente patognico e ambiente

    (MARCONDES, 2004). Para a promoo da sade, por outro lado, a ausncia de doena no

    suficiente (BUSS, 2003; CZERESNIA, 2003). A promoo da sade envolveria mudanas

    nas condies de vida, representando o fortalecimento da capacidade individual e coletiva

    para lidar com os mltiplos condicionantes da sade. Ou seja, promoo uma concepo que

    diz respeito ao fortalecimento da sade por meio da construo de capacidade de escolha,

    (CZERESNIA, 2003, p.48).

    Lefevre e Lefevre (2004; 2007), identificando a doena como fato concreto que afeta e

    interfere no cotidiano das pessoas, apontam dois caminhos. O modelo hegemnico das

    sociedades de consumo, que se expressa no setor sade atravs do consumo de tecnologias

    mdicas, e o modelo contra-hegemnico, que identifica que a sade , e pode no ser, no

    qual o modelo tecnolgico poderia coexistir com a busca das causas do adoecimento e o

    enfrentamento das mesmas. A doena, nessa perspectiva, torna no apenas o corpo doente,

    mais tambm a sociedade. O adoecimento deve ento ser conhecido nas suas razes.

    Porm, alertam Lefevre e Lefevre (2004, 2007), em um processo dialtico de

    enfrentamento do processo de adoecimento nas sociedades, seria necessrio partir no do

    ponto de chegada, que o social na sade, e sim das doenas. Ou seja, para obter uma

    sociedade mais justa e menos doente, no se pode desvincular a sade da doena, pois fora da

    doena a sade tende, inevitavelmente a ser tudo (LEFEVRE; LEFEVRE 2007, p. 26).

    O debate em torno dos sentidos do que seja sade, doena, qualidade de vida, est

    longe de ser esgotado, e por ser permeado de valor, a compreenso de mundo dos atores

    envolvidos fazem com que, no raro, interpretem os termos diferentemente. A sade e o

    adoecer so experincias vividas, singulares e subjetivas sendo, portanto, impossvel serem

  • 27

    significados apenas pelas palavras, desvinculadas de processos subjetivos e de vivncias

    prprias.

    Ao delimitar os determinantes do processo de adoecimento externamente ao sistema

    de tratamento, pode-se incorrer no risco de considerar sade como algo to amplo como a

    prpria noo de vida (CZERESNIA, 2003, p. 46). Portanto, h que se definir claramente o

    campo da sade, suas especificidades, e o momento no qual as competncias se abrem para

    outros setores.

    Ao enfocarem o debate necessrio entre sade e a noo de qualidade de vida,

    Minayo, Hartz e Buss (2000) reforam que tal noo um campo semntico polissmico, que

    de um lado est relacionado ao modo e estilo de vida, e de outro, inclui a dimenso do

    desenvolvimento humano. Para os mesmos h uma relatividade cultural do entendimento do

    que seja qualidade de vida, pois essa uma noo eminentemente humana, que tem sido

    aproximada ao grau de satisfao encontrada em diferentes esferas da vida.

    Qualidade de vida pressupe a capacidade de realizar uma sntese cultural dos

    elementos que dada sociedade considera padro de conforto e bem estar. A qualidade de vida

    poderia ser considerada a distncia entre expectativa individual e a realidade (quanto menor a

    distncia entre esses, melhor!). Portanto, qualidade de vida, no se restringe ao binmio

    sade/doena, ou muito menos, tem sua noo restrita a critrios tcnicos e cientficos. uma

    discusso a ser travada, sobretudo, no campo da poltica. Portanto, uma poltica promotora de

    sade parte, mais no o todo, da melhoria da qualidade de vida das populaes.

    Minayo, Hartz e Buss (2000) destacam que seriam ao menos trs os fruns de

    referncia para a noo de qualidade de vida: o primeiro histrico, sendo a noo de qualidade

    de vida diferente para uma mesma sociedade em diferentes momentos histricos; o segundo,

    cultural, no qual a noo de qualidade de vida influenciada por valores e necessidades

    diversas, em diferentes sociedades; o terceiro se refere estratificao da sociedade, pois em

    sociedades muito estratificadas, a noo de qualidade de vida est vinculada a padres dos

    estratos sociais superiores. Aspectos esses que reforam a complexidade que cerca o tema e o

    debate em seu em torno.

    Portanto, o alerta que Minayo, Hartz e Buss (2000) lanam no final de seu artigo,

    aponta para a necessidade de aprofundamento das discusses sobre promoo da sade e

    qualidade de vida, para que os mesmos no se tornem mera retrica, e sim que signifiquem

    mais do que uma idia ampla de senso comum, apenas imagem-objetivo, sem

    operacionalidade ou aes concretas. Os autores identificam a promoo da sade como

    estratgia prioritria para o setor sade, por incorporar um dilogo intersetorial, assim

  • 28

    assumindo a capacidade de articulao entre setores, cada um com suas singularidades, e

    considerando que conquistar sade no apenas questo de sobrevivncia, , sobretudo,

    qualificao da existncia.

    O debate em torno do binmio sade/doena, e seus determinantes bem como da

    compreenso da sade como componente da qualidade de vida, e a necessidade da adoo de

    prticas de promoo da sade, vm sendo largamente ampliado nas ltimas dcadas, atravs

    das Conferncias Internacionais de Promoo da Sade, artigos, livros ou debates locais. A

    promoo da sade como prtica vem sendo tambm preconizada como prioridade, inclusive

    no Brasil. Neste sentido, consideramos relevante apresentar os principais eventos relacionados

    ao tema, suas proposies e principais desdobramentos.

    2.4 DE OTTAWA A BANGKOK - AS CONFERNCIAS INTERNACIONAIS SOBRE

    PROMOO DA SADE

    Entre os anos de 1986 e 2005, foram seis as Conferncias Internacionais de Promoo

    da Sade, realizadas em Ottawa (Canad), em 1986, Adelaide (Austrlia) em 1988, Sundsvall,

    (Sucia), em 1991, Jacarta (Indonsia), em 1997, na Cidade do Mxico em 2000, e em

    Bangkok, Tailndia, em 2005. Pela relevncia que representam discutiremos brevemente

    cada uma delas. Por ter sido um evento marcante nas discusses acerca da sade como um

    direito fundamental e sobre a necessidade de reorientao do modelo de ateno hegemnico,

    apresentaremos brevemente, a Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios de Sade

    (ou Alma-Ata, como ficou conhecida), realizada em 1978, e aspectos da Agenda 21,

    resultante da Rio-92.

    Optamos por apresentar os eventos em ordem cronolgica, pois permitir uma maior

    compreenso da influncia exercida de um sobre outro, na medida em que no raro o evento

    anterior pautou o foco do subseqente, ou pelo contrrio, o evento seguinte pautou o anterior,

    a exemplo do que ocorreu na Conferncia de Sundavall (1991), antecedente Rio-92.

    ]

  • 29

    2.4.1 Alma-Ata - um marco

    A Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios de Sade, realizada em Alma-

    Ata, na extinta Unio Sovitica em 1978 considerada um grande marco, e sua Declarao

    at hoje um documento importante nas discusses acerca da Sade como direito (BUSS,

    2000).

    Dois dos pontos mais relevantes da Conferncia de Alma-Ata foram a proposta de

    ateno primria de sade e a meta de sade para todos at o ano 2000. Porm outros aspectos

    menos difundidos devem ser resgatados: a reafirmao da sade como direito humano

    fundamental, o reconhecimento de que as desigualdades so inaceitveis, a afirmao de que

    os governos tm responsabilidade pela sade dos cidados e que a populao tem o direito de

    participar das decises no campo da sade (BRASIL, 2003a, 2003; BUSS, 2000, 2003).

    Os rebatimentos da Conferncia de Alma-Ata nas discusses acerca de modelos de

    ateno foram marcantes. Para Carvalho (2005), Alma-Ata, ao afirmar a necessidade de

    mobilizao articulada entre diferentes setores da sociedade com vistas ao alcance da

    ambiciosa meta de sade para todos, contribuiu para as discusses de promoo da sade,

    tendo influenciado as discusses travadas durante a Ia Conferncia Internacional sobre

    Promoo da Sade, realizada em Ottawa, Canad (1986). No Brasil, o processo de discusso

    que culminou com a Reforma Sanitria, e com a criao do SUS, tambm incorporou

    elementos da Declarao de Alma-Ata.

    2.4.2 Carta de Ottawa - pilar fundamental da Promoo da Sade

    A primeira Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade foi realizada na

    cidade de Ottawa, Canad, em 1986, tendo sido promovida pela Organizao Mundial de

    Sade e instituies canadenses. Participaram do evento delegados de 38 pases

    industrializados. A Conferncia reconhece a forte influncia da Declarao de Alma-Ata, e

    como resultado do evento, foi emitida a Carta de Ottawa dirigida execuo do objetivo

    Sade, para todos no anos 2000 (BRASIL, 2003b; LEEUW; TANG; BEAGLEHOLE,

    2007).

  • 30

    A Carta de Ottawa, no seu prembulo, reconhece ter sido, antes de tudo uma resposta

    crescente demanda por uma concepo de Sade Pblica no mundo e que Promover sade

    consiste em proporcionar aos povos os meios necessrios para melhorar sua sade e exercer um maior

    controle sobre a mesma (BRASIL, 2003b, p. 282,-3).

    Assim a Carta de Ottawa define promoo da sade e assume a sade como um

    recurso fundamental para a vida cotidiana. A mesma reconhece que, as condies e requisitos

    para sade vo alm de servios de sade de qualidade, no excluindo o papel de destaque

    desses. A paz, a justia social, alimentao, moradia, renda, ecossistema estvel e a equidade,

    so tambm requisitos fundamentais para sade. O documento, ao afirmar os mltiplos

    determinantes da sade, aponta para a intersetorialidade como estratgia para promoo da

    sade (BRASIL, 2003b; BUSS, 2000).

    A promoo da sade estaria, portanto, exigindo aes coordenadas de todos, alm de

    exclusivamente no setor sade: governos, setores sociais e econmicos, organizaes da

    sociedade civil, entre outros, considerando os contextos locais e as possibilidades especificas

    de cada pas ou regio (BUSS, 2000; SCOLI; NASCIMENTO, 2003). A materializao de

    polticas pblicas saudveis dar-se-ia atravs da combinao de esforos complementares, e

    no apenas atravs do mero cuidado com a ateno sade, e que vo desde legislaes

    adequadas, at a implementao de aes intersetoriais coordenadas, que apontem para a

    equidade das polticas.

    Esse o aspecto que diferencia substancialmente Alma-Ata e Ottawa, como chama

    ateno Marcondes (2004). No relatrio final da reunio em Alma-Ata a sade considerada

    como completo bem-estar fsico, mental e social, enquanto na Carta de Ottawa, a sade

    compreendida como processo social e historicamente determinado, no qual se prioriza a vida

    com qualidade. O autor destaca a importncia do evento em Alma-Ata, em particular em

    relao definio da estratgia de ateno primria sade.

    So cinco os campos de interveno propostos pela Carta de Ottawa: elaborao e

    implementao de polticas pblicas saudveis; criao de ambientes favorveis sade;

    reforo da ao comunitria; desenvolvimento de habilidades e atitudes pessoais; reorientao

    do sistema de sade (BRASIL, 2003b; BUSS, 2000, 2003).

    A criao de ambientes favorveis significa o reconhecimento da complexidade da

    sociedade e da interdependncia entre diferentes setores, e o compromisso de todos na

    conservao dos mesmos. J naquele momento, a conservao dos recursos naturais, e a

    proteo dos ambientes artificiais, eram pautadas como necessidades estratgicas.

  • 31

    O reforo da ao comunitria (ou empoderamento coletivo) na fixao de prioridades

    e nas decises implicaria no acesso contnuo a informaes e oportunidades de aprendizagem.

    O desenvolvimento de habilidades e atitudes pessoais favorveis sade (ou empoderamento

    individual) em todas as etapas de vida aponta para a importncia de se proporcionar os meios

    para que haja o desenvolvimento de aptides para o enfrentamento dos problemas de sade, e

    para a identificao e opo por tudo o que propicie a sade (BRASIL, 2003b).

    A reorientao dos servios de sade na direo da concepo de promoo da sade

    possibilita a superao da mera responsabilidade em proporcionar servios clnicos e mdicos,

    indo alm do modelo centrado na doena como fenmeno individual e na assistncia mdica

    curativa, o que representa transformaes significativas tambm na organizao e

    financiamento do setor sade (BRASIL, 2003b).

    O documento final da Conferncia de Ottawa tem sido a grande referncia para as

    discusses sobre promoo da sade no mundo, e para muitos, sua pedra fundamental

    (LEEUW; TANG; BEAGLEHOLE, 2007). Leger (2007), reitera o papel da Carta de Ottawa

    por sua simplicidade e objetividade dos pontos enfocados. Segundo o autor, ao definir as

    cinco reas de ao, e apresentar estratgias para alcan-las, bem como ao identificar o setor

    sade como mediador de aes coordenadas, a Carta de Ottawa mantm sua atualidade.

    A segunda Conferncia Internacional de Promoo da Sade realiza-se dois anos

    depois na Austrlia, e que tem por resultado a Declarao de Adelaide.

    2.4.3 Declarao de Adelaide - polticas saudveis

    A Conferncia realizada em Adelaide, Austrlia, 1988, reafirma a sade como direito

    fundamental, e teve como tema central as polticas pblicas saudveis (BUSS, 2003;

    CONFERNCIA INTERNACIONAL SOBRE A PROMOO DA SADE, 1988).

    A Declarao de Adelaide refere-se aos dois documentos precedentes, a Declarao de

    Alma-Ata e a Carta de Ottawa, e afirma que adotar polticas pblicas saudveis significa

    desenvolver:

    [...] o interesse e preocupao de todas as reas das polticas pblicas em relao sade e a equidade, e pelos compromissos com o impacto de tais polticas sobre a sade da populao. O principal propsito de uma poltica publica saudvel criar um ambiente favorvel para que as pessoas possam

  • 32

    viver vidas saudveis. As polticas saudveis facilitam opes saudveis de vida para os cidados. CONFERNCIA INTERNACIONAL SOBRE A PROMOO DA SADE, 1988, p. 2).

    O discurso da intersetorialidade est presente na Declarao de Adelaide, expresso,

    sobretudo no reconhecimento da necessidade de se forjar novas alianas entre os setores

    pblicos, privados, movimentos sociais, entre outros. (BUSS, 2000, 2003).

    Foram quatro reas prioritrias apontadas para promover aes imediatas para

    polticas pblicas saudveis: apoio sade da mulher; alimentao e nutrio; tabagismo e

    alcoolismo; criao de ambientes favorveis. Neste sentido, Buss (2003) destaca certa

    timidez na definio das reas explicitadas em relao formulao inicial da Declarao

    de Adelaide, bem mais abrangente ao reafirmar a sade como direito, e a justia social e a

    equidade como pr-requisitos para obt-la.

    Porm, Buss (2003) salienta outros aspectos importantes da reunio de Adelaide: o

    propsito com a promoo de ambientes favorveis, em sentido amplo do termo; o

    compromisso com a equidade, traduzido na superao das desigualdades no acesso a bens e

    servios.

    O eixo referente criao de ambientes favorveis expressa o apoio ao conceito de

    desenvolvimento sustentvel, deixando praticamente tematizada a reunio seguinte, realizada

    em Sundsvall, Sucia em 1991.

    2.4.4 Sudsvall - ambientes favorveis sade

    A Terceira Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade, realizou-se em

    Sundavall, Sucia em 1991, e teve por tema Ambientes favorveis Sade. O tema baseou-

    se no reconhecimento do crescente interesse pblico sobre a questo da ameaa ao meio

    ambiente global. A Conferncia de Sundavall ocorreu em 1991, um ano antes da Conferncia

    das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, Brasil, 1992).

    Portanto, a terceira Conferncia realiza-se em torno de uma temtica pautada previamente, em

    Adelaide, e na perspectiva de realizao da Rio-92.

    Mais uma vez no seu prembulo, a Declarao resultante do encontro internacional

    reafirma os documentos precedentes. Foi um evento do qual participaram representantes de 81

  • 33

    pases, demonstrando um crescente interesse por parte das naes em discutirem e

    participarem dos debates sobre promoo da sade (CONFERNCIA INTERNACIONAL

    SOBRE A PROMOO DA SADE, 1991).

    Esta Conferncia foi pioneira ao trazer para a rea da sade o tema ambiente, no

    apenas na suas dimenses fsica e natural, mas enfatizando as dimenses social, econmica,

    poltica e cultural, conclamando os povos do mundo a se engajarem na promoo de

    ambientes mais favorveis sade, pois ambiente e sade so interdependentes e

    inseparveis. Para a criao de ambientes promotores de sade, o principio da equidade

    devendo ser norteador e o desenvolvimento sustentvel uma meta (BUSS, 2000, 2003;

    CONFERNCIA INTERNACIONAL SOBRE A PROMOO DA SADE, 1991).

    A Declarao de Sundavall sublinha quatro aspectos para um ambiente favorvel e

    promotor de sade: a dimenso social que alerta para a necessidade de mudanas nas

    relaes sociais tradicionais quebrando o isolamento social que pode influenciar

    negativamente a sade; a dimenso poltica com enfoque na participao democrtica nos

    processos de deciso e descentralizao dos recursos; a dimenso econmica que requer re-

    escalonamento dos recursos para os setores sociais (inclusive sade) e para o

    desenvolvimento sustentvel e por fim, a utilizao da capacidade das mulheres em todos os

    setores (BUSS, 2000; CONFERNCIA INTERNACIONAL SOBRE A PROMOO DA

    SADE, 1991).

    A Conferncia de Sundsvall apontou estratgias fundamentais para ao em sade

    pblica visando criao de ambientes favorveis: a realizao de aes comunitrias; a

    capacitao individual e coletiva (empoderamento individual e coletivo); a construo de

    alianas para obteno de sade e ambientes favorveis e a mediao de conflitos de

    interesses da decorrentes.

    A Declarao conclui por conclamar que a mesma fosse considerada durante a

    Conferencia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente, que ocorreria um ano aps no Rio de

    Janeiro, quando seria assinada a Agenda 21, um acordo entre os pases membros, em um

    evento marcante, que se destacou por chamar ateno do mundo para os problemas

    ambientais do final do sculo vinte (BRASIL, 1995).

  • 34

    2.4.5 Rio - 92 e a Agenda 21

    Em 1992 realiza-se na cidade do Rio de Janeiro Brasil a Conferncia das Naes

    Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92, ou Rio-92, como ficou

    conhecida, da qual resultou uma agenda de trabalho para o sculo 21, a Agenda 21, voltada

    para problemas atuais, representando um compromisso poltico no que diz respeito ao

    desenvolvimento e cooperao ambiental (BRASIL, 1995).

    Partindo do diagnstico dos desafios que enfrenta a humanidade, como as disparidades

    entre naes, e no interior delas, a deteriorao ambiental e o seu reflexo sobre as condies

    de vida do planeta, a Rio-92 voltava-se a preparar o mundo para o sculo XXI. Para tanto,

    destacava o papel dos governos na sua efetivao, e a necessidade da definio de estratgias

    e polticas voltadas para o desenvolvimento sustentvel.

    A Agenda 21 um denso documento dividido em 40 captulos agrupados em IV

    Sees: I- Dimenses Sociais e Econmicas; II- Conservao e Gesto dos Recursos para o

    Desenvolvimento; III- Fortalecimento do papel dos grupos principais e IV- Meios de

    Implementao (BRASIL, 1995).

    Entre os tpicos que merecem destaque, est a intima relao entre desenvolvimento e

    sade. Durante todo o Captulo 6, a Agenda 21 refora a relao entre sade e condies de

    vida, salientando a necessidade do estabelecimento de mecanismos de controle ambiental

    como parte do atendimento primrio sade, ou se empreendidos fora do mbito da sade,

    que estejam a ele intimamente relacionados. Assim, os vnculos existentes entre sade e

    melhorias ambientais e scio-econmicas exigem esforos intersetoriais (BRASIL, 1995, p.51)

    A Agenda 21 ressalta que tais esforos abrangem diferentes esferas da vida, tais como

    educao, habitao, entre outras, e sua consecuo est vinculada a capacitao das pessoas e

    suas comunidades, pois impossvel haver desenvolvimento sustentvel sem que haja

    populao saudvel.

    Por fim, enumera as reas programticas prioritrias do desenvolvimento sustentvel

    para a sade: a ateno primria da sade como estratgia prioritria de atendimento; o

    controle das doenas contagiosas; a proteo de grupos vulnerveis; o enfrentamento do

    desafio da sade urbana e a reduo dos riscos decorrentes dos perigos ambientais (BRASIL,

    1995).

  • 35

    Como um dos frutos da Conferncia destaca-se a Declarao do Rio sobre o Meio

    Ambiente e Desenvolvimento, que consta de 27 princpios, e que tem como foco central das

    preocupaes os seres humanos. (DECLARAO DO RIO, 1992).

    A Declarao do Rio, reconhecendo a soberania dos Estados, destaca a necessidade

    dos mesmos assumirem a responsabilidade ambiental dentro do seu territrio, garantindo o

    desenvolvimento sustentvel e atendendo de forma eqitativa as necessidades das geraes

    atuais e futuras.

    Vale salientar o significado simblico da Agenda 21 e da Declarao do Rio, e o

    enorme desafio s naes, ali lanados.

    Para Minayo, Hartz e Buss (2000), embora o discurso do desenvolvimento sustentvel

    seja uma quase unanimidade, na realidade os conflitos de interesse esto longe de permitir sua

    conquista, e o mundo caminha aparentemente para a insustentabilidade, pois o modelo

    ocidental (quase) hegemnico, urbano, polarizado e predatrio, no leva em conta

    necessidades de geraes futuras, em franca contradio com as recomendaes da Rio-92, ou

    o discurso de promoo da sade.

    A Agenda 21 ser referida nos documentos institucionais sobre o PSA como um texto

    chave, e que fundamentou a concepo de vigilncia em sade ambiental, bem como os

    princpios e diretrizes programticos (RECIE, 2001, 2003, 2003a, 2003b).

    2.4.6 Jacarta - uma cidade em desenvolvimento sedia uma Conferncia

    Em 1997 realiza-se a quarta Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade em

    Jacarta (Indonsia), com o subttulo: Novos atores para uma nova era, e foi centrada nas

    discusses sobre a necessidade de reforo das aes comunitrias. A Conferncia realizada

    em Jacarta foi marcante por ter sido a primeira conferncia sobre promoo da sade a se

    realizar em um pas em desenvolvimento (BUSS, 2000, 2003; BRASIL, 2003C).

    Seu documento final considera que a promoo da sade um investimento valioso. A

    sade mais uma vez reconhecida como direito humano fundamental e essencial para o

    desenvolvimento social e econmico (BRASIL, 2003C, p. 288).

    A Declarao de Jacarta, alm de ressaltar os vnculos entre sade e desenvolvimento

    e reafirmar posies histricas da promoo da sade, refora a importncia da ao

    comunitria, ou empoderamento coletivo, o que implica na necessidade de acmulo de

  • 36

    conhecimento sobre as melhores prticas, a necessidade de se facilitar o aprendizado

    compartilhado e de promover a solidariedade, com nfase para a importncia do acesso

    educao e informao.

    Foram cinco as prioridades elencadas para o campo da promoo da sade: promover

    a responsabilidade social com sade polticas pblicas saudveis e comprometimento do

    setor privado; aumentar investimento na sade atravs do enfoque multissetorial; consolidar e

    expandir parcerias para sade entre os diferentes setores em todos os nveis de governo e

    sociedade; fortalecer a comunidade para que influam positivamente nos fatores determinantes

    da sade e definir cenrios preferenciais para atuao (escolas, trabalhos, comunidades).

    Para Buss (2003) a grande importncia do encontro em Jacarta refere-se s afirmaes

    do documento de que aes que buscam combinar as cinco estratgias elencadas na Carta de

    Ottawa so mais eficazes do que estratgias isoladas. Ao apontar diferentes lcus como

    espaos para desenvolvimento de polticas promotoras de sade, a Declarao de Jacarta

    oferece orientao prtica para aes concretas.

    A Conferncia de Jacarta, porm, estabeleceu uma polmica considervel ao incluir o

    setor privado como ator de polticas promotoras de sade, atravs da responsabilizao por

    polticas saudveis (BUSS, 2003).

    Embora com a polmica de incorporar o setor privado, o evento de Jacarta retoma os

    fundamentos bsicos da Carta de Ottawa de forma operativa e abrangente.

    A quinta conferncia ocorreria na Cidade do Mxico em 2000, s vsperas do incio

    do novo milnio.

    2.4.7 Das idias s aes: a Conferncia do Mxico

    No ano 2000 realiza-se na cidade do Mxico a quinta Conferncia Internacional sobre

    Promoo da Sade, com o subttulo de: Das idias s aes, e buscou avanar no sentido

    das prioridades definidas na reunio anterior, em Jacarta.

    A Declarao do Mxico um documento sinttico, no qual a conquista de melhores

    nveis de sade reconhecida como fundamental para o desenvolvimento social, econmico e

    a equidade, e que a promoo da sade e o desenvolvimento social so responsabilidades e

    dever dos governos e da sociedade em geral (SCOLI; NASCIMENTO, 2003;

    CONFERNCIA INTERNACIONAL SOBRE A PROMOO DA SADE, 2000).

  • 37

    Os signatrios da Declarao do Mxico apontam a promoo da sade como

    componente fundamental das polticas e programas pblicos na busca por equidade e melhor

    sade para todos, devendo ser considerada prioridade nas polticas pblicas, tanto nos nveis

    local, regional, nacional e internacional, cabendo ao setor sade a liderana que busque a

    participao ativa de todos na implementao de tais aes. Para tanto necessrio incluir a

    identificao de prioridades em sade, estabelecendo-se polticas e programas para

    implement-los (CONFERNCIA INTERNACIONAL SOBRE A PROMOO DA

    SADE, 2000).

    2.4.8 Um mundo globalizado e Bangkok - contradies, ou volta ao passado?

    A sexta Conferncia de Promoo da Sade ocorreu em Bangkok (2005), com o

    subttulo de A Promoo da Sade em um Mundo Globalizado. Destaca-se pelo

    reconhecimento da importncia e necessidade de se estabelecer compromissos para

    enfrentamento dos fatores determinantes de sade em um mundo globalizado, mediante a

    promoo da sade. Os participantes chamam ateno para as mudanas ocorridas no mundo

    ao longo de quase vinte anos passados da conferncia de Ottawa (CARTA, 2005).

    A Carta de Bangkok divide-se em grandes tpicos. O primeiro ratifica os

    compromissos firmados nas conferncias anteriores, reconhecendo a sade como um direito

    fundamental de todos e fator determinante da qualidade de vida.

    O segundo discute o mundo em um contexto de transformao e aponta como pontos

    crticos a crescente desigualdade entre pases e intra-pases, alm das novas formas de

    consumo e de comunicao; as mudanas ambientais sofridas ao longo dos anos influenciadas

    pelo acelerado processo de urbanizao, observado em todo o mundo.

    No tpico Estratgias de promoo da sade em um mundo globalizado, a Carta de

    Bangkok volta-se para a necessidade de advogar a sade como base dos direitos humanos,

    investindo-se em polticas sustentveis, voltadas para o enfrentamento dos determinantes do

    processo sade-doena.

    A Carta de Bangkok reconhece a importncia de alianas entre os diferentes setores da

    sociedade, sejam esses governamentais, no governamentais, pblicos ou privados, no sentido

    de se impulsionarem prticas sustentveis.

  • 38

    Por fim, aponta para o Compromissos em favor da Sade para Todos, confirmando o

    setor sade como liderana para o desenvolvimento de polticas saudveis e estabelecendo

    quatro compromissos para a promoo da sade (CARTA, 2005):

    a) Ser a promoo da sade um componente primordial da agenda de

    desenvolvimento mundial;

    b) A responsabilidade dos governos com a promoo da sade, no sentido do

    enfrentamento dos problemas de sade e das fortes desigualdades sociais;

    c) Das polticas promotoras de sade como objetivo fundamental da sociedade;

    d) O compromisso dos setores empresariais com a reduo dos fortes impactos

    ambientais, atravs do cumprimento de normas e acordos locais, nacionais e

    internacionais de proteo ao meio-ambiente.

    Os signatrios da Carta de Bangkok salientam que, se de um lado a Carta de Ottawa

    suscitou inmeras reflexes, resolues e eventos de apoio ao iderio da promoo da sade,

    por outro, nem sempre as medidas propostas tm sido efetivadas. Finalizam com a

    conclamao aos estados membros e Organizao Mundial da Sade que concentrem

    esforos na efetivao e execuo de polticas promotoras de sade.

    A Carta de Bangkok no um documento consensual. Poter (2007), atravs de uma

    anlise de discurso, aponta uma mudana substancial entre os discursos de promoo da sade

    da Carta de Ottawa e a Carta de Bangkok. A ltima migra do discurso de justia social

    adotado em Ottawa, para um discurso que qualifica de novo capitalismo, no qual as aes de

    promoo da sade so centradas em adoo de leis e mecanismos econmicos. A autora

    argumenta, com propriedade, que os dois documentos se distanciam, pois o primeiro assume

    um discurso de democracia, e o segundo, de tecnocracia.

    Laverack (2007), caminha na mesma direo de Poter (2007). Para o mesmo, a

    diferena fundamental entre as Cartas de Ottawa e de Bangkok, o foco dado por cada uma

    aos determinantes de sade. Para o autor a Carta de Bangkok foca no processo de capacitar as

    pessoas a terem maior controle sobre sua sade e os seus determinantes, enquanto a Carta de

    Ottawa tem foco preponderante nos determinantes sociais da sade. A diferena fundamental

    entre os documentos concerne fundamentalmente concepo de sade que cada um assume.

    A mudana de foco entre as duas cartas, certamente ter repercusses, ainda

    insuficientemente sentidas e estudadas, e provavelmente, ainda pouco identificada no mbito

    mais global, pela sutileza do documento de Bangkok (LAVERACK, 2007; POTER, 2007).

    A stima conferncia ser realizada no Kenia, com data prevista para outubro de 2009.

  • 39

    Ao longo das conferncias e das reflexes da decorrentes, foram se configurando os

    princpios da promoo da sade. Pela relevncia e reconhecimento dos mesmos, a seguir

    discutiremos aqueles reconhecidos internacionalmente, e em particular pelo Ministrio da

    Sade, atravs da sua Poltica Nacional de Promoo da Sade.

    2.5 A PROMOO DA SADE E SEUS PRINCPIOS

    So sete os princpios da promoo da sade: a concepo holstica da sade;

    intersetorialidade das aes; empoderamento; participao social; equidade das aes; aes

    multi-estratgicas e sustentabilidade das aes (ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE,

    1998; SCOLI; NASCIMENTO, 2003).

    Em maro de 2006 o Ministrio da Sade publicou a Portaria de No 687, na qual

    aprova a Poltica Nacional de Promoo da Sade (BRASIL, 2006b). A Poltica Nacional de

    Promoo da Sade assume como diretrizes a:

    a) Integralidade das aes;

    b) Equidade;

    c) Responsabilidade sanitria;

    d) Mobilizao e participao social;

    e) Informao, educao, comunicao;

    f) Intersetorialidade das aes;

    g) Sustentabilidade.

    Podemos, pois, considerar que a proposta da Poltica Nacional dialoga com os

    princpios apontados por Scoli e Nascimento (2003), aproximando-os dos princpios e

    diretrizes que regem o SUS.

    Aqui consideraremos informao, educao e comunicao como empoderamento

    individual, e mobilizao e participao social como empoderamento coletivo, por serem os

    termos mais adotados nos documentos sobre promoo da sade (CARVALHO, 2004, 2004a;

    2005; SCOLI; NASCIMENTO, 2003).

    Em 1986 a Organizao Mundial da Sade publicou a primeira verso do seu

    Glossrio de Termos sobre Promoo da Sade, que em 1998 foi revisado. O intuito do

    Glossrio de uniformizar a compreenso dos termos internacionalmente. O documento foi

  • 40

    novamente ampliado em funo das constantes discusses internacionais sobre Promoo da

    Sade (ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE, 1998a; SMITH; TANG; NUTBEAM,

    2006).

    O documento da Organizao Mundial de Sade ser base para compreenso de

    diversos termos, na medida em que so adotados internacionalmente. A seguir,

    apresentaremos as concepes que prevalecem em torno dos conceitos que optamos por

    aprofundar: a concepo ampliada de sade; a intersetorialidade das aes; o empoderamento;

    a equidade e a integralidade, ressaltando no entanto, a polissemia e o carter valorativo que os

    envolve.

    A opo por restringirmos a discusso aos temas acima deve-se a compreenso de que

    so os que influenciaram a conformao do PSA, e pela estreita relao dos mesmos com os

    princpios e diretrizes do SUS. A concepo ampliada de sade, por ser adotada na Carta

    Constitucional Brasileira como pilar bsico do SUS, bem como ser preponderante nas

    discusses sobre promoo da sade, a universalidade como princpio e aspectos relacionados

    ao processo de descentralizao das aes sero tambm tpicos aqui discutidos. O dilogo do

    PSA com tais princpios ou diretrizes assim o exige.

    importante, porm, a ressalva de Akerman, Mendes e Bgus (2004), de que o campo

    da promoo da sade est repleto de valores em disputa, portanto, os princpios aqui

    abordados so carregados de significados, e opes sero feitas, sempre que necessrio.

    2.5.1 A Concepo ampliada de sade

    A concepo ampla de sade pressupe a relao entre sade e condies de vida. Tal

    concepo afirmada na Constituio brasileira, em seu Artigo 196, no qual assume a

    Sade como direito universal dos cidados e que cabe ao Estado garanti-la mediante

    polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doenas e de outros agravos

    [...] (BRASIL, 2004, p. 127).

    No mbito do Sistema nico de Sade (SUS), a adoo da definio de sade como

    resultante do modo de organizao da sociedade e resultante de mltiplos fatores, torna cada

    vez mais necessria a integrao da poltica de sade a outras polticas sociais e econmicas

    para que seja alcanada uma maior efetividade (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004). Os

    autores so categricos ao afirmar que a concepo ampliada de sade, e suas implicaes, o

  • 41

    ponto de interseco mais evidente e significativo entre a estratgia de Promoo da Sade e o

    SUS.

    Ao analisar a Constituio brasileira de 1988, o jurista Sebastio Tojal, identifica a

    mesma como uma Constituio Dirigente. Para o jurista, ao inscrever em seu Artigo 196, a

    sade como direito, o Estado passa a estar juridicamente obrigado a prover a populao de

    aes e servios visando construo de uma nova ordem social (TOJAL, 2003). O

    significado de tal afirmao tem sido o mote norteador das discusses em torno da

    consolidao do SUS, ao longo dos seus vinte anos.

    Em seu Glossrio de termos referentes promoo da sade, a OMS define os

    determinantes de sade como o conjunto de mltiplos fatores que influenciam a sade,

    relacionados tanto ao estilo de vida de cada um, como a fatores como renda, educao,

    emprego, condies de trabalho, ambiente sustentvel, acesso aos servios e aes de sade

    (ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE, 1998a).

    A Poltica Nacional de Promoo da Sade tambm enftica na sua introduo ao

    reiterar a concepo ampliada de sade, e ao definir como seu objetivo geral, a promoo de

    aes voltada para os condicionantes do processo sade/doena (BRASIL, 2006a).

    Ao definir o objetivo geral de polticas promotoras da sade, o Ministrio da Sade

    assume a concepo ampla de sade, pois promover sade significa:

    [...] reduzir vulnerabilidade e riscos sade relacionados aos seus determinantes e condicionantes modos de viver, condies de trabalho, habitao, ambiente, educao, lazer, cultura, acesso a bens e servios essenciais (BRASIL, 2006a).

    O documento da Poltica Nacional de Promoo da Sade enftico ao apontar o

    dilogo entre seus princpios, os do SUS e a afirmao do direito vida e sade. Assim, h

    um entrelaamento de princpios do SUS com os de uma poltica promotora de sade, em uma

    recursividade organizacional, no qual um influencia e influenciado pelo outro (MORIN,

    2000, 2003a).

    2.5.2 A intersetorialidade como princpio e meta

    No mbito das diretrizes da Poltica Nacional de Promoo da Sade, o Ministrio da

    Sade destaca a necessidade de se estimular a realizao de aes intersetoriais, viabilizadas a

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    partir de parcerias que envolvam mudanas nas culturas organizacionais, visando a

    horizontalizao das aes e o estabelecimento de redes de cooperao (BRASIL, 2006a).

    Ao intersetorial definida pela Organizao Mundial de Sade como a colaborao

    entre parceiros de diferentes setores da sociedade que forma-se para agir por um objetivo

    comum, o de alcanar melhores resultados para a sade, de forma sustentvel e efetiva, o que

    no seria alcanado pelo setor sade isoladamante (ORGANIZAO MUNDIAL DE

    SADE, 1998a).

    Compreende-se como intersetorialidade, portanto, a articulao entre diferentes

    sujeitos de diferentes setores da sociedade, com saberes, poderes ou vontades diversas. Logo,

    potencialmente conflitantes, voltados para o enfrentamento de problemas complexos.

    Interseotrialidade representa nova prtica, e pressupe respeito s diferenas e s

    particularidades dos setores envolvidos (REDE UNIDA, 2006).

    A cooperao entre diferentes setores envolvidos, bem como a articulao de suas

    aes, ou seja, a realizao de aes intersetoriais decorrncia de uma viso ampliada do

    processo sade / doena (SCOLI; NASCIMENTO, 2003).

    A adoo de polticas intersetoriais significa abordar os problemas sociais onde os

    mesmos ocorrem. Assim, as cidades, entendendo-as como espaos privilegiados onde as

    pessoas vivem e se reproduzem, tornam-se lcus privilegiado para adoo de prticas

    intersetoriais. Adotar prticas intersetoriais significa considerar os problemas sociais a partir

    de uma viso integrada, e da integrao de aes para suas solues (JUNQUEIRA, 2000;

    TEIXEIRA; PAIM, 2000).

    Segundo Junqueira (2000), intersetorialidade representa:

    [...] uma concepo que deve informar uma nova maneira de planejar, executar e controlar a prestao de servios, para garantir um acesso igual dos desiguais. Isso significa alterar toda forma de articulao dos diversos segmentos da organizao governamental e de seus interesses. (JUNQUEIRA, 2000, p. 42)

    A intersetorialidade representa a busca de uma unidade no fazer, devendo as aes

    serem convergentes, complementares e conjuntas. A adoo de prticas intersetoriais est

    vinculada a um processo de negociao e comunicao entre diferentes atores (GALINDO,

    2004).

    Aes intersetoriais no devem representar a simples soma de olhares sobre um

    objeto. O maior desafio para agir intersetorialmente est em compreend-la como construo

    compartilhada. Como processo no qual h interlocuo entre os diferentes saberes e prticas,

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    durante o qual, os vnculos, comprometimentos, e partilhamento de responsabilidades e poder

    decisrio se tornam realidade, em prol de um objetivo unificador. Agir intersetorialmente

    em ltima instncia, a busca pela melhoria das condies de sade e de vida da populao,

    atravs da construo de espao de poder compartilhado, portanto potencialmente

    conflituosos na medida em que envolvem necessariamente a partilha de poder e deciso

    (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004; TEIXEIRA; PAIM, 2000).

    Porm, como alertam Mannheimer et al. (2007), conceitos amplos como

    intersetorialidade, por sua natureza multidimensional, so conceitos que podem ter sentidos

    diversos, em diferentes contextos.

    Em um estudo realizado em uma cidade da Eslovquia, Mannheimer et al. (2007),

    contextualizam um pas que assistiu em curto perodo de tempo, profundas mudanas,

    passando de um pas autoritrio/igualitrio, para um pas liberal/democrtico, que visava

    se inserir na Comunidade Europia e que apresentava discrepncia nos indicadores de sade

    em relao aos demais pases da Europa Ocidental. Os autores identificaram barreiras e

    dificuldades significativas para implementao de polticas intersetoriais, localizadas,

    sobretudo, na falta de apoio poltico e financeiro, na escassa formao dos tcnicos para

    desenvolverem aes articuladas, e na pouca colaborao entre os tcnicos das diferentes

    reas, alm de falta de estruturas adequadas de suporte s aes intersetoriais. O estudo dos

    referidos autores identifica a dicotomia entre o reconhecimento da importncia do

    desenvolvimento de aes intersetoriais e as dificuldades concretas no seu processo de

    implementao, reforando assim, o afirmado anteriormente em relao a processos que

    envolvem conflitos de distribuio de poder e deciso.

    Sanches et al. (2005) ao apresentarem os resultados positivos de uma experincia

    piloto de interveno sobre o vetor da dengue em Havana, Cuba, fazem ressalvas importantes.

    Primeiramente, criticam uma viso que consideram tecnocrtica, que restringiria a

    intersetorialidade a participao de atores institucionais de vrios setores e reas. Para os

    mesmos, deve-se compreender a intersetorialidade como voltada para aes participativas, nas

    quais as comunidades e a sociedade tenham participao ativa. Assim sendo, as aes

    intersetorias atuariam como facilitadoras do empoderamento individual e comunitrio.

    O estudo envolveu os Conselhos Populares, aos quais se juntaram expertises em

    controle de vetores, entre outros profissionais. Os dados analisados apontaram para o sucesso

    e a eficcia das aes. Vale salientar que mesmo aps a sada dos tcnicos, os autores

    mantiveram o otimismo, na medida em que passado um ano da experincia, os ndices

    vetoriais permaneciam baixos na rea onde o projeto foi desenvolvido, mais uma vez,

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    reforando o carter de empoderamento que aes intersetoriais articuladas com a

    comunidade podem representar (SANCHES et al., 2005).

    Para Van Herten, Reijneveld e Gunning-Schepers (2001) polticas intersetoriais de

    sade podem ser definidas fora do mbito estrito setorial, no intuito de buscar respostas para

    problemas especficos. Os mesmos definem cinco passos que deveriam ser utilizados para o

    desenvolvimento de polticas intersetoriais: 1. Anlise da viabilidade da poltica intersetorial;

    2. Hierarquizao dos principais setores; 3. Sondagem dos setores a serem envolvidos na

    ao; 4. Negociao para o desenvolvimento de polticas de sade intersetoriais; 5.

    Implementao e avaliao da poltica definida com os demais parceiros.

    Indo alm, os autores sugerem um mtodo rpido para realizao da anlise de

    viabilidade da poltica, que consta de trs passos. O primeiro consta da avaliao de

    disponibilidade de evidncias para a implementao da poltica. O segundo passo refere-se ao

    grau de apoio que a mesma tem, e por fim, a avaliao da existncia das ferramentas

    necessrias para a implementao da poltica proposta. Com tal ferramenta Van Herten,

    Reijneveld e Gunning-Schepers (2001) avaliaram a viabilidade de implementao de duas

    polticas intersetoriais na Holanda, concluindo pela utilidade do instrumental na identificao

    de prioridades, anteriormente a definio de implementao de uma poltica, que de outro

    modo, pode estar fadada ao insucesso.

    A construo de prticas intersetoriais implica que algumas premissas sejam

    cumpridas. Primeiramente, vontade poltica de realiz-la. Segundo, competncia e condies

    tcnicas de implant-la. A construo da viabilidade poltica, expressa atravs da habilidade

    de negociao, outro aspecto, crucial, a ser considerado (GALINDO, 2004).

    Portanto, parece haver certo descompasso entre o discurso de aes intersetorias, e as

    possibilidades concretas de implant-las. A necessidade de mudanas de processos de

    trabalho, de abertura de canais de dilogos permanentes, de troca de saberes, e, sobretudo, de

    partilhamento de poder, tornam a realizao de aes intersetorias um dos grandes desafios

    para implementao de uma poltica promotora de sade.

    2.5.3 Empoderar os indivduos e a comunidade

    Um dos princpios chave da promoo da sade o empoderamento, tanto em relao

    ao indivduo como em relao ao coletivo. No entanto, algumas questes prvias necessitam

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    ser discutidas. Como salienta Carvalho (2004, p.1090) empoderamento um conceito

    complexo e que toma emprestado noes de distintos campos do conhecimento, e, portanto,

    deve ser visto com cautela por potencialmente levar a mltiplas interpretaes.

    Carvalho (2004, 2004a, 2005) opta inclusive pela no traduo do termo

    empowerment, por considerar que nenhuma traduo expressa o total significado da palavra,

    o que no caso expresso da presente tese no ser o caso. Adotaremos, assim como o

    documento base da Poltica Nacional de Promoo da Sade, o termo empoderamento.

    Carvalho (2004, 2004a ) considera que a categoria empoderamento facilita o dilogo

    transdisciplinar e a incorporao de temticas como a diferena, a subjetividade e

    singularidade dos sujeitos individuais ou como coletividade. O autor ressalta as duas

    abordagens principais do empoderamento: um enfoque que classifica de psico