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i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Sociologia, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Ana Alexandre Fernandes Nota: Esta tese não foi redigida de acordo com a nova grafia do acordo ortográfico.

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Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de

Doutor em Sociologia, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Ana

Alexandre Fernandes

Nota: Esta tese não foi redigida de acordo com a nova grafia do acordo ortográfico.

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A meu pai. Homem bom,

de raro sentido cívico e humanista convicto.

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iii

AGRADECIMENTOS

A presente investigação prolongou-se por vários anos, multiplicando contactos e

apoios que me obrigam à gratidão. Em primeiro lugar gratidão à minha família sempre

cooperante e paciente. A minha orientadora Professora Doutora Ana Alexandre

Fernandes, a quem dedico respeito e amizade, teve influência relevante no

esclarecimento dos problemas sociológicos e no incentivo ao trabalho. Um

agradecimento ao Professor Doutor José Luís Estramiana pela oferta do seu livro e

debate de ideias sobre efeitos psicológicos do desemprego bem como ao Professor

Doutor Gimenez-Nadal pela cedência de estudos sobre o uso do tempo em Espanha.

Um agradecimento ao Professor Doutor Lucas da Suécia pela cedência de artigo e troca

de perspectivas sobre o impacto do desemprego na satisfação pessoal. Ainda um

agradecimento a todos os que acompanharam a elaboração e revisão do texto,

especialmente a minha irmã Mafalda e ao escritor António Leitão.

Um agradecimento também aos desempregados que aceitaram colaborar; vidas

de trabalho sem emprego por detrás das estatísticas. As suas experiências de vida são

uma preciosa lição de Humanidade.

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RESUMO

A presente investigação, cujos resultados se apresentam com o título “Trabalho e

Vidas – Práticas sociais e vivências subjectivas no desemprego” propõe-se conhecer e

compreender práticas sociais, sentidos do trabalho e vivências do desemprego na área

da Grande Lisboa. O estudo decorreu entre 2005 e 2010. Para analisar as experiências

vividas no desemprego utilizou-se uma metodologia mista: inquérito por questionário,

entrevistas aprofundadas, “grupos de encontro” (focus groups) e histórias de vida. Os

desempregados abrangidos na pesquisa pertencem às áreas dos Centros de Emprego de

Cascais, Lisboa e Sintra. Foram inquiridos 300 desempregados, entrevistados 60

desempregados, participaram em “grupos de encontro” (focus groups) 77 e realizaram-

se 10 histórias de vida.

As linhas de orientação na análise da experiência pessoal são as seguintes:

valores sociais; atitudes em relação ao trabalho; relação com o dispositivo público de

emprego e expectativas; impacto do desemprego (finanças, integração social e estigma,

solidariedades familiares, relações de sociabilidade, organização e ocupação do tempo,

bem-estar psicológico, saúde); estratégias de procura de emprego; expectativas de

trabalho e de futuro.

Identificaram-se cinco tipos ideais de desemprego na vivência do papel social de

desempregado, que variam em função de dados objectivos, atitude dependente do

Estado, motivação para o trabalho e estratégia dominante na relação com o Centro de

Emprego.

Foi possível distinguir fases (não necessariamente iguais para todos) no processo

psicológico de reacção ao desemprego, desde choque a fatalismo, última fase de

adaptação ao estatuto de desempregado, quando o desemprego persiste. Aí se incluem

ainda o optimismo e pessimismo Vários factores de combinação múltipla condicionam a

reacção ao desemprego: condições financeiras, actividades de substituição, integração e

apoio familiar, redes sociais independentes do trabalho e importância dada ao trabalho.

Foram ainda identificadas estratégias pessoais de ocupação do tempo, conquista

de emprego e satisfação pessoal bem como trocas e solidariedades familiares no

desemprego.

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ABSTRACT

This investigation, the results of which are presented under the title Work and

Lifes – Social Practices and Subjective Experiences in Unemployment, pretends to grasp

work sense and life-experiences in unemployment in the Greater Lisbon area. The study

was conducted from 2005 until 2010. In order to analyze the experiences of

unemployment, a mixed methodology was used: survey by questionnaire, in-depth

interviews, focus groups and life stories. The survey was conducted among 300

unemployed persons around Employment Offices in Cascais, Lisbon and Sintra; 60

unemployed persons were interviewed, 77 took part in focus groups and 10 life stories

were made.

The guidelines for the analysis of personal experience are as follows: social

values, attitude towards work; the relationship with the public employment office and

expectations toward it; the impact of unemployment (finances, social integration and

social stigma, family solidarity, social relationships, time-management and occupation,

psychological well-being, health); job seeking strategies, work expectations and long-

term expectations.

Five optimal unemployment types were identified in the unemployed person’s

social role, which vary according to objective data, a “state-dependency” attitude, work

motivation and dominant strategy in the relationship with the Employment Office.

It was possible to differentiate stages (not necessarily the same for all persons) in

the psychological reaction to unemployment, ranging from shock to fatalism, the last

step of adaptation to unemployment, when it persists long enough. These also include

feelings of optimism and pessimism. Several multiply-combining factors affect the

reaction to unemployment: financial conditions, alternative activities, family integration

and family, work-independent social networks and the importance given to work.

There were also identified time-occupancy, job-getting and self-satisfaction

personal strategies, as well as family permutations and solidarity during unemployment.

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RÉSUMÉ

La présente investigation dont les résultats se présentent sous le titre “Travail et

Vies – Pratiques Sociales et Expériences Subjectives Vécues au Chômage” nous

propose de comprendre les différents sens du travail et des expériences du chômage

dans une zone de Lisbonne, “a Grande Lisboa”1 L’étude a eu lieu de 2005 à 2010. Pour

analyser les expériences vécues au chômage, nous avons utilisé une méthodologie

mixte: enquête par questionnaires, entretiens approfondis, “groupes de rencontres”

(focus groups) et histoires de vie. L’enquête a été réalisée auprès de 300 chômeurs dans

les zones des ANPE2de Cascais, de Lisbonne et de Sintra; 60 chômeurs ont été

interviewés, 77 ont participé à des “groupes de rencontre” (focus groups) et 10 histoires

de vie ont été racontées.

Les lignes d’orientation de l’analyse de l’expérience personnelle sont les

suivantes : valeurs sociales, attitudes concernant le travail, relation avec le dispositif

public de l’emploi et expectatives, impact du chômage (finances, intégration sociale et

stigmates, solidarités familiales, relations de sociabilité, organisation et occupation du

temps, bien-être psychologique, santé), stratégies de recherche d’emploi, expectatives

de travail et de futur.

Cinq types idéaux de chômage ont été identifiés en ce qui concerne l’expérience

du rôle social du chômeur, ceux-ci varient en fonction de données objectives, de

l’attitude dépendant de l’Etat, de la motivation envers le travail et de la stratégie

dominante en ce qui concerne la relation avec l’ANPE.

Il a été possible de distinguer des phases (pas forcément identiques pour tous)

dans le processus psychologique de réaction au chômage, à partir du choc jusqu’au

fatalisme, dernière phase d’adaptation au statut de chômeur, à savoir quand le chômage

persiste. On y inclut encore l’optimisme et le pessimisme. Plusieurs facteurs de

combinaison multiple conditionnent la réaction au chômage : conditions financières,

activités de remplacement, intégration et soutien familial, réseaux sociaux indépendants

du travail, importance attribuée au travail et groupe social d’appartenance.

1 C’est une sous-région qui englobe plusieurs municipalités telles que Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Vila Franca de Xira. 2 Les ANPE au Portugal sont appelées “Centres d’Emploi”, “Centros de Empregos”.

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Des stratégies personnelles d’occupation du temps, une conquête de l’emploi et

une satisfaction personnelle tout comme des solidarités familiales dans une situation de

chômage ont aussi été identifiées.

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ÍNDICE

PARTE UM

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………................1

I. PROBLEMÁTICA…………………………………………………………………………...6

I.1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA………………………………………………………... 6

I.2. OBJECTIVOS DO ESTUDO……………………………………………………................37

I.3. ALGUNS CONCEITOS OPERATÓRIOS PRIVILEGIADOS…………………………... 38

II. CONSTRUÇÃO SOCIAL DO TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DE

UM CONCEITO……………………………………………………………………………….43

INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………………43

II.1. ITINERÁRIO HISTÓRICO DE UM CONCEITO………………………………………..44

II.2. O TRABALHO NO MUNDO INDUSTRIAL E PÓS-INDUSTRIAL…………................50

III. DESEMPREGO: GÉNESE, CONTORNOS E VIVÊNCIAS……………….................59

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………...............59

III.1. GÉNESE DO CONCEITO……………………………………………………………… 60

III.2. RAÍZES EXPLICATIVAS DO DESEMPREGO MODERNO………………………….66

III.3. CONTORNOS E FRONTEIRAS DO CONCEITO “DESEMPREGO”………................70

III.4. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O DESEMPREGO…………………………….75

IV. TRABALHADORES E MERCADO DE TRABALHO EM PORTUGAL E

NA EU E ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO………………………………………..87

IV.1. POPULAÇÃO ACTIVA E POPULAÇÃO INACTIVA…………………………………87

IV.2. ACTIVIDADE E EMPREGO…………………………………………………………….88

IV.3. ALGUNS INDICADORES RELATIVOS AO TRABALHO……………………………90

IV.4. ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO E ACTIVIDADE…………………………….94

V. RETRATOS ESTATÍSTICOS DO DESEMPREGO:

DADOS COMPARATIVOS ENTRE PORTUGAL E EU……………………………….....97

V.1. ALGUNS INDICADORES DO DESEMPREGO EM PORTUGAL……………………..97

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V.2. DESEMPREGO “SUBSIDIADO”……………………………………………………….108

V.3. DESEMPREGO REGISTADO NOS CENTROS DE EMPREGO (CE)………………..110

V.4. “COLOCAÇÕES” (AJUSTAMENTO ENTRE OFERTA E PROCURA DE

EMPREGO)…………………………………………………………………………................115

V.5. ESTATÍSTICAS DE DESEMPREGO EM DUAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS:

INE E IEFP…………………………………………………………………………………….117

V.6. DADOS COMPARATIVOS DO DESEMPREGO EM PORTUGAL

E NA EU……………………………………………………………………………………….118

VI. DESEMPREGO, POBREZA, EXCLUSÃO, PROTECÇÃO

SOCIAL, ATITUDES E MOTIVAÇÃO FACE AO TRABALHO……………………….123

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………..123

VI.1. DESEMPREGO, POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL ………………………………..124

VI.2. MECANISMOS DE PROTECÇÃO SOCIAL…………………………………………..127

VI.3. ATITUDES E MOTIVAÇÃO FACE AO TRABALHO………………………………..131

PARTE DOIS

I. METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO……………………………………………….135

INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………….135

I.1. CRITÉRIOS QUE PRESIDIRAM À SELECÇÃO DE ENTREVISTADOS

E DE INQUIRIDOS…………………………………………………………………………...138

I.2. INQUÉRITO POR QUESTIONÁRIO……………………………………………………139

I.3. GRUPOS DE ENCONTRO (FOCUS GROUPS)…………………………………………142

I.4. ENTREVISTAS…………………………………………………………………………...143

I.5. TRAJECTÓRIAS E HISTÓRIAS DE VIDA……………………………………………..147

II. RESULTADOS DO INQUÉRITO POR QUESTIONÁRIO…………………………...148

II.1. CARACTERIZAÇÃO SOCIOGRÁFICA……………………………………………….148

II.2. ECOLOGIA HABITACIONAL E FAMILIAR DO DESEMPREGO…………………..154

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II.3. SOCIABILIDADE FAMILIAR………………………………………………………….155

II.4. SOLIDARIEDADE E APOIO FAMILIAR……………………………………………...156

II.5. PROTECÇÃO SOCIAL E SITUAÇÃO FINANCEIRA………………………………...157

II.6. VALORES SOCIAIS…………………………………………………………………….160

II.7. RELAÇÃO DOS DESEMPREGADOS COM O DISPOSITIVO

PÚBLICO DE EMPREGO: RELAÇÃO COM OS CENTROS DE EMPREGO (CE)

E EXPECTATIVAS…………………………………………………………………………...162

III. SITUAÇÕES E ATITUDES FACE AO EMPREGO A PARTIR

DO INQUÉRITO……………………………………………………………………………..170

III.1. SITUAÇÃO FACE AO EMPREGO…………………………………………………….170

III.2. DURAÇÃO DO DESEMPREGO E VARIÁVEIS ASSOCIADAS…………………….171

III.3. MOTIVO DE CESSAÇÃO DO ÚLTIMO EMPREGO………………………………...174

III.4. COMO CONSEGUIU O ÚLTIMO EMPREGO………………………………………..175

III.5. ATITUDES FACE AO EMPREGO…………………………………………………….177

IV. O DESEMPREGO A PARTIR DO INQUÉRITO……………………………………..189

IV.1. ADAPTAÇÃO AO DESEMPREGO……………………………………………………189

IV.2. IMPACTO DO DESEMPREGO NA PERCEPÇÃO DA OCUPAÇÃO DO

TEMPO………………………………………………………………………………………..190

IV.3. IMPACTO DO DESEMPREGO NA OCUPAÇÃO DO TEMPO……………………...190

IV.4. DESEMPREGO E LAZER……………………………………………………………...195

IV.5. IMPACTO DO DESEMPREGO NA RELAÇÃO COM O TEMPO…………………...196

IV.6. IMPACTO FAMILIAR E SOCIAL DO DESEMPREGO……………………………...197

IV.7. IMPACTO FINANCEIRO DO DESEMPREGO……………………………………….199

IV.8. SAÚDE, TRABALHO E DESEMPREGO……………………………………………...199

IV.9. IMPACTO PSICOLÓGICO OU SUBJECTIVO DO DESEMPREGO………………...203

IV.10. RELAÇÃO COM O FUTURO………………………………………………………...215

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V. PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO E RELAÇÃO COM O

DISPOSITIVO PÚBLICO DE EMPREGO (CE) A PARTIR DA ANÁLISE

DAS ENTREVISTAS………………………………………………………………………...217

INTRODUÇÃO……………………………………………………………………..................217

V.1. ARQUITECTURA DO PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO……………………..218

V.2. TIPOS IDEAIS DE VIVÊNCIA DO PAPEL SOCIAL

DE DESEMPREGADO……………………………………………………….........................225

VI. ORGANIZAÇÃO DO TEMPO NO DESEMPREGO A PARTIR DA ANÁLISE

DOS GRUPOS DE ENCONTRO (FOCUS GROUPS) E DAS ENTREVISTAS…………237

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………..237

VI.1. OCUPAÇÃO DO TEMPO NO FEMININO…………………………………................239

VI.2. OCUPAÇÃO DO TEMPO NO MASCULINO………………………………................253

VI.3. DESEMPREGO E SOLIDARIEDADES FAMILIARES……………………................260

VII. ESTRATÉGIAS DE PROCURA DE EMPREGO E DE SATISFAÇÃO

PESSOAL – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E HISTÓRIAS DE VIDA……………….265

VII.1. PROCURAR EMPREGO……………………………………………………................265

VII.2. COMPATIBILIZAR TRABALHO E FAMÍLIA……………………………................280

VII.3. ESTRATÉGIAS DE FORMAÇÃO…………………………………………………….282

VII.4. TRABALHO INFORMAL……………………………………………………………..283

VII.5. CRIAR O PRÓPRIO EMPREGO…………………………………………...................290

VII.6. TRABALHO OCASIONAL…………………………………………………................292

VII.7. TRANSIÇÃO PARA A REFORMA…………………………………………………...294

VIII. FASES E REACÇÕES AO DESEMPREGO A PARTIR DA ANÁLISE

DE ENTREVISTAS E HISTÓRIAS DE VIDA…………………………………………….295

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………..295

VIII.1. CHOQUE……………………………………………………………………................297

VIII.2. PESSIMISMO – 1ª FASE……………………………………………………………..300

VIII.3. OPTIMISMO…………………………………………………………………………..307

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VIII.4. PESSIMISMO – 2ª FASE……………………………………………………………..321

VIII.5. FATALISMO………………………………………………………………………….334

CONCLUSÕES E REFLEXÕES FINAIS………………………………………………….336

BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………………..365

LISTA DE FIGURAS – PARTE UM……………………………………………………….414

LISTA DE FIGURAS – PARTE DOIS……………………………………………………..416

LISTA DE QUADROS – PARTE UM……………………………………………………...420

LISTA DE QUADROS – PARTE DOIS……………………………………………………421

ANEXOS……………………………………………………………………………………...422

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xiii

LISTA DE ABREVIATURAS

Act – Actos

ATL – Actividades de Tempos Livres

BES - Bem-Estar Subjectivo

CE - Centro de Emprego

CNP – Classificação Nacional de Profissões

Cor – Coríntios

DGERT – Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho

DSM-IV – Diagnostic and Statiscal Manual of Mental Disorders, 4th ed.

EA – Zona Euro

EEE - Estratégia Europeia para o Emprego

EQLS - European Quality of Life Survey

EVS - European Values Study FMI - Fundo Monetário Internacional

Gen – Génesis

GIP – Gabinete de Inserção Profissional

IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional

IIESS – Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social

ISSP - International Social Survey Programme

Jo – João

Mc – Marcos

Mat – Mateus

MOW - Meaning of Work

MSST – Ministério da Segurança Social e do Trabalho

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OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

OMS – Organização Mundial de Saúde

Prov - Provérbios

REAPN - Rede Europeia Anti-Pobreza Nacional

RSI – Rendimento Social de Inserção

SILC - Inquérito Nacional ao Rendimento do Agregado

Tes – Tessalonicenses

UE - União Europeia

EU – European Union

UNIVA – Unidade de Inserção na Vida Activa

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INTRODUÇÃO

Entrado o século XXI, acentuou-se a actualidade política e social do debate

relativo às relações do trabalho e do não trabalho, debate que se vem a intensificar com

a emergência da crise económica e financeira que teve início na primeira década do

século. Constitui um dos vectores de expressão, mais ou menos explícita, dos medos e

esperanças do Homem no terceiro milénio. Medos e esperanças vinculados às grandes

questões filosóficas dos sentidos da vida. Que modelo de sociedade? Sem sustento, sem

salário, terá a vida sentido?

A análise sócio-histórica do trabalho vem demonstrando como a visão da sua

centralidade na vida humana corresponde à fase relativamente recente das sociedades

ocidentais, organizadas em torno da produção e da distribuição de bens e serviços, de

que Adam Smith, com Recherches sur la Nature et les Causes de la Richesse des

Nations, constitui marco histórico. No Ocidente, o trabalho é tido como elemento

fundamental da condição humana. A perspectiva de uma sociedade sem trabalho tem

mais de perturbador do que de atraente, num quadro societal em que se impõe como

“facto social total”, com valor, também económico e pessoal.

O direito ao trabalho e o objectivo do pleno emprego foram ganhando posição

central desde o primeiro quartel do século XX, legitimados na Constituição da

Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1919) e em outros documentos

internacionais. Tais referências são cada vez mais raras ou inexistentes, num mercado

de trabalho marcado pela precariedade e insegurança.

Num processo sócio-histórico de transformação das ideias, desenvolvimento dos

Estados e das economias, o trabalho perdeu o sentido religioso e secularizou-se

totalmente, enquanto factor de produção conjugado com a máquina industrial.

No século XX, o desenvolvimento tecnológico e o crescimento industrial

fizeram das máquinas o braço e o cérebro do homem social. O volume de trabalho

exigente em esforço físico diminuiu e favoreceu a luta por salários melhores e redução

de horários. Mas ao objectivo ideal de pleno emprego e de libertação pelo trabalho

sobrepõe-se o impacto das inovações tecnológicas num capitalismo sem fronteiras.

Surgem novos desafios para desenhar caminhos socioeconómicos ao nível glocal

(síntese do global com o local) que contribuam para integração social, quando o

trabalho remunerado e estável se converte em miragem.

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2

Temas com presença regular implícita na vida dos trabalhadores ou dos que

procuram emprego, “trabalho” e “não-trabalho” são assunto de discursos políticos e

técnicos e objecto de estudo.

Mais recentemente, a globalização do mercado económico e de emprego, a par

da intensa revolução tecnológica, colocam novos desafios, em termos socioculturais,

económicos e psicológicos. As recentes transformações económicas relacionadas com

deslocalizações industriais e abertura dos mercados conduziram a uma acentuada

redução dos postos de trabalho em todos os sectores de actividade facto que empurrou

para o desemprego ou para situações de pré-reforma trabalhadores em plena idade

activa. Os mais velhos, que atingiram 40 ou 50 anos, não só se encontram no

desemprego como perdem propriedades conotadas com a empregabilidade. Já os mais

novos debatem-se com a precariedade associada ao início da actividade profissional.

A construção social e histórica da centralidade do trabalho nas sociedades

modernas tem o reverso da medalha no afastamento de grande número de trabalhadores

da actividade laboral numa sociedade e economia baseadas na produção e no consumo.

Daqui emerge um paradoxo que convida a pensar a questão da centralidade do trabalho

na vida social, das trajectórias de vida e de trabalho, do estatuto social de cada indivíduo

e da família, em referência à sua posição no mercado de trabalho.

O desemprego é uma questão social complexa que afecta as estruturas da sociedade

salarial e conduz a processos de desqualificação social (Gallie e Paugam, 2000). O

impacto psicológico e social negativo do desemprego dá relevo à importância do

trabalho (Schnapper, 1998). O desemprego constitui-se na sociedade actual como um

problema social com fortes impactos nas sociedades do bem-estar. Trata-se não da

realidade homogénea do desemprego, mas da realidade sociológica plural. Ponderam-se,

pois, “desempregos” no “desemprego”. Tal abordagem considera a presença de

categorias sociais e demográficas de recursos materiais e simbólicos diversos no

desemprego com implicações nas vivências da sociedade e do indivíduo.

Da referência ao trabalho/não-trabalho, emprego/desemprego emergem

categorias sociais que se relacionam com a existência ou não de recursos materiais e

simbólicos em graus diversos. Os impactos sociais do desemprego reflectem-se não só

nas condições de vida mas também na coesão social e familiar e pode conduzir à

estigmatização individual que decorre da desvalorização social inerente.

Mas será que o desaparecimento do pleno emprego, e a emergência crescente de

taxas de desemprego configuram o “fim do trabalho” (Rifkin, 1996)? E essa realidade

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3

socioeconómica corresponderá a um quadro cultural onde o trabalho se torna valor

social em extinção, como propõe C. Méda (1999)? Quais os valores sociais dos que não

têm acesso ao emprego? Será o trabalho valorizado e factor de integração social? Como

se constrói o papel de desempregado e como é vivido nas suas multiplicidades sociais?

Como se relacionam com o dispositivo público de emprego e o que esperam de uma

instituição promotora de emprego (Centro de Emprego)? Como vivem os

desempregados a falta de emprego? Imaginam o futuro com trabalho? Como reagem ao

desemprego? A questão da organização e ocupação do tempo é importante para quem

perdeu emprego. Que estratégias desenvolvem na conquista de emprego e na ocupação

do tempo? Como se caracterizam as trocas e solidariedades familiares no desemprego?

Nesta pesquisa propomo-nos investigar e compreender sentidos atribuídos ao

trabalho e vivências do desemprego, isto é, procuramos conhecer as estratégias pessoais

e familiares de estruturação da vida e satisfação das necessidades numa sociedade

salarial. Procuramos realizar uma análise compreensiva das representações em relação

ao trabalho bem como das opções de vida e de organização dos tempos sociais que,

permitindo assegurar recursos materiais e simbólicos, garantam a sobrevivência e a

reprodução individual e colectiva. Mereceu especial atenção a organização e ocupação

do tempo no desemprego, seja para sobrevivência e reprodução social, retorno ao

emprego ou construção ou reconstrução identitárias.

Para a concretização deste objectivo combinámos duas perspectivas utilizando

metodologias complementares de análise. Utilizámos uma (i) metodologia quantitativa

concretizada na realização e análise de resultados de um inquérito por questionário a

300 inquiridos desempregados e uma (ii) qualitativa que designamos de microssocial a

partir da realização e análise de 60 entrevistas aprofundadas, 10 “grupos de encontro”

(focus groups) e 10 histórias de vida. Os desempregados abrangidos na pesquisa

pertencem à área da Grande Lisboa (Centros de Emprego de Cascais, Lisboa e Sintra).

Este trabalho de pesquisa intitulado “Trabalho e Vidas – Práticas Sociais e

Vivências Subjectivas do Desemprego” é constituído por duas partes distintas mas

interdependentes. A primeira parte é constituída pelo enquadramento teórico e

formulação da problemática. A pesquisa bibliográfica dá forma ao problema sociológico

a partir da questão social que representa o desemprego nas sociedades modernas a

conceptualização da investigação e a definição da metodologia.

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4

O capítulo I trata das questões de partida, de uma revisão da literatura científica

de modo a definir os conceitos básicos em ordem à formulação do problema, definição

de objectivos de estudo e metodologia da pesquisa.

O capítulo II que designámos por “Construção Social do Trabalho” é dedicado a

uma análise sócio-histórica do trabalho no Ocidente, dando conta do processo social e

historicamente informado da génese e transformações do trabalho ao longo do tempo.

O capítulo III, intitulado “Desemprego: Génese, Contornos e Vivências”

integra a génese e evolução da categoria desemprego em relação com a Questão Social e

com a emergência da sociedade salarial e do Estado de Bem-Estar. Abordam-se ainda

algumas perspectivas quanto às raízes explicativas do desemprego moderno, fronteiras

do conceito, seu enquadramento legal em Portugal; problema de mensuração; apresenta-

se ainda são ainda uma revisão da literatura sobre o desemprego em sociologia e

psicologia social.

“Trabalhadores, Mercado de Trabalho em Portugal e na UE e Envelhecimento

Demográfico” é o título do capítulo IV que se debruça sobre o enquadramento

populacional da população portuguesa. Aqui exploramos a informação estatística

relativa à população activa e inactiva, actividade e alguns indicadores relativos ao

emprego, bem como, tendências de envelhecimento demográfico e promoção da

actividade.

O capítulo V designado “Retratos Estatísticos do Desemprego em Portugal e na

UE” - analisa indicadores estatísticos do desemprego em Portugal e na EU. No caso

português tem em conta os dados de duas fontes, do Instituto Nacional de Estatística

(INE) e do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).

No capítulo VI – “Desemprego, Pobreza, Exclusão Social, Protecção Social e

Valores Sociais” - relaciona-se desemprego, pobreza, exclusão social e apresentam-se

os mecanismos da protecção social, designadamente os quatro tipos de regime de

protecção na Europa e a cobertura do desemprego pelo Estado em Portugal.

A segunda parte é constituída pela análise dos resultados da pesquisa empírica

relativos às condições de vida, práticas sociais e vivências subjectivas dos

desempregados que foram objecto de estudo, como se apresenta de forma mais

pormenorizada seguidamente. Aí se integram os resultados obtidos por recurso ao

inquérito por questionário, entrevistas, grupos de encontro (focus groups) e histórias de

vida.

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No primeiro capítulo começamos por apresentar a metodologia com os critérios

que presidiram à selecção dos entrevistados/inquiridos, apresentação do inquérito por

questionário, grupos de encontro (focus groups), entrevistas e histórias de vida. Nos

capítulos II a IV apresenta-se os resultados da análise dos dados recolhidos no inquérito

por questionário. No capítulo II -“Resultados do Inquérito por Questionário” - analisam-

se resultados e principais tendências da amostra, com dados de natureza objectiva e

subjectiva quanto à ecologia habitacional e familiar, sociabilidade, solidariedade e apoio

familiar, protecção social e situação financeira, valores sociais, relação com o

dispositivo público de emprego e expectativas em relação ao mesmo.

O capítulo III - “Condições e atitudes face ao emprego a partir do inquérito” são

apresentados indicadores de desemprego como: situação face ao emprego e ao

desemprego, tempo no desemprego e atitudes face ao emprego.

No “Desemprego a partir do Inquérito”, que constitui o capítulo IV –

apresentam-se resultados relativos à adaptação ao desemprego e ao impacto do

desemprego.

O capítulo V – “Papel Social de Desempregado e Relação com o Dispositivo

Público de Emprego a partir das entrevistas ” é dedicado à arquitectura do papel social

de desempregado a partir da relação com os Centros de Emprego. A partir da análise das

entrevistas são tipificados cinco tipos ideais de desemprego.

“Organização do Tempo no Desemprego e Solidariedades Familiares” é título do

capítulo VI. Percorre as principais formas de ocupação e organização do tempo, bem

como solidariedades familiares no desemprego a partir da análise de grupos de encontro

(focus groups) e das entrevistas. Esta segunda parte do trabalho prossegue nos dois

capítulos seguintes cujos títulos respectivos são “Estratégias de Procura de Emprego e

de Satisfação Pessoal – Análise das entrevistas” e “Fases e Reacções ao Desemprego –

Análise de entrevistas e histórias de vida”

Por fim, as “Conclusões e Reflexões Finais” - integram uma perspectiva de

síntese dos resultados de investigação e algumas reflexões de encerramento.

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6

I. PROBLEMÁTICA

I.1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

“Trabalhai meus irmãos: que o trabalho

é riqueza, é virtude, é vigor.”

António Feliciano de Castilho

Introdução

Documentos internacionais, nomeadamente deliberações e acordos diversos,

configuram os princípios fundamentais em relação ao trabalho. O direito ao trabalho e o

objectivo do pleno emprego são dois aspectos que vêm ocupando posição central desde

o primeiro quartel do século XX, explicitados na Constituição da Organização

Internacional do Trabalho (OIT, 1919) no pós I Guerra Mundial, completada, 25 anos

depois, pela Declaração de Filadélfia (1944). Nos anos sessenta, a convenção nº 122 da

OIT sobre a política de emprego (1964, artº 1) estabelece o objectivo do “pleno

emprego, produtivo e livremente escolhido”. Outros eventos e consequente

documentação, como a conferência de Bretton Woods (1944), o Encontro Mundial para

o Desenvolvimento Social de Copenhaga (1995), a Declaração Universal dos Direitos

do Homem (1948) ou, mais recentemente, a Carta Social Europeia (1996), abordam os

problemas do direito ao trabalho, em continuidade histórica com a ideia tradicional de

trabalho (Kelly, 2000). Tais eventos e documentos não encontram reflexo nas condições

económicas da era pós-industrial, onde a escassez de trabalho é uma realidade para os

diferentes sectores económicos. Exercício de apreciação do vocabulário usado por

actores sociais e institucionais (governos ou parceiros sociais) a propósito do trabalho

permite concluir que as referências à noção de pleno emprego são cada vez mais raras

ou inexistentes; contornos de utopia social, num mercado de trabalho segmentado pela

precariedade e insegurança à escala mundial, quando parte crescente da população

activa se vê afastada da participação regular e estável no mercado laboral. Os problemas

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7

com o trabalho a nível mundial levaram a OIT à expressão “trabalho digno ou decente”

como pré-condição para o desenvolvimento sustentável3.

Vive-se um tempo onde o trabalho estável, esse bem valorizado ao longo dos

tempos nas sociedades ocidentais e do qual depende a nossa sobrevivência económica e

relevância estatutária, está em crise num processo de transformação intensa marcado

pela precariedade do emprego e fragilidade dos laços laborais. Veja-se pois o problema

do trabalho no Ocidente em articulação com o não-trabalho, desemprego e

desqualificação num eixo de problematização que inclui os valores sociais, tempos

sociais, fases e reacções ao desemprego.

I.1.1. Trabalho e não-trabalho

A perspectiva de uma sociedade humana sem trabalho tem mais de perturbador

do que de atraente, num quadro societal onde o trabalho humano se estruturou como

“facto social total”, com valor social, económico e pessoal ao longo de milénios.

Contudo, a ideia de trabalho não é central em muitas sociedades primitivas. “O homo

œconomicus é apenas uma das dimensões do homem social” afirma Schnapper (1998:

44), pelo que abordar o tema do trabalho humano convida a uma abordagem como

“facto social total”. Na civilização ocidental, o trabalho constrói-se como elemento

fundamental da condição humana, com dimensões de fenómeno social total, numa

implicação de atitudes culturais variadas em relação ao seu valor, finalidade e formas de

organização, desde a mais remota antiguidade4.

Num contexto mundial de precarização do trabalho e crescente rarefacção em

variados sectores de actividade económica, com os problemas psicossociais e

económicos ligados ao desemprego, entram em jogo diferentes perspectivas e

discussões no pensamento socioeconómico. Na fase actual, o desemprego é uma

experiência de vida pessoal e social que atinge cada vez mais cidadãos; mantém com o

emprego os suaves limites de uma linha oscilante ao sopro da economia que aliada à 3 Segundo o Director-Geral da OIT, trabalho digno ou decente é entendido no sentido humanista como trabalho “remunerado em nível suficiente para o sustento familiar; é a forma de trabalho adequada à mulher e ao jovem; é o trabalho que não se utiliza de formas degradantes, da força ou da escravidão e tampouco da mão-de-obra infantil”, Entrevista de J. Somavia (2002) à IPS News in MURRAY, Isabel, Juan Somavia defende trabalho decente, Entrevista a Juan Somavia a 31 de Janeiro de 2002. http://www.bbc.co.uk/portuguese/economia/020131_isabelrs.shtml 4 Como defende Gil Mantas (1999, vol. 1, p. 29): “Assim, como fenómeno social estruturante, não é de estranhar que o trabalho tenha conhecido múltiplas representações, resultantes da inserção espacial e temporal das referências consideradas e, ( ...) do grupo ou grupos que as elaboraram”.

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8

marca de aspectos sócio-demográficos como género, idade e qualificações, recebe ou

rejeita homens e mulheres, jovens e adultos num processo de integração ou de

desqualificação social.

Nos primórdios da humanidade, é provável que o trabalho5 fosse sobretudo meio

de subsistência de caçadores-recolectores primeiro e depois de agricultores, embora as

finalidades puramente utilitárias se pudessem misturar com outros sentidos, pois nas

sociedades primitivas o carácter lúdico e a componente religiosa caracterizavam as

actividades. A partir da exploração de resultados da Antropologia das sociedades ditas

primitivas, Méda (1995) mostrou como, em muitas delas, nem sequer existe vocábulo

equivalente à palavra “trabalho” usada no Ocidente. O conceito de “facto social total”

de Mauss permite compreender como nessas sociedades um mesmo fenómeno

desempenha simultaneamente várias funções societais onde sagrado e profano não estão

ainda separados. A vida é profundamente ritualizada e o mundo colectivo organiza-se

por referência ao sagrado. O homem é um ser total membro de uma família, tribo, clã.

Não tem existência individual. Só existe no todo e pelo todo colectivo da sociedade

mecânica, para retomar a designação de Durkheim. Se aceitarmos que o jogo está na

essência do Homo Ludens, convém referir que a dimensão simbólica e lúdica está

presente nos fenómenos objectivos de vida dessas sociedades. Além do trabalho

também economia, religião, arte ou política não existem enquanto sistemas autónomos e

especializados.

Contudo, o valor dado ao trabalho está inscrito de forma muito profunda na

civilização ocidental; insere-se no mito prometeico de domínio do Homem sobre a

Natureza que conduziu, primeiro, à criação e produção de objectos primitivos e, depois,

à produção de objectos, técnica e cientificamente mais elaborados (Schnapper, 1979:

47). Também Marx fundamenta o homem social na sua relação com o trabalho não

alienado6.

Max Weber coloca o problema da especificidade do Ocidente ao questionar

porque é que a génese da Revolução Industrial ocorre no Ocidente e não noutras regiões

do Mundo que, durante muito tempo, estiveram cientificamente mais avançadas. Para

5 Sem o sentido de “emprego” pois era então inexistente a relação salarial introduzida pela sociedade capitalista. 6 “É justamente aperfeiçoando o mundo dos objectos que o Homem se revela verdadeiramente como um

ser genérico. A sua produção é a sua vida genérica criadora”, Marx (1972: 147), Manuscritos de 1844.

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Schnapper (1998) o valor do trabalho é indissociável da especificidade das tradições

culturais.

No processo de construção social do trabalho no Ocidente (capítulo II), a

civilização grega é exemplo de noção utilitária e restritiva, desvalorizando o trabalho,

considerado degradante, de satisfação das necessidades materiais, e remetido para a

mão-de-obra escrava (veja-se o conceito “ócio”). A Filosofia ou a Política, actividades

mais nobres, não eram consideradas trabalho (Méda,1995). Para Gregos e Romanos, o

ócio (otium), actividade livre, era a maior nobreza do homem, por oposição ao

negotium, actividade de obrigação.

Mesmo nas sociedades actuais a noção de trabalho está carregada de sentidos e

implicações teóricas. Assim, apesar da divisão social do trabalho e da complexidade das

sociedades contemporâneas, o trabalho pode também ser abordado como facto social

total. Kelly (2000: 9) propõe que se considerem cinco aspectos do trabalho, desde o

utilitário ao institucional, passando pela dimensão individual, ética e social7.

Tal proposta de classificação permite reconhecer como a noção de trabalho é

complexa de sentidos. Compreende actividades afastadas do que se entende

correntemente por emprego. O termo emprego está associado em geral ao trabalho no

quadro de uma relação contratual com remuneração, o que põe problemas quanto à

classificação de “outras formas de trabalho, como as actividades independentes que

escapam em grande parte aos critérios do mercado” (Kelly, 2000: 6).

Também na pedagogia da criança se tem dado importância ao valor do trabalho.

Pestalozzi (1774-1779) e Freinet (1974), entre outros, são exemplos significativos, com

ecos a instituições até de inspiração católica (Oficinas de S. José dos Salesianos)8.

7 Vejam-se as dimensões referidas: a) Aspecto utilitário: meio de sobrevivência ou de subsistência; meio

de enriquecimento pessoal; instrumento de segurança e de prosperidade colectivas e factor de produção; b) Aspecto individual: imperativo psíquico, inerente à natureza humana; expressão da criatividade; meio de afirmação ou de justificação pessoal; via de acesso ao poder, meio de defesa contra a inactividade, o aborrecimento ou as tentações; c) Aspecto ético: vocação espiritual e meio de redenção; prova da qualidade de ser eleito por Deus; submissão sacramental à vontade de Deus; meio de acesso a um ideal universal; d) Aspecto social: necessária obrigação social; meio de socialização; meio de afirmação da identidade social; cimento da solidariedade e da coesão social; e) Aspecto institucional: instrumento da autoridade e da ordem; mecanismo tradicional de repartição; critério de dever de participação social. 8 Para Pestalozzi a associação trabalho-natureza é fundamental na pedagogia infantil. Também associa

trabalho manual e cultura geral, ao permitir que crianças órfãs ou abandonadas se eduquem e aprendam uma profissão. Em Freinet o trabalho é natural na criança e constitui ferramenta importante na educação do aluno. Pelo trabalho ligado à expressão é possível educar e disciplinar em quadro de trabalho colectivo e em função de alguma melhoria ou para o ambiente escolar ou comunitário.

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10

Numa polémica actual, alguns autores afirmam a vizinhança perturbadora de uma

sociedade sem trabalho (Forrester, 1995 e Rifkin, 1997), enquanto outros defendem o

papel essencial do trabalho como factor de integração social (D. Schnapper, 1998). A

primeira linha argumentativa baseia-se em dados empíricos que assinalam uma

tendência objectiva de perda de empregos no Ocidente tecnológico e, muito

especialmente, do trabalho remunerado estável, associado à construção de carreira no

quadro de uma empresa ou organização, enquanto, por outro lado, a matriz

civilizacional e os dados relativos aos valores sociais evidenciam a importância do

trabalho como o valor mais importante para os cidadãos contemporâneos, empregados e

desempregados, logo a seguir ao valor família, o que apoia a segunda linha de

pensamento. Todavia, o sentido atribuído ao trabalho tende a ser predominantemente

utilitário - fazer face à subsistência - sendo menos valorizado o ideal de trabalho como

fonte de realização, provavelmente pela raridade de emprego para uma fatia cada vez

maior da população e pelo efeito psicológico que a visibilidade do desemprego tem para

os ainda empregados (Vide discussão sobre valores sociais).

No que se refere à análise do capitalismo liberal e do impacto das novas

tecnologias no mercado de trabalho, tendem a enfrentar-se duas correntes. A primeira,

que se designará “pessimista e catastrófica”, sublinha a tendência crescente para a

supressão de postos de trabalho em todos os sectores de actividade, num caminho sem

retorno para o “fim do trabalho” (Forrester, 1995 e Rifkin, 1997). Já a perspectiva

“optimista”, frequente em algum discurso político e económico, tende a acentuar a

importância da tecnologia na criação de novos postos de trabalho e de novas profissões,

em substituição de perfis profissionais em recessão e a valorizar a formação ao longo da

vida, como recurso essencial para evitar o desemprego ou conseguir um novo emprego.

Sem detrimento do valor de esperança desta última proposta, as evidências numéricas

parecem demonstrar alguma dificuldade: mesmo nos países mais desenvolvidos não é

fácil assegurar, por via das qualificações e da alta tecnologia, a substituição do volume

de postos de trabalho perdidos em grandes unidades de produção por novos postos de

trabalho e obtidos em menor número em pequenas ou micro empresas. Se os avanços

tecnológicos têm permitido mais empregos para alguns, também o desenvolvimento

tecnológico vem contribuindo para a redução do trabalho existente e a disposição de

parte do tempo dedicado ao trabalho com vista à realização de outras actividades ou

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11

como tempo vazio. O desenvolvimento da sociedade de informação ligada à “economia

do imaterial” tem colocado o problema do emprego/desemprego tecnológico e da

adaptação pessoal e social às mudanças como questão central de diferentes governos e

economias9.

Contudo, para Castel (1995) e Schnapper (1998) o trabalho vai continuar a ser a

norma de organização social do futuro porque a sociedade está organizada em torno do

trabalho e da produção. Surge então uma questão fundamental: como manter ou

restaurar a legitimidade política do indivíduo-cidadão, sujeito de direito, que perdeu o

emprego e se vê afastado do sistema de produção? Caberá à Política e ao Estado

reinventar um sistema mais equilibrado que permita, reconhecer económica e

socialmente, a utilidade e a actividade social de todos aqueles que já não trabalham e

que não conseguem um novo emprego? Tal abordagem remete para a discussão em

torno da relação desemprego-exclusão-cidadania e para os riscos de ruptura social. A

ideia de trajectória proposta por Schnapper (1998) como a ponte entre integração e

exclusão social é retomada nesta investigação. Muitos indivíduos que vivem a

experiência de não trabalho, não caem obrigatoriamente na exclusão social, nem aí

permanecem definitivamente. Mas, num contexto de trabalho assalariado, onde o risco e

a insegurança são factores dominantes, a incerteza nos “destinos” ou percursos pessoais

tende a aumentar. Tanto se pode ser um quadro superior bem integrado no sistema

produtivo e remuneratório como, de seguida, ficar desempregado e fora do sistema. Se o

sistema familiar também estiver enfraquecido e sem capacidade de gerar e manter

solidariedades, a crise pessoal e familiar instala-se facilmente, num processo gradual de

desqualificação social.

I.1.2. Desemprego

Como o trabalho, também o desemprego constitui problema sociológico,

histórico, jurídico e político. O direito ao trabalho e a obrigação de trabalhar foram

estruturados num longo processo histórico-social com apogeu na sociedade da época

industrial. Correlativamente, a construção social da ideia de realização, por via da

9 Ao contrário da profecia “empresas qualificantes”, Ginsbourg (1998) sublinha que desde os anos 70,

houve em França uma ruptura em matéria de valorização do trabalho. As empresas reduziram os espaços de formação e de construção de aprendizagens organizadas no seu contexto, situação que se tem agravado nas décadas seguintes.

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actividade profissional, ganhou contornos de complexidade crescente, numa economia

que substituiu o homem pela máquina em muitos postos de trabalho, com implicações

no alastramento de situações de desemprego.

Para se considerar desemprego, o não-trabalho deve resultar da não

concretização de venda e compra da força de trabalho, num contexto de progressiva

generalização das relações capitalistas de trabalho e destruição de formas de produção e

trabalho não capitalistas, sobretudo após a I e II Revoluções Industriais10.

Todavia, nem mesmo na sociedade capitalista o não-trabalho, por si só, basta

para definir a existência do desemprego. A condição de existência e predominância do

capitalismo é necessária, mas não suficiente para a génese do desemprego. Requerem-se

duas condições complementares para que seja possível o surgimento da noção moderna

de desemprego e desempregado. A identificação do desemprego (como status social e

situação estatisticamente mensurável) ocorre progressivamente; supõe avanço da

relação salarial11 e institucionalização do desemprego com criação de instituições e

mecanismos que definem e apoiam os desempregados12.

O desemprego é problema complexo não apenas do ponto de vista quantitativo

mas também qualitativo, na medida em que afecta a vida das pessoas e da sociedade

salarial e se liga a processos de desqualificação social (Gallie e Paugam, 2000). Pode ser

abordado como problema político, económico e sociológico. Tecnicamente, pode existir

em toda a sociedade algum desemprego voluntário ou involuntário. Contudo, o aumento

do desemprego gera fenómenos de marginalização, por via da qual surgem mecanismos

de exclusão social e que implicam um aumento de despesa com prestações sociais e

reforço da máquina policial do Estado. As dificuldades em travar ou diminuir o

desemprego constituem desafio para os governos, com valor sublinhado em objectivos

políticos e conjugado com a retórica de sucesso, sempre que os indicadores estatísticos

dão sinais de estabilização ou quebra.

10 Segundo Freyssinet (1991), três factores contribuíram para o surgir da relação salarial capitalista de trabalho: 1 - destruição das formas de produção pré-capitalista (agricultura familiar, artesanato, pequenos comércios), o que obrigou grande número de pessoas a procurar outro trabalho remunerado; 2 - oscilação da renda do trabalho provocada pelas constantes flutuações da actividade económica. O facto implicou, num primeiro momento, a redução do salário real do chefe de família e, num segundo momento, a necessidade de trabalho de outros membros da família; 3 - oscilação do nível de emprego provocada pelo ritmo e modalidade de acumulação capitalista, com “destruição” de postos de trabalho e redução do uso da mão-de-obra, seja por crises cíclicas, seja por introdução de novas tecnologias. 11 Além da impossibilidade de existência e reprodução de formas de trabalho não-capitalistas. 12 Estas duas condições só se constituirão plenamente a partir de 1930 nos EUA, França e Inglaterra. Só então se poderá falar, nestes países, em desemprego e desempregado no sentido moderno.

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13

Trabalho, não-trabalho, emprego e desemprego são questões de evidente

importância social e sociológica que têm dado origem a abundante reflexão teórica e

investigação empírica. Para uma proporção crescente de jovens e de adultos estar

desempregado passou a fazer parte das suas vidas, configurando mesmo um modo de

vida no desemprego, como propõe Grell (1986). Concorda-se com Schnapper (1998)

para quem trabalho e cidadania são valores essenciais de integração social na civilização

do Ocidente. A nível internacional, desde os anos 1930 até estudos mais recentes, que o

desemprego e as experiências de vida dos desempregados têm sido estudados

considerando as reacções dos indivíduos à privação de emprego e modos de vida.

Globalmente os estudos apontam para o impacto negativo do desemprego vivido como

tempo “vazio”– provoca traumatismo profundo na vida dos indivíduos com efeitos

negativos ao nível individual, familiar e social, manifestação de um estatuto social

inferiorizado. Após estudo de experiências vividas pelos desempregados em França,

Schnapper (1998) concluiu que os “desempregados estavam dessocializados e se

sentiam atingidos na sua dignidade pessoal. A provação que atravessavam revelava a

importância da norma do trabalho” (1998: 47). Para esta autora, o estatuto social, lato

sensu, é o que dá ao indivíduo o sentimento da dignidade e respeito próprios. O seu

estudo relativo às experiências de desemprego, reformas antecipadas e exclusão conclui

que, nas sociedades ocidentais, o estatuto social do indivíduo e a sua dignidade são

postos em causa pela perda de emprego. Contudo, as formas de não emprego têm

diferentes sentidos e existe uma hierarquia de estatutos sociais em função da sua

distância ao emprego. Considere-se pois que trabalho, desemprego, suas consequências

ou vivencias não são únicos mas plurais. A diversidade sociológica continua presente

apesar do termo genérico “desemprego”.

Como assinalam Gallie e Paugam (2000) quando o estatuto social está

dependente da participação no sistema produtivo e de trocas existe alta probabilidade de

que o desemprego conduza a perda de estatuto e sentimento de falhanço num processo

de desqualificação social, empobrecimento e ruptura de laços sociais.

A hipótese de aceitação ou rejeição social do desempregado chama o conceito de

“estigma” no sentido de Goffman (1963/ 1975). Os estigmas têm em comum marcar a

diferença e atribuir um lugar ao indivíduo13.

13

Para Goffman (1963/ 1975: 42): “Um estigma representa (…) um certo tipo de relação entre o atributo e o estereótipo (…). Em todos os casos de estigma (…) encontramos os mesmos traços sociológicos: um

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O risco de etnocentrismo ao abordar um objecto de estudo tem sido sobejamente

sublinhado. Schnapper (1979) alerta a propósito da distância entre investigador e

desempregado e também do termo “desemprego” cunhado administrativamente mas que

abrange uma pluralidade de estádios de vida e situações múltiplas. Semelhanças nas

perturbações e alterações aos ritmos de vida, não igualizam os desempregados;

continuam a pertencer a categorias sociais diferentes, nomeadamente nos recursos

materiais e simbólicos com possível implicação em vivências plurais. O desemprego

não apaga socializações anteriores. Assim, a vivência do desemprego pode ser afectada

pela combinação de variáveis individuais, familiares e sociais como idade, género,

percurso e competências escolares, profissão anterior, duração do desemprego, origem e

pertença social, estado de saúde, apoio familiar, rendimento socioeconómico, entre

outras. Tal reparo não significa apologia de efeitos atomizados ou individuais

impossíveis de serem tratados sociologicamente. O desemprego não é apenas problema

individual, sendo possível, tal como em outros objectos de estudo, encontrar relações

entre experiências individuais e fazer ecoar sentidos sociológicos. Porém, evitar o

individualismo não sociológico também não significa cair no estrito determinismo

sociológico do comportamento humano; antes vigiar a multiplicidade de determinações

singulares do desemprego levando em linha de conta factores estruturais que em cada

tempo e espaço podem afectar as vivências sociais, nomeadamente do desemprego. Daí

a importância de estudar os diferentes quadros vivenciais ou os desempregos no

desemprego. Neste âmbito as variáveis biográficas têm toda a pertinência na forma de

viver o desemprego. Fase do ciclo de vida pessoal e familiar, posição na estrutura

social, trajectória social, projecção do futuro e redes relacionais constituem aspectos

pertinentes a não descurar na análise das experiências do desemprego. Além disso, o

tempo no desemprego pode afectar as reacções e vivências dos desempregados. Como

se processam as experiências do desemprego em diferentes momentos e fases do

desemprego? Várias são as interrogações que a análise das vivências do desemprego

suscita.

Segundo César das Neves (1999) o desemprego é problema não tanto de

pobreza, que os mecanismos sociais resolvem, mas de não ter nada que fazer.

Controversa, sem dúvida, esta ideia quando se sabe que, sendo o Estado social

indivíduo que tenha podido facilmente se fazer admitir no círculo das relações sociais ordinárias possui uma característica tal que se pode impor aos olhos desses que o reencontram e se desviam dele (…). Ele possui um estigma, uma diferença infeliz ao que esperávamos”.

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15

português “sub-protector” (Duncan e Paugam, 2000), nem todos os desempregados têm

direito a auferir subsídio de desemprego. Além disso, tal direito não se mantém por um

período de tempo indeterminado pois o desemprego corresponde a uma condição social

temporária, pelo que, mesmo que o período de desemprego se prolongue, o subsídio de

desemprego termina. Apenas os desempregados de idade mais avançada e com o

número de anos de contribuição para a Segurança Social suficientes para a reforma

estão em condições de viver menos pressionados em relação ao futuro, nomeadamente,

quanto a assegurar recursos necessários à sobrevivência, consumos e projectos de vida

pessoal e familiar.

Assim, embora a questão da organização e ocupação do tempo seja importante

para quem perdeu o emprego e participa numa sociedade acelerada, na qual os outros

cidadãos com emprego vivem a um ritmo intenso, tal afirmação merece reparo quanto

ao contexto português, caracterizado por um Estado Providência sub-protector e onde

54% dos desempregados não tem acesso ao subsídio de desemprego14.

Contudo, a dimensão temporal da vida social constitui variável fundamental na

reflexão sociológica sobre o desemprego, numa época em que os horários de trabalho

não diminuem para quem trabalha mas desaparecem para quem já não têm emprego.

Abordar o tempo no desemprego, percepções e maneiras de viver tal fase de vida remete

para a consideração do espaço, pois habitualmente, espaço e tempo ficam perturbados

na vida dos indivíduos desempregados. Desnorteado o tempo de trabalho com horários

de trabalho que não têm mais de ser cumpridos, é abalado também o espaço de trabalho

pela ausência de locais como fábrica, oficina ou escritório aonde as deslocações já não

podem ocorrer. O tema é tanto mais interessante quanto a ocupação, as muitas

responsabilidades e o envolvimento em muitos projectos é símbolo de valor e sucesso

profissional e social15.

14

Caso se conte com os que procuram um primeiro emprego, então apenas 31% dos desempregados recebe subsídio de desemprego (INE, Inquérito ao Emprego, 1º trimestre de 2011). Num contexto de grave crise económica e dívida pública, enquanto aumenta o desemprego surgem medidas restritivas ao Estado social, por exemplo, limitadoras da despesa pública. Assim, as alterações previstas nas regras de atribuição do subsídio de desemprego com início a partir de Março de 2012 atingem sobretudo os trabalhadores mais velhos. A prestação máxima desce de 1257 para 1048 euros mensais e passa de três anos para um limite máximo de dois. Os pedidos de reforma antecipada sofrem também sérios cortes desde Janeiro de 2012. Cada ano de antecipação até aos 65 anos de idade passou a ser penalizado em 7,5% ainda que exista uma bonificação de 1% por cada três anos de descontos feitos pelos trabalhadores. 15

Lembre-se, a título de exemplo, como um administrador tem a sua agenda totalmente preenchida com actividades diversas, geridas por uma secretária, e se desdobra na participação em diferentes funções com estatutos sociais associadas ao seu poder económico ou simbólico. A secretária tem funções de

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16

A questão da ocupação do tempo para quem muito trabalha na profissão e fora

dela surge na literatura de ajuda e desenvolvimento pessoal, convidando à busca de um

tempo desinteressado, livre, mesmo que de curta duração, espaço para distensão e

recuperação psico-física do organismo sob efeito de stress, um caminho de saúde física

e psicológica ou desenvolvimento espiritual16.

Ocupação do tempo e duração do período de desemprego tem sido também

considerado nas políticas activas de emprego. Ser activo, estar ocupado, fazer coisas e

aprender a fazer, no fundo trabalhar mesmo sem ter emprego, são aspectos sublinhados

como estratégias políticas de inserção social e estatutária dos desempregados17. É

comum afirmar-se que quanto maior é o período de tempo no desemprego menores são

as probabilidades da pessoa desempregada conseguir uma nova colocação mas

desconhecem-se estudos conclusivos. A propósito do tempo no desemprego e num

estudo clássico, Jahoda e outros investigadores (Jahoda et al., 1972) assinalaram que os

homens ao diminuírem a actividade profissional ou ficarem sem trabalho nas fábricas e

minas se desorientam com a alteração dos ritmos temporais fora de casa, enquanto as

suas mulheres mantêm a regularidade de rituais e rotinas com ocupações domésticas e

familiares.

Pode considerar-se o desemprego como fase de vida temporária, longa ou

repetitiva, na vida dos sujeitos. A sua relação com o hábito do trabalho, inscrito nas

experiências que os sujeitos fazem das organizações e os processos de socialização que

viveram na família e no trabalho, não serão de menosprezar na abordagem desta

temática, ligada às questões de identidade pessoal e social que a experiência laboral

fabrica. O factor tempo de desemprego, na sua variabilidade e extensão, levou a ter em

conta a interacção de factores variados (género, idade, profissão e estilo de orientação

dos sujeitos). Araújo (2006) abordou o problema do quadro temporal a propósito da

experiência de doutoramentos em Portugal. O contexto é bastante diverso do

desemprego. A maioria dos doutorandos, ao contrário dos desempregados, estavam

organização e controlo do tempo social e do seu valor simbólico, pois o espaço-tempo ocupado por diferentes actividades, projectos e actores sociais não tem o mesmo valor simbólico. Nas palavras do filósofo J. Needleman (1999: 11) “Vivemos numa cultura que nos obriga a fazer demasiadas coisas, a assumir demasiadas responsabilidades, a tomar demasiadas decisões e a dizer sim a demasiadas oportunidades. Ao fim de quase um século de invenções destinadas a poupar tempo, vemo-nos privados do próprio tempo”. 16 Veja-se a este propósito o livro de Kundtz (2000). 17 Os antigos programas ocupacionais do IEFP (actualmente Programas de Emprego e de Inserção) correspondem, precisamente, a oportunidades de ocupação com trabalho em instituições públicas ou autarquias, a troco de uma pequena contribuição financeira.

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dispensados da sua actividade regular como professores ou investigadores, mantinham

uma remuneração, bem como a possibilidade de regressar à actividade anterior após

conclusão do doutoramento com um estatuto social em progresso; estavam numa fase

de vida diferente por opção ou por obrigação de carreira em perspectiva construtiva de

futuro. Contudo, ambos, doutorandos e desempregados, têm que lidar com a

perturbação dos seus quadros de vida temporal e espacial e a necessidade de os

reorganizar. A questão da (des)organização do tempo coloca-se também para os

reformados, embora a situação apresente contornos muito diferentes relativamente a

quem está em situação de desemprego involuntário. Fase definitiva em fim de carreira, a

reforma é direito social encarado de forma positiva e cuja concretização é planeada no

ciclo de actividade profissional. O desemprego é fase temporária não planeada na vida

mas que, por vezes, se prolonga sem retribuição. O estatuto de desempregado é

provisório e negativo por referência ao trabalho. O estatuto de reformado é definitivo e

encarado de forma positiva mesmo pelos desempregados.

O ingresso na situação legal de desemprego obriga ao cumprimento de regras e

ritos legalmente definidos pelo Estado e socialmente aceites no âmbito do exercício de

um papel social, o de desempregado; garante inclusão social com o acesso à

participação num quadro legalmente definido de direitos e deveres, cujo grau de

exigência varia em função da dependência do Estado. A representação social negativa,

de que o desemprego e o facto de “estar desempregado” se revestem, convoca para o

desemprego e para o desempregado uma nebulosa identidade de carácter provisório e

instável, de onde parecem estar ausentes referências identitárias de auto-

reconhecimento, enquanto factor de inclusão social, mas também de reconhecimento

social positivo que não permite a configuração de grupo social ou classe. A

permanência no desemprego corresponde a um período de transição identitária cujas

regras permitem aceder a direitos como o subsídio e à sua manutenção temporária, num

intervalo de tempo de vida onde a maior adaptabilidade, mesmo que estratégica ao

estatuto de desempregado, pode implicar a permanência nesse estatuto por um período

mais longo ou a sua fixação nesse espaço de trânsito. A ocorrência de situações de

desemprego é geralmente considerada como um acontecimento negativo para cidadãos e

famílias.

Apesar do desemprego ser um problema social nas economias capitalistas e

comum a muitos e diferentes países, rareiam estudos comparativos internacionais e

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transculturais sistemáticos. A diversidade de situações, quanto aos sistemas de

protecção social, normas sociais, culturais e redes de entreajuda em diferentes contextos

sócio-espaciais, exige atitude prudente na generalização de resultados de um país para

outro. Além disso, grande parte das pesquisas efectuadas orientam-se mais para as

consequências do desemprego na saúde do indivíduo do que para o desemprego como

fase de vida e para os efeitos do desemprego na organização do tempo e do espaço, nas

opções de vida e no sistema familiar. Podem ser identificadas as seguintes variáveis

moderadoras nos efeitos negativos do desemprego: as atitudes face ao trabalho,

nomeadamente os valores profissionais e as representações sociais do trabalho e do

desemprego; os apoios em formação; o suporte familiar e o nível socioeconómico do

agregado doméstico; a definição objectiva e subjectiva dos papéis sexuais; a percepção

do desemprego na sociedade global; as redes sociais e os apoios; a vulnerabilidade

pessoal às experiências negativas e à evolução dos papéis sociais (Warr, 1984).

Problema psicossocial que tem merecido estudos em psicologia e sociologia, o

desemprego interessou a vários autores no que respeita às consequências psicológicas e

familiares. Gallie et al. (1995) estudaram, em Inglaterra, a mudança social e a

experiência no desemprego, tendo concluído a existência de uma correlação alta entre

situação no mercado de trabalho (emprego estável, desemprego ou emprego precário) e

nível de saúde física e psíquica. Em Inglaterra, as pessoas que vivem situações de

desemprego, emprego instável ou inseguro e mal remunerado tendem a manifestar baixo

nível de bem-estar psicológico revelado na perda de auto-estima, angústia, tensão

familiar, resignação e retraimento, assim como, baixo nível de bem-estar físico e alta

frequência dos serviços de saúde. A estas situações sobrepõem-se dificuldades

financeiras, num ritmo concertado de negatividade, onde se associam desvantagens.

A experiência de desemprego foi fortemente documentada na população

masculina. O resultado não é uma imagem agradável e muitas das descrições

encontram-se em estudos dos anos 1930 (Jahoda et al., 1981) e em literatura mais

recente essa experiência é referida com dados qualitativos em citações de entrevistados

(por exemplo, Sinfield, 1981); geralmente os homens sentem-se envergonhados e

magoados quando desempregados e se na contingência de viver de subsídio. Poderá até

haver, por parte dos homens, um sentimento de desespero em conseguir novo trabalho,

nomeadamente se as suas competências estiverem desactualizadas (Dex, 1986). Com

base nestas experiências, alguns investigadores sugeriram que o fenómeno do

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desemprego passa por uma série de fases. Primeiro surge a surpresa e o choque. Depois,

o optimismo e a fé em conseguir novo emprego, para, de seguida, se transformar em

pessimismo, ansiedade e angústia por não se conseguir emprego. Finalmente, surgem o

fatalismo e o desânimo. Esta descrição elaborada por Eisenberg e Lazersfeld (1938)

ainda tem eco na revisão feita por Jahoda (1982) e em Harrison (1976). Embora seja

possível encontrar homens que tenham passado por todas estas fases, há críticos para

quem tais dados se relacionam apenas com um determinado momento no tempo;

consideram não ser correcto assumir que todos os homens passaram pelas mesmas fases

e por essa ordem (Sinfield, 1981). Estudos mais recentes sobre stress sofrido por

desempregados são bastante variados e relacionam idade com estado de saúde, duração

do desemprego, recursos, indemnizações recebidas, condições do mercado de trabalho e

experiências profissionais anteriores. Estudos longitudinais possibilitaram maior

evidência dos aspectos desenvolvidos sobre a experiência dos homens desempregados.

Na revisão da literatura elaborada por Brown et al. (1995) não foi encontrada qualquer

diminuição na motivação dos homens para trabalhar.

Tais estudos examinaram a procura de emprego por parte dos homens, suas

relações familiares e condições financeiras. Muito frequentemente, o desemprego

prolongado poderá ser visto como fenómeno que coloca as famílias na pobreza.

Geralmente, para as esposas a situação de desemprego prolongado dos maridos é

particularmente penosa.

Para Loison (2002) em países como a França, o estatuto de desempregado é

humilhante e estigmatizante, o que origina isolamento; o desempregado fecha-se na

esfera doméstica por vergonha do seu estatuto. Contudo, os desempregados mantêm

alguns laços sociais com a família e as relações regulares com os técnicos de

instituições públicas, constituindo formas compensatórias para colmatar o afastamento

do mercado de trabalho. Para o autor, a sociedade portuguesa atribui um estatuto débil

ao emprego, a economia informal está omnipresente e a relação com as instituições não

é estigmatizada em geral. A coesão da sociedade portuguesa permite que os

desempregados, uns mais, outros menos, beneficiem de contactos sociais, motivos que

justificam, para Loison (2002) o estatuto de desempregado como pouco estigmatizado

por comparação com a situação dos desempregados em França. Ana P. Marques (2009),

a propósito do desemprego de longa duração no Norte do País assinala riscos de

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dissociação de laços sociais, relação consigo próprio, auto-estima e emergência de

doença e psicopatologias.

Como é vivido o desemprego? Existem desempregos no desemprego, quer dizer,

diferentes tipos de desempregados em função de várias características e atitudes? Como

se hierarquizam os valores em relação ao trabalho e quais os valores sociais mais

importantes para os desempregados? Quais as atitudes dos desempregados face ao

emprego e à ocupação do tempo? Como se caracterizam as trocas e solidariedades

familiares no desemprego? Como vivem os desempregados a sua sociabilidade? Quais

as reacções ao desemprego? O que esperam e como perspectivam o futuro?

I.1.3. Desqualificação social

O desemprego pode ser analisado por referência à noção de “desvio social”.

Existirão sub culturas no desemprego? “Desvio social” remete para os conceitos de

“cultura” e “subcultura”, podendo corresponder, a maneiras de sentir, pensar e agir

“segundo valores, normas e regras, agulhadas por símbolos e signos, orientadas por

padrões de mentalidade e acção que carrilam condutas” (Godinho, 1982). Assim, as

subculturas implicam sempre uma base triádica para que se possa definir a sua

existência: grupo, comportamentos e sistema de valores. Por isso, um grupo só poderá

ser considerado subcultura se apresentar um sistema de comportamento e valores

específicos que lhe permitam a afirmação da diferença.

Desemprego é processo social potencialmente gerador de fenómenos de

desqualificação social como marginalidade, pobreza e exclusão18. O desenvolvimento

económico e tecnológico tem vindo a implicar a vivência de situações de desemprego

tecnológico ou estrutural no capitalismo liberal, levando ao afastamento de pessoas e

famílias do processo produtivo; privando-as dos recursos mínimos aceitáveis na

sociedade onde vivem, facilita a emergência e a reprodução de marginalidade, pobreza e

exclusão social. Segundo Vincent (1979) o conceito “marginal” é primeiro que tudo

18 A gravidade dos problemas de exclusão social, pobreza e marginalidade, em extensão e intensidade, nos diferentes países ocidentais, implicou que os governos dos países membros da UE e da OCDE definissem políticas sociais visando a integração social, o combate à exclusão social e à pobreza, baseadas em quatro objectivos prioritários: promoção da criação de emprego; fortalecimento dos sistemas de educação e de formação para jovens e adultos e apoio à mobilidade das pessoas; reforma do sistema de protecção social e das políticas sociais; combate à pobreza e à exclusão social de grupos sociais mais vulneráveis, pelo do desenvolvimento de medidas específicas.

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uma definição geográfica. A palavra passa de adjectivo a substantivo quando se torna

visível que existem indivíduos marginais com relação ao centro. Pode afirmar-se que

toda a sociedade produz os seus marginais dentro de limites toleráveis. Este autor

distingue entre “marginal” e “excluído”, considerando “marginal” aquele que “o mundo

de produção rejeita nas suas fronteiras”, enquanto que o “excluído” está

deliberadamente condenado pela legislação ou pela cultura dominante. Daí que associe

“marginalidade” a um “estado passageiro ou efémero” e “exclusão” a “durável” e, em

certos casos, “definitiva”. Também Le Goff (1979) considera que, na realidade

histórica, são os “fenómenos de marginalização” que levam à “exclusão”, bem como à

“recuperação” ou à “reintegração”. Os processos de marginalização podem conduzir à

exclusão social, conceito que se reporta a todo o processo socioeconómico e cultural

que não permite o acesso de indivíduos e de populações específicas ao conjunto de

direitos e deveres relativos à cidadania, socialmente definidos em normas e documentos

nacionais e internacionais, onde se incluem os direitos cívicos - direito ao trabalho,

educação, cultura, saúde e protecção social, entre outros. As dinâmicas sociais e

económicas dos processos de construção e de estratificação social configuram

sociedades não igualitárias, onde o acesso aos direitos constitucionais não é o mesmo

para todos, de facto, visto que pessoas e grupos desfavorecidos são afastados de

recursos de ordem económica, social ou cultural (J. Ferreira de Almeida, 1992;

Capucha, 1998a).

Embora o desemprego não corresponda sempre a situações de pobreza e de

exclusão social, é possível afirmar tratar-se de fenómeno conducente às margens da

economia, da sociedade e do exercício da cidadania de pessoas e famílias, grupos

potencialmente vulneráveis. Com o desemprego podem agravar-se as situações de

marginalidade e de pobreza já existentes. Por tal motivo, pode chamar-se ao

desemprego “indústria de pobres”. Fábrica de produção massiva de pessoas e famílias

pobres à escala mundial. Situações de pobreza que podem ser temporárias, quando se

criam condições sócio materiais e socioculturais propiciadoras da integração social ou,

pelo contrário, definitivas e conducentes à exclusão social, quando dinâmicas, políticas,

pessoas e famílias vulneráveis não oferecem respostas favoráveis à reintegração social.

Alguma literatura emprega o termo “pobreza” como equivalente ao termo

“exclusão social”. Contudo, é mais correcto considerar que a pobreza, tal como o

desemprego e a marginalidade, é processo social gerador e reprodutor de exclusão. Ao

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olhar para a sociedade contemporânea estudiosos propõem o termo “nova pobreza”19.

Há tendência para relacionar pobreza com escassez de recursos necessários às condições

materiais de existência. Nos estudos de pobreza tem sido dominante a corrente

socioeconómica que implica uma diversidade de conceitos ligados aos recursos

disponíveis, tais como “pobreza relativa” e “pobreza absoluta”. Outra corrente,

designada culturalista, defende que as situações prolongadas de pobreza tendem para

culturas de pobreza, como definiu Lewis (1979), a que correspondem estruturas

mentais, económicas e sociais com expressão em modos de vida, maneiras de pensar e

de agir que atribuem especificidade àquelas culturas20.

Como se vive no desemprego e que estratégias asseguram a sobrevivência e a

reprodução dos grupos domésticos?

A expressão “modo de vida da pobreza” (J. Ferreira de Almeida et al., 1992),

pretende operar a síntese entre as duas correntes, conjugando a análise das condições

materiais de grupos sociais desfavorecidos com os aspectos activos e socioculturais tais

como estilos de vida, representações simbólicas, valores, interesses e maneiras de agir

das pessoas e das famílias.

O risco de pobreza da população portuguesa21 era, em 2009, de 17,9%, segundo

o INE. Significa que um quinto dos habitantes vivia com rendimentos inferiores a 434

euros por mês. A taxa de risco de pobreza de um adulto com pelo menos uma criança

19 Nas palavras de L. Capucha (1998), “de forma geral, nos países desenvolvidos, a pobreza é integrada por categorias sociais tendencialmente excluídas. Nos países subdesenvolvidos, pelo contrário, predomina uma situação em que às elites se contrapõe uma massa de pessoas extremamente pobres, que constituem, porém, a situação mais normal nesses países. Nos de desenvolvimento intermédio a pobreza tende a apresentar um carácter duplo e o caso de Portugal é disso mesmo uma boa ilustração”, (...) onde “a par de situações tradicionais de pobreza, extensas mas raramente colocadas à margem da sociedade, emergem recentemente categorias atingidas por fenómenos da chamada “nova pobreza” como resultado do processo de modernização, e de que são exemplo os desempregados de longa duração, os grupos étnicos e culturais minoritários, os toxicodependentes, os detidos e ex-reclusos e as pessoas portadoras de deficiência”. 20 Disso nos dá conta este antropólogo que estudou as culturas de pobreza no México, ao afirmar: “Quando aplico o conceito de cultura ao estudo da pobreza, pretendo unicamente chamar a atenção para o facto de a pobreza das nações modernas não ser só um estado de privação económica, de desorganização ou de falta de coisas, mas também algo de positivo no sentido de que possui uma estrutura, uma ratio e mecanismos de defesa sem os quais os pobres não conseguiriam subsistir. Em suma, é um estilo de vida, altamente estável e persistente, herdado por cada nova geração dentro da mesma linha genealógica. A cultura da pobreza tem as suas modalidades e consequências sociais e psicológicas distintas para cada membro. Constitui um factor dinâmico que atinge a esfera da participação numa cultura nacional mais ampla e se converte ela própria numa subcultura” (O. Lewis, 1979). 21 Segundo os resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (EU-SILC) do INE, realizado em 2010. "Considerando apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 43,4% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza em 2009", lê-se neste relatório. A taxa de privação material da população portuguesa subiu para 22,5%. A taxa de risco de pobreza para a população idosa aumentou para 21% em 2009, face aos 20,1% registados em 2008.

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situava-se nos 37% e de famílias com crianças nos 19,1%. Entre os desempregados, a

percentagem foi, em 2009, de 36,4%. Quase metade da população portuguesa (43,4%)

estaria em risco de pobreza não fossem os apoios da Segurança Social. É provável que,

face à evolução desfavorável da economia e do desemprego as condições de vida dos

portugueses se tenham agravado.

Os desempregados vítimas de despedimentos por motivos tecnológicos são em

grande número em toda a Europa e muitos deles convertem-se em desempregados de

longa duração, dado que não conseguem novo emprego no espaço de um ano. Muitos

fazem parte da nova pobreza ou da pobreza do desenvolvimento. Estudar como os

desempregados vivem esta fase, objectiva e subjectivamente, é por demais relevante,

num contexto social português de aumento do desemprego e ainda dominado por baixas

qualificações e baixos salários. Na verdade o desemprego tem vindo a aumentar, com

consequências para trabalhadores desempregados e implicações na despesa pública,

ruptura da sociedade salarial a par da fractura dos modos de socialização que o mercado

de trabalho estrutura; também alguns autores (I. Kovács, 1998) alvitram que pessoas

sem emprego estável não têm condições para aprendizagens no trabalho ou fora dele.

São dez as linhas de orientação na análise da experiência pessoal no

desemprego: valores sociais; atitudes em relação trabalho; relação com o dispositivo

público de emprego; integração social, estigma social, solidariedades familiares,

relações de sociabilidade com a família, amigos e outros laços sociais; organização e

ocupação do tempo; estratégias de procura de emprego; saúde; bem-estar psicológico;

expectativas de trabalho e expectativas de futuro.

A noção do processo está subjacente ao estudo das experiências do desemprego

ao considerar a dinâmica dos efeitos produzidos ao longo do tempo, fases e etapas. A

dimensão temporal é, pois, de toda a relevância ao considerar o desemprego não como

um acontecimento estático mas antes dinâmico na sincronia e diacronia das suas

consequências e vivências. O desemprego é processo social. Não constitui realidade

homogénea mas plurifacetada e fragmentada, abrangendo uma pluralidade de estados

possíveis, vivenciais e significados que se complementam, contradizem ou

interpenetram. Assim, o desemprego pode abranger uma diversidade populacional com

diferentes origens sócio-familiares e processos de socialização, bem como uma ampla

escala de gradação nas formas de lidar com o trabalho e o desemprego; reflecte-se no

discurso e é evidenciada nas práticas dos sujeitos, sua percepção e uso do tempo,

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adaptação, inadaptação e ruptura psicossocial, rejeição passiva, procura activa de

soluções inovadoras. Neste sentido, o desemprego é uma realidade multifacetada nas

situações objectivas mas também nas formas subjectivas das próprias vivências.

Argumenta-se que trabalho e emprego como prática e como valor social

desempenham papel central na qualificação social e nos processos identitários dos

trabalhadores. Assim, uma situação de não trabalho assalariado, como o desemprego,

molesta a identidade pessoal e profissional. O desemprego tem pois impacto nos modos

de vida dos trabalhadores sem emprego, como evidenciam estudos já referenciados.

Na presente investigação serão analisados os valores sociais dos desempregados

e atitudes em relação ao trabalho, pelo que faremos aqui breve reflexão teórica.

I.1.4. Valores do trabalho e valores sociais

As categorias relativas aos valores do trabalho usadas na presente investigação

têm por base a proposta de Herzberg (1966) e de Inglehart (1990).

Herzberg distinguiu os valores de trabalho segundo dois tipos - «factores

intrínsecos» que se relacionam com aspectos característicos da própria actividade,

motivadores por si mesmos e sob controlo dos sujeitos (actividade interessante,

autonomia, sentido de realização, utilidade percebida, etc.) e «factores extrínsecos»,

independentes do trabalho realizado, mas relacionados com as consequências que

advêm do facto de se trabalhar (salário, segurança do emprego, possibilidade de

promoção, etc.).

Segundo Inglehart, as mudanças culturais davam conta de uma alteração maciça

na infra-estrutura das sociedades industrializadas avançadas e tais alterações sistémicas

poderiam repercutir-se a nível dos valores, atitudes, comportamentos e opiniões. O

autor distingue valores “materialistas” (associados a objectivos como satisfação de

necessidades básicas, crescimento económico e coesão social) e valores “pós-

materialistas” (associados a objectivos ligados a preocupações de teor intelectual,

estético, qualidade de vida e participação na tomada de decisão a nível do trabalho e da

política). Assim, os valores “materialistas” estariam relacionados com a

conceptualização de valores “extrínsecos” e os “pós-materialistas” com os valores

“intrínsecos”.

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Outros estudos apontam para uma orientação de valores muito dependente de

factores económicos: uma posição económica mais favorecida proporciona uma

orientação intrínseca mais marcada, enquanto uma posição económica menos favorecida

tende a realçar valores extrínsecos de forma mais evidente (Caetano et al., 2003).

Jesuíno (1993), por exemplo, mostra a relação entre o tipo de valores e as características

sócio-demográficas. Pode notar-se que a orientação de valores anda intimamente ligada

à satisfação das necessidades22, na medida em que se dá mais importância a “valores

extrínsecos” (correspondentes às necessidades básicas), até à sua satisfação e tornarem

possível a aspiração a valores de carácter extrínseco.

Rodrigues (1995) analisou as atitudes dos portugueses sobre o trabalho (níveis

de satisfação/insatisfação). Numa análise comparativa entre 1991 e 1994, a percentagem

de indivíduos insatisfeitos permaneceu quase inalterada; no entanto, os portugueses

revelavam-se mais insatisfeitos em 1994 quanto às remunerações e mais pessimistas

relativamente às características de contexto nas situações de trabalho. Os principais

motivos de satisfação correspondem a “trabalho interessante”, “trabalho perto de casa” e

“bom ambiente de trabalho”. Nos motivos de insatisfação apontados, “fraca

remuneração” e “condições de trabalho” ocupam lugares cimeiros. A dimensão mais

valorizada no trabalho é material ou de sobrevivência, seguida da expressão individual.

Para os portugueses o trabalho é, sobretudo, uma forma de assegurar rendimento que

proporcione alguma segurança. No entanto, “expressão individual” e “utilidade social”

surgem igualmente como ambições legítimas para alguns.

Em 1997, Vala (2000) mostra que o aspecto tido por mais importante em

Portugal é a segurança no trabalho, seguido de boas oportunidades de promoção e da

remuneração elevada23.

22 A este propósito lembra-se a Teoria da Motivação Humana de Maslow (anos 1950) que fundamenta uma hierarquia das necessidades humanas - biológicas, psicológicas e sociais (Sampaio, 2009). As necessidades humanas estariam organizadas numa hierarquia de importância, representada graficamente em forma de pirâmide (“Pirâmide de Maslow”), cuja base é constituída por necessidades fisiológicas e de sobrevivência e cujo topo é constituído por necessidades de status e auto-realização. A teoria considera o ser humano na sua totalidade uma vez que enfatiza a integração dinâmica dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Maslow vê o ser humano como eternamente insatisfeito e sujeito de uma série de necessidades, que se relacionam entre si por uma escala hierárquica; uma necessidade deve estar razoávelmente satisfeita, antes que outra se manifeste como prioritária. Nesta hierarquia, o indivíduo procura dar satisfação às necessidades fisiológicas, fundamentais à existência, e às necessidades de segurança, antes das necessidades sociais, de estima e auto-realização. 23 Inquérito do International Social Survey Programme (ISSP). Comparados os dados com outros países (Vala, 2000), nomeadamente Alemanha, Espanha, Hungria e Suécia, os resultados indicam mais importância dos valores extrínsecos em Portugal, Espanha e Hungria e igual importância de valores na

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No inquérito realizado em 1997 (Alice Ramos, 2000), cerca de 64% dos

indivíduos afirmaram que gostariam de ter um emprego remunerado mesmo que não

precisassem do dinheiro, percentagem que diminui em 2006 (Freire, 2008) para 56%.

Apesar do menor peso registado, pode compreender-se que o trabalho assume lugar

central na vida de grande parte da população portuguesa. Deste modo, o trabalho ocupa

lugar fundamental na vida das pessoas e relaciona-se intimamente com outras

dimensões igualmente importantes da vida social.

Avaliados valores sociais e centralidade do trabalho (Jesuíno, 1993), observou-

se que o aspecto mais importante destacado pelos portugueses é a família; seguem-se

trabalho e amigos. O aspecto menos importante é a política, seguido da religião. A

comparação com os resultados europeus mostra que, em termos globais, o trabalho e a

família são ainda mais valorizados, em média, nos países europeus. Outros estudos

concordam na valorização da família (Alice Ramos, 2000). A maior parte dos inquiridos

gostaria de gastar mais tempo com a família; seguem tempos livres e amigos.

Relativamente ao emprego, ocorre uma predisposição consensual para menos tempo24.

Pode observar-se que a família é, efectivamente, a dimensão de vida mais importante.

Observando a evolução entre 1990 e 1999 (M. Villaverde Cabral e Jorge Vala,

2001), não se registaram alterações significativas na sociedade portuguesa quanto à

adopção de valores materialistas e pós-materialistas. Relativamente ao conjunto dos

países da UE, nota-se uma ligeira perda de realce nos valores pós-materialistas e um

reforço dos valores materialistas e mistos.

Segundo Inglehart, a emergência de valores pós-materialistas só poderá advir

quando os problemas económicos e de segurança básicos se encontrem minimamente

superados. O processo de mudança de valores dava conta de uma mudança maciça na

infra-estrutura das sociedades industrializadas avançadas, podendo tais alterações

sistémicas repercutir-se ao nível dos valores e dos comportamentos individuais.

Será que a mudança para valores pós-materialistas se irá concretizar, uma vez

que as dificuldades socioeconómicas pedem resposta às necessidades básicas dos

indivíduos? Estará a tese de Inglehart comprometida pela crise económica na UE e seu

reflexo futuro? Alemanha e na Suécia o que, segundo o autor, apontava para uma possível relação entre valores intrínsecos do trabalho, valores pós-materialistas e desenvolvimento económico-social. 24 “Quanto maior é a disposição para dar tempo à família, aos amigos e aos tempos livres, menor é a disposição para dar mais tempo ao trabalho” (Alice Ramos, 2000: 60).

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Considerando a importância da dimensão temporal e sua relevância no estudo do

desemprego apresentem-se algumas reflexões sobre esta temática.

I.1.5. Tempos sociais

O tempo é realidade objectiva e subjectiva que atravessa qualquer temática:

trabalho, desemprego, família, ciclo de vida, lazer e religião, entre outros. Berger e

Luckmann (1997) assinalam o tempo como fazedor da intersecção entre quatro eixos

centrais da vida: dimensão individual, ritmo social, tempo das instituições e processos

da desigualdade social.

“O tempo é a essência mais misteriosa” escreveu Massimo Bontempelli. A

dimensão temporal da vida social raramente é tomada como objecto de meditação.

Contudo, desde os primeiros tempos das Ciências Sociais, que a reflexão sobre o

significado do tempo está presente, como é o caso dos textos de Durkheim no início do

século XX ou de Sorokin e Merton nos anos trinta e quarenta do mesmo século que

esquematizam algumas maneiras de estudar e compreender as questões do tempo.

Também a antropologia social britânica, como por exemplo o trabalho de Evans-

Pritchard sobre os Nuer faz, não apenas descrições do tempo bastante diferentes das

sociedades ocidentais mas também comentários analíticos das relações entre estruturas

temporais e estruturas sociais. Posteriormente, alguns trabalhos em História, Sociologia

e Antropologia desenvolvem esforços para a compreensão do tempo (De Grazia 1962,

Moore 1963, Gurvitch 1964, Thompson 1967, 1968, Leach 1971, Abrams 1972, Geertz

1973, Bertaux 1981) e assinalam a separação entre “tempo físico” e “tempo social”.

Os sistemas do tempo reflectem as actividades sociais do grupo (Straw e Elliott,

1986). A sua iniciação é colectiva e a sua observância continuada resulta da necessidade

social. Como afirmam Sorokin e Merton (1937) os sistemas do tempo emergem da vida

colectiva e são perpetuados pela necessidade de coordenação social e um produto

essencialmente resultante da interacção social.

A complexidade da temática do tempo é tão vasta que Macey (1994) lhe dedicou

uma enciclopédia. No contexto sociológico o tempo é considerado em três sentidos

principais: objecto real que pode ser medido e administrado; medida de movimento,

mudança e evolução; percepção, sentimento ou símbolo da experiência subjectiva do

Mundo e da vida.

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28

Lévi-Strauss (1988), pese embora a controvérsia,25opõe sociedades “quentes” às

sociedades “frias”. Nas primeiras, dominadas pela crença na eficácia do progresso e

mudança social, predomina a concepção do tempo linear e histórico, enquanto as

sociedades “frias” implicam uma percepção centrada no passado e numa perspectiva

atemporal.

O centramento no presente opõe-se à noção tecnológica dos sistemas

económicos e políticos que valorizam inovação, desenvolvimento e mudança. Contudo,

tempo linear e tempo circular podem coexistir e entrecruzar-se. Exemplo de diferenças

nas representações do tempo entre classes populares e elites, é o caso dos camponeses

do século XIV com uma noção cíclica e repetitiva do tempo marcado simbolicamente

por ritmos e ritos festivos, religiosos e de trabalho, ao lado do tempo linear da história

tradicional (Pais, 2003), de que ainda permanecem resquícios em alguns meios rurais.

Tempos sincrónicos e “invertidos” (Pais, 2003) constituem outra forma de

representação do tempo. Tempo que se aprofunda aqui e agora mas onde o passado

pode ser fonte de inspiração para pensar e agir. Sincronia e diacronia podem

harmonizar-se quando se tenta acreditar que a vida pode mudar.

Porém, o tempo mecânico, conhecido de todos, vingou nas sociedades ocidentais

tendo sido classificado como abstracto e alienante. O tempo linear impôs-se. Na

sociedade Ocidental, a noção de tempo assenta numa perspectiva linear e externa, algo

que pode ser preenchido, trocado, vendido. É esta representação que dá sentido à

expressão vulgarizada na sociedade industrial time is money.

Todavia tal percepção do tempo não é válida para todas as sociedades e culturas

nem para todas as épocas. As sociedades ditas primitivas, bem como as sociedades

menos industrializadas reflectem uma representação do tempo mais cíclico e cujos

ritmos se harmonizam aos ritmos naturais e biológicos. Contudo, numa época em que a

industrialização vingou praticamente à escala mundial, tal ideia pode parecer uma

quimera idealizada de um tempo perdido. Porém, não deixa de se sentir a diferença de

ritmos com o abrandamento do tempo e uma harmonização mais natural quando se viaja

da cidade para campo.

25 J. Goody (The Domestication of Savage Mind) e G. Balandier (Antropologiques) não concordam com esta posição e defendem que, na sua diversidade, todas as sociedades são históricas ou têm a sua historicidade.

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29

Com as sociedades industriais modernas passou a ser comum a compreensão do

tempo dominada pela medição do tempo físico: minutos, horas, semanas, meses, anos.

Estas unidades precisas são usadas para organizar as actividades nos sistemas

produtivos. Os ritmos das fábricas, dos escritórios e das escolas impõem-se e pode falar-

se do “tempo organizacional” (Lewis e Weigert, 1981). Neste contexto, o “tempo do

não trabalho” é tido como residual, algo que aparece depois de cumpridas as obrigações

dos empregos e das organizações formais em que se participa ou quando delas se deixa

de participar. Terá saído daqui a pouco feliz expressão “dias úteis”? O que serão “dias

inúteis”?

Os sociólogos sublinharam as características racionais e instrumentais das

sociedades industriais e esforçaram-se por estudar os espaços de trabalho,

particularmente grandes locais estruturados burocrática e tecnicamente. Muitos aspectos

da vida social para lá do local de trabalho foram assim descurados. Contudo, têm

surgido vozes críticas que assinalam a excessiva atenção dedicada à grande empresa e

os seus efeitos na compreensão dos processos e dos mercados de trabalho (Granovetter,

1984). Outros, como Gershuny (1978, 1983) e Pahl (1984), mostram que a natureza do

próprio trabalho está a mudar. Também o movimento feminista e os “estudos das

mulheres” forçaram as Ciências Sociais a explorar seriamente o papel das mulheres na

força de trabalho e em casa. Tais contributos levam a relativizar a dominância do

“tempo organizacional” e a olhar particularmente para o tempo de não trabalho

organizacional, nomeadamente para o significado das mulheres como agentes activos na

modelação do “tempo social”. Ao lado dos ritmos e das rotinas do local de trabalho ou

até na sua ausência existem o “tempo familiar” e o “tempo doméstico”, um padrão

distintivo da vida social em que actividades afectivas e expressivas estão intimamente

ligadas, mais do que separadas dos papéis instrumentais e que sobressaem no ritmo e

organização de vida dos desempregados. Esta questão é relevante quando se explora

sociologicamente a ocupação e os sentidos do tempo no desemprego, esgotado que é o

tempo de trabalho formal no espaço organizado de um escritório, fábrica ou oficina.

I.1.5.a) Tempos sociais, mulheres e homens

Numa dimensão populacional, as mudanças assinaladas, por exemplo por

Anderson (1984), permitem considerar que o potencial dos laços extensivos inter

geracionais, particularmente do lado das mulheres, tendem a aumentar. Um dado

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demográfico geral afirma que as mulheres vivem mais do que os homens, casaram com

homens mais velhos do que elas próprias e se tornaram parentes numa idade mais jovem

do que os seus companheiros. Consequentemente, existem mais mulheres e durante

mais tempo. Têm, assim, a oportunidade de desenvolver laços intergeracionais e com

maior impacto do que os homens nas novas gerações (Straw e Elliot, 1986).

As mulheres estão mais envolvidas no “tempo não recorrente” ou no que Straw e

Elliot (1986) designam “tempo geracional”. Tradicionalmente, são as mulheres que

exercem controlo sobre os nascimentos, casamentos e mortes (Chamberlain e

Richardson, 1981) e, ainda que hoje muito deste trabalho esteja profissionalizado, são as

mulheres que intimamente cuidam destes assuntos. Lidar com nascimentos, casamentos,

doenças e mortes é ainda “trabalho de mulheres” (Straw e Elliot, 1986), o que cria laços

entre diferentes gerações (filha, mãe, avó, tia avó, irmãs e filhas da mais nova geração).

Além disso, o sistema de cuidar e controlar os outros não é hierárquico mas

cíclico e a filha pode tornar-se “mãe” cuidadora dos pais quando estes sofrem uma

doença ou se tornam idosos, como se verá. O cuidado, a tutela e o controlo também

podem ocorrer em relação a mulheres mais jovens a propósito do casamento ou em

relação a netos.

Para lá do “tempo geracional” as vidas das mulheres têm quadros temporais e

ritmos, uns longos, outros curtos. Os intervalos curtos reflectem as necessidades básicas

económicas e sociais da família, o que implica que algumas actividades sejam repetidas

muito frequentemente. Por exemplo, a organização do cuidar de crianças, compras,

limpeza, lavar e cozinhar requer uma estrutura temporal e essa estrutura é quase sempre

responsabilidade das mulheres, tenham emprego ou não. Esse poder feminino para

definir a ordem dos acontecimentos ocorre dentro de constrangimentos externos do

“tempo organizacional” como horários de trabalho dos maridos ou dos filhos, horários

escolares dos filhos, horários do comércio, do centro de saúde e do CE, por exemplo.

Estes são limites externos impostos, em relação aos quais as mulheres tomam as suas

decisões26.

A experiência do tempo das mulheres é distinta dos homens, em parte porque os

ritmos biológicos têm uma influência social considerável (Cottle, 1976; Straw e Elliott,

26 Para More (1963: 55) “O poder decisional dos maridos é certamente variável entre famílias, grupos étnicos, “classes” e sociedades, mas os envolvimentos temporais das mulheres dentro da família tende a conferir-lhes uma autoridade na alocação e direcção do tempo dos outros”.

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1986), inspirando bases de identidade e pertença. Cada cultura impõe um conjunto de

convenções sociais em cima dos ritmos biológicos que marcam as fases de

desenvolvimento social para os indivíduos. Da situação de dependência na infância e na

adolescência, as mulheres passam, mais rapidamente do que os homens, para a

experiência dos filhos, concretizem ou não a convenção do casamento, e assumem um

conjunto de tarefas temporariamente ligadas às necessidades dos mesmos filhos.

Habitualmente, nas nossas culturas, ainda são as mulheres que mais assumem a

responsabilidade de cuidar dos filhos e das necessidades dos parentes idosos em certa

fase do ciclo vital.

Para Crook (1982) as mulheres podem esculpir o “tempo familiar” nas famílias

operárias porque os seus maridos, pais, irmãos e filhos estão ausentes. Ainda que os

homens vitimados pelo desemprego passem a estar mais presentes, a falta de emprego

poderá desorientar os seus ritmos temporais, enquanto as mulheres mantêm os rituais de

regularidade e rotina das tarefas domésticas e familiares, como salientam Jahoda e

colegas (1972).

Straw e Elliot (1986) assinalam que não é evidente que os homens

desempregados passem a ter um papel em relação ao “tempo familiar” e, no caso da

Escócia, os homens desempenham tipicamente um pequeno papel no desenho do tempo

de não trabalho, mesmo se estão em casa. É a mulher que tem a responsabilidade e o

poder de olhar para os calendários internos e externos das suas famílias. Dentro de casa

é a mulher que decide o que deve ser feito, quando e como e também determina como

responder às exigências do tempo exterior em termos de tempo livre em conjugação

com os ritmos da família. Porém, nas últimas décadas, a maior paridade nos casais bem

como os divórcios (que fazem surgir famílias monoparentais também masculinas)

conferem aos homens um papel mais activo na gestão do tempo familiar e de

actividades em casa.

I.1.5.b) Tempos sociais e desemprego

Fagin & Little (1984) e Fröhlich (1983), bem como Kilpatrick & Trew (1982)

citados por Warr (1987) observaram longos períodos de inactividade nos indivíduos

desempregados e a sua dificuldade em preencher os dias. Também Lemaire (1987), a

partir da afirmação de que o trabalho ocupa todo o tempo diário, deduz que a sua

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ausência provoca nos desempregados dificuldades de adaptação. Já em décadas

anteriores, Jahoda et al. (1933/1981) tinham concluído as alterações de ritmo de vida

dos operários desempregados de Marienthal, nomeadamente a dificuldade de ocupação

do tempo por parte dos homens. Durante a segunda guerra mundial, Komarovsky

(1940) citava um desempregado, numa referência à sua saúde mental, como exemplo de

reacção habitual à perda da rotina diária de trabalho: “I’m going crazy with so much

time on my hands and nothing to do” (Komarovsky,1940, cit. in Warr, 1987).

Quanto ao uso do tempo em Espanha, por exemplo, os desempregados dedicam

a maior parte do tempo que tinham enquanto empregados a mais tempos livres e uma

pequena parte é dedicada a actividades de produção doméstica (Gimenez-Nadal et al.,

2010-2012). Todavia, a produção doméstica tende a aumentar nas áreas de altas taxas de

desemprego e onde o emprego é reduzido, enquanto em áreas de baixas taxas de

desemprego o trabalho no emprego é substituído por actividades de mais tempos livres e

cuidados pessoais. Tempo livre, que a Filosofia moderna faz equivaler a ócio na linha

de Platão, Aristóteles e Cícero (otium cum dignitate), sentido oposto ao de preguiça.

E ainda, comparando o bem-estar emocional de indivíduos empregados e

desempregados durante actividade similares, os desempregados relatam sentimentos de

maior tristeza, stress e sofrimento do que os empregados (Krueger e Mueller, 2008).

Todavia, estes valores negativos dos desempregados são compensados pela ocupação do

tempo vago em actividades mais gratificantes (Knabe et al., 2010). Além disso, as

diferenças do sentimento de gratificação na ocupação do tempo entre os dois grupos

tendem a aumentar com o aumento das taxas regionais de desemprego (Gimenez-Nadal

et al., 2010-2012).

Tendo em conta investigações anteriores (Jahoda et al., 1972; Warr,1987; Fagin

& Little, 1984; Fröhlich, 1983; Kilpatrick & Trew, 1982; Gimenez-Nadal et al., 2010-

2012), argumenta-se que o desemprego tem impacto na organização da escala de vida

temporal dos desempregados, pelo que se tentou esclarecer qual a ocupação do tempo

das pessoas sem emprego e em que medida o fim do trabalho fora de casa altera as

rotinas na gestão do tempo e os sentidos do mesmo trabalho. Espera-se encontrar

também diferenças na organização do tempo entre géneros e em diversos grupos etários.

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I.1.5.c) Fases e reacções ao desemprego

Os estudos da percepção do desemprego, nomeadamente do seu impacto

emocional, foram beber referências à análise dos acontecimentos stressantes na vida dos

indivíduos e conduziram à proposta da ideia de fase considerando a forte carga

emocional associada à perda de emprego e à desestruturação do tempo. Kaplan no

Compêndio de Psiquiatria (cit. por Holmes, 1978: 747) apresenta uma tabela com

valores médios de factores de stress a partir de uma lista de 43 acontecimentos vitais.

Nessa lista “ser demitido do emprego” aparece em 8º lugar com uma percentagem de

47%. Assim, a situação de desemprego surge como um dos eventos mais stressantes

comparativamente a muitos outros acontecimentos sociais27.

O desemprego pode apresentar várias fases, no que respeita à forma como é

sentido, vivido e gerido. A noção de fase remete para a ideia de temporalidade, uma vez

que toda a experiência de vida tem um enquadramento espácio-temporal.

Contributos de vários autores (Jahoda e Lazarsfeld, 1933/72, Powell e Driscol,

1973, Harrison, 1976, Hill, 1977, 1978, Hayes, 1976, Bryar, 1977, Kaufman, 1982,

Hayes e Nutman, 1981, Sinfield, 1981, entre outros), no campo da Psicologia Social

desde os anos 1930 e, sobretudo, desde a década de 1970, têm abordado o problema e

assinalam a quebra do bem-estar psicológico como resultado do prolongamento do

desemprego. Apesar da diversidade de propostas revistas por Estramiana (1992) a partir

de resultados de investigações empíricas, parte-se da síntese esquemática temporal de

Harrison (1976; conforme figura 2 que não se afasta da análise proposta em, Os

Desempregados de Marienthal conduzido por Jahoda e Lazarsfeld (1933/72) nos anos

1930) sem descurar as propostas de Hill (1977, 1978), Powell e Driscol (1973),

Kaufman (1982) e Hayes e Nutman (1981).

Harrison (1976) considera, grosso modo, a existência de uma curva moral com

quatro fases no desemprego. A primeira corresponde ao choque emocional, pelo

impacto stressante do acontecimento. É frequentemente seguida da fase optimista em

que se rejeitam os aspectos negativos, se acredita conseguir um novo emprego e se tenta

mudar de vida. O prolongamento da situação de desemprego faz emergir a fase

pessimista no contexto de insucesso na obtenção de um novo emprego e de perda ou

27 Os factores de stress com mais peso são alguns acontecimentos da vida afectiva como morte do cônjuge (100%), divórcio (73%), separação conjugal (65%), privação de liberdade por detenção (63%), morte de um familiar próximo (63%), lesão ou doença pessoal (53%) e casamento (50%).

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redução das prestações sociais. Tal situação convoca dois perfis de atitudes. Por um

lado, a disposição para colocar várias interrogações, tais como, a aceitação de salários

baixos, a hipótese de mudança de profissão ou de área geográfica, o que terá,

certamente, implicações na vida familiar. Por outro, quando toda a busca infrutífera de

emprego se combina com a idade avançada, tende a ocorrer uma atitude de desistência

na procura de emprego. A última fase corresponde a um refinamento da etapa anterior

ao configurar o fatalismo, a impossibilidade de mudança e a adaptação ao desemprego

como modo de vida.

Figura 1. Fases de reacção ao desemprego

Moral Preocupações Económicas Aborrecimento Declínio do respeito por si mesmo

Aceitar um salário mais baixo? Diminuição das possibilidades de novo emprego

Abandonar a minha profissão?

Deveria Mudar de região?

Desistir de procurar emprego

Choque Optimismo Pessimismo Fatalismo Fonte: Harrisson (1976), p.34 in António Estramiana: El Impacto Psicológico del Desempleo (pp. 126-127).

Harrisson assinala a variabilidade de reacções perante a perda de emprego e a

sua duração (dependendo de várias características, individuais e outras, como as

expectativas perante o próximo emprego e a experiência anterior no desemprego).

Destaca, no entanto, que a maioria das pessoas com idades entre vinte e cinco e

quarenta e cinco anos, com experiência de desemprego prolongada, atravessa a

sequência já referida de choque, optimismo, pessimismo e fatalismo.

Também Hill (1977, 1978) distingue três fases temporais no desemprego com

algumas sub divisões: na fase inicial (duração de algumas semanas a dois meses) são

possíveis 2 reacções: a resposta traumática (com sentimento de destruição da dignidade

e deterioração da vida); a resposta optimista (com negação da situação e sentimento de

“estar de férias”). Nesta fase inicial domina a percepção de desemprego temporário.

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Consequentemente, não ocorre nenhuma alteração à identidade profissional do

indivíduo. A fase intermédia pode durar vários meses e neste período desaparece o

possível sentimento de euforia inicial. As poupanças diminuem ou acabam, os pedidos

de emprego fracassam e a procura de emprego reduz-se. Surgem problemas perante a

incapacidade de aceder a um emprego satisfatório. Na fase de adaptação ao desemprego

(duração de nove meses a um ano) tende a ocorrer a aceitação do desemprego, enquanto

a procura de trabalho é inconstante. A esperança de encontrar um emprego diminui a

breve prazo. Do ponto de vista psicológico, à ansiedade e estado depressivo, próprios da

fase anterior, sucede a aceitação da situação do desemprego.

Outro autor, Hayes (1976) distingue cinco fases no processo de quebra

psicológica dos desempregados, desde uma primeira fase de choque até à última fase de

adaptação ao estatuto de desempregado mas não refere períodos temporais.

Powell e Driscol (1973) assentam na ideia de três etapas diferentes, desde um

sentimento de descontracção e alívio que marcaria a primeira fase de cerca de um mês,

ao posterior esforço sistemático para encontrar emprego, caracterizado pela auto

confiança com duração variável em função de vários factores (segurança económica,

estímulos positivos do mercado de trabalho, não pensar no fracasso e ter apoio familiar).

Por fim, a dúvida e a perda do optimismo inicial marcam a terceira etapa, a que se junta

a hesitação na tomada de decisões, ansiedade, depressão, frustração e quebra nas

relações pessoais.

Estudo posterior de uma amostra de trabalhadores altamente qualificados no

desemprego (Kaufman, 1982) acrescenta uma última fase de mudança psicológica à

proposta anterior: a resignação e apatia.

Também os resultados de Bryar (1977) concordam com os autores anteriores

embora considere apenas 2 estádios: o sentimento inicial de choque paralelamente ao

optimismo para encontrar emprego é seguido do sentimento de auto culpabilização e

depressão na fase posterior, que culmina na falta de iniciativa à medida que o tempo

passa e as expectativas de encontrar emprego diminuem.

A descrição de 3 fases na reacção ao desemprego prolongado é também a

conclusão de Hayes e Nutman (1981). Para estes autores a esperança e optimismo com

negação de mudança na vida ocorre como sub fase num quadro de um primeiro estádio

de choque e imobilismo. A segunda fase é longa e nela surge a pressão sobre a

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identidade individual, pois a ideia dominante na sub fase optimista do período anterior

de que tudo se resolverá perde vitalidade, enquanto, com frequência, pode surgir um

estado depressivo. Numa terceira fase, o prolongamento do desemprego implica a

necessidade de encontrar e internalizar uma nova identidade.

Estas propostas não estão isentas de críticas. Sinfield (1981) discorda de um

modelo geral descritor da experiência de desemprego, uma vez que os autores não

entram em conta com factores como idade, nível sócio económico e conhecimento do

mercado laboral, por exemplo. Além disso, tais modelos mesmo considerados

descritores não são explicativos (Fryer e Payne, 1986; Kelvin e Jarrett, 1985). Acresce

que os factores que determinam a passagem de uma fase para outra não são

considerados (Kelvin e Jarrett, 1985).

Como se viu, é notória a diversidade de estádios entre autores (Fryer, 1985),

desde as 2 fases descritas por Bryar (1977) até às 7 assinaladas por Zawadsky e

Lazarsfeld (1935). Além disso, tem sido criticado o facto de o modelo ser aplicado a

períodos diferentes de desemprego (Warr, 1984b) e o facto de não se mencionar a

duração de cada uma das fases descritas.28 Assim, a tentativa de explicar a mudança de

atitudes dos desempregados tendo em conta um modelo temporal pode ser visto como

insuficiente (Binns e Mars, 1984) baseado numa concepção errónea determinista do

comportamento humano que não tem em conta os significados individuais da perda de

emprego e diversidade de reacções (Estramiana, 1992).

Apresentamos reservas a tal ideia que individualiza completamente o

comportamento humano. Pensamos que a dimensão temporal de cada estádio é aspecto

que deveria merecer mais atenção dos investigadores. Ao registarem a existência de

várias fases de reacção ao desemprego, seria de todo o interesse haver uma referência à

duração de cada uma e de como reagem os desempregados que vivem diferentes

períodos de duração do desemprego. Além disso, e pese embora a possível diversidade

de atitudes de cada pessoa em particular e alguma aleatoriedade, sugere-se que é

possível encontrar regularidades e fases na reacção à ausência de emprego por parte de

grupos de desempregados.

O conjunto de ideias problematizadas no capítulo I é sintetizado no esquema da

figura 1.

28 Salvo raras excepções, como Hill (1977, 1978).

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Trabalho Emprego

Trabalho irregular e informal

Figura 2. Esquema de problematização

Desemprego

Apresentam-se, seguidamente, de forma mais pormenorizada, os objectivos

desta investigação.

I.2. OBJECTIVOS DO ESTUDO

Este projecto propõe-se investigar e compreender sentidos do trabalho e

vivências do desemprego entre desempregados, nomeadamente, estratégias pessoais e

familiares de estruturação da vida, conquista de emprego e satisfação pessoal. Pretende-

se realizar uma análise compreensiva das representações em relação a trabalho, bem

como a compreensão de opções de vida e de organização dos tempos sociais que,

permitindo assegurar recursos materiais e simbólicos, garante a sobrevivência e a

reprodução individual e colectiva. A reflexão analítica-compreensiva decorrerá num

processo de investigação das vivências subjectivas da vida e práticas sociais.

Qualificação Social

Marginalidade Pobreza Exclusão Social

Valores sociais

Atitudes face ao emprego Expectativas de emprego

Organização do tempo Relação com o Centro de Emprego Estratégias pessoais de procura de emprego e da satisfação pessoal Fases e reacções ao desemprego

Estatuto e Papel Social (Vivências)

Desqualificação

social

Tempos Sociais

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Parte-se de uma reflexão aprofundada, na primeira parte, sobre os conceitos de

trabalho e desemprego no Ocidente. Incluem uma revisão de contributos de investigação

sobre o desemprego, análise de estatísticas do mercado de emprego, desemprego e

envelhecimento demográfico, considerações sobre pobreza, desemprego, protecção

social e atitudes dos portugueses face ao trabalho. A análise de dados empíricos são

objectivos que constam da segunda parte e dedicam-se às práticas sociais e vivências

subjectivas no desemprego enquanto experiência pessoal e social. Constituem pois

objectivos a análise das: condições objectivas de vida dos desempregados inquiridos;

atitudes face ao emprego; valores sociais e valores em relação ao emprego; expectativas

de emprego e de futuro; impacto do desemprego; saúde; papel social de desempregado e

relação com o dispositivo público de emprego; organização do tempo; estratégias de

procura de emprego e de satisfação pessoal; fases e reacções ao desemprego.

Quais as vivências dos desempregados num contexto pessoal de ausência de

trabalho? Em que medida e de que modo os desempregados experimentam e inventam

práticas inovadoras para viver um espaço social e um tempo que lhes é permitido e

reconhecido, ao abrigo do estatuto de cidadão desempregado mas com uma conotação

negativa de identidade - pois não foi a circunstância de perder (o emprego) que gerou

uma condição destituída, o estatuto de desempregado?

Como se verá de forma mais detalhada no capítulo I da Parte Dois, combinámos

métodos quantitativos e qualitativos na pesquisa. A metodologia quantitativa

evidenciada na exploração de um inquérito por questionário a 300 inquiridos

desempregados serviu de fundo à realização e análise de 60 entrevistas aprofundadas,

10 “grupos de encontro” (focus groups) e 10 histórias de vida. Os desempregados

abrangidos na pesquisa pertencem à área da Grande Lisboa (Centros de Emprego de

Cascais, Lisboa e Sintra).

I.3. ALGUNS CONCEITOS OPERATÓRIOS PRIVILEGIADOS

Vejam-se alguns conceitos operatórios de suporte analítico, destacando os de

acção social, estratégia e habitus. Merecem ainda atenção algumas perspectivas de

análise por ventura pertinentes.

A acção humana tem sido objecto de conceptualização por diferentes

perspectivas de análise. Pode simplificar-se a abordagem, em duas tendências. Uma

corrente “determinista” e que se distingue em três ramificações: a primeira sublinha, em

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perspectiva psicológica, o papel crucial dos factores intrínsecos ao indivíduo; a segunda,

de tendência sociológica, valoriza a determinação sociocultural do comportamento

humano; a terceira, perspectiva tecnológica, muito em voga na actualidade com o

desenvolvimento das inovações tecnológicas, atribui valor determinante à tecnologia

mais do que às organizações, práticas sociais e individuais. Embora diferentes, tais

perspectivas apresentam a mesma desvantagem: abordam a pessoa como elemento

passivo, sem autonomia no comportamento e na tomada de decisão, totalmente

dependente de condicionalismos internos e externos. Durkheim (1980) foi um dos

precursores na abordagem sociológica dos determinantes sociais da acção. Propôs uma

definição objectiva de acção social, que sublinha o carácter coercivo e exterior ao

indivíduo. Para ele, a acção social consiste em maneiras de agir, pensar e sentir,

exteriores ao indivíduo consciente e voluntário, dotadas de um poder de coerção em

virtude do qual se lhe impõem. Em retirada do determinismo social da acção, Weber

(1982) propõe a definição subjectiva. Toda a acção social, para ser considerada como

tal, tem por condição implícita, atender ao comportamento dos outros actores e às

consequências recíprocas29. Neste sentido, toda a acção social é intersubjectiva,

significativa, voluntária e consciente para os agentes, quer se trate de aceitação passiva

quer de intervenção positiva numa situação concreta.

A propósito do conceito de estratégia, Wrigley (1966: 72) colocou o problema

da distinção entre racionalidade consciente e inconsciente a propósito das estratégias

familiares, do seguinte modo: “Os actos dos homens foram sempre influenciados pela

avaliação dos seus interesses pessoais e pelas suas respostas às normas sociais (e) é

interessante estudar estratégias de formação de família como se os casais se

comportassem de acordo com esses estereótipos de pensamento e de acção”.

A própria palavra estratégia, importada do campo militar, é em si mesma

perigosa, na medida em que supõe que todos os actos e comportamentos de indivíduos e

famílias são o resultado da planificação, ponderação e decisão racionais, produzindo

uma resposta equilibrada.

Pode, assim, propor-se a ideia de racionalidade inconsciente como fio condutor

do comportamento individual e grupal, sendo certo que nem sempre as pessoas se

comportam de acordo com estereótipos de pensamento e de acção, apesar de,

frequentemente, a acção social ser influenciada pela avaliação que indivíduos e grupos

29 Weber distingue 4 tipos de acções: racionais, instrumentais (ou acções por fins), afectivas e tradicionais.

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fazem, consciente ou inconscientemente, dos seus interesses pessoais e grupais, da

melhor forma de os atingir e da adequação às regras sociais. No fundo, a questão é saber

quais as características que levam os indivíduos, ao tomar decisões sobre as suas vidas

pessoais e familiares, a escolher caminhos separados que se conjugam para produzir o

comportamento colectivo e formar um modelo de comportamento. Por outro lado, o que

é que os padrões de comportamento colectivo nos revelam sobre os interesses e as

motivações individuais? Também Brettell (1991), a propósito da análise do fenómeno

emigratório, colocou o problema da racionalidade consciente e inconsciente e do perigo

para o investigador de atribuir decisões racionais e premeditadas a partir da

identificação de relações significativas entre variáveis. Afirma Brettell (1991:26): “a

ligação de manifestação de um determinado comportamento a uma motivação específica

deve ser estabelecida com maior cuidado e com plena consciência de todas as

alternativas que são possíveis num contexto cultural determinado”.

Assim, é bastante perigoso estabelecer relações objectivas e unívocas de

causalidade entre duas variáveis no domínio do comportamento humano. Além disso, é

frequente os investigadores sociais encontrarem contradições entre as normas de um

comportamento ideal e o comportamento real, muitas vezes expressas na diferença entre

o “dizer” e o “fazer”.

Disso mesmo nos deu conta Robert K. Merton (1965: 78), no seu ensaio clássico

sobre funções manifestas e latentes: “Não se deve partir do princípio de que as razões

que as pessoas apresentam para o seu comportamento (“agimos por razões pessoais”)

coincidem com as consequências observadas destes tipos de comportamento. A intenção

subjectiva pode coincidir com a consequência objectiva, mas pode também não

coincidir”.

A noção de habitus é referência central no presente estudo e serve de alicerce a

Bourdieu (1997) para uma teoria da acção com características diferentes da anterior.

Esse “princípio activo, irredutível às percepções passivas, de unificação e das

representações” (Bourdieu, 1997: 55) é proposto como o equivalente historicamente

constituído do “eu” kantiano, que opera a síntese do universo sensível por via da

intuição e da ligação às representações.

Veja-se a utilidade operatória do conceito de habitus, termo definido por

Bourdieu (1997) como “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que,

integrando todas as experiências passadas, funciona em cada momento como uma

matriz de percepções, de apreciações e de acções” que estruturam a conduta social de

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indivíduos, membros de qualquer grupo ou classe social, em contextos e situações

diversificados. Para Bourdieu, a maior parte das acções humanas é sustentada por

disposições adquiridas. Diremos que não só as acções mas também as representações

emergem dessas disposições duráveis e transponíveis que fazem com que “acção” e

“representação” possam interpretar-se como orientadas para esta ou aquela direcção,

sem que seja possível estabelecer que houve previamente decisão consciente. Tal como

Bourdieu, consideramos que mesmo os processos individuais de pensamentos e de

sentimentos estão ligados a correntes dinâmicas do campo social, de onde emergem

valores, ideologias, maneiras de pensar, sentir, agir e estilos de vida.

A teorização deste conceito surge no âmbito de estudos sociológicos e o seu

valor conceptual reside no facto de introduzir na análise, entre condições exteriores e

acção, um conjunto de variáveis subjectivas, onde se incluem as experiências passadas

assim como a lógica cultural do meio de origem, que representam resposta inconsciente

às situações objectivas. Os grupos sociais transmitem valores, regras e normas de

conduta aos seus membros e asseguram a sobrevivência e continuidade enquanto grupo,

não apenas à custa de mecanismos externos; implicam o “princípio do inconsciente”,

como referiram Bourdieu e Passeron (1971), ou um conjunto de variáveis subjectivas a

que se reporta o conceito de habitus. A Família, escola, grupos sociais de pertença são

sistemas de estruturação social geradores de práticas sociais e de habitus de classe.

Como princípio gerador de práticas distintas e distintivas, o habitus é sistema de

dispositivos operatórios, relativamente permanentes e estáveis, elabora-se a partir de

processos estruturais ao longo da vida de cada indivíduo e onde a origem familiar, o

percurso escolar e o grupo de pertença constituem elementos que desempenham papel

relevante na realização da existência pessoal e de histórias colectivas diferentes. Nas

palavras de Bourdieu (1997) o habitus é esse “princípio gerador e unificador que

retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição num estilo de vida

unitário, quer dizer, um conjunto unitário de escolhas de pessoas, de bens, de práticas”.

É possível combinar-se na análise, o papel activo e dinâmico do agente social

com o peso dos factores socioculturais na acção social (Grell, 1986). A ideia é partir do

conceito de habitus de Bourdieu para o de “processos autoprodutores”. (Grell, 1986)

estudou os modos de vida dos desempregados no Québec e concluiu que, apesar da

redução de rendimentos financeiros, da alteração de tempos quotidianos ritmados pelo

trabalho, os desempregados continuam a viver a sua vida. Esta perspectiva questiona a

pré-noção de trabalho limitada ao trabalho remunerado com conteúdos, ritmos,

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finalidades e produtos que escapam ao controlo dos trabalhadores convertendo-se no

único trabalho que permite estatuto, identidade e inserção social.

Se, por um lado, é possível considerar os desempregados como actores sociais

que operam a produção da sua existência pessoal segundo uma racionalidade consciente

e inconsciente, com factores estruturais subjacentes, por outro, o papel da incerteza, a

ausência de planificação e a ocorrência de imprevistos podem ser equacionados como

factores que permitem o surgimento de novas respostas aos problemas. Deste modo, o

desenvolvimento da acção social integra “processos auto produtores” - movimento pelo

qual uma pessoa inicia práticas e produz iniciativas, não segundo uma sucessão de

acontecimentos prováveis ordenados mas na instabilidade de uma vida. Tal perspectiva

de síntese permite ultrapassar as visões determinista e accionista para valorizar a relação

com o desenvolvimento de dispositivos operatórios “auto produtores”, com o

sublinhado que estes se apoiam sempre em processos estruturais (formação escolar e

profissional, origem familiar, meio socioeconómico e saberes práticos), constituindo-se

como recursos que os desempregados integram, consciente ou inconscientemente, na

construção da vida. Os “processos auto produtores” abrangem práticas, situações de

vida, rede de sociabilidade, encontros previstos ou imprevistos e constituem

oportunidade à adaptação e à acção. É da interdependência entre processos estruturais e

“processos auto produtores” que podem surgir novos dispositivos operatórios para a

acção social. Tais ligações interdependentes caracterizam-se por elevada complexidade.

Não se situam ao nível das práticas conscientes; daí resultam novas práticas, na medida

em que o indivíduo, enquanto ser social, consciente e inconscientemente se apropria das

mesmas e filtra os mundos sociais, organiza a sua subjectividade pessoal e

intersubjectividades no seu meio de pertença e, assim, produz a sua vida. O peso

respectivo dos processos e a maneira como eles interagem no espaço social do não

trabalho apresentam diferentes particularidades de caso para caso e podem dar origem a

percursos de vida bem diferentes. Contudo, pode encontrar-se algumas tendências de

regularidade e identificar sinais de um processo geral sociológico com diferentes

tonalidades, apesar das histórias particulares subjacentes.

Entende-se, seguindo a perspectiva weberiana, que a acção social diz respeito a

toda a actividade inter-relacional que manifesta uma atitude organizada, orientada para

um fim ou por valores, implicando alguma previsibilidade, regulação normativa, jogo de

expectativas e realizações simbólicas de objectivos. Assim, toda a acção social tem

dimensão relacional e intersubjectiva e ocorre num tempo e espaço social. A acção do

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agente no espaço social é influenciada por variáveis como género, idade, meio

sociocultural de pertença, características individuais, características do sistema e

percepção que cada agente tem desse mesmo sistema e recursos disponíveis.

Tal perspectiva é central no eixo conceptual, valorizando a interdependência

complexa entre factores estruturais e processos “auto produtores”.

A identidade das pessoas desempregadas é vista enquanto processo, um processo

continuamente em estruturação, desestruturação e reestruturação, baseado em habitus de

classe e mecanismos “auto produtores”.

Para observar e analisar alguns aspectos da relação dos desempregados com o

dispositivo público de emprego, recorre-se à perspectiva sempre actual de Goffman

(1993) ao encarar a realidade como “encenação da vida quotidiana” e compreender o

comportamento humano nas situações a que este fica submetido no seu papel social. O

agente social ou actor social inscreve-se num contexto de representação dramática nesta

vida que é um palco onde todos viajamos em acção e interacção.

Trabalhar, estar desempregado e lidar com o desemprego constituem um

processo social dinâmico complexo onde interagem factores diversos na produção de

sentidos pessoais e sociais, tais como condições materiais de existência, regras sociais,

representações sociais do trabalho e do desemprego, mediadores micro-sociais na

relação com o mundo, de que a família é parte integrante, e mediadores macro sociais

que integram os apoios estatais.

II. CONSTRUÇÃO SOCIAL DO TRABALHO: REFLEXÕES EM TORNO DE

UM CONCEITO

“Quem não quiser trabalhar, não tem

o direito de comer.” S. Paulo

INTRODUÇÃO

O conceito de trabalho tem variado de significado ao longo da História. Dotado

de vários sentidos, domínios e valores, justifica breve referência histórica, que permita

compreender o dinamismo, as interacções e a contínua evolução da sua realidade.

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O Dicionário de Língua Portuguesa30define “trabalho” como o exercício de

actividade humana, manual ou intelectual, produtiva; implica esforço para que uma

tarefa seja realizada. A ascendência etimológica da palavra está no latim tripaliare, do

substantivo trepalium, latim vulgar tripaliu, aparelho de tortura composto de três paus,

ao qual eram atados os condenados. Trabalhar significava, pois, estar submetido a

tortura. Esta noção define o adjectivo “trabalhoso” como algo que dá muito trabalho e

causa muita fadiga. Saltam à vista a dimensão física que não dá conta da complexidade

socio-histórica mas também o carácter negativo do trabalho como esforço. A palavra

“trabalho”, esclarece o historiador Jacques Le Goff (1979), não existia antes do século

XI. De acordo com Godelier (1974), o significado da palavra “trabalho”, conhecido

como “obra a fazer, ou execução de uma obra”, surge somente em finais do século XV e

o significado da palavra “trabalhador” aparece em finais do século XVII.

II.1. ITINERÁRIO HISTÓRICO DE UM CONCEITO

Na Antiguidade Clássica, na Grécia em apogeu, por volta do século V A.C.,

como na Roma Imperial, podíamos considerar duas vertentes relevantes: de um lado, as

elites de prestígio com trabalho exclusivamente intelectual, artístico e especulativo31; do

outro, o comum da população com tarefas rústicas e penosas (o “trabalho braçal”) que

tinham sua maior evidência na condição de escravatura. Assim, os gregos conferiam ao

trabalho um sentido negativo considerando-o degradante e alusivo exclusivamente à

satisfação das necessidades materiais. A mitologia grega, rica em exemplos relativos às

actividades dos deuses e dos mortais32, fala das proezas dos seus Heróis (Ciclopes e

Titãs) e dos famosos “Doze Trabalhos de Hércules”. Não rareavam os casos em que o

trabalho era imposto pelos deuses como punição dos erros e transgressões dos humanos.

Os mais conhecidos referem-se a Sísifo e às Danaides. Sísifo foi condenado a empurrar

uma grande pedra até ao cume de um monte. A pedra rolava pela encosta e Sísifo era

obrigado a repetir a tarefa indefinidamente. Parece claro que o castigo residia na

30 Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora. 31 A Filosofia e a Política, actividades mais nobres, não eram consideradas trabalho (Méda, 1995: 6). 32 Na verdade os deuses mitológicos participavam das qualidades e defeitos dos mortais e com estes mantinham um intercâmbio intenso e sem constrangimentos.

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inutilidade do trabalho feito33. Quanto às Danaides, mulheres que assassinaram seus

maridos, foram condenadas a passar o resto da vida tentando encher de água um tonel

sem fundo, tarefa também ela repetitiva e inexequível.

Todavia, e de acordo com Gil Mantas (1999), a Antiguidade Oriental evidencia

também um sentido positivo do trabalho, como na epopeia suméria de Gilgamesh, onde

se expressa “o orgulho do operário perante o resultado do seu trabalho”. Assim, para

este autor a atitude generalizada de aversão ao trabalho no Mundo Antigo “limita-se a

um mito, a que se colam perfeitamente as imagens estereotipadas de Gregos passando o

dia em discussões na ágora e de Romanos, naturalmente perdendo o tempo e perdendo-

se nos espectáculos do anfiteatro” (Mantas, 1999: 41). Citações de Catão, o Velho, e de

Virgílio são exemplos de referências romanas quanto ao valor atribuído ao trabalho e à

sua função pedagógica e prometaica pondo em causa a ideia geral de desprezo do

mesmo trabalho.34

Os romanos acreditavam no poder do trabalho; este era afinal uma forma de

acção agonística capaz de transformar o mundo: Labor omnia vincit improbus35. No

entanto, importa também salientar que não era esta a ideologia dominante, como se

infere de importantes fontes escritas. Existia também uma opinião intelectual pejorativa

quanto ao exercício de ocupações laborais. Era, em larga medida, a opinião dos

honestiores, para os quais o otium cum dignitate (de Cícero)36 representava um ideal

naturalmente contraditório a qualquer tipo de ocupação que prejudicasse a

disponibilidade de si próprio e a dignidade e gravidade consideradas apanágio das

classes altas em Roma. Este tipo de ideologia, característico do patriciado, determinou

um número muito significativo de atitudes emblemáticas por parte da franja dominante

da sociedade romana.

33 Por esse motivo, até hoje, usa-se a expressão “Trabalho de Sísifo” para designar qualquer tarefa inútil, destituída de sentido. 34 Estes exemplos contradizem o juízo generalista e estereotipado de desvalorização do trabalho pela sociedade romana: “Eu logo desde o começo gastei toda a minha adolescência na frugalidade, na dureza e no labor, trabalhando nos campos, nas rochas da Sabina, limpando-as de pedras e semeando-as” (Catão, apud Columela 11.1.26). Virgílio, no seu jeito poético escreve: “O próprio pai dos deuses não quis que fosse fácil a agricultura; foi ele o primeiro a renovar os campos com arte, aguçando aos mortais o entendimento com os cuidados, e não deixando o seu reino cair em pesado torpor. (...) Surgiram então as várias artes; tudo venceu o trabalho perseverante, e o acicate da necessidade em sua dura condição” (Virgílio, Georg., I, 121-123, 145-146). 35 Tradução: “O trabalho árduo vence todas as dificuldades” (Virgílio - Geórgica I, 145-146). 36 Tradução: “Ócio com dignidade”.

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Não existia propriamente uma repulsa generalizada do trabalho manual, mas sim

de determinados aspectos com ele relacionados e de determinadas categorias de

trabalhadores. O desenvolvimento da escravatura, sobretudo a partir do século II a. C.,

teve bastante influência em tal atitude, cuja causa principal parece residir na ideia de

que qualquer trabalho remunerado é sinónimo de dependência e de alienação da

liberdade – o que parecia mal não era trabalhar, mas sim trabalhar para outros em troco

de pagamento (Gil Mantas,1999: 37).

Ainda a propósito do mundo romano, apraz deixar um apontamento

relativamente ao contributo dos grafitos de Conímbriga,37que permitem subentender a

existência de trabalhadores ocupados na moldagem de peças e outros na cozedura,

sugerindo uma organização de equipas, tal como noutras regiões do Império38.

No Ocidente judeo-cristão, o texto bíblico afirma a origem da Humanidade num

paraíso, logo perdido e a sobrevivência sujeita ao trabalho39, segundo afirma Deus a

Adão: “Maldita seja a terra por tua causa (…). Comerás o pão com o suor do teu

rosto”.40 Ou a imperiosa necessidade de trabalhar afirmada por S. Paulo: “quem não

quiser trabalhar não tem direito de comer”41. Mesmo se noutros pontos o não trabalho

ganha primazia aos olhos de Deus: “Olhai como crescem os lírios do campo! Não

trabalham nem fiam. (...) Não vos inquieteis portanto com o dia de amanhã, pois o dia

de amanhã já terá as suas preocupações. Bem basta a cada dia o seu trabalho”42. Na 1ª

Epístola aos Coríntios de S. Paulo, como na Cidade de Deus de Santo Agostinho, surge

de forma clara a defesa do trabalho como valor humano. S. Bento tem como lema da sua

regra Ora et labora (reza e trabalha). Gradualmente, muitas actividades foram sendo

reconhecidas de mérito e o interesse da comunidade tornou-se critério.

O Cristianismo, apesar de suas raízes e da ampla difusão, principalmente, a

partir de fins de século II entre as populações urbanas, não conseguiu alterar

37 A organização do trabalho e as médias de produção estabelecidas para cada dia de trabalho, variavam de acordo com o tipo de peças a produzir e com as suas dimensões. 38 Testemunhos do exercício de profissões no território português durante o domínio romano permitem desvendar a origem de algumas profissões ainda vigentes nos nossos tempos introduzidas ou desenvolvidas no domínio romano ligadas a actividades urbanas, rurais (incluindo a exploração de minas e de pedreiras), actividades marítimas e actividades administrativas, existindo, por exemplo registos de amas, barbeiros, sapateiros, estucadores, lenhadores, canteiros, oleiros, etc. Conforme Gil Mantas, 1999: pp. 61-62. 39 De acordo com a visão religiosa ocidental, a preguiça é um dos sete pecados capitais. Ao perderem o paraíso, Adão e Eva são condenados por Deus a um penoso castigo: o trabalho. 40 Gen, III-17 e 19. 41 2ª Epístola aos Tes, III, 10. 42 Mat, VI, 25, 26, 28, 34.

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positivamente a condição dos trabalhadores. No entanto, é indiscutível o seu contributo,

tal como virá a ser o do Socialismo na época moderna, para idealizar e promover o

trabalho, considerado por S. Lucas uma bênção de Deus e, por S. Paulo, obrigatório

modo de vida43.

Mesmo os textos bíblicos expressam a dualidade dos sentidos positivos e

negativos do trabalho44. O trabalho é anterior ao pecado. De facto, o Génesis antecipa

ao sinal do trabalho humano como castigo por desobediência divina, a ideia de que

Deus trabalhou para criar o Mundo e ao sétimo dia descansou45. O espaço-tempo de não

trabalho depois da obra realizada com resultados satisfatórios ou gratificantes assinala,

desde logo, a importância do equilíbrio entre trabalho e não trabalho nas sociedades

humanas a partir do direito divino ao trabalho e ao ócio. Deus é apresentado como

trabalhador, oleiro que modela o homem a partir do pó da terra, homem que será o

jardineiro do jardim do Éden46. Paulo orgulha-se do trabalho das suas mãos (Act

XVIII,3; XX,34; I Cor IV,12) e além disso, o preguiçoso é criticado (Prov XIII,4;

XXI,245; XVI,26; Tes III,10). Também Jesus é trabalhador e filho de carpinteiro (Mc

VI, 3; Mt XIII, 35).

Assim, nos textos históricos abundam sentidos do trabalho de sinais contrários

que se opõem ou complementam ao longo da História e segundo a evolução

socioeconómica, a que Coelho (1999: 76), a propósito da Época Medieval, adjectiva de

“amálgama ideológica”, “justificações para o elogio e o desprezo do trabalho” e,

sobremaneira, para a valorização ou desvalorização de certas profissões. Na Idade

Média Europeia, o elemento espiritual dominava os aspectos económicos (Kelly, 2000),

não obstante a doutrina cristã próxima do povo, relativa à dignidade do trabalho, central

à valorização do homem.

É a Reforma de Lutero que sublinha o investimento do trabalho humano como

valor nobre e espiritual enquanto vontade de Deus. O trabalho não é visto ainda como

43 “Ora nós temos ouvido dizer que há entre vós pessoas desregradas, as quais, em lugar de trabalharem, se ocupam com futilidades. A estas ordenamos e exortamos em nome do Senhor Jesus Cristo, a que trabalhem pacificamente, para comerem assim o pão que eles mesmos tiverem ganho”, Paulo, 2ª Tes, III,10-13. 44 Mantas (1999: 31) propõe o trabalho no Génesis não apenas como castigo infligido ao Homem mas também como possibilidade de redenção e satisfação (Gén, 4,22). 45 Deus aparece também como trabalhador em outras passagens (Gén II, 7, 18 e 19; SI VIII, 4; Jo V,17; VI,28). 46 “O Senhor Deus formou o homem do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida e o homem transformou-se num ser vivo (...). O Senhor levou o homem e colocou-o no jardim do Éden para o cultivar e, também para o guardar” (Gén, 2, 19).

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meio de realização pessoal. De facto, a doutrina luterana no plano social, ligava-se ao

status quo e desconfiava do enriquecimento pelo trabalho47. Neste contexto, caberá ao

Calvinismo desempenhar um papel de relevo no “processo de destruição criadora do

Cristianismo para dar lugar a uma ideologia do trabalho de grande alcance. O trabalho

lucrativo ganhou peso na existência humana e a doutrina da predestinação permitia uma

afirmação de si como parte dos eleitos por via do enriquecimento que não só passou a

ser aceite mas também enobrecido. Quanto maior o sucesso na actividade maior a prova

de se pertencer aos eleitos de Deus (Weber, 1981; Fanfani, 2002; Kelly, 2000).

O movimento filosófico do Iluminismo sublinhava o papel da razão e das

instituições religiosas. Como refere Fanfani (2002) “o ideal racionalista levou à

aspiração de transformar todo o Estado numa república democrática onde o comércio

fosse Deus”.

O século das Luzes valoriza a importância do indivíduo e, com Adam Smith,

progride a “secularização do trabalho, factor de produção, na máquina industrial”

(Kelly, 2000: 8). O trabalho, enquanto actividade humana, não serve apenas o

enriquecimento individual mas adquire, historicamente, características positivas por

oposição à inactividade, o que permite classificar os cidadãos de virtuosos se trabalham

versus preguiçosos se não o fazem48.

Lembremos também o individualismo defendido por Hobbes em Inglaterra, e

como John Locke propunha o direito a um credo individual ou ainda a teoria cartesiana

mecanicista, com primado do racional. Seguem-se a aritmética política de William Petty

e o materialismo económico de Adam Smith. Neste processo sócio-histórico de

evolução das ideias, desenvolvimento dos Estados e das economias, o trabalho

secularizou-se completamente, enquanto factor de produção conjugado com a máquina

industrial. O trabalho ganha socialmente um sinal positivo, enquanto a inactividade é

cunhada negativamente, cabendo à sociedade o seu controlo. Assim, a disciplina social

obrigava os pobres a fornecer o seu trabalho-mercadoria às fábricas, enquanto muitos

ricos se poderiam dedicar a uma vida de folgança (Bauman, 1998) 49.

47 « Le travail, dans la société traditionnelle, devait assurer le salut des âmes » (Kelly, 2000 : 7). 48 “A ética do trabalho foi transformada num instrumento de disciplina social que condenava as camadas pobres a fornecer o seu trabalho, como uma mercadoria nas sinistras oficinas do sistema industrial. Esta ética tornou-se uma arma de humilhação dos pobres” (Kelly, 2000: 8; ver também Bauman, 1998). 49 Mas “a busca do enriquecimento pessoal era um dever moral, embora dissociado pouco a pouco de qualquer fim público ou ético. Na era industrial, o trabalho era um meio de enriquecimento. A ideia de ganhar dinheiro era aceite como uma preocupação da civilização ocidental” (Kelly, 2000: 8).

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49

Na sua evolução, a ideia de trabalho passa a combinar, ao mesmo tempo, a

possibilidade de meio económico e de fim espiritual. O projecto teocrático de Calvino

encontrou eco junto da burguesia, classe empreendedora ocupada de coisas úteis e

interessada em agir por si mesma, representante do individualismo que retirou,

progressivamente, à conduta económica os elementos religiosos e éticos originais.

Com o idealismo alemão de Hegel o trabalho é reconhecido como essência da

existência humana e um laço com o Espírito universal. Sublinhando a dimensão

colectiva, antecipa na evolução histórica o trabalho alegre e autónomo. Vem o

determinismo histórico retomado por Marx e que evolui para a construção de um

modelo dialéctico onde o primado é dado às forças económicas, sendo atribuída à noção

de trabalho uma dimensão prática e política. Para Marx o trabalho é uma função

humana fundamental que em si mesma é factor de enriquecimento. Mas na sociedade

capitalista essa dimensão utópica está condenada pela alienação que leva à escravidão

assalariada (Méda, 1995).

Weber (1981) anunciou a afirmação do individualismo no Protestantismo e a sua

relação com o desenvolvimento do espírito capitalista ao demonstrar que a ética

protestante continha valores úteis ao crescimento do individualismo e de uma atitude

activa na relação com o Mundo, de que beneficiou a configuração de espírito da

burguesia empresarial. Constituem factores relevantes o ascetismo mundano centrado

numa visão do trabalho como vocação, o controlo das paixões, a parcimónia, o auto-

sacrifício e a responsabilidade em relação aos outros. Segundo Weber, o êxito da

actividade económica evidenciado pelo aumento e acumulação de riqueza assume, com

o Protestantismo, valor de uma confirmação divina. Na perspectiva weberiana, a

construção do processo de secularização que ocorre nas diferentes vias do

Protestantismo foi perdendo de forma gradual o vínculo ascético-religioso a par da

crescente autonomia e afirmação da racionalidade instrumental nas sociedades de

capitalismo desenvolvido.

Assim, ganhar dinheiro passou a ser aceite como uma preocupação central da

civilização industrial ocidental. A noção de trabalho como meio de enriquecimento

afastava-se progressivamente de fins públicos e éticos e ganhava contornos de uma

“ideologia de avidez” (Kelly, 2000: 8). Com a emergência da sociedade industrial, foi

dado um novo papel e sentido ao trabalho: “O trabalho, no mundo industrial, perdia o

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50

seu carácter de ideal como perdia a sua sanção ética” (Kelly, 2000: 9). O emprego

tornou-se um critério de repartição da prosperidade nacional e de exercício de deveres

públicos.

No desenrolar da história da Humanidade, o trabalho foi passando de uma

posição em que os seus agentes eram discriminados e humilhados no contexto social,

para uma posição em que passou a ser dignificado e valorizado na nova sociedade,

ferramenta necessária para o progresso. O seu agente, o trabalhador, esteve sujeito ao

mesmo processo de reconstrução de significação da sua posição social, bem

exemplificada na polémica semântica de termos como “operário” e “trabalhador”,

valorizado conforme os interesses de grupos50.

Como todos os fenómenos humanos, as perspectivas do trabalho podem ser

diversas nas suas múltiplas representações, percepções e atitudes, objectiva e

subjectivamente referenciadas por diferentes grupos de pertença social e em diferentes

complexos histórico-geográficos.

II.2. O TRABALHO NO MUNDO INDUSTRIAL E PÓS-INDUSTRIAL

Introdução

Profundas mudanças ocorreram com a predominância das actividades industriais

sobre o trabalho rural e artesanal. A invenção da máquina a vapor, de novas ferramentas

de trabalho e a criação de equipamentos para a indústria têxtil tornaram possível a

evolução de um novo sistema de trabalho.

A Revolução Industrial proporcionou um fenómeno de alterações ideológicas,

económicas e sociais que transformaram uma sociedade quase exclusivamente agrária

50 Em 1890, a cidade de Pelotas (Brasil) assistiu a uma polémica entre dois jornais sobre o significado da data do 1º de Maio, reveladora de disputa pelo conteúdo da palavra “operário” e formas de presença política na sociedade. O jornal Correio Mercantil, ao comentar a primeira comemoração na Europa, chamou ao 1º de Maio a “festa do proletariado universal” e foi contestado pelo jornal A Opinião Pública. Segundo o Correio Mercantil, operário e proletário eram iguais, com a diferença que proletário era aquele que vivia do emprego mal remunerado. Já o A Opinião Pública considerava que proletário é aquele que só contribui com sua prole para o Estado, enquanto o operário é quem produz. O proletário viveria de biscates, expedientes ilegais ou da caridade pública; o operário trabalhava. E concluía: "a festa do 1º de Maio, não foi dos proletários do frei Thomaz (editor do jornal adversário), mas sim dos operários, quer dizer, de todas as classes trabalhadoras ". Ver LONER, Beatriz: “Trabalhadores e cidadania: a recusa da segregação”, in VI Encontro Estadual de História. Passo Fundo, Julho de 2002.

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numa verdadeira sociedade industrial e urbana. O predomínio das máquinas, a

intensificação do comércio, o trabalho agora operário e não mais artesanal, além de

outros factores, fizeram da Revolução Industrial um marco histórico singular e

profundamente marcante na história do trabalho.

Na agricultura, entre 1760 e 1820, os enclosers iniciados no século XVI

intensificaram-se, os direitos à terra comunal foram perdidos e o povo ficou submetido

à exploração do trabalho e à opressão. Os camponeses pobres, privados das suas terras –

transformadas em pastagens – acorriam, aos milhares, às cidades, na busca de um

trabalho que lhes mitigasse a fome. Forçados a vender a força dos seus braços aos donos

das fábricas que se erguiam aqui e além, foi assim que se viram, de um momento para o

outro, transformados de trabalhadores autónomos e independentes em servidores dos

donos do capital. De camponeses passaram a operários.

A Revolução Industrial trouxe consigo a intensidade da exploração da mão-de-

obra; o tempo começou a ser controlado por industriais. O trabalhador perdeu o saber e

o controle do ciclo global do produto ao ocupar-se nas indústrias; viu-se expropriado do

seu saber. Também as relações entre patrões e operários se tornaram cada vez mais

duras e menos pessoais.

Os ventos da novidade e do progresso alastravam pela Europa, e buscavam

novas invenções que se adequassem ao ritmo ligeiro do quotidiano. O tempo, outrora

marcado pelo ciclo do sol e cantado pelos relógios das catedrais, é medido com rigor e

segmentado em parcelas cada vez mais curtas que o taylorismo e a organização

científica do trabalho criteriosamente escalpelizam para evitar desperdícios de gestos,

tempo e dinheiro. O tempo tornou-se bem valioso para aqueles que almejavam ganhar

dinheiro como assinala a expressão “time is money”. Cada minuto requeria

aproveitamento urgente. Nas fábricas, os trabalhadores eram amestrados no ritmo da

máquina.

II. 2.1. Operariado, associativismo operário e capitalismo industrial

Diferentemente do artífice tradicional, o operário perdia o controlo do processo

de trabalho e a ligação ao produto final. Incluído na linha de produção, deixa de

acompanhar o circuito produtivo desde o início até ao fim, para somente intervir em

determinada fase, local e numa tarefa específica, generalizando-se, assim, a divisão do

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trabalho. Com a substituição do homem pela máquina irromperam lutas “anti-máquina”

um pouco por todo o lado. Muitos trabalhadores reagiam contra a introdução da

máquina, mas faziam-no não só em defesa dos seus empregos, como também contra a

perda de controlo dos seus ofícios, o que, além de afectar as suas condições económicas

se traduzia, em última análise, numa efectiva perda de poder e de prestígio

socioprofissional (Mendes, 1999).

Não obstante o peso das questões de princípio, inicialmente terão sido sobretudo

necessidades, tanto das famílias como das empresas, que terão levado à progressiva

entrada de mulheres e crianças nas fábricas. O recurso a esta mão-de-obra existia já

desde o Antigo Regime na actividade agrícola, no artesanato e na indústria caseira. As

crianças trabalhavam nas minas, eram ajudantes de cozinha, operadoras de portinholas

de ventilação ou nas fábricas51. Era mão-de-obra barata, eficiente e, também, menos

reivindicativa. O trabalho da mulher, fora do lar, suscitava opiniões diversas, originando

uma polémica que haveria de perdurar até aos dias recentes.

A Revolução Industrial foi cenário das inúmeras transformações desencadeando

um surto de produtividade sem precedentes e abrindo alas à inovação e ao progresso

tecnológico, mas deixou milhões na miséria. Com os operários germinava a semente do

que viria a ser o Capitalismo Industrial.

Ao longo do tempo o capitalismo industrial foi revelando imperfeições e

injustiças. Além das circunstâncias mencionadas, a concentração do capital em poder de

reduzido número de pessoas, a ausência de direitos em favor do trabalho, a falta de

motivação dos que passaram a “vender-se” sem participação integral no processo

produtivo, o crescimento desordenado das cidades com de bairros miseráveis, foram

condições que provocaram forte reacção por parte de grandes pensadores do tempo.

Eram escritores inspirados no Iluminismo, defensores do chamado socialismo utópico,

permitindo o despontar das ideias de Karl Marx, para quem, a economia era o facto

gerador de todos os acontecimentos históricos.

Segundo Marx (1970), todo o trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana

de trabalho, no sentido fisiológico, e, no seu carácter abstracto, cria o valor das

mercadorias. Por outro, todo o trabalho é ainda consumo de força humana para um

51 “O trabalho infantil não era novidade. A criança era parte intrínseca da economia industrial e agrícola mesmo antes de 1780 e como tal permaneceu até ser resgatada pela escola.” THOMPSON, E. P. (1989), A formação da classe operária, Vol. 1, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

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determinado fim e, nessa qualidade, produz valores de uso. Podemos então confinar o

trabalho em duas dimensões: a primeira, abstracta, refere-se ao trabalho que cria valores

de troca - é o trabalho fetichizado; a segunda, concreta, refere-se ao trabalho que cria

valores de uso, valores socialmente úteis - é o trabalho com sentido.

Ao realizar o trabalho produtivo, o indivíduo vende a sua força por um salário ao

ao proprietário dos instrumentos de produção. Assim a força de trabalho vendida será

embutida no capital sob a forma de capital variável, de modo a que, por meio do

processo de produção, valorize o capital inicial e seja incrementado na mais-valia52,

aumentando a jornada de trabalho além do que o trabalhador precisa para sobreviver.

A mais-valia parece ser uma simples consequência do processo, mas é muito

mais: é o motor de todo o processo. É meio pelo qual a burguesia acumula capital,

através da exploração do trabalho. Marx elucida que para transformar dinheiro em

capital, o possuidor do dinheiro tem de encontrar o trabalhador livre no mercado de

mercadorias, livre nos dois sentidos, o de dispor como pessoa livre de usar a força de

trabalho como sua mercadoria, e o de estar livre, inteiramente despojado de todas as

coisas necessárias à materialização de sua força de trabalho, não tendo além desta, outra

mercadoria para vender (Marx, 1970: 189).

As relações conflituosas entre capital e trabalho reflectiram de forma marcante a

sociedade e o indivíduo. Consequentemente, era inevitável a luta de classes e tornava-se

urgente a necessidade de valorizar o trabalho e os trabalhadores.

Em 1867, no 1º volume do Capital, Marx afirmava que os patrões se esforçavam

continuamente por reduzir o custo do trabalho e gerir os meios de produção substituindo

trabalhadores por equipamentos. Os capitalistas tiram proveito não só de uma cada vez

mais alta produtividade, custos reduzidos e melhor controlo do posto de trabalho, mas

também da criação de uma imensa reserva de trabalhadores sem emprego, cuja força de

trabalho se mantém imediatamente disponível à exploração. Marx profetizava que a

automação crescente da produção acabaria por eliminar em absoluto o trabalhador.

Evocou, de forma visionária, a última metamorfose do trabalho quando os humanos

fossem substituídos por máquinas automáticas. Previu a evolução de máquinas cada vez

52 A mais-valia pode ser absoluta ou relativa. A mais-valia absoluta consiste no aumento da jornada de trabalho. A mais-valia relativa consiste na diminuição do tempo gasto para a execução do trabalho.

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mais sofisticadas e que substituiriam o trabalho humano, afirmando que cada novo

avanço tecnológico altera as capacidades do trabalhador em operações mecânicas53.

Todavia, para Marx o processo de substituição do trabalho humano por

máquinas, no limite, levaria ao fracasso, pois ao criar uma reserva de trabalhadores sem

emprego e uma baixa crescente dos salários, haveria cada vez menos consumidores e

cada vez menor poder de compra para animar o mercado.

Mesmo economistas ortodoxos, como John Bates Clark (1907), fundador da

Associação Americana de Economia e William Leiserson (1919) estão, em parte, de

acordo com Marx quanto aos ganhos de produtividade e à ideia de substituição de seres

humanos por máquinas como causas da criação de uma reserva sem emprego. Contudo,

consideravam as mutações tecnológicas um mal necessário para a prosperidade

económica global. As novas indústrias utilizariam, por sua vez, mais mão-de-obra. Os

recursos daí resultantes seriam reinvestidos em novas tecnologias redutoras de emprego

que, uma vez mais substituiriam o homem, reduziriam os custos unitários e

aumentariam as vendas criando um círculo crescente, perpétuo, de crescimento

económico e prosperidade. O desemprego constitui, nesta perspectiva, uma reserva

natural de mão-de-obra54.

No Japão do “familismo social” a harmonia dos objectivos individuais e

colectivos produziu uma ética de sacrifício e de esforço no seio do grupo e de

concorrência entre grupos (Kubota, 1983; Sampson, 1989); apresenta algumas

semelhanças com a civilização do trabalho na sociedade ocidental, que não é uniforme

mas marcada por heranças culturais diversas. O capitalismo anglo-saxónico não é igual

ao do centro-europeu e, mesmo na Europa, autores como Milner, referido por Kelly

(2009: 10), assinalam diferentes traços significativos: a Alemanha com estruturas e

ideias corporativas, a França onde domina o elitismo da hierarquia, a Itália com

estruturas e relações feudais / paternalistas, a Suécia com individualismo equilibrado

pela preocupação social numa economia de empresa aberta ao exterior. Contudo, a

53 “(…)Transforma (...) as tarefas do trabalhador em operações mecânicas, de modo que a certo momento o pode substituir. Vemos, directamente, como uma forma particular de trabalho é transferida do trabalhador para o capital sob a forma de máquina, e como a sua própria força de trabalho é desvalorizada em consequência desta transposição. Daí a luta do trabalhador contra o maquinismo. O que até aí resultava da actividade laboriosa do trabalhador sai da máquina” (1996: 38 cit. por David Mclellan,1997). 54 “Haverá sempre uma reserva de trabalhadores sem emprego e não é possível nem normal que ela seja totalmente suprimida. O bem-estar dos operários impõe que o progresso continue e que não se consiga atingir este resultado sem provocar movimentos provisórios de mão-de-obra” (J.B. Clark, 1907: 452).

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industrialização e o correlativo sistema de sociedades industriais ou comerciais

sustentadas na expansão tecnológica tendem a apagar as especificidades locais e a

permitir designar os países desenvolvidos como um conjunto que entra na era pós-

industrial.

Curiosamente, na actualidade, a economia do capitalismo avançado vive

circunstâncias bem semelhantes às referidas no passado.

II.2.2. Trabalho na modernidade e pós-modernidade

Giddens (2000, citado por Biehl e Appel-Silva, 2006) comenta que, em todos os

tempos, os sujeitos tiveram a percepção dos riscos a que estavam expostos,

principalmente, perante fenómenos da natureza. Mas, na pós-modernidade, surgiu o

risco “intencionado”. O medo é adoptado como estratégia com consequências positivas

para os resultados das empresas, e a noção de risco torna-se presente no quotidiano do

trabalho ao generalizar-se entre dirigentes empresarias a noção de que as pessoas são

facilmente substituíveis. O risco do fracasso, sem a possibilidade de controlo sobre as

condições envolvidas, é factor que pode funcionar como coerção interna.

Modernamente, o trabalhador, ao interiorizar os objectivos empresariais em

detrimento dos objectivos pessoais, adquire uma “existência inautêntica”. Passou a agir

em função de objectivos não seus, mas hétero-determinados pelo poder empresarial, o

que lhes traz conflitos, sofrimento e cisão nos conteúdos psíquicos, em processo

alienante. Deste modo, a alienação do trabalhador vem sendo sedimentada por uma

consciência que, ao formar-se, acaba por anular aspectos do contexto, por cisão e

negação de conteúdos psíquicos.

Mas novos tipos de alienação surgiram na pós-modernidade (Antunes, 2000

citado por Biehl e Appel-Silva, 2006). Richard Sennett (1998), em pesquisas sobre o

trabalho flexível, encontrou como forma de alienação uma relativa indiferença por parte

dos sujeitos em relação ao trabalho, uma falta de vínculo com as tarefas desenvolvidas e

um compromisso parcial em relação aos resultados alcançados. A consciência

apresentava-se fragmentada e a compreensão simplificada, visto que os pensamentos

não se associavam a ponto de encontrar um sentido complexo e analítico ao contexto

“trabalho”.

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56

A crise de fins dos anos 60 e princípios de 70 - que na verdade era expressão de

uma crise estrutural - fez com que, entre tantas outras consequências, o mundo

produtivo implementasse um vastíssimo processo de reestruturação, visando a

recuperação do ciclo de expansão e, ao mesmo tempo, recompondo o seu projecto de

domínio social, abalado pela confrontação anterior, contestatária de alguns pilares da

sociabilidade do capital e de seus mecanismos de controlo social.

A reestruturação produtiva teve início no Japão, no grupo Toyota, sendo por isso

denominada de “toyotismo”. Tal modelo ganhou terreno e alastrou pelo Mundo inteiro.

Com ele, uma nova forma de organização industrial e de relação entre capital e trabalho

emerge das cinzas do taylorismo/fordismo.

Este movimento surge como resposta à crise do sistema capitalista: declínio nas

taxas de lucro; esgotamento do modelo taylorista/fordista que levara a grande excedente

de produção; avanço do capital especulativo que tirava capital da esfera produtiva;

concentração dos monopólios e oligopólios; e crise do Estado de bem-estar social com

crise fiscal do Estado capitalista (Antunes, 1999).

Aproveitando a experiência do fordismo, o novo modelo de produção tem como

objectivo solucionar problemas que teriam levado a uma crise estrutural. Inicia-se um

processo de reorganização do capital, tanto do ponto de vista das forças produtivas,

quanto do ponto de vista político e ideológico. Mas, naturalmente, a implantação do

“toyotismo” no Ocidente teria de adaptar-se às singularidades e particularidades de cada

contexto nacional no que diz respeito às condições económicas, sociais, políticas e

ideológicas. Para controlar as condições de implantação deste novo modelo, emerge o

neoliberalismo (ou políticas da sua influência), com a privatização do Estado, a

desregulamentação dos direitos do trabalho e a falência do sector público estatal.

Posteriormente, ocorre intenso processo de reestruturação da produção e do

trabalho e dá origem ao modelo flexível de produção no intuito de recuperar o ciclo

reprodutivo do capital. Estas mudanças previam: desconcentração da produção;

flexibilização dos direitos dos trabalhadores; avanço tecnológico, com desemprego

estrutural; trabalho polivalente; produção de mercadorias ligada à procura do mercado;

“círculos de qualidade” (CCQs); destruição do sindicalismo de classe e sua conversão

em sindicalismo dócil (ou mesmo “sindicalismo de empresa”), entre outras, (Antunes,

1999).

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Ainda sobre as características dos Estados neoliberais, Toledo (citado por

Antunes, 1999) afirma que a desigualdade é tida como necessária para impulsionar a

liberdade e o empreendimento do mercado. O conceito de liberdade ligado a uma

conduta individual é pano de fundo para justificar políticas de desregulamentação

estatal e privatização. O neoliberalismo e a reestruturação produtiva avançam nos países

dependentes do capital externo, como é o caso de Portugal desde Junho de 2011, através

dos ajustes impostos pelos organismos financeiros, como Fundo Monetário

Internacional – FMI – e Banco Mundial. Uma das fases do reajuste dá-se com redução

do emprego no sector público e grandes cortes financeiros nos programas de carácter

social.

A flexibilização dos trabalhadores ocorre com a redução do contingente

necessário ao processo produtivo55, reduzindo, por conseguinte, os gastos com a força

de trabalho. Um único indivíduo passa a realizar várias tarefas - é o trabalho polivalente.

Enquanto no apogeu do taylorismo/fordismo o vigor de uma empresa era medido pelo

número de operários que nela laboravam, na era da acumulação flexível e da "empresa

magra", o sinal de robustez é colocado nas empresas que dispõem de menor contingente

de força de trabalho e que, apesar disso, têm maiores índices de produtividade. Além

disso, a flexibilidade e a polivalência dos operários atinge progressivamente outros

grupos profissionais, nomeadamente os quadros qualificados. Por outro lado, a

produção é incrementada a partir de horas extraordinárias, trabalhadores temporários ou

subcontratados. Agudizada pelo incremento da robótica e da micro-electrónica, que

substitui o “trabalho vivo” de homem pelo “trabalho morto” de máquina, a

flexibilização acarreta desemprego estrutural e subproletarização expressa no trabalho

precário, parcial, temporário, subcontratado, entre outros. Grande contingente de

trabalhadores passa a ter flexibilidade de emprego e de salário, enquanto se instala a

desregulamentação das condições de trabalho e dos direitos laborais e sociais.

55 Como mostrou o clássico depoimento de Satochi Kamata, a racionalização da Toyota Motor Company, empreendida no seu processo de constituição, "não é tanto para economizar trabalho mas, mais directamente, para eliminar trabalhadores. Por exemplo, se 33% de 'movimentos desperdiçados' são eliminados em três trabalhadores, um deles torna-se desnecessário. A história da racionalização da Toyota é a história da redução de trabalhadores e esse é o segredo de como a Toyota mostra que sem aumentar trabalhadores, alcança surpreendente aumento na sua produção. Todo o tempo livre durante as horas de trabalho tem sido retirado dos trabalhadores da linha de montagem, sendo considerado desperdício. Todo o seu tempo, até ao último segundo, é dedicado à produção" (Kamata, 1982:199 citado por Antunes, 2000: 5).

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Engendrada a sociedade de consumo, o fortalecimento de valores consumistas

estimulados por estratégias publicitárias constitui uma das formas de sustentação da

produção e competição capitalistas. Ao trabalhador-consumidor são feitos apelos para

consumir, numa corrida à aquisição de bens, produtos de curta duração. Sem consumo

não há produção, sem produção não há emprego. A discussão sobre consumismo abre

debate sobre o limite entre trabalho como meio de suprir as necessidades básicas e a

aquisição de produtos e bens de serviços para além destas necessidades.

O novo capitalismo afecta também o carácter pessoal dos indivíduos,

principalmente porque não oferece condições à construção de uma narrativa linear de

vida, sustentada na experiência (Sennett, 1998).

Palavras como “risco” e “desafio” passam a fazer parte da vida da nova classe

trabalhadora. Sennett (1998) demonstra como o trabalhador fordista, apesar de ter o seu

trabalho burocratizado e rotinizado, consegue construir uma história cumulativa baseada

no uso disciplinado do tempo com expectativas a longo prazo. Já para o trabalhador

flexibilizado, as relações de trabalho, os laços de afinidade com os outros não se

processam no longo prazo, em decorrência de uma dinâmica de incertezas e de

mudanças constantes de emprego e de moradia que impossibilitam os indivíduos de

conhecer os vizinhos, fazer amigos e manter laços com a própria família.

Além da flexibilidade, uma nova organização do tempo perpassa por estes

sistemas de poder – o curto prazo. Vivemos numa sociedade impaciente concentrada no

momento imediato. O curto prazo substituiu o longo prazo como forma hegemónica de

organização do tempo. Quase não existe mais espaço para a vivência de um tempo

linear, previsível, onde a conquista é cumulativa, onde é possível adiar projectos em

prol de um objectivo maior. No seu lugar aparecem os empregos temporários e os

contratos de curto prazo. Estamos sempre a recomeçar56.

A flexibilidade do tempo requer flexibilização também do carácter identificada

por ausência de apego temporal a longo prazo, tolerância com a fragmentação e

desvinculação emocional. Por tal razão, Sennett (1998) argumenta que o trabalho

flexível leva a um processo de degradação dos trabalhadores, pois com a introdução de

novas tecnologias organizacionais o trabalho tornou-se fácil, superficial e ilegível.

56 Sennett (1998: 35) constata: “Hoje, um jovem americano com pelo menos dois anos de faculdade pode esperar mudar de emprego pelo menos onze vezes no decurso da vida de trabalho, e mudar a sua base técnica pelo menos três vezes durante esses quarenta anos de trabalho”.

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Visualizando outra forma de organização social do homem, Antunes (2000)

coloca a premência da busca de uma sociedade onde o trabalho esteja ao serviço da

satisfação das precisões humanas, resgatando a sua essência; que o trabalho se limite ao

tempo necessário para produzir valores-de-uso e não ao tempo excedente, produtor de

valores-de-troca e mais-valia; que o trabalho por isso seja autónomo e livre, de modo

que o homem não esteja alienado do processo produtivo e da apropriação do seu

produto. A consequência de um trabalho livre e autónomo é reflectida na “esfera livre e

autónoma da vida fora do trabalho”(Antunes, 2000). Influenciados pela sociedade

actual, resta-nos saber se queremos e podemos mudar de rumo.

Em síntese, o mundo do trabalho tem caminhado num trilho de profundas

transformações a grande velocidade: recentes modificações se iniciaram e já novas

pressões se fazem sentir, conjugando mudanças, modas e conceitos renovados. O ritmo

acelerado das mudanças na economia impõe plasticidade às organizações e às pessoas,

em evolução aparentemente linear e dispensa trabalhadores.

III. DESEMPREGO: GÉNESE, CONTORNOS E VIVÊNCIAS

“Aos sem trabalho o que resta?

Uma sílaba – é a dor. Tra-ba-lha-DOR!

ba-lha-DOR! lha-DOR!

DOR!”

António Leitão

INTRODUÇÃO

A análise histórica da “invenção” do desemprego permite perceber que as

fronteiras entre emprego, desemprego e inactividade não foram sempre claras, pelo

contrário: surgem como categorias socialmente constituídas que, portanto, revelam

concepções e representações das relações dos homens com o trabalho.

A categoria “desemprego” é relativamente recente; consequência da sociedade

que se foi erigindo ao longo de séculos: construção histórica da organização social cujos

momentos principais foram o fim do século XIX início do XX e anos 1930. Melhor

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compreensão da génese da categoria “desemprego” pode advir ao recuperar as

formulações da “Questão Social”57 que a precederam. Não se circunscrevendo apenas à

existência de pobreza, a “Questão Social” afirma-se quando os problemas sociais são

causados pelo próprio sistema social e põem em perigo o seu funcionamento e coesão58.

É possível diferenciar, nas sociedades ocidentais europeias, duas problematizações

distintas para a “Questão Social” que precedem a construção do desemprego enquanto

categoria descritora do social. A primeira, entre o século XIV e fins do século XVIII,

diz respeito à pobreza das sociedades pré-industriais. A segunda, no século XIX, é a do

pauperismo das grandes massas proletárias com a industrialização.

Recue-se então até ao pobre na sociedade a partir de fins da Idade Média.

III.1. GÉNESE DO CONCEITO

Após as perturbações causadas pela Peste Negra (século XIV) a miséria e a

pobreza alastram de uma forma sem precedentes. Considerada séria ameaça à ordem

social tradicional, a pobreza leva à emergência da “Questão Social” (Gautié, 1998).

Himmelfarb (1988) sugere que, até ao século XVI, a concepção de pobreza era

fortemente marcada pelo pensamento religioso. Assim, a pobreza era vista ou como

bênção que se desejava com devoção ou como desgraça que deveria ser piedosamente

suportada. Tais tipos de pobreza eram personificados pelas figuras do pobre santo e do

pobre ímpio. Aos não pobres cabia o dever sagrado da caridade.

Embora essa concepção de pobreza não tenha perdido toda a fundamentação

religiosa, ela foi paulatinamente deixando de ser pensada a partir de idealizações do

pobre, ou seja, de um carácter enobrecedor. A partir do século XVI, com a secularização

progressiva da concepção de pobreza, vai emergindo uma dificuldade: distinguir os

verdadeiros dos falsos pobres. Só os primeiros deveriam ser amparados.

57 A expressão “Questão social” surge no final do século XIX para identificar as disfunções sociais vinculadas à sociedade industrial. Pode ampliar-se o seu uso no espaço e no tempo para designar o colocar em perigo a coesão social. Assim e segundo a fórmula de Castel, “a questão social é uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco da sua fractura” (1995: 18). 58 Segundo Gautié (1998), as formulações da “Questão social” referem-se a “representações e modalidades de acção da sociedade sobre si mesma”.

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A dicotomia “bom pobre”/“mau pobre” justifica tratamentos específicos. “Bom

pobre” referia-se a inválidos, crianças e velhos – os incapazes de trabalhar. Apenas o

“bom pobre” era merecedor da caridade cristã. “Mau pobre” era o pobre válido; podia e

deveria trabalhar, mas preferia viver de ajudas; haveriam de pagar pela sua frugalidade,

conforme a “Poor Law” (Lei dos Pobres) criada a partir de 1601 em Inglaterra59. Em

França, a segunda metade do século XVII marca o início do “grande enclausuramento”,

segundo a expressão de Foucault, onde todos os marginais são relegados a hospícios de

caridade, ou levados ao trabalho forçado (Gautié, 1998 e Costa, 2002). O desemprego

era encarado como problema individual e moral passível de caridade pública ou privada

ou de punição, conforme os casos.

No fim do século XVIII e início do XIX,60 assiste-se a uma oscilação na

concepção da pobreza que já se anunciava em fins do século XVII, mas que será

precipitada por dois acontecimentos: a Revolução Francesa, no campo político, e a

Revolução Industrial, no campo económico (Gautié, 1998). No que respeita à

Revolução Francesa, enunciou uma nova formulação da “Questão social”, prometendo a

extinção da pobreza e miséria61. Ecoavam reivindicações operárias com vista à

consagração legal do direito ao trabalho62.

Não se tinha uma nítida compreensão do que era ser desempregado63.

Confundia-se o desempregado com outras figuras da categoria de não-trabalho

59 As “Poor Law” obrigavam as paróquias a dar assistência aos indigentes, ao mesmo tempo que incitavam a trabalhar os aptos. 60 Virá neste período a queda das regulações tradicionais que daria, mais tarde, na criação não só de um mercado de trabalho mas também na concepção do próprio trabalho. 61 Como afirmado nos trabalhos da Assembleia Constituinte: “onde existe uma classe de homem sem subsistência, existe uma violação dos direitos da humanidade, o equilíbrio social é rompido” (Castel 1995: 185). 62 Como revela Fourier (1841: 178): “Passámos séculos a tagarelar sobre os direitos do Homem sem nos lembrarmos de reconhecer o mais essencial de todos eles, o direito ao trabalho, sem o qual os outros nada são”. 63 No século XIX, quando o verbo “desempregar” entra em cena, numa linguagem corrente, passa a denominar uma interrupção de actividade que implica perda de salário, independentemente do motivo. A condição de empregado assalariado nada tinha de dignificante. Assim, estar na condição de assalariado era equivalente a ‘cair em desgraça’, a ser condenado a viver de ‘jornada de trabalho’ e sob o domínio da necessidade: “A condição de assalariado, que hoje ocupa a grande maioria dos activos e a que está vinculada a maior parte das protecções contra os riscos sociais, foi, durante muito tempo, uma das situações mais incertas e, também, uma das mais indignas e miseráveis. Alguém era um assalariado quando não era nada e nada tinha para trocar, excepto a força dos seus braços. Alguém caía na condição de assalariado quando a sua situação se degradava: o artesão arruinado, o agricultor que a terra não alimentava mais, o aprendiz que não conseguia chegar a mestre” (Castel, 1995: 21).

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62

(prostitutas, vagabundos, miseráveis, doentes e inválidos). O desempregado era visto

como pessoa privada de trabalho qualquer que fosse o motivo64.

No século XIX, a despeito do progresso e da riqueza decorrentes da

industrialização, a “Questão Social” não desapareceu - como esperavam os mais

optimistas –, agravando-se consideravelmente. Havia então um sentimento de se estar

perante um fenómeno social novo que ultrapassava o indivíduo. Para a nova

problemática o fenómeno é consequência directa do desenvolvimento do novo sistema

económico - o “pauperismo”. Assim, não é de estranhar que, no início da

industrialização, a expressão classes dangereuses (classes perigosas) – que

originalmente se referia, em França, aos vagabundos, criminosos e marginais – se

estenda aos trabalhadores como um todo - classes labourieuses, classes dangereuses

(Chevalier apud Schwartzman, 2004: 87).

O problema social não dizia respeito apenas aos sem trabalho; era problema

também dos que trabalhavam. À pobreza clássica, “resíduo” composto dos desafiliados

da ordem tradicional, veio suceder uma miséria maciça, rapidamente percebida como

consequência directa do novo sistema económico, onde a fábrica produzia agora dois

artigos, “algodão e pobres”.

A “Questão Social” vem merecendo atenção da Igreja Católica, presente em

documentos importantes dos Papas, a partir de fins do século XIX. Por exemplo: Leão

XIII, encíclica Rerum Novarum (1891); Pio XI, encíclica Quadragesimo Anno (1931);

Paulo VI, encíclica Populorum Progressio (1965); João Paulo II, encíclicas Laborem

Exercens e Sollicitudo Rei Socialis (1987).

Segundo Salais, em 1891, os desempregados não constituíam uma categoria

específica dentro dos sem profissão e nem mesmo no interior da “população não

classificada” (Salais, 1986). Impõe-se a necessidade de separar distintamente os pobres

permanentes (mendigos, delinquentes e outros) e os pobres de ocasião, operários que,

temporariamente, apresentavam necessidades. É desta cisão que emerge a categoria

“desempregado”. A primeira separação entre vagabundos e desempregados ocorre, em

1892, em Marselha. Por via da fundação de uma instituição, é formado um fundo de

64 Entendiam-se como desemprego situações em que o trabalhador estaria doente, em repouso, em festa ou qualquer outra forma de interrupção do trabalho.

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63

assistência e o seu funcionamento faz nascer uma terminologia que diferencia o

“preguiçoso” impostor do desempregado que procura emprego sem o encontrar65.

A noção de desemprego nasce tanto de necessidades práticas quanto do desejo

de compreensão de um novo fenómeno. Segundo Topalov (1994) a “invenção do

desemprego” foi uma autêntica batalha de palavras e representou uma reorganização

completa das representações sociais. Foi necessária grande inovação lexical para fazer

surgir a categoria “desemprego”. E esta, por si só, é forte indício da génese de uma nova

representação do desempregado (trabalhador industrial sem trabalho).

Como refere ainda Topalov, o papel dos reformadores franceses na construção

do desemprego enquanto categoria de descrição do Mundo - expressão da “Questão

Social” – foi de extrema importância. As palavras (em francês e em inglês) que se

referem ao desemprego e ao desempregado passaram por um processo convergente de

inovação lexical, embora percorrendo caminhos diferentes66. Os dicionários procederam

a uma nítida mudança quanto ao uso das palavras chômer/chômage e

unemployed/unemployment a partir de 1880, passando então a definir a falta de emprego

dos trabalhadores industriais. Novas classificações entram no quotidiano popular não só

através da língua mas, fundamentalmente, através da prática institucional. Nos dois

casos descritos, os novos sentidos implicaram também uma dupla inovação. De um

lado, a perda do carácter geral de falta ou ausência de actividade, o que significa que

nem todas as pessoas que estão fora das oficinas ou das indústrias estão desempregadas.

Por outro, com o reconhecimento do desemprego como fenómeno social, produz-se a

necessidade de inovação lexical, ou seja, chômage e unemployment designariam o

fenómeno social e chômeur e unemployed designariam a condição individual do

trabalhador (Costa, 2002).

65 “A separação funda-se na relação indivíduo/instituição, mediante a alocação de uma espécie de seguro subordinado à procura de um trabalho. O trabalho é considerado prova simples, rápida e conclusiva para distinguir o impostor que mendiga por preguiça do infeliz que procura verdadeiramente trabalho, sem poder encontrá-lo” (Salais, apud Aued, 2003). 66 No caso francês, o termo “desemprego” evoluiu de um verbo (chômer) para um substantivo (chômage). No caso inglês, o termo evoluiu de um adjectivo (unemployed) para um substantivo (unemployment). Isto ocorreu porque houve uma profunda alteração no conteúdo das palavras. As palavras chômer e unemployed tinham no início acepção muito genérica – falta ou ausência de actividade e estado de ócio. A palavra em francês é mais antiga e tem, para além desse significado anterior, também um significado religioso e festivo. Já o vocábulo inglês (unemployed) assumiu, no decorrer dos anos, uma acepção de “sem objectivação”. Longe de ser uma descoberta - fruto de tomada de consciência de uma nova realidade -, o conceito “desemprego” foi, assim, “inventado”, apresentando-se como produto de uma elaboração teórica e fruto de uma “batalha de classificações”, resultante dos sucessivos afrontamentos entre os distintos “produtores de saber” (Topalov, 1994).

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64

A objectivação do desemprego como facto social ou como problema industrial

provocou o rompimento com o diagnóstico individual e moral, a introdução de uma

nova linguagem e tipologia e, por fim, a construção de um modelo de representação

social67. O desemprego passa a ser visto como fenómeno social. A solução ao

desemprego era facultar a todos os trabalhadores a relação regular e estável de emprego

e, para aqueles a quem faltasse emprego, apoio público, mas já não nos moldes da

caridade.

A categoria “desemprego” é, pois, construída na intersecção de esforços para

compreensão do fenómeno da existência de pessoas sem lugar no mercado de trabalho –

porque não querem ou porque não encontram – e do esforço institucional por parte de

um Estado de Bem-Estar nascente, que procura estruturar o mercado de trabalho e

estabelecer protecções aos que nele se integram.

Será, então, com a implementação do assalariamento68 que surge um novo olhar

sobre o chômeur, uma vez que, estabelecido o contrato de trabalho institucionalizado, a

sua ruptura significava o fim de um elo entre trabalhador e empregador de forma

permanente, categorizando esta ruptura como período de desemprego (Demazière,

2006).

Beveridge (1909) teve um papel essencial na construção da categoria

“desemprego” ao diferenciar as suas várias causas (sazonal, conjuntural cíclica ou

estrutural) de inadequação. Em França, na mesma época, é um durkheimiano, Lazard,

quem define o desemprego como facto social irredutível aos indivíduos que o compõem

(Topalov, 1994). O desemprego será objecto de mensurações estatísticas: a princípio, no

quadro dos censos (o de 1896 é o primeiro onde aparecem os desempregados em

França); depois, a partir dos anos 1930, nos Estados Unidos, por sondagens, graças ao

desenvolvimento desta técnica69.

67 O desemprego ganha, assim, a acepção moderna que se conhece apenas a partir do momento em que o desempregado deixa de figurar entre a vasta categoria dos pobres, passando a ser definido pelo seu contrário (o emprego) e por critérios objectivos (sem emprego e procura activa do mesmo). A nova classificação baseava-se então, numa definição das causas económicas e não económicas ou das voluntárias e involuntárias. Assim, a objectivação do desemprego assenta, inicialmente, em duas condições: o carácter involuntário do desemprego e a procura de um emprego. Tais condições possibilitaram, no início, a mensuração do desemprego. 68 Sobre a constituição da sociedade salarial ver Castel (1995). 69 O trabalho estatístico dará maior existência concreta ao conceito e lhe irá conferir carácter operatório. O desemprego torna-se categoria de referência de diferentes actores, servindo-lhes para ajustar as suas interacções (Gautiè, 1998).

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65

Segundo Freyssinet (1991), salvo em períodos excepcionais da História, em

todas as sociedades há uma mobilização abaixo da capacidade total de trabalho, ou nas

suas palavras, uma subutilização do potencial de trabalho. Entretanto, tal subutilização

não é suficiente para definir a existência da categoria “desemprego”. Em primeiro lugar,

porque o desemprego, enquanto categoria social, somente pode surgir numa forma

específica de organização social: a capitalista. Aqui se distinguem duas classes, os

desprovidos de meios de produção que dependem da venda da força de trabalho e os

detentores dos meios de produção, que, por alguma razão, no momento não desejam

empregar os meios e as pessoas.

Segundo Topalov, a concepção moderna de desemprego e, principalmente, as

estratégias de reforma foram plenamente concebidas na Conferência Internacional de

191070. O desemprego acaba sendo definido pela Organização Internacional do

Trabalho71 (OIT) em 192572.

Nos anos 1930 assiste-se ao remate do desemprego como categoria operatória,

alvo prioritário da política económica. A obra de Keynes (1936) funda um novo

paradigma cujo quadro justifica a intervenção pública, ao mesmo tempo que são

definidas as suas modalidades de acção. A inovação e força do keynesianismo reporta à

reconciliação entre económico e social, que o século XIX considerava contraditórios.

Como resume Rosanvallon (1995: 159), “a partir dos anos 1930, a ideia de direito ao

trabalho ia progressivamente dissolver-se na perspectiva keynesiana das políticas

públicas de estímulo da actividade económica”.

Beveridge (1944) reintegra tal dimensão económica no programa mais global do

Estado-Providência, quadro de referência de grande parte dos países ocidentais após a II

Guerra Mundial. Os “Trinta Gloriosos”73 marcam, assim, o reino das políticas de pleno

70 Representou um espaço de legitimação da nova concepção de desemprego - ficaram estabelecidas prescrições práticas (instituições de administrações de desemprego, seguro de desemprego, etc.) fundamentais à noção de desemprego moderno, construção de métodos de aferição do desemprego e popularização dos novos termos. 71 A OIT é uma agência multilateral criada em 1919, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) e especializada em questões do trabalho. A ideia de uma legislação laboral internacional surgiu como resultado das reflexões éticas e económicas sobre o custo humano da Revolução Industrial. 72 “A situação de todo o trabalhador que, podendo e querendo ocupar um emprego submetido a contrato de trabalho, se encontra sem trabalho e na impossibilidade, em consequência do estado do mercado de trabalho, ser ocupado num tal emprego” (Comte, 1995 apud Costa, 2002: 23). 73 Expressão criada por Jean Fourastié, referindo-se aos anos de expansão económica entre 1945 e 1975.

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66

emprego, ao mesmo tempo que a idade de ouro da ciência económica pensa ter

encontrado as receitas para um crescimento estável e infinito (Gautiè, 1998).

III. 2. RAÍZES EXPLICATIVAS DO DESEMPREGO MODERNO

A noção moderna de desemprego é construída sob a égide de reformas sociais ao

longo dos anos de 1880 a 1910 e é definitivamente estabelecida a partir de 1930 pela

conjunção de três condições históricas e materiais: existência de organização social

capitalista, expansão da relação salarial e institucionalização do desemprego. Tais

condições deram origem ao chamado modelo de representação social da força de

trabalho (emprego, desemprego e inactividade).

A criação de instituições com objectivos de regulação do mercado de trabalho74 -

seja pelo estabelecimento de leis e regras para garantir e estender a relação salarial, seja

pelo apoio aos desempregados, com indemnização ou recolocação - modifica

radicalmente a imagem do trabalhador e do desempregado. O desempregado passa da

imagem negativa de pobre para a imagem positiva de trabalhador (com direitos e

benefícios), momentaneamente privado de emprego e com direito a apoio. A crise dos

anos 1930 impulsionou a intervenção directa do Estado na economia, principalmente,

no mercado de trabalho. Tal intervenção visava gerir o desemprego e alargar a relação

salarial. Os fundos públicos foram, paulatinamente, substituindo as caixas profissionais

de seguro. O mesmo ocorreu com as associações dos desempregados que em pouco

tempo substituíram obras de caridade (Costa, 2002: 25).

74 O mercado de trabalho apresenta-se como um espaço regulado por formas institucionais, sendo um espaço sempre aberto e incompleto, deixando de ser regulado exclusivamente pelo princípio da racionalidade económica. Dado que se encontra inserido numa formação capitalista, de submissão do trabalho ao capital, há o princípio do domínio da oferta sobre a procura de emprego, segundo um processo complexo, conflitual e, em grande medida, instável pelas forças sociais em presença. Ainda sobre este tema, Rodrigues (1988) aprofunda a conceptualização do mercado de trabalho, onde propõe a substituição dessa expressão pela de "sistema de emprego" que define como um "conjunto organizado das estruturas, dos agentes e dos mecanismos económicos e sociais que moldam a utilização e a circulação da mão-de-obra em interacção com os processos de reprodução desta mão-de-obra" (Rodrigues, 1988: 56-57). Desta forma, o sistema de emprego não se apresenta como simples espaço de confronto da oferta e da procura, neutro ou vazio, mas é constituído por poderes e filtros que o estruturam. Este modelo resulta da confrontação da estrutura dos stocks e dos fluxos de postos de trabalho com a estrutura de stocks e dos fluxos da população empregada, inactiva, desempregada e emigrada. Os vectores responsáveis pela evolução da oferta de emprego, contribuindo para moldar a população de um país, são: a) modos de gestão da mão-de-obra; b) estruturas de qualificação; c) modelos organizacionais; d) processos de produção; e) tipos de empresas; f) categorias produtivas; g) componentes da procura final (Marques, 2009: 24).

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67

A análise do fenómeno do desemprego é indissociável da conceptualização do

mercado de trabalho como fenómeno social complexo, multidimensional,

interdependente do conjunto da sociedade e da economia global.

Na perspectiva neoclássica de análise do mercado de trabalho, o desemprego

resultaria de uma opção racional e individual entre tempo de trabalho e tempo de lazer,

com cariz “voluntário” ou “de espera”, não pressupondo, portanto, nenhum

disfuncionamento do mercado de trabalho. Entravam na categoria “desempregado”,

maioritariamente, jovens em inserção, pessoas de idade próxima da reforma, mulheres

em semi-actividade.

No sentido inverso ao da tese liberal do desemprego voluntário, a visão

keynesiana apresenta as deficiências do mercado relativamente ao emprego e admite a

intervenção dos poderes públicos para obtenção de pleno emprego - como uma das

várias situações possíveis - que depende do crescimento económico induzido pelo

consumo e pelo investimento. O aumento do desemprego dito "involuntário" explicar-

se-ia a partir dos desajustamentos crescentes ao nível da insuficiência e inadequação da

formação e qualificação da mão-de-obra face às necessidades das empresas. Tal iria

justificar, a partir dos anos 1970, medidas destinadas a aumentar o nível de qualificação

dos jovens e dos desempregados de longa duração (DLD). São avançadas também

explicações para o aumento do desemprego baseadas nos efeitos do desenvolvimento

tecnológico (Marques, 2009).

A abordagem marxista, embora coexista com a perspectiva neoclássica, define o

mercado de trabalho de modo completamente diferente, já que a força de trabalho se

encontra no centro da sua conceptualização. Na óptica marxista não se trata de

identificar barreiras à mobilidade do trabalhador, mas de considerar que tal mobilidade

ocorre em contexto de relação de domínio do capital sobre o trabalho. A mobilidade é,

portanto, sempre forçada, na medida em que o trabalhador se encontra em situação de

constrangimento (vender a força de trabalho em troca de salário) para sobreviver. A

característica essencial desta concepção do mercado de trabalho consiste no princípio de

determinação da oferta de trabalho (do lado das empresas), sobre a procura (do lado dos

trabalhadores).

O desemprego perspectiva-se, assim, como "inevitável'' e, acima de tudo, como

necessário à reprodução do capital. Com efeito, a existência de um "exército industrial

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68

de reserva"75, segundo Marx, afigura-se necessária ao funcionamento cíclico da

economia capitalista permitindo, em cada momento de crise (fases de sobreprodução),

manter a taxa de lucro a partir da pressão exercida nos salários, dada a disponibilidade

de mão-de-obra (Marques, 2009). Segundo Lafargue (1883: 25) “Os próprios

trabalhadores, ao cooperarem na acumulação dos capitais produtivos contribuem para o

acontecimento que, mais tarde ou mais cedo, os deve privar de uma parte do seu

salário”.

O desemprego é, nos dias de hoje, entendido como um dos mais incontornáveis,

prementes e dramáticos problemas, cuja compreensão se relaciona com a existência de

uma organização social que, economicamente, se baseia no predomínio de relações

salariais; estas implicam que “o trabalhador não dispõe de outra possibilidade de

participação no trabalho social, e portanto de fonte de rendimento, excepto pela

obtenção de um emprego assalariado” (Freyssinet, 1991: 5). Assim, a história do

desemprego pertence à história do assalariamento do modo de produção capitalista.

A disjunção entre tempo de trabalho, destinado a obter um rendimento, e tempo

de trabalho privado ou doméstico, canalizado para a satisfação directa das necessidades

do agregado familiar, constitui uma das características do trabalho assalariado. Trata-se,

aí, de actividade na esfera pública e à qual é reconhecida utilidade traduzida em

rendimento. Subjacente ao fenómeno do assalariamento encontra-se o processo de

mercantilização da força de trabalho, gerando a existência de mão-de-obra requisitada

ou rejeitada pelo mercado de trabalho. Pelo trabalho assalariado, portanto, reconhecido

como útil, o indivíduo forja a sua relação de pertença à esfera pública, logrando uma

posição e identidade sociais, a partir das quais se inter-relaciona com os outros e se

estabelecem um conjunto de direitos e deveres de cidadania (Freyssinet, 1991). É, então,

no seio do movimento histórico de transformação do trabalho em emprego, objecto de

garantias, direitos e deveres, que faz sentido falar da instituição da sociedade salarial. A

novidade da actual “Questão Social” parece residir no questionamento da centralidade

da relação salarial e na sua função integradora na sociedade (Castel, 1995).

75 O principal motivo para um "exército industrial de reserva" é o baixo custo salarial. A maior acumulação requer mais trabalho, mas a isso não corresponde necessariamente maior número de empregados. O capitalismo procura extrair o máximo de trabalho do menor número possível de trabalhadores. Percebe-se então que a produção do “exército industrial de reserva” corresponde ao progresso da acumulação do capital.

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69

No entender de Freyssinet (1991), é possível identificar três grandes fontes

explicativas do desemprego. Pode ser explicado pela análise da dinâmica do mercado de

trabalho. Assim, seria o afluxo de potenciais trabalhadores ou presença injustificada de

certas categorias populacionais no mercado de trabalho que estaria na base do

desemprego. Para outra perspectiva, o desemprego explica-se pelo comportamento dos

desempregados, grosso modo, considera-se que “não falta trabalho, não há é vontade de

trabalhar”. Preguiça, má vontade, informação deficiente, inadaptação ou exigências

excessivas da população desempregada originam desemprego. Para uma terceira

perspectiva, o desemprego explica-se pelo inexorável progresso técnico.

Os efeitos do progresso técnico sobre a estrutura do emprego têm sido

amplamente discutidos. Do debate é possível distinguir as posições centradas ora sobre

os efeitos transitórios ora sobre os impactos duráveis do progresso técnico na estrutura

de emprego. Os efeitos transitórios prendem-se com a concepção do progresso técnico

enquanto factor de aceleração das mutações que influenciam a composição qualitativa

dos colectivos de trabalho, bem como a distribuição sectorial do emprego. Uma vez que

a adaptação dos trabalhadores a tais mudanças não é imediata, nem perfeita, é possível

compreender que daqui poderá resultar um desemprego transitório de adaptação. Na

perspectiva dos efeitos duráveis, o progresso técnico implica destruição de um conjunto

de empregos, não compensada pelos novos empregos que necessariamente cria76. Uma

análise atenta mostra que a relação entre mudança técnica e emprego não é automática:

“é função de processos económicos e sociais que operam em três domínios principais -

os critérios de orientação da procura e selecção das inovações; o nível e os modos de

satisfação das necessidades; as condições de utilização da força de trabalho”

(Freyssinet, 1991: 64).

O volume de desemprego tem sofrido grande aumento desde o fim da década de

1990. Freyssinet (1991) reconhece algumas transformações essenciais no mercado de

trabalho com capacidade explicativa para o aumento de desemprego. A destruição das

formas de produção pré-capitalista implica que determinados grupos sociais busquem

rendimentos alternativos, nomeadamente pela procura de trabalho assalariado. 76 A este respeito, Freyssinet verifica que o discurso dominante sobre os impactos da evolução tecnológica sobre o emprego tende a modificar-se por relação à conjuntura económica em que é produzido, destacando a função ideológica cumprida por tais narrativas. Assim, em períodos de forte crescimento económico tende a predominar um discurso enaltecendo os efeitos positivos das mudanças tecnológicas. Em momentos de crise ou recessão económica, vigora uma narrativa tendente a acentuar a inevitabilidade dos custos sociais, nomeadamente o desemprego, em prol do natural curso da modernização e competitividade (Freyssinet, 2004: 61-62).

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70

Simultaneamente, os períodos de redução do salário real, proveniente do trabalho do

“chefe” de família, evidenciam a insuficiência de um único salário para satisfazer as

necessidades uma família operária, obrigando mulheres e crianças a ingressar no

mercado de trabalho. Concomitantemente, o ritmo e as modalidades de acumulação de

capital, pautados por crises cíclicas que provocam a diminuição do nível de actividade e

pela introdução de técnicas mais mecanizadas que reduzem as necessidades de mão-de-

obra, podem, em certas fases, conduzir à destruição de postos de trabalho. É pela

combinação de tais movimentos que Freyssinet (1991) explica a constituição de uma

espiral crescente de desemprego permanente, mas de amplitude variável que, num

mercado de trabalho fortemente concorrencial, exerce pressão sobre o nível salarial e

sobre as condições de trabalho.

A composição do volume de desemprego é bastante diferenciada e, sob o prisma

da reinserção profissional, poderá traduzir a existência de desemprego a duas

velocidades: desemprego de transição e desemprego de exclusão (Clavel, 2004: 71). O

“desemprego de transição” caracteriza-se por passagem rápida pela situação de

desemprego. Trata-se de situação em que o tempo curto de afastamento do mercado de

trabalho não compromete possibilidades de reinserção. Tal situação, ao prolongar-se

indefinidamente, corporiza a precariedade crónica do “desemprego de exclusão”77.

III. 3. CONTORNOS E FRONTEIRAS DO CONCEITO “DESEMPREGO”

A identificação e o reconhecimento do desemprego enquanto categoria social,

estatisticamente mensurável, constituem elementos de um processo que assenta na

consciência da impossibilidade de regresso às modalidades de organização social e

económica pré-capitalistas78. Por muito tempo, os desempregados são privados de

quaisquer direitos e formas de rendimento, vítimas de um opróbrio social que os marca

de parasitas e incapazes. O processo de constituição da legitimidade do desemprego

enquanto problema social é igualmente reforçado pela emergência de instituições

77 O desemprego de exclusão assinala “uma ruptura progressiva, até mesmo definitiva, com o mundo do trabalho e com os modos de socialização que este último estrutura: a instalação na precariedade induz um duplo movimento de desconstrução e de reconstrução sociais e subjectivas de uma identidade estruturada por uma lógica de sobrevivência material e psicológica” (Clavel, 2004: 72). 78 “É a emergência do assalariado como forma única e irreversível de utilização da força de trabalho que determina o aparecimento do desemprego como posição socialmente reconhecível” (Freyssinet, 1991: 7).

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71

especializadas nas questões do desemprego e dos desempregados, bem como de

prestações sociais destinadas a garantir rendimento durante o desemprego (subsídio de

desemprego).

Um dos problemas da identificação do desemprego resulta do facto de este

implicar a combinação de um critério de situação – não ocupar emprego – com um

critério de comportamento – procurar emprego. De acordo com a OIT, o desemprego

poderá abranger todas as pessoas que, a partir de idade determinada e ao longo de um

período de referência estejam: sem trabalho (isto é, não tenham emprego assalariado ou

não assalariado); disponíveis para o trabalho (emprego assalariado ou não assalariado,

durante o período de referência) e à procura de trabalho (diligências, num período

recente definido, para encontrar emprego assalariado ou não assalariado)79. Tais

condições são muito abrangentes mas não resolvem totalmente o carácter

potencialmente ambíguo do fenómeno; se a primeira clarifica que nos reportamos a

trabalho realizado com ou sem remuneração, a segunda não contempla

constrangimentos decorrentes de doença ou frequência de cursos de formação e a

terceira não define modalidades de procura de emprego admissíveis (Freyssinet, 1991).

Ledrut (1966) distingue três tipos de desemprego: de crise, estrutural e

tecnológico80

III.3.1. O caso português: desemprego formal e desemprego social

O Instituto Nacional de Estatística (INE) segue a definição anterior de forma

mais restrita, ao implicar: desemprego involuntário, procura de emprego no período

especificado ou nas três semanas anteriores e inscrição para emprego no CE. Por seu

turno, o IEFP trabalha com o conceito de desemprego registado, isto é, o “conjunto de

indivíduos com idade mínima especificada, inscritos nos Centros de Emprego, que não

têm emprego81, que procuram um emprego82 e que estão disponíveis para trabalhar83”.

79 Conceito de desemprego segundo a “Resolução sobre Estatísticas da População Activa, do Emprego, do Desemprego e do Subemprego” da 13ª Conferência Internacional dos Estaticistas do Trabalho, OIT, 1982. 80 Desemprego de crise corresponde à recessão da actividade económica devido às flutuações dos movimentos de capitais, que provoca a supressão de empregos; desemprego estrutural respeita a fase de expansão na qual se produzem certos movimentos de empresas (fusão, concentração) que põem em causa o equilíbrio compensador entre criação e desaparecimento dos empregos; desemprego tecnológico abrange movimentos de emprego devido à mudança técnica (Ledrut, 1966). 81 Baseando-se na declaração do candidato de não ter trabalho, no momento da inscrição e em todos os contactos subsequentes enquanto inscrito como desempregado nos CE (CSE, 1996: 14).

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72

Para além das diferenças conceptuais de desemprego, os dados produzidos pelo INE e

pelo IEFP diferem também pelas distintas estratégias metodológicas.

Existem outras definições sobre diferentes tipos de desemprego (desempregado à

procura do primeiro emprego, desempregado à procura de novo emprego e

desempregado de longa duração84, desempregado com declaração para subsídio de

desemprego, por exemplo).

A protecção no desemprego85 visa substituir o rendimento de trabalho em

situações decorrentes da inexistência total e involuntária de emprego de pessoas com

capacidade e disponibilidade para o trabalho. É caracterizada pela atribuição de

subsídios com vista a minorar as consequências do desemprego86. A legislação em vigor

tem vindo a mudar, num contexto de aumento do desemprego e endividamento do

Estado, com duplo objectivo: reduzir a despesa pública (ao diminuir o valor das

prestações sociais e o tempo para usufruir da prestação social) e abranger outra

população desempregada.

A presente investigação não se limita a considerar os conceitos formais de

desemprego e desempregado mas, numa perspectiva sociológica, inclui os que, embora

desempregados, desistiram de procurar emprego e os não inscritos no CE mas que, não

tendo emprego, se consideram a si próprios desempregados. Nesta perspectiva fazer um

“biscate” remunerado é compatível com a condição de desempregado. Não são

excluídos os indivíduos que se encontrem em posições intermediárias entre as

categorias emprego, desemprego e inactividade. Note-se que tal perspectiva de emprego

se afasta da OIT; consideramos desempregado quem faça trabalho não remunerado.

Como é sabido, as informações sobre mercado do trabalho são resumidas num

único indicador - taxa de desemprego. Prevalecendo tal concepção continuar-se-á com

as controvérsias e as desconfianças em torno da aferição do desemprego. As situações

82 O acto de inscrição no CE implica a obrigatoriedade de resposta ou comparência às convocatórias do CE. Em 2006, a alteração das regras de atribuição do Subsídio de Desemprego explicitou, de uma forma mais compulsiva, os actos de comprovação da procura de emprego. 83 Depende da verificação de condições para começar a trabalhar imediatamente ou, pelo menos, nos próximos 30 dias (CSE, 1996: 14). 84 Entende-se por desempregado de longa duração qualquer “trabalhador sem emprego, disponível para o trabalho e à procura de emprego há 12 meses ou mais. Nos casos dos desempregados inscritos nos Centros de Emprego, a contagem do período de tempo de procura de emprego (12 meses ou mais) é feita a partir da data de inscrição nos Centros de Emprego”. Vide INE (www.ine.pt). 85 Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro. 86 Subsídio de Desemprego (SD), Subsídio Social de Desemprego (SSD) e Subsídio de Desemprego Parcial (SDP).

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intermediárias entre emprego e desemprego abundam e põem em “cheque” a taxa de

desemprego convencional: uma baixa taxa de desemprego poderá coincidir com

significativa população em “trabalho informal” ou em “biscates” no sector informal da

economia.

III.3.2. Problema da mensuração do desemprego

No prisma quantitativo, e decorrente das principais condições definidoras de

desemprego apresentadas, é comum proceder à decomposição da população total em

três categorias: activos ocupados, inactivos e desempregados. Tal modelo de

representação da força de trabalho, no entender de Freyssinet (1991), engendra

múltiplas dificuldades uma vez que conduz a uma noção residual do desemprego, não

abarca os intercâmbios entre as três categorias o que, a par do aumento do desemprego,

constitui uma das características da crise contemporânea. Por último, subestima o

número de desempregados.

Segundo Guimarães (1991) a dificuldade de mensuração do desemprego prende-

se ao facto de que parte importante dos desempregados se encontra hoje em posições

intermediárias entre as três categorias (emprego, desemprego e inactividade). Tal

modelo, embora seja por várias vezes reconhecido como limitado, continua a ser, o

método mais amplamente aceite entre todos os países do mundo que realizam pesquisas

sobre emprego e desemprego (Costa, 2002).

As categorias emprego e desemprego são e sempre foram heterogéneas, mas nas

últimas décadas a heterogeneidade ampliou-se de tal forma que situações anteriormente

consideradas marginais se tornaram preocupantes. Malinvaud (1989) expõe de forma

lúcida as causas e efeitos das transformações ocorridas nas últimas décadas nos

mercados de trabalho, tanto nos países desenvolvidos, que vêm sofrendo recentemente

com a precarização e surgimento de situações atípicas de trabalho, como nos países em

desenvolvimento, que desde há bastante tempo têm apresentado grandes dificuldades

em aplicar as recomendações da OIT no que se refere ao cálculo do desemprego.

Aumento do desemprego, aparecimento e ampliação de situações intermediárias

às situações do modelo tradicional suscitaram grande interesse pelas estatísticas e pelos

métodos utilizados para a medição de variáveis do mercado de trabalho em geral e em

específico do desemprego.

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Os métodos utilizados revelam-se inadequados para debater uma realidade que

se apresenta cada vez mais complexa. O emprego informal, a compatibilidade e rotação

entre ocupação e programas de formação, as antecipações à reforma, o trabalho a tempo

parcial, a suspensão temporária dos contractos de trabalho são entre muitos outros

fenómenos que, num contexto de crise, adquirem maior dimensão e conotação, abalando

a medição das categorias tradicionais (empregado, desempregados e inactivos) e

favorecendo um estado de desconfiança e descrédito quanto á validade e a pertinência

das estatísticas de desemprego, bem como, sobre a neutralidade dos métodos

estatísticos.

A capacidade de aferição das estatísticas de emprego e desemprego tem sido

palco de discussões um pouco por todo o mundo. Segundo Cattani (1996), de acordo

com a OCDE, se fossem adoptados novos critérios para classificação de trabalho, as

taxas de desemprego em média subiriam cerca de 40%. Também Pochmann (1999)

afirma que, possivelmente, os números do desemprego mundial são maiores que o

registado pelas taxas de desemprego convencionais e que os dados oficiais tendem a

subestimar o desemprego.

Maruani (2002) usou a expressão “fronteiras do desemprego” para se referir aos

que ficam de fora das estatísticas: assalariados precários e trabalhadores pobres,

mulheres, jovens e trabalhadores (cuja idade os põe no limite entre actividade e

reforma). Daí que a discussão sobre o desemprego deva estar ligada ao modo de

funcionamento do mercado de trabalho, o que não acontece quando se tomam as

estatísticas como um indicador em si mesmas.

Desta reflexão, se conclui pela presença de um hiato entre modelo e realidade:

gravitam em torno do desemprego convencional pessoas permanentemente sub

empregadas e, sobretudo, uma população flutuante que passa, às vezes rapidamente, de

uma categoria a outra. As estatísticas portanto, sob as amarras do modelo tradicional,

dissipam os fluxos e negligenciam outras formas de desemprego, hoje bastante

expressivas.

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III.4. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O DESEMPREGO

É no contexto da crise dos anos 1930, com o aumento do desemprego, que se

realizam as primeiras pesquisas sociológicas87 e psicossociológicas para interpretar a

repercussão do desemprego. Neste período, aumentaram as taxas de desemprego e

muitas fábricas faliram. Surgiram as primeiras manifestações do desemprego no sentido

moderno: para muitos, as fábricas asseguravam trabalho assalariado de actividade

exclusiva como único sustento. Perdido o estatuto de trabalhador, assistia-se à

degradação das condições de vida. Os primeiros desempregados confrontaram-se com

desemprego instituído, em oposição a emprego assalariado; desemprego frágil e sem

qualquer protecção. Por tais razões os desempregados começaram a protestar contra as

condições miseráveis de vida – contra fome e miséria.

Uma das primeiras pesquisas sociológicas sobre o desemprego decorreu em

Greenwich nos anos 1930 por Bakke (1933 e 1940). Pela mesma época estuda-se

Marienthal. Em Les Chômeurs de Marienthal”88, talvez o estudo mais notável de então,

publicado décadas mais tarde, Lazarsfeld, Johada e Zeizel (1981) descrevem uma

comunidade marcada por desemprego maciço de operários, fracamente indemnizados,

devido a encerramento da fábrica local. Os autores assinalam as consequências

negativas do desemprego: degradação do nível de vida e das relações familiares,

enfraquecimento das actividades sociais, políticas e de lazer e desestruturação do tempo

quotidiano. O desemprego é vivido por todos como perda de estatuto e reconhecimento

social. Foram identificados quatro tipos de famílias com comportamentos distintos:

“estáveis”, “resignadas”, “desesperadas” e “apáticas” a partir de elementos diversos

como: projecção do futuro, procura de emprego e comportamentos quotidianos. Os

resultados mostram que o desemprego não afecta apenas condutas individuais. O

desemprego modifica as formas da vida social, nomeadamente a estruturação do tempo;

leva ao relaxamento das relações inter-subjectivas e à degradação da coesão social.

Nos anos 1960, surge a análise da experiência do desemprego tendo em conta o

carácter normativo nos aspectos de caracterização institucional. São consideradas

relevantes as formas de acesso ao emprego, a forma como é realizada a sua procura e as

87 Contudo, tais pesquisas, naquele momento, dão pouca importância à diversidade de reacções ao desemprego. 88 P.F. Lazarsfeld, M. Jahoda e H. Zeisel (1981), Les Chômeurs de Marienthal, Paris, Ed. de Minuit.

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actividades relacionadas com o mercado de trabalho. A protecção social começava a

solidificar-se e a situação económica era, então, favorável. Com sintomas de

prosperidade e desemprego diminuto, este apresentou uma face menos dramática.

Contudo, nunca desapareceu o dramatismo associado ao desemprego, como mostra

Raymond Ledrut (1966) que, no primeiro grande estudo francês sobre o tema, propõe

tipos de desemprego: "crónico, inferiorizado e desemprego de longa duração"89. O

desemprego é definido como "perda de estatuto", "decadência social", estigma. A

humilhação é encarada como “incómodo” social e como “vergonha” social. O

desemprego não se reduz à privação de emprego ou a uma simples “inferioridade

económica”. Sociologicamente é, também, “inferioridade social”, ligada à

desvalorização da posição de desempregado e à “impotência social” experienciada, em

confronto com sentimento de humilhação, rejeição, isolamento e constrangimento à

paralisia colectiva. Tal acumulação define a “fraqueza social” dos desempregados com

tendência a um círculo vicioso.

As biografias de investigação resultam da necessidade de compreender a forma

como os desempregados definem a sua situação, explorando-se diferentes abordagens

do que é viver o desemprego. Tal orientação de pesquisa teve início nos anos 1970,

quando os índices de desemprego começavam a subir vertiginosamente. Tal realidade

não podia ser ignorada nem apenas entendida como fase de transição. O prolongamento

do tempo de desemprego e as questões sobre a sua resolução inspiraram uma nova

abordagem numa perspectiva compreensiva da sociologia com influência em estudos

posteriores, como é o caso de D. Schnapper (1994).

A condição de desempregado é claramente diferenciável de outros estatutos

sociais, permitindo formular a hipótese de pluralidade de situações vividas. Numa

sociedade em que a actividade profissional desempenha papel integrador das pessoas,

conferindo dignidade, o desemprego constitui uma provação (Schnapper, 1994). D.

Schnapper debruça-se sobre a maneira como os desempregados vivem o desemprego,

89 A tipologia de Ledrut parte de critérios institucionais: três grupos cujas combinações resultam em seis tipos de desempregados dos pouco aos muito inferiorizados. Veja-se pois: desempregado pouco ou nada inferiorizado com tempo curto de desemprego (inferior a um mês) designado de “desempregado de transição”; desempregado pouco ou nada inferiorizado com tempo médio de desemprego (entre um e seis meses) designado de “desempregado de reserva”; desempregado pouco ou nada inferiorizado com tempo longo de desemprego (superior a seis meses) designado “desempregado de depressão”; desempregado mediamente inferiorizado com tempo médio de desemprego designado de “desempregado intermitente”; desempregado medianamente inferiorizado com tempo longo de desemprego, “desempregado vulnerável”; desempregado fortemente inferiorizado com tempo longo de desemprego designado de “desempregado crónico” (Ledrut, 1966).

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tentando distinguir e explicar a pluralidade das reacções dos desempregados, propondo

tipologias de enquadramento. Estas tipologias90 centram-se, principalmente, sobre os

efeitos desestabilizantes do desemprego, ao nível individual, familiar e social. Os

sujeitos afectos a esta “doença social” vivem uma desorganização dos seus hábitos,

sofrendo por vezes de instabilidade identitária, onde são confrontados com inquietude

diária e futuro incerto. A autora considera três tipos de experiências vividas que são,

simultaneamente, três formas de enfrentar o desemprego: “desemprego total”;

“desemprego invertido”; “desemprego diferenciado”. Três dimensões permitem

distinguir as três formas de viver o desemprego. A primeira: capacidade de adopção de

actividades de substituição do trabalho e investimento em estatuto alternativo - a

vivência positiva do desemprego é tanto maior quanto mais o indivíduo se envolva em

actividades que o realizem. A segunda: intensidade e forma das sociabilidades – a

integração do desempregado em redes sociais independentes do trabalho, diminui as

consequências negativas do desemprego. A integração familiar é a terceira dimensão –

quanto melhor for o apoio e integração familiar menos o desempregado se ressente da

crise de estatuto social; a contrario, as dificuldades familiares tendem a agravá-la. Aos

três elementos diferenciadores juntam-se dois vectores principais de análise. Por um

lado, o lugar do trabalho na vida dos indivíduos que aparece determinante na

experiência do desemprego. Especialmente para os que vivem o desemprego como

"total" o trabalho define estatuto e identidade sociais e orienta modelos de

comportamento. O “desemprego total” representa a maior parte dos desempregados que

sentem humilhação, aborrecimento, perda de confiança em si, dessocialização; é vivido

como perda do estatuto social procurado pelo trabalho precedente, o fechamento em si

mesmo e a ruptura de solidariedades anteriores. Esta vivência é descrita como

“infelicidade”, “desvalorização”, “choque, iniquidade, depressão nervosa”. “No fundo, é

como se a gente não vivesse” (Schnapper, 1994: 100); um mundo marcado pela

marginalização social e por falta de socialização; aqui, o íntimo é pautado por vazio e

receio do futuro.

Por outro lado, tipos diferentes de desemprego são experiência privilegiada de

grupos sociais diversos: “desemprego total” vivido pelos "trabalhadores manuais",

embora possa incluir “empregados” e “quadros” de origem modesta. Diversamente,

90 O conceito de desempregado é substituído pelo de desemprego, pois para os sociólogos a tipologia não classifica as pessoas, formaliza relações subjectivas e sociais no desemprego.

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outros grupos sociais por via da substituição de estatutos invertem, mesmo que

provisoriamente a experiência de desemprego e estabelecem relações fora do mundo de

trabalho: jovens de origem social média ou superior, sem graves problemas financeiros

preferem definir-se como estudantes ou artistas, em vez de desempregados. Trabalho

independente e ocupações com viagens, desporto, fotografia, leitura, criação artística

são actividades alternativas que valorizam o período de desemprego. Tal é o

"desemprego invertido" e consiste numa valorização do período de desemprego.

Caracteriza-se por um sistema de valores em que o trabalho tem lugar secundário

relativamente às ocupações que proporcionam realização individual. Os sujeitos

investem o tempo do desemprego em actividades de interesse pessoal, recuperando

paixões abandonadas. Os desempregados descrevem esta vivência como, “eu não tenho

vergonha, no sentido de inutilidade social”; “eu tenho necessidade de criar”; “para mim

o desemprego são férias”; “é uma coisa que eu considero ser positiva” (Schnapper,

1994: 163-183). Diferentemente, os quadros vivem o desemprego investindo tempo em

tentativas de regresso ao mercado de trabalho – procura-se de forma sistemática um

emprego, investem em formação, sentem-se activos e vivem o desemprego como uma

pausa relativa, evitando interiorizar a condição de desempregado e os riscos de

desprofissionalização e dessocialização. Trata-se do “desemprego diferenciado”,

caracterizado pela procura intensiva e diária de emprego: “procuro aproveitar o tempo

morto para adquirir outros conhecimentos” (Schnapper, 1994: 194-232).

Para Schnapper na diversidade de vivencias existem afinidades relativas entre

certas experiências de desemprego e certas categorias sociais. As variáveis ditas de

caracterização (sexo, idade, estado civil e níveis de escolaridade) têm alguma influência

na forma como esta realidade é apreendida e vivida; contudo, não é determinante,

agindo em relação com as três dimensões constitutivas da experiência do desemprego:

forma como o indivíduo vive as suas vocações; sociabilidade no desemprego;

integração familiar. Os recursos simbólicos, relacionais, culturais e financeiros são

fundamentais e decisivos na forma como se vive a experiência de privação de emprego.

Em França, os trabalhos ulteriores centram-se em categorias particulares de

desempregados (também considerados nas políticas públicas), nomeadamente jovens e

desempregados de longa duração.

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Jacques Le Mouêl (1981) apresenta dois modos diferentes de viver o

desemprego. O "desemprego doença"91 caracteriza jovens para quem o trabalho

assalariado é necessidade fundamental; a procura de emprego estável é objectivo

primordial. O desemprego apresenta-se como experiência traumatizante e pautada pela

procura de emprego; preocupação, humilhação, aborrecimento, solidão e vazio pontuam

o dia-a-dia destes jovens desempregados. O "desemprego banalizado"92, refere-se a

jovens que se despediram do último emprego para poderem realizar projectos

alternativos ao trabalho assalariado, utilizando estrategicamente um conjunto de apoios

institucionais que procuram rentabilizar (CE, organismos de formação, ajuda social,

trabalho temporário, etc.).

Em Inglaterra o primeiro programa de pesquisa sobre as consequências sociais

do desemprego ocorre a meio dos anos 1980, sobre a relação trabalho, emprego e vida

dos alojamentos93.

Mais recentemente, a pesquisa de Gallie e Paugam (2000) sobre a regulação

social do desemprego estabelece comparações na Europa tendo em conta os regimes de

protecção social e ultrapassa a perspectiva das monografias locais.

Do Brasil vem o contributo de Marineide Silva (2009) com a análise qualitativa

da complexidade do desemprego que adjectiva de “mosaico”. Procura entender as

diferentes dimensões objectivas e subjectivas do desemprego, tendo em conta a

compreensão subjectiva de quem vive essa condição. A permanência no desemprego de

muitos desempregados entrevistados revela a quebra do ciclo emprego-desemprego-

emprego. A vivência do desemprego não é homogénea e o sofrimento não é igual para

todos; depende de factores como a valorização dada ao trabalho, a trajectória familiar

(sobretudo do pai), os projectos de futuro e os investimentos familiares no processo de

escolarização e profissionalização. Silva (2009) construiu quatro categorias de

identidade do desempregado, tendo em conta a ideia de estratégias identitárias

(conforme Dubar): “sobrevivente”, “esperançoso”, “apreensivo” e “optimista” e conclui

que o “apreensivo” é o que mais sofre com o desemprego. M. Conceição Quinteiro (s.

91 Na tipologia de Schnapper corresponde ao "desemprego total". 92 Na tipologia de Schnapper corresponde ao "desemprego invertido”. 93 Intitulado “The social change and economic life initiative”. Os resultados foram publicados em GALLIE, D., MARSH, C. e VOGLER, C., eds. (1994), Social Change and the Experience of Unemployment, Oxford, Oxford University press.

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d.) pesquisa o impacto do desemprego de longa duração na vida familiar e pessoal e

assinala diferenças de género, em desempregados de São Paulo e Lisboa

Refém da Economia, o desemprego não mereceu, por muito tempo, atenção aos

sociólogos portugueses mas nas últimas décadas têm surgido alguns contributos avulsos

no contexto nacional com diferentes perspectivas. Ana Duarte (1996) abordou, em

interessante dissertação de mestrado, o tema do desemprego e reconstituições

identitárias num grupo de mineiros do Norte de Portugal. A autora assinala não existir

localmente um tipo único de desemprego, assim como não existe um tipo único de

agentes desempregados. A diferenciação do desemprego é, desde logo, visível nos seus

protagonistas, pois em função do sexo, da idade e da classe social da família, por

exemplo, o fenómeno assume perfis particulares.

A propósito da vivência quotidiana dos desempregados, Pereira (1999) refere

que a diferenciação expressa-se em função de três domínios estruturais. Um primeiro

respeita à relação com o “campo económico”; um segundo, à mobilização através das

suas redes relacionais e das famílias; um terceiro reflecte no modo como se perspectiva

o futuro. Para este autor, o perfil dos protagonistas do desemprego e sua conjugação

com os domínios estruturais identificados origina tipos específicos de desemprego

organizados em torno de três grandes configurações - um “desemprego incerto e

indefinido”, um “desemprego estratégico” e um “desemprego muito prolongado com

transição para a situação de reforma”.

Serôdio et al. (1999) abordaram brevemente o desemprego de longa duração na

Azambuja considerando a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Tristany

(1999)94 avaliou a colocação de jovens desempregados de média e longa duração e

conclui pela importância do CE e das habilitações escolares na colocação. As

experiências de desemprego em Portugal (Belmonte e Cascais) e em França mereceram

atenção de Loison (2006), concluindo que os desempregados em Portugal se sentem

menos estigmatizados do que em França e estão mais integrados socialmente. Para

Loison, a sociedade portuguesa atribui um estatuto débil ao emprego, a economia

informal está omnipresente e a relação com as instituições não é estigmatizadora, em

geral. Em outra perspectiva, Pedro Araújo (2008) estudou o desemprego de meia-idade,

concluindo pela forte dependência dos desempregados em relação ao Estado após uma

vida de trabalho na mesma empresa (Leiria) e a impossibilidade de conseguir novo 94 Em tese de mestrado em Economia e Política Social.

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emprego. Também o desemprego de longa duração foi alvo de investigação de Ana P.

Marques (2009) no Norte de Portugal tendo concluído pelo risco de exclusão social e

degradação da saúde mental. Jorge Caleiras (2011) analisou trajectórias e formas de

enfrentar o desemprego por parte dos desempregados em Coimbra e mostrou que o

desemprego provoca empobrecimento de parte daqueles que o sofrem.

O impacto do desemprego na saúde mental, especificamente na depressão (grupo

de desempregados de uma fábrica em Leiria, sobretudo mulheres), interessou a Gomes

(2003); concluiu que “disponibilidade económica”, “claridade ambiental” e

“oportunidade para controlo” são dimensões da vida afectadas pelo desemprego,

sugerindo a importância de medidas políticas e mais investigações sobre o tema.

O desemprego é problema psicossocial que tem merecido atenção da psicologia

social, nomeadamente quanto às consequências psicológicas e familiares. É

acompanhado de várias diferenças individuais e sociais (Estramiana,1992: 93), o que

levou muitos autores a focar a impossibilidade de generalização dos seus efeitos

(Feather e O’Brien, 1986; Liem e Rayman, 1982, por exemplo). Mesmo que muitos

trabalhadores se sintam afectados negativamente pelo desemprego, outros podem não

manifestar qualquer mudança e alguns experimentam até melhoria do seu bem-estar.

Os estudos realizados durante a recessão económica dos anos de 1930

apresentam evidência empírica de que os homens desempregados com idades entre

trinta e quarenta anos são mais afectados do que os restantes grupos etários (por

exemplo, Hall, 1934; Eisenberg e Lazarsfeld, 1938). Também Daniel (1974) chegou à

conclusão de que os desempregados de idades médias (35 a 45 anos) manifestavam

maior preocupação pela perda do emprego. Por outro lado, os mais velhos (idades acima

dos 55 anos e mais perto da reforma) parecem conformar-se com a ideia de desemprego.

Saúde mental e bem-estar em homens desempregados foram estudados por

Hepworth (1980) em função da idade, tendo-se concluído pior saúde mental e bem-estar

subjectivo para homens entre 35 e 45 anos. Warr (1978) detectou que os indivíduos

entre 45 e os 55 anos apresentavam pior satisfação consigo próprios, menor interesse

pelas coisas, inquietude, aborrecimento, depressão, infelicidade, solidão, maior

ansiedade e menor satisfação com a vida presente do que outros grupos de idade.

Jackson e Warr (1984) apresentam pior saúde mental para os grupos de 30-39 anos e

40-49 anos e em 1985, concluem maior deterioração psicológica e física dos indivíduos

entre 20 e 54 anos desempregados há 9 meses.

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Para trabalhadores altamente qualificados e desempregados (Kaufman, 1982)

surgem resultados idênticos com o grupo 30-40 anos a sofrer maior impacto negativo do

desemprego (depressão, irritação, anomia e baixa satisfação com a vida). Outro aspecto

importante neste estudo é a relação entre os anos de prática de trabalho e o tipo de

reacção ao desemprego. O stress pela perda de emprego aumenta com o aumento de

tempo de experiência de trabalho, sobretudo para quem trabalhou entre 6 e 14 anos.

Existe também uma alta correlação entre a idade e a experiência profissional, podendo

considerar-se que os indivíduos entre 30 e 40 anos já criaram fortes laços de

identificação com o emprego.

Estramiana (1992: 98) observou, em Espanha, efeitos diferenciais do

desemprego no bem-estar psicológico dependendo da idade da pessoa desempregada.

Foi no grupo de idades intermédias que se detectou deterioração.

Os estudos sobre o desemprego nos seus efeitos psicológicos têm sido

concentrados nos homens. Todavia, algumas investigações sugerem que trabalho

remunerado e sua perda não têm os mesmos efeitos no homem e na mulher (Einsenberg

e Lazarsfeld, 1938; Fraser, 1980; Milham et al., 1978; Pahl, 1978) devido a definições

tradicionais do papel sexual e diferente socialização.

Ambos os argumentos são frágeis, tendo em conta a mudança social das últimas

décadas com o afluxo das mulheres ao mercado de trabalho, o que, certamente, terá

implicações nos sistemas de valores sociais. É legítimo supor que também as mulheres

são afectadas pelo desemprego no seu bem-estar físico e psicológico (Estramiana,

1992). Watkins (1982), Bersoff e Crosby (1984), Repetti e Crosby (1984), Cochrane e

Stopes-Roe (1981) assinalam para a mulher o benefício psicológico da obtenção de um

posto de trabalho. Bebbington e outros (1981) referem menores níveis de quebra

psicológica para ambos os sexos quando há emprego. Estramiana (1929), numa ampla

revisão, conclui, tal como Warr (1987), que mulheres à procura de emprego e inscritas

em Centro de Emprego sofrem o impacto negativo do desemprego sobre o estado

psicológico idêntico ao dos homens. O estudo de Estramiana (1992), em Espanha,

conclui por uma associação significativa entre desemprego e deterioração do bem-estar

psicológico tanto para homens como para mulheres.

Quanto ao envolvimento no trabalho, na revisão da literatura elaborada por

Brown et al. (1983) não foi encontrada qualquer diminuição na motivação dos homens

para trabalhar. Warr e Lovate (1977) estudaram 1655 desempregados da indústria

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siderúrgica e concluíram a existência de forte relação entre envolvimento no trabalho e

procura de emprego. As pessoas mais envolvidas no trabalho eram mais activas na

procura de emprego, realizavam mais procuras directas junto de empresários e seis

meses após encerramento da fábrica obtinham trabalho com muito maior frequência. As

conclusões de Warr e Jackson (1985) vão no mesmo sentido. Por outro lado, Tazelaar

(1988) defende que a atitude na procura de emprego não está relacionada apenas com a

ética no trabalho mas também com variáveis como a percepção das oportunidades de

encontrar emprego.

Existem abundantes estudos sobre o efeito moderador do envolvimento do

trabalho na saúde mental dos desempregados. Warr (1978) e Ulla et al. (1985) mostram

que os desempregados com alta motivação para o trabalho manifestavam mais sintomas

de depressão, infelicidade, solidão, irritação, aborrecimento, menor actividade. Outros

investigadores concluem por uma relação estatisticamente significativa entre motivação

para o emprego e depressão (Blanch, 1988; Feather e Barber, 1983; Feather e Bond,

1983; Feather e Davenport, 1981) ou que a perda de saúde mental é maior para aqueles

cujo envolvimento no emprego é também maior (Warr e Jackson, 1985). Diversamente,

Estramiana (1992:109) mostra uma correlação significativa entre envolvimento no

emprego e auto-estima positiva.

O apoio social vem sendo assinalado por vários autores quer como factor de

amortecimento do impacto de eventos vitais que afectam negativamente a saúde, quer

como factor etiológico determinante do estado de saúde física e psíquica; os resultados

dos estudos não são todavia coincidentes (Estramiana, 1992), embora haja alguma

evidência empírica de que a percepção de apoio social é uma variável importante para

reduzir a ansiedade, a depressão, a irritação e os sintomas somáticos produzidos por

situações de stress no trabalho ou na sua ausência.

Gore (1973) aponta a influência do apoio social na redução dos efeitos derivados

da perda do posto de trabalho95. Os indivíduos pertencentes a um contexto social rural

declaravam sentir-se mais apoiados do que os indivíduos de um contexto urbano. Além

disso, os desempregados por maior período de tempo e que não sentiam apoio

apresentavam maiores níveis depressivos. Ullah et al. (1985), com ampla amostra de

95 Trata-se de um vasto trabalho de investigação durante um período de dois anos com cem trabalhadores desempregados. O autor encontrou também diferenças significativas no apoio social tanto no grupo de desempregados como no grupo de controlo em função do contexto.

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jovens desempregados, mostraram que os indivíduos a receber ajuda económica de

alguém manifestavam menor perda de saúde psicológica. Os indivíduos sem apoio

social mostravam pior bem-estar psicológico e maior tendência para depressão. O apoio

da família como dos amigos torna-se especialmente importante porque são entidades

representativas de fortes vínculos emocionais (Estramiana, 1992). Tais laços

influenciam a redução de sintomas depressivos (Lin et al., 1985). Estramiana

(1992:115) observou uma perda de bem-estar emocional nos desempregados com

menor grau de apoio social, pelo que esta variável deve ser tida em conta ao abordar as

diferenças no bem-estar psicológico entre diferentes grupos de trabalhadores

desempregados.

Outros estudos encontram relação entre dificuldades económicas e deterioração

psicológica (Hall, 1934; Little, 1976; Estes e Wilensky, 1978; Warr, 1984b; Buendía,

1987; Kaufman, 1982 e Estramiana, 1992). Todavia, Kasl (1982) não encontra

associação significativa entre ambas as variáveis. Warr e Jackson em dois estudos (1984

e 1985) apresentam resultados não concordantes.

Quanto à ocupação do tempo tende a considerar-se que a ocupação do tempo de

forma organizada e com vista a objectivos é importante para usufruir de bem-estar

psicológico na situação de desemprego, de acordo com alguma evidência empírica

(Estramiana, 1992: 119). Para Jahoda (1982) a quebra psicológica detectada em

desempregados tem relação com a desestruturação do tempo que acompanha as

mudanças ocorridas no estatuto de emprego. Um estudo de Feather e Bond (1983) junto

de licenciados conclui que os desempregados têm menor organização e carecem de

objectivos. O trabalho impõe metas, estruturas e rotinas que faltam no desemprego.

Além disso, a ausência de metas e de estrutura de utilização do tempo,

independentemente de estar empregado ou desempregado, andavam associadas a

maiores sintomas depressivos e a menor auto-estima (Feather e Bond, 1983). A quebra

psicológica e a perda de auto-estima em função da falta de estrutura temporal também é

apontada por Rowley e Feather (1987). Acresce que quanto maior era a duração do

tempo no desemprego maiores eram as dificuldades para ocupar o tempo de forma

estruturada e com objectivo. Brenner e Bartell (1983) concluem que a percepção de alta

ocupação de tempo contribui para o bem-estar psicológico. Os autores assinalam ainda

que a adaptação inicial à estruturação do tempo, depois da perda de emprego, determina

a posterior percepção da ocupação desse mesmo tempo. Para Fryer e Paine (1984) a

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capacidade de estruturar o tempo é uma das características principais, a par da

capacidade de iniciativa e de ser activo, permitindo enfrentar a situação de desemprego

de forma satisfatória. Os resultados de Warr e Payne (1983) mostram que a ocupação do

tempo em actividades passivas no desemprego está associada a um aumento de

“transtornos psíquicos menores” (ansiedade, depressão, aumento da tensão e da

insatisfação). Tais investigações concordam em que a capacidade de dar sentido à

organização do tempo no desemprego tem efeitos benéficos no bem-estar psicológico.

Estramiana (1992) conclui que a capacidade ou possibilidade de a pessoa desempregada

dar sentido temporal às actividades quotidianas é variável relevante para interpretar o

impacto afectivo diferencial do desemprego.

Em estudo efectuado por Platt (1986) acerca da relação do desemprego com o

para-suicídio, os dados indicaram que a taxa de para-suicídio é significativamente

superior nos desempregados; o número de suicídios é maior em desempregados e tende

a aumentar com a duração do desemprego. O desemprego prolongado torna-se factor

significativo no respeitante ao comportamento suicida, uma vez que pode conduzir a um

aumento de tensões familiares e de violência; alterações na estrutura familiar; depressão

e sentimentos de falta de esperança; perda de auto-estima e de auto-confiança; crescente

isolamento e privações financeiras.

Segundo Blakely, Collings e Atkinson (2003), vários estudos longitudinais

revelam que o desemprego origina sintomas de depressão e ansiedade.

Outro estudo (Platt, 1986), que pretendia avaliar as variações dos factores

psicológicos nos desempregados, concluiu que os desempregados eram mais

predispostos à depressão e manifestavam mais sentimentos de falta de esperança e

desespero. Todavia, o impacto psicológico do desemprego pode tornar-se menos grave

em áreas de trabalho onde o desemprego é mais frequente, em anos de recessão

económica ou em grupos sociais e classes etárias onde o desemprego é comum.

Blakely, Collings e Atkinson (2003) tentaram determinar associações entre

status no trabalho e posição socioeconómica com o suicídio. Verificam que a relação

causal entre desemprego e suicídio é pouco clara. Também o nível socioeconómico está

associado ao risco de suicídio, embora alguns estudos levantem a hipótese de distinção

pouco nítida entre posição socioeconómica e status no trabalho, dificultando, pois, a

atribuição da relação causa-efeito bem como o seu estudo. Num estudo recente

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efectuado à população da Nova Zelândia, comprovam empiricamente que o desemprego

está fortemente relacionado com o suicídio, aumentando a sua probabilidade.

Em Portugal, mantém-se tal tendência estatística na relação

desemprego/suicídio/para-suicídio. Recentemente, ao analisar as taxas de suicídio dos

indivíduos com e sem actividade económica96 verificou-se que as taxas são mais

elevadas entre indivíduos sem actividade económica, homens e mulheres (Campos e

Leite, 2002). Na década de 1990 a maioria dos indivíduos que cometeram suicídio

estavam desempregados97.

Gomes (2003) refere que numa situação de desemprego ficam afectadas ou

perdem-se funções essenciais para uma boa saúde mental (confiança, identidade

individual, contacto social e partilha de experiências, por exemplo). O autor aponta o

suicídio como um dos resultados negativos relacionados com o desemprego.

Em suma, viu-se como o desemprego se desenvolveu na sua história recente em

relação com as necessidades de funcionamento do mercado de trabalho e a emergência

do Estado de Bem-Estar. Foram apresentadas ainda considerações sobre a limitação

sociológica à sua definição e os seus problemas de mensuração. Equacionaram-se ainda

alguns dos estudos a nível internacional e nacional sobre a temática.

Seguidamente, serão analisados alguns dados estatísticos relativamente ao

mercado de trabalho em Portugal e na UE.

96 Para ambos os sexos e para os anos de 1993 a 2000. 97 Dos dados apresentados destaca-se o facto de, em Portugal, um dos pontos máximos de suicídio ter ocorrido nos anos 1980, época de crise económica (afectada pela conjuntura económica e social) onde terão existido elevadas taxas de desemprego.

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V. TRABALHADORES E MERCADO DE TRABALHO EM PORTUGAL E NA

EU E ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO

“Deus pôs o trabalho por sentinela da virtude.”

Confúcio

IV.1. POPULAÇÃO ACTIVA E POPULAÇÃO INACTIVA

Na década 1998 – 200898, a população activa no Continente apresentou

aumentos sucessivos, à excepção de 200899. Verifica-se que, entre os 15 e 64 anos, para

o aumento contribuiu, sobretudo, a faixa etária dos 25 a 54 anos (mais 538 mil)100. Ao

invés, o grupo etário dos 15 a 24 anos registou uma diminuição de cerca de 211,7 mil.

Salienta-se ainda que o aumento da população activa feminina verificado nesse período

representou quase o dobro do ocorrido na população masculina101.

Figura 3. População activa dos 15 aos 64 anos por sexo e grupo etário

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego.

No que respeita à população inactiva (e à semelhança do período 2003-2005),

em 2008 aumentou 0,4%, o que resultou num aumento de 17,5 mil inactivos face a

2007, não obstante em relação a 1998 se ter verificado diminuição de cerca de 15 mil 98 OEFP (2009), Aspectos Estruturais do Mercado de Trabalho, Lisboa, Observatório do Emprego e da Formação Profissional. 99 Face ao ano anterior, volta a registar-se igual número de população activa (5 381,2 mil indivíduos), dado que o aumento de 0,1% de activos masculinos é compensado pela diminuição de 0,1% de activos femininos. 100 Passou de 3.385,8 para 3.923,8. 101 Cerca de 294,6 mil mulheres face a 150,7 mil homens.

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inactivos. Contudo, verifica-se que tal aumento entre 2007 e 2008 não reflectiu

comportamentos idênticos nas diversas componentes: enquanto o número de

domésticas/os e de outros inactivos diminuiu (10,1 mil e 52,6 mil, respectivamente), o

número de reformados e de estudantes subiu (63,4 mil e 16,9 mil, respectivamente).

Figura 4. População inactiva

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego

IV.2. ACTIVIDADE E EMPREGO

Desde a viragem do milénio que Portugal vem registando taxas de actividade102

e de emprego103 superiores à média dos 27 países da UE, apesar de se verificar que, a

partir de 2001, as taxas de emprego da UE e de Portugal tendem a aproximar-se. De

facto, a taxa de emprego portuguesa vem decrescendo progressivamente desde esse ano,

enquanto a europeia prossegue em sentido inverso, resultando numa redução do

diferencial de 5,6% em 1999 para 2,4% em 2007, como se pode verificar nas figuras 5 e

6.

102 A taxa de actividade relaciona a população activa com a população total. 103 A taxa de emprego define a relação entre a população empregada e a população em idade activa (15 e mais anos)

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Figuras 5 e 6. Taxa de actividade e taxa de emprego em Portugal e na UE

Fonte: Comissão Europeia, Employment in Europe 2008 – Statistical Annex

A taxa de actividade, calculada para a população de 15 a 64 anos, tem

aumentado progressivamente desde 1998, situando-se nos 74,4% em 2008 (mais 3,8%

face a 1998). Apesar de as taxas de actividade feminina e masculina apresentarem

valores superiores em 2008 face a 1998, o comportamento desta taxa traduz diferentes

evoluções. Enquanto a taxa de actividade masculina tem registado alguma oscilação,

com o valor mais alto em 2002 (79,9%), a taxa de actividade feminina tem aumentado

gradualmente desde 1998, passando de 62,7% em 1998 para 69,3% em 2007 e 2008, o

que indica uma tendência para a feminização do mercado de trabalho.

Figuras 7 e 8. Taxa de actividade por sexo e taxa de actividade por grupo etário

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego

Considerando os diferentes escalões etários, nota-se que, entre 1998 e 2008, o

aumento da taxa de actividade se repercutiu por todos os grupos de idades, à excepção

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90

dos jovens de 15 aos 24 anos (diminuição de 5,7%, tendo-se fixado nos 41,5% em

2008).

Relativamente à população de 25 a 54 anos e de 55 a 64, na década em análise, as taxas

de actividade registaram aumentos na ordem dos 4,2% e 3%, respectivamente, devido

ao incremento da taxa de actividade feminina104. A aceleração significativa das

mutações económicas e sociais, dá lugar a novas formas de emprego, mais flexíveis, que

requerem frequentemente novas formas de protecção social. As novas formas de

trabalho atípicas constituem fenómeno complexo e sugerem a ideia de emprego

transitório, instável e inseguro. Os vários tipos de trabalho precário resultam de um

conjunto de circunstâncias que, de modo ostensivo ou latente, fragilizam o vínculo

contratual, ampliando as margens de manobra do empregador na definição das

condições de trabalho, designadamente as respeitantes à estabilidade, e reduzindo, por

conseguinte, as possibilidades de resposta do trabalhador.

IV.3. ALGUNS INDICADORES RELATIVOS AO TRABALHO

Olhando para a evolução do trabalho temporário na figura 10, verifica-se um

aumento do trabalho temporário no emprego total na UE 15, como em Portugal. No

caso português, é notável o incremento desde 1996 com peso continuamente superior

aos dados comunitários. A UE 15 passou, em 1996, de 14.459.900 trabalhadores para

21.533.200, em 2007, acusando uma taxa de crescimento de 41,9%, enquanto Portugal,

no mesmo período, registou uma taxa de crescimento de 176,4%, ao passar de 328.400

para 865.400. Para avaliar o carácter temporário deste trabalho, convém referir que, por

exemplo, na UE 15 e em 2007, apenas cerca de 24% destes trabalhadores tinham

contrato com duração superior a um ano (Margarida Antunes, 2008).

104 De facto, ocorre uma evolução favorável das taxas de actividade feminina nos escalões etários correspondentes, (aumentos de 7,9% e 7,6%), uma vez que as taxas de actividade masculina evidenciaram quebras nas faixas etárias dos 15 aos 24 anos e dos 55 aos 64 anos (5,9% e 2,3%, respectivamente) e o grupo de idades entre 25 e 54 anos registou uma subida pouco expressiva (0,1%).

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91

Figura 9. Evolução do peso do trabalho temporário no emprego total (Portugal e EU)

Fonte: Eurostat

O trabalho a tempo parcial105 apresenta a mesma tendência na UE 15; o seu peso

vem aumentando continuamente no emprego total106 (entre 1996 e 2007 de 47,6%). Em

Portugal, de 1996 para 2007 ocorre a taxa de crescimento expressiva de 42,2% (de

298.300 trabalhadores a tempo parcial para 424.000 respectivamente).

No respeitante ao trabalho a tempo parcial involuntário, evolui

significativamente o seu peso no trabalho a tempo parcial total em Portugal de 2001 a

2007, passando de 22% para cerca de 39% (cerca de 165.000 trabalhadores).107

Quanto ao trabalho por conta própria, a situação de Portugal e da UE 15 (figuras

10 e 11) não são similares. Normalmente, o trabalho por conta própria é considerado

alternativa para quem não encontra emprego por conta de outrem. Assim, em períodos

de taxas de desemprego elevadas, aumentam tais situações. Em Portugal, no entanto,

não se tem detectado tal correspondência, antes pelo contrário. Em anos de subida da

taxa de desemprego, tem-se verificado uma redução no número de trabalhadores por

conta própria sem outros trabalhadores ao serviço, enquanto em finais dos anos 1990,

com taxas de desemprego baixas, Portugal apresentava uma das maiores taxas de auto-

105 Nesta categoria é necessário distinguir o trabalho a tempo parcial involuntário do trabalho a tempo parcial voluntário. Apenas o primeiro permite avaliar as condições de acesso a um emprego. 106 Em valor absoluto, passa de 23.563.000 trabalhadores, em 1996, para 34.775.300, em 2007. 107 Na UE 15, por ausência de dados estatísticos, não é possível identificar com rigor a evolução, mas pelo valor de 2007 pode concluir-se que a tendência não foi muito diferente da ocorrida em Portugal, havendo nesse ano cerca de 7.500.000 de trabalhadores com esta situação (Antunes, 2008: 3).

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92

emprego da UE. Já na UE, tem-se assistido a um aumento contínuo do número deste

tipo de trabalhadores (Antunes, 2008).

Figura 10. Evolução de trabalho por conta própria em Portugal

Nota: Refere-se a trabalhadores entre 15 e 64 anos Fonte: Eurostat.

Figura 11. Evolução de trabalho por conta própria na UE 15

Nota: Refere-se a trabalhadores entre 15 e 64 anos Fonte: Eurostat

Relativamente a situações de trabalhadores com dois empregos, é possível

verificar um aumento, entre 1996 e 2003, começando a diminuir de forma instável,

deste então, provavelmente devido à “degradação progressiva das condições do

mercado de trabalho” (Antunes, 2008: 4).

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93

Figura 12. População com dois empregos em Portugal

Fonte: Eurostat

Na UE 15, a evolução é mais contínua e ascendente, havendo, em 2007, quase

6,5 milhões (6.411.000) de cidadãos em tal situação (Figura 13).

Figura 13. População com dois empregos na UE 15

Fonte: Eurostat

Inquirida a população portuguesa quanto à necessidade do duplo emprego (T.

Costa Pinto et al., coords., 2009: 22), a razão mais frequentemente invocada é a

“necessidade económica decorrente da insuficiência do rendimento obtido” na

actividade principal (79,5% das respostas).

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94

IV.4. ENVELHECIMENTO DEMOGRÁFICO E ACTIVIDADE

O aumento da esperança média de vida é aspecto pertinente quando se aborda o

mercado de trabalho108e as questões relacionadas com o emprego. Os indicadores de

envelhecimento demográfico da generalidade dos países europeus apontam

sistematicamente para aumento da proporção de indivíduos com mais de 65 anos e

redução da proporção de jovens com idades até aos 14 anos. Esta realidade manifesta-se

em acentuada erosão na base das pirâmides etárias e alargamento dos efectivos no topo,

por adiamento progressivo da morte. Tal desequilíbrio inter-geracional aparece como

característica marcadamente europeia, acentuando os traços de um envelhecimento que

parece irreversível à luz da evidência empírica actual (Ana A. Fernandes, 1997).

Em alguns países, como Suécia e Dinamarca, a proporção de indivíduos com

mais de 65 anos diminuiu mas a tendência geral nos outros Países é inversa.

Apresentam uma subida mais acentuada dos mais idosos na população, os países do Sul

(Espanha, Grécia, Itália e Portugal). São, também, estes os países onde a

natalidade/fecundidade continua a baixar, atingindo valores nunca antes registados.

De acordo com dados do Eurostat, a história demográfica da UE, está em vias de

inaugurar a diminuição da população por volta de 2015. O envelhecimento da

população colocará desafios económicos, orçamentais e sociais importantes. Segundo o

The 2009 Ageing Report: Underlying Assumptions and Projection Methodologies109, a

estrutura etária da população na União Europeia até 2060 sofrerá alterações dramáticas.

Nos próximos 50 anos, Portugal poderá continuar com cerca de 10 milhões de

habitantes, mas manter-se-á a tendência de envelhecimento demográfico, projectando-se

que, em 2060, residam no território nacional cerca de 3 idosos por cada jovem110.

Um dos aspectos a merecer muita atenção diz respeito ao emprego das

populações em idade activa e das populações mais idosas.

A UE15 assistirá, nos próximos anos, a uma alteração bem significativa da

relação entre coortes da população em idade de trabalhar. O cenário é de

envelhecimento da população trabalhadora - à medida que aumenta o peso relativo dos

108 Factores essenciais para o aumento da esperança média de vida foram o recuo da mortalidade infantil, e, mais recentemente, recuo da mortalidade na terceira idade. 109 Disponível em: http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/publication13782_en.pdf 110 INE - Projecções de População Residente em Portugal 2008-2006.

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mais idosos, aumenta também a idade média da população potencialmente activa. O

fenómeno do envelhecimento demográfico assume posição central no debate

contemporâneo pelas incontornáveis implicações na estruturação do tecido produtivo. O

aumento da esperança de vida, com avanços sobretudo, ao nível das probabilidades de

sobrevivência a partir dos 65 anos, leva a um alargamento do tempo de inactividade.

Todavia, as sociedades pós-modernas, com a sua personalização hedonista recusam o

envelhecimento e promovem o ideal de juventude como valor (Lipovetsky, 1989).

As abordagens ao envelhecimento activo111 abundam, surgindo as questões

relativamente ao tema a partir de dois panoramas distintos. O primeiro respeita à

valorização do conceito de “envelhecer” e as representações negativas associadas. A

actividade seria um elemento estruturante para ruptura com a relação

envelhecimento/incapacidade, onde os mais velhos são tolerados como “fardo”,

economicamente improdutivos, (Ana P. Gil, 2007). O segundo, refere-se à crescente e

urgente necessidade de participação económica da população com longa experiência de

vida, como base para a própria sustentabilidade financeira do Sistema de Segurança

Social e para cumprimento da Estratégia Europeia para o Emprego (EEE).

Face às tendências demográficas em curso e respectivas projecções, os mais

idosos ainda em idade activa constituem uma das reservas de mão-de-obra mais

importantes para a acção política comunitária no domínio do emprego e nos próximos

anos112. A prática intensiva da reforma antecipada nas últimas décadas revelou que aos

seus benefícios estavam associados custos importantes, tanto para trabalhadores e

desempregados mais idosos como para sindicatos, empresas e governos: deterioração do

status dos mais idosos no mercado de trabalho (com efeitos nos níveis de

empregabilidade), aumento dos custos laborais não-salariais e dos gastos públicos com

pensões, diminuição do suporte social dos sindicatos e perda de mão-de-obra

qualificada, experiente e produtiva.

A estes custos as actuais tendências demográficas vieram acrescentar fortes

impactos negativos na sustentabilidade financeira dos sistemas de Segurança Social e no

111 O envelhecimento activo é definido como “o conjunto de orientações e acções de natureza política que visam assegurar uma maior participação económica dos grupos etários mais velhos ainda em idade activa” (Pestana, 2003: 13). Também é considerado em termos de prolongamento de actividade física. 112 Os mais idosos são fundamentais na reserva de mão-de-obra; na verdade os jovens serão cada vez menos (componente demográfica) e, também, não parece razoável assistir à antecipação da sua entrada na vida activa, em virtude das actuais políticas educativas e práticas educacionais (componente comportamental). Todavia, parece viver-se o paradoxo de taxas de desemprego cada vez mais altas na população entre 16 e 24 anos.

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96

funcionamento dos mercados de trabalho, razões que, no seu conjunto, têm levado os

governos a inverter políticas, nomeadamente com o objectivo de contrariar a passagem

precoce à inactividade, quer através da reforma antecipada, quer através da experiência

de situações temporárias, apoiadas financeiramente, de desemprego, doença e

invalidez113.

Os principais motivos apontados para a decisão de passagem à inactividade

indiciam como factores de influência o stress profissional e a (in)satisfação com o

trabalho, o nível de rendimentos, as condições do mercado de trabalho ou questões de

saúde do indivíduo ou de seus próximos (familiares, etc.), entre outros.

Um inquérito realizado a activos em Portugal (Ana A. Fernandes, 2007)

demonstra que a maioria dos inquiridos aspiram à reforma no tempo regulamentar mas

gostariam de manter uma actividade económica.

As investigações114 permitem concluir que a discriminação etária se expressa

fundamentalmente em quatro domínios: perda prematura do emprego; dificuldades no

recrutamento e na reentrada no emprego; exclusão da formação profissional; transição

para a inactividade.

No caso português, são frequentes os movimentos entre inactividade e

desemprego e inactividade e emprego. Uma vez que o desemprego tende a prolongar-se

nos trabalhadores de mais idade, muitos indivíduos optam ou aceitam a passagem

definitiva à inactividade (exemplo, reforma), dada a impossibilidade de regresso ao

emprego (Ana A. Fernandes, 2007).

A discriminação etária é bastante expressiva no que respeita ao recrutamento,

embora quase 70% dos inquiridos de um estudo (IESE/ EUREQUIPA, 2004) discorde

do limite na idade de recrutamento por parte das empresas, considerando que os

trabalhadores mais idosos não só têm mais experiência como são tão úteis como os

jovens. Quanto à formação, as evidências empíricas revelam serem os trabalhadores

mais idosos os que menos beneficiam de acções de formação da iniciativa dos

empregadores, apesar da sua maior necessidade.

113 De facto, a reestruturação das empresas expressa no emagrecimento de mão-de-obra tem levado a uma utilização intensiva das reformas antecipadas dos trabalhadores mais idosos, nomeadamente com a transição temporária pelo estatuto de desempregado. 114 Um exemplo interessante é o inquérito comunitário realizado em 1993. E. Drury (Eurolink Age), Age Discrimination against Older Workers in the European Community – A Comparative Analysis.

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97

V. RETRATOS ESTATÍSTICOS DO DESEMPREGO:

DADOS COMPARATIVOS ENTRE PORTUGAL E UE

“Há mais ferramentas do que trabalhadores.”

Jean de la Bruyère

V.1. ALGUNS INDICADORES RELATIVOS AO DESEMPREGO EM PORTUGAL

De acordo com os dados do INE quanto ao emprego em Portugal, em 2009, a

taxa de actividade da população activa (15 e mais anos) foi de 61,9% (menos 0,6% do

que no ano anterior), apesar da tendência de incremento entre 2003 e 2008. Por seu

lado, o desemprego vem aumentando drástica e continuamente nos últimos anos.

Seguindo a tendência ascendente a partir de 2003115, o número médio de

desempregados no Continente, em 2009, foi de 528,6 mil (aumento de 101,5 mil

relativamente ao ano anterior). A taxa de desemprego116 em 2009 (9,5%) apresenta um

valor bastante superior a 2003, ano em que registou o valor mais baixo (6,3%). Dados

mais recentes do INE permitem concluir que a taxa de desemprego atingiu 10,8% em

2010 e 12,4% no 3º trimestre de 2011.

115 Interrompida em 2008 com diminuição no desemprego. Ver em anexo quadro com população total activa, empregada, desempregada e inactiva, por região NUTS II. 116 A taxa de desemprego relaciona população desempregada e população activa (conjunto de indivíduos com o mínimo de 15 anos que, no período de referência constituem mão-de-obra disponível para a produção de bens e serviços que entram no circuito económico). Vide INE.

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98

Figura 14. População desempregada (milhares) e taxa de desemprego (%)

Fonte: INE, Estatísticas do Emprego

a) Género

De acordo com os dados do INE, as mulheres continuam mais atingidas pelo

desemprego. Ao longo de todo o período em análise, o número de mulheres

desempregadas foi sempre superior ao número de homens desempregados.

Pela primeira vez desde 2003, o desemprego feminino117 apresentou, em 2008,

redução face ao ano anterior (menos 19,1 mil desempregadas) para retomar, em 2009, a

tendência de subida.

117 Também os homens registaram uma descida do número de desempregados em 2008, embora menos acentuada (com menos 2,5 mil indivíduos).

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99

Figura 15. População desempregada (milhares) por sexo

Fonte: INE, Estatísticas do Emprego

De facto, em 2009, a taxa de desemprego masculina situou-se nos 8,9%, ao

passo que a feminina subiu para 10,2%, embora tenha diminuído neste ano a diferença

registada entre géneros. Ambos os valores são os mais altos desta série temporal. Como

se verifica na figura 16, a taxa de desemprego feminina apresentou-se sempre superior à

masculina, deixando transparecer a persistência de uma relação de maior

vulnerabilidade no contexto do mercado de trabalho.

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100

Figura 16. Taxa de desemprego (%), por sexo

Fonte: INE, Estatísticas do Emprego b) Idade

Entre 2003 e 2009, todos os escalões etários registaram aumentos no

desemprego, com especial destaque para o grupo dos 25 aos 34 anos (aumento de 5,5%

passando de 14,5% para 20%) e do grupo dos 45 e mais anos que, em 2009,

praticamente duplica (passando de 3,6% para 7%)118.

Quanto à população desempregada com 45 e mais anos (155,5 mil), o seu

aumento de 1,6% traduziu-se numa subida da respectiva taxa de desemprego que se

fixou nos 7%. No respeitante aos escalões etários 15-24 anos e 25-34, a subida de

desemprego repercutiu-se igualmente nas taxas de desemprego que, registando

acréscimos de 3,6% e 2,2%, se fixaram nos 20% e 10,9%, respectivamente. Em 2010 o

desemprego atingia 22,7% dos jovens entre 15 e 24 anos de idade, 10,9% dos 25 aos 54

e 9,1% de maiores de 55 anos de idade.

118 Contrariamente a 2008, onde se observou um decréscimo de desemprego, em 2009 todos os grupos etários sofreram aumentos. Deste modo, encontravam-se em situação de desemprego 93,4 mil jovens (15-24 anos) e 158 mil adultos com idades entre 25 e 34 anos (grupo etário mais atingido em 2009, seguido do grupo 45 e mais anos – 155,5 milhares - com os valores mais altos desde 2003). Também o grupo dos 35 aos 44 anos registou aumento em relação ao ano anterior (mais 26,5 mil desempregados).

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101

Figura 17 – População desempregada (milhares) por grupo etário

Fonte: INE, Estatísticas do Emprego

Figura 18. Taxa de desemprego (%) por grupo etário

Fonte: INE, Estatísticas do Emprego c) Escolaridade

Relativamente ao desemprego por nível de escolaridade completo, tendo por

base a população activa de 15 a 64 anos, verifica-se que, em 2009 e face ao ano anterior,

o número de desempregados com nível de escolaridade inferior ou igual ao secundário e

pós-secundário aumentou, apresentando a taxa de desemprego mais elevada em 2009. É

igualmente importante salientar que a esse ano correspondem os números mais altos de

desemprego daqueles que completaram até ao 3º ciclo do ensino básico. Em

contrapartida, os que finalizaram o ensino superior foram em menor número.

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102

Figura 19. População desempregada (milhares) e taxa de desemprego (%) por nível de

escolaridade completo

Fonte: INE, Estatísticas do Emprego d) Jovens

Os resultados do inquérito sobre a entrada dos jovens no mercado de trabalho

disponibilizados pelo INE, no que respeita ao tempo decorrido entre a saída da escola e

o primeiro emprego, informam que a média entre os diferentes grupos etários é de 20,4

meses. Quanto mais idosos maior o intervalo entre formação e primeiro emprego –

enquanto em indivíduos entre 15 e 19 anos o tempo médio é de 11,4 meses, nos

indivíduos entre 30-34 anos o tempo duplica (25,2 meses), conforme figura 20.

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103

Figura 20. Duração média (em meses) entre a saída da escola e o primeiro trabalho de mais de três meses dos indivíduos com idade entre 15 e 34 anos, por grupo etário

Fonte: INE, Módulo Inquérito ao Emprego 2009 - Entrada dos Jovens no Mercado de Trabalho

Já no concernente ao peso das habilitações no tempo de espera para obtenção do

primeiro emprego, pode observar-se que quanto mais elevadas as habilitações menor o

intervalo entre fim do percurso formativo e início da actividade profissional.

Figura 21. Duração média (em meses) entre a saída da escola e o primeiro trabalho de mais de três meses dos indivíduos com idade entre 15 e 34 anos, por nível de escolaridade

Fonte: INE, Módulo Inquérito ao Emprego 2009 - Entrada dos Jovens no Mercado de Trabalho

Família e amigos são o apoio mais comum para ingresso no mercado de trabalho

(45,1%), enquanto 31,2% afirmam tê-lo conseguido por candidatura espontânea junto

de entidades empregadoras. Apenas 3% recorreu ao CE. De acordo com os dados

divulgados, a rede social permanece basilar para entrada no mercado de trabalho.

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104

Figura 22. Meios para encontrar o primeiro trabalho de mais de três meses que os indivíduos com idade entre 15 e 34 anos tiveram após a saída da escola (%)

Fonte: INE, Módulo Inquérito ao Emprego 2009 - Entrada dos Jovens no Mercado de Trabalho

Apesar do número crescente de jovens que optam pela carreira militar para

evitar o desemprego (quase triplicou nos últimos três anos), tal valor apresenta-se, ainda

assim, pouco expressivo (0,8%)119. O primeiro trabalho ocorre com maior incidência

nos grupos profissionais de nível intermédio, conforme pode verificar-se na figura 23,

com 22,6% dos jovens nos serviços e vendedores, 20,8% operários, artífices e

trabalhadores similares, 12,5% pessoal administrativo e similar e 12% trabalhadores não

qualificados. Só 10,7% dos indivíduos se incluíam no grupo de especialistas das

profissões intelectuais e científicas.

119 Segundo dados do Exército, em 2009, um quinto (20%) dos jovens que entraram para as Forças Armadas estavam inscritos em CE, enquanto nos três anos anteriores não ultrapassava 6%. Ver mais em: Catarina Madeira (2009).

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105

Figura 23. Profissão exercida no primeiro trabalho de mais de três meses por indivíduos com idade entre 15 e 34 anos após a saída da escola (%)

Fonte: INE, Módulo Inquérito ao Emprego 2009 - Entrada dos Jovens no Mercado de Trabalho

e) Sectores de actividade

Em 2009, a maioria dos desempregados à procura de novo emprego provinha

dos sectores “Serviços” (248,3 mil) e “Indústria” (212,9 mil). O sector “Agricultura”

manteve sensivelmente o mesmo número de desempregados em 2009 face a 1998120; os

sectores “Serviços” e “Indústria” registaram aumentos de cerca de 144,9 mil e 125,7 mil

desempregados, respectivamente121. Em relação ao ano anterior, registaram-se aumentos

nos desempregados em todos os sectores, com especial destaque para a Indústria (mais

65,2 mil desempregados122). Os serviços apresentam uma variação da taxa de

desemprego em relação ao ano anterior de 24,6% (Figura 24).

120 Exceptuando o ano 2000 em que se registou o menor número de desempregados deste sector, com apenas 5,7 mil. 121 Ou seja, uma variação de 144% e 140%, respectivamente. 122 Correspondendo a um incremento de 44%.

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106

Figura 24. População desempregada à procura de novo emprego por sector de actividade anterior ao desemprego (milhares)

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego

f) Regiões

Em termos absolutos, no Continente, o Norte permanece a região com maior

número de desempregados em 2009 (cerca de 217 mil), seguido de Lisboa (139,3 mil) e

do Centro (92,7 mil). No total das três regiões, registou-se um aumento de 245 mil

novos desempregados entre 1998 e 2008. O Algarve mantém-se como a região onde se

regista menor número de desempregados (valor mais elevado em 2009, com 23,1 mil).

Todavia, em termos relativos a leitura muda.

As regiões Norte (11%), Alentejo (10,6%) e Algarve (10,3%) registaram as mais

altas taxas de desemprego em 2009, todas superiores à média do Continente (9,5%);

inferior à média continental apenas a região Centro (6,9%). Note-se que, no Algarve, se

registou um aumento de 3,3%, relativamente ao ano anterior.

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107

Figura 25. Taxa de desemprego por regiões (%)

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego

Em todas as regiões, as mulheres foram mais afectadas pelo desemprego,

excepto na região de Lisboa, onde os homens se destacaram nos últimos quatro anos.

Tal situação ocorreu também no Algarve em 2004 e 2007.

Na figura 26, apresentam-se os dados respeitantes à taxa de desemprego por

região e sexo.

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108

Figura 26. Taxa de desemprego por região e sexo 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

NORTE

Total 4,9 4,4 4,1 3,7 4,9 6,8 7,7 8,8 8,9 9,4 8,7 11

Homens 4 3,8 3,4 3 4,1 5,8 6,8 7,5 7,1 7,1 7,4 -

Mulheres 6,1 5,1 5 4,6 5,8 8 8,6 10,4 10,9 12 10,1 -

CENTRO

Total 2,9 2,4 2,2 2,8 3,1 3,6 4,3 5,2 5,5 5,6 5,5 6,9

Homens 2,3 2 1,2 2 2,3 3,1 3,5 4,2 4,3 3,7 4 -

Mulheres 3,5 2,8 3,2 3,6 4 4,1 5,2 6,3 6,8 7,7 7,1 -

LISBOA

Total 6,1 5,9 5,3 5,1 6,7 8,1 7,6 8,6 8,5 8,9 8,2 9,8

Homens 5,2 6,1 4,9 4,3 6,1 7,8 7,2 8,4 8,2 9,2 8,1 -

Mulheres 7,1 5,8 5,8 6 7,5 8,6 8,1 8,8 8,8 8,5 8,4 -

ALENTEJO

Total 8,1 6,4 5,3 6,9 7,5 8,2 8,8 9,1 9,2 8,4 9 10,6

Homens 5,1 4 3,1 4,6 5,1 6,2 6,8 8 8,1 6,3 6,7 -

Mulheres 12,4 9,9 8,6 10 10,6 10,7 11,5 10,6 10,5 10,9 11,7 -

ALGARVE

Total 6 4,7 3,5 3,8 5,2 6,1 5,5 6,2 5,5 6,7 7 10,3

Homens 5 3,5 2,7 2,9 4,2 5 4,9 5,1 4,4 6,2 5,4 -

Mulheres 7,4 6,3 4,6 5 6,6 7,5 6,3 7,7 7 7,3 9 -

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego * Não disponíveis dados da Taxa de Desemprego por região com discriminação por sexo respeitante a 2009. Apenas disponível informação sobre o total. V. 2. DESEMPREGO “SUBSIDIADO”123

O número de beneficiários com processamento de prestações de desemprego124

subiu a partir de 2008 – 262,278 mil - até ao fim de Dezembro de 2009 - 362, 719 mil.

Os dados por género e grupo etário não estão disponíveis para este último ano mas no

respeitante à informação até 2008, nota-se aumento dos beneficiários do sexo masculino

em 2008 (mais 11 mil relativamente a 2007). Já o número de beneficiárias, neste mesmo

período, registou ligeira redução (menos 931).

123 Desemprego com apoio financeiro da Segurança Social. 124 Após breve período de dois anos em que desceu (2006 e 2007).

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109

Figura 27. Beneficiários com processamento de prestações de desemprego por tipo de subsídio (2009)

Subsídio Dezembro 2009

Subsídio Desemprego 244 134

Subsídio Social de Desemprego * 118, 585

Total 362,719

Fonte: IIESS, IP - Unidade de Estatística (*) Inclui subsídio social de desemprego subsequente e prolongamento de desemprego.

Como se pode observar na Figura 28, as prestações de desemprego aumentaram

expressivamente em 2009, atingindo o valor mais alto por comparação a anos

anteriores. Acresce que de 2009 para 2010 se regista uma diminuição do número de

prestações de desemprego para 295,218 abrangidos.

Com as alterações legislativas ao subsídio de desemprego em 2012 a tendência é

para uma redução dos desempregados abrangidos.

De acordo com dados do IEFP (início de Outubro de 2012) 47% dos

desempregados registados não recebem qualquer prestação social (nem subsídio nem

RSI).

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110

Figura 28. Beneficiários com processamento de prestações de desemprego por tipo de subsídio

Fonte: IIESS, IP - Unidade de Estatística V.3. DESEMPREGO REGISTADO NOS CENTROS DE EMPREGO (CE)

Os pedidos de emprego registados nos CE do Continente, em fins de Dezembro

de 2009, subiam a 504.775, número mais elevado dos últimos anos, depois de uma

quebra em 2006 e 2007.

Figura 29. Evolução do desemprego no Continente, em milhares

Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

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111

O Norte regista a maior incidência de desemprego. Contava cerca de 229 mil

desempregados inscritos em Dezembro de 2009 (aumento de cerca de 41 mil novos

desempregados face a 2003). Seguem-se as regiões de Lisboa e Centro. Em 2009,

Lisboa contava 120 mil desempregados, mesmo assim número inferior ao registado em

2003 (mais 4 mil desempregados). Já a região Centro registava em 2009 perto de 98 mil

desempregados (o valor mais alto no período em causa).

Figura 30. Desemprego por regiões (em milhares)

Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

Como pode observar-se na figura 31, apesar da disparidade inconstante entre

sexos ao longo dos anos, as mulheres continuam as mais afectadas pelo desemprego. No

entanto, 2009 apresenta-se como ano em que é menor tal divergência, com maior

número de inscrições de desempregados do sexo masculino125.

125 Comparativamente ao ano anterior, o aumento registado nesse mesmo período foi de 63,2 mil novas inscrições de desempregados masculinos e 29 mil do sexo feminino.

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112

Figura 31. Desemprego por sexo (em milhares)

Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

Ao nível das habilitações e em comparação com a estrutura de 2001, nota-se que

os desempregados com 2ª e 3º ciclos do ensino básico, secundário ou superior têm

vindo a destacar-se no desemprego total, em detrimento dos que apresentam níveis

inferiores. Contudo, os desempregados com 1º ciclo do ensino básico continuam os

mais representativos (cerca de 143 mil em 2009; mais 31 mil desempregados face a

2001), seguindo-se os do 3º ciclo de ensino básico (99,9 mil, o que corresponde a um

aumento de 52 mil relativamente a 2001).

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113

Figura 32. Desemprego registado por habilitações, em milhares

Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

Quanto ao tempo de permanência de desempregados em ficheiro, nos CE do

Continente, em fins de 2003 estavam inscritos, há menos de um ano, 268.883

indivíduos, representando 60,7% do total do desemprego registado, dos quais 178.193

(66,3%) inscritos há menos de 6 meses. Os restantes 174.222 eram desempregados de

longa duração. Em 2009 e comparativamente a 2003 o número de indivíduos inscritos

há menos de um ano subiu consideravelmente, correspondendo a 65,2% do total do

desemprego registado.

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114

Quadro 1. Desemprego registado por tempo de inscrição, em milhares

2003 % 2006 % 2009 %

DESEMPREGO REGISTADO 443 105 100,0 440 125 100,0 504 775 100,0

< 6 meses 178 193 40,2 187 407 42,6 217 753 43,1

6 a < 12 meses 90 690 20,5 72 849 16,5 111 605 22,1

12 a < 24 90 619 20,4 89 721 20,4 91 685 18,2

>= 24 meses 83 603 18,9 90 148 20,5 83 732 16,6

< 1 ano 268 883 60,7 260 256 59,1 329 358 65.2

> = 1 ano 174 222 39,3 179 869 40,9 175 417 34,8

Tempo médio de inscrição (meses)

13,4

-

14,1

-

13,0

-

Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

A análise das profissões mais comuns aos desempregados inscritos nos ficheiros

dos CE do Continente vem confirmar a forte representatividade dos seguintes grupos

profissionais ao longo dos anos126:

• “serviços de protecção e segurança” - 12,4% em 2003, 14,7% em 2007 e

13,8% em 2009;

• “trabalhadores não qualificados dos serviços e comércio” - 10,5% em 2003,

11,5% em 2007 e de novo 10,5% em 2009;

• “trabalhadores não qualificados das minas, construção civil e indústria

transformadora” - 9% e 9,2% entre 2003 e 2007, aumentando para 9,6% em

2009;

• “empregados de escritório” - a decrescer ao longo dos anos: 12,1% em 2003,

10,8% em 2006 e 9,2% em 2009;

• “operários e trabalhadores similares da indústria extractiva e construção civil”

– a subir: 5,5% entre 2003 e 2007; 6,6% e 9,2% em 2008 e 2009,

respectivamente.

126 Serão apontados os valores mínimos e máximos observados para cada profissão ao longo do período considerado, assim como o valor mais recente (correspondente a 2009).

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115

As profissões com menos inscrições foram as mais qualificadas e pertencem ao

grupo 1 da CNP, não excedendo no seu conjunto 1% em todos os anos considerados.

Também com pouca relevância e com iguais valores ao longo dos anos, surgem

“agricultores e pescadores – subsistência” (0%) e ”trabalhadores não qualificados da

agricultura e pescas” (0,2%).

Figura 33. Desempregados inscritos por profissão (Movimento ao longo do ano)

Fonte: IEFP - Direcção de Serviços de Estudos V.4. “COLOCAÇÕES”127 (AJUSTAMENTO ENTRE OFERTA E PROCURA DE EMPREGO)

Seguidamente pode observar-se o volume de colocações entre 2003 e 2009. A

evolução anual mantém trajectória ascendente desde 2004 e, em 2009, atinge valores

muito próximos dos registados em 2003.

127 Ofertas de emprego satisfeitas ao longo do mês, com candidatos apresentados pelos Centros de Emprego. Fonte: IEFP.

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116

Figura 34. Colocações de desempregados ao longo dos anos (Continente)

Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

Analisando em simultâneo a evolução das variáveis desemprego, ofertas e

colocações ao longo dos anos, é de realçar, a partir de 2008, o comportamento ainda

positivo das colocações face a um agravamento significativo da procura de emprego por

comparação com anos anteriores.

Figura 35. Desempregados inscritos ao longo dos anos, ofertas recebidas e colocações efectuadas (Continente)

Fonte: IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

Em 2010 foram recebidas 124.851 ofertas de emprego e efectuadas apenas

66.485 colocações. Embora fora desde objecto de estudo, pode colocar-se a questão,

num contexto de aumento do desemprego, relativa aos motivos que levam a que, apesar

da reduzida percentagem de ofertas em relação à procura, mais de 40% fiquem por

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117

satisfazer. Este assunto merece, provavelmente, a atenção do serviço público de

emprego para investigação futura.

V.5. ESTATÍSTICAS DE DESEMPREGO EM DUAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: INE E IEFP

Os dados do INE e do IEFP sobre o desemprego, embora apresentem muitas

vezes resultados diversos, seguem, no entanto, evolução semelhante. As razões para a

discrepância prendem-se com o facto de que as duas entidades se baseiam em métodos

estatísticos bem diferentes. Pelas considerações feitas no capítulo III.3. quanto às

dificuldades de mensuração do desemprego, é provável que os números oficiais

divulgados por INE e IEFP não reflictam a verdadeira dimensão do desemprego em

Portugal. Até 2006 o desemprego registado pelo IEFP superava o do INE para, de 2007

a 2009, se inverter a situação.

Quadro 2. Desemprego INE e IEFP Anos 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Desemprego – INE 243,5 219,6 199,9 208,4 265,0 335,4

Desemprego –IEFP 387,3 345,7 316,8 316,5 336,7 417,6

Anos 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Desemprego – INE 357,9 412,2 416,9 435,3 413,1 510,8

Desemprego –IEFP 451,2 466,1 448,0 397,9 382,2 478,4

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego; IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

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118

Figura 36. Desemprego INE e IEFP

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego; IEFP, I.P, Situação do Mercado de Emprego

V. 6. DADOS COMPARATIVOS DO DESEMPREGO EM PORTUGAL E NA UE

Quando comparadas as taxas de crescimento económico para 2010-2015

previstas pelo FMI para a Zona do Euro (1,4% ao ano) e para Portugal (0,8% ao ano)

com as previstas para as “economias avançadas” (2,3% ano) e para os EUA (2,7% ano),

conclui-se que os desequilíbrios mundiais se irão acentuar - as taxas de crescimento

económico previstas para as “economias avançadas” e para os EUA são o dobro das

previstas para a Zona do Euro, e o triplo das previstas para Portugal. Relativamente às

chamadas “economias emergentes”, a China ocupa lugar de destaque, com taxas anuais

de crescimento económico entre 9% e 10%.

Em 2008, a taxa de desemprego portuguesa, apesar da diminuição face a 2007,

permaneceu superior à europeia128. Deste modo, em 2008, 7,7% da população activa

portuguesa encontrava-se desempregada enquanto essa percentagem era de 7% para a

média dos países da UE 27. Relativamente a 2009 e apesar do aumento das taxas de

desemprego tanto em Portugal como na UE, manteve-se a mesma diferença (9,6% e

8,9%, respectivamente).

128 Em resultado, principalmente, dos aumentos progressivos desde 2000 e da descida mais significativa que a taxa média europeia registou nos últimos quatro anos, atingindo desde 2007 os valores mais baixos desta série.

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119

Quadro 3. Taxas de crescimento económico (variação no PIB real) verificadas no período 1992-2009 e previsões do FMI para o período 2010-2015

Países

Média de Taxas de Crescimento Verificadas

Taxas de Crescimento Previstas

1992-01 2002-09 2009 2010 2011 2015 Média

2010-11-15

ECONOMIAS AVANÇADAS

2,8% 1,6% -3,2% 2,3% 2,4% 2,3% 2,3%

EUA 3,5% 1,7% -2,4% 3,1% 2,6% 2,4% 2,7%

AREA EURO 2,1% 1,0% -4,1% 1,0% 1,5% 1,7% 1,4%

Portugal 2,9% 0,4% -2,7% 0,3% 0,7% 1,4% 0,8%

Grécia 2,5% 3,1% -2,0% -2,0% -1,1% 1,4% -0,6%

Espanha 3,0% 2,2% -3,6% -0,4% -0,9% 1,7% 0,1%

Finlândia 2,9% 1,7% -7,8% 1,2% 2,2% 2,1% 1,8%

Irlanda 7,5% 2,9% -7,1% -1,5% 1,9% 2,5% 1,0%

China 10,3% 10,3% 8,7% 10,0% 9,9% 9,5% 9,8%

Fonte: FMI (2010), Perspectivas da Economia Mundial: Reequilibrar o crescimento, Abril. Figura 37. Taxas de desemprego em Portugal e na EU

Fonte: Eurostat, Labour Force Survey.

A economia mundial atravessa a pior crise económica e financeira dos últimos

50 anos, com consequências graves para trabalhadores e famílias. Desde o segundo

semestre de 2008, tem-se observado uma queda significativa da produção em muitos

países, façam ou não parte da OCDE, provocando uma diminuição brutal dos níveis de

emprego e um aumento considerável do desemprego. Como ocorreu em graves

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120

recessões passadas, os grupos que já se encontram em situação de desvantagem no

mercado de trabalho (jovens, trabalhadores com baixa qualificação, imigrantes,

minorias étnicas e, entre eles, os que têm empregos temporários ou não convencionais)

são as principais vítimas.

Os resultados divulgados pelo European Labour Force Survey permitem

destacar os grupos mais vulneráveis pela contracção do emprego resultante da recessão.

O aumento da taxa de desemprego global e no respeitante ao género deveu-se,

principalmente, ao aumento da taxa de desemprego masculino. O fosso entre taxas de

desemprego dos dois sexos, pela primeira vez, não só desapareceu como reverteu: em

Junho de 2009, a taxa de desemprego masculina excedeu a feminina. Observe-se a

figura 38.

Figura 38. Taxas de desemprego na União Europeia, segundo o género

Fonte: Eurostat, EU LFS. Data non-seasonally adjusted.

Veja-se a taxa de desemprego para os diferentes grupos etários. Como se

observa no gráfico 50 respeitante à UE, a partir do segundo quartel de 2008, o

desemprego aumentou para todos os grupos, com particular impacto na população mais

jovem (15-24 anos).

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121

Figura 39. Taxas de desemprego na UE, segundo o grupo etário

Fonte: Eurostat, EU LFS.

Comparando dados em Portugal, o desemprego dos jovens manteve-se, até por

volta de 2003, bastante afastado da média na EU; a partir de então os valores

aproximaram-se. Em 2000, a taxa de desemprego da população mais jovem situava-se,

em Portugal, nos 8,6%, ao passo que a UE duplicava este valor (17,4%). Em 2006,

Portugal aproximava-se rapidamente da UE aumentando 16,3%, embora ainda abaixo

da média europeia. Tal tendência inverteu-se no ano seguinte: Portugal ultrapassou, pela

primeira vez, a média europeia (baixou para 15,4%), registando 16,6%. Em 2009 e pela

primeira vez no período em análise, a taxa de desemprego dos jovens contrariou a

tendência evolutiva até então, reduzindo para 16,4% (Figura 40).

Figura 40. Taxa de desemprego dos jovens

Fonte: Eurostat, Labour Force Survey.

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122

Respeitante às habilitações, pode observar-se um aumento da taxa de

desemprego a partir do final de 2008 e que se manteve no início de 2009 para todos os

níveis de escolaridade. No entanto, os mais afectados foram os de escolaridade mais

baixa129.

Figura 41. Taxas de desemprego na União Europeia, segundo o nível de escolaridade completo

Fonte: Eurostat, EU LFS. Data non-seasonally adjusted

Por fim, também a nacionalidade tem influência no desemprego, conforme

figura 42. Comparativamente aos nacionais, os estrangeiros apresentam uma taxa de

desemprego mais alta; os dos países da UE são menos vulneráveis; os não pertencentes

à UE são bastante mais afectados.

129 É possível perceber que a grande maioria dos desempregados se reparte entre os que têm baixos e médios níveis de escolaridade, sendo os mais escolarizados os menos penalizados e vulneráveis ao desemprego.

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123

Figura 42. Taxas de desemprego na União Europeia, segundo a nacionalidade

Fonte: Eurostat, EU LFS. Data non-seasonally adjusted

VI. DESEMPREGO, POBREZA, EXCLUSÃO, PROTECÇÃO SOCIAL,

ATITUDES E MOTIVAÇÃO FACE AO TRABALHO

“A pobreza humilha os homens até ao ponto

de se envergonharem das suas virtudes.”

Luc de Vauvenargues

INTRODUÇÃO

As sociedades humanas conhecem, desde sempre, fenómenos de exclusão. As

desigualdades entre Homens e a exclusão social têm estado presentes em diversos tipos

de sociedades estratificadas. Mesmo na polis grega, apurada no ideal de democracia,

havia homens e “sub-homens” - os que gozavam da liberdade e podiam entregar-se ao

«ócio», com base numa suficiência de bens, e os de estatuto inferior. Aceitava-se como

normal esta condição nas sociedades antigas, sendo que cada um vivia de acordo com a

sua fortuna, o seu fado, sem conotação com sentimentos de (in)justiça.

Com os iluministas e enciclopedistas, sobretudo no contexto francês, tais

concepções foram postas em causa.

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124

As sociedades modernas reclamam o direito à igualdade para todos. A igualdade

perante a lei, ainda que de carácter meramente formal, justifica um movimento para o

fim das diferenciações estatutárias e tentativa de erradicação das desigualdades mais

gritantes. Contudo, as sociedades geram, de forma natural e constante, a exclusão social.

A vida humana reveste-se de uma multiplicidade de dimensões e o insucesso num sector

afecta os demais. Há um multiplicador social de insucessos que conduz à exclusão

social. Não há sociedades que não gerem qualquer forma de exclusão. De uma maneira

ou de outra, as pessoas são continuamente afastadas da esfera dos bens e dos privilégios

económicos, do mundo dos valores, da escolaridade normal e de um ambiente familiar

condigno. A exclusão abrange não apenas as relações sociais, como as representações

que lhes são próprias (Fernandes, 1995).

As sociedades contemporâneas são palco de grandes e complexas mudanças que

afectam várias dimensões da vida. O trabalho afigura-se elemento de estratificação

social e delimitação do status porque permite acesso diferenciado aos recursos

disponíveis. Assim, é dimensão fundamental na vida das pessoas e emerge como

objecto passível de múltiplas valorizações (Caetano et al., 2003). Os valores do trabalho

revelam o grau de importância que lhe é atribuído bem como as atitudes e o significado

que se lhe confere.

VI.1. DESEMPREGO, POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL

Pode definir-se pobreza como situação de privação por falta de recursos (A.

Bruto da Costa, 2008) o que significa alguma forma de exclusão social.

Considerando que a desigualdade é princípio intrínseco a qualquer forma de

estruturação social, torna-se lícito esperar diferentes habilidades de articulação e de

acumulação de recursos (que ultrapassam a esfera económica, englobando ainda aqueles

que derivam dos capitais cultural e social) quer materiais quer sociais, por parte dos

vários actores. Existe assim uma separação entre os que conseguem mobilizar recursos

no sentido de participação social plena e os que, por falta desses mesmos recursos, não

têm capacidade para o fazer.

A falta de recursos impossibilita a satisfação das necessidades essenciais, o que,

por sua vez, cria uma condição existencial que atinge os mais diversos e profundos

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125

aspectos da vida e da personalidade humanas. Tal privação vai empurrando “para fora

ou para a periferia da sociedade” aqueles que “não participam dos valores e das

representações sociais dominantes” (Fernandes, 1995: 16). O excluído encontra-se fora

dos universos materiais e simbólicos, sofrendo a acção de uma espiral crescente de

rejeição, que culminará na interiorização de um sentimento de auto-exclusão. São estes,

assim, postos à margem, como tão cruamente assinala Viviane Forrester (1996).

O processo multiforme de exclusão social constrange para fora ou para a

periferia da sociedade categorias diferentes de população. Existe uma profunda

clivagem entre os que “estão dentro” e os que “estão fora”, a camuflar a anterior

oposição entre “dominantes” e “dominados”. Os excluídos têm nula ou fraca

participação económica e ausência total de relacionamento com os integrados. Os

processos de exclusão podem ser hetero ou auto-infligidos: as pessoas também se

excluem do meio social quando sentem ou pressentem que os seus valores não são

partilhados.

A exclusão afigura-se, assim, como fenómeno multidimensional e social ou

conjunto de fenómenos sociais interligados que contribuem para a efectivação do

excluído. Ao nível da exclusão, coexistem fenómenos sociais diferenciados, tais como

desemprego, marginalidade, discriminação, pobreza, entre outros. A configuração da

exclusão está também estritamente associada à desintegração social (quebra de laços de

solidariedade e risco de marginalização), à desintegração do sistema de actividade

(mutações económicas) e à desintegração das relações sociais e familiares

(aparecimento de novos tipos de estruturas familiares mais vulneráveis — famílias

monoparentais — e enfraquecimento das redes de entreajuda familiares, de vizinhança e

comunitárias).

A crise por que passam as sociedades de hoje - económica, política, cultural e

moral - está presente nas relações sociais e faz desaparecer a certeza e a segurança

relativamente ao futuro. O desemprego - enquanto efeito privilegiado da crise - é fase de

instabilidade e de incerteza nas trajectórias dos agentes e suas famílias. A exclusão do

mercado de trabalho gera pobreza e esta impede o acesso a bens e serviços socialmente

relevantes (habitação, saúde, lazer). Os afectados por esta condição não conseguem uma

identidade (social) no trabalho, na família ou na comunidade, tornando-se excluídos das

relações sociais e do mundo, como das representações a elas associadas. É cavado,

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126

assim, um fosso, no seio das sociedades actuais, constituído pela separação entre mundo

do trabalho - que permite o consumo - e espaços de desemprego e de exclusão.

Embora ter emprego nem sempre proteja as pessoas do risco de pobreza130, em

2007, apenas 8% da população empregada na UE27 detinha um rendimento abaixo da

linha de pobreza, por comparação com 42% da população desempregada. No entanto,

mesmo que a população empregada esteja menos exposta ao risco de pobreza do que os

restantes grupos, ela representa uma grande percentagem em risco de pobreza, visto que

uma grande parte da população adulta se encontra a trabalhar (65% na UE27).

O emprego ou a sua ausência tem um impacto importante na taxa de risco de

pobreza. Com efeito, enquanto a taxa de risco de pobreza dos trabalhadores é de 12%, o

valor aumenta para 25% na população sem emprego residente em Portugal (EU-SILC

2008). Verificam-se taxas ainda mais altas nos desempregados (35%) e nos outros

inactivos (28%) em 2008. A taxa de risco de pobreza dos desempregados aumentou 3

pontos percentuais face aos rendimentos de 2006 (EU-SILC 2007) e 4 pontos

percentuais face a 2005 (EU-SILC 2006)131.

O recurso à assistência e ao subsídio surge, essencialmente, por motivos de

ordem económica - o baixo nível da maior parte das pensões combinado com a perda de

poder de compra contribuem para o risco de pobreza. Almeida et al. (1992: 16)

concluíram existir uma elevada correlação entre as fontes e os níveis de rendimentos

auferidos pelos grupos sociais: os idosos e os desempregados, duas das categorias mais

vulneráveis à pobreza e à exclusão social, têm como principal fonte de rendimentos,

respectivamente, as pensões e os subsídios. Estes montantes estão, em geral, bastante

abaixo dos valores médios de outros tipos de rendimentos, o que propicia situações

negativas.

130 Segundo o relatório com os indicadores sobre a pobreza (2009) apresentado pela Rede Europeia Anti-Pobreza (REAPN), a taxa de risco de pobreza é relativamente elevada mesmo para os que têm trabalho (in-work poverty). Para o Eurostat, este risco anda bastante ligado a situações de emprego mal remunerado e pouco qualificado, emprego precário, trabalho em part-time involuntário e ao tipo de agregado onde os trabalhadores vivem, assim como ao nível da condição económica dos restantes membros do seu agregado. 131 Note-se que entre os reformados a taxa de risco de pobreza (20%) tem vindo a diminuir desde 2004 (EU-SILC 2005), quando a taxa era de 25%. Neste grupo, a taxa é superior quando se referem as mulheres (22%) em comparação com os homens (18%; REAPN, 2008).

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127

É possível perceber que a estrutura do mercado de trabalho funciona como factor

de agravamento das condições de precariedade e exclusão e que os desempregados se

apresentam como categoria onde a incidência da pobreza pode assumir valores

extremos, uma vez que, por exemplo, a privação de emprego pode atingir a totalidade

do agregado familiar. Os contratos de trabalho de curta duração e as situações

provisórias aumentaram nos últimos anos, com mais passagens entre períodos de

actividade e inactividade e reduzindo o peso da situação de salário regular e estável,

enquanto se torna mais frequente o recurso a fontes de rendimento alternativas e nem

sempre suficientemente compensatórias.

A análise da vulnerabilidade à pobreza e à exclusão social implica uma

dimensão subjectiva que englobe quer o sentido dado às respectivas vivências quer os

modos de adaptação aos constrangimentos situacionais.

O acesso a algum sistema geradores de rendimento e ao mercado de bens e

serviços representa factor de inclusão/exclusão social na medida em que condiciona a

disponibilidade de recursos financeiros que permitam às famílias adquirir bens e

serviços. A impossibilidade de, por insuficiência de recursos, não ser possível satisfazer

tais necessidades configura não apenas uma forma de privação, mas também um factor

de exclusão da sociedade (A. Bruto da Costa, 2008).

VI.2. MECANISMOS DE PROTECÇÃO SOCIAL

Na Europa, os Estados-Providência definiram o desemprego, o estatuto de

desempregado e desenharam “mediadores de compensação” (Paugham, 2000), como

protecções sociais aos desempregados para enfrentar a privação de emprego. “Em casa

dos pobres ouve-se o relógio do Estado” (Straw e Elliot, 1986) e o regime de protecção

no desemprego tem efeito decisivo na privação financeira. Todavia e comparando

apenas as medidas (passivas e activas) de reparação na eventualidade do desemprego, é

notório que as coberturas estatais apresentam grande heterogeneidade na UE. Num dos

pólos encontra-se o regime “universal” típico dos países nórdicos — mais abrangente,

com níveis de protecção mais altos e por períodos mais longos — e, no pólo oposto, os

regimes “liberal-mínimo” e “sub-protector”, com níveis de protecção reduzidos e

relativamente aos quais é provável surgirem maiores dificuldades financeiras por parte

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128

dos desempregados. O tipo de regime de protecção mais próximo da realidade dos

países do Sul da Europa (Portugal, Grécia, Itália e Espanha) é o “sub-protector”

caracterizado por: acesso às protecções fortemente dependente da participação no

mercado de trabalho; número reduzido de beneficiários; nível mínimo de protecção;

prestações baixas; políticas activas de emprego fracas; maior probabilidade de os

beneficiários se confrontarem com dificuldades económicas graves ou viverem abaixo

do limiar de pobreza; alta probabilidade de o desemprego se prolongar - embora

dependendo do nível de desenvolvimento económico (Gallie e Paugam, 2000).

Quadro 4. Regimes de protecção no desemprego (unemployment welfare regimes) na Europa

Regime

Cobertura Nível e duração da compensação

Políticas activas de combate ao desemprego

Regime sub-protector (sub-protective)

Muito incompleto

Muito fraco

Quase não existente

Liberal-mínimo (liberal-minimal)

Incompleto

Fraco

Fraco

Orientado para o emprego (employment-centered)

Variável

Desigual

Extenso

Universal (universalistic)

Abrangente

Elevado

Muito extenso

Fonte: Gallie, Duncan; Paugam, Serge (2000), Welfare Regimes and the Experience of Unemployment in Europe, Oxford, Oxford University Press, p.5.

Quanto à proporção de desempregados a receber benefícios, (Gallie e Paugam,

2000) assinalam grande diversidade nos diversos regimes de protecção e semelhança

entre países do Sul da Europa. Em 1993 a proporção de desempregados a receber

benefícios é inferior a 10% na Grécia e em Itália e inferior a 30% em Portugal e

Espanha. Por seu lado, a Suécia, incluída no regime universal, tem uma cobertura de

86%. Em Portugal, em Agosto de 2009, 46% dos desempregados inscritos nos CE

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129

recebiam subsídio de desemprego132 enquanto o número de desempregados a auferir

subsídio social de desemprego133 aumentou 42% nesse período. Em 2011 a cobertura do

subsídio de desemprego diminuiu (no 1º trimestre abrangia 42,7% e no 4º trimestre

41,1%), o que dá ideia do agravamento da fragilidade da cobertura da protecção

social134.

De acordo com dados divulgados135, os valores médios de apoios sociais a

desempregados em pouco superam o valor máximo de 500 euros136. O subsídio social

de desemprego é significativamente inferior ao valor do subsídio de desemprego e

mesmo inferior ao limiar de pobreza. Em 2008, segundo dados do INE, 35% dos

desempregados com subsídio tinham rendimento inferior ao limiar de pobreza.

A despesa em políticas activas de emprego é também muito baixa no Sul da

Europa. Os montantes despendidos em políticas activas de emprego, no que respeita ao

ano de 1996, referem-se a menos de 1% do PIB na Grécia, Espanha e Reino Unido e

1,1% em Portugal137.

O grau de integração social dos desempregados, em cada sociedade, depende da

forma e das estruturas familiares, em particular no apoio que estas podem providenciar

(Gallie e Paugam, 2000). A natureza da família apresenta-se, assim, como factor de

indiscutível influência na experiência do desemprego. Parece provável que

desempregados em tipos de residência diferentes (desempregado que vive sozinho,

desempregado que vive com os pais ou desempregado que tem a cargo várias crianças)

não irão partilhar experiências similares. Partindo da hipótese de que a natureza da

estrutura familiar terá efeitos decisivos ao nível da protecção dos desempregados, o

primeiro factor que importa ter em conta é o grau de estabilidade da família enquanto

132 Enquanto o número de desempregados registados aumentou 111.719 entre Agosto/2008 e Agosto/2009, o número de desempregados a receber subsídio aumentou apenas 62.017 no mesmo período. Fonte: MTSS, GEP, Boletim Estatístico, Agosto de 2009. 133 Atribuído quando o desempregado não tem direito a subsídio de desemprego e não tem recursos para viver e cujo valor é significativamente inferior ao subsídio de desemprego. Em Agosto de 2009 abrangeu 107.412 desempregados. 134 INE, Estatísticas de Emprego, 1º trimestre de 2011 e de 2012. 135 Site do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, em 2009. 136 Subsídio de desemprego: 519.56 euros; subsídio social de desemprego inicial: 322.41 euros (62% do subsídio de desemprego); subsídio social de desemprego subsequente: 344.45 euros (66,3% do subsídio de desemprego) e subsídio social de desemprego - prolongamento (6 meses nos termos do DL 68/2009): 290.79 euros (56% do subsídio de desemprego). Idem. 137 Único País deste grupo onde é visível, de 1985 para 1996 um incremento relativo no peso das políticas públicas de emprego no PIB.

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130

instituição, ou seja, grau de institucionalização/des-institucionalização do modelo

tradicional de família.

Nesse âmbito, no mapa da Europa, é possível distinguir três grupos de países,

desde uma elevada des-institucionalização (Dinamarca, Suécia e, em menor grau,

Reino-Unido) a uma permanência do modelo tradicional de família (sul da Europa -

Grécia, Portugal, Espanha e Itália) e uma situação intermédia (França, Alemanha,

Holanda e Bélgica). São também visíveis diferenças entre países no respeitante ao papel

(funções e responsabilidades) atribuído à família — aferidas, principalmente, por

indicadores como o cuidado com crianças e jovens — e à forma como a atribuição

dessas funções e responsabilidades se articula com as políticas sociais visando a família.

Quando comparadas as proporções de filhos adultos (de 20 a 29 anos) a residirem com

os pais, torna-se evidente que o processo de “desfamiliarização” é muito mais intenso

no Norte do que no Sul da Europa: mais de dois terços dos jovens continuam a viver

com os pais em Itália, Espanha e Portugal, e mais de metade encontram-se na mesma

condição na Grécia e na Irlanda.

Gallie e Paugam (2000) pretenderam relacionar dois princípios recorrentes nos

exercícios de comparação dos regimes de bem-estar: a “desmercadorização” e a

“desfamiliarização”. Num extremo, encontram-se países com políticas sociais que

levam à “desfamiliarização” e implicam a existência de apoios institucionais à

reprodução familiar; no outro, sociedades onde a família permanece o principal

mecanismo de providência, o principal mecanismo atenuador das insuficiências de

assistência pública, mas igualmente de eventuais falhas do mercado de trabalho.

É, assim, possível distinguir três modelos de residência familiar, que permitem

dar conta de funções e responsabilidades atribuídas à família, abrangência das políticas

de família e grau de institucionalização/des-institucionalização do modelo tradicional de

família: dependência extensiva (extended dependence model); autonomia relativa entre

gerações (relative inter-generational autonomy); autonomia avançada entre gerações

(advanced inter-generational autonomy).

Examinando o quadro 12, é evidente a correspondência entre regime “sub-

protector” e modelo de “dependência extensiva” nos países do Sul da Europa. É

igualmente clara a relação entre regime “universal” e modelo de “autonomia avançada

entre gerações”.

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131

Quadro 5. Regime de protecção no desemprego e modelo de residência familiar por País

Regime de Protecção no Desemprego

Modelo de Residência Familiar

Dependência extensiva

Autonomia relativa entre gerações

Autonomia avançada entre gerações

Regime sub-protector

Itália, Portugal,

Grécia e Espanha

Liberal-mínimo/ Orientado para o emprego

Irlanda

França e Bélgica

Reino Unido

Regime universal

Holanda, Alemanha,Dinamarca

e Suécia Fonte: Gallie, Duncan; Paugam, Serge (2000), Welfare Regimes and the Experience of Unemployment in Europe, Oxford, Oxford University Press, p.17.

De acordo com a análise, existem muitas diferenças na forma como os regimes

de protecção no desemprego actuam. De um lado, os regimes do Norte da Europa com

bons níveis de apoio; do outro, os países do Sul da Europa onde a assistência financeira

pública é mínima.

No caso da sociedade portuguesa, as lacunas de protecção abertas pelo regime

“sub-protector” encontram-se compensadas pela acção de uma “sociedade-providência”

(Boaventura S. Santos, 1995) onde as redes de relações sociais se substituem ao

Estado— medida através da reduzida “des-institucionalização” do modelo de família

tradicional e pelos apoios familiares prestados. Porém, segundo Eduardo Rodrigues, tem

vindo a ocorrer o enfraquecimento da sociedade-providência nas últimas décadas como

resultado da mudança social na modernidade (crescente urbanização, isolamento social

e nuclearização da família) e de algumas opções do Estado.

VI.3. ATITUDES E MOTIVAÇÃO FACE AO TRABALHO

Um dos critérios convencionais para a definição de desempregado reside na

manifestação, por parte deste, da sua disponibilidade para trabalhar e procurar emprego.

Tal procura e os critérios usados relacionam-se com a condição financeira em que se

encontram os desempregados. Países onde a substituição do salário é alta e por um

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132

período de tempo mais longo, permitem aos desempregados viverem condições

similares àquela em que se encontravam quando trabalhavam. Isto também lhes dá uma

oportunidade de procurar trabalho minuciosamente. Assim, parece plausível que o grau

de estigmatização social a que estarão sujeitos será menor uma vez que existem menos

sinais visíveis da sua perda temporária de posição. Nos países em que a compensação

financeira é muito mais limitada, o risco de pobreza e de crescimento de dificuldades é

muito mais elevado (Gallie e Paugam, 2000), como no Sul da Europa.

Os dados evidenciam alto nível de envolvimento no trabalho dos desempregados

residentes na EU (Gallie e Paugam, 2000): 64% afirmaram que gostariam de ter uma

ocupação profissional ainda que não necessitassem do dinheiro. Em todos os países, o

nível de envolvimento no trabalho dos desempregados supera em muito o valor dos

empregados. Portugal está muito acima da média europeia com 70,7% de

desempregados para 58,8% de empregados. Talvez a privação de emprego ponha em

evidência os benefícios que o trabalho proporciona, além do claro propósito de

compensação financeira. Não é possível inferir, a partir dos dados, que regimes de

protecção mais generosos dêem origem a baixos níveis de motivação entre

desempregados, pois os valores mais altos de envolvimento no emprego registaram-se

na Dinamarca (83%), Holanda (80%) e Suécia (79%)138. Outro dado importante a

considerar é que o facto de auferir subsídio não limita a motivação para trabalhar (Gallie

e Paugam, 2000).

Relativamente às diferenças entre géneros nota-se que, na UE, as desempregadas

(68%) são um pouco mais susceptíveis do que os desempregados (60%) de afirmar que

gostariam de ter um emprego ainda que não necessitassem do dinheiro dele proveniente.

Não existem, em geral, diferenças significativas entre homens e mulheres no que

respeita ao compromisso perante o emprego. Portugal apresenta dos maiores valores de

compromisso com o trabalho (76% homens e 67% mulheres). Especialmente para os

homens estes valores só são superados pela Dinamarca e Holanda (Gallie e Paugam,

2000). O envolvimento ou compromisso no trabalho das desempregadas é inferior em

8% aos homens, o que poderá indicar o peso, ainda, das actividades de substituição na

vida das mulheres, associado à vida familiar. Além disso, o envolvimento das mulheres

138 Em geral, os regimes de bem-estar desenhados para proporcionar um nível relativamente elevado de protecção da qualidade de vida estão associados a elevados níveis de compromisso no trabalho.

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133

no emprego está, pelo menos parcialmente, enraizado nas suas crenças e valores

relativamente aos papéis de género.

Nas sociedades tradicionais, as mulheres casadas ou vivendo maritalmente que

auferiram benefícios tinham menor probabilidade de serem mais comprometidas com o

trabalho. Assim, o efeito do benefício financeiro é bastante diferente nos dois tipos de

sociedade, aparentando existir uma associação entre benefícios e baixo envolvimento no

trabalho, no caso específico das mulheres casadas, em sociedades que apresentam um

maior tradicionalismo na cultura de género.

Segundo Gallie e Paugam (2000), existem três tipos de (in)flexibilidade na

escolha de emprego: nível de remuneração; qualificações e competências; localização

geográfica. Portugal apresenta valores abaixo da média europeia para todas as

dimensões avaliadas e a diferença entre homens e mulheres é mais significativa: 42%

dos homens e 31% das mulheres afirmaram que aceitariam tais condições. É na

flexibilidade para a mudança de zona residencial que surgem algumas diferenças mais

significativas entre sexos. No contexto europeu, 37% dos homens consideraram mudar

de residência para 23% das mulheres. Relativamente a Portugal, a diferença mantém-se

– 31% dos homens estariam dispostos a mudar de residência para 20% de mulheres.

Pode observar-se que as mulheres são consideravelmente menos predispostas a aceitar

mudar de área de residência ou aceitar um vencimento inferior para obter um emprego,

mas, em contrapartida, são menos inflexíveis no que toca a aceitar um emprego que

requeira outro tipo de qualificação (embora os valores que as diferenciem dos homens

sejam pouco significativos, quer no contexto português, quer no contexto europeu).

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134

PARTE DOIS

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135

I. METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO

“Um progresso do conhecimento nunca é mais do que uma vitória parcial e efémera sobre a ignorância humana.”

R. Quivy e Campenhoudt

INTRODUÇÃO

A dúvida, não a mesquinha, mas a que desassossega na busca de respostas e

incita à reflexão, é timbre da humanidade, desde os tempos primevos em tentativas de

explicação e compreensão do mundo e da morte e estimula questões e contributos

científicos ao longo dos tempos.

Neste capítulo serão apresentadas as opções metodológicas e os critérios que

presidiram à recolha de informação, por via do inquérito por questionário, realização de

entrevistas, grupos de encontro (focus groups) e histórias de vida.

Estudar as vivências das situações de desemprego e as estratégias que as

pessoas desenvolvem para voltarem ao emprego ou para se adaptarem à vida sem

emprego sugeriu uma pesquisa aprofundada sobre percursos e trajectórias de vida,

rotinas e formas de ocupação do tempo e do espaço. Tendo em conta o objecto de

estudo, os objectivos desta pesquisa e os trabalhos realizados por outros investigadores,

a escolha de uma metodologia conjunta de tipo qualitativo - baseada em entrevistas,

trajectórias biográficas e grupos de encontro (focus groups) - articulada com uma

abordagem mais extensiva de inquérito por questionário a desempregados,139 foi

considerada a forma mais adequada de aproximação à complexidade vivida do

desemprego.

Esta metodologia mista deu voz plural e iluminou a complexidade das

dimensões ligadas à experiência social do desemprego, nomeadamente as etapas do

desemprego, do choque à adaptação, tentativas de mudança de vida e de regresso ao

139 Na sua grande maioria inscritos em Centros de Emprego do IEFP na região de Lisboa.

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mercado de trabalho ou, pelo contrário, conformismo, precariedade económica,

desestruturação de quadros de vida, perturbação da vida familiar, desorganização do

tempo e tentativas de reorganização, entre outras, sem a pretensão de esgotar o objecto

na sua totalidade.

Jahoda, Lazarsfeld e Zeizel (1981) anteciparam nos anos 1930 a análise do

impacto do desemprego numa comunidade alemã, com um estudo incontornável sobre o

desemprego. “Os desempregados de Marienthal” mantêm actualidade nos tempos

coevos, tendo os autores salientado a importância das análises do tipo mais qualitativo

sobre a vivência do desemprego e as alterações do espaço-tempo vivido.

Na literatura revista sobre a análise sociológica das experiências do desemprego

predomina a orientação para uma metodologia qualitativa que permita elucidar a

complexidade vivencial do desemprego na vida dos cidadãos entrevistados, com a

recolha de testemunhos descritivos e interpretativos dos acontecimentos vividos, num

modelo de inteligibilidade que liga acções sociais a acções individuais (Marques, A. P.,

2009).

Muitos dos estudos já realizados sobre o desemprego permitem o levantamento

de situações. Todavia, não há completa homogeneidade quanto às metodologias

utilizadas, embora tenda a predominar a abordagem qualitativa. Se, nuns casos a

preferência metodológica vai claramente para a realização de estudos de caso e a

recolha de informação sob a forma de entrevistas (Lazarfeld et al., 1981, Paugham,

2003; Schnnaper, 1981; Araújo, 2007; Loison, 2002; Caleiras, 2008; Serôdio, et al.,

1999; Marques, 2009; Duarte, A. 1998; Pereira,1999), noutros, a opção é o inquérito

extensivo (Gallie, et al., 2000; Tristany, 1999; Freire, et al., 2000).

Não se pretende discutir críticas às diferentes abordagens metodológicas, tanto

mais que todas as escolhas têm limitações e riscos de enviesamento. Todavia, e mesmo

na actualidade, não está encerrado o debate sobre metodologias de tipo quantitativo e

qualitativo, com pontos fortes e fracos para uma e para outra. As metodologias de tipo

qualitativo têm sido consideradas mais adequadas à investigação de temas específicos

como as questões de género ou as que implicam universos mais fechados, de que são

exemplo os mundos académico e empresarial e as populações em situação de exclusão

social (Araújo, 2006). Por via da metodologia qualitativa (entrevistas aprofundadas,

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137

focus groups, trajectórias e histórias de vida), é possível aceder às estruturas implícitas e

aos sentidos de acção não consciencializados e verbalizados pelos indivíduos (Araújo,

2006), embora se possa perder maior quantidade de informação extensiva que o

levantamento num inquérito permite.

O método de questionário extensivo tem alguns pontos fracos. Por exemplo,

perca de aprofundamento da informação obtida, risco de obter respostas consensuais

como resultado da forma como as questões são enunciadas. Não obstante, e dado que a

profundidade e sensibilidade na recolha de informação estaria presente nas entrevistas e

histórias de vida, considerou-se enriquecer a investigação com um inquérito em

questionário, proporcionando uma amostra mais ampla do que a das entrevistas.

Os inquéritos nacionais e internacionais serviram de quadro de referência para a

investigação do tipo microssociológico, quer no que respeita a regularidades

encontradas, quer quanto a conceitos e quadro teórico construído.

As opções metodológicas foram realizadas, como aconselha o ofício da

sociologia, em função dos objectivos e das hipóteses interrogativas de trabalho e

pareceram os processos mais adequados para atingir o objecto de estudo, ajustando o

diálogo entre campo teórico e campo empírico.

Assim, optou-se por ensaiar a análise qualitativa combinada com uma análise do

tipo quantitativo, embora sem amostra estratificada, permitindo recolha de dados mais

extensivos, com referência aos desempregados inscritos em três Centros de Emprego na

área de Lisboa (Cascais, Lisboa e Sintra).

O desenho da pesquisa implicou colocar as questões da representatividade,

fiabilidade e validade da investigação como suporte dos critérios de selecção dos

entrevistados e do número de entrevistas por referência à saturação da informação

obtida (Marques, 2009).

O contacto prévio com a realidade empírica e com os técnicos do dispositivo

público de emprego enquanto informantes privilegiados permitiu identificar homens e

mulheres cujas situações de vida pessoal e social mereciam atenção quanto à vivência

do desemprego e impacto desta experiência em suas vidas.

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138

I.1. CRITÉRIOS QUE PRESIDIRAM À SELECÇÃO DOS ENTREVISTADOS E

DOS INQUIRIDOS

Em resumo, os critérios que presidiram à selecção dos entrevistados e inquiridos

permitiram abranger uma multiplicidade de casos possíveis, a saber:

• género;

• grupos etários: menores de 25; 25-34; 35-44; 45-54; mais de 55;

• níveis de escolaridade, desde o inferior ao 1º ciclo até ao nível de licenciatura ou

mais;

• condição de desempregado (menos de 6 meses, 6 meses a um ano e mais de um

ano, abrangendo assim desempregados de curta e de longa duração);

• nacionalidade.

No conjunto, o objectivo foi abranger diferentes grupos sociais vulneráveis e as

mais diversas situações de cidadãos atingidos pelo desemprego. Nas entrevistas houve

em conta uma representação equitativa de género e atenção especial a desempregados

com mais de 45 anos, num contexto de políticas de envelhecimento activo, sem descurar

os outros grupos etários, nomeadamente os jovens, apesar de uma representação em

menor número no conjunto dos entrevistados. Como é sabido, apesar de as estatísticas

assinalarem para Portugal altas taxas de emprego feminino, as mulheres mantêm

posição de destaque no desemprego comparativamente aos homens, salários mais

baixos e vínculos de trabalho mais precários. Além disso, o desemprego atinge

fortemente o grupo etário dos jovens até aos 29 anos e, apesar do desemprego afectar,

sobremaneira, os grupos sociais com mais baixas qualificações, existe um número

crescente de jovens mais escolarizados que convivem com claras dificuldades de

inserção profissional e de permanência no mercado de trabalho qualificado,

nomeadamente com forte participação no trabalho precário e temporário (Pais, 2001;

Marques, 2006).

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139

I.2. INQUÉRITO POR QUESTIONÁRIO

Com vista à recolha de informação mais ampla sobre condições de vida

objectivas e perspectivas subjectivas, realizámos um inquérito por questionário junto de

homens e mulheres desempregados dos concelhos de Cascais, Lisboa e Sintra (tendo em

conta a diversa tipicidade dos espaços sócio geográficos). Foram inquiridos 300

desempregados (150 homens e 150 mulheres). A estruturação da amostra e o documento

de recolha da informação podem ser consultados em anexo.

A informação recolhida permitiu a reconstituição dos percursos de vida com

dados objectivos (demografia, situação socioeconómica e ecologia familiar, ocupação

do tempo no desemprego, situação face ao emprego), assim como dados subjectivos

(valores sociais e valores do trabalho, relações de sociabilidade, apoio familiar, por

exemplo), sendo notória a heterogeneidade dos percursos de inserção profissional e de

desemprego. Muita informação pormenorizada foi recolhida no inquérito com

objectivos de comparação em função de traços estruturais da amostra mas sem

objectivos de extrapolação dos resultados para a generalidade dos desempregados de

universos mais vastos.

Quadro 1 – Dimensões de análise e variáveis do inquérito por questionário

Dimensões

Variáveis

Caracterização

sóciodemográfica

Nacionalidade

Concelho onde nasceu

Sexo

Idade

Nível de instrução Estado Civil

Caracterização

sóciofamiliar

Marido/esposa/companheiro/a trabalha? Profissão do marido/mulher ou companheiro(a) Pai trabalha ou trabalhou Profissão do pai Mãe trabalha ou trabalhou Profissão da mãe

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140

Ecologia habitacional e

Familiar

Tipo de habitação do inquirido Nº de pessoas com quem habita

Composição do agregado familiar

Proximidade geográfica dos familiares mais próximos

Sociabilidade familiar Frequência de visita entre familiares

Solidariedade e apoio

familiar

Recebe ajudas familiares?

Tipo de ajudas que recebe dos familiares

Protecção social e situação financeira

Recebe subsídio de desemprego? Recebe outro subsídio ou pensão? Escalão do subsídio ou pensão Escalão de rendimentos do agregado doméstico Capacidade de poupança do agregado familiar Principal fonte de sobrevivência

Valores sociais

Importância de: Vida social Participação religiosa Emprego Vida familiar Amigos Participação política

Relação dos desempregados

com o dispositivo público de

emprego

Inscrito no Centro de Emprego?

Tempo da inscrição no Centro de Emprego?

Inscrição no CE útil?

Média de deslocações mensais ao Centro de Emprego?

Expectativas relativamente ao Centro de Emprego

Situação face ao emprego

Já teve trabalho remunerado? Há quanto tempo saiu do último emprego? Categoria profissional do inquirido Duração do último emprego Motivo da saída do último emprego Primeira vez que ficou sem emprego?

Atitudes face ao emprego Forma como conseguiu o último emprego Actualmente à procura de emprego? Iniciativas de procura de emprego nos últimos meses Situação de trabalho preferida Área profissional preferida Posição quanto à possibilidade de arranjar emprego actualmente Posição quanto à possibilidade de arranjar emprego dentro de 2 ou 3 anos

Valores do trabalho Aspectos mais importantes para aceitar um emprego

Motivação para o trabalho

ou

envolvimento/centralidade

concorda ou discorda: Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum

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141

do trabalho140

Sociabilidade no trabalho Tinha muitos amigos no trabalho?

Impacto do desemprego -

Integração ou estigma social

Sinto-me isolado? Passei a ter mais conflitos familiares? Deixei de ser tão respeitado pela família e amigos? Passei a ter menos amigos? Os meus familiares e amigos não sabem que estou sem emprego? Pensam de mim que sou um inútil?

Impacto do desemprego –

Adaptação

Dificuldade de adaptação ao desemprego?

Impacto do desemprego –

Relação com o tempo e

percepção da ocupação do

tempo

Deixei de saber o que fazer com o tempo disponível?

Passei a ocupar o tempo de uma forma mais interessante?

Impacto do desemprego –

Ocupação do tempo Ocupação do tempo comparativamente a quando empregado: Ocupações domésticas/caseiras Com os filhos Em trabalhos incertos Com a família Com os amigos Em actividades de tempos livres Tipo de actividades de tempos livres desde que ficou desempregado

Impacto do desemprego –

Financeiro

Passei a ter menos dinheiro?

Impacto familiar e social do

desemprego

Passei a dedicar mais tempo à família? Passei a ter mais conflitos familiares? Deixei de ser tão respeitado pela família e amigos?

Saúde Ao longo da minha vida tenho sido uma pessoa quase sempre saudável? Os meus problemas de saúde começaram quando comecei a trabalhar? Tipo de problemas de saúde Toma medicamentos habitualmente? Última vez que foi ao médico

Impacto do desemprego na

saúde

Os meus problemas de saúde agravaram-se depois de ficar sem emprego?

140 O conceito de centralidade do trabalho refere-se à definição de Paullay et al. (1994, conforme Ramos 2000): as crenças que os indivíduos têm relativamente ao grau de importância do trabalho nas suas vidas. A centralidade do trabalho é percebida como um produto da socialização, uma vez que os indivíduos aprendem a valorizar o trabalho a partir da sua religião, cultura, família e amigos.

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142

Impacto do desemprego no

estado psicológico

Como se sente actualmente?

Relação com o futuro Como perspectiva o futuro?

Expectativas Como perspectiva a vida dos filhos?

Numa segunda fase, procedeu-se à dinamização de 10 grupos de encontro (focus

groups), realização de 60 entrevistas e 10 histórias de vida.

I.3. GRUPOS DE ENCONTRO (FOCUS GROUPS)

No contexto da organização de “grupos de encontro” (focus groups)141 foram

convidados a participar em sessões de discussão 77 homens e mulheres (25 homens e de

52 mulheres com idades) com idades compreendidas entre os 29 e os 59 anos para o

sexo masculino e os 22 e 63 anos de para o sexo feminino. A escolaridade variou entre

“saber ler e escrever” e “mestrado”. O conjunto inclui homens e mulheres residentes nas

áreas geográficas de Lisboa, Sintra e Cascais e contém, deliberadamente, um conjunto

multigeracional de indivíduos.

Os grupos de encontro (focus groups) foram um recurso metodológico

complementar ao inquérito e entrevistas no caso específico de pesquisa da organização e

ocupação do tempo no desemprego.

Os grupos de encontro (focus groups) funcionaram sempre à mesma hora e com

a regularidade de dois por semana, com a duração de três horas e ao longo de oito

semanas. Nestes grupos foi possível a emergência de liderança. A dinamizadora

(investigadora, neste caso) podia lançar um tema para debate ou deixar ao critério do

grupo a escolha. Foi notório o interesse dos participantes nos debates e na partilha, a

capacidade de entreajuda e a manifestação de interesse por uma regularidade no

141 Moreno elaborou o psicodrama como técnica de grupo e foi o inventor da sociometria e de expressão “psicoterapia de grupo” nos EUA. Ver DREYFUS, Catherine (1980) Psicoterapias de grupo, Verbo, Lisboa/ S. Paulo. Também Buber (1923) definiu o seu próprio conceito do encontro em Ich und Du, Heiderberga, Lambert Schneider, All. (Tradução francesa Je et tu, Paris, Aubier-Montaigne, 1970).

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143

encontro com outros da mesma situação social, quebrando assim algum sentimento de

isolamento e criando um espaço de ocupação do tempo fora de casa, que a maioria

valorizou.

O conceito “grupo de encontro” (focus group) foi definido por Moreno, pai do

psicodrama, em 1914, na revista Daimon que fundou com escritores, poetas e filósofos,

entre os quais Martin Buber142. Antes, em 1913, Moreno organiza um pequeno grupo de

encontro com prostitutas do bairro marginalizado de Spittelberg, em Viena, e ajuda-as a

reencontrar o sentimento de dignidade, contentando-se em ouvi-las, sem juízos morais.

Esta é a sua primeira intervenção estruturada.

I.4. ENTREVISTAS

Foram realizadas 60 entrevistas a partir de um guião semi-estruturado e com

abertura para que os entrevistados contassem o seu percurso de vida profissional e

familiar, formulassem interpretações quanto ao sentido da sua vida no desemprego e

abordassem expectativas quanto ao presente e ao futuro próximo ou mais distante.

As entrevistas foram, na sua maioria, semi-estruturadas e, em 10 casos, as

trajectórias, reveladoras de grande complexidade, representativas ou atípicas,

mereceram atenção biográfica mais aprofundada, centrada na recolha de histórias de

vida ao jeito de entrevista livre.

A expressão da acção humana, sob a sua forma repetitiva ou criativa, obedece

não só ao plano racional de explicitação directa mas a formas implícitas, afectivas,

informais que o conceito de estratégia está longe de apreender e a que a abordagem

qualitativa de cariz biográfico poderá aceder.

A maior parte dos temas investigados sobre a vivência do desemprego e a sua

relação com o trabalho estiveram presentes nas entrevistas e fizeram parte do inquérito.

Optou-se por deixar falar o desempregado ao proporcionar liberdade de resposta, a

142 “ Aproximar-me-ei de ti e tomarei os teus olhos para os pôr no lugar dos meus, e tu tomarás os meus olhos para os pores no lugar dos teus, e eu ver-te-ei pelos teus e tu ver-me-ás pelos meus” (Dreyfus, Catherine:1980, 21).

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144

partir de um guião aberto com eixos de orientação e reduzida directividade, numa

tentativa de chegar à complexidade multidimensional da vivência do desemprego

mesmo que houvesse, aqui e ali, algum esquecimento por parte do entrevistado.

Todavia, e a título de exemplo, a percepção do tempo no desemprego foi feita

por via quantitativa, tendo sido elencadas várias categorias de utilização do tempo e sua

relação com o espaço de vida. Além disso, a ocupação e a percepção da ocupação do

tempo teve abordagem qualitativa nos grupos de encontro que revelaram grande riqueza

microssociológica. Temos consciência de que a medição da desigualdade de percepção

do modo como o desemprego afecta a utilização do tempo e do espaço bem como a

medida de outros factores em unidades que visam traduzir a realidade tem uma carga

artificial à qual não conseguimos escapar. Situação equivalente com o uso da linguagem

e a construção de conceitos que permitem comunicar e reflectir sobre a realidade mas

não são a realidade que pretendem representar.

Foi ainda possível a observação do comportamento do universo em análise na

relação com os CE, processo que durou um ano de investigação, sendo dada atenção

especial às interacções com os técnicos e à participação nas sessões do Plano Nacional

de Emprego e em grupos de actividades para que os desempregados eram convocados

ou se inscreviam.

As entrevistas tiveram duração de cerca de uma hora, embora algumas, pela

riqueza e complexidade dos percursos de vida, viessem a prolongar-se até duas ou três

horas. As entrevistas foram transcritas, dando-se conta dos factos da interlocução e com

o pressuposto de que cada história é baseada num discurso argumentador que lhe dá

sentido. O esquema operatório de análise implicou três aspectos: ordem estrutural das

categorias, selecção das proposições essenciais ao discurso e seu universo de crenças.

Assim, para lá das variações de vocabulário, importa explicitar os termos utilizados para

falar das etapas do seu percurso pessoal e profissional, os sujeitos que nele intervêm e

as razões para justificar os acontecimentos mais marcantes. Na análise das entrevistas

foi dada atenção especial à ordem da narrativa, à linguagem e à apresentação de si,

sentidos e vivências.

Pela entrevista semi-estruturada foi possível ouvir e recolher os sentidos plurais

atribuídos às acções desenvolvidas e à experiência de vida, enquanto o entrevistador

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145

mantém um relativo controlo sobre a recolha de informação. A entrevista é um

momento de interacção e comunicação entre entrevistado e entrevistador. Pode oscilar

entre mais ou menos superficial e mais ou menos profunda e empática, e pareceu-nos

muito facilitadora da abordagem da experiência do desemprego, das relações

institucionais, das formas de ocupar e sentir o tempo e denotando até a expressão de

angústias, frustrações e expectativas. Muitos desempregados gostaram de falar de si e

dar as entrevistas, até sob pretexto verbalizado de haver alguém com atenção à sua

história, e de a não considerar marcada pela aparente banalidade de ser mais um

desempregado que vai ao Centro de Emprego (CE). A maioria dos sujeitos tem a noção

da sua singularidade.

As entrevistas podem ganhar uma dimensão mais íntima de confidências de si,

ocorrendo a catarse, a reflexividade pessoal e a busca de sentidos, que alguns autores

caracterizam “clinicamente” (Araújo, 2006: 61)143. É o próprio investigador, esse outro

receptor da mensagem, fora mas participante da relação, que sente esta dimensão

“clínica” como um “reflexo” na partilha de espaço e tempo intersubjectivos. Neste

movimento, o entrevistador vê-se simultaneamente como observador e participante

(Araújo, 2006: 63; Harryson & Lyon, 1993: 105). Apesar das entrevistas terem

decorrido sob a forma de conversas, a fase inicial decorre com alguma sensação de

estranheza por ambas as partes, pela artificialidade da relação iniciada e alguma falta de

à vontade. Com o andamento surge maior abertura, sobretudo se o entrevistador, parte

envolvida e antecipadamente produtor de sentidos até pela grelha de questões

enunciadas, dá feed-backs de estímulo à comunicação, aceita silêncios, pausas e alguns

desvios e evita qualquer juízo quanto à apresentação da realidade.

Fazendo parte do jogo institucional produtor de sentidos, evitou-se entrevistar

pessoas já entrevistadas para outros objectivos de enquadramento institucional144.

143 “O efeito clínico estende-se para além desse produto capaz de ser narrado, contado, trabalhado e reconstruído pelo investigador” (Araújo, 2006: 62). 144 A deslocação conceptual para fora do sistema por via das leituras realizadas e a migração física devido à assumpção temporária de novas funções em outras instituições permitiram a relatividade do olhar a partir do duplo sentido de lugar, dentro e fora, vinculativo ao mundo social e profissional. A ausência do IEFP em dois períodos de tempo para desempenho de outras funções, se fez retardar o desenvolvimento dos trabalhos, permitiu também um distanciamento físico no espaço social e uma visão a partir de fora. A prática de investigação foi condicionada, como muitas outras, pela falta de recursos diversos (destacando-se limitações institucionais). Assim, toda a pesquisa, investigação teórica, empírica e a produção do texto final decorreram em simultâneo com a actividade laboral a tempo inteiro. Além disso, as restrições no

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Acautelou-se, pois, entraves ao desenvolvimento das entrevistas ou notas de

ambiguidade nos papéis investigador/técnico. Todavia, foi nítido que, em muitos casos,

o contacto prévio positivo com os desempregados já conhecidos facilitou a sua

disponibilidade para a realização de entrevistas por outros entrevistadores envolvidos,

tendo-se revelado de grande riqueza no que respeita a conteúdos, fluência, densidade

dos acontecimentos da narrativa e expressão de si.

Foram as seguintes as linhas centrais do guião de entrevista:

1. percurso escolar;

2. trajectória profissional;

3. vida familiar;

4. percepção do trabalho, do desemprego e do seu impacto;

5. ocupação do tempo;

6. rede de sociabilidade;

7. estratégias para regressar ao trabalho ou adaptação ao desemprego;

8. reacções ao desemprego;

9. saúde, trabalho e desemprego;

10. expectativas em relação ao futuro.

acesso à base de dados de inscritos no IEFP limitaram a ideia inicial de constituição de uma amostra estratificada e representativa dos desempregados que constituísse um fundo quantitativo da investigação qualitativa. Tal situação foi ultrapassada mas tardiamente. Assim, estes factos dificultaram, do ponto de vista metodológico, o acesso a uma amostra mais representativa da população desempregada ao nível do distrito de Lisboa ou mesmo a nível nacional. As fortes limitações de tempo para a investigação teórica e empírica, os constrangimentos financeiros e humanos e a necessidade de gestão de imprevistos na investigação com mudanças funcionais de instituição e locais de trabalho, condicionaram a fluência e o ritmo da investigação.

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147

I.5. TRAJECTÓRIAS E HISTÓRIAS DE VIDA

Bourdieu (1997), embora discutindo a “ilusão biográfica” a propósito da

metodologia das histórias de vida, não deixou de reconhecer, no prefácio à edição

francesa de Os Desempregados de Marienthal, o valor da investigação e do método

utilizado, tendo mais tarde recorrido à metodologia biográfica para o livro La Misère du

Monde (1993).

A linearidade das histórias de vida é uma aparência. Os quadros do passado que

se colam sucessivamente são pedaços de memórias acumuladas de uma pluralidade de

vida que se decide organizar de uma forma determinada, como refere Pais (2003) ao

propor que para dar conta das ruturas de vida são necessários métodos pós-lineares;

métodos que permitam relacionar o todo e as partes, tal como uma moeda que só o é se

tiver os dois elementos da equação: cara e coroa. Também a teoria da gestalt pode

ajudar na apreciação de continuidades e descontinuidades da vida. De facto, a teoria da

gestalt põe “fundo” e “forma” em relação e deste jogo de pares pode extrair sentidos e

conteúdos.

Neste estudo foram realizadas 10 histórias de vida. Na análise das trajectórias

biográficas emerge a atenção ao quotidiano com a adaptação ou não à normalidade de

ocupação do tempo sem emprego, percepção dos modelos de transmissão de normas e

da organização social (Poirer et al., 1999), a que se ligam as estruturas reguladoras dos

comportamentos dos sujeitos no espaço e no tempo onde ocorrem relações de poder

(Araújo, 2006). No caso do desemprego, enquanto processo e fase de vida, foi notório

como cada sujeito se colocava num discurso de relação entre si e os outros, cuja história

raramente se referia a outros desempregados mas fazia emergir interpretações da vida

pessoal e social em diálogo com o poder instituído. De facto, no plano individual

afirma-se “aquilo de que eu preciso”; no plano social, político e institucional já

emergem posições quanto “àquilo que são os direitos dos desempregados”, “à forma

como nos deviam apoiar” e até sugestões no ajustamento do inquérito de investigação

para recolha de mais informação pessoal que consideram interessante.

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148

II. RESULTADOS DO INQUÉRITO POR QUESTIONÁRIO

II.1. CARACTERIZAÇÃO SOCIOGRÁFICA

Os inquiridos do presente estudo (idades compreendidas entre 16 e 60 anos)

apresentam idade média de 40 anos. Os escalões etários distribuem-se de forma

relativamente equitativa. O mesmo não acontece com o nível de instrução (Figura 2),

onde se verifica uma diferença percentual entre níveis de instrução mais básicos (1º, 2º e

3º ciclos) e mais avançados (secundário e superior), sendo que a maioria dos

desempregados aparece entre os primeiros níveis de qualificação.

Quanto à nacionalidade, a generalidade é de nacionalidade portuguesa (cerca de

97%). Os restantes vêm predominantemente de países de língua oficial portuguesa.

<25 anos

19,3%

25-35 anos

18,7%

35-44 anos

21,3%

45-55 anos

21,3%

>55anos

19,3%

1º ciclo

27,3%

2º ciclo

26,7%

3º ciclo

24,7%

Sec. e pós-

secundário

9,3%

Superior

12%

Figura 1. Idade Figura 2. Instrução

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149

No concernente ao estado civil e

situação conjugal, a maior

percentagem (2/3) refere-se a

indivíduos casados ou em união de

facto (66,1%), seguidos de cerca de

23% de solteiros, um pequeno

número de divorciados (9,4%) e

uma percentagem diminuta de

viúvos (1,7%). Entre os solteiros

nota-se um nível de instrução

superior e, entre os divorciados ou

separados de facto, um nível de

instrução secundário ou pós

secundário (χ2=41,255; g.l.=8;

p=0,000).

Solteiro(a)

22,8%

Casado(a) ou

união de facto

66,1%

Divorciado(a)

ou separado (a)

de facto

9,4%

Viúvo(a)

1,7%

Figura 3. Estado civil/situação conjugal

Ao nível da categoria profissional (Figura 4), é possível observar que a maioria é

constituída por: operários, artífices e similares (cerca de 24%); trabalhadores

administrativos (17%); pessoal dos serviços e vendedores (quase 16%). As habilitações

e qualificações de nível médio e superior evidenciam menor representação (técnicos e

profissionais de nível intermédio; especialistas das profissões intelectuais e científicas,

quadros superiores da administração pública e dirigentes). Foi identificado ainda um

grupo, o de maior percentagem, cuja categoria profissional não se enquadra em

nenhuma das assinaladas (26,6%).

Page 164: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

150

Operários

artífices e trab.

similares

23,8%

Pessoal

administrativo e

similares

17%

Pessoal dos

serviços e

vendedores

15,6%Técnicos

profissionais e de

nível intermédio

7,5%

Especialistas das

profissões

intelectuais e

científicas

5,3%

Quadros

superiores da

admin. pública e

dirigentes

4,3% Outra

26,6%

Figura 4. Categoria profissional do inquirido

Apesar de as ocupações terem ocorrido nas actividades profissionais referidas, a

grande maioria dos inquiridos (88,5%) expressaram que se tivessem oportunidade,

mudariam de profissão. A tendência mais comum apontava para uma profissão na área

técnica e de especializações, seguida de áreas administrativas, comercial e serviços

(Figura 5).

O desejo de mudança para áreas artísticas e da saúde é menos expresso. Estes

interesses são superados pela possibilidade de reconversão em profissões de carácter

operário (7,2%) e no âmbito da educação (7,7%). Somente cerca de 1/10 dos inquiridos

manifestou interesse em manter a profissão, o que provavelmente reflecte a proporção

de insatisfação e realização com a actual categoria profissional.

4 ,8 %

5 ,8 %

7 ,2 %

7 ,7 %

1 1 ,5 %

1 6 ,4 %

1 8 ,3 %

2 8 ,4 %

0 % 2 0 % 4 0 % 6 0 % 8 0 % 1 0 0 %

S a ú d e

A r te s

O p e r á r io s

E d u c a ç ã o

A m e s m a

C o m e r c ia l e s e r v iç o s

A d m in is tr a tiv a

T é c n ic o s e e s p e c ia liz a ç õ e s

Figura 5. Área profissional de preferência

Page 165: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

151

Relativamente ao total de inquiridos não solteiros (N=230), a maioria refere que

o cônjuge ou companheiro(a) exerce uma profissão (cerca de 75%). Neste sentido e

como 25% dos cônjuges/companheiros(as) não trabalha, verifica-se uma situação em

que nenhum membro do casal aufere rendimentos do trabalho, o que poderá constituir

índice de precariedade, de insegurança e/ou de dificuldade de sustentabilidade

económica de ¼ das famílias.

Numa caracterização da actividade profissional do cônjuge/companheiro(a),

observa-se, em primeiro lugar, maior diversidade de categorias profissionais do que as

nomeadas pelos próprios inquiridos (Figura 4). A maior percentagem (mais de 15%)

inclui pessoal dos serviços e vendas, operários e artífices, técnicos profissionais e de

nível intermédio e ainda especialistas das profissões intelectuais e científicas. Em menor

número aparece o pessoal administrativo e os trabalhadores não qualificados de minas,

construção e obras. Com representação de menos de 5% vêm os trabalhadores ligados

aos serviços e comércio, às instalações de máquinas e montagem, à agricultura e pescas

e ainda à administração pública e chefia.

Outra diferença está no maior número de especialistas das profissões intelectuais

e científicas e de técnicos profissionais e de nível intermédio.

Trabalhadores ñ

qualificados da

agricultura e

pescas

0,8%

Agricultores e trab.

Qualificados da

agricultura e

pescas

0,8%

Operadores de

instalações e

máquinas e trab.

de montagem

1,7%

Trabalhadores ñ

qualificados dos

serviços e

comércio

3,3%

Quadros superiores

da admin. pública e

dirigentes

4,2%

Trabalhadores ñ

qualificados das

minas, construção

e obras

6,7%

Pessoal

administrativo e

similares

10%

Especialistas das

profissões

intelectuais e

científicas

15,8%

Técnicos

profissionais e de

nível intermédio

17,5%

Operários, artífices

e trab. similares

18,3%

Pessoal dos

serviços e

vendedores

20,8%

Figura 6. Categoria profissional do cônjuge/companheiro(a)

Page 166: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

152

Relativamente à situação quanto a emprego dos pais (Figura 7), pode verificar-se

que a quase totalidade dos pais tem ou teve actividade profissional, o que não acontece

com as mães, com menor envolvimento no mercado de trabalho (54,1%), revelando um

padrão geracional onde o papel doméstico da mulher sempre foi dominante.

91,1%

8,9%

54,1%

45,9%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Trabalha/trabalhou Não trabalha/trabalhou

Pai

Mãe

Figura 7. Situação dos pais dos inquiridos face ao trabalho

Nas Figuras 8 e 9, é apresentada uma caracterização da profissão exercida

actualmente ou no passado, por pais e mães dos inquiridos.

Relativamente aos pais, pode verificar-se que a maioria são (ou foram), por um

lado, operários ou artífices e, por outro, técnicos profissionais e de nível intermédio.

Com cerca de 10% surgem os casos ligados a agricultura e pescas em nível qualificado,

como serviços e vendas e ainda às especializações intelectuais e científicas. Com menos

peso percentual surgem profissões não qualificadas no âmbito da agricultura e pescas,

serviços e vendedores, minas e construção bem como pessoal administrativo e quadros

superiores da administração pública e dirigentes.

Page 167: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

153

Trabalhadores ñ

qualificados da

agricultura e pescas

0,9%

Quadros superiores da

administração pública e

dirigentes

1,8%

Trabalhadores ñ

qualificados dos

serviços e

comércio

2,3%

Pessoal administrativo

e similares

4,1%

Operadores de

instalações e máquinas

e trabalhadores de

montagem

4,6%

Trabalhadores ñ

qualificados das minas,

construção e obras

6,4%

Pessoal dos serviços e

vendedores

10,9%

Especialistas

das profissões

intelectuais e

científicas

10,9%

Agricultores e

trabalhadores

qualificados da

agricultura e pescas

13,2%

Técnicos profissionais e

de nível intermédio

21,8%

Operários, artífices e

trab. Similares

23,2%

Figura 8. Profissão dos pais dos inquiridos

No que se refere às mães, verifica-se diferente e menos heterogénea distribuição

pelas várias profissões, sendo as mais mencionadas, as ligadas a serviços e vendas, ao

operariado, com significativa parcela de especialistas das profissões intelectuais e

científicas e trabalhadoras não qualificadas dos serviços e comércio.

Quadros superiores

da administração

pública e dirigentes

2,4% Pessoal

administrativo e

similares

4,7%

Trabalhadores ñ

qualificadores das

minas, construção e

obras

6,3%

Agricultores e

trabalhadores

qualificados da

agricultura e pescas

7,1%

Técnicos e

profissionais de

nível intermédio

7,1%

Trabalhadores ñ

qualificados dos

serviços e comércio

12,6%

Especialistas das

profissões

intelectuais e

científicas

16,5%

Operários, artífices

e trabalhadores

similares

17,3%

Pessoal dos serviços

e vendedores

26%

Figura 9. Categorial profissional das mães dos inquiridos

Page 168: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

154

II.2. ECOLOGIA HABITACIONAL E FAMILIAR DO DESEMPREGO

Quanto à situação habitacional dos inquiridos (Figura 10), verifica-se que mais

de metade reside em casa própria (não há indicação de hipoteca ou não). Seguem

situações de residência em casa alugada e em casa dos pais, em percentagens muito

próximas. Menor percentagem reside em quarto alugado.

Sendo a residência em casa dos pais factor importante da comunidade de

recursos e sustentabilidade económica perante o desemprego, considerou-se relevante

apresentar (Figura 11) uma caracterização da situação familiar dos inquiridos em tais

condições (N=57). Da leitura deste gráfico, pode concluir-se que cerca de 2/3 dos

residentes em casa dos pais são solteiros; os restantes casados/união de facto (19,3%) ou

divorciados/separados de facto (15,8%).

Casa própria

(hipotecada

ou não)

55,5%

Casa alugada

19,7%

Casa dos pais

19,1%

Quarto

alugado

4,4%

Outra situação

1,3%

Solteiro

64,9%

Casado(a) ou

união de facto

19,3%

Divorciado(a)

ou separado(a)

de facto

15,8%

Figura 10. Tipo de habitação dos inquiridos

Figura 11. Situação familiar dos inquiridos que residem em casa dos pais

Os inquiridos não se encontram em circunstância residencial de isolamento,

sendo que mais de metade vive com 2 ou 3 pessoas, 26% com 4 ou mais pessoas e

apenas 18,1% com 1 pessoa.

Quanto à constituição do agregado familiar, nota-se que quase metade dos

inquiridos tem o seu próprio agregado familiar (mulher ou marido ou companheiro/a e

filhos). Cerca de 20% constitui família nuclear confinada aos cônjuges e 5% apenas

com os filhos (famílias monoparentais). O agregado familiar de 20% dos indivíduos é

família alargada a três gerações (pais/irmãos/avós). Para a percentagem residual de

0,7% de inquiridos o agregado familiar é constituído pelo próprio mais os avós.

Page 169: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

155

18,1%

55,9%

26,0%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1 Pessoa 2-3 pessoas 4 pessoas ou mais

Pais, irmãos e

avós

0,7%

Avós

0,7%

Outros

3,2%

Filho(s)

5%

Pais e irmãos

9%Pais

10,4%

Conjuge ou

companheiro(a)

21,9%

Conjuge ou

companheiro(a)

e filho(s)

48,9%

Figura 12. Número de elementos do agregado

familiar (além do inquirido) Figura 13. Constituição do agregado familiar

Note-se que, em cerca de 1/4 dos agregados domésticos, coexistem mais pessoas

à procura de emprego, factor que certamente contribui para a fragilização de auto-

sustentação e equilíbrio. Observa-se ainda que o contacto com pessoas desempregadas é

comum na restante esfera social dos inquiridos (78,2% tem outros familiares ou amigos

desempregados).

Uma análise da proximidade geográfica entre familiares mais directos permite

afirmar que, no geral, existe grande proximidade: quase 30% reside na mesma freguesia

e cerca de 24% no mesmo concelho. Apenas 4% refere ter a família mais chegada em

outro país (Figura 14).

II.3. SOCIABILIDADE FAMILIAR

Quanto à visita entre familiares, a periodicidade diária ou semanal é a prática

mais comum (56,1%). Neste caso, salienta-se que 72,2% residem na mesma freguesia

ou concelho e 21,6% no mesmo distrito. Ainda uma elevada proporção de inquiridos

(37%) expressam visitas pontuais ou a sua inexistência. Por fim, uma minoria (6,8%)

expressa uma prática mensal de visitas. Visto que a proximidade geográfica e os

contactos sociais entre os familiares mais chegados são factores protectores (psicológico

e de integração social) face ao desemprego, parecem merecedores de registo os altos

índices de acessibilidade geográfica e de sociabilidade revelados pelos inquiridos.

Page 170: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

156

Mesma

freguesia

29,7%

Mesmo

concelho

23,9%

Mesmo

distrito

24,2%

Noutro

distrito

18,1%

Noutro país

4,1%

Mensalmente

6,8%Pontualmente

ou nunca

37,1%

Diária ou

semanalmente

56,1%

Figura 14. Local de residência dos familiares mais

próximos Figura 15. Frequência de visitas na família

II.4. SOLIDARIEDADE E APOIO FAMILIAR

Relativamente à ajuda de familiares, a maioria (70%) afirma não receber

qualquer tipo de ajuda, mas ainda assim é expressiva a percentagem dos que dela

beneficiam (30%)145.

Quanto ao tipo de ajuda (Figura 16) predomina o financeiro (53,4%). No

entanto, a ajuda no alojamento é também identificada por bastantes inquiridos (21,9%).

Num terceiro nível e com expressão análoga surgem duas ajudas: cuidar dos filhos

(12,3%) e alimentação (11%).

145 Este valor é muito superior ao referido quanto à questão da capacidade de poupança do agregado doméstico em que apenas 6% afirma necessidade de endividamento ou ajuda. Pode deduzir-se que os inquiridos recorrem aos familiares antes de recorrer ao endividamento, o que permite sublinhar o papel fundamental das famílias no apoio aos seus desempregados.

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157

Outra

1,4%

Alimentação

11,%

Tomar conta

dos filhos

12,3%

Alojamento

21,9%

Ajuda

financeira

53,4%

Figura 16. Natureza da ajuda familiar recebida

II.5. PROTECÇÃO SOCIAL E SITUAÇÃO FINANCEIRA

Quanto ao rendimento financeiro dos agregados domésticos (Figura 17),

observa-se que cerca de metade dispõe de rendimentos superiores a 749€ mensais. No

escalão de rendimentos de 500€ a 748€ mês enquadram-se 23,2%. O destaque incide,

no entanto, sobre inquiridos cujos agregados dispõem de rendimento mensal inferior a

499€ mês, sugerindo condições de pobreza e exclusão social. De notar ainda que 102

dos inquiridos não expressaram o escalão de rendimento.

2,0%

4,0%

11,6%

23,2%

19,7%

23,2%

16,2%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

<=150 €/mês

151-299 €/mês

300-499 €/mês

500-748 €/mês

749-998 €/mês

999-1496 €/mês

=>1497 €/mês

Figura 17. Rendimento financeiro do agregado familiar

Complementando estes dados com informação relativa à capacidade de

poupança, verifica-se que a sustentabilidade económica da generalidade dos agregados

se caracteriza de precária (respectivamente 37,2% gastam todo o dinheiro de que

dispõem, 40,1% tem de prescindir de certos bens necessários e 6,4% chega a precisar de

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158

se endividar ou de ajudas146). Somente 16,3% dos agregados dá sinais de estabilidade

económica, na medida em que refere capacidade de poupança.

Necessidade de

endividamento

ou de ajudas

6,4%

Conseguem

poupar

16,3%

Gastam todo o

dinheiro de que

dispõem

37,2%

Prescindem de

certos bens de

que

necessitavam

40,1%

Figura 18. Capacidade de poupança do agregado familiar

Sobre a protecção social, nota-se que a maioria dos inquiridos (86,2%) beneficia

de subsídio de desemprego. Entre os restantes (N=38), identifica-se assinalável

proporção de situações de precariedade, dado que, ocorrendo o desemprego em muitos

casos por motivos não imputáveis aos inquiridos (fim do contrato e fecho da empresa,

por exemplo), estes não recebem subsídio de desemprego. Os indivíduos sem subsídio

têm normalmente o 2º ciclo de escolaridade (χ2=12,829; g.l.=3; p=0,005).

2,8%

5,6%

8,3%

11,1%

16,7%

25,0%

30,6%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Doença

Motivos familiares

Empresa fechou

Outro

Foi despedido

Despediu-se

Terminou o contrato

Figura 19. Motivos para o desemprego entre os inquiridos que não auferem subsídio de desemprego

146 É de supor que a expressão “pedir ajuda” possa ter sido interpretada como recurso ao exterior da família nomeadamente endividamento, uma vez que se encontram valores muito díspares na comparação das respostas a duas questões no inquérito, como já foi referido. De facto, por um lado, em outra questão, 30% afirmam beneficiar de ajuda e, por outro, nesta questão, apenas 6,4% assinalam a necessidade de endividamento ou de ajuda.

Page 173: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

159

Ainda 5,5% dos inquiridos auferem diferente tipo de subsídio ou pensão, com

destaque para o rendimento social de inserção (RSI).

Na Figura 20 encontra-se identificado o escalão de subsídio de desemprego e

pensão. Aqui há a salientar o significativo número de inquiridos (73 indivíduos) que não

expressaram o valor recebido. Não obstante, para o total de inquiridos que prestaram

informação (N=227) aparece uma concentração em torno dos limites inferior e superior

do salário mínimo nacional, nomeadamente, 37,2% com subsídio entre 300€ e 499€

mensais e 26,5% entre 500€ a 748€ mensais.

Há que realçar ainda a percentagem de inquiridos com subsídios inferiores a

299€ mensais (13%), situados assim em limiar de pobreza e de exclusão social e

económica, considerando, nomeadamente, que 2,3% estão no escalão mínimo 0 a 150€

mensais. Por contraste, 23% dos inquiridos auferem prestação mais generosa (valor

superior a 749€).

2,3%

10,7%

37,2%

26,5%

9,8%

13,5%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

<=150 €/mês

151-299 €/mês

300-499 €/mês

500-748 €/mês

749-998 €/mês

=>999 €/mês

Figura 20. Subsídio de desemprego ou outro tipo de subsídio ou pensão auferida

Tais dados assumem especial relevância quando se verifica que cerca de 2/3 dos

inquiridos tem como principal fonte de sobrevivência o subsídio. Destaca-se ainda a

assumpção da família como importante estrutura de sustentação e apoio para cerca de

1/3 dos inquiridos, onde cônjuge/companheiro(a) assim como os pais têm particular

destaque. Assiste-se, por último, a uma percentagem residual cuja principal fonte de

sobrevivência é trabalho ocasional (1,3%) ou outro não referido (1%).

Page 174: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

160

Outros

familiares

0,7%

Pensão

1%

Rendimento

social de

inserção

1%

Outro

1%

Trabalho

ocasional

1,3%

Pais

12,1%

Conjuge ou

companheiro(a)

17,8%

Subsídio de

desemprego

65,1%

Figura 21. Principal fonte de sobrevivência II.6. VALORES SOCIAIS

Quando questionados sobre a importância de um conjunto de valores sociais, os

indivíduos demonstram preocupação especial com a vida familiar e o emprego (Figura

22). Valores como amizade e vida social são relegados para segundo plano: 29% não dá

qualquer importância aos amigos e 60% não se interessa pela vida social. À política e à

religião dá-se importância quase nula.

1,3%

9,1%

19,7%

28,7%

79,8%

93,9%

2,6%

6,1%

20,2%

42,6%

16,7%

4,2%

96,3%

84,8%

60,1%

28,7%

3,5%

1,9%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Participação política

Participação religiosa

Vida social

Amigos

Emprego

Vida familiar

Muito importante Mais ou menos importante Nada importante

Figura 22. Valores sociais

Page 175: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

161

Na análise da importância média147 de valores segundo a categoria etária148,

observam-se variações no posicionamento face à vida social (k-s(4)=20,04; p<.001) e à

religião (k-s(4)=14,12; p<.05). Assim, é possível afirmar com significância estatística

que os inquiridos com mais de 55 anos dão mais importância à vida social do que as

outras categorias etárias (com excepção do grupo entre 45 e 54 anos). No respeitante à

participação religiosa, os mais idosos (> 55 anos) dão mais importância do que os mais

jovens (<25 anos e entre 25 a 34 anos) – Vide Figura 23.

1

1,2

1,4

1,6

1,8

2

2,2

2,4

2,6

2,8

3

<25 anos 25-34 anos 35-44 anos 45-54 anos >55 anos

Participação política

Participação religiosa

Vida social

Amigos

Emprego

Vida familiar

Figura 23. Posicionamento valorativo médio dos valores (Escala: 1=Muito importante e 3= Nada importante)

Deve ainda salientar-se a inexistência de diferenças significativas entre homens

e mulheres no concernente aos valores sociais.

Quanto à vida social, verifica-se que os indivíduos com o 1º ciclo tendem a

considerar a vida social importante, enquanto os indivíduos com o 3º ciclo tendem a

mostrar-se indiferentes à vida social (χ2=27,796; g.l.= 8; p=0,001).

147 É de recordar que os valores médios calculados oscilam entre 1=Muito importante e 3= Nada importante. 148 Foi utilizado para o efeito o teste Kruskall-Wallis.

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162

II.7. RELAÇÃO DOS DESEMPREGADOS COM O DISPOSITIVO PÚBLICO DE

EMPREGO: RELAÇÃO COM OS CENTROS DE EMPREGO (CE) E

EXPECTATIVAS

Da totalidade dos desempregados da amostra, somente 1% não está inscrito no

CE149; a quase totalidade encontra-se vinculada a esta entidade. Sobre o tempo de

inscrição no CE, verifica-se que 26,2% estão inscritos há menos de 6 meses, cerca de

metade (51%) entre 6 meses a 1 ano e 22,8% há mais de 1 ano. Constituindo a inscrição

para emprego uma obrigatoriedade para o benefício do subsídio de desemprego

(auferido por 86,2%), as percentagens apresentam tendência temporal semelhante à

expressa pelos inquiridos relativamente ao tempo de desemprego (Figura 24), facto

reforçado pela correlação positiva - considerada moderada a forte consoante os autores -

(R Spearman=0,59, p <.001).

>12 meses

22,8%

6 a 12

meses

51%

<6 meses

26,2%

Figura 24. Tempo de inscrição no CE

Note-se, porém, alguma incongruência de respostas entre os inquiridos inscritos

há mais de 12 meses (14,1% declararam estar desempregados há menos de 6 meses e

outros 31,3% entre 6 a 12 meses).

149 Trata-se de indivíduos que se deslocaram ao CE a informar-se sobre procedimentos para: requerer o subsídio de desemprego, aceder à formação profissional e criar o próprio emprego.

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163

80,6%

0,7%

14,1%

11,9%

88,4%

31,3%

6,0%

9,6%

46,9%

1,5%

1,4%

7,8%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Inscrito há <6meses

Inscrito entre 6 a 12 meses

Inscrito há >12 meses

Desempregado há <6 meses Desempregado entre 6 a 12 meses Desempregado entre 12 a 24 meses Desempregado há >24 meses

Figura 25. Tempo de inscrição no CE de acordo com o tempo de desemprego

A idade revela-se factor associado ao tempo de inscrição no CE e por isso se

conclui que quanto mais idade, mais alargado no tempo o vínculo ao CE, conclusão

reforçada pela correlação positiva e moderada entre as duas variáveis (R de Spearman=

0,446, p <.001) – Figura 26. Entre homens e mulheres não existem diferenças no que

respeita a tempo de inscrição.

53,9%

5,4%

9,1%

25,0%

16,2%

15,2%

15,8%

23,6%

21,2%

5,3%

25,7%

33,3%

29,1%

21,2%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Menos de 6 mese s

6 mese s a 1 ano

1 ano ou mais

menos de 25 anos

25 a 34 anos

35 a 44 anos

45 a 54 anos

mais de 55 anos

Figura 26. Tempo de inscrição no CE de acordo com a categoria etária

O mesmo não acontece com o nível de instrução (χ28,290 = 46,62; p < .001), em

que se verifica uma tendência de inquiridos com 2º ciclo completo (n=27; residual=2,2)

e com ensino superior (n=19; residual=4,2) estarem associados a uma inscrição mais

curta (menos de 6 meses). A análise descritiva mostra ainda que indivíduos com o 1º

ciclo do ensino básico (n=55; residual=3,6) estão inscritos predominantemente entre 6

meses e 1 ano (Figura 27).

Page 178: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

164

2,6%

37,2%

36,4%

35,5%

23,6%

21,2%

25,0%

25,0%

24,2%

11,8%

6,1%

13,6%

25,0%

8,1%

4,5%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Menos de 6 meses

6 meses a 1 ano

1 ano ou mais

1º ciclo

2º ciclo

3ºciclo

Secundário

Superior

Figura 27. Tempo de inscrição no CE de acordo com o nível de instrução

Ao examinar, para homens e mulheres, a associação de algumas variáveis com o

tempo de inscrição no CE, foi possível concluir que os homens inscritos há menos de 6

meses tendem a receber ajuda de familiares (χ2 8,715; g.l. 2; p. 0,013) assim como a

passar o mesmo ou nenhum tempo com os filhos (χ2 7.430; g.l.2; p. 0,024). Os

desempregados entre 6 meses e 1 ano tendem ao pessimismo quanto à possibilidade de

“arranjar emprego actualmente” (χ2 8,229; g.l.; p. 0,016) e a não concordar que “ter um

emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” (χ2 6,124; g.l. 2; p. 0.047)150.

As mulheres desempregadas há menos de 6 meses tendem a concordar que, após

o desemprego, “deixaram de saber o que fazer com o tempo disponível” (χ2 8,467; g.l.

2; p. 0.014).

As deslocações dos desempregados ao CE podem ocorrer de forma voluntária

para requerer subsídio de desemprego, procurar emprego, orientação ou formação

profissional, por exemplo, ou por convocatória deste organismo para efeitos de

apresentação quinzenal151 caso aufiram subsídio, prova do cumprimento da

obrigatoriedade da procura de emprego, controlo de faltas, ofertas de emprego ou

encaminhamento para formação profissional, por exemplo. Nesse sentido, uma análise

150 Apesar deste destaque esta associação é ténue e pouco significativa. 151 Em 2006 foi publicada legislação relativa ao subsídio de desemprego, que passou a definir a obrigatoriedade de apresentação quinzenal dos desempregados com subsídio, bem como fazer prova do cumprimento da obrigatoriedade da procura de emprego. A legislação anterior obrigava à apresentação mensal, situação em que se encontram os inquiridos, uma vez que o inquérito decorreu entre Dezembro de 2005 e Fevereiro de 2006.

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165

da frequência de deslocações ao CE constitui indicador do dinamismo relacional entre

desempregados candidatos a emprego e dispositivo público de emprego. Verificando-se

que as situações mais comuns entre inquiridos (cerca de 2/3) correspondem a uma

deslocação mensal (34,3%) ou menos (30,7%)152, pode considerar-se o rácio de

dinamismo baixo. Só o restante terço de inquiridos mantém contacto mais frequente

com o CE, efectuando, em média, duas (20,1%) ou mais (15%) deslocações por mês.

30,7%

34,3%

20,1%

15,0%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Nenhuma deslocação

Uma deslocação/mês

Duas deslocações/mês

Três ou mais deslocações/mês

Figura 28. Deslocações mensais ao CE

A maioria dos inquiridos (86,9%) tem o CE como útil, a sua inscrição no CE153.

No entanto, cerca 1/10 dos inquiridos (13,1%), não lhe reconhece utilidade.

O recurso a esta instituição encontra-se associado a diferentes motivações ou

expectativas. Assim, pode afirmar-se que a principal expectativa, expressa por 68,7%, é

o “emprego”, ou seja, conseguir o reingresso no mercado de trabalho, nomeadamente

através de propostas de ofertas de emprego. A expectativa de alguns não revela, no

entanto, prioridade no regresso imediato ao mercado de trabalho, mas sim num

investimento em factores promotores da sua empregabilidade. Neste contexto, 16,2%

esperam que o CE proporcione a oportunidade de “formação profissional” e 3,8%

“orientação profissional”154. Uma percentagem reduzida (6,5%) refere, no entanto,

como expectativas a oportunidade de criação do próprio emprego. Aqui se incluem 152 Aqui se incluem 81% daqueles que não auferem subsídio de desemprego e 92% dos que apenas recebem outro apoio social como o Rendimento Social de Inserção (RSI). 153 Note-se que 87% de reconhecimento de utilidade ao CE contrasta com o contacto muito reduzido e, como se viu no capítulo V, com a muito baixa colocação no mercado de trabalho. É provável que outros motivos que não o emprego justifiquem o sentido de utilidade do CE. Estes dados podem ainda resultar do jogo de expectativas dos inquiridos em relação aos inquiridores. 154 Procedimento aliás obrigatório no contexto do acesso à formação profissional da rede de Centros de Formação Profissional do IEFP.

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166

expectativas de apoio à estruturação e implementação de projecto empresarial.

Percentagem mais escassa manifesta a expectativa de procedimentos para requerimento

da prestação social de desemprego.

Outra

0,7%

Orientação

profissional

3,8%

Subsídio de

desemprego

4,1%

Criação do

próprio

emprego

6,5%

Formação

16,2%

Emprego

68,7%

Figura 29. Expectativas quanto ao apoio prestado pelo CE

Os indivíduos com nível de instrução superior tendem a esperar um processo de

orientação e encaminhamento para formação profissional, enquanto indivíduos com

escolaridade de 2º ciclo têm como expectativa tratar do subsídio (χ2=15,959; g.l.=8;

P=0,043).

A análise descritiva mostra ainda que, apesar de, no geral, os inquiridos

adoptarem uma atitude positiva quanto à possibilidade de emprego (56%), é entre os

que mais vezes se deslocam ao CE (três ou mais vezes por mês) que mais parece existir

esperança de encontrar emprego155.

155 Na variável “possibilidade de arranjar emprego actualmente” agregaram-se as respostas “muito provável” e “nada provável” (categoria “optimista”) e as respostas “pouco provável” ou “nada provável” (categoria “pessimista”). Passou assim a tratar-se a variável de forma dicotómica e com maior número de frequências em cada uma.

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167

54,8%

58,0%

51,0%

65,6%

45,2%

42,0%

49,0%

34,4%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Nenhuma

Uma vez por mês

Duas vezes por mês

Três ou mais vezes por mês

Optimista

Pessimista

Figura 30. Atitude face à possibilidade de encontrar emprego de acordo com a média de deslocações ao CE

Utilizou-se a variável “tempo de inscrição no CE” como equivalente à variável

“tempo de desemprego” por forma a abranger os candidatos a primeiro emprego. Ocorre

uma semelhança na distribuição entre inquiridos do sexo masculino e sexo feminino,

quanto a receberem ajuda de familiares, em função do tempo de inscrição no CE. Os

inquiridos com menor tempo de inscrição (menos de 6 meses) são os que mais revelam

receber ajuda de familiares (46,43% do sexo feminino e 41,86% do sexo masculino). Os

que menos revelam receber ajuda de familiares encontram-se inscritos entre 6 meses e 1

ano (22,97% do sexo feminino e 16,67% do sexo masculino). Apesar da presente

semelhença de distribuições entre sexos, verifica-se tendência estatisticamente

significativa para os homens desempregados há menos de 6 meses receberem ajuda de

familiares (χ2=8,715; g.l.=2; p=0,013).

Nos diferentes tempos de inscrição no CE, o escalão de subsídio de desemprego

ou pensão mais auferido é de 300€ a 499€ mensais. Os inscritos há menos de 6 meses,

revelam maior proporção de escalões mais baixos de subsídio (20% inferior a 299€

mensais) assim como a menor percentagem de escalões mais elevados (17,5% com mais

de 749€.

Em oposição, os inscritos entre 6 meses e 1 ano revelam maior percentagem de

escalões de subsídio mais elevados (26,83% superiores a 749€ mensais) e menor

proporção de escalões de subsídio mais baixos (11,39% inferiores a 299€ mensais), a

par dos inscritos há mais de 1 ano (12,5%). Apesar destes destaques, não se verifica

relação estatisticamente significativa entre tempo de inscrição no CE e escalão de

subsídio de desemprego ou pensão.

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168

É no grupo de inscritos há mais de 1 ano que se verifica maior percentagem de

agregados com rendimentos menos elevados (menos de 300€ mensais), que, no seu

conjunto, totalizam 24,45%. Em contrapartida, é também neste grupo que se regista a

maior percentagem de agregados com rendimentos mais elevados (mais de 999€

mensais), nomeadamente 46,66%; de realçar os rendimentos entre 999€ e 1496€

mensais que, com 33,33%, constitui a maior percentagem dos 3 grupos de inscritos no

CE. Contudo, não se verifica relação estatisticamente significativa entre tempo de

inscrição no CE e escalão de rendimento do agregado doméstico.

Quanto à média de deslocações dos inquiridos ao CE em função do tempo de

inscrição, verifica-se que os inquiridos com menos de 6 meses de inscrição são os que

se deslocam menos de 3 vezes ao CE.

Em termos genéricos, é de assinalar o reduzido recurso ao CE em qualquer

grupo de inscritos, nomeadamente: a elevada percentagem dos que em média não fazem

qualquer visita ao CE (33,87% dos inscritos há menos de 6 meses, 27,91% dos inscritos

entre 6 meses e 1 ano e 34,48% dos inscritos há mais de 1 ano); a elevada percentagem

que em média faz uma visita ao CE (29,03% dos inscritos há menos de 6 meses, 36,43%

dos inscritos entre 6 meses e 1 ano e 36,21% dos inscritos há mais de 1 ano).

Em consonância com a semelhança de distribuições de deslocações médias dos

inquiridos em função do tempo de inscrição no CE, pode acrescentar-se que não se

verifica uma relação estatisticamente significativa entre tempo de inscrição no CE e

escalão de rendimento do agregado doméstico.

A principal expectativa dos inquiridos face ao CE é um emprego. Têm esta

expectativa 62,16% dos inquiridos inscritos no CE há menos de 6 meses, aumentando

para os 73,43% nos inscritos entre 6 meses e 1 ano e passando para 65,63% nos

inscritos há mais de 1 ano.

A segunda expectativa tem a ver com formação e vai decrescendo com o tempo

de desemprego (referida por 24,32% dos inscritos há menos de 6 meses, 14,69% dos

inscritos entre 6 meses e 1 ano e somente 10% dos inscritos há mais de 1 ano).

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169

Em contrapartida, a expectativa de

criar próprio emprego, ainda que reduzida,

vai aumentando com o tempo de

desemprego (4,05% dos inscritos há menos

de 6 meses, 6,29% dos inscritos entre 6

meses e 1 ano e 9,38% dos inscritos há mais

de 1 ano).

Tratar do subsídio de desemprego,

orientação profissional, etc., são

expectativas com expressão muito reduzida

em qualquer dos grupos (0 e 6,29%).

Não se verifica uma relação estatisticamente significativa entre tempo de inscrição no

CE e expectativas.

A procura de emprego caracteriza a generalidade dos inquiridos,

independentemente do tempo de inscrição no CE. Apesar disto, verifica-se uma ligeira

flutuação das respectivas percentagens consoante o tempo de desemprego (13,89% dos

inquiridos inscritos há menos de 6 meses não procuram de emprego, reduzindo a

percentagem para 8,28% nos inscritos entre 6 meses e 1 ano e atingindo o máximo -

17,19% - nos inscritos há mais de 1 ano).

Em consonância com a semelhança de

percentagens de inquiridos que se encontram ou

não à procura de emprego actualmente por tempo

de inscrição no CE, pode ainda referir-se que não

se observa relação estatisticamente significativa.

Na Figura 32 observa-se a diferença de

atitude de inquiridos do sexo feminino e

masculino no que se refere à posição perante a

possibilidade de emprego actualmente, em

Figura 31 Distribuição percentual das expectativas face ao

CE e tempo de inscrição no CE

Figura 32 Distribuição percentual das expectativas face ao

CE e tempo de inscrição no CE por género

Page 184: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

170

função do tempo de inscrição no CE.

O sexo feminino vai diminuindo o optimismo com o aumento do tempo de

inscrição no CE. A maioria das inquiridas inscritas há menos de 6 meses (70,97%)

manifesta optimismo quanto a arranjar emprego, optimismo que diminui para 49,32%

das inscritas entre 6 meses e 1 ano e atinge a percentagem mínima de 43,75% nas

inscritas há mais de 1 ano. Comparativamente, maior percentagem de inquiridos do

sexo masculino (65,52%) revela optimismo, quando o tempo de inscrição no CE excede

1 ano.

De notar que o sexo masculino apresenta oscilações no seu optimismo ao longo

do tempo de desemprego. A maior percentagem de inquiridos optimistas (73,7%)

verifica-se quando se encontram inscritos há menos de 6 meses, diminuindo para 46%

nos inscritos entre 6 meses e 1 ano e aumentando para 65,5% nos inscritos há mais de 1

ano.

Verificando-se uma relação estatisticamente significativa entre “tempo de

inscrição no CE” e “possibilidade de arranjar emprego actualmente” (χ2=11,363; g.l.=2;

p=0,003), tal associação decorre do posicionamento do sexo masculino (χ2=8,229;

g.l.=2; p=0,016), donde se infere tendência para homens desempregados entre 6 meses e

1 ano terem atitude pessimista.

III. SITUAÇÕES E ATITUDES FACE AO EMPREGO A PARTIR DO

INQUÉRITO

III.1. SITUAÇÃO FACE AO EMPREGO

A quase totalidade dos inquiridos (96%) já teve emprego remunerado, ao passo

que 4% se encontram à procura de primeiro emprego (Figura 33).

Page 185: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

171

Já teve

emprego

remunerado

96%

Nunca teve

emprego

remunerado

4%

Figura 33. Situação face ao emprego

III.2. DURAÇÃO DO DESEMPREGO E VARIÁVEIS ASSOCIADAS

Sobre o total de inquiridos que tiveram emprego remunerado, nota-se que a

situação mais frequente é a de desemprego de média duração (3/4 entre 6 meses e 1

ano); 23,5% desemprego há menos de 6 meses; 20% desemprego de longa duração

(DLD), com maior presença entre 1 e 2 anos. Apesar de reduzida, há ainda a proporção

de 2,8% desempregados há mais de dois anos que poderá indiciar maior fragilidade

social.

Para 60,5% é a primeira vez que se encontram desempregados; resta uma

percentagem de cerca de 40% para quem a situação se repete.

23,5%

56,5%

17,2%

2,8%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

<6 meses

6 a 12 meses

12 a 24 meses

>24 meses

Figura 34. Duração da situação de desemprego

Page 186: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

172

Não há diferenças entre homens e mulheres no respeitante à duração do

desemprego.

Considerando a idade (χ212,285 = 89,95; p <.001), verifica-se tendência para que

os mais jovens com menos de 25 anos (n=29; residual=6,9) e 25-34 anos (n=23;

residual=3,7) estejam desempregados há menos tempo (menos de 6 meses). Os mais

idosos, menos de 55 anos (n=42; residual=2,7), estão desempregados entre 6 meses e 1

ano e entre 1 e 2 anos. Além disso, os indivíduos entre 45-54 anos (n=18; residual=2,6)

tendem a permanecer mais tempo no desemprego (mais de 1 ano, nomeadamente mais

de 2 anos).

43,3%

8,1%

6,1%

12,5%

34,3%

16,8%

4,1%

25,0%

16,4%

24,2%

22,4%

25,0%

4,5%

24,8%

36,7%

37,5%

1,5%

26,1%

30,6%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Menos de 6 meses

6 meses a 1 ano

1 a 2 anos

Mais de 2 anos

menos de 25 anos

25 a 34 anos

35 a 44 anos

45 a 54 anos

mais de 55 anos

Figura 35. Duração do desemprego por escalão etário

Tendo em conta o nível de instrução (χ212,285 = 41,93; p < .001), é possível

verificar uma tendência para os inquiridos mais escolarizados (com nível superior;

n=16; residual= 3,6) estarem desempregados há menos tempo (menos de 6 meses). Ao

contrário, os menos escolarizados estão desempregados há mais tempo: 1º ciclo (1 a 2

anos); 2ºciclo (mais de 2 anos); 3º ciclo (1 a 2 anos); secundário (mais de 2 anos).

Page 187: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

173

4,5%

34,8%

42,9%

25,0%

28,4%

24,8%

16,3%

37,5%

28,4%

23,6%

30,6%

12,5%

14,9%

8,7%

2,0%

25,0%

23,9%

8,1%

8,2%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Menos de 6 meses

6 meses a 1 ano

1 a 2 anos

Mais de 2 anos

1º ciclo

2º ciclo

3ºciclo

Secundário

Superior

Figura 36. Duração do desemprego por nível de instrução

Analisando o tempo de duração do último emprego (Figura 37) é possível

verificar que, na sua maioria (58,7%), as situações de desemprego ocorrem previamente

à possibilidade de admissão como efectivos, ou seja, até perfazerem 3 anos em empresa.

Neste caso, as situações de permanência no emprego entre 1 a 3 anos (39,5%) e as

inferiores a 1 ano (19,2%) constituem a segunda situação mais frequente.

A permanência no último emprego por um período superior a 4 anos, caracteriza

41,3% dos inquiridos, destacando-se 11,4% em situação de desemprego após mais de 30

anos no último emprego.

Na Figura 38 apresenta-se o tempo de permanência na última empresa, somente

para inquiridos cujo motivo de desemprego foi a cessação de contrato (N=92). O que se

deduz do gráfico permite identificar que as situações de cessação do contrato incidem

quase na totalidade (90,9%) sobre casos de permanência na empresa até 3 anos. Tal

facto, poderá constituir um indicador das tendências de contratação do mercado,

orientadas para contratualização de curta duração, onde são evitadas as situações de

efectividade, com consequentes impactos negativos ao nível do desemprego e da

fixação e estabilização do know how experiencial.

Page 188: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

174

19,2%

39,5%

9,6%

7,0%

5,5%

4,4%

3,3%

11,4%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

<1 ano

1-3 anos

4-10 anos

11-15 anos

16-20 anos

21-25 anos

26-30 anos

>30 anos

34,1%

56,8%

1,1%

2,3%

2,3%

1,1%

0,0%

2,3%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

<1 ano

1-3 anos

4-10 anos

11-15 anos

16-20 anos

21-25 anos

26-30 anos

>30 anos

Figura 37. Duração do último emprego Figura 38. Duração do último emprego (entre os que

terminaram contrato)

III.3. MOTIVO DE CESSAÇÃO DO ÚLTIMO EMPREGO

Na Figura 39, apresentam-se os motivos que levaram ao desemprego. Pode

observar-se que a situação de cessação de contrato foi a mais frequente (32,7%),

seguida de encerramento da empresa (23,9%). Surgem ainda o despedimento sem justa

causa e os casos de pré-reforma.

As situações de desemprego decorrentes de factos associados ao trabalhador

(auto e hetero despedimento, doença e condicionamentos familiares) representam

31,2%, com realce para 3,9% por despedimento (não discriminado). Esta categoria é

complexa e inclui uma variedade de situações como: despedimento por extinção do

posto de trabalho; despedimento colectivo; auto-despedimento devido a salários em

atraso; acordo de revogação para despedimento de efectivos devidamente fundamentado

com vista a redução de postos de trabalho devido a reestruturação empresarial.

1,05%

1,40%

1,75%

5,61%

10,18%

23,86%

23,86%

32,68%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Motivos familiares

Pré-reforma

Doença

Despediu-se

Outro

Empresa fechou

Foi despedido

Terminou o contrato

Figura 39. Motivos para o desemprego

Page 189: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

175

Apesar de não existirem diferenças estatisticamente significativas quanto ao

motivo de saída do último emprego segundo o género e dominar para ambos “fim de

contrato” e “despedimento”, é possível observar, na análise descritiva, que as mulheres

saíram mais por questões de doença, familiares, encerramento de empresa ou ainda por

cessação de contrato (Figura 40). Por outro lado e em comparação, os homens parecem

viver situações de despedimento (auto e hetero).

Figura 40. Motivos para o desemprego em função do género

Na análise dos diferentes motivos do termo do último emprego de acordo com a

categoria etária (χ228,285 = 71,94; p < .001), verifica-se que os mais jovens (menos de 25

anos) tendem a associar-se mais a situações de auto-despedimento (n=7; residual=3,2),

cessação de contrato (n=25; residual=3,6) e fecho de empresa (n=1; residual=3,7). A

faixa etária seguinte (25-35 anos) está também mais ligada a cessação de contrato

(n=24; residual=2,1) e a condicionamentos familiares (n=2; residual=2,1). Os inquiridos

com mais de 55 anos experimentam outra realidade ao atingir o desemprego por pré-

reforma (n=4; residual=4) ou por encerramento de empresa (n=20; residual=2,1).

III.4. COMO CONSEGUIU O ÚLTIMO EMPREGO

Relativamente ao modo como se chegou ao último emprego (Figura 41), nota-se

que as redes sociais e familiares dos inquiridos desempenharam um papel principal,

segundo indicação de quase metade dos inquiridos (47,3%). A segunda estratégia mais

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176

referenciada foi a candidatura directa a uma empresa, seguida da resposta a anúncio.

Estas duas últimas estratégias expressam uma acção directa sobre o mercado. Não

obstante, evidenciam diferentes tipos de intervenção. A resposta a anúncio pode ser

identificada como reacção às necessidades do mercado, enquanto a candidatura directa

se reporta a uma atitude de “pressão” sobre o mercado.

As modalidades “inscrição numa agência de recrutamento”, “através do CE” e

“apresentação de anúncio num jornal ou revista” foram as menos identificadas (3,2%).

Em termos de caracterização poderá dizer-se, que envolvendo igualmente pró

actividade, estas estratégias apresentam, por um lado, enfoque sobre um mediador

(agência de recrutamento) e, por outro, uma atitude de “espera” à reacção por parte do

mercado de trabalho.

0,4%

1,1%

1,8%

12,4%

14,2%

22,9%

47,3%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Apresentação de anúncio num jornal ou revista

Através do centro de emprego

Inscrição numa agência de recrutamento

Outra

Por resposta a anúncio de um jornal ou revista

Candidatura directa a uma empresa

Através de familiares, amigos e colegas

Figura 41. Como conseguiu o último emprego

Ao analisar o modo de obtenção do último emprego, em função do sexo, idade e

qualificações não se encontram diferenças por sexo.

Todavia, o nível de instrução anda efectivamente associado com o modo de

obtenção do último emprego (χ224,275 = 57,89; p < .001), o que se traduz, em maior

tendência de os desempregados com o 1º ciclo completo conseguirem emprego através

do contacto com familiares, amigos e colegas (n=40; residual=1,5) bem como através de

candidaturas directas (n=24; residual=2,1). Os inquiridos com 2º ciclo completo

também se apoiam maioritariamente na rede informal de contactos (n=40; residual=1,6),

enquanto os inquiridos com 3º ciclo tendem para a via de inscrição numa agência de

recrutamento (n=3; residual=1,8). Além disso, os desempregados com o 12º ano

conseguiram emprego mais através de uma candidatura directa (n=11; residual= 2,2) e

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177

os licenciados por resposta a anúncio (n=9; residual=2,5). De notar ainda a seguinte

relação significativa: indivíduos que conseguem o último emprego através de inscrição

em agência de recrutamento ou publicação de anúncio têm nível de instrução secundário

ou pós secundário (χ2=33,094; g.l.=9; p=0,000).

Quanto à idade (χ224,275 = 45,17; p < .05), são os mais jovens (menos de 25 anos)

que mais conseguem emprego através do CE (n=2; residual=2,4) e de agência de

recrutamento (n=4; residual=4), enquanto nos mais idosos (mais de 55 anos) aparece a

tendência de conseguir emprego através de candidatura directa a empresa (n=17;

residual=1,9).

III.5. ATITUDES FACE AO EMPREGO

III.5.1. Trabalho enquanto laço social

Os dados obtidos permitem esclarecer que, para os inquiridos, o trabalho não é

apenas fonte de receita mas também criador de uma comunidade de relações sociais e

afectivas, na medida em que uma expressiva maioria de 80% assinala que “tinha muitos

amigos no trabalho”. Assim, a grande maioria dos inquiridos tem a vivência de uma

rede sócio afectiva no trabalho.

Curiosamente, após o desemprego, apenas cerca de 16% perderam amigos,

enquanto menos de ¼ refere partilhar o sentimento de isolamento social. Tais respostas

poderão indicar que a grande maioria dos desempregados inquiridos não sofre de

estigma social e permanece socialmente integrada após o desemprego.

80,2%

1 5,8%

23,5%

0% 20% 40 % 60% 80% 100%

Tinha muitos amigos no trabalho

Passe i a ter menos amigos

Sinto-me isolado

Figura 42. Dimensão social e afectiva do emprego e do desemprego

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178

Analisando a questão “tinha muitos amigos no trabalho” em função da idade

(χ24,243= 13,88; p <.05) e do nível de instrução (χ2

4,443 = 16; p <.05), conclui-se que:

• os maiores de 55 anos (n=48; residual=3,1) tendem a concordar com o facto de

terem muitas relações de amizade em meio laboral, por oposição aos mais jovens

(menos 25 anos; n=15; residual=2,6) que tendem a discordar;

• os inquiridos com o 1º ciclo (n=55; residual=2,9) tendem a concordar com a

existência de muitos amigos no trabalho, por oposição aos de nível superior que

discordam (χ2=16,004; g.l.=4; p=0,003; n=12; residual=3).

III.5.2. Envolvimento no emprego ou a centralidade do trabalho

Pouco mais de metade dos inquiridos (54%) afirma que “ter um emprego

qualquer é melhor do que não ter nenhum”156. Pode deduzir-se que mais de metade da

amostra atribui grande valor ao trabalho/emprego por contraste com a sua ausência.

Analisada a variável em função de sexo, idade e nível de instrução, verifica-se, antes de

mais, que não existem diferenças entre sexos. Contudo, relativamente à categoria etária

(χ24,237 = 11,34; p < .05), os mais jovens tendem a concordar com a aceitação de

qualquer emprego (n=33; residual=1,9), enquanto os de idades entre 25-34 anos (n=28;

residual=1,8) e 35-44 anos (n=31; residual=2,2) tendem a considerar o contrário,

assumindo uma posição relativa quanto à implicação no emprego ou centralidade do

mesmo em suas vidas, apesar de se encontrarem desempregados (Figura 43). Assim, os

mais jovens e que, provavelmente, ainda não têm experiência de trabalho ou a têm

muito reduzida apresentam uma opinião mais favorável a qualquer emprego. Também

os maiores de 45 anos tendem a concordar.

156 Esta afirmação constitui um indicador de envolvimento no emprego ou da sua centralidade.

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179

66,0%

42,9%

40,4%

63,4%

60,0%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

menos de 25 anos

25 a 34 anos

35 a 44 anos

45 a 54 anos

mais de 55 anos

Apesar de não existirem diferenças estatisticamente significativas entre os que

concordam e os que não concordam, consoante o seu nível de qualificação, pode

observar-se que quanto mais elevado o nível de instrução menor a disponibilidade para

aceitar qualquer emprego. Os mais escolarizados são os mais exigentes quanto às

condições para emprego e integração profissional.

Quanto à categoria profissional do inquirido (χ25,160 = 16,78; p <.05), conclui-se

que os quadros superiores da administração pública e dirigentes (n=9; residual=2,7),

bem como os especialistas das profissões intelectuais e científicas (n=9; residual=1,9)

tendem a não aceitar qualquer emprego, ao contrário do pessoal de serviços e

vendedores (n=25; residual= 2,2).

63,6%

60,9%

47,6%

47,6%

37,9%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1ºciclo

2ºciclo

3ºciclo

Secundário

Superior

Figura 44. “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com o nível de instrução

Figura 43. “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com a idade

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180

Além disso, os que se encontram desempregados há mais tempo (1 a 2 anos e

mais de 2 anos) aceitam qualquer emprego sem reservas, por contraste com os

desempregados há menos tempo (6 meses a 1 ano e menos de 6 meses).

48,3%

46,7%

76,9%

62,5%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Menos de 6 meses

6 meses a 1 ano

1 a 2 anos

Mais de 2 anos

Figura 45. “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com o tempo de duração do desemprego

Analisando a questão da expectativa de emprego nos próximos 2 ou 3 anos

(χ24,428 = 15,19; p <.05), surgem os indivíduos com uma atitude empreendedora (pensam

criar o próprio emprego) como os que menos ponderam aceitar qualquer emprego.

É interessante ainda notar que os indivíduos que referiram conflitos familiares

após o desemprego (χ21,206 = 4,03; p <.05) (n=11; residual=2) tendem mais a aceitar

qualquer trabalho, o mesmo acontecendo aos que deixaram de saber o que fazer com o

tempo (χ21,214 = 3,85; p < .05; n=47; residual=.05).

III.5.3. Procura activa de emprego e motivação para trabalho

Apesar de todos os inquiridos se encontrarem em situação de desemprego, 12%

referem não procurar emprego (Figura 46). Tal atitude pode decorrer de uma efectiva

desistência de procura como, eventualmente, da frequência (ou intenção de frequência)

de formação profissional, planeamento da criação do próprio negócio ou até uma pausa

na vida. No total dos que não procuram emprego predominam os desempregados entre 6

meses e um ano157 com quase metade das respostas afirmativas, seguidos dos

157 De notar que os desempregados entre 6 meses e um ano constituem a maior representação proporcional da amostra (56,5%).

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181

desempregados entre 12 e 24 meses com 25% das respostas (Figura 47). Deve referir-se

que não foram contabilizados os inquiridos na situação de primeiro emprego, na medida

em que não se tem conhecimento da amplitude do seu tempo de desemprego mas apenas

do tempo de inscrição no CE.

Sim

88%

Não

12%

22,2%

48,2%

25,9%

3,7%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

<6 meses

6-12 meses

12-24 meses

>24 meses

Figura 46. Procura de emprego por parte do inquirido

Figura 47. Tempo de desemprego dos inquiridos que não se encontram à procura de emprego

Sobre as iniciativas de procura de emprego nos últimos meses (Figura 48),

verifica-se que as acções com recurso a redes sociais e familiares constituem a

estratégia mais corrente, nomeadamente em metade dos inquiridos (50%). A resposta a

anúncios surge como segunda prática mais comum, seguida da apresentação directa de

candidaturas a potenciais empregadores. 10,7% dos inquiridos, contactam com técnicos

de emprego, verificando-se ainda a ocorrência pontual de outras iniciativas que

interpelam a acção de um mediador, nomeadamente a inscrição numa agência privada

de recrutamento (1,5%). Um número ínfimo de inquiridos refere ainda ter anunciado

num jornal ou revista. Por fim, há a comentar a apresentação em entrevistas (1,9%).

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182

Anúnciar num

jornal ou revista

0,4%

Inscrição numa

agência de

recrutamento

1,5%

Apresentação

em entrevistas

1,9%

Outra

1,9%

Contacto com

técnicos do

Centro de

Emprego

10,7%

Candidatura

directa a

potenciais

empregadores

10,7%

Resposta a

anúncios de

jornal ou revista

23%

Ajuda a

familiares,

amigos e

colegas

50%

Figura 48. Iniciativas de procura de emprego nos últimos meses

A análise efectuada não sugere diferenças entre homens e mulheres, nem por

idade nem por nível de instrução.

Conclui-se ainda a notória semelhança com as estratégias que levaram ao último

emprego. Os inquiridos tendem a repetir as estratégias que já funcionaram

positivamente (χ242,255 = 68,46; p <.05).

Assim, para referir apenas alguns casos, os inquiridos que obtiveram emprego

através de familiares, amigos e colegas continuam a procurar emprego da mesma forma

(n=74, residual= 3,3) e os que conseguiram emprego através da resposta a anúncios

continuam a privilegiar esse meio. Por exemplo, ocorre tendência para os inquiridos que

arranjaram o último emprego em resposta a anúncios ou em apresentação directa de

candidaturas, utilizarem como estratégia actual de procura de emprego a candidatura

directa a uma empresa (χ2=24,499; g.l.= 9; p=0,004).

III.5.4. Aspectos valorizados no emprego

Feito um diagnóstico dos aspectos mais valorizados para aceitação de um

emprego (Figura 49) verifica-se que a generalidade dos inquiridos assinala valores de

sentido “extrínseco ou instrumental”158. Destacam-se, primeiro, a remuneração (55,8%)

158 Utilizam-se as expressões “extrínseco” ou “instrumental” e “intrínseco” ou “expressivo” conforme Herzberg (1966) e Caetano et al. (2003).

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183

e, embora mais distanciado, o trabalho estável e seguro (21,7%), aspectos que

possibilitam a satisfação das necessidades básicas e redução das incertezas face ao

futuro. Com menor expressão surgem aspectos relacionais, distância a casa e horário de

trabalho (dimensões de compatibilização com a vida pessoal e familiar); os aspectos

relacionados com a carreira profissional, como possibilidades de promoção e formação,

são assinalados por 1,1% de inquiridos.

No conjunto, os aspectos ligados aos valores “intrínsecos” ou “expressivos”

subjacentes foram referenciados com importância para aceitação de emprego somente

por 6,2%. Neste grupo incluem-se interesse e utilidade social do trabalho.

Possibilidade de

promoção e

formação

1,1%

Trabalho para

ajudar outras

pessoas

1,5%

Trabalho útil à

sociedade

2,2%

Trabalho

interessante

2,5%

Horário

4,4%

Distância de casa

5,1%

Relação com

colegas e chefias

5,8%

Trabalho estável

e seguro

21,7%

Remuneração

55,8%

Figura 49. Aspectos valorizados no emprego

Comparando os aspectos valorizados num emprego por género (χ242,255 = 68,46;

p <.05), conclui-se que os homens valorizam mais a “remuneração” (n=84;

residual=2,2) e a “possibilidade de promoção e formação” (n=3; residual=1,8). As

mulheres dão mais importância à “distância de casa” (n=12; residual=2,6) e ao

altruísmo num “trabalho que ajude as pessoas” (n=4; residual=2).

Idade e qualificações escolares não têm qualquer efeito sobre a valorização do

trabalho.

Em termos da situação de emprego preferencial no que respeita ao tempo de

ocupação (Figura 50), a opção referenciada pela maioria dos inquiridos consiste em

actividade profissional a tempo inteiro (80%). Nota-se, contudo, uma percentagem de

13% para quem seria preferível um trabalho a tempo parcial e ainda 6% para quem o

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184

ideal seria trabalhar apenas algumas horas (6%). 0,7% dos inquiridos manifesta que

preferia não ter trabalho remunerado.

Nenhum

emprego

remunerado

0,7%

Emprego de

algumas

horas

6%

Emprego a

tempo

parcial

13%

Emprego a

tempo

inteiro

80,3%

Figura 50. Situação de emprego preferencial

Não existe associação entre situação de emprego preferencial e as variáveis

sexo, idade e qualificações. Todavia, em termos descritivos, são as mulheres e os jovens

que predominam na escolha de emprego a tempo parcial e de emprego de algumas

horas.

III.5.5. Área profissional preferida

Considerando a variável sexo, nota-se que os homens tendem a preferir

operariado (n=12; residual=2,6) e comércio e serviços (n=21; residual=1,6). As

mulheres preferem áreas de saúde (n=10; residual=3,1), administrativa (n=29;

residual=3,3) e de educação (n=13; residual=2,4). A Figura 51 permite observar

preferências profissionais de acordo com o sexo (χ27,208 = 37,06; p <.001).

Apesar da categoria “a mesma” não ter associação significativa com nenhum

género na análise descritiva, é possível concluir que são mais os homens a referir o

interesse na mesma área profissional. Artes, profissões técnicas e especializações

também são preferências masculinas.

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185

18,8%

23,7%

54,2%

61,8%

66,7%

80,0%

62,5%

100,0%

81,3%

76,3%

45,8%

38,2%

33,3%

20,0%

37,5%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Saúde

Educação

Administrativa

Técnicos e especializações

Comercial e Serviços

Artes

Operariado

A mesma

Homens Mulheres

Figura 51. Área profissional preferida de acordo com o sexo do inquirido

A idade é também factor a considerar na preferência de áreas profissionais, uma

vez que tem associação estatisticamente significativa com as mesmas (χ228,208 = 68,63; p

<.001). Deste modo, os indivíduos com idade inferior a 25 anos tendem a preferir áreas

ligadas às artes (n=6; residual=2,5) e profissões técnicas e especializadas (n=20;

residual=2,6). Os restantes grupos apresentam as seguintes predilecções:

• 25-34 anos, educação (n=8; residual=2,8);

• 35-44 anos, área administrativa (n=12; residual=2);

• 45-54 anos, operariado (n=8; residual=3,6);

• mais de 55 anos, comércio e serviços (n=10; residual=2) e a mesma (n=11;

residual=3,9).

No que se refere ao nível de instrução (χ228,208 = 66,62; p < .001) ocorre a

distribuição seguinte:

• 1º ciclo, comércio e serviços (n=13; residual=2,9), operariado (n=9;

residual=4) e a mesma (n=9; residual=2,2)

• 2º ciclo, artes (n=7; residual=2,3)

• 3º ciclo, técnicos especialistas (n=20; residual=1,8)

• secundário, área administrativa (n=7; residual=2,6)

• nível superior, educação (n=6; residual=2,8)

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186

III.5.6. Expectativas de emprego na actualidade

Analisado o entendimento sobre expectativas de emprego na actualidade (Figura

52), observa-se que pouco mais de metade manifesta uma atitude optimista (“provável

ou muito provável”). No entanto, observa-se também a existência de elevada

percentagem de pessimistas (“nada ou pouco provável”).

Nada

provável

12,1%

Muito

provável

13,2%

Pouco

provável

21,9%

Provável

42,9%

Figura 52. Expectativas de emprego na actualidade

A análise de acordo com a duração do desemprego permite concluir que o

pessimismo se agrava e diminui o optimismo, à medida que o desemprego se prolonga

(χ23,260 = 18,69; p <.001) como é visível na Figura 53.

77,8%

53,1%

43,2%

25,0%

22,2%

46,9%

56,8%

75,0%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Menos de 6 meses

6 meses a 1 ano

1 a 2 anos

Mais de 2 anos

Optimista Pessimista

Figura 53. Expectativas de emprego na actualidade de acordo com a duração da situação de desemprego

Os optimistas estão desempregados há menos de 6 meses (n=49; residual=3,9),

enquanto os pessimistas permanecem há mais tempo no desemprego (1-2 anos; n=15;

residual=2; e mais de 2 anos; n=6; residual=1,8). De facto, os desempregados há mais

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187

de 1 ano tendem a manifestar-se pessimistas (“nada ou pouco provável”; χ2=19,453;

g.l.=3; p=0,000), o que é válido também para desempregados há mais de 2 anos, que

manifestam pessimismo quanto ao reingresso no mercado de trabalho em futuro

próximo de 2 ou 3 anos (χ2=39,232; g.l.=3; p=0,000).

Quanto à idade (χ24,273 = 69,04; p <.001), os mais jovens tendem a uma opção

optimista (menos de 25 anos; n=36; residual=2,1; 25 a 34 anos; n=40; residual=3,6 e 35

a 44 anos; n=46; residual=3,6). Os pessimistas têm mais de 45 anos (45 a 54 anos;

n=24; residual=2,2 e mais 55 anos; n=47; residual=7,1)

De acordo com o nível de instrução (χ24,273 = 27,59; p <.001), são sobretudo os

menos escolarizados que manifestam pessimismo, em contraste com os do 3º ciclo e do

ensino superior (pessimistas: 1º ciclo; n=50; residual=4,8; optimistas: 3º ciclo; n=45;

residual=2,1 e superior; n=26; residual=2,8). De facto, os indivíduos com o 1º ciclo

tendem ao pessimismo quanto a empregabilidade actual (χ2=27,588; g.l.=4; p=0,000) e

futura (χ2=48,059; g.l.=4; p=0,000).

III.5.7. Expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos

No concernente às expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos (Figura 54)

encontra-se uma postura expressivamente optimista (72,9%) e de maior confiança. Num

total de inquiridos optimistas, 32,3% crê que poderá arranjar bom emprego, 24,3%

considera que conseguirá arranjar emprego mesmo que precário dentro de 2/3 anos e

16,3% afirmam o empreendedorismo ou a instalação por conta própria, como solução.

Dos inquiridos pessimistas com perspectiva a médio prazo (2 ou 3 anos), 23,3%

considera que dificilmente arranjarão emprego, enquanto 3,8% afirmam que, após o

período de 2/3 anos, irão permanecer no desemprego.

Atente-se no posicionamento em relação ao emprego dentro de 2 ou 3 anos por

idade (χ24,273 = 27,59; p <.001).

Os mais jovens são os mais optimistas e consideram que poderão arranjar um

bom emprego (menos 25 anos; n=37; residual=5,9 e 25 a 34 anos de idade; n=26;

residual=2,9).

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188

Os que acreditam vir a criar o próprio emprego são optimistas e andam entre 25-

34 anos (n=14; residual=2,3) e 35-44 anos (n=16; residual=2,3).

3,8%

16,3%

23,3%

24,3%

32,3%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Continuará sem arranjar nada

Criará o seu emprego

Dificilmente arranjará emprego

Arranjará qualquer coisa mesmo que precária

Poderá vir a arranjar um bom emprego

Figura 54. Expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos

Arranjar qualquer coisa mesmo que precária é a perspectiva dominante para os

indivíduos entre 35 e 44 anos (n=21; residual=2).

Os mais velhos tendem ao pessimismo. Na verdade, os que assinalam que

dificilmente arranjarão emprego têm idades entre 45 e 54 anos (n=24; residual=3,4) e

mais de 55 anos de idade (n=37; residual=8,4). São também os maiores de 55 anos que

pensam não conseguir qualquer emprego (n=9; residual=5,3).

Quanto a expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos por nível de instrução

(χ216,288 = 60,21; p <.001), a situação é a seguinte: são do nível superior os que

consideram conseguir um bom emprego (n=18; residual=2,7); também optimistas

surgem os indivíduos com o 2º ciclo (n=18; residual=1,8); numa posição pessimista são

os do 1ºciclo concordando que dificilmente arranjarão emprego (n=36; residual=5,5) ou

assinalando continuar sem arranjar nada (n=8; residual=3,4); (χ2=48,059; g.l.=4;

p=0,000).

Quanto à hipótese de empregabilidade a médio prazo (dentro de 2 ou 3 anos) de

acordo com duração do desemprego (χ212,273 = 47,62; p <.001) os resultados são os

seguintes: os que indicam que poderão arranjar bom emprego têm menos de 6 meses de

desemprego (n=34; residual=4,7); os que consideram que dificilmente arranjarão

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189

emprego têm maior permanência no desemprego com períodos entre 6 meses e 1 ano

(n=46; residual=2,4), 1-2anos (n=17; residual=1,8) e mais 2 anos (n=4; residual=1,7).

IV. O DESEMPREGO A PARTIR DO INQUÉRITO

IV.1. ADAPTAÇÃO AO DESEMPREGO

Quanto à dificuldade de adaptação ao desemprego (Figura 55), pode observar-se

que a grande maioria (74%) dos desempregados refere ter sido muito difícil,

predominando tal concordância junto dos que estão em situação de desemprego pela

primeira vez (79,7%).

79,7

20,3

68,4

31,6

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

S im Não

1ª vez s em emprego

Não é a 1ª vez s em

emprego

Figura 55. Dificuldade de adaptação ao desemprego em função do número de situações de

desemprego (“Foi muito difícil para mim habituar-me a estar desempregado”)

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190

IV.2. IMPACTO DO DESEMPREGO NA PERCEPÇÃO DA OCUPAÇÃO DO

TEMPO

Embora a maioria discorde da afirmação, 42,9% admitem que passaram a

“ocupar o tempo de forma mais interessante”, sinal de que para 43% a ocupação do

tempo era anteriormente tida como pouco gratificante. Neste caso, apenas a idade tem

efeito (χ2 4,238= 22,12; 4,238 p <.001); os mais velhos tendem a concordar com a

afirmação (n=24; residual=2,2), enquanto menores de 25 anos (n=29; residual=1,7) e

com idades entre 35 e 44 anos (n=34; residual=1,8) tendem a discordar.

A percepção de ocupação do tempo de forma mais interessante tem relação com

o estado psicológico positivo ou negativo dos inquiridos (Figura 56) - são sobretudo os

que têm um estado psicológico positivo que mais assinalam a ocupação mais

interessante do tempo no desemprego.

39,2%

56,1%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Estado

psicológico

negativo

Estado

psicológico

positivo

Passei a ocupar o tempo de forma mais interessante

Figura 56. Interesse na ocupação tempo e “estado subjectivo global”

IV.3. IMPACTO DO DESEMPREGO NA OCUPAÇÃO DO TEMPO

Veja-se como os desempregados ocupam o seu tempo.

As áreas mais mobilizadas no desemprego para ocupação do tempo são família

(83,6%) e actividades domésticas (83,1%).

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191

Um maior dispêndio de tempo com os filhos (67,3%), amigos (66,7%) e lazeres

- “tempos livres” - (65,1%), são também soluções evidenciadas por cerca de 2/3 dos

inquiridos. Note-se, porém, que 22,4% expressam passar menos tempo com os filhos e

19,2% afirmam gastar menos tempo em actividades de lazer. Este último aspecto poderá

ligar-se à maior restrição de recursos económicos.

Relativamente à ocupação do tempo disponível na realização de trabalhos

incertos, observa-se menos ocupados por mais de metade dos inquiridos (53%). Será

que antes combinavam actividade profissional com oportunidades de “biscates”? Por

outro lado, para 30,8% dos inquiridos, a situação de desemprego veio permitir a

aceitação de mais trabalhos incertos, provavelmente antes condicionados pelo emprego.

Sobre os indivíduos que não alteraram o tempo em qualquer área da vida, os

mesmos oscilam entre 10,2% e 28,6%. A percentagem mais elevada, referente a tempo

despendido com amigos, reflecte que 28,6% não alteram as vivências sociais e

relacionais com o círculo de amigos.

A Figura 57 apresenta o tempo gasto com algumas actividades pelos indivíduos

em situação de desemprego. No fundo, transmite a percepção dos desempregados

relativamente à ocupação do tempo. Veja-se como são assinaladas as actividades de

muito maior frequência.

Pode observar-se a mesma tendência vista anteriormente. Pouco mais de metade

dos inquiridos passou a ocupar-se muito mais das tarefas domésticas e da família,

enquanto cerca de 41% aproveita muito mais com os tempos livres. Igualmente

expressivo é o muito mais tempo extra passado com filhos (36%) e amigos (mais

33,8%). Apenas 15% afirma ocupar muito mais tempo em trabalhos incertos, o que

pode ser explicar-se pelo facto de a grande maioria dos inquiridos usufruir de subsídio

de desemprego (86%). No conjunto, é visível o peso da categoria “muito mais tempo”

face às outras (“pouco mais tempo”, “o mesmo ou nenhum”), o que permite concluir

que a situação de desemprego liberta tempo, depois aplicado em esferas da vida

quotidiana identificadas.

O cruzamento desta questão com variáveis de caracterização social permitiu

concluir que existe um efeito da idade em algumas das actividades referidas: tempo com

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192

os filhos (χ26,196 = 18,25; p <.05), tempo com os amigos (χ2

6,210 = 40,76; p < .001),

actividades de tempos livres (χ26,172 = 15,53; p < .05).

54%

18%16,9%

36%

8%

32,7%

15,1% 15,7%

69,2%65,1%

18,5% 16,4%

33,8%23% 33,3%

40,7%

14%

20%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Muito mais Pouco mais O mesmo tempo ou nenhum

Ocupações domésticas Filhos Trabalhos incertos Família Amigos Tempos livres

Figura 57. Tempo dedicado a um conjunto de actividades durante o desemprego

Atente-se no tempo despendido com filhos, amigos e ocupações domésticas.

Como pode ver-se na Figura 58, todas as faixas etárias revelam dedicar muito

mais tempo aos filhos. Não obstante, tal não acontece com os indivíduos menores de 25

anos (n=35; residual=3,5). Por contraste, os inquiridos entre 35 e 44 anos passam muito

mais tempo com os filhos (n=35; residual= 2,4). Os desempregados com mais de 45

anos tendem a passar apenas pouco mais tempo com os filhos. Tais diferenças têm

certamente a ver com as diferentes fases do ciclo biológico e doméstico159.

159

Se muitos dos jovens com menos de 25 anos de idade não têm ainda filhos, já os que se situam na faixa etária 35-44 anos poderão ter filhos a necessitar de apoio e de atenção, enquanto os maiores de 45 anos de idade têm, provavelmente, filhos já mais crescidos a quem dedicam pouco mais tempo.

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193

35,50%

63,90%

70%

49,40%

9,70%

2,80%

10%

19%

54,80%

33,30%

20%

31,60%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

15-24

25-34

35-44

>45

Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum

Figura 58. Tempo dedicado aos filhos de acordo com a idade

O tempo dedicado aos amigos segue trajectória diferente: os mais novos

dedicam muito mais do tempo (n=28; residual=4,1), o que também sucede com a faixa

etária dos 25 aos 34 anos (n=25; residual=2,9). Por outro lado, a partir dos 35 anos

passam o mesmo tempo ou nenhum com amigos (35-44 anos - n=24; residual=2,5; mais

de 45 anos - n=29; residual= 2,9).

58,3%

51,0%

10,0%

20,6%

22,9%

32,7%

42,0%

33,3%

18,8%

16,3%

48,0%

46,0%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

15-24

25-34

35-44

>45

Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum

Figura 59. Tempo dedicado aos amigos de acordo com a idade

Apesar do aumento de muito mais tempo em ocupações domésticas e com filhos

ser comum a homens e mulheres, surgem diferenças quanto ao tempo em ocupações

domésticas (χ22,260 = 11,34; p <.05) e com filhos (χ2

2,196 = 6,20; p <.05). São

efectivamente as mulheres que mais se ocupam das tarefas de casa (n=102;

residual=3,3) e dos filhos (n=68; residual=2,5).

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194

51,3%

71,3%

25,6%

16,8%

23,1%

11,9%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Homens

Mulheres

Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum

45,4%

63,0%

15,9%

9,3%

38,6%

27,8%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Homens

Mulheres

Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum

Figura 60. Tempo dedicado a ocupações domésticas de acordo com o sexo do inquirido

Figura 61. Tempo dedicado aos filhos de acordo com o sexo do inquirido

A análise descritiva mostra que os inquiridos do 1º ciclo tendem a passar o

mesmo ou menos tempo com amigos (n= 18; residual=2,6), ao passo que os do 2º ciclo

passam muito mais tempo (n=28; residual=2,6), bem como os de nível superior.

26,5%

47,5%

26,2%

25,0%

37,5%

20,6%

23,7%

41,0%

37,5%

43,8%

52,9%

28,8%

32,8%

37,5%

18,8%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1º ciclo

2º ciclo

3ºciclo

Sec./Pós sec.

Superior

Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum

Figura 62. Tempo dedicado aos amigos de acordo com o nível de instrução

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195

IV.4. DESEMPREGO E LAZER

Analisando as actividades de tempos livres (n=90; 30%) dos desempregados,

nota-se que parte significativa se dedica a actividades desportivas (34,4%) e culturais

(20%). De facto, analisada a tipologia de actividades de tempos livres em que os

inquiridos ocuparam o tempo, verifica-se que cerca de 1/3 dos inquiridos escolheu o

exercício físico (Figura 63).

A cultura surge como actividade subsequentemente identificada por maior

número de inquiridos, 20%, seguido de arte, trabalhos manuais e artesanato e

actividades lúdicas (ambas referidas por 13,33%). A jardinagem e bricolage bem como

a formação foram assinaladas por 6,7% dos inquiridos; a criação de animais por 4,44%

e o voluntariado por escassos 1,11%.

Constituindo estas actividades formas de expressão dos interesses de realização

pessoal, para as quais os inquiridos eventualmente não dispunham do tempo, nota-se a

reduzida percentagem de 6,6% que orientaram o tempo para formação e,

consequentemente, enriquecimento ou actualização profissional e, ainda, os escassos

1,11% que passaram a reutilizar o tempo em actividades de voluntariado160.

Voluntariado

1,1%Criação de

animais

4,4%

Jardinagem

e bricolage

6,7%

Formação

6,7%

Arte,

trabalhos

manuais e

artesanato

13,3%

Actividades

lúdicas

13,3%

Conhecim.

cultural 20%

Desporto e

exercício

físico

34,4%

Figura 63. Tipos de actividades de lazer (tempos livres) no desemprego

160

Também a sociedade portuguesa no seu conjunto tem uma baixa participação em actividades de contributo cívico e social à comunidade.

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196

Quanto às escolhas de actividades de tempos livres em função do género (χ27,90 =

19,36; p <.05) nota-se que os homens se dedicam mais ao desporto e exercício físico

(n=22; residual=2,4), enquanto as mulheres preferem as artes, trabalhos manuais e

artesanato (n=11; residual=3,4).

Além disso, a análise descritiva evidencia que são os mais jovens, com menos de

25 anos, que mais tempo dedicam a actividades de tempos livres (n=20; residual=2,4),

ao contrário do que acontece com os mais idosos (n=15; residual=-2,6), conforme

Figura 64.

58,8%

46,2%

39,5%

26,8%

20,6%

30,8%

13,0%

30,4%

20,6%

23,1%

46,5%

42,9%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

15-24

25-34

35-44

>45

Muito mais tempo Pouco mais tempo O mesmo tempo ou nenhum

Figura 64. Tempo dedicado a actividades de lazer de acordo com a idade

De realçar que os menos escolarizados (com 1º ciclo) tendem a empregar o

mesmo ou nenhum tempo em actividades de tempos livres (χ2=11,875; g.l.=4; p=0,018).

IV.5. IMPACTO DO DESEMPREGO NA RELAÇÃO COM O TEMPO

Tentou-se ainda esclarecer a percepção dos desempregados quanto à dificuldade

na ocupação do tempo (“deixei de saber o que fazer com o tempo disponível”). A

maioria consegue dar sentido à ocupação do tempo mas é de registar dificuldade numa

percentagem de 35,7% que referiram não saber o que fazer com o tempo disponível.

Todavia, não se encontram diferenças significativas por sexo e qualificações. Apenas a

idade tem algum efeito (χ24,238 = 22,12; p <.001), sendo que os mais novos (menos de 25

anos) tendem a concordar com tal afirmação (n=31; residual=4,7).

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197

IV.6. IMPACTO FAMILIAR E SOCIAL DO DESEMPREGO

Tentou-se ainda avaliar o impacto social e familiar do desemprego, ou seja, se a

situação vivida é de integração social ou de estigma, conforme Figura 65. Os dados vêm

confirmar o aumento do tempo dedicado à família para a grande maioria de 89,4% dos

inquiridos: “passei a dedicar mais tempo à família” (χ21,254 = 3,47; p <.05), com

destaque para a concordância das mulheres com esta afirmação (n=127; residual=1,9).

Os resultados sugerem a existência de integração social por parte dos

desempregados inquiridos uma vez que:

a) grande maioria partilha a sua situação com familiares e amigos. Porém, 26,7% omite

essa informação à sua rede social e afectiva, o que pode sugerir um espaço de estigma

social ou auto-marginalização para mais de um quarto dos inquiridos;

b) apenas 12% dos inquiridos concordam que deixaram de ser tão respeitados pela

família e amigos, o que indica um reduzido sentido de estigmatização social;

c) a quase generalidade dos inquiridos discorda da percepção de que os outros os

consideram inúteis pelo facto de estarem desempregados (só 6,6% concordam com a

afirmação “pensam de mim que sou um inútil”);

d) no que respeita ao ambiente familiar, a grande maioria não assinala uma vivência de

discórdia, embora 23% refiram a intensificação da conflitualidade familiar após o

desemprego (“desde o desemprego passei a ter mais conflitos familiares”).

Neste caso, analisou-se a sua relação com o grupo etário: “passei a ter mais

conflitos familiares” com “idade” (χ24,234 = 10,55; p < .05). Os que tendem a afirmar o

aumento da conflitualidade andam pelos 45 e 54 anos (n=16; residual=2,2) por contraste

com os maiores de 55 anos que tendem a discordar (n=38; residual=1,9).

Além disso, os 12% que acreditam que, após o desemprego passaram a ter

menos respeito da família e amigos demonstraram maior tendência em afirmar que

também passaram a ter mais conflitos familiares (χ21,221 = 41,92; p <.001), a sentirem-se

mais isolados (χ21,217 = 18,67; p <.001), a ter menos amigos (χ2

1,219 = 11,32; p < .05) e a

declararem que os outros os consideram inúteis (χ21,209 = 12,38; p < .001).

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198

6,6%

12,1%

23,1%

26,7%

89,4%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Pensam que sou inútil

Deixei de ser tão respeitado pela família e amigos

Passei a ter mais conflitos familiares

Familiares e amigos não sabem que estou desempregado

Passei a dedicar mais tempo à família

Figura 65. Impacto social e familiar do desemprego

Assim, no respeitante à dimensão familiar, verifica-se que o desemprego veio

interferir no equilíbrio relacional da estrutura familiar de 23,1%. Neste contexto, pode

referir-se que, apesar de a família se afirmar importante estrutura de apoio e de se

manter a dedicação e envolvimento dos inquiridos, o desemprego de um dos seus

membros tem repercussões ao nível do seu equilíbrio para uma minoria, facto a que

poderá estar eventualmente associada a incerteza decorrente de insegurança económica,

a alteração de estatuto social e de auto percepção de respeito social.

Relativamente à dinâmica social, regista-se uma tendência dominante de

integração social dos desempregados inquiridos, embora surjam alguns indicadores de

estigma social para uma minoria, visto que 15,8% expressaram que o desemprego levou

a uma alteração desta dinâmica, passando a ter menos amigos. O mesmo acontece

quanto à quebra de reconhecimento social, com 12,1% dos inquiridos a manifestarem

que, com o desemprego, passaram a ser menos respeitados por família e amigos.

Outra relação de interesse diz respeito a que, para quem concordou com o facto

de passar a ocupar o tempo de forma mais interessante após o desemprego, não se

revelou tão difícil habituar-se ao desemprego (χ21,215 = 7,31; p <.05), contrariamente aos

que revelaram ter deixado de saber o que fazer com o tempo disponível (χ21,228 = 12,28;

p <.001).

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199

IV.7. IMPACTO FINANCEIRO DO DESEMPREGO

A propósito ainda dos aspectos económicos, a grande maioria dos inquiridos

(95%) concorda em ter ficado com menos dinheiro depois do desemprego. Este dado é

revelador da percepção do impacto financeiro do desemprego na vida dos inquiridos.

IV.8. SAÚDE, TRABALHO E DESEMPREGO

Quando analisadas as questões relativas à saúde, observa-se que 78,3% dos

inquiridos consideram ter sido pessoas quase sempre saudáveis.

No entanto, os mais velhos (mais de 45 anos) são os que menos se identificam

com tal afirmação (χ24,273 = 11,84; p <.05): indivíduos com 45 a 54 anos (n=12;

residual=2) e com mais de 55 (n=12; residual=2,2).

Figura 66 – Ao longo da minha vida tenho sido uma pessoa quase sempre saudável

Quanto à relação entre saúde, doença e trabalho (“Os meus problemas de saúde

começaram quando comecei a trabalhar”), a maioria (66,7%) não assinala problemas de

saúde relacionados com o trabalho. Sendo provável que tenham iniciado a sua

actividade profissional ainda jovens, apenas 13,7% refere que começara com problemas

de saúde quando começara a trabalhar. Não se encontram diferenças estatisticamente

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200

significativas entre as variáveis de caracterização, embora os inquiridos com menor

escolaridade (1º ciclo) tendam a considerar que não têm sido pessoas quase sempre

saudáveis (χ2=12,282; g.l.=4; p=0,015) e a afirmar que tomam medicamentos

habitualmente (χ2=22,761; g.l.=4; p=0,000).

Figura 67. Os meus problemas de saúde começaram quando comecei a trabalhar

Tentou-se ainda explorar a relação entre saúde, doença e desemprego (”os meus

problemas de saúde agravaram-se depois de ficar sem emprego”). É possível concluir

que a grande maioria dos inquiridos não dá conta de alguma alteração no estado de

saúde após o desemprego, por contraste com uma minoria de 13,67%.

Figura 68 – Relação da saúde com o início do desemprego

(“Os meus problemas de saúde agravaram-se depois de ficar sem emprego”)

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201

Quanto ao tipo de problemas de saúde nota-se que 67% não tem problemas ou

não responde, seguindo-se aqueles que referem osteoporose e outras doenças de ossos,

oftalmológicas ou orgânicas. As doenças de foro psicológico surgem com 7,33% e,

depois, as doenças cardíacas e do foro circulatório (6,67). Por último surgem as doenças

pulmonares e respiratórias (5,33%), conforme figura 69.

Figura 69. Problemas de saúde

Analisados estes problemas em função do género (Figura 70), observa-se que o

sexo masculino refere mais doenças de ossos, seguidas das pulmonares/respiratórias e

doenças cardíacas ou foro circulatório. Por sua vez, o sexo feminino refere mais

doenças dos ossos e doenças psicológicas. Todavia, estas diferenças não são

estatisticamente significativas.

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202

Figura 70. Problemas de saúde em função do sexo

Em função da idade (Figura 71), os indivíduos acima de 45 anos manifestam

mais doenças de ossos, articulações, oftalmológicas, orgânicas, doenças cardíacas e

sanguíneas. Os mais novos referem mais doenças pulmonares, respiratórias, do foro

psicológico e do sistema nervoso. Tais diferenças são estatisticamente significativas

(x2=8,701; p=,034).

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203

20

33,3

28,9

17,8

13 13

51,9

22,2

0

10

20

30

40

50

60

Doenças

pulmonares e

res piratórias

Doenças

ps icológicas e

s is tema

nervos o

Doenças de

os s os e

articulações ,

oftalmológicas

e orgãos

Doenças

cardíacas e

s anguíneas

Menos de 44

anosMais de 45 anos

Figura 71. Problemas de saúde em função da idade

Quanto a medicamentos, 57% não tomam medicação habitualmente, 29,33%

tomam medicamentos habitualmente e 13,67% não sabe ou não responde.

Por último, respeitante a ida ao médico, quase metade (49,67%) foi ao médico

há menos de 1 ano, 23,67% há mais de um ano e 26,67% dizem não saber ou não

responder.

IV.9. IMPACTO PSICOLÓGICO OU SUBJECTIVO DO DESEMPREGO

Indagou-se qual a percepção do impacto psicológico do desemprego a partir da

questão “como se sente actualmente”. Os sentimentos expressos e de natureza

qualitativa podiam variar entre “entusiasmado” e “satisfeito com a vida” qualificados

como “positivos”; “insatisfeito com a vida”, “resignado”, “sem vontade para nada”,

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204

“revoltado” e “desesperado” qualificados de “negativos” para efeitos de análise

estatística mais global. A variável com as opções descriminadas foi intitulada de “estado

psicológico”, enquanto a variável agregada e qualificada em “positivo” e “negativo” se

designou “estado subjectivo global”.

Observe-se a forma como os inquiridos assinalam sentir-se actualmente (Figuras

72 e 73). No conjunto manifestam mais sentimentos de tipo negativo (74,63%); domina

a insatisfação para cerca de 1/3 dos inquiridos (32,84%); depois os sentimentos de

resignação e revolta (16,04% e 14,93%). Note-se os 5,60% desesperados, bem como a

minoria apática (5,22% afirma sentir-se “sem vontade para nada”). Em contraste,

25,37% manifesta estado psicológico positivo (13,06% satisfeitos e 12,31%

entusiasmados).

Figura 72. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”)

Figura73. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”)

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205

Estudaram-se ainda as relações do estado psicológico com outras variáveis,

detectando-se a existência de relações significativas entre “estado psicológico” e

variáveis abaixo designadas (p<0,05), com afinidade entre as seguintes categorias:161

• associação entre estado psicológico e o facto de o cônjuge ou companheiro trabalhar;

no entanto, apesar de haver indicações de que os inquiridos cujo cônjuge não trabalha

tendem a um estado psicológico negativo e aqueles cujo cônjuge trabalha tendem a um

estado psicológico positivo, as associações são ténues, não se revelam significativas

(χ2=; 4,233; g.l.=1; p=0,047);

• associação significativa entre estado psicológico e tempo de desemprego; os inquiridos

na situação de 1º emprego e desempregados há menos de 6 meses tendem a um estado

psicológico positivo (χ2=10,652; g.l.=3; p=0,014);

• associação significativa entre estado psicológico e tempo de inscrição no CE; os

inquiridos inscritos no CE há menos de 6 meses tendem a um estado psicológico

positivo (χ2=10,236; g.l.=2; p=0,006);

• associação significativa entre estado psicológico e procura de emprego; os inquiridos

que procuram emprego tendem a um estado psicológico negativo (χ2=11,077; g.l.=1;

p=0,003);

• associação entre estado psicológico e expectativa de arranjar emprego actualmente; no

entanto; apesar de sinais de que os pessimistas tendem a um estado psicológico negativo

e os optimistas a um estado psicológico positivo, as associações são ténues e não

significativas (χ2=7,341; g.l.=1; p=0,009);

• associação significativa entre estado psicológico e capacidade de poupança do

agregado doméstico; os inquiridos que conseguem poupanças tendem a um estado

psicológico positivo (χ2=; 15,649; g.l.=3; p=0,001);

161 Houve necessidade de agrupar de categorias de algumas variáveis para que se verificassem as condições de aplicação do qui-quadrado.

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206

• associação entre estado psicológico e atitude sobre o tempo disponível; apesar de

indicação de que os inquiridos que não sabem o que fazer com o tempo disponível

tendem a um estado psicológico negativo e os que sabem o que fazer com o tempo

disponível a um estado psicológico positivo, as presentes associações são ténues e não

significativas (χ2=5,401; g.l.=1; p=0,021);

• associação significativa entre estado psicológico e interesse na utilização do tempo; os

inquiridos que passaram a utilizar o tempo de forma mais interessante tendem a um

estado psicológico positivo (χ2=4,606; g.l.=1; p=0,038);

• associação significativa entre estado psicológico e adaptação ao desemprego; os que

consideram não ter sido difícil a adaptação ao desemprego tendem a um estado

psicológico positivo (χ2=11,402; g.l.=1; p=0,001);

• associação entre estado psicológico e sentimento de isolamento; apesar de indicações

de que os inquiridos que se sentem isolados tendem a um estado psicológico negativo e

os que não se sentem isolados a um estado psicológico positivo, as presentes

associações são ténues e não significativas (χ2=5, 210; g.l.=1; p=0,031);

• associação significativa entre estado psicológico e perspectiva de futuro; os inquiridos

com estado psicológico positivo tendem a uma visão optimista do futuro (χ2=66,304;

g.l.=1; p=0,000).

No concernente ao indicador de “estado subjectivo global” (Figura 76) são os

desempregados há menos de 6 meses que tomam o seu estado psicológico como menos

negativo (63,6%) e como mais positivo (36,4%). Por outro lado, os que

maioritariamente consideram o estado psicológico negativo têm entre 6 meses e 1 ano

de desemprego (81,6%). Sem embargo, é comum a todos os grupos, que a maior parte

tem o seu “estado subjectivo global” como negativo (entre 63,6% e 81,6%).

Page 221: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

207

63,6

36,4

81,6

18,4

73,6

26,4

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Negativo P os itivo

Menos de 6

mes es6 mes es a 1 ano

Mais de um ano

Figura 74. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em função do tempo de

desemprego

Os dados são idênticos quando se cruza o “estado subjectivo global” com o

tempo de inscrição no CE. O único dado divergente respeita às manifestações de

desespero que aumentam com o aumento do tempo de inscrição no CE: 4,6% para

inscritos há menos de 6 meses, 5,1% para inscritos entre 6 meses e um ano e 8,5% para

inscritos há mais de um ano.

Como se observa na figura 75, quanto maior o tempo no desemprego maiores as

manifestações de insatisfação e resignação. Por outro lado, quanto menor o tempo no

desemprego (inferior a um ano) maiores as manifestações de satisfação, apatia (“sem

vontade para nada”) e desespero. Os revoltados predominam nos desempregados entre 6

meses e 1 ano (19,7%) e há menos de 6 meses (14,5%). Os que manifestam mais

entusiasmo encontram-se desempregados há menos de seis meses (20%), seguidos dos

desempregados há mais de um ano (17%).

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208

14,5

23,6

16,420

5,4

19,7

33,3

17,7

5,48,2

5,7

45,3

1,9

17

5,5

14,5

5,5

10,2

3,8

17

9,4

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Desespera

do

Revolta

do

Insatis

feito

com

a v

ida

Res ig

nado

Sem

vonta

de para

nada

Satis

feito

com

a v

ida

Entu

s iasm

ado

Menos de

6 mes es

De 6

mes es a

1 anoMais de 1

ano

Figura 75. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função do tempo

de desemprego

Na figura 76 nota-se que os que procuram emprego têm uma percepção do seu

“estado subjectivo global” mais negativa. Tal sugere a hipótese de que a procura de

emprego sem êxito afecta o bem-estar psicológico.

Figura 76. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em função da

procura de emprego

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209

De facto, a figura 77 mostra que os inquiridos actualmente à procura de emprego

são os que, maioritariamente, referem “estar sem vontade para nada”, “resignados”,

“insatisfeitos com a vida”, “revoltados” e “desesperados”. Os que não procuram

emprego dizem-se “entusiasmados” e “satisfeitos com a vida”. Conclui-se assim que, os

que procuram emprego dão piores indicadores de estado psicológico. Todavia não existe

associação estatisticamente significativa entre variáveis.

Figura 77. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função da

procura de emprego

Na figura 78 é possível notar que a insatisfação com a vida é o sentimento mais

manifestado, tanto pelos que se afirmam pessimistas quanto a encontrar emprego como

pelos optimistas. Todavia, os optimistas patenteiam mais entusiasmo e satisfação. Os

pessimistas respondem, maioritariamente, estar sem vontade para nada, resignados,

insatisfeitos com a vida, revoltados e desesperados.

Page 224: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

210

4,7

13,2

30,2

14

4,7

14

19,4

5,2

16,4

33,6

19,8

6,9

11,2

6,9

0 10 20 30 40

Des es perado

R evoltado

Ins atis feito com

a vida

R es ignado

S em vontade

para nada

S atis feito com a

vida

E ntus ias mado

P es s is mis t

aO timis ta

Figura 78. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função do

pessimismo ou optimismo relativamente à procura de emprego

Quanto à relação do indicador de “estado subjectivo global” com a manifestação

da “possibilidade de arranjar emprego” (pessimismo ou optimismo), o grupo de

pessimistas é aquele que maioritariamente manifesta estado subjectivo negativo e, ao

contrário, o grupo de optimistas maioritariamente manifesta estado subjectivo positivo.

Porém, ambos os grupos respondem maioritariamente que o seu estado subjectivo é

negativo (Figura 79).

Page 225: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

211

66,7

33,3

81,9

18,1

0 20 40 60 80 100

Negativo

P os itivo

P es s imis t

aO timis ta

Figura 79. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em função do

optimismo ou pessimismo relativamente à “possibilidade de arranjar emprego”

Quanto ao indicador de “estado subjectivo global”, aqueles que conseguem

poupanças manifestam, maioritariamente, estado subjectivo positivo, sendo que o

mesmo se aplica aos que gastam todo o dinheiro, embora neste grupo a diferença seja

menor. Os que têm de prescindir de certos bens e os que necessitam de endividamento

ou de ajuda manifestam, maioritariamente, estado subjectivo negativo (Figura 80). Tal

remete para o impacto que as dificuldades financeiras exercem no estado subjectivo dos

indivíduos, porquanto é visível que, quando a situação financeira do agregado familiar

se agrava, se agrava também o negativismo do estado subjectivo global.

Page 226: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

212

Figura 80. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em função da

capacidade de poupança do agregado familiar

Análise descritiva mais pormenorizada quanto à relação entre “estado

psicológico” e “capacidade de poupança do agregado familiar” revela que a maior parte

dos que conseguem fazer poupanças se encontra satisfeita com a vida (Figura 81). Por

seu lado, o grupo que gasta todo o dinheiro disponível, afirma-se, maioritariamente,

resignado. No grupo dos que têm de prescindir de certos bens, os sujeitos referem,

maioritariamente, estar revoltados. Por último, o grupo dos que têm necessidade de

endividamento ou de ajuda afirma-se, maioritariamente, desesperado. Tais resultados

sugerem que, à medida que a situação económica se agrava, os sentimentos se vão

tornando mais negativos, começando na resignação quando se gasta todo o dinheiro,

passando pela revolta quando é necessário prescindir de determinados bens e

culminando no desespero quando é necessário pedir ajuda ou recorrer ao

endividamento.

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213

26,7 26,7 26,7

20

10,5

60,5

5,3

9,4

4,9

15,4

33,3

21,2

0

25,8

32,335,5

6,5

23,7

7,1

38,8

44,7

7,3

46,3

41,5

30,8

46,2

7,7

45,5

0

10

20

30

40

50

60

70

Conseguem fazer

poupanças

Gastam todo o

dinheiro

Têm de prescindir

de certos bens

Necessidade de

se endividar ou

pedir ajuda

Desesperado

Revoltado

Insatisfeito com

a vida

Resignado

Sem vontade

para nada

Satisfeito com a

vida

Entusiasmado

Figura 81. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função da

capacidade de poupança do agregado familiar

Questionados se no desemprego deixaram de saber o que fazer com o tempo

disponível, os concordantes percepcionam o seu estado subjectivo global

maioritariamente como negativo, enquanto os discordantes manifestam um estado

maioritariamente positivo (Figura 82).

Numa análise descritiva mais fina, os que concordaram não saber o que fazer

com o tempo disponível manifestam-se maioritariamente desesperados (81,8%), ao

passo que nos discordantes apenas 18,2 % manifesta desespero. Os discordantes

evidenciam também maior entusiasmo (89,7%), sendo que no grupo dos que

concordam, apenas 10,3% afirmam entusiasmo (Figura 83).

Page 228: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

214

39,2

60,8

22,4

77,6

0 20 40 60 80 100

C oncordo

D is cordo

P os itivo

Negativo

Figura 82. Indicador de estado “subjectivo global” (“como se sente actualmente”:

positivo/negativo) e “deixei de saber o que fazer com o tempo disponível”

81,8

18,2

32,4

67,6

40,3

59,7

31,4

68,6

36,4

63,6

34,5

65,5

10,3

89,7

0 20 40 60 80 100

Concordo

DiscordoEntusiasmado

S atisfeito com a vida

S em vontade para nada

Resignado

Insatisfeito com a vida

Revoltado

Desesperado

Figura 83. Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função de “não sei o que

fazer com o tempo disponível”

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215

IV.10. RELAÇÃO COM O FUTURO

Os que perspectivam o futuro com pessimismo manifestam, na quase totalidade,

um estado subjectivo negativo, enquanto que os sujeitos com perspectivas de futuro

optimistas se repartem de igual modo entre estado subjectivo global positivo e negativo

(Figura 84).

94,9

50

5,1

50

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

P es s imis mo O timis mo

Negativo

P os itivo

Figura 84. Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”:

positivo/negativo) em função da perspectiva de futuro (optimismo/ pessimismo)

Verifica-se associação fraca mas significativa (r=0,157; p=0,021) entre “como se

sente actualmente” (estado psicológico) e “não sei o que fazer com o tempo disponível”.

Quanto mais as pessoas discordam da afirmação (não saber o que fazer com o tempo

disponível), mais percepcionam o seu estado psicológico como positivo.

Quanto à relação entre a afirmação “após o desemprego passei a ocupar o seu

tempo de forma mais interessante” e estado psicológico, verifica-se associação negativa

e fraca (r=-0,211; p=0,002) - à medida que os sujeitos discordam da afirmação, diminui

a forma positiva como se sentem.

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216

Explorou-se ainda a relação dos desempregados com o futuro. Numa análise

global, os inquiridos dividem-se entre encarar o futuro com pessimismo ou optimismo,

com percentagens bastante próximas (Figura 85).

Figura 85. Pessimismo e optimismo quanto ao futuro (“como perspectiva o futuro”)

Observação mais pormenorizada mostra que 45,33% perspectivam o futuro com

“entusiasmo e otimismo” mas 38,33% encaram-no com “muitos receios”. Além disso,

5,33% sentem-se desencorajados e 2% sente amargura ou indiferença (Figura 86); 7%

não sabe ou não responde. Conclui-se que, apesar das dificuldades, parte muito

significativa dos sujeitos ainda consegue encarar o futuro com entusiasmo e optimismo.

Quanto ao nível de instrução, indivíduos com o ensino secundário/pós

secundário tendem a perspectivar o futuro com optimismo (χ2=17,755; g.l.=4; p=0,001).

Figura 86. “Como perspectiva o futuro”

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217

Analisando ainda as expectativas futuras dos inquiridos relativamente aos

descendentes, nota-se que a grande maioria (74%) manifesta uma atitude de confiança e

mudança positiva, considerando que os filhos terão uma vida melhor; 24% mostram

neutralidade (os filhos repetirão um nível de vida idêntico) e uns escassos 1,8%

manifesta pessimismo, considerando que as dificuldades dos filhos não lhes permitirão

sequer aspirar a ter uma vida equivalente à dos seus pais.

V. PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO E RELAÇÃO COM O

DISPOSITIVO PÚBLICO DE EMPREGO (CE) A PARTIR DA ANÁLISE DAS

ENTREVISTAS

“Somos todos viajantes no palco da vida.”

Místico português do séc. XVI

INTRODUÇÃO

A compreensão do desemprego e das experiências dos desempregados tem sido

realizada nas últimas décadas com estudo das reacções dos indivíduos à privação de

emprego e suas adaptações à nova condição de vida. Genericamente, o desemprego vem

sendo apresentado como traumatismo profundo e desestabilizador com consequências

negativas a nível individual, familiar e social e impacto na despromoção para um

estatuto social inferior162. Todavia, outros estudos concluem que o impacto do

desemprego na vida das pessoas não é homogéneo.

Os desempregados, enquanto actores sociais e apesar dos aspectos legais

definidos, ajustam as suas atitudes e tentam negociar, explícita ou implicitamente, a

desqualificação social emergente do desemprego. Goffman (1959) designa de “fachada”

o conjunto de elementos do equipamento expressivo, usado regularmente pelo indivíduo

162 D. Schnapper (1981) organiza três tipos de experiências vividas equivalentes a três formas de enfrentar a experiência de carácter traumatizante que pode caracterizar a situação de desemprego: "desemprego total", "desemprego invertido" e "desemprego diferido”.

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218

para o seu desempenho padronizado, que permite aos outros ou ao público sem

informação explícita avaliar e adivinhar onde decorre a acção, qual o estatuto do actor e

que papel pretende desempenhar em palco163. O êxito e eficácia da máscara no

desempenho do papel, ou seja, a sua capacidade para convencer, implica auto-controlo e

ajustamento às expectativas sociais com o cumprimento de deveres sociais informativos

da consistência do papel em acção. Assim, a evidência da percepção social é tanto mais

rápida quanto melhor a representação sincronizada dos elementos expressivos na vida

social e nas relações institucionais.

Veja-se a arquitectura do papel social de desempregado na relação com o

dispositivo público de emprego.

V.1. ARQUITECTURA DO PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO

A análise das entrevistas e dinamização de grupos de encontro (focus groups)

permitiu estudar a emergência e vivência do papel social de desempregado na relação

com o Estado e sentidos psicossociais emergentes.

A protecção no desemprego implica várias condições cumulativas que têm em

conta o histórico de participação contributiva para a Segurança Social, condições que

podem mudar em função da conjuntura político-económica164 e o registo no IEFP para

emprego, indicador da vontade e disponibilidade para trabalhar. Assim, a inscrição do

desempregado no IEFP para emprego165 e a comparência em todos os contactos

subsequentes enquanto desempregado inscrito nos CE são condição indispensável à

atribuição e manutenção do estatuto social de desempregado e apoios respectivos166.

163 É a “fachada” que constrói as representações sociais ao transfigurar a máscara em representação

colectiva com existência própria. 164 Vide Decreto-Lei n.º 72/2010, de 18 de Junho com entrada em vigor em 01/07/2010 e Decreto-Lei 64/2012 de 15 de Março. 165 Para o subsídio de desemprego é obrigatório apresentar, aquando do requerimento, um modelo-tipo comprovativo de desemprego involuntário emitido pela entidade patronal. Todos os que não apresentem, ou porque a entidade não a quis emitir ou pelo estatuto especial em que estavam abrangidos (exemplo: bolseiro), não acedem ao direito de subsídio de desemprego. Quando há recusa da entidade, muitos desempregados recorrem ao tribunal de trabalho e aguardam decisão. 166 CSE, 1996, p.14.

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219

No quadro dos planos políticos167 é imposto o aumento de esforços do

dispositivo público de emprego na activação rápida dos trabalhadores que

temporariamente se encontrem em situação de desemprego. Assume-se que as medidas

passivas de emprego (atribuição de subsídios) devem ter duração mínima que permita o

retorno ao mercado de trabalho, enquanto as medidas activas (formação, estágios

profissionais e trabalho ocupacional) reforçam o efeito da acção do serviço público de

emprego e pressionam os desempregados simultaneamente à qualificação profissional e

à ocupação do tempo disponível. Os desempregados com qualificações mais altas

(licenciados, mestres e doutores) não encontram respostas de emprego neste quadro de

referência, enquanto o legislador introduz um conjunto de medidas que se traduzem por

maior exigência no cumprimento de deveres no sentido da promoção da sua

empregabilidade, como a obrigação de procura activa de emprego e de apresentação

quinzenal.

No âmbito da Política Europeia para o Emprego, a configuração do estatuto de

desempregado é apoiada por instrumentos simbólicos estruturadores da ligação entre

Estado/IEFP e beneficiário, sendo de destacar o Plano Pessoal de Emprego (PPE)168,

oficializado aquando da inscrição do candidato para emprego169. Aí se definem os

mecanismos de inserção no mercado de trabalho para cada caso e as diligências

mínimas exigíveis em cumprimento do dever de procura activa de emprego170. Todos os

desempregados inscritos para emprego devem assinar o PPE que, por sua vez, cessa

com a inserção no mercado de trabalho.

167 Estratégia de Lisboa, e, consequentemente, do Programa Nacional de Acção para o Crescimento e o Emprego, onde se integra o Plano Nacional de Emprego. 168 Conforme artigo 16º do DL 220/2006 de 3 de Novembro que actualiza legislação anterior. 169 O PPE é assinado entre o beneficiário e o CE da sua área de residência e estabelece as acções futuras do desempregado e os apoios a prestar pelo IEFP com vista à sua concretização. Em muitos CE, até 2006, era frequente este procedimento ocorrer em sessão de informação (em grupo), com duração de 3 horas, dinamizada por técnicos do CE (apresentação generalista das diferentes medidas de emprego, formação e orientação profissional). O preenchimento do PPE deveria ocorrer de acordo com o perfil pessoal e profissional e com ajuda técnica. Todavia, a quantidade e diversidade de medidas de apoio apresentadas com jargão técnico bem como a sua falta de ajustamento aos desempregados mais idosos, sem perspectivas de regresso ao mercado de trabalho e que, na melhor das hipóteses, poderão vir a transitar para a reforma não permite, muito frequentemente, a definição de um PPE realista. Todavia, a obrigatoriedade de assinatura do PPE mantém-se para todos e permite ao Estado medir resultados de intervenção no âmbito das metas definidas. 170 Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro.

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220

Ao entrar no campo social do desemprego, o cidadão desempregado sabe que

deverá cumprir as regras do jogo de modo a conseguir o subsídio, sua manutenção ou o

apoio para um novo emprego. A complexidade categorial e os procedimentos do

desemprego devem ser apropriados pelos trabalhadores sem emprego nos contactos

institucionais e na gestão prática da sua vida, dos subsídios de desemprego, ao PPE e

medidas de apoio. Manter o subsídio de desemprego da Segurança Social exige alguns

comportamentos na relação institucional com o IEFP. Se a apresentação física quinzenal

no CE ou em entidades que o representem171 é um indicador de sobrevivência e

permanência local, já a demonstração de estar activamente à procura de emprego pelos

próprios meios (com resposta a anúncios e comparência a entrevistas, por exemplo) é

condição objectiva para ser classificado como desempregado e sinal de actividade e

motivação para trabalhar distinguindo o preguiçoso do trabalhador. Além disso, o

desempregado é obrigado a aceitar um “emprego conveniente” proposto pelo CE ou

aceitar trabalho socialmente válido em entidades sem fins lucrativos, bem como

formação profissional. O desempregado deverá ser activo na procura de emprego172 e

deve aceitar um emprego que se adeqúe às suas competências, ao trabalho socialmente

necessário, à formação profissional e ao PPE. A cegueira da lei não olha a

particularidades e todos são obrigados a fazer prova de procura de emprego

independentemente da transição para a reforma, da actividade para criação de um

negócio ou da espera por acção de qualificação ou estágio profissional.

A visita ao CE constitui o primeiro passo no palco social de reconhecimento

como desempregado que permite tratar do subsídio de desemprego após o despedimento

ou a situação de falência da empresa onde se trabalhava. Daí que, para muitos

desempregados entrevistados, depois do confronto com o despedimento, a deslocação

ao espaço social e institucional do CE represente um marco na configuração de um novo

papel e estatuto social de que se ganha consciência como trajecto pessoal. Os contactos

com o CE marcam um rito de passagem à criação e manutenção do estatuto de

171 Gabinetes de Inserção Profissional (GIP), anteriormente designados por UNIVAS, Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, por exemplo. 172 A procura activa de emprego caracteriza-se pela procura continuada com vista à inserção socioprofissional, através de envio de currículos espontâneos; respostas escritas a anúncios de emprego; respostas ou comparências a ofertas de emprego divulgadas pelo CE ou pelos meios de comunicação social; apresentações de candidaturas espontâneas; diligências para criação do próprio emprego ou para criação de uma nova iniciativa empresarial; respostas a ofertas disponíveis na internet; registos do curriculum vitae em sítios na internet.

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221

desempregado e de vivência do papel social que antecipa a avaliação posterior pela

Segurança Social com vista à atribuição de qualquer prestação.

Entrar no CE é passar pela porta e transitar do espaço público vago e indefinido

da rua por onde circulam cidadãos anónimos, ao espaço sociopolítico onde se define o

estatuto social de desempregado. As regras legais estão definidas e é pela exposição de

cada situação particular e da apresentação da máscara circunstancial de cada sujeito que

o estatuto social é aplicado individualmente pelos técnicos ao serviço da instituição.

Neste sentido, o contacto com o CE, como tão bem assinala Joaquim (e outros

entrevistados), é um momento chave, que se pode designar como rito de passagem

sociopolítico, marco fundamental na definição de um estatuto e papel social, o de

desempregado. Tanto mais que é a partir deste contacto que se evolui para uma nova

etapa, de acesso ou não ao subsídio de desemprego.

Quando cheguei à porta do CE e se abriu a porta e entrei assim que entrei vi lá duas

colegas mais novas também desempregadas da fábrica à espera de serem atendidas e mais

gente e foi aí que eu percebi, que eu percebi mesmo que estava desempregado.

(Joaquim, 58 anos, 4ª classe, operário qualificado, desempregado há 1 ano).

Assim, entrar no CE é entrar em cena no quadro de representação teatral que a

vida social tão bem exercita, como sugeriu Goffman (1959). Em cena, os sujeitos

ajustam-se aos papéis sociais esperados, cidadãos desempregados em relação com os

funcionários representantes do Estado. O espaço de recepção é amplo e multifuncional,

permitindo espera, atendimento e consulta de ofertas de emprego. A secretária é objecto

físico que separa os actores em relação, como um muro baixo que demarca espaços de

poder e de controlo cénico. O controlo do quadro de acção dá impressão de segurança

ao técnico no atendimento, não só pelo papel de representação que lhe é conferido mas

pelo domínio de “jargão técnico”, procedimentos e regras que lhe permitem ter

autoridade de informar o outro sobre o que deve fazer e o que se espera que faça. Pode

aplicar-se aqui a noção de precedência dramática e directiva na medida em que existem

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222

nas equipas de trabalho diferentes níveis de responsabilidade que implicam diferentes

possibilidades de contacto173.

Após o início do subsídio de desemprego, os desempregados têm a obrigação de

se deslocar regularmente ao CE para o chamado (em jargão técnico), “controlo dos

subsidiados”. E se, há alguns anos, o controlo implicava contacto mensal com o

dispositivo público de emprego, desde 2006 a legislação exige apresentação quinzenal e

procura activa de emprego. Tal demonstração carece da visibilidade de envio de e-

mails, cartas de resposta a anúncios, auto-proposta ou recolha de carimbos após o

contacto directo com empresas em número mínimo de três174.

Ir ao CE apenas quando é obrigatório pode ser uma forma de negar a

inferioridade sentida pelo estatuto e pela aceitação de incapacidade de resposta

institucional. É o caso de João, 35 anos, licenciado em Sociologia, desempregado há 6

meses, subsidiado:

Eu só lá vou quando me chamam até porque já me disseram que para mim não há nada. E

claro, vou sempre comprovar que fiz alguma coisa para procurar emprego. É obrigatório.

Mais nada!

Manter contacto com o CE está sujeito a factores externos que podem levar ao

incumprimento de deveres com efeitos negativos para o desempregado.

Eu já apanhei um susto. É que não recebi a carta onde me chamavam ao CE e então faltei.

Quando soube tive que ir lá justificar e disseram-me que tivesse atenção ao correio que se

faltasse às convocatórias comunicavam à Segurança Social e eles depois me cortavam o

subsídio. Mas comigo não é assim, porque eu sou cumpridor vou, só que se não recebo a

carta não posso saber e então não vou.

(A.G., 47 anos, desempregado subsidiado há 8 meses, licenciado e jornalista com experiência de 23

anos).

As entrevistas confirmam os resultados do inquérito realizado mas permitem

compreender também melhor o reconhecimento ou não da utilidade na inscrição no CE

173 Daí que só muito raramente um desempregado entre em contacto directo com o director do CE. Tal pode ocorrer em situações extremas de reclamação. 174 A maior frequência de contacto por parte dos desempregados subsidiados e o aumento do desemprego fez alargar a rede institucional onde pode ocorrer a apresentação quinzenal, por exemplo em Juntas de Freguesia e GIP’s.

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223

ou também a insatisfação com os resultados. A grande maioria dos entrevistados

gostaria de contar com apoio do CE na obtenção de emprego e muitos dos não

subsidiados, com escolaridade inferior à licenciatura, imaginam ser contactados pelo CE

para emprego.

Eu fiquei à espera que me chamassem quando houvesse alguma coisa para mim mas

quando vi que não recebia nenhuma proposta comecei a ir lá (ao CE.

(José, 43 anos, 6º ano de escolaridade, motorista, desempregado há 5 meses, não subsidiado).

A inscrição para emprego no CE pode ser útil também na intermediação de

outros problemas, tais como taxas moderadoras do centro de saúde, candidatura ao RSI,

apoio jurídico ou apoio escolar.

Hoje fui ao CE para pedir uma declaração para isenção das taxas moderadoras no centro

de saúde e outra para a escola da minha filha porque estou desempregada. Não está fácil

conseguir emprego mas acho que vale a pena estar inscrita, sei lá.

(Luísa, 35 anos, 8º ano de escolaridade, operária fabril, desempregada há 8 meses).

Só vim ao CE pedir uma declaração para o apoio da Segurança Social (RSI) porque não

tenho de que viver, não há trabalho, mas tive que me inscrever para me passarem a

declaração.

(Domingos, 54 anos de idade, pedreiro, desempregado há 20 meses).

A ida ao CE pode ainda ser um motivo para sair de casa e agir sobre a

possibilidade de regresso ao mercado de trabalho (informação de ofertas de emprego

recepcionadas no CE e contacto com os técnicos).

Eu prefiro ir ao CE pois sempre saio de casa e posso ver os anúncios que lá têm. É sempre

aquela esperança de poder tentar alguma coisa. Os técnicos no atendimento vão mudando,

uns dias uns, outros dias outros mas já vou conhecendo alguns.

(Ilda, 45 anos, 7º ano de escolaridade, operária fabril, desempregada há 18 meses).

De vez em quando mandam-me cartas para ir lá e eu vou, sempre saio de casa e algumas

vezes até é para actividades e estamos ocupados, em conjunto várias pessoas

desempregadas, sempre falamos das nossas histórias e aprendemos alguma coisa.

(Maria José, 42 anos, 9º ano de escolaridade, desempregada da indústria automóvel há 9 meses).

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224

Convocada para uma sessão do Plano Nacional de Emprego (PNE)175 explica:

Éramos muitos, aí uns 25 numa sala, uns mais novos outros mais velhos, uns com estudos,

outros sem estudos, foi uma manhã inteira a ouvir falar dos apoios (para os

desempregados), durante umas três horas. No fim tivemos que preencher uma ficha a

escolher alguma coisa para fazer que eu não sabia bem o quê para pôr lá (no Plano

Pessoal de Emprego); que eu quero mesmo é trabalho mas era preciso escolher mais

alguma coisa até conseguir trabalho e com a ajuda das técnicas ajudaram-me a escolher

uma coisa para me ajudar a ver melhor o que fazer.

Também Mário, 40 anos, licenciado, desempregado da área de gestão com um

projecto de criação do próprio emprego, passou pela experiência de participação numa

sessão para definição do PPE e num programa de orientação:

Eu quero criar o meu negócio, pensei nisso assim que fiquei desempregado, com apoio do

CE e foi isso que escrevi na folha do meu Plano. Comecei a tratar de tudo e fiz uma

reunião com uma técnica, fui a um gabinete que faz projectos para me ajudarem e lá fui

desenrolando tudo mas sempre é um processo demorado. Então quando já estava nos cinco

meses de desemprego chamaram-me para uma actividade porque o negócio ainda

demorava mais algum tempo. Então praticamente obrigaram-me a escolher outra coisa,

para fazer umas actividades no Centro, quer dizer um programa durante uma série de dias

que terminei agora pois como não pude fugir a isso lá me inscrevi para o Balanço de

Competências176. Eu já me tinha orientado para o projecto de criação de emprego, de

modo que de todas as actividades ainda era aquela que poderia fazer mais sentido para

mim. Para dizer a verdade quando começou e éramos muitos, achei um tanto estranho o

grupo ter gente tão diversa, uns com a quarta classe, outros com licenciaturas, achei que

não fazia nada ali, que era uma perda de tempo, e todos ali com experiências tão diversas

mas a doutora soube despertar o interesse em todos e foram uns dias em que debatemos

temas interessantes e as nossas experiências e ganhámos mais consciência das nossas

qualidades, do nosso valor, daquilo que queremos fazer e das competências a desenvolver.

O relato permite notar os aspectos seguintes: a nível institucional, a dimensão

coerciva vista negativamente pelo desempregado. O projecto e as actividades

175 Estas sessões deixaram de se realizar. 176 Os programas de Orientação Profissional, para apoio aos desempregados, foram uma prática muito frequente, implicando grande actividade dos CE até 2006. Porém, na área da Grande Lisboa, deixaram de ser realizados após a criação da rede alargada de Centros Novas Oportunidades (CNO) para onde os desempregados passaram a ser prioritariamente encaminhados, no sentido de aumentarem a sua escolaridade por via do processo RVCC (reconhecimento, validação e certificação de competências).

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225

preparatórias à criação de um negócio não são suficientes para o CE atingir as metas

administrativas do PNE. O desempregado é pois obrigado a aceitar outras actividades

propostas pelo CE. A nível individual a contrariedade e distanciamento ao desemprego

em grupo onde se misturam desempregados de condição vária. Por fim, a valorização

quanto à participação nas actividades pela partilha e auto-conhecimento.

O apoio do CE pode ser visto com sentido crítico, por falta de empregos

disponíveis e de apoio na orientação das vidas profissionais.

O CE é mais de desemprego do que de emprego pois tem lá pessoas desempregadas mas

não arranja emprego. Para os licenciados então não há respostas mas temos que ir sempre

lá. Estive a pedir para ter apoio em orientação profissional para mudar a minha vida mas

não consegui, disse-me para ir à Faculdade de Psicologia. Ir ao CE é degradante, é uma

indignidade, até para os técnicos.

(Joana, 41 anos, psicóloga, desempregada há 1 ano).

V.2. TIPOS IDEAIS DE VIVÊNCIA DO PAPEL SOCIAL DE DESEMPREGADO

Não se pode afirmar existir localmente um tipo único de desemprego, assim

como não existe um tipo único de agentes desempregados.

Tendo por referência Paugam (2003) e Schnapper (1994), identificaram-se 5

tipos ideais de vivência do papel social de desempregado (desemprego distanciado,

desemprego negociado, desemprego adaptado/ interiorizado, desemprego reivindicado e

desemprego anulado) que variam em função de dados objectivos, atitude dependente do

Estado, motivação para o trabalho e estratégia dominante na relação com o CE,

conforme quadros 2 e 3.

Os tipos ideais não constituem quatro fases pelas quais os desempregados devem

necessariamente passar, embora possam ser etapas de um processo de desqualificação

social. Assim, não é intenção apresentar um processo determinista do desenvolvimento

da carreira psicossocial dos desempregados. A singularidade de circunstâncias ou

acontecimentos pode deter ou adiar a passagem de um tipo para outro tipo.

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226

Quadro 2. Tipo de desemprego, vivências e contacto técnico

Tipo de desemprego

Vivência do

desemprego

Contacto técnico

1.Desemprego distanciado

Independência com

auto-produção de

sentido; dependência

distanciada

Obrigatório e circunstancial

2.Desemprego negociado

Dependência estratégica

Obrigatório e regular

3.Desemprego adaptado/

interiorizado

Dependência instalada

Obrigatório e pontual

4.Desemprego reivindicado

Dependência organizada

Intervenção pontual

5.Desemprego anulado Independência;

dependência distanciada

Intervenção pontual ou nula

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227

Quadro 3. Tipo de desemprego, motivação para o trabalho, características dos desempregados e estratégias de relação com o Centro de Emprego

Tipo de desemprego

Motivação

para o

trabalho

Características dos

desempregados

Estratégias

dominantes

1.Desemprego

distanciado

Forte Mais qualificados pró-activos

(procura de emprego, mudança

profissional ou criação do próprio

negócio).

Idades inferiores a 47 anos.

Nível do subsídio de desemprego

superior a 999 euros.

Distanciação

Negação

Oposição

Afirmação

Elaboração

2.Desemprego

negociado

Forte com

integração

adiada

Candidatos a formação

profissional, estágios profissionais

ou outras medidas.

Forte representação dos jovens

com experiência de trabalho

reduzida. Desempregados

subsidiados com idades inferiores a

45 anos.

Distanciação

Cooperação

3.Desemprego

adaptado/

interiorizado

Dominada pela

cultura do

trabalho mas

desistente.

Varia de fraco a

forte.

Desempregados mais idosos

subsidiados sem possibilidade de

regresso ao mercado de trabalho

com baixas ou altas qualificações.

Desempregados de longa duração.

Beneficiários RSI.

Interiorização

Adaptação

Cooperação

4.Desemprego

reivindicado

Varia do fraco

ao forte.

Predomina o

fraco

Imigrantes que pretendem

inscrição para emprego com vista à

obtenção de autorização de

residência e ao RSI.

Candidatos nacionais ao RSI.

Reivindicação

Sedução

5.Desemprego

anulado

Fraco Jovens candidatos a 1º emprego ou

com reduzida experiência

profissional; qualificados com

projectos de vida alternativos

Distanciação

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228

Os que partilham a vivência do “desemprego distanciado” caracterizam-se por

recusa da dependência relativamente ao Estado e aos trabalhadores sociais e pelo desejo

de regressarem rapidamente a uma actividade profissional garantida que proporcione

segurança financeira e permita recuperar o reconhecimento social. Todavia, são pouco

flexíveis a aceitar uma actividade profissional abaixo das suas qualificações. Evitam

assim a perda de identidade. Embora possam estar em situação de dependência

económica do Estado pelo subsídio de desemprego, manifestam autonomia e

autoprodução de sentido profissional. A motivação para o emprego é forte e fazem por

manter o tempo muito ocupado na procura de emprego ou em actividades relacionadas

com a sua carreira para não perder competências, como é o caso de: A.G. (jornalista, 47

anos, casado e com 2 filhos) ou em outras actividades que possam vir a dar fruto; Joana

(psicóloga, 41 anos, em união de facto, sem filhos) que frequenta uma pós-graduação

em SPSS e faz estágio em regime de voluntariado; Diogo (Relações Internacionais, 39

anos, em união de facto, com 2 enteados, ex-Director de um Centro de Formação

empresarial) optou por criar um negócio relacionado com o seu gosto por decoração. Do

ponto de vista objectivo têm em comum a diferenciação académica, idades inferiores a

47 anos, experiência de trabalho superior a 8 anos que apura sentido identitário e um

nível de subsídio de desemprego superior a 999 euros mensais. Encaram negativamente

os contactos com o CE e sentem desconforto ao participar em actividades com outros

desempregados menos qualificados. As visitas ao CE limitam-se ao estritamente

necessário. Fogem do sentimento de inferioridade social, de humilhação pelo seu

estatuto por via da ocupação exacerbada do tempo e alguns racionalizam os primeiros

tempos de desemprego como férias merecidas. As suas estratégias dominantes são a

distanciação e negação do papel de desempregado, a oposição ao CE e afirmação de si

com elaboração das suas necessidades e projecto profissional. Evitam, assim, a

humilhação e perda de dignidade que reaviva o sentimento de decadência e angústia de

insucesso. Ir ao CE apenas quando é obrigatório é forma de negar a inferioridade

sentida pelo seu estatuto e aceitação de incapacidade de resposta institucional. São os

casos dos relatos anteriores de João, A.G. e Joana. No caso de Joana a sua relação com

o CE tem sido simultaneamente distanciada (para evitar desqualificação social do

estatuto de desempregada) e reivindicativa (para conseguir apoios e tentar mudar a

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229

situação); tenta evitar a desqualificação social e despromoção da relação social,

nomeadamente quando procura emprego, o que sente com a palavra “desempregada”.

Dizer que se está desempregado é mal visto. Passei a dizer que saí da empresa para

desenvolver outro projecto profissional e que sou free-lancer, é parte verdade porque

como me ando a dedicar a lançar-me por conta própria…

(Joana, 41 anos, psicóloga, desempregada há 1 ano, subsidiada).

O controlo dos subsidiados pode ter uma percepção negativa, sobretudo para os

mais qualificados. Normalmente, procuram emprego muito mais vezes do que o CE

impõe e as visitas quinzenais ao CE são desvalorizadas. Veja-se alguns exemplos.

A.G., 47 anos, desempregado há 8 meses, licenciado e jornalista com

experiência de 23 anos, afirma em desabafo rebelde:

Não conto com o CE para emprego, não têm nada para mim. Eu farto-me de procurar na

internet e nos contactos. Mas para irmos todos os 15 dias só para nos controlarem era

preferível darem-nos uma pulseira electrónica e tinham menos trabalho e perda de tempo

com tantos atendimentos.

Outro desempregado refere:

Só vou ao CE se me chamam. Já me disseram que para mim não há nada.

(Rodrigo, 33 anos, mestre em engº mecânica, desempregado há 4 meses sem subsídio).

Avaliar a percepção que o Estado faz dos desempregados passa no discurso

crítico de muitos que receiam a quebra no estatuto social.

Isto do controlo é um bocado estúpido, é de lei mas não acho bem. Parece que nos vêem

como malandros que se querem aproveitar e, pelo menos para mim, não é isso. Eu quero é

trabalhar mas onde é que há trabalho?

(Manuela, 37 anos, 12º ano de escolaridade, técnica de turismo, desempregada há 4 meses,

subsidiada).

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230

Muitos desempregados mais qualificados assumem o CE como estrutura sem

qualquer utilidade para a sua situação; têm consciência do desemprego como problema

de volume cada vez maior e que toca cada vez mais os qualificados. Gostariam que o

dispositivo público de emprego tomasse consciência dessa mudança e implementasse

medidas ajustadas a cada desempregado e onde os mais qualificados também fossem

contemplados.

Vou ao CE só quando é obrigatório porque me disseram que para mim não tinham nada,

nem formação. Não sou prioritária! Foi o que me disseram. Ao princípio estava a pensar

que tinham mais alguma ajuda, que até queria que me ajudassem a fazer um plano de

orientação de carreira mas quando falei nisso ficaram a olhar para mim; O CE já me disse

que para as minhas condições não tem nada. Não percebem que o desemprego mudou e

que há muitos licenciados que precisam de ajuda. Eu já lá apareci com uma análise SWAT

da minha situação mas às tantas meti debaixo da mesa porque percebi que estava

deslocada em termos de comunicação. Então percebi que não valia a pena. Agora voltei lá

e levei uma declaração em como estou a fazer um estágio não remunerado. Assim, estou

isenta da apresentação quinzenal.

(Joana, 41 anos, psicóloga, desempregada há 1 ano, subsidiada).

A dependência estratégica caracteriza o “desemprego negociado”. Trata-se da

racionalização e aceitação da dependência económica (quando existe) e institucional em

relação a todos os procedimentos necessários para acesso a medidas de emprego ou

formação profissional por parte do IEFP. Engloba jovens com pouca ou nenhuma

experiência de trabalho, desempregados tendencialmente jovens e subsidiados com

idades inferiores a 45 anos. Têm a aspiração comum de melhorar qualificações e

conseguir um estatuto social mais digno ligado ao emprego. Nas estratégias predomina

alguma distanciação a fim de evitar a aprendizagem da desqualificação social a que não

querem estar confinados e, por outro, o jogo de cooperação com os técnicos para

acederem a oportunidades negociadas institucionalmente. Sentem desconforto e

irritação ao utilizar os serviços do CE quando não conseguem as respostas com a

celeridade pretendida, fazendo prolongar-se a situação desejada provisória. Não

rejeitam contactos frequentes com o CE, pelo contrário, anseiam por resposta

institucional, certos da importância de não perder tempo nem alargar o desemprego.

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Enquanto aguardam os resultados de uma oportunidade institucional, adiam a procura

de emprego mas desejam conseguir um emprego estável e, se possível, bem

remunerado. Activam a procura de emprego se a demora institucional se prolonga, o

que resulta frequentemente em desistências de processos de formação profissional e

outros.

Estou inscrita no CE pois pode ser que se consiga emprego mas não é só. Eu agora estou à

espera de fazer um curso de formação de informática.

(Ana, 19 anos, 9º ano, candidata a primeiro emprego).

Aceder ao emprego é muito difícil para jovens com pouca ou nenhuma

experiência. Contra eles está um mercado de emprego que, em geral, demanda

experiência em áreas específicas.

Eu vejo os anúncios na internet ou vou ao CE ver e depois se dá telefono para as empresas

mas pedem sempre experiência neste ou naquele ramo e assim é muito difícil.

(Marco, 20 anos, 12º ano de escolaridade, 3 meses de experiência profissional, não subsidiado).

Eu estou à espera de formação há 3 meses e ainda não me chamaram. Queria mesmo

tirar o curso, acho que assim vou ter mais oportunidades. Vim saber o que se passa mas

se demorar muito procuro trabalho e desisto.

(Ricardo, 23 anos, 10º ano de escolaridade, desempregado sem subsídio).

Os cidadãos na condição de “desemprego distanciado” ou “negociado”

consideram a sua inferioridade social como situação temporária e tentam desenvolver

actividades e manter uma “fachada limitativa” do insucesso. De alguma forma podem

integrar uma categoria mais ampla designada por Clavel (2004) como “desemprego de

transição.”177

O problema dos que se encontram em “desemprego adaptado/ interiorizado” é o

da aprendizagem da desqualificação social acentuada pelo prolongamento do

desemprego e que se traduz por crise de identidade. A cultura do trabalho domina mas é

abandonada por impossibilidade de regresso ao mercado do trabalho, numa combinação

177 Desemprego “adaptado/interiorizado” e “reivindicado” podem ser equivalentes a desemprego de “exclusão” corporizando uma precariedade crónica.

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de idade avançada e baixas qualificações; mas a força da idade tem peso dominante. São

sobretudo os desempregados mais idosos subsidiados sem possibilidade de regresso ao

mercado de trabalho, com baixas ou altas qualificações, nomeadamente desempregados

de longa duração, que alimentam este grupo-tipo. Domina o conformismo e manifestam

dependência e submissão ao poder do Estado e dos técnicos do CE. A dependência

económica do Estado é acompanhada de dependência psicossocial. Da humilhação

inicial que todos confirmam viver, ao serem confrontados com o desemprego após mais

de 25 anos de actividade profissional, uns passam a viver o desemprego de forma mais

positiva (“desemprego adaptado”) e outros de forma mais negativa (“desemprego

interiorizado”) consoante as perspectivas de transição para a reforma, a ocupação do

tempo em actividades alternativas gratificantes e o grau de aceitação e integração

familiar.

Quando assinam o PPE, dão-se conta de que lhes é atribuída a responsabilidade

de procurar activamente emprego, independentemente da capacidade para o fazer e dos

constrangimentos extrínsecos ou intrínsecos. Procuram emprego mas deparam-se com

respostas negativas. Ganham consciência da idade com factor limitativo no acesso ao

mercado de trabalho:

Procuro emprego mas com a minha idade não é fácil…E tenho que pedir para porem os

carimbos e em muitos lados não querem ou dizem que não têm.

(Carla, 52 anos, 6º ano de escolaridade, empregada de escritório, desempregada há 16 meses, subsidiada).

Gostava que me ajudassem a procurar emprego porque sozinho está muito difícil. Só

queria arranjar alguma coisa. Telefono ou vou aos restaurantes ou café mas quando digo a

idade dizem-me que já não dá.

(Luís, 50 anos, 6º ano de escolaridade, empregado de mesa, desempregado há 14 meses, não subsidiado).

Os que vivem o “desemprego adaptado” tendem a receber subsídio de

desemprego e a aceitar o estatuto de desempregado como transição para a reforma, com

todas as obrigações implícitas até ao desfecho (procura de emprego sem sucesso ou até

encenada, comparência no CE e no controlo, participação em actividades institucionais),

enquanto preenchem o tempo com rotinas de actividades que em muitos casos já

desenvolviam antes de cair no desemprego mas que se intensificam: agricultura,

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realização de obras em casa ou na casa dos filhos, cuidar da casa e dos netos; ou, mais

raramente, os mais qualificados e urbanos, inscrevem-se em actividades desportivas ou

culturais, por exemplo em Universidade da Terceira Idade. Predomina a cooperação

com o dispositivo público de emprego mesmo se inicialmente acontece algum

confronto178.

Eu gostava de trabalhar, sempre fui muito activo e não gosto de estar parado. Ainda

procuro emprego, até porque é obrigatório mas já sei que não vou arranjar nada. Se não

há para os novos, quanto mais para os mais velhos. O que espero agora é passar à

reforma quando terminar o subsídio.

(Arlindo, 62 anos, electricista, casado, desempregado com subsídio).

No “desemprego interiorizado” domina a interiorização do desemprego como

forma de perda de identidade de empregado e, em geral, é aceite a cooperação com os

técnicos do Estado para todas as actividades solicitadas. Muitos operários ou

empregados administrativos não têm actividades alternativas ou, então, desenvolvem

algumas actividades em casa ou com a família; cumprem rotinas de ir ao café e evitar o

ensimesmamento e melindre da queda no desemprego sem alternativas. Os que vivem

uma ecologia mais rural prosseguem actividades no campo (agricultura e pecuária), no

mar (pesca), em arranjos da casa e no apoio à família que já faziam parte da sua vida

antes do desemprego. Em geral, as mulheres dedicam-se a actividades mais diversas

mas onde dominam as domésticas e os filhos (consoante a fase do ciclo biológico e

familiar). Muitos dos que já esgotaram qualquer tipo de subsídio de desemprego e não

conseguem trabalho solicitam o RSI, ficam dependentes da família ou caem na

marginalidade.

Recorre-se ao termo de Paugam (1991) a propósito da tipologia da pobreza para

designar o “desemprego reivindicado”. Este tipo de vivência do desemprego

caracteriza-se pelo agravamento dos níveis de dependência referidos anteriormente e

organiza-se na reivindicação do estatuto de desempregado mesmo sem auferir subsídio.

Enquadram-se neste ideal-tipo os imigrantes (pretendem o RSI, pelo que é exigida a

178 Muitos foram informados pela entidade patronal de que a situação é de pré-reforma e desconhecem as obrigações a que o estatuto de desempregado obriga.

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inscrição para emprego, sendo a mesma necessária à obtenção de autorização de

residência) e os candidatos nacionais ao RSI. Uns e outros encaram o RSI como apoio

financeiro que reivindicam. O RSI representa, também, num processo de

desqualificação social, o último elo na relação com o Estado. Para os grupos sociais

nacionais mais escolarizados, com percursos anteriores de integração familiar, social e

profissional regulares, nomeadamente para as “culturas de trabalho”, trata-se de uma

dependência envergonhada que custa solicitar para sobreviver. Para muitos dos

estrangeiros, nacionais sem-abrigo ou marginais trata-se do direito a reivindicar a

sobrevivência, na continuidade de um habitus de caridade.

As estratégias dominantes na relação com os técnicos do CE são de

reivindicação e sedução para conseguirem o estatuto desejado mesmo que não tenham

disponibilidade, interesse ou condições de imediato para emprego; situação que

abordam por recurso a racionalizações e auto-justificações baseadas em motivos de

saúde ou familiares, operando-se uma dependência acrescida em relação aos serviços

públicos e envolvimento reivindicado do estatuto de assistido. A intervenção do serviço

público de emprego tem sido pontual; tende a aumentar com o esforço de controlo pelo

Estado dos seus assistidos. Os sujeitos fazem por apreender e compreender a

engrenagem dos serviços de emprego e da segurança social e alguns beneficiários179

tornam-se mediadores/angariadores informais no apoio a outros candidatos a RSI.

Alguns vivem de recursos subsidiários e praticam com frequência actividades diversas à

margem do mercado de trabalho. A maioria destes indivíduos provém de meios sociais

muito desfavorecidos e as trajectórias até à marginalização são bastante variadas.

Alguns, com capital social e económico de origem familiar, desenvolveram percursos

profissionais e de vida problemáticos. Outros, perdida a integração profissional e

prolongado o desemprego sem subsídio, vêem no RSI o último recurso de apoio

financeiro mínimo. São frequentes ainda problemas de alcoolismo ou de consumo de

drogas, potencialmente estigmatizantes e limitadores de desempenhos conscientes que

dificultam a reinserção laboral ou a integração social. É o caso de João a viver num

centro de acolhimento para sem abrigo (ex-toxicodependente e desempregado há 6 anos,

sem subsídio).

179 Sobretudo estrangeiros com algum domínio linguístico e conhecedores do funcionamento do sistema burocrático.

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Comecei a receber o RSI mas cancelaram porque faltei a uma convocatória do CE.

Agora não recebo nada. Como vivi por aí não recebi a carta e a assistente social disse

para me vir inscrever outra vez.

Uma minoria, caiu, por circunstâncias da vida, (como divórcio, morte do

cônjuge, problema grave com negócio ou doença) numa situação de extrema dificuldade

socioeconómica a colmatar minimamente e de forma envergonhada com o recurso ao

RSI.

Preciso do rendimento mínimo (RSI) porque sou doente e a assistente social disse que eu

precisava de uma declaração do CE para pedir, por isso fui ao CE.

(Maria, 55 anos, 4ª classe, ajudante de cozinha, desempregada há 30 meses, não subsidiada).

O RSI é uma medida de protecção social abrangendo uma população de

características cada vez mais diversificadas. Em parte dos entrevistados, auferir RSI não

significa desmotivação para trabalhar mas impossibilidade de o conseguir e necessidade

de sobreviver. Fim do subsídio ou circunstâncias de vida (que nem sequer permitiram o

acesso ao mesmo) levam muitos desempregados a tentar o RSI como último reduto. A

família, quando existe, tem recursos e é apoiante, constitui a estrutura de protecção

social de apoio basilar. Veja-se o processo social e economicamente desqualificante do

entrevistado seguinte.

Eu tinha o negócio de restauro e já ganhei bom dinheiro mas a partir de certa altura a

situação complicou-se e foi-se agravando, sabe? Sempre foi uma área de trabalho

incerto mas dantes tinha muitos clientes, até fiz trabalhos nas ilhas e em Espanha mas foi

piorando. Às tantas era só impostos para pagar e tive que fechar tudo, atelier e lojas,

vivia na casa com o atelier e saí para uma pequena, depois fui para um quarto. Os meus

pais apoiam-me mas para não estar só dependente deles, que já têm alguma idade, pedi o

RSI. Procuro muito emprego, faço contactos mas não há nada. Não sei o que fazer.

Felizmente não tenho filhos.

(André, 48 anos de idade, 12º ano de escolaridade, curso de restauro, ex-empresário, solteiro sem

filhos, beneficiário RSI).

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Quando o desemprego toca ambos os cônjuges (cada vez com mais frequência)

aumentam as dificuldades das famílias. São as solidariedades familiares, muito

especialmente da parte dos pais, que permitem a sobrevivência dos agregados familiares

carenciados e enfrentar contrariedades. O aumento de qualificações é visto, por vezes,

como estratégia importante para melhorar o futuro profissional e ser integrado no

mercado de trabalho.

Não consigo emprego e então pedi o RSI, tenho uma filha de seis anos e uma bebé com

12 meses. O meu marido também está desempregado e já lhe disse que ele tem que

estudar mais porque o 9º ano que eu tenho não é nada, quanto mais o 6º que ele tem. Eu

fui chamada para me mandarem para as Novas Oportunidades para fazer o 12º e um

curso e estou muito satisfeita porque assim vai ser melhor para mim. São os meus pais

que nos ajudam. Sem eles nem sei o que seria.

Considera-se, por fim, o “desemprego anulado” (equivalente ao “desemprego

invertido” de Schnapper) corresponde à experiência de jovens candidatos a primeiro

emprego ou com reduzida experiência profissional e sem identidade social definida pelo

trabalho. Aqui se incluem também qualificados (com ou sem apoios sociais) que

buscam modos de vida alternativos a curto ou médio prazo, nomeadamente parte dos

que querem criar o seu próprio negócio. Para todos eles o trabalho assalariado é

secundário. Não vivenciam qualquer inferioridade social e, na maior parte dos casos,

não estão dependentes do Estado. Em geral, têm forte integração sócio familiar e redes

sociais não dependentes do trabalho. Os mais jovens contam com bastante apoio

familiar. No global não têm dificuldades económicas. A situação é de negação do

estatuto de desempregado, pelo que o mesmo é anulado em prol de estatutos

alternativos como o de estudante, actriz, músico, pintor. Na falta de identificação com a

ideia de emprego, a estratégia é de distanciação em relação ao CE.

Aquilo na fábrica era um horror. Agora acabou tudo e ainda bem. Acho que não era vida

para mim, agora quero tirar um curso profissional e aprender uma profissão de que

goste, talvez informática. Bem sei que tenho poucos estudos mas vou esforçar-me. Aquilo

acabar foi um sopro de ar fresco.

(L., 26 anos, 9º ano, empregada fabril, desempregada há 3 meses).

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Eu não esperava que a fábrica fechasse. Mas depois vi que era mesmo assim e até

cheguei a um ponto, nos últimos meses, que estava desejosa que tudo acabasse. Já não se

aguentava o ambiente negativo na fábrica e as conversas do fecha não fecha. (…) Já não

estudo há muito tempo, não sei se vou conseguir mas vou estudar e candidatar-me ao

curso de farmácia. A minha irmã é farmacêutica e eu aos sábados tenho o hábito de a

ajudar. Eu gostava do que fazia mas não era assim aquela coisa de grande entusiasmo e

assim, percebe; era para ter um salário e quando saía gostava de ter a minha vida cá

fora. Não era do tipo de ficar obcecada com o trabalho e de levar trabalho para casa.

Aliás, a política da empresa não era essa. Vou tentar seguir outro rumo.

(E., 28 anos, solteira, sem filhos, engenheira, desempregada há 1 mês de uma multinacional que

encerrou. Tem apartamento próprio com hipoteca mas vive em casa dos pais).

VI. ORGANIZAÇÃO DO TEMPO NO DESEMPREGO A PARTIR DA

ANÁLISE DOS GRUPOS DE ENCONTRO (FOCUS GROUPS) E DAS

ENTREVISTAS

“Trabalha em algo, para que o diabo te encontre sempre ocupado.”

S. Jerónimo

INTRODUÇÃO

Para analisar a temporalidade dos desempregados podem considerar-se “padrões

diários” e “padrões semanais” de actividade, o “tempo recorrente” e o “tempo não

recorrente” ou “tempo geracional”. O “tempo social” representado pelo “tempo

familiar” e pelo “tempo doméstico”, sobretudo para as mulheres, prevalece sobre o

“tempo organizacional” perdido com o fim do emprego e que ainda ressurge na relação

com as instituições.

Muitos dos homens e mulheres mais velhos viram a sua infância abreviada,

nomeadamente com o encurtar da permanência na escola e o tomar de muitas

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responsabilidades da vida adulta, sobretudo com a entrada precoce no mercado de

trabalho para muitos homens e algumas mulheres; enquanto para outras não eram pouco

frequentes tarefas como limpar, lavar, cozinhar, fazer compras e tomar conta dos irmãos

mais novos nas famílias de origem.

Os jovens, com destaque para as mulheres com responsabilidades domésticas,

enfrentam um conflito de dois tipos de tempo: “tempo da família” e “tempo da

organização” sob a forma do calendário escolar.

No caso das profissões altamente qualificadas e com horários pouco rígidos e

extensos os entrevistados revelam a sensação de um tempo vivido até ao limite ocupado

horas a dentro em actividades geradoras de motivação ou que tinham que ser feitas para

atingir metas claramente visíveis como o fecho do jornal e a sua saída no dia seguinte.

O tempo pode assim ser percepcionado como espaço. Tempo-espaço a ser ocupado,

sujeito à rentabilização e produtividade que lhe confere sentido. No desemprego são,

sobretudo, as actividades de substituição por via das responsabilidades familiares ou do

trabalho informal que permite ligar-se ao tempo dos outros, entrar no tempo dos outros

e sentir-se parte integrante.

A maioria dos homens de todos os escalões etários optam por criar rotinas que

lhes permitem sair de casa. Não só para alguns porque a casa é o espaço tradicional

feminino mas por motivos de isolamento e de busca seja do convívio social, seja de um

emprego. As mulheres, mesmo as mais novas tendem a permanecer mais tempo em casa

e a manter um sentido social pelo cuidar da casa, dos filhos ou dos pais já idosos.

Mesmo assim, assinalam também o sentimento de algum esvaziamento temporal

socialmente significativo, bem como a falta não só de uma remuneração mais alta que o

subsídio de desemprego não substitui na totalidade, mas de uma ocupação socialmente

útil por via do trabalho remunerado.

Considere-se agora a análise de forma mais detalhada por género e idade.

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VI.1. OCUPAÇÃO DO TEMPO NO FEMININO

A. é a mais nova das mulheres ouvidas; com 22 anos de idade, tem uma filha de

vinte e quatro meses. Operária fabril residente em Mem Martins, apenas concluiu o 6º

ano de escolaridade. Desempregada há dois anos e três meses, não aufere subsídio de

desemprego. Desligada da escola, não pretende aumentar o nível de escolaridade mas

idealiza voltar a trabalhar numa fábrica, embora refira também gostar muito de bichos

pelo que lhe agradaria tratar de animais. A maternidade e o facto de não ter a filha na

creche, bem como a espera de uma cirurgia, tiveram implicações no abrandamento da

sua procura de emprego. O tempo ocupado com a filha e com as actividades domésticas

não são suficientes para A., que gostaria de voltar ao ritmo fabril e, sobretudo, de ter

salário. Contudo, sente-se realizada como mulher por ter passado este tempo com a

filha. Apresentamos a síntese da sua ocupação diária.

De manhã vou ao café e à loja. Depois, venho fazer o almoço e depois tomo conta da

minha filha e arrumo a casa e vou passear a minha cadela à rua. Depois, venho fazer o

jantar, dou banho à minha filha e preparo a minha filha para dormir. Vejo televisão com

o meu marido e depois vamos dormir.

Outra situação é apresentada por B., solteira sem filhos, com 25 anos e o 12º ano

de escolaridade. Vive com os pais e está desempregada há três meses. Tem alguma

experiência como caixeira de loja, não aufere subsídio de desemprego e conta com o

apoio financeiro e de alojamento por parte dos pais. As obrigações para com os seus

cães marcam o início da actividade matinal. A sua situação objectiva, bem como as

actividades diárias, são distintas do caso anterior mas incluem a preparação de refeições.

A tarde é dedicada a algum trabalho de voluntariado com idosos e à procura de

emprego. Ver televisão é parte da noite Sente que o seu tempo mudou com o

desemprego e queria ter um salário para as suas despesas.

Mais matinal, R. é mulher de 27 anos, engenheira industrial, casada e sem filhos.

O marido é bancário. R. apenas tem experiência de trabalho na área comercial e deseja

conseguir um emprego na sua área profissional. Desempregada há dois meses, aufere

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subsídio de desemprego que durará por dez meses. Acorda à mesma hora a que

acordava quando tinha actividade profissional e reserva a manhã a cuidar da casa e

procurar emprego. Confecciona refeições e vê T.V. em vários momentos do dia mas

especialmente à noite. Considera que a ocupação do seu tempo mudou com o

desemprego e, para além de conseguir um novo emprego, o que gostaria mesmo era de

trabalho na sua área de estudos: O tempo parece que ficou mais solto, com mais tempo mas que

passa num instante.

No mesmo grupo etário, é notório como na lista de G., desempregada com 26

anos de idade e o 6º ano de escolaridade, a palavra mais repetida é “filho” tendo em

conta que G. é mãe de uma criança de 3 anos a quem dedica grande parte do seu tempo

diário desde que acorda às 8h. Do seu calendário está ausente a procura de emprego.

Também da lista de actividades diárias de C. não consta a procura de emprego.

Aos 28 anos, solteira e sem filhos aproveita o tempo no desemprego para concluir a

licenciatura em gestão de empresas. Refere que o desemprego marca uma “grande

mudança” na sua vida, nomeadamente com intervalos de ausência de actividade escolar

no Verão e mais tempo vago. Ao dia de trabalho adjectivado de “cheio” e de forte

intensidade, opõe-se o tempo no desemprego com um ritmo mais lento e sentido como

algo vazio quando não tem aulas.

Foi uma mudança muito grande. Agora não tenho nada para fazer até finais de Setembro

que começo as aulas da universidade. Antes de ficar desempregada, tinha o dia cheio.

Acordava cedo, estudava, entrava às 11h no trabalho e saía às 17h. Tinha que sair a

correr para estar na universidade das 18h às 23h. Depois apenas tinha tempo para

dormir.

C. acorda mais tarde comparativamente a quando tinha emprego e prepara as

refeições e cuida da cozinha enquanto os pais trabalham. Desempregada há cinco meses

da actividade de assistente administrativa, irá receber subsídio de desemprego durante

mais seis meses. Amigos, cinema, música, internet e T.V. ganharam espaço e tempo na

sua vida.

Como se viu no caso de A., para muitas mulheres a dedicação aos filhos,

sobretudo em idades precoces, constitui um substituto da actividade profissional que

facilita a adaptação ao tempo no desemprego. Tal refere E., mulher com 28 anos de

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idade, casada e com o 7º ano unificado, residente na linha de Sintra, operária durante

seis anos e meio; desempregada com subsídio de desemprego há dois anos. O

nascimento de um filho marca grande mudança no ciclo de vida doméstica, ao qual se

veio juntar outra mudança, o desemprego.

Quando fiquei desempregada tinha tido a minha filha há pouco tempo, por isso tudo

mudou. Além de ficar em casa, tinha que tratar dela, por isso não me custou tanto ficar

em casa porque tinha o tempo mais ocupado, embora, é claro, de maneira diferente.

D. 32 anos e separada com uma criança a cargo ficou desempregada pela terceira

vez. Divide o tempo entre cuidar do filho e procurar emprego, nomeadamente com

deslocações semanais ao CE.

Todas as mulheres entre os 30 e os 34 anos de idade passaram a orientar o tempo

no desemprego em função dos filhos, da confecção de refeições e das actividades

domésticas. Esta conclusão também é válida para mulheres entre os 35 e os 45 anos

(independentemente do nível de instrução), à excepção de duas que não têm filhos.

Veja-se o caso de M. com 34 anos e o 9º ano de escolaridade. É casada e tem uma filha

de dez anos. Passou a dedicar mais tempo à casa e a actividades para as quais, quando

trabalhava, não tinha tempo ou disposição, tais como estar mais com a filha, coser à

máquina, fazer uma sobremesa para o jantar ou ver televisão. Residente em Sintra, foi

empregada fabril durante oito anos, aufere subsídio de desemprego e da sua agenda não

consta actualmente a procura emprego. Assinala do seguinte modo as diferenças

relativamente a quando tinha emprego.

Levanto-me mais tarde. Fico mais tempo com a minha filha. Tenho mais tempo para

fazer outras coisas como cozer à máquina, fazer um doce para o jantar, passar a ferro,

que antigamente não tinha tempo e quando vinha do trabalho já estava cansada.

Com 34 anos de idade, T. tem apenas a 4ª classe e está desempregada há seis

meses. Reside numa aldeia perto de Sintra e ficou desempregada depois de ter

trabalhado num lar de idosos durante seis anos. Continuará a receber subsídio de

desemprego durante dois anos. Mãe solteira viveu maritalmente com o pai dos dois

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filhos (com oito e seis anos) de quem está separada há dois anos mas que a apoia no

pagamento da renda de casa. Toma medicamentos para tratar uma depressão, não tem

amigos nem família próxima. Todavia, as relações de proximidade são geradoras de

apoios solidários e, assim, conta com o apoio de uma vizinha a quem ajuda na horta e a

cuidar dos animais, que em troca lhe oferece produtos hortícolas. Também uma ex-

patroa de um escritório onde trabalhou nas limpezas a ajuda. Sem amigos, nem família

por perto e com gosto pela leitura e escrita apesar da baixa escolaridade, ocupa mais

tempo a ler e a escrever do que anteriormente. Registam-se as suas palavras quanto às

mudanças ocorridas na ocupação do tempo. Ligada ao ritmo rural, o esquema de T., ao

contrário de outros esquemas temporais, não apresenta qualquer referência a horários.

Ajudo a vizinha na horta. Durmo mais do que dormia. Cuido dos filhos durante mais tempo.

Faço a lida da casa mais apurada. Leio muito mais. Ajudo a vizinha a cuidar dos

pássaros e dos animais da horta. Penso demais o que é mau … e daí escrevo, escrevo…

A sua última frase “Penso demais…” remete, como explicou, para a

preocupação com os problemas de saúde dos filhos e para a dificuldade em conseguir

emprego que permita conciliar trabalho e família.

A.S., operária, tem 37 anos, sétimo ano de escolaridade e foi operadora de linha

numa fábrica na zona de Lisboa. Casada, tem uma filha de quatro anos de idade que está

em casa com ela. Pertence à igreja evangélica. Tem um bom relacionamento com o

marido e conta com o seu apoio. Desempregada há um ano irá auferir subsídio de

desemprego durante mais seis meses e quer voltar ao mercado de trabalho. Contudo, há

dois meses que não procura emprego, justificando que não tem obtido qualquer resposta

positiva nos contactos já efectuados, o que a desmotiva. É uma das poucas mulheres que

assinala fazer actividade física. Cumpre as obrigações domésticas e por oposição, ao

ritmo operário, o desemprego proporciona-lhe mais tempo e mais calma para a vida,

especialmente para a educação da filha.

O meu dia depende da hora de me levantar. Agradeço pelo dia que vai começar. Faço

ginástica pela manhã, arranjo o pequeno almoço e preparo o almoço para mim e para a

filhota. Muitas das vezes faço compras, vou à Igreja e faço as coisas de casa. Ocupo o

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tempo com a Inês e divirto-me com ela. Hoje, devido a estar desempregada, tenho mais

tempo e calma para poder gerir a minha vida e a educação da Inês. Em termos de

compras tento ir quando vai menos gente.

A experiência profissional é comum ao conjunto destas mulheres adultas. Tal

não é o caso de M.C., casada, sem filhos, 35 anos de idade e que nunca trabalhou. Tem

o 10º ano de escolaridade e concluiu um curso de cabeleireira mas não gosta da

profissão e não procura exercer tal actividade. Diz sofrer do sistema nervoso e ter

problemas em conciliar o sono, embora não tome qualquer medicação. Não procura

trabalho. Actividades domésticas e trabalhos manuais estão presentes na sua rotina. O

isolamento social parece marcar o dia a dia desta mulher que manifesta gosto por

passear mas também falta de recursos financeiros.

Deito-me normalmente às 24 ou às 0.30h no fim da novela. Depois durmo até às 3 ou 4

horas e acordo sem sono. Dou voltas na cama dum lado para o outro, não consigo

dormir. Depois aí às 7h dá-me o sono e durmo até às 10 ou 11h. Sofro bastante dos

nervos. Sou super nervosa. Tudo me dói, recentemente, costas, coluna e pescoço. Não

consigo aguentar a cabeça em pé levantada. Às 11h tomo o pequeno almoço. De seguida

vou às compras do dia e faço o almoço. Às 14h tomo o almoço. De seguida lavo a loiça,

dou uma volta quando tenho que sair, senão vou para o sofá fazer crochet ou malhas.

Adoro trabalhos manuais. Às 17 ou 18h tomo o lanche. Em seguida preparo o jantar e às

20h janto com o meu marido. Depois de arrumar a cozinha vou para a sala ver novelas e

fazer crochet até me deitar.

O que eu gostava de fazer era passear longe, à beira mar ou no campo, por exemplo na

verdejante Sintra. Passo muito tempo em casa sozinha porque para ir passear para

algum sítio é muito dinheiro que se gasta e eu não tenho. Se eu tivesse muito dinheiro

viajava bastante. Acho que hospedeira de aviões é uma boa profissão. Adoro inglês e

gostava de estudar para ser recepcionista de um hotel ou guia turística.

A.B., residente em Cascais, com 34 anos, foi auxiliar de educação durante 15

meses e recebe subsídio de desemprego. Com o 6º ano e, apesar de comprar diariamente

o jornal, não refere, na sua ocupação do tempo, a resposta a qualquer anúncio de

emprego mas afirma continuar a fazer tudo o que já fazia quando trabalhava. Todavia,

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no desemprego, a casa e a família ocupam-lhe todo o tempo, como se nada mudasse,

excepto, não ter trabalho. Mesmo assim, sente a falta das relações interpessoais e do

convívio que o emprego proporcionava, prova de que o trabalho cumpre uma função

sócio-relacional para além da função económica. A concentração no trabalho tem ainda

uma função psicológica ao permitir a separação de outras dimensões da vida e um

distanciamento de outros problemas. Elenca, pormenorizadamente, as suas actividades

domésticas e com os filhos que se resumem.

Eu acho que na minha vida não mudou nada. Continuo a fazer as coisas que sempre fiz,

só não há trabalho. Contínuo a dar atenção aos meus filhos, a limpar a casa e a dar

atenção ao meu marido. Mas continua a faltar trabalho. Que eu gostava e sinto falta de

conviver com outras pessoas. Porque no trabalho a gente esquece o resto dos problemas.

O depoimento de A.C. (residente em Lisboa, 36 anos, casada, três filhos em

idade escolar e pré-escolar, 9º ano de escolaridade, desempregada da área administrativa

há três meses com subsídio de desemprego) faz lembrar um esquema rigoroso de

organização científica do trabalho. Trata-se de uma lista de actividades completamente

dedicada ao agregado doméstico, com intervalo para um breve convívio com amigas no

café e, embora com alusão a ver anúncios no jornal, ausente de qualquer referência a

tentativas de resposta. Para A.C. foi fácil a adaptação ao desemprego, pois continuou

“com o tempo muito ocupado com aquilo que já fazia em casa e para estar com os filhos

mas com tempo para fazer mais e melhor”. Esta afirmação sugere a hipótese de que, no

desemprego, as mesmas tarefas podem demorar mais tempo a ser executadas, do que

quando havia emprego. O telejornal e a telenovela encerram o dia.

V. tem 37 anos, o 4º ano de escolaridade e acabou de ficar desempregada depois

da morte do idoso de quem cuidava. Solicitou subsídio de desemprego. De

nacionalidade brasileira, é casada e tem os filhos no Brasil. Vive há cinco anos em

Portugal com o marido, também brasileiro. Para lá das ocupações domésticas, ocupa o

tempo em alguns biscates: faz bolos e salgados para vender a pessoas conhecidas e

começou a vender produtos de cosmética por catálogo muito recentemente.

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Quanto às visitas a familiares, no total são 6 as mulheres até aos 45 anos que

referem visitar diariamente a família, sobretudo as suas mães que também se encontram

em casa. De facto, as visitas a familiares, especialmente às mães, estão muito presentes

no mundo feminino. As mulheres são as grandes dinamizadoras das sociabilidades na

família.

Considere-se D. (37 anos, 9º ano de escolaridade, casada, desempregada do

comércio), desde que ficou grávida e que não aufere subsídio de desemprego. Visita

diariamente a mãe acompanhada do seu bebé, e conta com o seu apoio. O horário

exaustivo que apresenta é exemplo da forma como muitos desempregados exteriorizam

a organização rigorosa do tempo. Cuidar do bebé, tarefas domésticas, sociabilidade e

apoio familiar ao sobrinho são aspectos centrais na gestão do seu tempo.

A.D. é outra mulher casada, 39 anos, sem filhos, frequência universitária e

técnica administrativa. Procura activamente emprego e faz uma descrição diferente das

suas actividades diárias, embora também assinale actividades domésticas, preparação de

refeições, ver T.V., e visita aos pais, onde almoça. Procura emprego no jornal e

enquanto não consegue novo emprego ocupa parte do tempo em aprendizagens ligadas

às artes. Considera uma forma interessante de “fruir o tempo” e “aprender aquilo que

nunca tinha tido possibilidade quando trabalhava”. A fruição do ócio mostra que o

indivíduo não é “exclusivamente trabalhador”. As actividades de ócio são alicerce de

cultura, no sentido de Pieper (1958/ 1969).

Com outra mulher, repete-se o padrão dos filhos e da casa, enquanto o acordar é

mais tardio. I.R. tem 40 anos e o 12º ano de escolaridade e gostaria de conseguir novo

emprego. Desempregada de um escritório, está a auferir subsídio de desemprego há um

ano, com direito a dezoito meses. Contacta quinzenalmente o CE e tenta apresentar-se a

ofertas de emprego. Vê também o jornal quando vai ao café. Mais dedicada à família,

descreve o que mudou na sua vida com o desemprego.

Levanto-me um pouco mais tarde, dou mais apoio aos meus filhos em tempo de aulas.

Ajudo nos trabalhos da escola. Tenho mais tempo para organizar as coisas em casa para

que, aos fins-de-semana, possa sair com o marido e os filhos.

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F. tem 41 anos, é casada, com um filho de 9 anos a cargo. Dois mais velhos já

trabalham, um de 21 anos numa transportadora e o mais velho, 23 anos, numa

instituição bancária. Vive em Lisboa. O marido é camionista e ausenta-se

frequentemente. Apenas com o 4º ano, já teve inúmeros trabalhos, com início aos 13

anos de idade. Nos últimos três anos tem trabalhado no refeitório de uma escola mas

interrompe nas férias escolares durante três meses. Não aufere subsídio de desemprego

mas não tem preocupações financeiras. Assinala a insatisfação com o tempo vazio de

actividade e de convívio social. O tempo no desemprego é tempo de isolamento social

em casa.

Não é que eu precise do dinheiro porque o meu marido ganha o suficiente para mim e

para o mais novo porque os outros dois já conseguem desenrascar-se sozinhos

praticamente, mas fazia-me falta para ocupar o meu tempo, porque agora passo os dias

inteiros aqui sozinha sem nada para fazer. Há sempre um chão para limpar, o almoço

para fazer, mas lá era diferente porque distrai-me com as professoras e com as colegas,

riamo-nos muito e agora não. Às vezes vou lá visita-las com o pretexto de produtos da

Yves Rocher que a namorada do meu filho vende, assim ajudo-a e sempre vou passear

mas não posso estar lá tanto quanto gostaria.

Agora o meu dia-a-dia é andar às compras sozinha, vou buscar o mais novo a escola e

vou lá pô-lo e aí aproveito para ir tomar o pequeno-almoço ao café e sempre vou

ajudando nas vendas da Yves Rocher da rapariga mas chega a um ponto que também

cansa…

A procura activa de emprego e o interesse em investir num negócio são

assinalados por M.M., 41 anos, residente em Cascais com uma filha de vinte anos.

M.M. tem o curso de técnica de turismo e a frequência do terceiro ano da licenciatura

em Economia. Natural de Angola, de onde viajou para Portugal com a família após o 25

de Abril de 1974, trabalhou como técnica de turismo durante dez anos e está

desempregada há sete meses, com direito a auferir subsídio de desemprego durante dois

anos. Não esgota o tempo em actividades domésticas. Almoçar em casa da mãe é mais

uma regularidade que volta a aparecer. Procura emprego diariamente e tenta estruturar

condições para um negócio. Gosta muito de se ocupar em actividades de restauro e

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pintura. Aqui reaparece o lazer como forma de realização pessoal na ocupação do tempo

diário do desemprego, a T.V. e a Internet.

Outro caso, L., 43 anos, está centrada na procura activa de emprego apesar de 4

filhas com 13, 11, 10 e 5 anos que vivem com ela. Produtora cinematográfica executiva

desempregada, é separada do marido que também se encontra desempregado. Sem

auferir subsídio de desemprego conta com o apoio financeiro da mãe e deslocou-se ao

CE para solicitar uma declaração a fim de se candidatar ao RSI. Muito empenhada em

conseguir trabalho, frequenta muitos sites de empregos e responde a múltiplos anúncios.

Também faz trabalhos gratuitos não só para se ocupar mas porque gosta muito de

fotografia e de cinema; actividades que a ajudam também a manter contactos e

competências. Dedica ainda algum tempo à casa, às refeições e às filhas, ajuda nos

trabalhos escolares e visita ou recebe diariamente a visita da sua mãe e fala com amigas.

Eu passo muito tempo nos sites a procurar emprego e também falo com muita gente.

Claro, também há a casa e as miúdas e a minha mãe. Falo bastante com amigas, às vezes

mais por telefone e evito adiar a procura de emprego. E os trabalhos que faço por gosto

ou porque me pedem. A fotografia e o cinema são uma paixão mas não espero nem

pretendo trabalhar nesta área.

Para L. o desemprego marca uma grande diferença em relação ao período de

actividade laboral. Dada a natureza do trabalho cinematográfico, o seu ritmo variava,

embora fosse predominantemente intenso e sem horários, obrigando a viagens e

separações da família.

Uma outra situação diz respeito a I. Natural de Lisboa residiu toda a vida nos

Açores, onde vivem os pais. Regressou a Lisboa para ingressar na Universidade,

licenciou-se em Psicologia. Com 45 anos, está desempregada há onze meses de uma

empresa de formação e consultoria e aufere subsídio de desemprego por mais dois anos.

Vive em união de facto e não tem filhos. A sua descrição da ocupação diária está livre

de bitolas esquemáticas de marcação do tempo. Ao longo do período de desemprego

houve algumas alterações nas actividades desenvolvidas e no seu ritmo de sono, que se

tornou progressivamente mais tardio. Os três primeiros meses de desemprego foram

dedicados à procura de emprego de forma intensiva, actividade que mantém

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actualmente em articulação com outras novas ocupações. Quanto ao ritmo de sono

passou a deitar-se tardiamente e a acordar muito mais tarde do que quando trabalhava e

à medida que o desemprego se prolongou. Muito activa e tendo-se ressentido da

ocupação do tempo no desemprego, concluiu que dormir de manhã é uma forma de

encurtar o dia. Estar nas redes sociais à noite proporciona o convívio e alimenta o sonho

de conseguir trabalho, nomeadamente contactos e clientes para trabalhar por conta

própria. Assim, à noite permanece muito tempo nas redes sociais da internet para tentar

contactos e mostrar as suas competências. O ciberespaço é o seu meio de convívio

diário e o hipismo a sua distracção nos tempos livres. Encontra-se com o irmão

semanalmente e visita os pais três vezes por ano.

Fico acordada até tarde na internet para poder fazer contactos e durmo de manhã. Assim

o dia não fica tão longo. Dedico a tarde à procura de emprego e vou de quinze em quinze

dias ao CE como é obrigatório e para procurar emprego, mas não tenho conseguido

nada. Aliás, no CE dizem sempre que não têm nada para mim. (…) Envio imensas cartas

e e-mails com currículos, também fiz uns concursos públicos mas na minha área não há

quase nada. Dois concursos para psicólogos num ano são muito pouco. (…) Como gosto

de tratamento de dados em estatística fiz um curso. Às vezes, nos tempos livres, fazia

algumas análises de dados para teses de pessoas amigas, pode ser que sirva para

trabalhar, até por conta própria nessa área. (…) Comecei um estágio não remunerado

em análise de dados há pouco tempo (…) que comuniquei ao CE. O estágio é à distância

e só preciso de ir a uma reunião todas as semanas e enviar os relatórios semanais.

Habitualmente, não marco nada à sexta feira para ir para a margem sul para o centro

hípico onde o meu companheiro é professor. Passo lá o fim de semana e ando a cavalo,

encontro-me com amigos. É um grande gosto e grande distracção.

O desemprego mudou muito a sua actividade. O relato é de uma ocupação

intensiva do tempo, nomeadamente, na procura de emprego na internet e em jornais,

tendo solicitado ajuda ao CE; não obteve apoio “porque já tinha habilitações a mais!”

Três meses após o desemprego, iniciou uma pós graduação em um programa estatístico

que lhe ocupa o fim da tarde e a noite até às 23h, três vezes por semana. As suas

actividades de lazer são mantidas, com domínio do hipismo e de encontros com amigos.

Todo este pulsar de actividades sem emprego permitem, por fim, o gozo do ócio, num

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sentido positivo, de realização e liberdade humana. Não escreveu Aristóteles “ocupamo-

nos para podermos estar desocupados”?

O desemprego mudou muito o meu dia a dia, claro, pois antes todo o dia era só trabalho

e agora não. Durmo de manhã, procuro emprego e faço muitas outras coisas como

estudar para tentar outras alternativas de trabalho. Mantenho é os tempos livres e não

abdico dos cavalos.

Veja-se outro caso do mesmo grupo etário. I. tem 45 anos, reside em Carcavelos;

mãe solteira, com uma filha de 20 anos de idade. Licenciada em Antropologia, exerceu

actividade bancária, trabalhou para uma Câmara Municipal e escreveu em revistas. Está

desempregada há cinco anos e não recebe subsídio de desemprego. Quando a filha era

criança contou com algum apoio financeiro da mãe. Tem o tempo muito ocupado, como

refere no seu depoimento. O trabalho informal permite-lhe preencher parte do tempo

diário e obter alguns recursos financeiros para assegurar a sobrevivência. Faz da pintura

um hobbie, prazer que, por vezes, lhe rende algum dinheiro. Descreve de forma

genérica a sua ocupação diária e as alterações ocorridas com o desemprego.

Nos primeiros tempos procurava emprego mas agora é muito menos. Aproveitei e tirei

um curso de massagem oriental, ajudo a minha mãe, dou massagens, faço doces para

restaurantes, ando sempre numa fona com os animais, não é pouco! E ainda tenho

pretensões em estágios de Antropologia não remunerados. Também tenho um hobbie que

não me ocupa todos os dias mas que me traz prazer e já ganhei algum dinheiro com ele:

pinto quadros a óleo e depois vêm os amigos e compram e os amigos dos amigos.

À medida que a idade avança, os relatos femininos assinalam também, para as

mulheres que tiveram filhos, a presença de netos, aos quais dedicam parte do tempo

disponível, como é o caso de H., de 43 anos com uma neta que leva à e trás da escola

todos os dias, para além do apoio que ainda dá à filha mais nova, estudante de 15 anos.

Cuidar dos netos tende a repetir-se com muita frequência para mulheres a partir

dos 50 anos, de que são exemplo as breves linhas de M.A. (52 anos de idade, sexto ano

de escolaridade e operária fabril subsidiada) ou de I.A. (53 anos de idade, 4ª classe,

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empregada doméstica) que assinala mais tempo de sono, lida da casa, brincar com a neta

e passear.

O labor centrado nas acções domésticas, na confecção de refeições e no apoio a

filhos ou netos é válido mesmo para aquelas mulheres cujos filhos já trabalham mas

ainda residem em casa dos pais. De facto, muitos dos filhos, apesar de já trabalharem,

vivem em casa dos pais e, quando o local de trabalho não é distante da residência,

optam por almoçar em casa com as mães, o que permite também alguma poupança. São

mais raros os casos em que, não residindo os filhos com os pais, aqueles vão almoçar a

casa destes. Nestas circunstâncias, é mais frequente o hábito de jantar, proporcionando,

assim, mais algum tempo disponível para convívio familiar. Também em alguns casos

menos frequentes, as mulheres, com filhos já crescidos no liceu ou a trabalhar e cuja

família vive na proximidade geográfica, apoiam os sobrinhos nas deslocações entre casa

e escola. É o caso de O., 49 anos, casada e mãe de três filhos já crescidos. É técnica

oficial de contas, desempregada há seis meses com direito a subsídio de desemprego

durante mais um ano. Tem empregada doméstica duas vezes por semana e gosta de se

dedicar à jardinagem. Passou a acordar mais tarde e a deitar-se mais tarde do que

quando trabalhava, faz algumas tarefas domésticas, dedica-se à jardinagem, apoia os

filhos e sobrinhos e visita diariamente os pais. Perdeu a esperança de encontrar

emprego, tendo em conta a falta de receptividade das entidades empregadoras que a

consideram “velha”. O serão é reservado ao convívio familiar com a T.V. e lavores.

Outra mulher, P., 48 anos, com o 9º ano de escolaridade, divorciada, funcionária

administrativa e descrente de conseguir novo emprego, apoia a filha, cuida da casa e das

refeições e dedica as tardes a um curso de artes decorativas, sonho de vários anos que o

tempo no desemprego permitiu tornar realidade. Todavia, sente a falta de emprego e

receia o futuro quando o subsídio de desemprego terminar. Ler e ver T.V. fazem parte

do registo nocturno.

Nos grupos etários subsequentes aumenta a frequência do apoio às mães idosas,

nomeadamente no cuidar das mesmas e o zelo dos netos.

M.L. vive com o marido e com a filha, tem 52 anos de idade, o 5º ano comercial,

apoia a mãe e não desistiu de procurar emprego. Embora tenha consciência das

dificuldades, mantém a idealização de dar continuidade ao itinerário profissional

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anterior de publicitária num jornal. M.L. estimulou A., de 22 anos de idade, a mais nova

do grupo de encontro e operária fabril, a prosseguir estudos, considerando que “há tanta

coisa bonita na vida, tanta coisa para aprender”. Reparte o seu tempo entre a leitura de

jornais e de anúncios, o apoio à filha, as visitas à mãe, os passeios com o cão e a pintura

cerâmica e o artesanato no seu atelier, para além dos trabalhos domésticos, e os

telefonemas diários de uma amiga, como escreve, numa forma mais livre de horários do

que a maior parte dos participantes, embora com pormenor. O lazer ligado às artes

reaparece como fonte de gratificação.

Considere-se agora o caso de M.G. (51 anos, casada), com a mãe de 87 anos a

cargo, situação que lhe toma muito tempo. Além disso, a proximidade geográfica

facilita a visita, quase diariamente, ao filho e neta da parte da tarde. Não ter emprego

permite mais liberdade na hora de acordar. Cuidar da mãe, da casa, compras, refeições e

passeios com a mãe são outras regularidades. Desempregada há dois anos, desistiu de

procurar emprego activamente, embora aufira subsídio de desemprego. Para a sua

desistência contribuem o apoio à mãe e o sentimento de marginalização do mercado de

trabalho devido à idade. Apesar de desempregada afirma que “não faz da sua vida um

tempo sem interesse” e refere a possibilidade de alguma mudança na ocupação diária do

tempo.

É nas mulheres maiores de 55 anos (11 casos) que ocorre maior frequência de

dedicação aos netos (10 casos), mas também de apoio às mães idosas (4 casos).

Também a ocupação na horta ou no jardim, a cuidar de plantas e animais, tem maior

representação neste grupo etário (8 casos). A prática religiosa é assinalada por duas das

mulheres mais velhas e a actividade de ginástica também é considerada (4 casos).

O caso seguinte é ilustrativo de muitos outros. M.J. (55 anos, casada,

desempregada do comércio e sem subsídio de desemprego) ocupa-se com um neto,

animais e plantas e resume a sua actividade diária.

O relato de F.I. (56 anos de idade, casada, curso geral do comércio,

desempregada da área administrativa e sem subsídio de desemprego), assinala uma vida

diária ocupada entre compromissos familiares, nomeadamente no tratar da neta, da casa

e da alimentação. O filho almoça diariamente em sua casa, o que a obriga “a ter o

almoço pronto a horas”. Consegue também ir duas vezes por semana à ginástica com o

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apoio de uma vizinha no cuidar da neta. No seu relato é notório o preenchimento do

tempo disponível. Da noite fazem parte o telejornal e, a telenovela na T.V. e a leitura.

C.C., 58 anos e com o 9º ano de escolaridade, trabalhou na indústria de

componentes eléctricas e está desempregada, tal como o marido. Ambos auferem

subsídio de desemprego. A sua ocupação é marcada pela atenção ao horário da refeição

de almoço para o marido que se ausenta de casa (“se está bom vai à pesca”) e o filho,

bem como nos cuidados domésticos como assinala.

A minha hora de levantar normalmente é entre as 7 e as 8h. Tenho que ter o almoço

organizado para o meu marido que vai almoçar a casa. Embora também esteja

desempregado, gosta de ir ver o mar, se está bom para a pesca e lá anda nas voltas dele.

A manhã passa num instante. À tarde normalmente é para arrumar a casa, tratar da

roupa e pensar no jantar. O meu filho tem que levar almoço para o trabalho, o que é

uma preocupação estar constantemente a pensar no que vou fazer para a refeição.

Tirando isto vou às compras, à farmácia e é assim o meu dia.

S. é a mais velha, com 63 anos de idade. Natural de um país africano, tem a

terceira classe e foi empregada de limpeza num colégio durante quinze anos. Tem três

filhos em Luanda, dois deles desempregados. Vive com uma neta de 16 anos, está

desempregada há dois meses e recebe a prestação social de desemprego que irá

prosseguir pelo período de dois anos e meio. Espera transitar para a reforma logo que

possível. Refere, de forma muito sintética, o seu ciclo diário onde consta a prática

religiosa da missa, a regularidade de visita a familiares e alguma costura. Acorda mais

tarde do que quando trabalhava e passou a dispor de tempo para cuidar da saúde.

Com o desemprego tenho mais tempo para tratar da saúde. Vou ao médico, faço exames.

Quando se está empregado não há tempo para tratar da saúde e eu acordava muito

cedo, às cinco e meia da manhã, para ir trabalhar.

Por fim um caso merecedor de destaque é o de FL, 56 anos de idade,

desempregada há um mês e que aguarda o deferimento do subsídio de desemprego.

Residente em Lisboa, é economista e tem um curriculum muito diferenciado com

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mestrado em Inglaterra, pós-graduações e experiência profissional diversificada e muito

relevante. Divorciada e com duas filhas, a mais nova frequenta a universidade e ainda

vive em sua casa. FL era assessora de uma estrutura de missão de projectos

comunitários e tinha um salário de três mil e oitocentos euros. Considera-se mulher

muito activa, demonstra grande dificuldade de adaptação ao desemprego e sente-se

perdida na ocupação do tempo, mas também frustrada com a falta de respostas para

trabalhar. O desemprego é, para ela, uma morte social.

Agora não sei o que fazer. No primeiro mês tive que tratar de muita coisa, estava muito

ocupada mas agora não sei o que fazer. Sou muito activa e trabalhava muito e gostava

do meu trabalho. Também não gosto de andar por aí a ver isto ou aquilo. Vou para a

net, envio propostas a anúncios ou candidaturas espontâneas mas não respondem. Já

nos consideram velhos com certeza. Do CE dizem que nos vão chamar para formação,

acho bem porque eu quero estar ocupada mas espero que seja para uma formação que

valha a pena. Não ter trabalho é horrível. É como se tivéssemos morrido.

VI.2. OCUPAÇÃO DO TEMPO NO MASCULINO

Veja-se agora como os homens ocupam o tempo.

P.B., o mais jovem de 21 anos, é solteiro e vive com os pais, sendo a mãe

doméstica e o pai reformado. Tem o 12º ano completo com curso tecnológico

informático e curso de formação profissional em programação informática. Não procura

emprego e pretende candidatar-se ao ensino superior, passando muito tempo em casa

com a mãe e a sobrinha.

D., com 28 anos de idade, é separado, tem um filho criança e reside em casa dos

pais em Lisboa. Com o 9ºano de escolaridade, está desempregado há três semanas. O

desemprego desestruturou a organização do seu tempo. A aceleração e a fragmentação

temporal foram substituídas por um tempo contínuo e vagaroso com reduzida actividade

e um acordar mais tardio.

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Para trabalhar no Pingo Doce eu levantava-me sempre às seis e meia da manhã. Agora

não preciso, não tenho compromissos. Levanto-me mais tarde, arranjo-me e depois a

minha mãe faz o almoço e comemos. Depois vou ao café e dou umas voltas. Às vezes vou

à advogada por causa de ver o meu filho e é assim e agora vou começar a procurar

emprego.

Outro jovem, P.C., 29 anos, é solteiro, reside em casa dos pais no Cacém e tem o

11ºano de escolaridade. Trabalhou como empregado de bar durante cinco anos, ficando

desempregado há quatro meses. Aufere subsídio de desemprego desde há três meses

com direito a 360 dias. Dado à vida nocturna, manteve o mesmo ritmo de sono de

quando trabalhava à noite como empregado de bar. O hábito de trabalho nocturno foi

substituído pelo consumo na frequência de cafés, bares e discotecas, em saídas com os

amigos durante a noite. O seu tempo é também orientado para os amigos na frequência

de espaços públicos durante o dia, café e centro comercial ou na realização de

actividades de lazer, como pesca ou idas à praia, ver T.V. e leitura. Não faz qualquer

referência à procura activa de emprego.

P.A. (37 anos e 11º ano de escolaridade) exerceu como técnico de operações de

telecomunicações. O último trabalho durou dois anos numa empresa de antenas

parabólicas e aufere subsídio de desemprego. Já teve um negócio por conta própria,

conseguindo montar uma oficina com um colega. Esta actividade gorou-se por

desentendimento. A propósito da procura de emprego assinala, com sentido de humor,

que “nas entrevistas já me consideram velho”. Casado, sem filhos, passa grande parte do

dia fora de casa, participa nos escuteiros e descreve do seguinte modo a ocupação do

tempo sem demonstrar preocupações em relação a qualquer escala temporal.

Ler jornais e ir a entrevistas de emprego (quando as há); passear; encontrar amigos e ex

colegas; actividades com os escuteiros. Como não tenho filhos cuido dos filhos dos

outros mas é giro. Navegar na internet em sites técnicos de electrónica e computadores e

de empregos. É onde encontro anúncios e consigo ir a entrevistas para me dizerem que já

sou velho e eu me rir um bocado. Tarefas domésticas , como aspirar. Dormir. Ler.

C.V. tem o 8º ano incompleto e 35 anos. De nacionalidade portuguesa, tem

vivido sempre com os pais, cabo-verdianos. O pai está reformado e era subempreiteiro;

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a mãe é doméstica mas no período balnear dedica-se a vender bolas de Berlim e gelados

na praia. C.V. está ansioso por conseguir emprego. Frequenta o CE com a regularidade

de duas vezes por semana para ver as ofertas de emprego e “vai aqui e ali” procurar

emprego.

N. (38 anos, 9º ano de escolaridade, casado e técnico de vendas) está

desempregado há um mês e acredita que vai conseguir um novo emprego em breve. A

sua lista temporal é orientada para o exterior da casa e para o mercado de trabalho de

manhã e de tarde.

Noutros casos, raros, indivíduos mais escolarizados, conseguem ocupar parte do

tempo com trabalhos para os quais obtêm remuneração complementar ao subsídio de

desemprego, como acontece com J.L. de 43 anos, engenheiro mecânico que vive em

união de facto, não tem filhos, e ocupa parte do tempo com explicações. Acresce que

não desiste de procurar emprego diariamente.

Levanto-me pelas 8h, depois do pequeno almoço compro o jornal, vejo os sites de

emprego da internet até à hora de almoço. Na internet não aparecem muitos empregos

na minha área. É mais nos jornais. Faço o almoço, almoço e vou ao café. Da parte da

tarde dou explicações de matemática até sensivelmente às 20h. Depois de jantar

encontro-me com alguns amigos. Deito-me por volta da meia-noite.

É também o caso de A.G. de 48 anos, licenciado em Comunicação Social e

fotógrafo jornalista. Com experiência de 23 anos num grande jornal e desempregado há

dois anos, está a receber subsídio de desemprego. O acompanhamento deste caso desde

o início180 da situação de desemprego permitiu constatar as mudanças que podem

ocorrer na ocupação e organização do quadro temporal e de actividades das pessoas

desempregadas. Na primeira fase (1 semana) A.G. “não fazia nada a não ser ver alguns

e-mails”, também “dormia até mais tarde” e foi “ao médico do centro de saúde”, pois

aquando do despedimento teve uma subida de tensão arterial e deu entrada em urgências

do hospital. Durante o primeiro mês, passou a levar os dois filhos (sete e nove anos) à

180 Com follow ups em diferentes períodos temporais após o desemprego: 1 semana, 1 mês, 3 meses, 6 meses, 8 meses, 1 ano, 2 anos, 3 e 4 anos.

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escola em substituição da mulher e, permanecendo muito tempo em casa, começou a

procurar emprego e a fazer um blog. O computador em casa é o substituto da actividade

profissional, utilidade que distrai a apatia vivida. Aos 3 meses refere, ocupar mais

tempo com os filhos mas não se sente gratificado; pelo contrário, o estatuto de marido e

de pai parece ter-se ressentido, pelo menos, na sua percepção pessoal, do facto de estar

desempregado. Também persiste na procura de emprego e consegue uma pequena

colaboração. Ao longo do tempo do desemprego, os filhos, quando crianças, continuam

a ser referências importantes no uso do tempo e no cumprimento de horários. Aos seis

meses de desemprego comenta:

Agora sou sempre eu que vou levar e buscar os miúdos e tenho ficado algum tempo no

centro de ATL para onde eles vão que é de uma pessoa amiga. Ela já me pediu algumas

vezes para eu tomar conta daquilo quando ela se ausenta. Já o fiz algumas vezes mas eu

não tenho jeito para miúdos, deixo-os fazer tudo e depois tenho de me zangar.

Gradualmente aumenta a sua actividade, como se verá a propósito do trabalho

informal.

No prosseguimento da análise da ocupação do tempo pelo género masculino,

convém referir que as actividades podem não ser remuneradas e contudo contribuir de

forma significativa para a economia doméstica. É o que acontece com A.M. de 47 anos,

casado, residente em Sintra, 7º ano unificado, chefe de oficina de automóveis e

desempregado há ano e meio, com subsídio por mais um ano. Ocupa grande parte do

tempo a cuidar da sua moradia e tem vindo a construir uma casa num terreno perto da

sua, para o filho que vai casar dentro de meses. Também prepara o seu almoço e

mantém alguma actividade mecânica. Não esquece o espaço convivial com os amigos

no café e não refere qualquer procura de emprego, mas assinala o estigma da idade.

Outro homem que desistiu de procurar emprego face aos insucessos devido à

idade é J.J., de 44 anos. Tem o curso industrial e gostaria de frequentar a Universidade.

Autodidacta, tem muitos interesses culturais e competências raras no desenho, que

nunca tentou explorar profissionalmente. Foi chefe de produção numa empresa e recebe

subsídio de desemprego há catorze meses. Apesar de referir o interesse em iniciar

actividade por conta própria, da sua lista de ocupações diárias não consta qualquer

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iniciativa nesse sentido. Divorciado, vive com o pai e a filha de treze anos. Afirma ter

mudado bastante a organização do seu dia com a experiência do desemprego e assinala

que passou a valorizar as tarefas domésticas, actividades habituais das mulheres. Deste

conjunto de homens é um dos que passa mais tempo em casa, onde realiza diversas

actividades, nomeadamente artísticas.

O início do dia nesta fase da minha vida sofreu uma grande transformação. Começo por

ir às compras e fazer comida para mim, minha filha e meu pai. Estou a dar um valor

maior às lides caseiras porque são repetitivas e pouco criativas. Leio livros, pinto

quadros a óleo e procuro novas actividades e temas para aprofundar. Vejo televisão e

ajudo a minha filha nos trabalhos da escola. No final do dia o sono não surge por vezes

e a leitura ajuda a passar o tempo.

O caso de J.J. não é excepção. Outros, também cozinham desde que ficaram

desempregados. É também frequente, para os que têm filhos em idade escolar, o apoio

às deslocações entre casa e escola e o apoio nos trabalhos escolares, sobretudo quando

as mães também trabalham. Assim nos refere A.I., 43 anos, com o 9º ano de

escolaridade, empregado de mesa e desempregado há oito meses a receber subsídio, mas

também D.S., 45 anos, 4ª classe, talhante de profissão, desempregado com subsídio,

bem como A.R., operário fabril com 42 anos, desempregado com subsídio, ou ainda

P.F., engenheiro de 45 anos, casado e com dois filhos, que pretende avançar com a

criação do próprio emprego, tendo já submetido o projecto a aprovação do IEFP. Todos

eles preparam os pequenos-almoços e almoços dos filhos, acompanham os filhos entre

casa e escola e ajudam nos trabalhos escolares. O convívio do casal e ver T.V. são

actividades nocturnas que se mantém no desemprego.

Matinal, A.R. descreve a sua ocupação diária desde as 6.30h e, onde, para além

do apoio às filhas, consta ir buscar a mulher ao trabalho, fazer compras, ver T.V. e jogar

às cartas.

A partir dos 48 anos surgem, com alguma frequência, relatos de apoio a netos

nas viagens para o infantário, mas também idas à pesca, como assinala B.C., residente

em Cascais, 9º ano, serralheiro, desempregado há dez meses que aufere subsídio de

desemprego e não tem tido qualquer oportunidade de emprego.

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São poucos os homens com mais de 50 anos que persistem na procura de

emprego, mas alguns, como C.M., não desistem. Tem 52 anos, o 6º ano de escolaridade,

reside em Lisboa, era encarregado de construção civil e o seu último trabalho durou 13

anos. Aufere subsídio de desemprego há quatro meses e irá receber por mais trinta

meses, caso não consiga emprego. De manhã: ajuda na arrumação da casa e procura de

emprego. De tarde: ocupação indefinida.

V.S., solteiro com 50 anos de idade, vive com a filha de 25 anos que

trabalha. Serralheiro e desempregado há apenas 2 meses, a auferir subsídio de

desemprego, assinala visivelmente a dificuldade pessoal na gestão e ocupação do tempo

no desemprego.

Eu não posso estar sem fazer nada. A pessoa vai aonde? Levanta-se, vai ao café, dá uma

volta …isso não é para mim. Sempre fui muito activo.

Além disso, como se viu anteriormente, certos homens levam as mulheres ao

trabalho e de regresso a casa. Alguns já o faziam quando trabalhavam, outros passaram

a fazê-lo depois de desempregados. É um apoio familiar e mais uma actividade que os

obriga a sair de casa e a ter horários. No grupo dos maiores de 55 anos, residentes na

zona rural de Sintra, há ainda uma ocupação descrita como gratificante nos trabalhos da

terra ou com os animais. Disso nos dá conta D.A. de 55 anos, com a 4ª classe, operador

de máquinas de cartão canelado e desempregado há dois anos, com direito a subsídio de

desemprego durante mais um ano. Acresce que o café ressurge em várias descrições

como o local de encontro dos homens, desempregados ou não. Domina a percepção de

não conseguir um novo emprego para si; fado comum a outros amigos.

Os meus tempos livres são ocupados em minha casa, a tratar do quintal, dos meus

passarinhos, das plantas, etc. E também ir levar e buscar a esposa ao serviço (trabalha

na base aérea na cozinha).Tudo o que faço é com gosto, com prazer. Depois também vou

até ao café falar com os amigos. Há uns da minha idade, outros mais novos, outros mais

velhos na mesma situação de desemprego que eu. Não se arranja nada.

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São raros os desempregados que se dedicam a actividades de voluntariado, mas é

o caso de C.L., 52 anos de idade e natural de Viseu. Veio viver para Lisboa com os pais

aos 3 anos e praticamente toda a família já faleceu. Tem um segundo casamento há

dezassete anos e a mulher é professora. O filho é adulto e independente. CL cursou

Direito, concluindo a licenciatura a um ritmo lento. Passou a exercer como solicitador.

Considera-se muito activo e não gosta de estar parado, nem em casa. Não refere

qualquer participação nas actividades domésticas. Mantém hábitos de ocupação do

tempo livre que já tinha quando trabalhava, tais como, ir ao café, onde frequenta, há

mais de vinte anos um grupo, e encontra-se diariamente com um amigo. Além disso, é

voluntário num hospital; dá apoio a doentes com SIDA e doentes terminais, em

sequência da doença de um amigo.

Alguns não esquecem a actividade física ou desportiva como ocupação de parte

do tempo livre; é o caso de J.H. de 57 anos, com a 4ª classe, que trabalhou como

encarregado de tratamento de superfícies. Essa actividade matutina combina-se com

outras como, a leitura de jornais desportivos e de informação geral, enquanto de tarde

vai buscar o neto ao infantário e cuida de uma pequena horta; à noite vê o telejornal.

Todas estas actividades já faziam parte da sua vida quando trabalhava, excepto o cuidar

do neto. Não conta regressar ao mercado de trabalho e espera conseguir a reforma

quando findar o subsídio de desemprego. A sua mulher, também desempregada, tem as

mesmas expectativas de passagem à reforma e ocupa-se sobretudo com actividades

domésticas, nomeadamente com as refeições, o neto e faz crochet.

Veja-se a posição de um homem de 58 anos, com a 4ª classe, natural de e

residente em Sintra, operário fabril, desempregado há um ano. Para ele a sua maior

característica é ser trabalhador, por isso tem muito com que se entreter. O seu vínculo

ao mundo rural é evidente na ocupação do tempo no desemprego, e fonte de rendimento

para a economia doméstica.

Gosto muito do contacto com o campo e vou para as serras tirar o mel, chego a carregar

caixas de sessenta quilos de mel e depois vendo em Sintra.

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Uma das listas mais pormenorizadas e preenchidas de acções diárias é a de G.J.,

de 57 anos de idade. Com o 7º ano liceal antigo, foi empregado de comércio. A mulher

ainda trabalha; descreve pormenorizadamente um dia tipo de que fazem parte muitas

actividades domésticas e reparações em casa, ao contrário da maioria dos participantes,

acrescido da confecção de refeições. Trata dos animais e das plantas. Além disso, dá

apoio regular à família, sogra e duas irmãs solteiras idosas e tenta recuperar casas

antigas numa aldeia da Beira Baixa. A este homem não falta certamente trabalho não

remunerado, que reverte em favor da economia doméstica. Desempregado há 3 meses,

espera passar do desemprego à reforma e, assim, mudar do estatuto social de

desempregado para o estatuto de reformado. Na sua lista, como em outras, a mensagem

subliminar que surge das listas temporais muito pormenorizadas parece afirmar o tempo

bastante ocupado de uma pessoa trabalhadora que se distingue do preguiçoso, mesmo

que o trabalho remunerado já não exista.

VI.3. DESEMPREGO E SOLIDARIEDADES FAMILIARES

A fé nas próprias capacidades, as oportunidades e capacidades de prevenção face

ao futuro e ao inesperado, a confiança nos outros e na reciprocidade dos gestos e o

crédito votado às instituições como instrumentos de protecção colectiva face ao

imponderável assumem-se como factores estruturantes no sucesso de estratégias de

resiliência individual e colectiva. Para ancorar tais estratégias, tornam-se indispensáveis

as redes de relações sociais. Por essa razão, as teorias do capital social, na enorme

diversidade de entendimento deste conceito, têm vindo a demonstrar a “força dos laços

fracos” e, sobretudo, o papel estrutural das redes de relações sociais na criação de

segurança e de coesão social, mas também de competitividade na sociedade moderna.

Granovetter (1973) introduziu novos conceitos de rede e classificou os laços sociais

existentes em fracos (weak ties), aqueles nos quais o investimento é menor ou nulo,

como, por exemplo, entre indivíduos participantes de um grupo ou associação, e fortes

(strong ties), nos quais os indivíduos despendem mais tempo, intensidade emocional e

trocas; por exemplo, com o círculo familiar e de amigos.

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Mauss abordou o movimento de dádivas e retribuições (don e contre don) e, no

caso do desemprego, é legítimo perguntar se ocorrem trocas, como ocorrem e como são

identificadas pelos envolvidos. Para Attias-Donfut (1995) identificar a presença de uma

dádiva na relação exige operações mentais diversas que implicam abstrair da relação e

referenciá-la enquanto elemento distinto. Tal identificação ocorre mais facilmente

quando se trata de dádivas em rituais simbólicos (presentes de Natal ou de aniversário,

por exemplo) e valores financeiros. A sinalização pelos agentes envolvidos é mais

difícil quando se trata de trocas no âmbito da vida quotidiana, sobretudo se não são

materiais mas sob forma de prestação de serviços.

O reconhecimento de necessidades familiares e a disponibilidade são duas

condições básicas para concretização de dádivas sob várias formas. No ciclo de vida

familiar não está presente apenas a “lógica da necessidade” mas também a “lógica da

reciprocidade” e a “lógica da complementaridade” (Attias-Donfut, 1998).

O apoio social pode ser considerada de diferentes formas. Cobb (1976) aponta

três tipos de apoio: apoio emocional, apoio ao sentimento de auto-estima e apoio

derivado de um sentimento social de obrigações mútuas; Thoits (1982) distingue apoio

sócio-emocional (afecto, simpatia, aceitação e estima) do instrumental (conselho,

informação, ajuda económica, ajuda nas responsabilidades do trabalho e da família);

Warr e Jackson (1982) distinguem apoio económico de apoio emocional.

As trocas inter-geracionais permanecem uma realidade nas sociedades modernas

e pós-modernas que pode ser facilitada pela permanência de modelo de residência

familiar extensivo. No Sul da Europa e em Portugal tende a predominar um padrão

familiar em que os filhos saem tardiamente de casa dos pais. Além disso, a tradição na

“sociedade-providência” portuguesa parece combinar-se com dificuldades económicas e

favorecer um modelo de residência familiar de dependência extensiva com

“institucionalização” do modelo de família tradicional e apoios entre familiares.

Poinsard e Descamps (1935) notaram o carácter instável da família no Sul de

Portugal por relação à estabilidade da família no Norte (Minho), ligada à pequena

propriedade e à economia familiar.

Porém, solidariedades familiares e trocas entre pais, filhos e netos são várias e

têm importância também no desemprego, como se analisou na área da Grande Lisboa. A

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análise do inquérito revela grande proximidade entre desempregados inquiridos e

familiares: quase 30% reside na mesma freguesia e cerca de 24% no mesmo concelho.

Tal vizinhança é mais marcada em Sintra e é, certamente, facilitadora de trocas

familiares como, aliás, referem os inquiridos quando 30% afirma receber ajudas. Os

desempregados recebem e dão. Os dados relativos à ocupação do tempo mostram que

muitos dos desempregados constituem apoio para a família com importância nas trocas

descendentes e ascendentes. Tais trocas não se caracterizam tanto pelo investimento de

capital, mas pelo investimento em afectos, tempo e trabalho. As trocas ocorrem segundo

relações de doação e relações de reciprocidade (Razeto in Tiriba, 2004).181

Em geral, as trocas ocorrem nos afectos, em ajuda doméstica e financeira, no

cuidar de crianças e em assistência na doença. Cuidar dos pais idosos é reciprocidade

afectiva e instrumental ainda presente em filhas educadas num contexto tradicional na

sociedade portuguesa e ocorre também entre mulheres desempregadas. As que não

conseguem regressar ao mercado de trabalho canalizam muito do seu tempo para trocas

inter-geracionais e constituem apoio familiar básico inscrito em uma linha de dádiva e

contra-dádiva matrilateral que envolve avós, filhas e netos.

É sobretudo no sentido descendente que se dão as transmissões económicas de

pais para filhos jovens ou de avós para netos. A situação varia quando os pais já idosos,

em lares ou em casa dos filhos, necessitam de apoio financeiro e do seu cuidado, apesar

de os filhos estarem desempregados. No caso de desemprego de pais mais idosos é

frequente estes, sobretudo mulheres, cuidarem dos netos e apoiarem os filhos nas

refeições. Quando a componente feminina da família está desempregada ocorre um

reforço da actividade doméstica mas as acções no contexto familiar também são

reforçadas ao nível da dádiva descendente e ascendente: preparar refeições para filhos já

casados ou que vão almoçar a casa, cuidar dos netos, ir buscar netos à escola, visitar

pais idosos e cuidar de pais e sogros co-residentes.

Embora menos frequentes e menos intensos, os dados indicam que parte dos

homens desempregados também se envolve na dádiva das famílias: na relação homem-

mulher conduzir a mulher para e do trabalho e ajudar a preparar refeições; na relação

181 Relações de doação (quando um dos sujeitos se assume como doador e outro como beneficiário, o que não implica um correspondente fluxo no sentido inverso); relações de reciprocidade (quando os bens fluem bilateralmente, sem acordo do intercâmbio), conforme Razeto in Tiriba, 2004.

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pai-filhos conduzir os filhos à escola, ajudar nos trabalhos de casa, preparar o pequeno

almoço, construir a casa do filho, por exemplo; na relação avô-netos ir buscar os netos à

escola; mais raramente, na relação filhos-mães cuidar de mães idosas co-residentes.

Assim, o apoio familiar no âmbito da dádiva e trocas recíprocas nas famílias e

redes sociais são mecanismos micro sociais compensatórios com importância notória no

desemprego. Vejam-se alguns exemplos.

A. (43 anos, produtora cinematográfica executiva, sem subsídio, separada, 4

filhas) equaciona o apoio familiar tendo por referência a mãe.

Vivo com o apoio da minha mãe. Se a minha mãe não me ajudasse eu estaria a viver

debaixo da ponte e a passar fome com as minhas filhas. A minha mãe tem 81 anos e vem

todos os dias do castelo até à minha casa para ver se está tudo bem. Agora já sofre de

saúde e tem muitas despesas e quero fazer o possível por aliviar-lhe as despesas. Ela

agora foi passar uns tempos à quinta a Torres Novas mas liga todos os dias para saber

se está tudo bem.

R. (39 anos, 12º ano de escolaridade, casado, uma filha, desempregado há cinco

meses) assinala a importância do apoio familiar para a sua jovem família:

Claro que posso contar com a ajuda dos meus pais e dos meus sogros e os padrinhos

também dão uma ajuda para a bebé. Vivemos perto dos meus sogros e há sempre alguma

ajuda a tomar conta da menina e na nossa alimentação, muitas vezes vamos comer à

casa dos meus sogros ou à dos meus pais, eles sabem que eu estou desempregado e

preocupam-se.

Mais raramente, também ocorre a dádiva entre irmãos. J. (54 anos, 4ª classe,

indústria hoteleira), vive só num apartamento que comprou há anos com empréstimo

bancário mas que só consegue pagar com ajuda da irmã. Contudo, o desemprego de um

elemento da família e a necessidade de receber apoio financeiro pode provocar

desequilíbrios e até conflitos familiares.

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A minha irmã empresta-me dinheiro, que é como quem diz dá, porque se calhar não

tenho hipótese de lho pagar. Mas já teve problemas com o marido. Para me ajudar a

mim tem problemas com o marido. Se as coisas se complicarem talvez tenha que entregar

a casa ao banco.

J.C. (28 anos, desempregado há 3 meses, sem subsídio de desemprego) vive em

união de facto com a companheira também desempregada e a filha em casa alugada. O

casal conta com apoio financeiro dos pais de ambos e deste modo conseguem

sobreviver.

Se não fosse a família não sei como seria, eu estou desempregado e ela também. Temos

ajudas dos meus pais que vivem perto e dos pais dela que estão na Suíça.

Contrariamente, quando falham todos os apoios familiares torna-se necessário

recorrer a apoios estatais. É o caso de S. (34 anos, 12º ano de escolaridade, viúva com

filha de seis meses, natural da Guarda), desempregada há três meses sem subsídio. Sem

suporte familiar e sem emprego, vê-se na contingência de solicitar apoio da

Misericórdia para a creche da filha e no acesso a bens essenciais, bem como RSI, o que

refere, não gostaria de fazer.

R. (30 anos de idade, 8º ano de escolaridade, casado com três filhas), tem a

mulher desempregada e vivem em casa alugada. Nos últimos meses o casal tem

sobrevivido e pago as despesas da casa com o apoio da mãe de R. que, todavia, não

pode continuar a suportar as despesas, pelo que a solução é o realojamento em família

alargada em casa da mãe.

A.R. (35 anos, solteiro, sem filhos, desempregado há 10 anos) vive com a mãe

de 74 anos que sofre de problemas de foro psiquiátrico e a quem presta todos os

cuidados.

Sandra (31 anos, reside com o companheiro desempregado e dois filhos),

desempregada há dois anos, sem subsídio, aufere RSI. Este caso constitui outro bom

exemplo do papel das redes familiares como suporte social e apoio socioeconómico.

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Se não fosse a ajuda dos meus pais não sei como seria. Já tínhamos entregue a casa. Mas

a minha mãe ajuda-me muito. E a minha avó que já morreu também me dava muito.

Quando a minha avó morreu a minha mãe vendeu uma casa na terra e do que recebeu

deu logo quinhentos euros a cada filha. Está sempre a ajudar. Custa-me pedir mas ainda

agora vai ter que ser pois chegou uma carta de corte de luz. A minha mãe não dá

dinheiro, por exemplo para um café, se queremos, fazemos em casa, mas não quer que

nos falte nada. Vamos ao hipermercado e ela paga as despesas das compras do mês,

paga a prestação da casa, água, gás e luz.

VII. ESTRATÉGIAS DE PROCURA DE EMPREGO E DE SATISFAÇÃO

PESSOAL – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E HISTÓRIAS DE VIDA

“Quanto mais avanço na estrada da vida

mais necessário considero o trabalho. ”

P. Corneille

VII.1. PROCURAR EMPREGO

Quanto à procura efectiva de emprego, é possível distinguir dois tipos de

procura: uns orientam a procura para determinados empregos (procura profissional

selectiva); outros fazem-no de forma indiferenciada e em todas as direcções. Os que

tendem a seleccionar empregos específicos pretendem ver reconhecidas algumas

capacidades e qualificações, que consideram susceptíveis de ser valorizadas no mercado

de trabalho. Pode admitir-se que a aposta em determinadas características e/ou

qualificações para orientar a procura de emprego revela uma certa confiança nas

próprias capacidades. Ao invés, a procura pouco selectiva, orientada em várias

direcções, parece ocorrer com indivíduos menos apetrechados em capitais profissionais

susceptíveis de serem valorizados no mercado de trabalho ou desesperados por

conseguir emprego. Um dos aspectos importantes quanto às atitudes perante o emprego

é, então, a flexibilidade dos sujeitos no tipo de emprego que estão dispostos a aceitar.

Parece provável que um alto nível de inflexibilidade na escolha de emprego se tornará

factor prejudicial e prolongará o desemprego.

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No desemprego acontece, normalmente, uma procura activa de trabalho que

funciona como actividade de estruturação do tempo e submissão a uma rotina; constitui

também a legitimação de conduta social reconhecida pelo Estado e pela família. Para a

estruturação do tempo concorrem outras actividades, nomeadamente a nível familiar.

Curiosamente, esse tempo que é de trabalho, vazio para muitos porque não reconhecido

e menos pressionado por comparação com ritmos intensos de quem tem emprego, pode

ganhar uma dimensão de movimento. Veja-se também capítulo VI.

Às vezes tenho a sensação de que não fiz nada e de que o tempo não passa mas quando

olho para trás fico admirado e até assustado porque já se passou um ano. Assustado com

medo de não conseguir mudar a minha situação.

No caso dos trabalhadores de uma multinacional automóvel, a análise de

algumas entrevistas a 20 trabalhadores até aos 50 anos mostrou, primeiro, que o choque

emocional ocorre durante o período de trabalho e que a informação prévia de

encerramento abre espaço à procura activa de emprego. Procurar emprego é também

sentir-se activo e atribuir-se valor por tentar.

Esta semana enviei 50 currículos. Já sei que não vou receber quase nenhuma resposta

porque em Portugal não há o hábito de as empresas responderem. Mas sempre fiz alguma

coisa e tentei.

Todavia, uma minoria muito reduzida, com projectos alternativos como

prosseguir formação (exemplos: E., 28 anos, engenheira desempregada de empresa

multinacional e Luísa, 26 anos, 9º ano e empregada fabril), criar o próprio emprego ou

dar prioridade à maternidade, não se dedica à procura de emprego, excepto em

cumprimento das exigências legais a que o subsídio obriga. Alguns mais escolarizados e

sem dificuldades financeiras, que viveram o desemprego como choque depois de vidas

profissionais muito exigentes e ocupadas, procuram inicialmente emprego sem grande

empenhamento e permitem-se inverter a negatividade convocando a ideia de férias.

Ao contrário do que é por vezes sugerido, os desempregados procuram emprego

intensamente. Foi essa a realidade encontrada no conjunto de entrevistados, embora tal

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actividade sofra quebra a partir dos 50 anos. Em geral, a procura de emprego é orientada

para a área profissional de experiência anterior. Face à não obtenção de emprego a

tendência é flexibilizar a procura em termos de qualificações e alargar, assim, a procura

em áreas profissionais. As expectativas salariais também diminuem e pondera-se aceitar

salários mais baixos. O mais difícil, sobretudo para as mulheres, é o problema

geográfico na procura de emprego. A procura repetida e inconsequente de emprego,

nomeadamente quando há filhos, pode levar ao desespero (mesmo com subsídio) ou à

desistência de procurar. Vejam-se alguns depoimentos.

Vou todas as semanas ao CE procurar emprego mas já estou desesperado porque não

consigo nada. Não perco tempo e vou logo contactar mas quando telefono ou vou às

empresas dizem que já não precisam.

(António, 34 anos, 11º ano de escolaridade, casado e com filhos, técnico comercial, desempregado há

3 meses, subsidiado).

Procurar emprego está a ser uma frustração. Está pior do que há alguns anos em que era

mais fácil encontrar. Ao princípio só procurava na minha área, agora procuro em tudo,

quero qualquer coisa, só que também não há; em cada área que se procura pedem

experiência e assim não dá.

(Álvaro, 40 anos, 12º ano de escolaridade, técnico de seguros, desempregado há 11 meses, subsidiado).

Eu não quero viver de subsídios, quero trabalhar mas está a ser difícil. Vai-se à procura e

nada. Já corri os hotéis todos de Lisboa e nada; até nem querem pôr carimbos para o CE.

O último emprego que tive até foi pelo CE, fui lá e gostaram de mim mas antes de fazer 3

anos despediram-me a mim e aos outros para não se ficar efectivo.”

(Adriano, 38 anos, frequência universitária, recepcionista de hotel, desempregado há 5 meses,

subsidiado).

Tenho ido várias vezes ao CE e respondo a empregos sem ser na minha área mas não

consigo nada; gasto dinheiro a ir aqui e ali levar as apresentações às empresas que me

dão no CE e nada, dizem que já estão preenchidas. Às vezes é no dia a seguir à entrada da

oferta. Não dá para perceber. É uma frustração e fico revoltada e desesperada. Gostava

que me explicassem o que se passa.

(Maria, 46 anos, engenheira química, desempregada há 17 meses, não subsidiada).

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Ana iniciou a procura activa de emprego logo que ficou desempregada.

“Eu comecei logo a procurar emprego. Imprimo o currículo e vou às farmácias, faço isso

a várias por dia. O CE só exige três tentativas de procura de emprego por mês mas eu

faço só isso num dia. Espero que no Verão já esteja empregada, acho que sim, apesar de

ver que ainda não tive nenhuma resposta.”

(Ana, 38 anos, técnica de farmácia, casada e sem filhos, desempregada há 20 dias).

Ana faz parte da população trabalhadora realizada com a actividade profissional,

tendo perdido o emprego inesperadamente. Começou a fazer diligências para emprego

de forma intensa, personalizada e esperançosa, logo após o despedimento. Caso

conseguisse emprego não iria requerer subsídio, como fez 20 dias depois. Espera ser

colocada na sua área profissional, embora ainda não tenha obtido respostas à sua

candidatura. A esperança é a última a morrer e Ana não baixa os braços mas insiste em

tentar novo emprego, superando em muito as exigências do CE na procura activa de

emprego. Prefere personalizar o contacto na procura, (tal como fez anteriormente

quando mudou de empregos), a enviar o currículo formalmente e à distância. A

consciência da necessidade de enfrentar as contas por pagar ou a circunstância do

prolongamento do desemprego fá-la considerar a possibilidade de alargar o campo de

busca de emprego. Olhando para a sua situação profissional e familiar, pondera que a

ausência de filhos é circunstância benéfica num contexto de desemprego e não pretende

engravidar nesta fase da vida.

M. (43 anos, natural de Minas Gerais no Brasil) é caso de grande fragilidade no

acesso ao mercado de trabalho. Às fracas qualificações profissionais e baixas

habilitações escolares juntam-se idade e depressão como factores de vulnerabilidade

intrínsecos que se cruzam com factores de vulnerabilidade extrínsecos, como

generalização do desemprego e falta de oportunidades. A dificuldade de reinserção

profissional leva-a a equacionar o regresso ao Brasil. Não fossem tais limitações e

escolheria permanecer em Portugal. A sua vida no Brasil e em Portugal tem a marca da

dedicação ao trabalho. M. não rompe o círculo vicioso entre baixas qualificações e

ausência de trabalho e também não consegue aceder a qualquer trabalho informal.

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Prisioneira da depressão, sente-se limitada em termos cognitivos para fazer

aprendizagens e por isso não se disponibiliza para aumentar a escolaridade e ingressar

num Centro Novas Oportunidades, por exemplo.

Neste contexto, as opções de saída do desemprego afiguram-se muito limitadas.

Simultaneamente, o apoio financeiro do Estado social sob a forma de subsídio de

desemprego desempenham papel fundamental na sobrevivência, enquanto o subsídio se

mantiver.

M.R. (52 anos de idade, 4ª classe) é mais um “homem de trabalho” com saber de

experiência feito. Encarregado geral de uma fábrica onde trabalhou 29 anos, não

consegue emprego e, com 3 filhos, refere necessidades financeiras. Não desistiu de

fazer contactos na procura de emprego mas não encontra oportunidades.

O subsídio de desemprego é pequeno para a minha situação e felizmente que o mais velho

já trabalha mas ainda tenho os dois mais novos a crescer. Veio a miúda já com dez anos

de diferença do irmão e depois o miúdo que agora tem dez. É difícil. Vou tirando de

algumas reservas que tenho mas de onde se tira não cresce. E ainda agora estive a ver ali

e não querem ninguém com cinquenta anos ou mais. O que é que uma pessoa vai fazer?

Ainda por cima só tenho a 4ª classe. No jornal vejo os anúncios mas não vejo nada para

mim. Procuro bastante. Sou um homem de trabalho. Atirava-me a trabalhar e dava conta

do recado. Por três vezes voltei à fábrica de sabão e sabonetes, estive lá vinte e nove anos.

Fui subindo sempre. Fiz a escala toda de operário até encarregado geral. Não precisava

de fazer contas para calcular as toneladas necessárias de matéria-prima. E não errava.

Diziam-me: ‘Você tem as quantidades certas na cabeça’. Com a prática sabia sempre se o

sabão estava com a qualidade certa.

A entrevista seguinte evidencia como a total falta de trabalho remunerado e

estável associada a um passado de toxicodependência conduz à perda de autonomia, de

onde decorre a incapacidade para cumprir obrigações familiares e legais. Trata-se de um

processo de empobrecimento e desqualificação social agravado por não se reunirem as

condições legais para acesso ao subsídio. É o acesso à reduzida prestação do RSI que

permite manter, com um mínimo de apoio, aqueles que, sem emprego e vulneráveis, se

encontram nas fronteiras da integração social.

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J.E. (do Baixo Alentejo, 45 anos, 9º ano de escolaridade), encontra-se

desempregado há onze meses, aufere RSI e reside num abrigo.

O seu discurso centra-se no trabalho ausente: procura inglória e falta de emprego são

temas.

Eu procuro mas não encontro. Da última vez uma doutora do Centro mandou-me ir a

uma entrevista. Era para jardineiro. Depois o senhor disse para eu ligar passados dois

ou três dias, eu liguei e ele disse-me que tinha preferido uma pessoa da zona, ali de

Sacavém. Então eu vim dizer ao Centro que não tinha ficado para eles saberem. Não

quero que me cortem o rendimento de inserção porque não tenho mais nada.

Nos casos RSI, a procura de emprego tem um ritmo mensal ligado ao pagamento

da prestação pela Segurança Social, uma vez que o dinheiro é referido como crucial

para a acção. Assim, a intensidade na procura de emprego tende a ocorrer após receber a

prestação mensal e a diminuir ou desaparecer quando o dinheiro se esgota.

Eu posso procurar trabalho depois de receber. Agora recebemos aí a vinte e quatro ou

vinte cinco. Aí eu compro o jornal e vejo o que há. Faço telefonemas para os sítios ou

compro bilhetes e vou lá falar ou às entrevistas. Mas quando se acaba o dinheiro não

posso ir. Só o passe são vinte euros. Ainda no outro dia apanhei uma multa no autocarro

de quase cem euros para ir a uma empresa. Vir ao CE também é melhor depois de

receber, disse há bocado à doutora, mas quando me chamam venho sempre.

R., 39 anos, 12º ano de escolaridade, casado, uma filha, desempregado há cinco

meses. Considera que tinha um salário “relativamente bom” que lhe permite subsídio de

desemprego à volta dos 800 euros durante quase três anos. Todavia, rejeita a

inactividade e afirma querer trabalhar. Apesar de ponderar a hipótese de procurar

emprego fora da sua área profissional, o seu discurso é de alguma ambiguidade quanto a

aceitar emprego com remuneração muito abaixo do valor que recebe de subsídio:

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Os salários andam muito baixos e sei que é difícil que me paguem aquilo que eu estava a

ganhar mas também pagarem só 500 euros ou ainda menos que é o salário mínimo é muito

mau e nada garante que se fique lá a trabalhar, pois os trabalhos são muito precários.

Não é só pela comparação com o que se recebe, é sobretudo para fazer face às despesas e

agora com a minha filha é pior.

Outro caso, H. (30 anos, solteira sem filhos e bacharel em turismo), procura

emprego intensamente. Começou por trabalhar na área administrativa durante 6 meses.

Depois, esteve 4 anos como “transferista” e hospedeira de congressos e foi “bus

assistant” numa agência de viagens. Transitou por várias actividades sem viver a

experiência de desemprego. Todavia, já se inscrevera num outro CE há anos, após

terminar a formação. Esta foi a primeira vez que ficou desempregada. Era efectiva e

recebeu uma parca indemnização. Pretende aproveitar o tempo no desemprego para

aprender alemão e continuar a procurar emprego activamente. Equaciona mudar para

outro País, caso não encontre emprego em Portugal. Encara tal possibilidade com muito

realismo.

Eu não paro de mandar currículos e de responder a concursos nos sites mas até agora

nada. E sabe uma coisa, não respondem, uma pessoa até se sente mal. É surreal! Tem

piada, sem ter piada nenhuma, que os poucos que me respondem são os das candidaturas

espontâneas. Pelo menos sempre dizem que receberam a candidatura, que de momento

não têm vagas mas que vão arquivar o cv e que depois contactam em caso de necessidade.

Eu mando por semana aí umas vinte candidaturas mas no CE só exigem três procuras de

emprego por mês. Por enquanto ainda estou só a procurar na minha área que é onde

tenho formação e experiência mas se isto se complicar mais começo a mandar currículos

para outras áreas. Há tanta gente desempregada e uma pessoa vê quando vem ao CE.

Quando se está empregado não se tem tanta noção disso. É surreal! A minha chefe

também saiu e foi para a companhia angolana e parece que precisam de mais alguém.

Então ela já me disse que está interessada em mim pois já conheço as aplicações e tenho

experiência no ramo e ela sabe como eu trabalho. Eu para além do português falo bem o

inglês, francês e espanhol mas queria aprender o alemão pois sei muito pouco. Se o CE

tiver formação em línguas e me puder encaminhar tanto melhor pois evito gastar dinheiro.

Quero mesmo aproveitar este intervalo para isso, sempre aprendo e pode-me ser útil para

o trabalho. Também concorri para uma companhia do Médio Oriente que vai abrir um

balcão em Lisboa e ficaram de me dizer alguma coisa nas próximas semanas. Se não

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surgir nada no espaço de seis meses estou a pensar emigrar, pois aqui não dá para ficar

sem emprego e sem perspectivas. Como não tenho marido nem filhos arrisco e vou ainda

não sei para aonde. Talvez a Alemanha fosse boa hipótese mas teria que aprender bem o

alemão e só tenho umas luzes, por isso também é bom aprender mais.

No relato de H. identificam-se várias ideias centrais no âmbito da procura

intensiva de emprego:

• falta de resposta das empresas às candidaturas, provocando mal-estar no

desempregado;

• procura de emprego começa na área onde se tem competências para se alargar a outras

áreas, caso não seja obtido emprego;

• importância dos contactos profissionais anteriores para um novo emprego;

• motivação para formação em línguas através do CE;

• disponibilidade para emigrar, pois não tem compromissos familiares.

Hugo (29 anos, 9º ano de escolaridade, desempregado há uma semana) reside em

quarto alugado com um amigo. Com experiência diversa foi cozinheiro durante três

anos num Hotel em Lisboa e afirma ter sido despedido para a empresa não o passar a

efectivo. Agora, pretende procurar emprego e fazer curso de cozinha para melhorar as

competências, pois enquanto trabalhava não conseguiu frequentar formação.

Eu já tinha trabalhado ano e meio como ajudante de cozinha e fui também empregado de

balcão e tinha estado mais quatro anos num posto de carburantes. Mas prefiro a cozinha.

Eu aprendi sempre tudo o que sei a trabalhar mas gostava de aprender mais e tirar a

carteira profissional. Os meus colegas tiraram o curso através da Escola de Hotelaria do

Estoril e eu também queria mas o horário não dava. Eu entrava às seis horas, depois saía

às três da tarde com almoço. Para ir para o curso era longe e eu não tenho carro, então

não fui. Quero aproveitar agora para fazer isso. Já fui à Pontinha para saber e agora

fiquei também inscrito no CE para um curso de cozinha. É chato estar desempregado e

estar em casa mas agora é assim. Mas eu vou procurar trabalho.

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J., 54 anos, 4ª classe, trabalhou em hotéis de 5 estrelas. Faz parte dos

desempregados de meia-idade confrontados, em termos de reingresso no mercado de

trabalho, com idade e baixa escolaridade. Como outros desempregados entrevistados,

tem consciência da idade como factor de exclusão no acesso ao mercado de trabalho (o

que é assinalado também por sociólogos, a propósito da diminuição do número de

colocações com o aumento da idade, Centeno et al., 2001). Idade e redução de

empregos combinam-se para limitar a reentrada no mercado de trabalho dos mais

idosos. Em J., a baixa escolaridade é compensada por competências feitas de anos de

experiência e formação associada.

Dantes nem precisava de procurar. Agora é difícil. O meu problema é a idade para

trabalhar. Ainda sou novo para a reforma mas sou velho para me aceitarem a trabalhar.

Isso é que chateia! Já me disseram isso ao telefone e sei que directamente na cara não

dizem por uma questão de educação. Eles não precisam de um indivíduo agora.

Antigamente sim, pediam muitos profissionais, agora reduzem pessoal e alguns até fecham.

Agora querem gente até aos trinta anos e parece que não lhes interessa que saibam. Não é

fácil. Parece que quando uma pessoa diz que sabe da profissão ainda é pior. É diferente de

antigamente em que era importante saber. Também acho que talvez seja mais fácil para

eles dar ordens a miúdos. Mas o que é facto é que precisamos todos de trabalhar.

Consciente da necessidade de actualização profissional, refere as suas limitações

em termos informáticos e o interesse em formação nesta área, uma vez que ainda

mantém a esperança de novo emprego.

Outro desempregado, José (35 anos, licenciado, casado, 2 filhos) esteve

desempregado três vezes nos últimos três anos. Embora de aparência calma, revela

ansiedade para conseguir estabilidade profissional, tendo em conta os diversos trabalhos

já realizados (ensino e call-centres).

Eu gostava mesmo era de conseguir estabilizar em qualquer área, isto assim é complicado.

Eu já estive aqui e acolá e queria mesmo era estabilizar.

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O caso de J.C. (28 anos, em união de facto, companheira desempregada, uma

filha, desempregado há 3 meses, subsídio de desemprego) exemplifica a diversidade de

experiências de trabalho e situação de vida instável de adultos jovens.

Já trabalhei em muita coisa, a maior parte do tempo fui empregado de balcão e mesa

durante seis anos em vários sítios. Quando trabalhei no W um mês e meio como empregado

de mesa não me pagaram parte do salário nem as gorjetas. Fiquei muito chateado. Sempre

me fiz ao trabalho e trabalhei um mês nas festas da cidade Z, outro mês num armazém nas

cargas e descargas e, por vezes, montava iluminações em eventos. Também já fiz uns meses

de servente de pedreiro, ajudante de serralheiro e ajudante de padaria e fui motorista de

ligeiros em Lisboa. Tudo o que fiz era porque ía sabendo através de gente conhecida. Agora

que falo nisso tudo parece sempre a rodar, uma roda viva! O último foi cerca de cinco

meses como distribuidor interno de correio e agora vem o subsídio de desemprego. Tinham

ligado a dizer que eu ía ficar e afinal não. Fiquei muito chateado. E eu que tinha ido a uma

entrevista optei por isto pois sempre era um bocadinho melhor do que o outro trabalho

através de um amigo e que eu disse que não, e agora não tenho nada! Nos correios o

salário base era 360 euros mas depois tinha uns complementos e chegava aos seiscentos.

Agora não tenho nada! Estive a ver com a doutora do CE se havia alguma coisa para mim

mas também há pouca coisa e para mim não há nada.

A rotatividade de ocupações é, como refere, “um sempre a rodar” de onde

dificilmente escapa. E, mesmo quando surge hipótese menos má nesse rodar, ela pode

disfarçar-se nas empresas onde cada empregado é um número e não uma pessoa. A

raridade de ofertas de emprego no dispositivo público de emprego comparativamente

com o número de desempregados inscritos também parece uma constante. A

necessidade de recursos económicos para o agregado familiar dificulta ou impede a

desejada formação. J.C. procura emprego intensamente mas tem tido muitas

dificuldades face aos trabalhos precários e sem salário base.

Gostava de tirar um curso para ficar com uma profissão e o 12º ano mas são entre dois a

três anos e eu preciso de trabalhar. Assim não posso fazer o curso porque preciso de

trabalhar. Tenho procurado tudo, até já respondi para a meo, a zon e a herbalife. Vou todo

bonitinho de fatinho e tudo para a reunião e afinal são mais de cem pessoas numa sala para

eles apresentarem a empresa e o produto. Depois queriam que se comprasse os produtos, aí

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uns cem euros, para vender e eu disse-lhes, então eu estou desempregado e querem que eu

vos compre produtos? Nem pensar!”. É como na meo e na zon, dizem que dão um salário

base mais comissões, conforme o que se vende, mas não é assim. Vendes ganhas, não

vendes não ganhas. E é andar a trabalhar, a bater de porta em porta sem receber. Desses já

desisti de concorrer. Mas vejo tudo o resto. Acredita que até para a agricultura já

concorri?

V. (37 anos, 4º ano de escolaridade, nacionalidade brasileira, aguarda subsídio)

tem experiência de 3 anos como empregada doméstica e a tomar conta de idoso. Procura

emprego através dos contactos pessoais, CE e jornais.

Y. (transmontano, 58 anos, solteiro, desempregado há seis meses) não tem

família nem emprego. Com a rede social e familiar quase inexistente é determinado na

procura de emprego diária e a pé.

Não tenho irmãos nem mais família chegada, só uns tios já velhos na província e queria

mesmo era arranjar trabalho. Levanto-me, arranjo-me e corro as obras todas mas não

consigo nada, dizem todos que estão cheios.

E., cinquenta anos, casada, tem uma filha na Universidade. Assinala a idade dos

mais idosos como limite para regresso ao mercado de trabalho. Quer trabalhar mas

percebeu que dificilmente conseguirá emprego.

Não faz ideia o que eu tenho procurado de trabalho. Querem pessoas com a prática que eu

tenho mas sem a minha idade. Quer dizer, querem mais novas. E eu, o que faço? Também

tenho direito a viver.

S. (34 anos, 12º ano de escolaridade, viúva com uma filha de seis meses,

desempregada há três meses sem subsídio), natural da Guarda, tem uma rede social

muito estreita e experiência profissional diversificada. Na Guarda trabalhou um mês

numa loja de confecções e 9 anos num hipermercado com funções de repositora,

empregada de caixa e de contabilidade. Foi na restauração que conseguiu emprego em

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Lisboa mas por pouco tempo e não acedeu ao subsídio de desemprego. As tentativas

para conseguir emprego têm sido infrutíferas. Com uma rede social muito reduzida,

prossegue a procura de emprego intensamente com resposta a anúncios, contactos

directos com o CE e com empresas.

O patrão tinha 8 empregados e despediu 3 que estávamos lá há menos tempo e entretanto

morreu o meu marido. Eu ía ficando um mês e outro e assim se foi prolongando, no total

deu uns quatro meses, ganhava 500 euros mais as gorjetas, mas agora não tive subsídio de

desemprego porque o contrato foi pouco tempo. Tenho procurado muito trabalho mas não

consigo.

D. (Tem 40 anos, curso industrial) corresponde a um dos poucos casos que

conseguiu emprego no período de entrevistas. Desempregado há dois anos e meio com

subsídio, vive com a filha de doze anos e com o pai numa vivenda deste. Antes, foi

operário especializado e depois chefe de produção numa empresa que fechou. Sente

urgência de emprego quando o subsídio se aproxima do fim. Teve que lidar com a

concorrência de 700 candidatos após resposta a anúncio de jornal e conseguiu emprego

como segurança. Considerando-se pessoa curiosa pela cultura, espera que o emprego se

torne permanente. Com experiência da estigmatização dos mais idosos em outras

candidaturas, tem agora ideia diferente ao conseguir emprego. Manifesta vontade em

criar um negócio por conta própria mas desiste da ideia por falta de recursos. D. gosta

muito de desenhar e já foi seleccionado pelos estúdios da Walt Disney em Lisboa, há

anos, mas não compareceu, reacção que nem ele próprio compreende. Será o hábito de

insucesso causador do medo de êxito?

E agora estou já no subsídio, o social e tinha mesmo que arranjar alguma coisa. Quando se

está com o subsídio de desemprego que era quase o mesmo que o meu ordenado a pessoa

sempre se acomoda. Agora não. Já é muito pouco e como eu disse no programa de

orientação à doutora, nem que fosse para segurança, que é o que vai acontecer, eu tinha

que arranjar alguma coisa. Vem a calhar porque sou muito curioso de conhecimento, de

cultura. Pelo meu perfil talvez possa progredir. Concorreu muita gente. Éramos uns

setecentos e era gente de todo o tipo, novos, velhos, jovens. Também me parece que as

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empresas de segurança não se importam de meter pessoas mais velhas e com mais

responsabilidade e que dão garantias de não estragarem a vida por mexer ou tirar uma

carteira, qualquer coisa e desaparecer.

Veja-se, agora, o caso de J., exigente na escolha de emprego. Tem 42 anos e vive

no concelho de Sintra. Natural de Angola, filho mais novo, concluiu o 3º ano de gestão

de empresas. As origens familiares estão em Coimbra, onde o avô paterno exerceu

como engenheiro civil e o pai, bancário, se reformou. A mãe é formadora no Exército. É

casado há dezassete anos com uma engenheira informática. Tem um filho com doze

anos. Foi técnico comercial e está desempregado há cinco meses, com 750 euros de

subsídio. Considera viver de forma desafogada, dado o salário da mulher. Equaciona a

dificuldade em aceitar emprego face aos baixos salários por comparação com o custo de

vida e com o salário anterior. Com extensa rede de contactos propiciadora de acesso ao

mercado de trabalho, tem uma perspectiva pouco flexível de emprego, quanto às

qualificações e salário. Tal atitude está longe de representar a maioria dos entrevistados.

Sobre o desemprego, uma pessoa ao princípio abana um bocado mas depois… enfim tem de

se animar. Eu já ganhei muito bem e, para dizer a verdade, depois da situação que já tive

não vou aceitar um ordenado de 600 ou 750 euros como me propuseram em Vila Franca de

Xira. Tinha que ir de carro e o meu automóvel é a gasolina e gasta muito; mais almoço fora

de casa, eu chegava ao fim do mês com duzentos ou duzentos e cinquenta euros. Era muito

pouco. Sabe, eu trabalho arranjo, porque conheço muita gente e trabalho há. Só que tem

que se ver o quê e em que condições. Eu se quisesse tinha trabalho no Brasil mas não vou

arriscar, tendo a mulher uma boa situação cá. O meu pai também falou com um coronel

com quem vou falar para ver a hipótese de entrar para o SIS, mas não me interessa ir para

operacional, que esses estão quase todos fora, no País Basco.

Inês (37 anos, divorciada, filha de 8 anos, desempregada há 10 meses sem

subsídio, recebe ajuda de um centro alimentar da Misericórdia) com o 12º ano de

escolaridade, está qualificada com formação profissional. Sempre vivenciou empregos

precários e não tem direito a subsídio de desemprego (embora tenha usufruído de

subsídio anteriormente). Não consegue explicar, com base nas suas características

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individuais, por que não arranja emprego: tem 37 anos (“não sou velha”), qualificação,

experiência profissional e curriculum actualizado. As diligências que faz são

inconsequentes em qualquer hipótese de trabalho. Os contactos com o CE também não

se revelam eficazes. Procurar emprego implica também despesas que muitas vezes não

são tidas em conta por parte do dispositivo público de emprego ou dos empregadores.

Muitos desempregados gastam os parcos recursos em telefonemas e bilhetes de

transporte para deslocações ao CE ou contacto directo com potenciais empregadores.

Precisam, frequentemente, de ponderar e fazer opções entre procurar emprego e

despender recursos financeiros em outras necessidades essenciais como alimentação,

renda de casa, água, gás e luz.

Também estou inscrita no CE e vou lá, depois levo contactos, gasto dinheiro a telefonar

para as empresas e a ir lá mas não consigo nada. Já não sei o que hei-de fazer. Por

exemplo, tenho que planear as idas ao CE por causa das despesas de comboio e as

propostas às empresas vejo aquelas em zonas para que não tenha que apanhar muitos

transportes por causa dos gastos.

Acresce que os técnicos do dispositivo público de emprego solicitam a entrega

de carta de apresentação aos empregadores na fase de entrevista, para reenvio de

destacável com resultado ao CE. Caso não façam entrevista, devem os desempregados

devolver o documento.

Muitas vezes contactamos por telefone, por exemplo, e dizem que já não precisam. Gastou-

se dinheiro para nada e ainda se tem que gastar dinheiro e tempo a ir ao CE informar,

porque eles muitas vezes não informam logo e o CE continua a mandar pessoas. E, muitas

vezes, não dá para perceber, porque a oferta era de ontem e hoje já está preenchida.

Quando vou, aproveito para ver mais ofertas mas já estou a ficar desesperada sem nada.

A esperança é o seguro do pobre. Porém, o insucesso na procura de emprego tira

alimento, mata expectativas, destrói a esperança e favorece o desespero. Inês sabe que

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não pode desistir, tanto mais que tem uma criança a cargo mas o insucesso é, por vezes,

insuportável.

M. (56 anos de idade, RSI, solteiro sem filhos, sétimo ano dos liceus); vive há

três anos uma situação de desemprego prolongado. Deslocou-se ao CE à procura de

emprego. Foi empregado bancário em Moçambique durante ano e meio mas não

conseguiu ser integrado nos bancários quando chegou a Portugal. Esteve desempregado

em três períodos diferentes, auferindo então o subsídio de desemprego. A sua

experiência laboral é multifacetada e cheia de descontinuidades, o que sugere um

padrão de flexibilidade com percursos qualificantes desenraizados que facilmente caem

na desqualificação social e profissional.

Venho cá ao Centro todas as semanas para ver se há trabalho. Eu queria mesmo era emigrar

outra vez, mas é difícil sem ter dinheiro de base. Eu já fui e sei como é, é necessário ter

algum dinheiro para os primeiros tempos. Mas eu não tenho nada e assim não dá. Estou sem

chão para andar. Eu faço qualquer coisa e tento saltar se souber que ali há chão mas se

souber que é um vazio, então não posso fazer nada. Eu arrisco e dou um passo ou mais mas é

se souber que há chão ali à frente.

Sem consciência de que a idade é, entre outros, um factor limitativo no mercado

de trabalho, desloca-se semanalmente ao CE na tentativa de encontrar emprego em

qualquer uma das áreas em que já trabalhou. Nas conversas havidas e face às ofertas de

emprego existentes, rejeita a hipótese de ser empregado de mesa por motivos de saúde

ou de se deslocar para fora de Lisboa. Tem posição muito crítica em relação ao

desenvolvimento do País e sublinha que o melhor é emigrar, embora reconheça a

inviabilidade de tal hipótese na sua vida. Este caso combina vários factores de

vulnerabilidade interna e externa: idade, problemas de saúde e fragilidade do mercado

de trabalho. M. tem consciência das suas limitações físicas mas pretende regressar ao

trabalho. Idealiza emigrar para outro país europeu; considera porém, que lhe falta o

suporte financeiro para tal passo, o que o coloca num círculo vicioso.

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VII.2. COMPATIBILIZAR TRABALHO E FAMÍLIA

C., 32 anos, 9º ano de escolaridade, (divorciada e separada), vive com o filho de

18 meses. A sua vida tem a marca de começos e recomeços no trabalho, a que se juntam

dois insucessos afectivos. Compareceu no CE para requerer subsídio pela terceira vez.

Faz parte do sub-grupo de 17,9% de portugueses182 que constituem núcleos

monoparentais com filhos em Portugal.183 Auto-classifica-se mãe solteira; inclui-se no

número crescente de famílias monoparentais chefiadas por mulheres solteiras e que, à

data de 2001, atingia 26,3 %.184

Estar desempregada tem um peso assinalável numa vida a sós, com a

responsabilidade de uma criança. No Sul da Europa, o apoio estatal às mães sós é

mínimo. Portugal combina fraco apoio do Estado e das famílias (provavelmente

também elas pobres), alta taxa de emprego de mães sós e alta taxa de pobreza - o que

reflecte o problema dos baixos salários e baixas qualificações (Gallie e Paugam, 2000).

C. não conta com ajuda da família. É incansável na procura de emprego com horários

que lhe permitam conciliar trabalho e filho. Interrompeu o subsídio de desemprego que

recebia há dois meses para aceitar um posto de trabalho como ajudante de cozinha a que

se candidatara. Todavia, a experiência não foi além de duas semanas.

Tenho que começar tudo outra vez. Era um trabalho bom para mim por causa dos horários

e das folgas, por causa de ir buscar o meu filho à creche, não tenho apoio de ninguém.

Mudei-me de casa e tive que esperar por creche. Agora vai ser difícil encontrar um

trabalho que dê com o horário que eu preciso. Mas vou sempre tentar. E começar tudo

outra vez.

D. tem experiência diversificada num tempo social que não favorece

enraizamento no trabalho mas estimula a dispersão. Foi empregada de balcão numa

182 De acordo com os Censos de 2001, INE. 183 E dos 46,2% de núcleos monoparentais separados ou divorciados (Censos de 2011). 184 Entre 1999 e 2001 cresceu de 14,8% para 26,3 %. A presente investigação abrange 7 % de mulheres com famílias monoparentais que responderam ao inquérito. Na investigação o número de famílias monoparentais chefiadas por mulheres (7%) é superior em mais do dobro, às famílias monoparentais chefiadas por homens (3%).

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pastelaria, vigilante de crianças e copeira. Agora terminou uma experiência breve como

ajudante de cozinha.

Antes fui empregada de balcão durante 24 meses com contratos renovados de 6 em 6 meses

mas fui despedida porque tiveram que reduzir pessoal e antes estive num ATL 6 meses como

vigilante de crianças e depois foram 16 meses na copa de um restaurante mas nunca dava

para continuar e fui despedida.

O trabalho é central na sua vida para assegurar a sobrevivência e pensa recorrer à

Misericórdia de Lisboa, enquanto não consegue emprego nem subsídio. De novo

desempregada, divide o tempo entre cuidar do filho e procurar emprego, nomeadamente

com deslocações semanais ao CE. “Agora vou começar tudo outra vez” é frase que

repete como quem, envolvida num jogo de tabuleiro, cai numa casa que a manda

recomeçar no ponto de partida. Esta vida com descontinuidades frequentes marca os

tempos modernos e D., como tantos outros entrevistados, foi apanhada no labirinto do

desemprego e do fim das relações conjugais. Espera conseguir trabalho mas receia a

incompatibilidade de horários com a creche do filho. Gostaria de poder dizer em breve

que tem um bom trabalho e não voltar a ficar desempregada num curto espaço de

tempo. Sabe que, com muito trabalho e alguma sorte, consegue-se escapar ao

desemprego.

Deslocar-se a entrevistas representa marcação temporal não dependente do

próprio. A marcação de entrevista introduz uma referência no imaginário pessoal e no

jogo de expectativas individuais e familiares. Tal compromisso implica o contacto com

actores sociais do mundo do trabalho mesmo que as entrevistas não aconteçam durante

um largo período de tempo e não resultem favoráveis a uma integração profissional. A

entrevista remete para a ideia de jogo, hipótese de ganhar ou perder, pelo que conseguir

a marcação de entrevistas suscita normal entusiasmo e expectativa. O mais difícil é

viver a resposta ou várias respostas de imediato negativas ou o vazio da ausência. A

impossibilidade de diálogo que a ausência de resposta implica gera desmotivação e

perda de auto-confiança e daí um sem número de desistentes.

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Quando respondem ou marcam entrevistas uma pessoa fica contente, há aquela

esperança de que talvez se vá conseguir. Mas a maior parte das vezes não dizem nada e é

frustrante.

(H., 35 anos, 12º ano, técnico de vendas, desempregado há 8 meses).

VII.3. ESTRATÉGIAS DE FORMAÇÃO

Considere-se agora a importância da formação como estratégia para o emprego.

A transposição de legislação comunitária obriga, em muitos casos, a profissionais

certificados, como é o caso da refrigeração e climatização. Em tais condições,

qualificações adequadas marcam a diferença de oportunidades no mercado de emprego,

sobretudo quando rareiam profissionais. R.D. conhece as regras do jogo. Além disso,

face às dificuldades em Portugal, alguns desempregados pensam na hipótese de emigrar.

R.D., trabalhou em Timor-Leste, quer formação e emprego e demonstra interesse em

emigrar de novo.

Se eu conseguisse essa certificação superior à que tenho era muito bom porque pedem

muito. Arranjava logo emprego. Se eu a tivesse, já tinha trabalho porque a legislação

obriga mas não há técnicos certificados e a certificação é muito cara. É muito difícil de

conseguir porque é muito caro. Se conseguisse através do CE é que era bom. Já me inscrevi

quando cá estive antes mas não sei se consigo. Até assinei um plano em que o CE se

compromete a ajudar-me na formação mas já foi há mês e meio e ainda não fui chamado

para nada. É revoltante. Não percebo isto de haver um acordo comigo e nada de resposta e

de haver legislação que obriga a ter técnicos no País e afinal parece que os técnicos ainda

não existem, nem é possível formá-los. Se conseguisse alguma coisa para fora do País ia-

me embora outra vez! Acho que vai ser uma questão de tempo se aqui não conseguir nada.

M. (37 anos, 12º ano de escolaridade, 3º ano da licenciatura em Direito e 3º ano

de Comunicação Social) ficou desempregado pela segunda vez com o fim de trabalho

não permanente no aeroporto. Gostaria de fazer formação profissional numa área com

alguma saída. A sua história ocupacional é feita de descontinuidades e apresenta alguma

diversidade. Está a experienciar o desemprego pela terceira vez. A formação

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profissional é vista como via para facilitar a inserção mais estável no trabalho desde que

escolhida a área cuidadosamente.

Agora como estou desempregado até gostava de aproveitar para fazer uma formação com

saídas e que me dê mais estabilidade, lembrei-me do técnico de gás, embora goste mais de

turismo. É uma área que eu acho que ainda há falta de gente qualificada. Até é preciso

certificação para exercer. O problema é que isso é caro.

VII.4. TRABALHO INFORMAL

A tentativa de aceitar trabalhos informais, nomeadamente na mesma área

profissional, ajuda a não perder qualificações e a manter ou activar contactos

interpessoais no mercado de trabalho. Nos trabalhos informais, embora muito pouco

frequentes quando há subsídio, os desempregados procuram algum rendimento

financeiro complementar mas, sobretudo, ocupar o tempo com sentido e viabilizando o

exercício de uma vocação profissional que se desqualifica sem prática.

Após choque e revolta, A.G. (jornalista fotógrafo, 48 anos) deixa-se contagiar

pelo optimismo a procurar emprego na sua área e aceita trabalhos pontuais. Tem clara

consciência de que não pode parar se quer manter qualificações e voltar ao mercado de

trabalho. Porém, ganha consciência da realidade do mercado mais inconstante e sem

contratações estáveis que permitam responder às necessidades da família.

A.G. e outros quadros qualificados, face à falta de oportunidades de emprego, pensam

em estigmatização por parte das empresas, como já se referiu.

A.G. é um caso raro que manteve muita actividade e trabalho enquanto

desempregado com subsídio, a partir do sexto mês de desemprego.

Se parar nunca mais posso vir a exercer. Então eu tenho um amigo que é fotógrafo e tem

uma empresa de fotografia de eventos. Faz casamentos, baptizados e essas coisas. Ele

pediu-me e eu já fiz uns trabalhos para ele. Não é que goste deste tipo de trabalhos mas

estou activo, aprendo, saio de casa e ganho algum dinheiro. Na minha profissão não posso

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parar. Até vou comprar outra máquina melhor e depois outra lente mais potente para

fotografar. Felizmente eu tenho conhecimentos de redacção e de fotografia e penso que isso

dá valor ao meu currículo. Parar é morrer. Mas também sei pela experiência que estou a

ter que as empresas hoje não se querem comprometer com contratações e com a minha

idade ainda é pior. Na minha área no máximo querem contratar como free-lancers, ora eu

não posso perder o subsídio de desemprego para uma situação assim. Já fui ao CE para ver

as hipóteses de acumular o subsídio de desemprego com algum trabalho mas os valores não

só têm de ser baixos, o que para mim não seria problema, mas parece que pode suscitar

desconfianças da Segurança Social e como o que tenho são trabalhitos pontuais continuo

assim. Senão trabalhar como jornalista ou foto-jornalista, o que eu gostaria era de ter uma

editora (ri-se), coisas que não dão dinheiro.

Este relato evidencia os seguintes aspectos:

• oportunidade de alguma actividade em fotografia através de um amigo;

• importância de praticar a profissão para manter qualificações, actualizar competências e

relações interpessoais e sair de casa;

• alteração do regime de contratação do mercado de trabalho;

• dificuldade em aceitar substituir o subsídio de desemprego (regular e elevado) por

hipóteses de trabalho como free-lancer (irregulares e de valor reduzido) devido à

necessidade de enfrentar as despesas familiares;

• tentativa em cumprir a lei mas confronto com a desconfiança dos mecanismos estatais;

• auto-realização como foto-jornalista;

• gosto frustrado pela criação de editora como negócio.

Os resultados do inquérito mostraram que muitas maneiras de procurar emprego

repetem estratégias do passado, sobretudo o contacto com família e amigos.

Especialmente, são os desempregados com mais altos níveis de qualificação que tentam

arranjar emprego por resposta a anúncios ou por candidatura espontânea (auto-

proposta).

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Entretanto, A.G. decide manter uma pequena colaboração com revista trimestral

de uma Associação sem fins lucrativos (com a qual já trabalhava antes de ficar

desempregado), para se manter activo. Além disso, fez contactos no CE para explorar a

hipótese de criar um negócio mas desistiu da ideia.

A revista da Associação é coisa pouca. Eles não têm dinheiro e gostam da minha ajuda. É

uma forma de eu me manter activo na profissão e às vezes há hipótese de receber alguma

coisa. Por exemplo, em vez de receber em dinheiro combino com eles porque me dá jeito

mais material fotográfico. Ainda pensei em fazer um projecto para um negócio mas desisti.

O que eu gostava era de ter uma editora mas acho que isso não tem viabilidade.

Além disso, A.G. deu pequena colaboração não remunerada no ATL onde

deixava os filhos. A experiência no ATL foi de curta duração (“ não me sinto

vocacionado para a área!”) e não impediu actividades de actualização do blog, procura

de emprego, colaboração com um amigo e com a Associação.

Dos contactos efectuados no âmbito da procura de emprego, ao oitavo mês surge

proposta de colaboração como foto-jornalista para cobrir os eventos culturais de uma

Fundação de renome. Mais uma vez a irregularidade e precariedade da situação não

convidam a renunciar ao subsídio de desemprego “quando há dois filhos para criar”.

A.G. consegue manter este pequeno trabalho com o apoio do amigo fotógrafo que

recebe a prestação pecuniária trimestralmente e emite os recibos verdes necessários.

Tais actividades ajudam a manter a sua identidade profissional. Estas acções não

só ocupam o tempo, como criam um quadro temporal significativo de valorização

profissional e pessoal. Revestem-se ainda de dimensão emotiva agradável com

esperança em mudar o rumo de vida. Evita-se a depressão.

Até ao primeiro ano de desemprego A.G. procurava emprego intensamente mas

“era quase tudo call centres”. Com o tempo, A.G. foi diminuindo a procura de emprego,

certo de que na sua idade “já não há emprego e que as empresas só querem free-

lancers”. Abdicou de uma oportunidade como free-lancer pois “era um valor mínimo e

instável, muito inferior ao subsídio de desemprego e há dois filhos para criar e uma casa

para pagar.”

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Contudo, aos três anos e oito meses de desemprego (findo já o subsídio de

desemprego), conseguiu outra actividade de free-lancer em foto-jornalismo, enquanto,

pela mesma época, a actividade com a Fundação diminuía substancialmente. Continua a

dedicar-se ao blog mas, desses contactos, como de outros, não resulta qualquer

oportunidade de trabalho. As actividades domésticas nunca fizeram parte da sua

ocupação diária no desemprego e os tempos passados em casa são ocupados com

trabalho fotográfico ou contactos no computador.

A. (43 anos, produtora cinematográfica executiva, sem subsídio, separada, 4

filhas) explora intensamente o mercado de trabalho formal e a sua rede de contactos

informais. Contudo, tem tido dificuldade em conseguir emprego, seja pela idade, seja

pelo que as entidades patronais consideram excesso de habilitações. Conta com o apoio

da mãe, afectivo e financeiro, mas já equaciona solicitar o RSI. No seu discurso vão

surgindo dados sobre posição social e familiar; apesar de desempregada, é parte de um

nós - o grupo social de pertença. Este caso pode ser classificado como desemprego

“distanciado.”

A minha mãe e os meus amigos dizem que nunca viram ninguém como eu que trabalha tanto

e não ganha nada. Desde há 3 anos tem sido péssimo. O último trabalho que tive pago

foram 4 meses, o ano passado em que fiz um recibo único. Fora isso tenho feito trabalhos

que não são pagos. Fiz a fotografia do Estoril Open, do Lisbon-Estoril Festival e mais. No

Lisbon-Estoril Festival encontrei o Paulo Branco que me disse que não percebia porque

não me via há tanto tempo e eu disse-lhe que é porque eu estou desempregada. Falou-me da

hipótese de trabalhar com ele num próximo filme mas eu quis saber quanto é que ele paga e

se paga no final do mês. E ele disse que não sabia quanto me pode pagar, nem os prazos de

pagamento, diz que ainda não pagou a pessoas que fizeram o último filme dele há um ano.

O que fazer quando se tem qualificações e se é excluído? É pergunta que coloca

a si própria. A frustração por não conseguir emprego, leva-a a pensar reduzir as

referências qualificantes do curriculum.

Já pensei em tirar coisas do currículo e pôr menos habilitações mas tenho receio. Porque

eu já trabalhei com todos os grandes directores de marketing do País. Conheço muita gente

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tenho receio que o meu currículo vá parar às mãos de algum e que diga, há eu conheço

esta, mas então não pôs aqui que já fez isto e aquilo? Está a ver a situação? No outro dia

concorri para a easyjet para a emissão de bilhetes electrónicos. Estive quase para tirar

coisas do c.v. mas não tirei por causa disso. Se fosse um director que me conhecesse não

seria bom. Mas não era. O senhor chamou-me para a entrevista só para saber porque é que

eu tinha concorrido com aquele currículo. Eu disse-lhe que é porque preciso de trabalhar,

qualquer trabalho. E ele disse-me que aquele trabalho nem pensar, que estava abaixo do

que eu tenho capacidades e que seria desmotivante. Eu respondi-lhe que é por essas

maneiras de pensar que eu não arranjo emprego.

Refere outra hipótese de trabalho não remunerado mas que lhe poderá abrir

reconhecimento e hipóteses de trabalho.

No outro dia fui à Gulbenkian e estive lá com X que me convidou a fazer a fotografia para

uma exposição em Nova Iorque, diz que vai falar com o curador da exposição. Estranhei e

disse-lhe ‘pois se não consigo trabalho aqui’ e ele disse-me que o mercado é mesmo assim,

faço uma exposição em Nova Iorque e abrem-se todas as portas aqui. Aqui é preciso sempre

algum show off, já termos sido reconhecidos fora. Então eu aceitei. Também é de graça mas

pode ser que dê em alguma coisa.

A. explora intensamente o mercado de trabalho formal e a sua rede de contactos

informais para tentar uma oportunidade que lhe permita sair da situação precária em que

se encontra sem emprego, sem dinheiro e sem perspectivas de futuro. Além disso,

procurar emprego sem obter respostas é extremamente frustrante. A sua posição é de

abertura a todas as possibilidades e parece não rejeitar nada.

Tenho uma amiga que ficou sem empregada e eu ofereci-me para ir para lá. Sei fazer tudo.

Tínhamos empregada mas os meus pais ensinaram-nos a fazer tudo. Mas ela disse-me que

nem pensar, que não se ia sentir bem comigo a fazer esse trabalho e ainda se lhe

perguntassem quem era a empregada dizer que era eu. No outro dia inscrevi-me para um

call centre. Não me via a bater às portas a chatear as pessoas mas sei que têm também os

que estão ao telefone. E não me importava, são 400 euros mês por 4 horas por dia. Dava

jeito. Disse ao meu marido que era bom para ele mas ele rejeitou, que nem pensar, estar a

atender telefones, gente doida e chata que reclama. E eu disse: Qual é o problema se lhe

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pagam? Eu não me importava. Trabalhava, recebia e era uma forma de não estar só a

responder a anúncios sem que me respondam.

O seu capital social é vasto no mundo da cultura e da comunicação mas todas as

portas permanecem fechadas. Concretiza muito trabalho não remunerado e o seu nome

aparece de vez em quando nos jornais quando divulgam este ou aquele evento. Nesta

perspectiva, A. poderia ser contabilizada como empregada nas estatísticas oficiais do

INE, caso fosse entrevistada aquando da realização desses trabalhos não remunerados. É

o desemprego que as estatísticas podem esconder. Faz parte do desemprego selectivo

involuntário, pois é o mercado e a sua rede de contactos que a colocam nesta posição.

Por um lado, o mercado pelos critérios de selecção dos empregadores que ao verem o

seu currículo rejeitam a hipótese de lhe permitir trabalhos menos qualificados,

nomeadamente em outras áreas profissionais. Por outro, o seu grupo social e familiar

fixa-a no espaço social a que sempre pertenceu, não lhe facultando ajudas quando se

trata de optar por fazer trabalhos desqualificados ou de baixa qualificação,

nomeadamente na limpeza de casas e em call-centres. Tal rigor no espaço social é, em

parte, interiorizado por A. que não procura trabalho em limpezas no mercado aberto

mas apenas se disponibiliza quando uma amiga manifesta interesse em conseguir uma

empregada.

Tenho quatro irmãos. Um está em Angola como director de uma empresa e já lhe disse para

me arranjar alguma coisa. Ele disse-me que sim, que era possível, mas tinha que deixar cá

as crianças. Mas eu vejo que não podia deixar cá as 4 crianças à minha mãe com 80 anos.

Era demais para ela. Outro irmão é chef mas anda quase sempre fora a dar formação. Já

lhe disse que me arranjasse alguma coisa, que sei descascar batatas e não tenho problemas

em trabalhar. Mas ele diz que não, não pense nisso. Agora eu ía meter a minha irmã com as

minhas empregadas na cozinha?! E eu respondo, pois é com essas atitudes que vocês estão

a contribuir para a minha felicidade.

A. tem historial de trabalho com dias muito cheios e intensos, feitos de um

tempo dilatado sem horários mas com objectivos, por oposição à experiência do tempo

lento no desemprego que ganha intensidade quando consegue um trabalho mesmo que

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não remunerado. Em contraste com a sua experiência anterior, ambiciona um trabalho

regular, com rotinas, horário fixo e salário certo ao fim do mês para esta fase

amadurecida da vida. O seu desejo contrasta com a tendência do mercado de emprego:

cada vez mais trabalho inseguro, horários instáveis e salários precários. As incertezas de

trabalho aguçam-se em todas as frentes. O trabalho idealizado para esta fase de vida

opõe-se ao trabalho precário, de salário irregular no cinema como lhe propõe Paulo

Branco: muito trabalho sem horários; um salário que se desconhece quanto é e quando

chegará.

Uma proposta insustentável para quem vive na precariedade e precisa de pagar as contas

no fim do mês. O que eu gostaria agora era de ter um emprego, por exemplo, quatro meses

e tinha o meu horário e todos os meses recebia certo. Já não tenho paciência para viver

como vivia, a começar a filmar às 6 da manhã e a terminar às duas da manhã.

A. tem, claramente, mais capacidade de resiliência e abertura do que o marido

para lidar com a adversidade do desemprego. Desconhece de onde lhe vem essa força,

só sabe que não se pode deixar abater, especialmente pelas filhas. Neste caso, os filhos

funcionam como factor ecológico no suporte da saúde mental e enfrentamento do

desemprego. Com o futuro em suspenso vive um dia de cada vez. Aberta aos contactos

sociais aceita as sugestões que possam tornar o seu presente futurível. Realizar a

exposição de fotografia em Nova Iorque é uma possibilidade que lhe convém mas ainda

pouco consistente. Tem um presente vazio de oportunidades de emprego, cheio de

crianças e onde chegam propostas de trabalho não remunerado. Imagina que poderá

saltar para a ribalta nacional com a projecção de uma exposição em Nova Iorque. É

preciso acreditar em algo para sobreviver melhor. Com a declaração na mão para

requerer o RSI, resta-lhe enfrentar o presente com a coragem que tem mantido no

passado recente. Não abdica do sorriso, enquanto alimenta a esperança. Acredita e faz

acreditar que o mundo é um lugar bom.

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VII.5. CRIAR O PRÓPRIO EMPREGO

Uma minoria de entrevistados (8%) gostaria de criar o próprio emprego, embora

a grande parte não faça qualquer esforço concreto nesse sentido, por falta de recursos

financeiros.

F. (50 anos, 6º ano de escolaridade, pedreiro) já emigrou para a Arábia Sáudita e

Kuweit. Está desempregado há ano e meio e recebe subsídio. É um dos muitos casos

frustrados na criação de negócio.

Tenho tentado mudar a minha vida e ela anda para trás. Tentei criar o próprio emprego e

fui a uma sessão mas é muito difícil. Tenho o material de trabalho todo em casa mas não

posso trabalhar porque vêm os fiscais e cortam-me o subsídio.

G. (46 anos, casado, 2 filhos), é outro que gostaria de criar um negócio. Sempre

trabalhou na restauração mas mudou de área profissional nos últimos anos. O derradeiro

emprego foi motorista de pesados. Aufere subsídio e gostaria de criar o seu negócio,

embora não avance com qualquer projecto, consciente das necessidades financeiras. A

sua opinião oscila consoante se coloca na posição de trabalhador ou na posição de

futuro empresário. Considera o trabalho na área da restauração como uma escravatura e

encara o desemprego como pausa para tentar criar um negócio.

Para o negócio precisava de comprar a casa, restaurá-la para fazer o que quisesse da casa.

Mas não tenho dinheiro. Eu já tive negócios. Aos seis ou sete anos não ía à escola e ía

apanhar grilos, espiga e flores e depois vendia. Também já produzi suspensões para

iluminação decorativa que vendia e já vendi bolos.

Sandra (31 anos, vive com o companheiro também desempregado e dois filhos)

tem duas motivações: trabalho por conta própria e formação. Com sentido de iniciativa,

já explorou uma ideia de negócio para si, a partir de referências de uma amiga, e para o

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companheiro. Embora sem recursos financeiros mostra-se muito motivada para criar o

próprio emprego.

Eu também gostava de ter um negócio mas não tenho dinheiro nem vou pedir aos meus pais

para isso. Para comer é uma coisa para investimentos é outra. Uma amiga minha criou

uma loja e está a ser um sucesso. Já me disse para abrir uma em Lisboa com a marca dela.

Eu já fui ver uma loja para alugar e se conseguisse algum apoio financeiro avançava pois a

minha amiga dá-me todo o apoio. Para o meu marido fomos ver um café mas no bocado em

que estivemos lá, só apareceram dois clientes. Agora a loja era bom porque são só 400

euros de renda e pouco mais, comprar cabides e suportes para as roupas e pronto. Se eu

conseguisse um empréstimo a fundo perdido mas soube no CE que já não há. Lá falaram-

me do micro-crédito para pequenos negócios e deram-me um número de telefone para me

informar. Fiquei inscrita para as duas coisas, para avançar com a criação de emprego e

para a formação que também preciso.

S. (43 anos, licenciada em Direito, sem filhos), trabalhou cinco anos como

directora de contas numa multinacional de publicidade. Estava na empresa há cinco

anos; habituada a convites para mudanças, não expressa sentido de grande identificação

com a empresa. A palavra forte do depoimento é “conseguir”. Tenta manter o

optimismo mas não se imagina em casa. Está a equacionar a possibilidade de trabalho

por conta própria e vai pedir informações ao IEFP para o efeito.

R. (42 anos de idade, licenciada em Psicologia, desempregada há um ano) tem

uma atitude muito activa e tenta ocupar o tempo ao máximo para não sentir o

desemprego. Procura intensamente emprego, frequenta uma pós-graduação que está a

terminar, enquanto iniciou um estágio não remunerado e pensa trabalhar por conta

própria em análise de dados. Respondeu a dois concursos de emprego um público e

outro privado e está em processo de selecção:

Tenho direito a mais um ano de subsídio mas apetece-me começar a trabalhar em

Setembro. Terminei agora a formação que estava a fazer em SPSS e tenho que me ocupar.

Depois quero trabalhar nesta área por conta própria. Talvez crie uma empresa. Também

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me quero candidatar a um mestrado. Num ano aparecerem apenas 2 concursos é muito

pouco, a situação está mesmo mal. Se não fosse eu ter uma boa estrutura mental já teria

enlouquecido. Eu é que invento muita coisa para fazer e estou sempre ocupada. Assim, não

tenho maus pensamentos.

O. (40 anos, 6º ano de escolaridade, solteiro, desempregado há 15 dias de uma

loja) planeou abrir uma loja na mesma área de negócio, logo que ficou desempregado,

investindo a indemnização que irá receber da empresa e o subsídio de desemprego. É o

filho mais novo de um conjunto de 8 irmãos. Começou a trabalhar cedo e é um self

made man. Como criou a empresa antes de solicitar o subsídio de desemprego não teve

aprovação do projecto de criação do próprio emprego pelo IEFP mas determinado e

entusiasmado vai prosseguir com o negócio, investindo a indemnização e algum

dinheiro de reserva.

Também N. (39 anos, licenciado e ex-Director) decidiu abrir uma loja em zona

de excelência logo que se colocou a hipótese de desemprego. Como O., o vínculo ao

IEFP e à Segurança Social foi usado estrategicamente para conseguir apoio financeiro,

operando grande distanciamento ao papel de desempregado. O seu projecto de próprio

emprego foi criado e subsiste passados dois anos, tendo criado mais um posto de

trabalho. A sua atitude é de satisfação e entusiasmo.

VII.6. TRABALHO OCASIONAL

A.R. (35 anos, solteiro, sem filhos), está desempregado há 10 anos. Actualmente

vive do RSI, que recebe em datas incertas (o que não permite gerir bem as contas) e de

biscates, importante complemento na sua vida.

Este mês em trinta dias só trabalhei três, foi no senhor Joaquim a pintar dois quartos, levei

as compras do senhor João do supermercado para o andar e limpei o quintal da tia Luísa.

Dantes conseguia-se fazer muita coisa e ganhar bem. Eu chegava a ganhar mais do que o

meu cunhado que era pintor de construção civil e também tinha sempre trabalho!

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C.L., 52 anos, solicitador, desempregado há 8 meses com subsídio. Não

consegue emprego. Trata, raramente, de alguns assuntos a particulares.

Tem sido difícil estar nesta situação. É que não posso pôr um anúncio no jornal a oferecer

os meus serviços. Os solicitadores não o podem fazer. Contacto as entidades e digo que

tomei conhecimento de que precisam de um solicitador mas nem isso legalmente posso

fazer. Depois algumas entidades querem pagar muito pouco. Por exemplo, fiquei revoltado

porque a Câmara Municipal X me queria pagar 500 euros por uma avença. Mas talvez

surja uma hipótese para a Companhia de Seguros Y onde está atualmente um presidente

que eu conheço. Trato, uma vez por outra, de assuntos jurídicos que me pedem.

J.E. tem conseguido respostas positivas para alguns trabalhos mas em condições

de ilegalidade que não agradam, pelo que vem declinando essas possibilidades. O que

não invalida a aceitação de alguns biscates raros pois não quer pôr em causa a prestação

social que recebe.

Já tenho conseguido algumas coisas mas eles não querem assinar contrato e a doutora está

a ver, eu tenho três filhos e quero contribuir para a educação deles e ter uma vida com

alguma estabilidade e sem assinar contrato não dá. Um ou outro biscate é uma coisa mas

trabalhar sempre ilegal não.

A mesma posição tem outro entrevistado (C.M., 37 anos, 2 filhos e 9º ano,

desempregado há um ano) que vive situação idêntica e para quem a instalação no

desemprego retira toda a dignidade pessoal e social e pode criar condições para uma

recaída na droga.

Neste contexto e caso se mantenha a situação de ausência de trabalho, outro

caso, J.E., equaciona a possibilidade de regressar à casa dos pais, no Alentejo, onde a

sua rede social é mais extensa e pensa poder fazer a experiência de tentar vida por lá,

com trabalhos possíveis.

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Entretanto, permanece em Lisboa e conta mudar-se para um quarto alugado logo

que o Estado envie a desejada prestação que lhe permite ainda estar integrado, mesmo

que de modo frágil, no sistema social.

VII.7. TRANSIÇÃO PARA A REFORMA

H. tem 48 anos, o 6º ano de escolaridade e 34 anos de descontos na Segurança

Social. Impressor gráfico com vasta experiência, teve um acidente de trabalho aos 35

anos. Manifesta pessimismo quanto às oportunidades de emprego. Motivado para

trabalhar, sabe que não terá mais oportunidades, pelo que liga o desemprego à transição

para a reforma, por invalidez.

A partir dos quarenta as portas fecham-se todas, independentemente das habilitações. A

pessoa tem que ir à luta mas as portas estão todas fechadas!

J., 63 anos, é outro caso de sonho de negócio frustrado com expectativas de

transição para a reforma após o desemprego.

Camilo (54 anos e 9º ano de escolaridade), preparou-se para a reforma após o

desemprego como quem acautela a reforma. Mantém e alimenta paixão por automóveis

antigos, entra em corridas e tem vários automóveis. Com 37 anos de descontos para a

Segurança Social e previdente, “comprou” mais quatro anos a pensar na reforma para

breve. Na sua perspectiva, quanto à ocupação do tempo, tem muito trabalho apesar de

não ter emprego, levando em conta um novo projecto para uma casa e um investimento

num terreno. Já requereu a reforma há quatro meses, certo de que não há emprego para

os mais idosos e de que ele próprio não contrataria gente mais velha. Quanto às

perspectivas de futuro, assinala a transição para a reforma e a ocupação do tempo em

actividades gratificantes. Reformar-se é procurar mais satisfação pessoal.

Já é tempo de deixar de ter um trabalho remunerado e continuar a dedicar-me àquilo de

que gosto.

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VIII. FASES E REACÇÕES AO DESEMPREGO A PARTIR DA ANÁLISE

DE ENTREVISTAS E HISTÓRIAS DE VIDA

“Todo o conhecimento começa no sentimento.”

Leonardo da Vinci

INTRODUÇÃO

A análise das entrevistas parte do esquema da curva moral no desemprego de

Harrison (1976): choque, optimismo, pessimismo e fatalismo. Porém, tais fases são

aprofundadas com informação mais pormenorizada relativa aos estados subjectivos

identificados e fazemos equivaler fatalismo a resignação. Consideram-se ainda as

propostas de Hill (1977, 1978), Powell e Driscol (1973), Kaufman (1982) e Hayes e

Nutman (1981).

A informação recolhida no inquérito foi debatida com os entrevistados para

esclarecer as fases psicológicas numa auto-avaliação se e em que medida se

relacionavam com o desemprego, situação confirmada para quase todos os estados

negativos (excepto em um dos casos, em que o desemprego foi antecedido de divórcio e

num caso de coincidência do desemprego com a morte do cônjuge). Algumas

manifestações de satisfação e entusiasmo podem estar relacionadas não apenas com a

idealização do projecto de vida profissional mas com circunstâncias particulares de vida

familiar, como o nascimento de um filho. Muitos dos vocábulos centrais que adjectivam

maneiras de sentir e viver subjectivamente o desemprego serviram de categorias para o

inquérito e são retomados neste capítulo. Expressões como “choque”, “vergonha”,

“revolta”, “insatisfação”, “resignação”, “apatia”, “desespero” têm conotação pessimista

por contraste com as expressões “satisfação” e “entusiasmo” de conotação optimista.

Pretende-se, sempre que possível, apresentá-las separadamente pois traduzem estados

psicológicos de conotação diversa que por vezes convergem, têm continuidade ou se

justapõem dentro de cada uma das categorias mais gerais (pessimista/optimista). Foi

possível identificar várias fases comuns a grande parte dos entrevistados entre 35 e 58

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anos com variações em função de factores diversos de natureza biográfica e de natureza

não biográfica. Nem todos passam, obrigatoriamente, pelas mesmas e por todas as fases.

Porém, o faseamento da vivência psicológica do desemprego pode corresponder, para

muitos, a um processo de degradação psicológica e desqualificação social e ocorrer de

forma mais ou menos rápida em diferentes circunstâncias. Factores inesperados podem

aliviar a degradação da vida, impedir o agravamento ou até facilitar a inversão.

Tais etapas apresentam diferenças em relação a autores referidos anteriormente.

Espera-se distinguir fases no processo de quebra psicológica dos desempregados, desde

uma primeira fase de choque (não necessariamente para todos) até ao fatalismo, última

fase de adaptação ao estatuto de desempregado, quando o desemprego persiste

demoradamente. Vários factores combinados de formas múltiplas condicionam a

reacção ao desemprego: condições financeiras, actividades de substituição do emprego,

integração e apoio familiar, redes sociais independentes do trabalho e importância dada

ao trabalho.

Foram entrevistados 60 desempregados com características diferentes e vários

tempos de desemprego. Seguiu-se, em vinte casos, uma análise longitudinal ao longo do

tempo, que permitiu dar conta das mudanças ocorridas na actividade em geral, na

procura de emprego e no estado subjectivo, em particular.

Pese embora a possível diversidade de atitudes de cada pessoa e alguma

aleatoriedade, sugere-se que é possível encontrar regularidades e fases na reacção à

ausência de emprego por parte de grupos de desempregados. Serão exploradas

entrevistas de desempregados em diferentes tempos de desemprego, condições

objectivas e subjectivas, tendo por referência a ideia de processo. Num diálogo com os

dados empíricos aborda-se a ideia de fase na reacção ao desemprego a título

exploratório e expondo a variabilidade que pode ocorrer, caso a caso, por referência a

um modelo geral.

Apresentam-se alguns casos elucidativos das experiências subjectivas vividas

pelos desempregados.

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VIII.1. CHOQUE

A partir da revisão de autores e dos dados empíricos com algumas entrevistas

longitudinais, pode afirmar-se que o choque corresponde ao estado inicial de confronto

inesperado com a situação de perda de emprego.

Trata-se de uma fase de curta duração cujo desenlace varia em função de vários

factores, nomeadamente da actividade do sujeito. Nos casos estudados, a fase de choque

não excedeu um mês de desemprego. Quando as experiências de emprego são

prolongadas, o choque com o desemprego tende a ocorrer ainda durante o último

período de trabalho dadas as exigências legais para comunicar a ocorrência do

desemprego. Disso nos dá conta A.G., jornalista fotógrafo, desempregado pela primeira

vez. Este caso paradigmático foi acompanhado desde o início do período de

desemprego, o que permitiu constatar as suas reacções à ausência de emprego ao longo

do tempo e as mudanças na ocupação e organização do quadro temporal185. Com

experiência de 23 anos num semanário, o desemprego foi um choque com início ainda

no período de trabalho:

Apanharam-me de surpresa, não estava à espera. Foi um grande choque. O jornal tinha sido

reestruturado e eu contava ficar. Aliás, ironia das ironias, eu até esperava ser promovido. O

meu chefe reformou-se e eu esperava ficar a dirigir a secção. Afinal acabaram com a secção

e nas vésperas de Natal deram-me a notícia e quiseram negociar a minha saída amigável.

Foi o que aconteceu. Ainda trabalhei um mês mas sem obrigação de horários e depois tive

um mês de férias.

Assim, A.G. viu-se confrontado com o desemprego inesperadamente quando até

contava com uma promoção. São as voltas da economia que dão voltas às vidas pessoais

e familiares. O choque corresponde ao impacto emocional stressante de que fala

Harrison (1976) e, no caso de A.G., surgem sinais de estado depressivo que se

prolongam por um período superior a um mês, com ansiedade, dificuldades em dormir e

irritabilidade, por exemplo, que o levam a consultar médico.

185 Ver capítulo “Organização do tempo no desemprego”.

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O choque é vivência comum a vários grupos sociais. Para lá da situação de

evento inesperado, o choque, no caso de A.G. e de todos os entrevistados, relaciona-se

com as seguintes características:

• forte motivação para trabalhar e ligação à actividade profissional;

• trabalho definidor de estatuto e identidade sociais;

• sentimento de segurança no emprego reforçado, neste caso, pela experiência de

23 anos de trabalho na mesma empresa com sentimento de grande dedicação;

• desemprego como primeira experiência de vida.

F.L. (mulher, 57 anos de idade, tem origens sociais de classe média alta; é

economista muito diferenciada profissionalmente e com muitos anos de experiência em

várias empresas) representa outro caso que viveu o sentimento de choque. Com uma

vida muito activa, reúne as mesmas características de forte ligação ao trabalho e a

circunstância do surgimento do desemprego de forma inesperada. Contudo, há dois

anos, com uma outra direcção executiva, fora abordada uma hipótese de despedimento.

Muito centrada no trabalho, o trabalho era a sua vida. Para F.L., o choque ocorreu ainda

durante o período de trabalho com o anúncio e a negociação do desemprego. A

ocupação em actividades no âmbito das questões legais do desemprego desenvolvidas

na semana após a saída do local de trabalho colocou entre parêntesis o confronto com as

consequências do desemprego. É posteriormente que tem a percepção do impacto do

desemprego na sua vida, nomeadamente ao nível da ocupação do tempo. Tendo em

conta o salário muito elevado, sabe que irá perder muito rendimento mas o que mais a

preocupa é a ocupação do tempo. Sem emprego, o tempo é espaço vazio.

Em todos os casos analisados em que ocorre a fase de choque, o trabalho é

central na descrição de si mesmo, num padrão, em geral, de muitos anos de trabalho

estável na mesma empresa, seja em quadros superiores ou em operários qualificados.

Muitas vezes, mas nem sempre, a profissão constitui um elemento importante para a

definição da persona. Acresce que o desemprego acontece, muito frequentemente, como

primeira ocorrência na vida profissional ou, se não é o caso, foram alimentadas muitas

expectativas que redundaram em frustração. Contudo, a esperança de conseguir

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emprego não é sempre reduzida, ao contrário do que sugere Hayes (1976). Além disso,

as experiências de emprego tendem a ser de longa duração, o que permite uma

identificação não só com o trabalho mas também com a empresa.

Características algo diferentes são as de D. Choque foi também o que sentiu

devido à forte frustração quando confrontada com o desemprego. Com o 9º ano de

escolaridade, 32 anos e uma criança, está inscrita no CE há dois anos e meio e recebeu

subsídio de desemprego por duas vezes. Interrompera o subsídio de desemprego que

recebia há dois meses para aceitar novo trabalho como ajudante de cozinha. Estava

muito satisfeita com o horário e as folgas para conciliar trabalho e vida familiar, pois

nem sempre é fácil conseguir horários de trabalho compatíveis com horários de creches

e escolas; situação difícil de gerir quando não existem outros apoios familiares ou de

amigos. Todavia, a experiência não durou mais de duas semanas, pelo que, primeiro

com sentimento de choque e frustração, depois com revolta e tristeza, voltou a entrar no

CE para requerer de novo o subsídio de desemprego.

No período experimental de trabalho e fui despedida! Estava tudo a correr bem. Tenho pena,

tinha tudo orientado. Aquele emprego era bom e ele disse-me para eu desistir do subsídio de

desemprego e tudo, que eu ía ficar, que gostava do meu trabalho. Afinal mandou-me embora.

Foi um choque.

Também Ana se viu confrontada com o choque do desemprego. Casada e sem

filhos, tem 38 anos e formação como técnica de farmácia. Entrevistada pela primeira

vez vinte dias após o desemprego, vivencia ainda algum choque. O desemprego entrou

em confronto com as suas expectativas de emprego seguro feito de oportunidades de

escolha individual. Emprego seguro e direito à escolha individual foram interrompidos

pelo desemprego, como se vê nas declarações. Ao longo da experiência de trabalho

nunca passou pelo desemprego. As mudanças de local de trabalho ocorriam tendo em

conta valores do trabalho como melhor salário ou proximidade de casa. Contudo, o

desemprego muda radicalmente o contexto como se o livre arbítrio individual, esse acto

de autonomia e capacidade de decisão, deixasse de existir, tornado bem volátil ou

ausente. O desemprego foi para Ana e para os colegas uma situação inesperada,

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sobretudo tendo em conta a área profissional: o mundo das farmácias, antes seguro e

estável, foi contagiado pela instabilidade e pela destruição de postos de trabalho; uma

decisão unilateral do patronato proporciona a sensação de choque e abatimento.

Nunca pensei que isto me fosse acontecer. Acho que ainda nem estou em mim. Sabe, na

minha área, farmácia, ninguém pensava ficar desempregado. Podíamos escolher. Estávamos

num sítio e mudávamos, escolhíamos ir para outro por este ou por aquele motivo. Não se

ouvia falar de desemprego. Eu fui-me aproximando sempre de casa e melhorando por vezes

o salário. Com o desemprego é diferente. A nossa vontade não conta. Compraram a farmácia

e despediram sem dizerem nada, quer dizer sem propor uma negociação, como baixar os

salários.

Noutro caso, Joaquim, de 56 anos, chefe de produção fabril, refere também o

impacto negativo do desemprego. A ideia relativa às dificuldades económicas da

empresa durante anos serviu de preparação psicológica para o despedimento e evitou a

sensação de choque que o efeito surpresa teria provocado.

Assim, a disponibilidade de informação prévia sobre a hipótese de desemprego,

nomeadamente de encerramento das empresas, permite uma antecipação psicológica.

Nestes casos, se viu, quando a informação é prévia ao fecho da empresa, o sentimento

de choque ocorre ainda durante o tempo de actividade profissional.

VIII.2. PESSIMISMO – 1ª FASE

Pessimismo é vocábulo moderno. Denota, no sentido genérico, atitude de

abatimento e desesperança perante a vida, aliada a uma vaga e geral opinião de que a

dor e o mal predominam na existência do Homem. É a antítese do “optimismo”, que

designa a crença de que existe um certo saldo positivo, de prazer e bem e de que o bem

no fim triunfará186. O Homem comum é optimista ou pessimista não por motivos

teóricos, mas devido a circunstâncias da sua vida, como sejam melhor ou pior saúde,

186 Entre optimismo e pessimismo situa-se a doutrina intermédia do “melhorismo” segundo a qual o Mundo, em conjunto, faz progressos na direcção do bem, concepção de Herbert Spencer, por exemplo.

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problemas afectivos, dificuldades ou prosperidade material e temperamento. No caso do

desemprego, perante a incapacidade de aceder a um qualquer emprego ou a um emprego

satisfatório surgem problemas de natureza diversa. À dúvida e perda do optimismo

junta-se a hesitação na tomada de decisões, ansiedade, depressão, frustração e quebra

nas relações pessoais. A fase de transição com enfoque pessimista culmina no fatalismo

com a construção de uma nova identidade adaptada ao estatuto de desempregado.

Consideram-se seis formas de sentir o “pessimismo”: vergonha/estigma, revolta,

insatisfação, resignação, apatia e desespero.

VIII.2.1. Vergonha/ estigma

“Vergonha” é palavra de sentido amplo ligada à reputação como sentimento ou

como reconhecimento público desse sentimento. Equivale a honra (Pitt-Rivers, 1965/

1988: 30 e 31):

“Como base da reputação a honra e a vergonha são sinónimas porque a falta

de vergonha é desonrosa (…). Como tal, a honra e a vergonha são os

componentes da virtude.”

O trabalho é valorizado socialmente.187 Um homem com emprego corresponde a

uma conduta socialmente esperada, pelo que desejada em termos pessoais. Ter emprego

é ser um Homem na sua verticalidade. “Sentir-se envergonhado” resulta da preocupação

com a reputação por parte de uma pessoa honrada que se sente humilhada.

É possível sugerir relação entre “vergonha” e “estigma”, para ser ou não

socialmente aceite. Os estigmas têm em comum marcar a diferença e atribuir um lugar

ao indivíduo188. Em termos temporais, vergonha e estigma tendem a ocorrer pouco

187 Veja-se a este propósito referência aos valores sociais no Capítulo I.1. 188 Para Goffman (1963/ 1975: 42): “Um estigma representa (…) um certo tipo de relação entre o atributo e o estereótipo (…). Em todos os casos de estigma (…) encontramos os mesmos traços sociológicos: um indivíduo que tenha podido facilmente se fazer admitir no círculo das relações sociais ordinárias possui uma característica tal que se pode impor aos olhos desses que o reencontram e se desviam dele (…). Ele possui um estigma, uma diferença infeliz ao que esperávamos”.

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tempo após o desemprego ou quando, agravada a situação financeira se vêem em

situação de carência económica a necessitar de pedido de apoio.

Joaquim (58 anos, operário, 4ª classe), que também sentiu o choque do

desemprego após 30 anos de trabalho na mesma empresa, expressa o sentimento de

vergonha ao tomar consciência do desemprego, após entrar no CE.

(…) E foi aí que eu percebi mesmo que estava desempregado. E pode-se dizer que senti

vergonha, não sei como é com os outros mas eu senti vergonha e se pudesse, se tivesse de

que viver não estava ali.

Fazendo ele próprio parte das “culturas de trabalho”, sofre, no seu íntimo, com a

desonra da perda de emprego após uma vida dedicada à mesma empresa. É como se

deixasse a pergunta “se isto, (um homem desempregado), é um homem”.

Outros operários com muitos anos de fábrica manifestam o mesmo sentimento,

ainda que de forma menos evidente. O sentimento de vergonha pertence às sociedades

tradicionais, pelo que embora surja com pouca expressão no total das entrevistas,

apresenta evidente manifestação em desempregados com mais de 50 anos e com origens

sociais rurais. Porém, a mágoa pela perda de estatuto profissional acompanha muitos

quadros técnicos e superiores que ficaram, inesperadamente, desempregados.

Correspondem ao tipo de desemprego que Schnapper (1994) classificou de “total” e à

nossa categoria desemprego “distanciado” que se apresentou no capítulo V.

Y. (natural de Trás-os-Montes, 58 anos, 4ª classe, solteiro, desempregado há seis

meses, sem filhos, sem família, sem subsídio de desemprego, sem alojamento) dorme

num centro de acolhimento da Misericórdia de Lisboa. O seu valor ético do trabalho fê-

lo abdicar da possibilidade de acesso ao subsídio de desemprego preferindo um trabalho

instável mas remunerado que rapidamente terminou. Embora contrário à dependência

do Estado, pensa requerer RSI. Interiorizada a “cultura do trabalho” sente uma

dependência como vergonha social.

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Se calhar ainda tenho de pedir aquele rendimento da assistência para ter algum enquanto

não trabalho. Não queria, é uma vergonha mas se calhar tem de ser. Isto assim é um

desespero.

A dependência envergonhada não toca apenas parte da população masculina sem

recursos materiais, sem apoio social e para quem ser autónomo pelo trabalho faz parte

da reputação. Algumas mulheres também se debatem com este problema. Inês, 37 anos,

divorciada, está desempregada há 10 meses, não aufere subsídio, nem consegue novo

emprego. Ainda reside num pequeno apartamento alugado mas equaciona a hipótese de

se mudar brevemente para um quarto e requerer o RSI.

Quando se tem uma criança que precisa de ser alimentada perde-se a vergonha. Ao princípio

gastei o pouco que tinha e comecei a pedir ajuda aos vizinhos; não tenho mais a quem

recorrer mas os vizinhos também não podem ajudar sempre: é um bocadinho de azeite, um

bocadinho de leite para a menina e assim, mas não se pode pedir sempre. Então comecei a ir

à Misericórdia, é por ela que faço isto, a situação está muito difícil. Levo duas caixas e trago

para casa.”

Outro aspecto merecedor de nota, relaciona-se com o impacto do desemprego,

sobretudo masculino, na relação homem/ mulher. Disso nos dá conta Sandra (37 anos)

desempregada quando se refere ao companheiro também desempregado:

O meu marido também ficou desempregado. Farta-se de procurar e nada. Não o posso ver

em casa sem fazer nada mas ele não tem culpa, coitado, farta-se de procurar mas não

consegue nada.

Também R. (42 anos de idade, licenciada em Psicologia, desempregada há um

ano, em união de facto) se reporta à relação entre homem e mulher.

Também há a questão da família. Acho que o desemprego pode colocar problemas na

relação. Uma amiga falou-me disso a propósito do marido e eu também noto isso no meu

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caso, que é uma relação menos convencional e ele às vezes não percebe que eu preciso de

apoio ou porque é que estou desempregada.

Aliás, apesar dos resultados do inquérito apontarem maioritariamente para uma

boa integração social e familiar dos desempregados, 23,1% expressam mais conflitos

familiares provocados pelo desemprego, a par da diminuição do respeito no seu meio

social e afectivo.

Além disso, R. refere a ideia de estigmatização por parte das empresas em

relação aos desempregados, no que é acompanhada por outros desempregados.

Na procura de emprego sentimos logo que ficamos em desvantagem quando dizemos que

estamos desempregados. No outro dia falava com um amigo e ele disse-me: e porque é que

dizes que estás desempregada? Podes dizer que a empresa fez redução de pessoal e que

negociaste fazer um curso de formação para te actualizares em análise de dados. Vi logo

tudo de outro prisma com esta meia verdade, só não é verdade que negociaram comigo!

Mas se calhar ele tem razão. Sentimo-nos logo menos frágeis e menos estigmatizados!

Prossiga-se com o caso de A.G. Lentamente, depois do choque, A.G. entra numa

fase ambivalente que se prolonga por cerca de 6 meses: forte diminuição da actividade

no primeiro mês é retomada depois com alguma procura de emprego de forma diária e a

construção de um blog; em simultâneo, durante os dois primeiros meses surgem

vergonha e estigma face à possibilidade de ser reconhecido como desempregado pelos

vizinhos.189 Também não partilha com os pais que está desempregado. A.G. perdeu

contactos profissionais após o desemprego e algumas amizades ligadas à empresa.

Convive menos com amigos, situação que justifica devido ao estado de espírito e à

necessidade de controlar mais as despesas do que anteriormente. Além disso, não é o

único desempregado muito qualificado a ponderar o efeito estigmatizante da palavra

desempregado junto das empresas. Mas também emana curta e frustrada esperança pelo

regresso rápido ao mercado de trabalho (“disseram-me que podia contar com eles –

189 “Não quero que os vizinhos me vejam a sair de casa a horas diferentes do que era habitual.”

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jornal - para me apoiarem nos contactos mas nada”) na contradição da vivência de um

tempo parado e vazio onde há espaço para a apatia190.

“Acho que as empresas nos vêem logo com maus olhos quando no currículo ou na entrevista

dizemos que estamos desempregados. Até já me aconselharam a omitir e dizer que sou free-

lancer. Não sei se o devo fazer.”

VIII.2.2. Revolta

A fase de revolta apresenta uma tonalidade pessimista mas implica energia a

necessitar libertação. Revolta corresponde ao “pessimismo activo” em que existe

rebeldia e tumulto enérgico de palavras. A fase de revolta pode surgir sem qualquer fase

prévia ou suceder às fases de choque ou de choque e optimismo. O sentimento de

revolta é mais expressivo no primeiro ano de desemprego, sobretudo entre 6 meses e 1

ano quando o desemprego persiste, Embora também ocorra logo após o desemprego. Na

revolta predomina o sentimento de injustiça pela situação vivida e é fase muito comum

entre adultos desempregados. Habitualmente, é fase de curta duração com evolução

favorável para outros estados psicológicos como o optimismo - caso se encontrem

respostas adequadas em termos de apoios financeiros, sócio-familiares ou em formação

- ou evoluir negativamente. A evolução no sentido positivo pode melhorar o estado

emocional e permitir uma fase esperançosa quanto às hipóteses de emprego nos tempos

vindouros ou adaptação a um modo de vida no desemprego. Em sentido negativo, pode

agravar-se o sentimento de degradação moral, na ausência de acontecimentos que

ajudem a melhorar a vida profissional. As manifestações de revolta ocorrem,

predominantemente, logo após o desemprego ou quando se esgota a esperança do

optimismo em relação a novo emprego e à resposta eficiente das instituições,

nomeadamente do dispositivo público de emprego e da Segurança Social. Quando não é

encontrada alguma solução de vida alternativa ao desemprego, a revolta pode virar-se

contra o próprio e gerar auto-culpabilização convocando um estado depressivo. Em

190 “Tenho muita coisa para arrumar em casa, fotografias e isso mas agora não me apetece fazer nada e passo o tempo no computador a enviar currículos e no blog.”

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geral, os revoltados são de mais de 35 anos e podem ter todo o tipo de qualificações e

origens sociais. Veja-se um caso.

R.D., é do Seixal e regressou recentemente a Lisboa depois de uma experiência

de trabalho que durou cinco anos e meio em Timor–Leste. Com 47 anos de idade e

desempregado há 3 meses, vive temporariamente num lar da Misericórdia e está em

contacto regular com a mãe idosa que reside no Seixal. A mulher e o filho de nove anos

permaneceram na Indonésia até haver condições para o realojamento familiar. Com o 9º

ano de escolaridade, tem formação na área de electromecânica de refrigeração e

climatização realizada no IEFP e experiência de 20 anos no ramo. Decidiu solicitar o

RSI para conseguir sobreviver, motivo pelo qual se deslocou ao CE a fim de se

inscrever para emprego. Antes, aproveitara a ida ao CE para se inscrever em formação

com vista a obter a certificação pretendida. A sua revolta é manifesta pela dificuldade

em conseguir emprego e por não ser convocado para formação, e, assim, obter

certificação essencial para exercer na sua área, dada a transposição de directiva

comunitária e exigência do mercado. Rebeldia e tumulto enérgico de palavras afirmam

necessidade em ser ouvido e provocar mudança de atitude junto do dispositivo público

de emprego.

Vim para Portugal mas isto está pior do que eu pensava. Não consigo emprego em lado

nenhum. Dizem que eu tenho um bom currículo mas não consigo emprego. Vim para cá

porque se acabaram lá muitos projectos de investimento e só tinha uns trabalhinhos de vez

em quando mas fiz mal em vir. A minha mulher teve que ser operada a um tumor e foi para

Bali na Indonésia com o filho porque em Timor não havia condições. Gastei muito dinheiro

com isso, mais de sete mil euros. Eles ficaram em Bali. Ela arranjou um part-time, não

ganha muito mas sempre vai dando. A vida lá é mais barata do que em Timor e do que aqui.

Eu agora é que estou pior. Estou a viver num lar da Misericórdia, teve de ser. Já fiz uns

trabalhos à experiência de uns dias ou de quinze dias mas não pagam. Não percebo isto. É

revoltante.

Parado, sem actividade profissional, R.D. sente ameaçada a sua identidade

devido à perda do estatuto associado ao trabalho e à impossibilidade de fazer formação

de modo a recompor a vida. Como homem vive também a perda do papel de provedor

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da família que subsiste sozinha na Indonésia, sem que possa também dar qualquer apoio

à mãe idosa.

No caso de C., a fase de choque não dura mais que breves dias para dar lugar à

acção (“eu não posso parar!”) e sentimento de revolta (“a minha vontade é apresentar

queixa contra ele pois já fez isto a mais gente”). Não pode parar porque precisa de

trabalhar para sobreviver com a filha. C. desistira do subsídio de desemprego para

trabalhar e sente-se revoltada por ter sido tratada injustamente:

Disse-me que gostava do meu trabalho, disse-me para dar baixa do subsídio de desemprego

e afinal manda-me embora ao fim de uns dias e não paga; diz que não pode pagar.

O acompanhamento de F.L. ao longo dos primeiros 6 meses demonstrou grande

dificuldade de adaptação ao desemprego. F.L. sentiu-se perdida na ocupação do tempo,

mas também frustrada com a falta de respostas para trabalhar. A idade é reconhecida

pela entrevistada como factor impeditivo de regresso ao mercado de trabalho, apesar de

qualificações altamente diferenciadas e de se considerar pessoa muito activa. Embora

com características de desemprego distanciado, reivindica apoio do IEFP para a sua

situação. O desemprego é, para ela, morte social.

Não ter trabalho é horrível. Já nos consideram velhos e eu sou tão activa. A experiência não

conta. É como se tivéssemos morrido.

VIII.3. OPTIMISMO

A expressão “optimismo” congrega os sentimentos positivos de satisfação e

entusiasmo. O termo terá sido empregue pela primeira vez em 1737 para caracterizar a

doutrina de Leibniz, segundo a qual o Mundo existente é o melhor dos mundos

possíveis, embora, posteriormente ao terramoto de Lisboa de 1755, tenham surgido

divergências entre Voltaire, Rousseau e Kant sobre a ordem e a bondade do Mundo. A

noção optimismo veio a ganhar extensão no sentido psicológico da tendência habitual

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para encarar as situações e os acontecimentos da vida pelo lado positivo (Freitas, 1991).

O optimismo pode ser considerado, do ponto de vista subjectivo, como a disposição do

espírito de quem aprecia os acontecimentos da vida pelo lado bom. Assim, no conceito

de optimismo, encontram-se as expressões mais populares de satisfação no sentido de

contentamento, alegria e prazer, bem como a ideia de entusiasmo no depoimento dos

entrevistados.

Após o choque emocional podem surgir várias tonalidades de vivência

emocional. Nem sempre surgem entusiasmo e satisfação após o choque de desemprego

mesmo que os desempregados iniciem a procura de emprego. Aliás, em tempos de crise

económica e de aumento do desemprego, as expectativas de novo emprego são menores

do que em tempos mais favoráveis. Além disso, a idade constitui factor muito limitativo

de acesso a novo emprego quer para os desempregados mais velhos quer para os mais

novos sem experiência que procuram um emprego. Também as habilitações escolares

em falta ou em “excesso” podem bloquear o acesso ao mercado de trabalho. O

optimismo é assinalado pela atitude de auto-confiança e contentamento que se manifesta

no esforço sistemático e intensivo para encontrar emprego. Tem duração variável em

função de vários factores (segurança económica, reacções positivas do mercado de

trabalho, auto-confiança, apoio familiar e actividades de substituição). Por vezes,

contribuem para estes indicadores positivos factores externos e de natureza afectiva

como o nascimento de um filho e o apoio familiar, mas também a consciência de

recursos pessoais e relacionais para concorrer no mercado de trabalho ou mudar de vida.

De facto, nesta fase optimista trata-se da rejeição dos aspectos negativos e da fé em

mudar de vida, mesmo que entre início do desemprego e procura intensiva de emprego

ocorra uma pausa de “estar de férias”. Além disso, a percepção de desemprego como

temporário é comum aos mais jovens e aos mais escolarizados, o que reforça a visão

optimista. São tendências dos optimistas procurar emprego activamente, empenhar-se

na criação do próprio emprego ou investir em formação ou em percursos de qualificação

alternativos. A esperança domina. Em geral, não sofrem dificuldades económicas,

contam com apoio familiar, estão bem integrados na família e na sociedade. A

valorização do trabalho assalariado pode ir de muito a pouco ou nada valorizado.

Tendem a reagir de forma optimista ao desemprego indivíduos incluídos no

“desemprego distanciado”, “desemprego negociado” e “desemprego anulado”,

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conforme capítulo V. Todavia, se falham os projectos de emprego, criação de negócio e

qualificação ou ainda, se se alteram as condições de vida materiais, os desempregados

podem vivenciar estados psicológicos de tendência negativa como “revolta”,

“insatisfação”, “resignação” ou até, mais raramente, “apatia” e “desespero”.

É optimismo que subjaz às palavras de A.G. (jornalista fotógrafo, 48 anos) ao

imaginar a mudança no curto prazo:

Eu quero acreditar que é um tempo passageiro que isto vai passar e que eu vou conseguir um

novo emprego.

Vejam-se alguns testemunhos em que satisfação ou optimismo estão presentes

mesmo após a fase de choque. Comece-se pelo “estar de férias”.

VIII.3.1. Estar de férias

A ambivalência na aceitação psicológica da perda do emprego aparece também

na negação como mecanismo de defesa espelhada na ilusão de “estar de férias”. Trata-se

de uma fase breve e pouco frequente que se liga tanto a um estado psicológico positivo

como negativo. Ao imaginar “estar de férias” é encenada, provisoriamente, a

continuidade da vida profissional com direito a férias depois de muito trabalho intenso.

Por alguns momentos o estado psicológico alivia e tudo se passa como se a ruptura

profissional não existisse. Quadros superiores de posição social diferenciada, cuja

actividade profissional era muito intensa com trabalho sem horários e que valorizam

muito o trabalho como fonte de satisfação, manifestam a conversão psicológica do

desemprego em férias, nomeadamente, mulheres licenciadas com crianças a cargo.

Considerem-se dois casos.

De início foi um choque e até me levou ao hospital com uma subida brusca de tensão. Não

contava mesmo com aquilo mas passado algum tempo optei por aceitar a situação de início

como umas férias merecidas. Só que depois o tempo se foi prolongando enquanto eu

procurava emprego.

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(A.G., jornalista fotógrafo, 48 anos de idade, licenciado em Comunicação Social, 23 anos de trabalho

num jornal, desempregado pela primeira vez).

Eu trabalhava bastante e ía e vinha todos os dias de Cascais para Lisboa, gastava muito tempo.

Era o meu marido que ía levar e buscar a nossa filha ao infantário; mal tinha tempo para a ver.

Foi muito chato ficar desempregada mas por outro lado comecei a ver as coisas de outra

maneira, percebe? E vejo que tenho agora um tempo para estar com a minha filha que nunca

tive, está a ver? Não é que não queira trabalhar, ando à procura mas não vou aceitar qualquer

coisa e está a ser muito bom estar com a minha filha e ter mais tempo. É como se tivesse umas

férias prolongadas.

(Simone, 32 anos, licenciada em gestão, 1 filha de 4 anos, desempregada há dois meses e a aguardar

subsídio de desemprego).

Neste caso, as férias são magia para estar com os filhos gozando ao máximo a

sua companhia, ainda que cumprindo as obrigações para com o CE ou ainda que, algum

tempo depois, se intensifique a procura de emprego. A ilusão de estar de férias,

corresponde, nos casos entrevistados, a um período breve e não a uma característica

permanente de qualquer tipo de desemprego.

Simone aguarda o subsídio de desemprego, que será um contributo para o

rendimento familiar com o salário do marido. Reacção e vivências idênticas não

ocorrem com mulheres da mesma idade e com crianças a cargo mas sem recursos

financeiros para experienciarem o sentimento gratificante de umas férias prolongadas

com a prole. Nestes casos, a premência é encontrar outro trabalho mesmo que mal

remunerado e instável, como acontece com D. (32 anos, mãe solteira).

Alguns, apesar do choque, passam por uma fase ambígua onde se mistura a

revolta e se alimenta a representação do papel de temporariamente de férias, mesmo que

continuem a sofrer com o desemprego, a cumprir obrigações para com o Estado e a

procurar emprego activamente. A.G. sofreu bastante com o desemprego e já foi referido

anteriormente. Quando ganhou mais confiança com a entrevistadora, apesar de

explicitar uma atitude temporária de férias, está longe de se reconhecer satisfeito com a

vida.

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Na população entrevistada não aparecem jovens quadros de origem média ou

superior com este tipo de atitude (gozo de férias) e que Schnapper designa de

desemprego “invertido”. Aparecem sim, jovens e adultos que abrem espaço no

desemprego e o valorizam para novas formas ou estilos de vida alternativos mesmo que

seja necessária preparação (“desemprego anulado”), conforme capítulo V.

Considera-se “estar de férias” uma sub-fase que tanto pode surgir mais

globalmente numa forma de sentir caracterizada pela revolta como pelo optimismo.

VIII.3.2. Entusiasmo

Ainda no que respeita ao optimismo, a expressão entusiasmo foi a menos usada

pelos entrevistados, embora se possam referir alguns casos, sobretudo quando se trata

da criação de um negócio ou da obtenção de novas qualificações. Tal estado de

exaltação, embora não muito frequente, tende a ocorrer quando o intervalo entre ficar

desempregado e conseguir um novo emprego é muito curto ou quando surge a

oportunidade de transição rápida para a reforma, para a criação do próprio emprego

(embora nesta última situação ocorram sempre alguns meses de espera entre a

aprovação do projecto e o início da actividade, o que pode gerar ansiedade) ou o

ingresso em actividades para uma nova qualificação. De qualquer modo, quem vai dar

início à criação do seu posto de trabalho deixa-se entusiasmar pela ideia de dedicação a

um projecto. As pessoas que vivem este sentimento encontram-se tendencialmente

desempregados há menos de 6 meses e, um pouco menos, entre 6 meses e 1 ano. Têm,

regra geral no caso dos adultos, apoio familiar, experiência profissional mesmo que em

outras áreas de actividade, ou são jovens sem encargos familiares, e com apoio familiar,

e reduzida experiência profissional. Todos têm em comum sonhos ou antecipação do

futuro que começam a afeiçoar no presente.

I., tem 30 anos, é engenheira e trabalhou sete anos na mesma multinacional de

L.. Vive com o namorado que tem um cargo importante numa multinacional. Deslocou-

se ao CE para saber as condições de acesso ao subsídio de desemprego. Viveu a

experiência difícil do ambiente tenso com vista ao encerramento da fábrica e sentiu o

choque, pois era alguém que se dedicava muito ao trabalho na empresa. Levava trabalho

para casa (preparação de projectos de formação para ministrar na Irlanda e formação na

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Alemanha, por exemplo). Face ao fatal encerramento da fábrica, começou a concorrer

para outros empregos. Lidou com mais resistência psicológica ao ambiente psicológico

na fábrica nos meses que antecederam o fecho do que L.. De postura auto-confiante e

dinâmica, não se identifica com o estatuto de desempregada. As respostas recebidas às

candidaturas de emprego dão-lhe satisfação e entusiasmo porque confia numa

oportunidade. Durante alguns dias, debateu-se quanto à opção a seguir: aguardar o

encerramento e receber a indemnização a que tinha direito ou sair assim que

conseguisse emprego.

Nunca me vi a receber o subsídio de desemprego. Quero trabalhar. Pensei em tornar-me

sócia da empresa do meu irmão e do meu pai mas não sei, não me entusiasma muito. Tenho

concorrido para muita coisa e vejo os meus colegas, anda tudo ao mesmo. O ambiente já é

de competição porque não está fácil. O pior são os casados e com filhos. Eu tenho estado na

dúvida. Já fui fazer testes de selecção e a algumas entrevistas. Não sei se espere pela

indemnização ou se saia assim que tiver uma resposta.

No momento da segunda entrevista soube-se que quando recebeu a resposta da

primeira empresa, optou por sair para uma multinacional francesa de consultoria de

projectos mas ficou desiludida com a mesma. Parece que quem trabalhou com altos

padrões de qualidade e condições de excelência dificilmente se adapta a empresas de

complexidade sistémica e capacidade organizativa inferior. Entretanto, I. que vivia

maritalmente casou. Três anos passados, apesar de manter actividade profissional, não

se sente realizada profissionalmente. Saiu da empresa francesa para uma pequena

empresa de componentes para a indústria automóvel. Mudou de empresa em busca de

melhor rumo mas as dificuldades económicas da empresa confrontaram-na com o lay

off. Compensou esta fase difícil com a gravidez de um primeiro filho e a maternidade.

Sem dificuldades económicas no agregado familiar devido à boa posição profissional do

cônjuge, I. não deixa de sentir insatisfação pela falta de emprego que considera uma

fase temporária, sem perder o optimismo e capacidade de acção que a caracteriza.

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VIII.3.3. Satisfação

São sobretudo os desempregados há menos de 6 meses que se revelam mais

satisfeitos com a vida. Outros, como A.G., conseguem tal manifestação quando a

situação de actividade melhora.

Ao fim de seis meses no desemprego, A.G. conseguiu uma colaboração para

cobrir eventos culturais, actividade que o ocupa bastante e cria um tempo significativo

agradável com sentido de valorização profissional e pessoal e refere “Se eu conseguisse

ficar é que era bom; ao menos não estou parado. No meu ramo parar é morrer!”.

Como se viu, L. também saiu da multinacional mas não procurou emprego.

Aproveitou o início do desemprego para se preparar para ingresso na licenciatura de

Farmácia, o que veio a acontecer. Posteriormente, auferiu o subsídio de desemprego

durante grande parte da licenciatura e continuou a viver em casa dos pais. Investindo

num projecto de vida alternativo, L. não vivenciou as fases de pessimismo e fatalismo

que podem atingir aqueles cuja vida se prolonga sem emprego e sem projectos de vida.

Enquadra-se no “desemprego anulado”.

R. é filho de pais portugueses emigrantes e nasceu em Inglaterra. Tem 39 anos, é

casado com uma jurista e tem uma filha bebé nascida quando ficou desempregado há 3

meses. Inicialmente sentiu o desemprego de forma muito negativa (“foi um choque

curto”), compensado de imediato com o nascimento da filha.

Não foi fácil encarar esta situação. O que me ajudou foi o nascimento da minha filha e ficar

com a cabeça e o tempo ocupado com ela. É uma grande alegria para mim. Quando nasce

um filho não podemos pensar no pior.

O sentimento de satisfação e até de entusiasmo resulta dessa compensação do

nascimento da filha, conjugada no tempo com o início do desemprego, experiência

parental que lhe dá alento e alegria. Nesta situação pode estar-se perante aquilo que

Freud designou de “satisfação substitutiva”, uma vez que insatisfeita uma exigência

pulsional ocorre a satisfação de outras tendências ligadas à pulsão original. Sendo esta

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satisfação substitutiva mais elevada, pois corresponde a um investimento emocional

mais frutuoso ou amoroso, pode falar-se em “sublimação” de uma necessidade.

A relação entre optimismo e níveis etários mais jovens é exemplificada por H.,

mulher com 27 anos de idade, grávida, casada, 12º ano de escolaridade, técnica de

restauro, desempregada há 2 meses e residente em Sintra. Tem família por perto e conta

com o apoio do marido. Gostaria de aproveitar o tempo de desemprego para criar o seu

próprio negócio de restauro e venda de peças antigas. Sintética nas palavras e

sorridente, afirma que os seus maiores interesses são “ter um bebé saudável, fazer

importação de peças antigas e restauro e conseguir manter a calma, a paz e a harmonia”.

Este é um caso de “desemprego anulado”.

Após o período inicial de desemprego A. (43 anos, produtora cinematográfica

executiva, sem subsídio de desemprego, separada, 4 filhas e com apoio familiar)

enfrenta com alegria a vida familiar e a precariedade económica provocada pelo

desemprego. Afirma ser uma forma de lidar melhor com a situação e evitar transmitir às

filhas sinais dramáticos para as proteger das dificuldades. Mostra capacidade de

resiliência rara ao lidar com o desemprego, conseguindo manter-se activa e alegre. Faz

trabalhos gratuitos para estar ocupada, manter contactos e actualiza competências. Está

desempregada há dois anos e meio e o marido, de quem está separada, ficou

desempregado há um ano. Das entrevistas realizadas parece certo que A. é lutadora com

forte capacidade de resistência à adversidade. Contudo, pode questionar-se: Serão

entusiasmo e alegria completamente autênticos ou máscara social a bem do equilíbrio

das filhas e das relações sociais, uma vez que afirma: “rio para não chorar”?

Ninguém percebe como eu não me vou abaixo com esta situação mas eu digo que não pode

ser. Alguém tem que se manter firme e dar às filhas a ideia de que o mundo é bom. A elas isto

passa-lhes tudo ao lado, têm que comer e que vestir, vão à escola e brincam e eu ando bem

disposta. Alguém tem que se aguentar já que o pai delas está muito deprimido. Eu faço por

estar alegre e sempre bem disposta. Todos se perguntam como é que eu aguento. Rio para

não chorar.

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Outro caso, H., natural de e residente em Lisboa, 30 anos, solteira sem filhos e

Bacharel em turismo, vive em casa própria com empréstimo bancário e com uma amiga.

Desempregada há duas semanas, mantém o entusiasmo de quem sabe que surgirá um

emprego brevemente. Trabalhou quatro anos e meio numa empresa de aviação

estrangeira, como agente de reservas e passagens, e afirma atitude optimisticamente

activa quanto a conseguir novo emprego. Procura intensamente emprego desde que

soube que iria ficar desempregada. Tem consciência do seu valor medido em

conhecimentos e experiência. Já teve vários empregos de curta duração.

Também me calhou a mim. A situação nas companhias de aviação não está boa. Mas

acredito que vá melhorar e que eu consiga emprego. Eu mando por semana aí umas vinte

candidaturas mas não recebo respostas - É surreal! - e por agora vou ter o subsídio de

desemprego. Já tenho alguma experiência e conhecimento de várias línguas mas queria

aprender também o alemão. Vou continuar a procurar emprego e gostava de aproveitar o

tempo no desemprego para aprender alemão. Já penso ir para outro país caso não encontre

emprego em Portugal.

Li, 41 anos, 12º ano de escolaridade, uma filha com sete anos, vive com a filha e

com o companheiro que trabalha. Trabalhou em ourivesarias e depois dedicou-se a essa

mesma actividade por conta própria a recibos verdes. Fazia jóias e arranjos de peças.

Depois de encerrar essa actividade “porque dava muito pouco” exerceu como operadora

de registo de dados durante dois anos, também a recibos verdes. Está inscrita no CE há

quatro meses e não aufere subsídio de desemprego. Apoiada pela família, sente-se

entusiasmada com a hipótese de mudar de área de trabalho depois de fazer formação:

Gostava muito de fazer jóias e assim. Mas na minha área está muito difícil e eu também

gosto muito de cozinha e de pastelaria. Fui fazer um curso de acepipes no CEPSA e gostei

muito, embora fosse curto, e vi os outros a trabalharem e as coisas maravilhosas que faziam

para festivais e assim. A minha família apoia-me e acha que devo tentar outra coisa. Até a

minha filha me fala dos pratos que depois posso fazer em casa. Até posso abrir um

restaurante depois, quem sabe?

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Neste caso, Li não teve experiências de trabalho de longa duração em empresas,

escritórios, por exemplo, nem sonha com tal hipótese. Ligada às artes, conta com o

apoio financeiro e afectivo do marido e da família. Também a expectativa de fazer

formação numa área diversa mas motivante constitui factor positivo que contribui para a

sua satisfação e entusiasmo. A idealização do futuro também está aí, não apenas com o

curso mas com a hipótese de um negócio: “porque não uma pastelaria ou um

restaurante?”, imagina.

Optimismo é revelado também por D. (40 anos, curso industrial, vive com o pai

e a filha) que irá começar a trabalhar como segurança privado. Após ficar desempregado

procurou emprego mas face à dificuldade em conseguir, assumiu a ideia de

“desemprego-férias” durante dois meses.

S. é outro caso que após um mês no desemprego tenta manter o optimismo e

algum entusiasmo. Com 43 anos, é licenciada em Direito e reside em Lisboa sozinha,

sem filhos. Trabalhou cinco anos como directora de contas numa multinacional de

publicidade de referência no mercado, depois de outros trabalhos altamente qualificados

na mesma área. A falta de trabalho implicou a sua dispensa. Está desempregada há três

semanas.

O desemprego não foi propriamente um choque porque dado o contexto do mercado pensei

nisso mas de qualquer forma é sempre uma surpresa. Sabe, esta é uma área de trabalho

muito complicada, sente-se logo a crise. Mas eu quero trabalhar, não posso estar em casa

porque sou muito activa. Não me sinto abatida. Sinto algum entusiasmo pois acho que vou

conseguir alguma coisa ou então criar uma empresa.

Para o entusiasmo de S. contam vários factores. Sabe que os tempos estão

difíceis para conseguir emprego na sua área. Todavia, há poucos dias quase o conseguia,

hipótese que alimenta a esperança de não ficar presa ao desemprego. Além disso, irá

receber o valor máximo de subsídio de desemprego permitido por lei, o que lhe permite

algum à vontade na gestão das suas despesas e da vida diária, pese embora a redução

financeira a que se vê obrigada face ao salário anterior. Não tem encargos nem

preocupações com filhos e pretende criar uma empresa.

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As evidências permitem concluir que nos primeiros tempos de desemprego, após

a fase de choque (quando ela ocorre), parte dos desempregados, sobretudo os mais

jovens e escolarizados, com recursos financeiros e apoio familiar, vivem sentimentos de

optimismo sentindo-se mesmo entusiasmados e satisfeitos com a vida.

Outros, como Camilo (54 anos e o equivalente ao 9º ano de escolaridade),

prepararam a entrada no desemprego como quem acautelou a reforma. Satisfação é o

que sente. Proprietário de casas, propriedades e automóveis de colecção encontra-se

desempregado há oito meses e recebe o valor máximo de subsídio. Trata-se de um caso

de desemprego planeado. Está inscrito no CE como desempregado depois de ter

vendido a sua empresa de representante da TMN, tendo ficado, estrategicamente uns

tempos, como Director da empresa e a mulher como chefe de loja para virem a usufruir

do direito ao subsídio de desemprego.

Sinto-me satisfeito com a vida. Já trabalhei muito e sempre fui muito organizado e fiz boas

opções de negócios. Já é tempo de deixar de ter um trabalho remunerado e continuar a

dedicar-me àquilo de que gosto, principalmente os carros de colecção. O que eu gostaria

agora era de passar para a reforma pois estou a perder dinheiro no desemprego. Recebo o

máximo mas é metade do que receberia com a reforma. Também gosto muito de estar com os

netos, é um entusiasmo estar com os miúdos.

Preparada a entrada no desemprego, Camilo não passou pela fase de choque nem

de pessimismo, pois não pretende regressar ao mercado. Quer actividades gratificantes e

depois transitar formalmente para a reforma.

Retoma-se o caso do A.G. Apesar de ter vivenciado choque em relação ao

desemprego e receio do estigma social, A.G. tenta aceitar positivamente o desemprego

imaginando mudanças no curto prazo: “Quero acreditar que é um tempo passageiro

que isto vai passar e que vou conseguir novo emprego”.

As palavras de A.G. poderiam ser letra de canção: É preciso acreditar. Porém

“querer acreditar” é motivação para algo e exige esforço, não é o próprio estado de

acreditar. Envolver-se no projecto de um blog, alimentá-lo com fotografias e

informações é forma de aliviar tensão, ocupar tempo e mente, esforçar-se por acreditar,

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enquanto no blog se multiplicam visitas e contactos em potência. O sucesso do blog

leva-o a imaginar que poderá abrir um espaço cibernáutico de contactos e, quem sabe,

trabalho inesperado e bem-vindo. No meio das tentativas para procurar emprego tenta

acreditar que nem tudo o que acontece na vida é planeado; será que um emprego pode

surgir do imprevisto ou acidental?

Passo o tempo no computador a enviar currículos e no blog. Até acho que estou a gastar

muito tempo no blog mas gosto daquilo. E sabe-se lá se pode aparecer alguma coisa …Sei

lá, uma pessoa programa tanto a vida e depois, afinal, é-se despedido ao fim de tantos anos!

…Sei lá, pode ser que surja alguma coisa, através do blog sem planear, é visto por tanta

gente que se interessa! Seria bom. Sei lá!

A expressão “sei lá” assinala, precisamente, a dificuldade em fazer a leitura do

mundo contemporâneo na sua instabilidade económica e profissional que afecta

indivíduos e famílias. A.G. e muitos outros desempregados entrevistados que passaram

pelas fases até agora assinaladas procuram emprego. Porém, esperança e optimismo não

estão isentas da invasão de sentimentos negativos em relação ao estatuto de

desempregado e à quebra nas relações sociais. Nomeadamente, está presente o receio de

estigma e marginalização no recrutamento de empresas face à idade e ao vocábulo

“desemprego”, que considera marcado por conotações sociais negativas. Será o

desempregado visto como incompetente, preguiçoso, vadio?

Assim, o futuro entra em jogo com a esperança e a esperança marca a espera da

chegada do futuro. Os provérbios populares assinalam o paradoxo da esperança.

Afirmar “quem espera sempre alcança” marca a firmeza da esperança, uma espera

paciente e activa pela conquista um futuro melhor, por oposição a “quem espera

desespera”, esperar sem que nada aconteça, esperar que gera desespero e fadiga. Se por

um lado esperança permite ação transformadora rumo ao devir, por outro, esperar sem

que nada se altere pode transformar-se no desespero da ausência de esperança. É entre

estes dois sentidos da esperança que se movem os nossos desempregados. A mesma

pessoa pode vivenciar os dois estados de alma e oscilar entre um e outro consoante

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algumas variáveis sociológicas ou psicológicas e as respostas que o presente oferece aos

seus investimentos e solicitações.

VIII.3.4. Libertação

Pode encontrar-se uma sub-fase no optimismo designada “desemprego

libertação”. Compreende situações em menor percentagem: o desemprego é vivido,

após alguma surpresa e tensão inicial, com alívio, descontracção e libertação. Os

entrevistados são em geral, pessoas ainda jovens, sem filhos nem responsabilidades

familiares que irão auferir subsídio de desemprego. Partilham ainda fraca motivação e

ligação à actividade profissional e, muito frequentemente, o desejo de mudar de

profissão. Em alguns casos, o stress vivido na actividade profissional torna-se

insustentável, pondo mesmo em causa a saúde, pelo que desejam mudar de vida.

O prolongamento da insegurança quanto ao futuro da empresa é gerador de

muita tensão psicológica. Alguns trabalhadores, sobretudo os mais jovens, com

demonstrações de vitalidade e sonhos para mudança de vida, desejam que tudo acabe.

Veja-se o caso de uma jovem (L., 26 anos, 9º ano e empregada fabril, desempregada há

mês e meio), para quem o desemprego foi “sopro de ar fresco”:

Aquilo na fábrica era um horror. Já não suportava estar naquela linha de montagem, doíam-

me as costas, os braços e os olhos. E não parávamos. Agora acabou tudo e ainda bem. Acho

que não era vida para mim, agora quero tirar um curso profissional e aprender uma

profissão de que goste, talvez informática. Bem sei que tenho poucos estudos mas vou

esforçar-me. Aquilo acabar foi um sopro de ar fresco.

Quando o fim da empresa já foi definido e o futuro se constrange na demora

prolongada de encerramento, a tensão emocional no quotidiano organizacional a par das

negociações colectivas, desemprego e libertação combinam-se, sobretudo para os mais

novos, (com apoio familiar e sem dificuldades financeiras), que equacionam outras

hipóteses de projecto de vida. O tempo de desemprego pode ainda ser aproveitado como

tempo de estudo, formação e mudança de rumo profissional depois da tensão vivida. No

trecho seguinte, apresenta-se a perspectiva de E., (28 anos, engenheira, desempregada

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de uma multinacional que encerrou), que apesar do choque vivido inicialmente pretende

aproveitar o desemprego para cursar farmácia, a exemplo da irmã (mais velha). Tem

apartamento próprio (com hipoteca) mas vive em casa dos pais, o que constitui um

apoio.

Eu não esperava que a fábrica fechasse. Ninguém esperava. Quando começaram a falar

nisso ainda estava tudo no ar, vai, não vai, serão rumores mas depois ficou manifesto para

mim e para muitos que era mesmo assim, sabe, embora muitos também não acreditassem e

quer dizer que antes também não imaginei que pudesse fechar. Mas depois vi que era mesmo

assim e até cheguei a um ponto, nos últimos meses, que estava desejosa que tudo acabasse.

Já não se aguentava o ambiente negativo e as conversas do fecha não fecha. Eu via muitos

colegas ansiosos na procura de emprego e sem saberem o que fazer à vida. Parece que o

mercado está difícil. Já nem diziam uns aos outros para onde tinham concorrido por causa

da competição mas eu acho que agora vou aproveitar para mudar a minha vida. Já não

estudo há muito tempo, não sei se vou conseguir mas vou estudar e candidatar-me ao curso

de farmácia. Eu vou estudar outra vez e acho que é uma boa alternativa a ficar dependente

do emprego aí fora, percebe? Eu vou conseguir equivalências a muitas cadeiras pelo curso

de engenharia que tenho e mesmo que entre para uma privada, como vivo em casa dos meus

pais aproveito o subsídio de desemprego para investir numa nova profissão. A minha irmã é

farmacêutica e eu aos sábados tenho o hábito de a ajudar. Eu gostava do que fazia mas não

era assim aquela coisa de grande entusiasmo e assim, percebe; era para ter um salário e

quando saía gostava de ter a minha vida cá fora. Não era do tipo de ficar obcecada com o

trabalho e de levar trabalho para casa. Aliás, a política da empresa não era essa. Vou tentar

seguir outro rumo.

O trecho evidencia sete aspectos relevantes:

• improbabilidade de uma grande multinacional fechar;

• situação emocional difícil de suportar antes do encerramento, com fortes tensões

sociais e psicológicas na organização;

• desemprego como tempo-espaço para dar novo rumo à vida, com investimento numa

outra licenciatura orientada para uma actividade liberal por conta própria;

• subsídio de desemprego como suporte de apoio ao financiamento na formação;

• família como suporte do novo projecto de vida;

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• reprodução do mesmo percurso profissional da irmã como alternativa ao trabalho

assalariado;

• tempo cheio de novos significados ligado a um novo espaço organizacional que

transita da fábrica para a universidade.

J. apresenta uma situação mais extrema em que o desemprego foi também vivido

como libertação. De 47 anos e licenciado em Direito, trabalhava para uma empresa de

advogados cujo sócio principal teve problemas com a justiça. Perdeu emprego e alguns

salários. Liberto das “confusões judiciais”, viveu o desemprego como uma experiência

positiva, libertação e férias. Está desempregado há quatro meses, mostra-se activo mas

só procura emprego para cumprir as obrigações do CE. Pretende mudar de vida e abrir

um negócio numa área completamente diferente:

Ter ficado desempregado foi um bom acontecimento na minha vida para me libertar de um

padrão que levava há muito tempo, já era um hábito, tinha o meu salário mas isso não era

tudo. Libertei-me do stress! Agora tenho gozado uma espécie de férias e ando a pensar em

abrir um negócio. Vamos ver.

VIII.4. PESSIMISMO – 2ª FASE

VIII.4.1. Insatisfação

Insatisfação é, certamente, a fase psicológica mais frequente; em um ou outro

caso, relaciona-se com outras circunstâncias da vida que não apenas o desemprego (por

exemplo, coincidência com morte do cônjuge ou divórcio). É manifestada por muitos

entrevistados adultos com experiência profissional e que não conseguem emprego,

formação, criação de negócio, nem outras respostas às suas necessidades,

nomeadamente materiais. Pode ser ou não antecedida das fases de choque e de revolta.

O pensamento da fase optimista de que tudo se resolverá enfraquece. Os insatisfeitos

repartem-se pelos diferentes tipos de desemprego (distanciado, negociado, adaptado,

interiorizado e reivindicado), excepto o desemprego anulado. A sua permanência

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depende do apoio familiar, condições financeiras, da capacidade individual de acção

sobre a realidade e de encontrar soluções práticas para a vida profissional e pessoal.

Insatisfação não corresponde necessariamente a um estado de derrota mas a

descontentamento que pode predispor à acção. Não é difícil encontrar pessoas

insatisfeitas no conjunto dos desempregados entrevistados. As manifestações de

insatisfação aumentam com o aumento do tempo de desemprego e agrava-se com a

quebra financeira. Como se viu em capítulo anterior, para a grande maioria dos

desempregados o trabalho é valor central nas suas vidas. Além disso, o desemprego

implica, em geral, perda de rendimento socioeconómico, desestruturação temporal e

dano no estatuto social. Quando toda a busca infrutífera de emprego se combina com a

idade avançada, tende a ocorrer a instabilidade ou desistência na procura de emprego.

Ressoam as palavras dos Rolling Stones: I can get no satisfaction. But I try. O

refinamento da insatisfação configura o fatalismo; impossibilidade de mudança e

adaptação ao desemprego como modo de vida nos seus diferentes rostos: resignação,

apatia e desespero.

Vejam-se alguns exemplos paradigmáticos mas diferente uns dos outros.

A.G. aborda o assunto relacionado com a ocupação do tempo e com a vida

familiar. Nesta fase, também está presente ansiedade e tristeza ao não conseguir

respostas positivas de emprego e com o enfraquecimento e ineficácia dos contactos

sociais.

A coisa que mais me custa é a minha mulher chegar a casa e perguntar o que é que eu fiz

durante o dia. Acredita que até parece uma provocação porque eu tenho a sensação de que

não fiz nada? Até tenho montes de coisas para fazer, para organizar no escritório de casa,

que antes não tinha tempo de fazer porque trabalhava muito, e com horários muito longos.

Agora não me apetece e passo o tempo no computador a enviar currículos e no blog.

No caso de S., a insatisfação com a vida tem um fundo de tristeza. O apoio das

instituições sociais como a Misericórdia de Lisboa constitui uma alternativa à falta de

apoio sócio-familiar e estatal. Holmes (1978) analisa o grau de stress provocado por

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acontecimentos de perda como a morte do cônjuge e o desemprego191. Neste caso, à

morte do cônjuge associam-se outras dificuldades como a perda de emprego e as

implicações de carência económica crescente, enquanto falta também apoio familiar.

Aos poucos, os recursos financeiros vão-se esgotando e surgem dificuldades com as

despesas fixas como alojamento e alimentação. Combina o stress pela morte do marido

com o stress pela perda de emprego sem subsídio de desemprego, dados que poderiam

levar a considerar a situação social e psicologicamente explosiva. S. começa a sentir-se

refém dos limites de pobreza mas pedir apoio social está longe de se afigurar situação

fácil para quem tem dignidade. Contudo, sem apoio familiar nem emprego, vê-se na

contingência de pedir ajuda para a creche da filha e bens essenciais. Pensa ainda na

possibilidade de requerer o RSI, o que não gostaria de fazer. A acontecer, seria a

confirmação de carência económica, castradora da dignidade social.

A situação é complicada mas o pior mesmo foi a morte do meu marido e parece que vem

tudo por arrasto a complicar-se. É uma tristeza mas não me posso deixar ir abaixo. Tenho

uma filha para cuidar. É o que me dá forças. Já tenho dificuldades em pagar a casa e

preciso mesmo de encontrar uma solução. Não é fácil, procuro emprego, vou ao CE, já fui a

entrevistas e nada. Quero trabalhar. Não gostava nada de pedir apoio social, nunca me

imaginei nesta situação, é uma tristeza, uma angústia mas tenho uma filha para criar e tenho

que pôr o orgulho de lado.

R., motorista referido anteriormente, sente-se insatisfeito depois de uma fase de

revolta pelos salários em atraso e horas extraordinárias não pagas. Com três crianças e a

mulher também desempregada, a família vai deixar a casa alugada onde vive e proceder

a realojamento em casa da mãe. As dificuldades financeiras agravaram-se com o

desemprego da mulher e o nascimento da última filha, o que levou a entregar ao banco o

apartamento adquirido com empréstimo.

A.R., 35 anos, solteiro, sem filhos, 9º ano de escolaridade, desempregado há 10

anos. Consumia drogas até 1998 e continua a considerar-se toxicodependente. Aufere

191 Na sua lista têm mais peso, como factores de stress, alguns acontecimentos da vida afectiva como “morte do cônjuge” (100%). Também o desemprego surge neste estudo com peso bastante stressante (47%), comparativamente a muitos outros acontecimentos sociais.

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RSI. Fez um curso de jardinagem e trabalhou numa Associação. Reconhece a

importância do trabalho para equilibrar a sua vida, sentir o preenchimento pessoal de

gratificação face à utilidade pessoal e social que do mesmo advém.

Sinto-me vazio, não me sinto útil nem para mim nem para os outros, para a sociedade.

Dantes não ligava ao trabalho, agora acho que é importante, que nos preenche se gostamos

do que fazemos como era o meu caso com a jardinagem. Se não gostamos é diferente, é um

frete.

J.E., tem 45 anos, 9º ano de escolaridade e consumiu drogas. Desempregado há

onze meses, sem apoio familiar, aufere RSI e reside num abrigo. Quer trabalhar mas não

consegue emprego. Revelou a importância do trabalho não apenas como fonte de

remuneração mas também como ocupação de valor psicológico e preventivo da doença

mental, como a depressão.

F. tem 58 anos, o 6º ano de escolaridade e era caixeira. Tem uma filha

desempregada, sem subsídio que reside com os pais. Desempregada há três semanas,

não pensa ainda muito no que lhe acontecerá quando terminar o subsídio de

desemprego. Todavia, sente alguma preocupação, pois desconhece se poderá transitar

para a reforma.

Como me sinto? Insatisfeita. Sem trabalho e ainda à espera de subsídio como vou sobreviver

e se a minha filha também não consegue nada? Isto está muito mau. Seria bom se eu

conseguisse entrar na reforma a seguir mas se calhar não consigo. Daqui a algum tempo vou

perguntar na Segurança Social como é, pois eles é que têm que me informar. Vamos lá ver. E

preocupa-me a situação da minha filha.

Veja-se agora um caso onde a insatisfação se relaciona não só com a situação de

desemprego mas com a responsabilidade individual.

M.R. (35 anos de idade, 11º ano de escolaridade incompleto dos Salesianos) não

vivenciou choque ou revolta e assume a responsabilidade pela perda do emprego por

problemas de toxicodependência. O pai trabalhou no Casino do Estoril como técnico de

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máquinas e já está reformado. Tem um irmão mais velho. Vive com os pais; embora

casado (sem filhos) está separado da mulher há um ano; alimenta a esperança de uma

reconciliação; bebe e fuma muito e considera-se toxicodependente, embora tenha

deixado os consumos há seis anos. Os pais constituem o grande apoio social e

financeiro. A insatisfação que sente é insatisfação consigo próprio pela responsabilidade

na situação de desemprego e na separação da mulher.

Eu perdi o melhor emprego que tive até hoje. O meu pai fez um pedido e entrei para a

Fábrica X. Em pouco tempo passei de operário desqualificado a operário especializado e fui

por aí acima até ao laboratório de análises químicas. Mas eu já andava nos consumos e

depois fiquei de baixa prolongada para me tratar. Quando voltei propuseram-me fazer o

trabalho de baixo: esfregar, carregar e não estive para isso. Fiquei lá dia e meio e fui-me

embora. Voltei a meter baixa. Depois chamaram-me para fazer a rescisão do contrato. Não

posso dizer que senti um choque porque a culpa foi minha. Dei cabo da minha vida e agora

não consigo encontrar nada. Valem-me os meus pais.

Veja-se o caso de Ana, 48 anos e o 12º ano de escolaridade, solteira, sem filhos,

que vive sozinha, delegada de informação médica, natural da zona de Santarém,

segunda filha de um casal já falecido. O pai era militar e a mãe doméstica. Tem vasta

experiência e formação especializada como delegada de informação médica em várias

empresas nacionais e multinacionais da indústria farmacêutica. Ficou desempregada há

um ano e pela segunda vez. A primeira foi de muito curta duração. Agora, tratou-se de

despedimento colectivo. Como todos os entrevistados na fase optimista, Ana rejeitava

os aspectos negativos e acreditava conseguir novo emprego na sua área profissional.

Primeiro, equacionou a hipótese de mudança de área geográfica e mudou-se do Algarve

para Lisboa; depois, ponderou facilmente a aceitação de salários baixos e a hipótese de

mudança de profissão. Mesmo assim, não conseguiu emprego. O prolongamento da

situação de desemprego leva à fase pessimista no contexto de insucesso na obtenção de

um novo emprego e de perda ou redução das prestações sociais.

Quando ficou desempregada, logo após o choque, assumiu uma atitude optimista

e pensou que dentro de 3 ou 4 meses já estaria a trabalhar. Porém, o desemprego tem

vindo a prolongar-se. O entusiasmo resfriou a pouco e pouco e, actualmente, domina o

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pessimismo não desistente pois continua a lutar. Ana não conta com apoio familiar e

apenas se relaciona com a cunhada (ex-mulher do irmão) que também vive em Lisboa

com os filhos. Já equaciona a idade como factor impeditivo de acesso a empregos.

Findo o entusiasmo inicial após muita procura de emprego inconsequente na área da

indústria farmacêutica, Ana começou a procurar emprego na área comercial para

qualquer função mas, mesmo assim, não tem conseguido, o que se torna desesperante.

Todos os dias digo a mim mesma: lá vou eu para a minha luta! Há dias muito negros mas

todos os dias vou à minha luta. Há dias em que se está muito entusiasmado porque se

respondeu a isto e àquilo e fica-se com esperança de alguma coisa, pelo menos uma

resposta. Depois, passam uma, duas, quatro semanas e nada, nenhuma resposta e

fraquejamos. É mais do que insatisfação. Mistura-se tudo de negativo. Tive que pensar que

cada dia é um dia e virar a página porque senão cai-se no fundo. Eu agora já estou por tudo,

preciso é que surja alguma coisa mesmo que não seja na informação médica. E se não

arranjar nada, não sei, mas posso meter-me em casa de alguém para cuidar de crianças ou

assim. Não sei, só sei que tenho de sobreviver.

Insatisfação é também o que sente M. à beira de completar 56 anos de idade;

vive há três anos uma situação de desemprego prolongado. É solteiro sem filhos, tendo

vivido em união de facto durante alguns períodos da vida. De origem goesa e natural de

Moçambique, de onde regressou depois do 25 de Abril de 1974, nunca se integrou

completamente na sociedade portuguesa e no mercado de trabalho. Em Moçambique,

estudou no colégio dos Maristas e tinha, com os colegas, expectativas quanto a serem os

futuros quadros do país, o que não aconteceu por causa da descolonização.

Para além de ter uma posição crítica em relação à descolonização, M. tem o

sentimento de um passado perdido, cujas experiências e vivências transformadas em

narrativa de vida perderam sentido no mundo contemporâneo e deixaram de ter valor

porque o passado não conta. Só vale o presente. Porém, o seu presente é vazio. Foi

empregado bancário em Moçambique. “Ficar de fora” descreve bem a sua situação de

marginalização no espaço social da segunda República. Esteve desempregado em três

períodos diferentes, auferindo então o subsídio de desemprego. Actualmente, recebe

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RSI há 10 meses e vive em quarto alugado, no apartamento de um senhor idoso. Tem

apoio da Misericórdia para renda, alimentação e medicação.

Eu vi-me na situação de ter aquele rendimento, como é que se chama, não é o subsídio de

desemprego?! São os 160 euros por mês e tenho mais o apoio da Misericórdia na

alimentação, no quarto e no pagamento da medicação porque tenho problemas de coração.

Tomo 9 comprimidos por dia, não posso fazer trabalhos pesados nem andar a correr. Venho

cá ao Centro todas as semanas para ver se há trabalho.

“Sem chão para andar ou um chão vazio” retrata bem a percepção do presente,

embora mantenha alguma esperança em relação ao futuro. M. não é um desistente. As

relações familiares são quase inexistentes. Tem dois irmãos mas não se relacionam. Está

envolvido na comunidade local por via da ajuda na igreja da sua paróquia,

nomeadamente nas angariações de bens para os pobres mas não se mostra crente. M.

tem consciência das suas limitações físicas mas pretende regressar ao trabalho.

J., 54 anos, 4ª classe, indústria hoteleira, vive só num apartamento que comprou

há anos com empréstimo bancário mas que só consegue pagar com a ajuda da irmã.

Divorciado há 12 anos, tem uma filha adulta e independente. Trabalhou em hotéis de 5

estrelas. Faz parte dos desempregados de meia-idade confrontados, em termos de

reingresso no mercado de trabalho, com a idade “avançada” e as baixas habilitações

escolares. Sente-se insatisfeito com a vida pela dificuldade em conseguir emprego.

C.V., 35 anos, 7º ano unificado, desempregado há seis meses, vive com os pais.

A sua actividade ocupacional ao transitar da actividade com o pai (subempreiteiro) para

o mercado aberto cai no trabalho desqualificado de estafeta e evolui para alguma

qualificação como vigilante. Esta ficou comprometida com o fim do trabalho não

permanente e um cartão do Ministério da Administração Interna que não pode renovar

por falta de recursos financeiros. Face à experiência de trabalho e considerando a

escolaridade mínima obrigatória para a sua idade, não valoriza a necessidade de

aumentar qualificações. A urgência é trabalhar – por necessidade material e de

ocupação psicológica.

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Não me vejo a estudar mais, nunca gostei. Eu quero mesmo é trabalhar, faço qualquer coisa,

preciso, não é só pelo dinheiro, é porque eu acordo e sinto que me falta qualquer coisa, é

aborrecido, aborrecido e depois posso cair na depressão.

E., cinquenta anos, casada, tem uma filha na Universidade. Recebe subsídio de

desemprego no valor de trezentos euros há dois anos. As suas palavras expressam a

frustração de desempregada por oposição a empregada ou reformada.

Gostava de não estar aqui e de ter dinheiro para governar a casa, estar no activo com um

ordenado bom ou na reforma com dignidade. É triste uma pessoa levar a vida assim depois

de tantos anos de trabalho.

VIII.4.2. Resignação

Jahoda, Lazarfeld e Zeisel (1933/1972) no estudo de Marienthal mostram que

atitudes perante o desemprego mudam em função dos recursos económicos, com

diferentes resultado psicológicos. Quanto menos rendimentos económicos mais

resignação e apatia entre desempregados e famílias. Diremos também que mais

desespero.

Na presente investigação, parte significativa de desempregados com mais de 45

anos sentem-se resignados com a falta de oportunidades de emprego; também os

desempregados há mais de 6 meses. Já procuraram muito sem resultado. Podem fazer

parte de qualquer tipo de desemprego abordado no capítulo V., à excepção do

“desemprego anulado”. “O que é que posso fazer?” É questão frequente, revisitado o

sentimento de culpa agora sem mais lugar. Parcos de palavras, afirmam-se conformados

embora ofendidos. Mostram grande resistência ao sofrimento e tentam manter

actividades que lhes ocupem o dia. Prolongado que foi o tempo de desemprego por mais

de um ano sem conseguir qualquer trabalho, desistem de procurar e dedicam as sobras

de tempo a actividades diárias ou semanais (veja-se capítulo relativo à organização e

ocupação do tempo). Trata-se da adaptação a um modo de vida no desemprego, possível

quando asseguradas as necessidades de sobrevivência, apoio e integração familiar. Por

vezes, ocorre a transição da resignação para a apatia. Enquanto os conformados com a

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dor moral do desemprego prosseguem actividades alternativas de ocupação do tempo,

os apáticos vivem a indiferença, o aniquilamento da vontade e das paixões. Veja-se um

exemplo com tonalidades várias: resignação, apatia, fatalismo.

B., de 58 anos, apenas concluiu o 7º ano no ensino regular. Com a profissão de

electricista exercida durante trinta e cinco anos, em seis empresas, não consegue

trabalho desde que ficou desempregado pela última vez há cinco anos. Considera-se

homem activo mas perdeu vitalidade e entusiasmo. Já desistiu de procurar emprego.

Conta com o apoio da mulher que ainda trabalha como cozinheira.

Sabe eu tentei muito conseguir emprego. No meu tempo não contava as habilitações, contava

saber trabalhar. Agora perguntavam-me no CE as habilitações e diziam que eram poucas

mas nas empresas não me perguntam, querem é saber da idade e acham-me velho. Então que

é que vou fazer? Desistir, é o que faço. Não vale a pena procurar porque uma pessoa já se

sente mal, parece que anda a mendigar. Já desisti há tempos. Uma pessoa pensa no passado

e às vezes aparece um restinho de esperança mas é só isso, depois fica a tristeza, a falta de

esperança, o que é que se vai fazer da vida, a falta de vontade, a indiferença. Tenho coisas

para cuidar em casa e na horta e nem me apetece mas sei que tenho que ter força mas não é

fácil, não é nada fácil.

VIII.4.3. Apatia

A fase de apatia é mais rara e só aparece num pequeno número de entrevistados,

normalmente adultos com muita experiência, mais de 45 anos, valorizam bastante o

trabalho e vivem a frustração de não conseguir emprego. Pode surgir em sequência de

qualquer fase anterior, nomeadamente, logo após o início do desemprego. Os apáticos

integram os tipos de desemprego adaptado/ interiorizado e reivindicado, sobretudo

quando o desemprego se prolonga por um ano e a esperança morre. Os que vivem um

estado de apatia são afectados por uma quebra de ânimo. Deixam-se invadir pela

indolência numa insensibilidade que lhes toma a vida de forma global. Sentem-se “sem

vontade para nada” e não investem em actividades de substituição. Mesmo que já

tenham vivido sentimentos de entusiasmo, acção e esperança na procura de emprego,

são feridos pela insensibilidade, indiferença ou indolência. Tolhidos num fado de

imobilismo, as suas circunstâncias de vida, aliadas à sua psicologia, não motivam um

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estado positivo, nem qualquer acção para mudança. Esta fase psicológica caracteriza-se

por desorganização e crise como resultado da desesperança e abandono social a par da

inactividade na procura de emprego. A dificuldade em reorganizar o tempo, ter

ocupações de interesse e o sentimento de profunda degradação moral constituem outras

características do estado de apatia; corresponde a um enfraquecimento da capacidade

individual em lidar com a realidade e pode apresentar traços depressivos. Aparece em

expressões frequentes (“não ter vontade para nada”) o que, conjuntamente com outros

factores, poderá ou não cumprir os critérios psiquiátricos de depressão (DSM IV). Além

disso, o acelerar da desqualificação social leva, frequentemente, a uma apresentação

física pessoal mais descuidada. Não surgindo acontecimentos favoráveis ao emprego ou

à ocupação do tempo que possam melhorar o estado psicológico, mantém-se a tendência

de apatia ou até passagem ao desespero. Vejam-se duas situações.

Procurei muito emprego mas não consigo nada. Sempre fui homem de trabalho. Já não sei o

que fazer. É muito chato estar desempregado e estar em casa mas agora é assim, sem nada

para fazer. Sinto-me sem vontade para nada.

(Manuel, 57 anos, serralheiro, desempregado há 30 meses).

Outro caso, M. (43 anos, natural de Minas Gerais, Brasil, imigrada em Portugal

há nove anos, divorciada), vive com uma filha de 15 anos num quarto. Afirma ter lidado

bem com o divórcio mas sofreu um trauma posterior pois o namorado foi assassinado.

Emigrando rumo a Portugal, residiu com a filha em Alcobaça depois de breve estada em

Lisboa. Contudo, a motivação da filha pela área de Economia trouxe a decisão de se

deslocarem de novo para Lisboa. Deixou a empresa de limpezas, onde trabalhou oito

anos, em Alcobaça, e recebe subsídio de desemprego. Os trabalhos em que esteve foram

sempre conseguidos através de contactos pessoais e facilmente mudava de uns para

outros. Actualmente, não consegue emprego. Neste caso, desemprego, depressão e

apatia combinam-se.

Para mim estar desempregada é uma humilhação! (E chora.) Sempre trabalhei toda a vida.

Quando cheguei a Portugal, cheguei um dia e no outro estava a trabalhar num restaurante.

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Depois saí dali e fui para a empresa de limpezas em Alcobaça e vivi lá com a minha filha.

Foi uma senhora que ía ao restaurante e trabalhava nessa empresa que me falou que

precisavam de mais alguém para trabalhar e eu fui e fiquei. Estive lá oito anos e só saí para

vir para Lisboa outra vez por causa dos estudos da minha filha. Está muito difícil sem

trabalho. Procuro e não encontro.

N., desempregado há 10 meses, tem 55 anos e o 9º ano de escolaridade feito no

CNO e está desempregado há três anos. Trabalhou durante mais de trinta anos na

indústria siderúrgica. As suas palavras marcam a transição de estádios subjectivos no

desemprego que acompanham modificações socioeconómicas e a imobilidade para o

emprego.

Ao princípio a pessoa tem esperança mesmo que se sinta revoltada com a situação porque

não merecia aquilo que aconteceu mas eu procurava emprego e tentava tudo. Até fiz as

Novas Oportunidades. Diziam que era bom, que valia a pena, sempre aprendi alguma coisa e

convivi mas emprego nada, tentei, tentei mas as portas continuaram fechadas. E o tormento

a aumentar em cada não, a pessoa fica aflita, desesperada com a vida. Um homem ainda

novo, acho eu, mas foram tantos nãos e acham-nos velhos. Então desisti e já não procuro.

Tanto me faz. E não me apetece fazer nada. É uma preguiça que me dá. Vou um bocadinho

ao café e pronto. Durmo mal, acordo muitas vezes e ando irritado mas pronto, o que é que

hei-de fazer? A mulher está em casa, faz costuras para fora e eu p’ra li estou.

VIII.4.4. Desespero

O sentimento de ameaça à própria identidade pela perda do estatuto associado ao

trabalho e a incapacidade para provedor de si próprio e da família podem levar ao

desespero e à depressão. Esta fase psicológica caracteriza-se pela desorganização e crise

como resultado do sentimento de desesperança e abandono social a par da inactividade

na procura de emprego. Relaciona-se com falta de recursos financeiros e falta de

expectativas em conseguir emprego mesmo para quem ficou desempregado há poucos

meses. No caso dos mais idosos, quando o desemprego se prolonga até um ano a

inactividade na procura de emprego anda a par do desespero. É vivida por indivíduos

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sem condições de sobrevivência, sem casa e sem apoio familiar. Vejam-se os exemplos

seguintes.

Y., transmontano residente em Lisboa, 58 anos, solteiro, desempregado há seis

meses é homem sem filhos, sem família, sem subsídio de desemprego, sem alojamento

e dorme num centro de acolhimento da Misericórdia. Vive o desespero da falta de

recursos materiais e afectivos. Na sua vasta experiência profissional como motorista

contam-se, mais recentemente, duas permanências no estrangeiro, durante seis anos na

Noruega e, posteriormente, em Inglaterra. Foi a Noruega que mais o cativou, tendo em

conta excelente salário e boas condições de trabalho. Consequentemente, teria acesso ao

subsídio de desemprego. A boa ética de trabalhador levou-o a não aceitar subsídio de

desemprego e optou por trabalhar em Inglaterra. Tal vivência em Inglaterra foi menos

positiva; regressou num curto espaço de tempo a Portugal mas sem conseguir novo

emprego. Vive com angústia e calma aparente a situação de “sem abrigo” em que se

encontra. Pondera as consequências de ter preferido a acção de trabalhar a receber

subsídio. A sua valorização ética do trabalho fê-lo abdicar da possibilidade de subsídio,

preferindo um trabalho instável mas remunerado. Tal condição e a incapacidade de

conseguir novo emprego deixaram-no em situação de forte vulnerabilidade

socioeconómica e sem abrigo, situação que se agrava pela falta de apoio familiar e

ausência de actividades de substituição. O maior problema é a carência económica.

Eu sempre trabalhei e depois consegui ir para a Noruega, o pior era o frio, era mesmo muito

frio mas ganhava-se bem e eu com a minha mãe doente, todo o dinheiro era para ela.

Pensava arranjar os dentes mas não dava; o dinheiro ía para ela. Depois a obra da ponte

terminou e vim para cá. Tive o subsídio de oitocentos euros mas eu não queria estar sem

trabalhar e não queria depender de ninguém e arranjei logo outra coisa. Consegui ir para

Inglaterra mas aquilo lá não correu bem e regressei. Só que foi mau que nunca mais

consegui trabalho e já não tive direito ao subsídio de desemprego. Gastei o pouco dinheiro

que tinha de lado, que a minha mãe já morreu. Podia ter ficado cá sossegado a receber o

subsídio, um bom subsídio aí uns três anos sem me preocupar mas quis trabalhar e perdi

tudo. Agora não tenho nada e tive que pedir ajuda à Misericórdia. Tenho onde dormir e onde

jantar. Para o almoço temos que nos desenrascar. Tenho que aceitar esta situação mas não

gosto. Sou um homem de trabalho. Sempre fui muito trabalhador. É um desespero. Não

encontro nada.

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“Quem espera desespera” diz o adágio popular. Y atenua o desespero com o

sonho de uma nova oportunidade de trabalho no estrangeiro que sabe quase impossível,

uma vez que a empresa que o contratara fechou. Por vezes, o desespero adormece no

sonho de conseguir trabalho, um destes dias, ao virar a esquina de alguma obra.

D., 55 anos, casado, 6º ano de escolaridade, desempregado há um mês e é

electricista. Foi ao CE pela segunda vez tratar do subsídio de desemprego e refere que o

cunhado também está desempregado. Tem preocupações financeiras devido aos salários

em atraso, o que põe em risco a sua habitação e a sobrevivência da família. Preocupado

com a sobrevivência do dia a dia, D. não se mostra disponível para aceitar propostas de

formação, uma vez que tem o pensamento absorvido pelos problemas das dívidas. Além

disso, a sua grande motivação é trabalhar, oportunidade que não surge.

No CE falaram-me em fazer formação mas uma pessoa já não tem cabeça para nada com

tanta preocupação. Já não há cabeça para aprender. Eu precisava era de trabalho. Uma

pessoa está desmoralizada. Procura trabalho e não há nada. Fica-se desanimado. É

desesperante. O meu cunhado também se farta de procurar trabalho e não encontra. E se o

homem sabe trabalhar! Andamos desmoralizados! Eu tenho uma conta aberta no banco mas

não a movimento já há muito tempo porque não tenho dinheiro. No banco disseram-me que

eu tinha que pagar 15 euros ao banco mas eu disse que não tinha, que logo que tivesse ía lá

tratar de tudo.

Choque, revolta e desespero é o que sente D. após perder o emprego recente e

aguardar novo subsídio ou novo emprego. “Como vou sobreviver?” é a questão central.

O seu estado psicológico é de preocupação e desespero para conseguir um novo

trabalho no mais curto espaço de tempo, pois carece de recursos financeiros. Equaciona

pedir apoio à Misericórdia para sobreviver com a mulher e filhas enquanto não chegam

subsídio ou emprego.

Vejam-se agora alguns dados relativos ao bem-estar psicológico. Para M. a

tendência depressiva do passado é sublinhada pela ausência de trabalho. M. tem só a 3ª

classe feita no Brasil. A idade e a reduzida escolaridade, num contexto de aumento do

desemprego, constituem factores de vulnerabilidade, obstáculos à reinserção

profissional mesmo em limpezas. M. não reúne os comprovativos da procura de

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emprego como a lei obriga e afirma que “as empresas não querem pôr carimbos a

comprovar ou dizem que não têm.” Com uma depressão diagnosticada, está a ser tratada

há sete meses pela médica de família. Tal situação de saúde dificulta-lhe a

aprendizagem pelo que não aceitou a hipótese de tentar uma escolaridade básica

reconhecida em Portugal por via do programa Novas Oportunidades, conforme sugestão

do CE. A tendência depressiva do passado é sublinhada pela ausência de trabalho.

Eu sempre fui depressiva mas agora estou pior. Foi de não ter trabalho. Tomo medicamentos

mas estou muito em baixo e não tenho cabeça para aprender nada. Podia ir para a escola

aprender mas não consigo, a minha filha é muito querida, tem muita paciência e tenta-me

ensinar mas eu não consigo.

Um homem de 47 anos, operário, desempregado há nove meses afirma um

estado psicológico negativo e a necessidade de apoio psicossocial.

Estamos psicologicamente em baixo. Estamos quase a bater no fundo e precisamos que nos

levantem. Ter com quem falar e quem nos conforte é importante.

VIII.5. FATALISMO

O fatalismo de Harrison corresponde à última fase de desemprego. Neste

contexto, o indivíduo é impotente para dirigir o curso dos acontecimentos de modo a

conseguir novo emprego. Trata-se da adaptação ao estatuto de desempregado com

aceitação de um modo de vida alternativo. A nosso ver, tem características equivalentes

à resignação. Podem também aí desembocar insatisfação ou apatia. O fatalismo não

apresenta apenas características de passividade mas contornos activos na estruturação

do tempo sem emprego e na organização de novos modos de vida, nomeadamente com

actividades de substituição.

O caso de A.G. é paradigmático do desemprego como processo de várias fases

na sincronia e diacronia temporal. Nem sempre a psicologia do sujeito se fixa

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demoradamente numa fase; pode ser permeável a várias formas de sentir, tendo em

conta a dinâmica com o mundo exterior e o dinamismo psicológico. O acompanhamento

muito regular do processo vivido por A.G. ao longo de 4 anos permitiu apresentar um

itinerário que percorre várias fases, nem sempre diacrónicas mas que, por vezes, se

justapõem: choque inicial, revolta, estar de férias, optimismo, insatisfação com

depressividade mas consciente das dificuldades objectivas, desespero e “fatalismo

activo” no sentido de não abdicar da realização de alguns projectos pessoais e

profissionais, lutar por trabalho no quadro da nova realidade precária e sem emprego.

A.G. persiste na acção e culmina na adaptação fatalista ao desemprego crónico mas com

trabalhos, ditos “colaborações”; trazem reduzida contribuição financeira ao agregado

doméstico, embora sustentem uma identidade profissional mesmo que frágil e insegura.

De início, A.G. está desadaptado do desemprego quer pelo inconformismo em

relação à situação vivida quer por não encontrar outra forma satisfatória de fruir o

tempo livre, quando antes, a vida era de grande actividade profissional dentro e fora da

empresa. Uma vez que a experiência do tempo e do tempo no desemprego é sempre

percepção subjectiva com traços emotivos e mentais, é notória a dificuldade em

enfrentar um tempo sem obrigações e rotinas associadas a marcos temporais. O

desemprego é percepcionado tempo vazio porque a função principal de ocupação do

tempo com trabalho desaparece; cuidar dos filhos, procurar emprego, fazer o blog não

são actividades suficientemente realizadoras. Tempo e espaço associam-se mutuamente

e ficar desempregado é ficar em outro espaço que não a empresa. Ficar desempregado é

também, para A.G. diminuir ou perder contactos com antigos colegas ou amigos. Ficar

desempregado implica novos espaços apartados do mundo socioprofissional e que se

configuram como não-lugar - espaço de ausência do trabalho com objectivos, relações

interpessoais, hierarquia e salário. A simbologia tradicional da casa é de tempo e espaço

femininos. Regra geral, a casa é espaço do domínio privado; substituição desqualificada

em relação ao espaço público do emprego.

Após dificuldades de adaptação ao desemprego, a capacidade de resiliência

estrutura formas de lidar com o desemprego e com o trabalho informal mesmo se o

emprego tarda ou desaparece. Tal situação ocorre com A.G. e muitos outros

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desempregados limitados ao não emprego. Desenha-se um novo modo de vida sem

emprego, sem planos de futuro. No fatalismo como na resignação o presente é senhor.

CONCLUSÕES E REFLEXÕES FINAIS

Iniciámos esta pesquisa com o objectivo de conhecer as práticas sociais,

vivências subjectivas e compreender sentidos atribuídos ao trabalho. Assim, procurámos

identificar estratégias pessoais de estruturação da vida e satisfação das necessidades de

quem não tem emprego na sociedade salarial portuguesa do século XXI. Foi possível

realizar uma análise compreensiva das atitudes em relação ao trabalho bem como a

compreensão de vivências do desemprego, organização dos tempos sociais, procura de

emprego e reacções ao desemprego.

Recorrendo a uma metodologia mista, foram obtidos neste estudo dados a partir

de um inquérito (por questionário) realizado junto de 300 pessoas privadas de emprego,

os desempregados (na área da Grande Lisboa). Tais dados foram complementados

qualitativamente no âmbito de 60 entrevistas, 10 “grupos de encontro” (focus groups)

com 77 desempregados e 10 histórias de vida. Os “grupos de encontro” (focus groups)

foram um recurso metodológico complementar ao inquérito e entrevistas usado apenas

no caso específico de pesquisa da organização e ocupação do tempo no desemprego.

Vimos como o desemprego é fenómeno complexo na sua configuração,

diversidade de características de quem o sofre, consequências, fases e reacções dos

desempregados. Constitui provação numa sociedade em que a actividade profissional

desempenha papel de integração social. A noção genérica de desemprego esconde uma

pluralidade de vivências do papel social, ocupação do tempo, estratégias de procura de

emprego e de lidar com o desemprego. Considerando a identidade da pessoa

desempregada como processo, foi possível analisar diferentes fases e reacções numa

perspectiva longitudinal. Quanto ao impacto do desemprego na vida dos indivíduos,

conclui-se pelo reconhecimento de consequências financeiras, psicológicas e de

organização do tempo. Na investigação emergiram opções de vida e de organização dos

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tempos sociais como estratégias para assegurar recursos materiais e simbólicos que

garantem a sobrevivência e a reprodução individual e colectiva.

Considerem-se algumas conclusões de uma forma integrada e mais

pormenorizadamente. Comecemos por algumas características sócio-demográficas,

económicas e familiares dos inquiridos merecedoras de destaque.

• Um modelo de residência não isolado favorável à sobrevivência com proximidade

física entre familiares e notória sociabilidade

Como vimos na primeira parte, no Sul da Europa domina o modelo de residência

extensivo. Esta situação pode favorecer a sobrevivência em países de Estado sub-

protector como Portugal. Sem características de modelo extensivo (embora 26%

residam com 4 ou mais pessoas), a análise da ecologia habitacional dos desempregados

revelou que nenhum dos inquiridos reside sozinho. Mais de metade vive com 2 ou 3

pessoas, e apenas 18,1% com 1 pessoa. Quase metade dos inquiridos tem o seu próprio

agregado nuclear constituído sobretudo pelo casal e filhos; 20% partilha uma família

alargada a três gerações (pais/irmãos/avós); cerca de 20% vive em família nuclear

restrita aos cônjuges e 5% apenas com os filhos, constituindo famílias monoparentais.

Quanto aos que residem com pais, cerca de 2/3 dos inquiridos são solteiros.

É notória a grande proximidade entre inquiridos e familiares: quase 30% reside

na mesma freguesia e cerca de 24% no mesmo concelho. Tal vizinhança é mais marcada

em Sintra, situação que, certamente, facilita maior intensidade nas trocas familiares.

Indicador da sociabilidade familiar são as visitas entre familiares. A assiduidade de

visita diária ou semanal (56%) foi o mais expresso pelos inquiridos. Além disso, os

desempregados assinalam, no inquérito como nas entrevistas e nos grupos de encontro

(focus groups), muito maior ocupação do tempo com os filhos e com a família. É pois

notória a sociabilidade entre familiares. Outro aspecto respeita às solidariedades.

• Solidariedades familiares ascendentes e descendentes

No presente estudo, identificaram-se apoios, trocas e solidariedades familiares

entre pais, filhos e netos. Os dados do inquérito concluem que 30% dos inquiridos têm

apoios familiares. Além disso, as entrevistas e a pesquisa qualitativa da ocupação do

tempo permitem concluir a importância dos apoios familiares (sobretudo da parte dos

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pais) à sobrevivência no desemprego. Para além deste apoio, os dados relativos à

ocupação do tempo revelam que muitos dos desempregados são eles próprios apoio para

a família com importância nas trocas descendentes e ascendentes com destaque para o

papel das mulheres. É relevante o papel da família, como factor protector de eventual

notoriedade na situação de desemprego. Assim, o apoio familiar no âmbito da dádiva e

trocas recíprocas e redes sociais são mecanismos micro-sociais compensatórios no

âmbito da “sociedade-providência” com importância no desemprego. Afigura-se

provável que em Portugal, país com protecção pública reduzida, a protecção privada

funcione como mecanismo de compensação que reforça a dependência familiar.

• Sociabilidade relativamente intensa e trabalho como laço social

Vista a relação com o trabalho e pese embora a forte importância do salário, a

grande maioria dos inquiridos refere uma vivência afectiva no trabalho com relações de

amizade192e manutenção da rede de amigos após o desemprego. Este aspecto não só

evidencia a dimensão social do trabalho mas dá sinais de não isolamento apesar do

desemprego, como se concluiu numa questão específica sobre o isolamento social.

Note-se, também, que após o desemprego os inquiridos passam a ocupar muito mais

tempo com a família e com os amigos.

• Generalização do desemprego ou uma sub-sociedade de desempregados?

Ainda a propósito da rede social no desemprego em cerca de 1/4 dos agregados

domésticos dos inquiridos, coexistem mais pessoas à procura de emprego, factor que

certamente contribui para a fragilização da auto-sustentação e do equilíbrio

socioeconómico. Observa-se ainda que o contacto com pessoas em situação de

desemprego é comum na restante esfera social - grande parte (78,2%) tem outros

familiares ou amigos desempregados. Desta constatação emergem duas questões para

pesquisa futura: Esta rede social é consequência da generalização do desemprego na

sociedade que faz com que cada vez mais cidadãos tenham alguém desempregado na

família ou entre amigos? Ou estamos perante uma sub-sociedade de baixos recursos

materiais e simbólicos onde o desemprego se reproduz? Ou combinam-se os dois

aspectos?

192 Sobretudo os maiores de 55 anos por contraste com os mais jovens; os inquiridos com o 1º ciclo de escolaridade por oposição aos de nível superior.

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• Precariedade económica no desemprego

Como é do conhecimento geral, a perda de emprego tem como consequência imediata

perda de rendimento económico, mesmo para quem aufere subsídio. Analisada a

questão, confirmou-se que para a grande maioria de inquiridos, (apesar de 86,23%

beneficiar de subsídio), o desemprego gera perda de rendimento económico (95%

concordam em ter ficado com menos dinheiro depois do desemprego). Foram

encontradas situações muito diversas em termos de rendimentos (subsídio de

desemprego e rendimento do agregado doméstico) dos inquiridos. Note-se que nos

diferentes tempos de inscrição no CE, o escalão de subsídio de desemprego ou pensão

mais frequente nos inquiridos é de 300€ a 499€ mensais. O facto de 25% dos

cônjuges/companheiros(as) dos inquiridos não trabalhar é digno de nota: nenhum

membro do casal dispõe de rendimento do trabalho, o que poderá constituir indicador de

precariedade, insegurança e/ou dificuldade de sustentabilidade económica de ¼ das

famílias. A sustentabilidade económica da generalidade dos agregados tem

características de precariedade (37,2% gastam todo o dinheiro de que dispõem, 40,1%

tem de prescindir de certos bens necessários e 6,4% chega a ter necessidade de se

endividar ou de ajudas193). Somente 16,3% dos agregados apresenta indicadores de

estabilidade económica com capacidade de poupança. Como se viu, a família é

importante estrutura de apoio. Cerca de 1/3 dos inquiridos contam com apoio de

carácter financeiro, alojamento e alimentação; cônjuge/companheiro(a) assim como os

pais assumem particular destaque. Como se viu no capítulo VI (Primeira Parte), os

desempregados fazem parte das categorias com maior risco de pobreza, sobretudo

quando não há direito ao subsídio de desemprego. Com o agravamento da crise

económica desde 2008 e recentes alterações ao subsídio de desemprego, é provável que

a sobrevivência se venha agravando. Face aos dados obtidos e apesar de não ser este um

enfoque específico da presente investigação, concorda-se com as conclusões de Caleiras

(2011) quanto às consequências de empobrecimento, sobretudo quando não há acesso a

subsídio, quando a prestação do mesmo é baixa ou quando o subsídio termina.

193 Como já foi referido é de supor que a expressão “pedir ajuda” possa ter sido interpretada como pedido fora da família ou endividamento, uma vez que se encontram valores muito díspares na comparação das respostas a duas questões no inquérito. De facto, por um lado, em outra questão, 30% afirmam beneficiar de ajuda e, por outro, nesta questão, apenas 6,4% assinalam a necessidade de endividamento ou de ajuda.

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• Valores sociais: a importância da família e do emprego

A vida familiar e o emprego constituem os valores mais importantes para os

inquiridos, o que concorda com os dados de Jesuíno (1993) e de Ramos (2000; neste

caso apenas quanto à família) relativos à população portuguesa. Encontraram-se

algumas diferenças de valores em função da idade: os maiores de 55 anos dão mais

importância à vida social194 e à vida religiosa.

• Uma relação com os Centros de Emprego (CE) frágil mas considerada útil com

expectativas de emprego

Viu-se que a quase totalidade de inquiridos está inscrita nos CE. Nota-se que

quanto mais idade mais alargado o tempo de inscrição. Os homens inscritos há menos

de 6 meses tendem a receber ajuda de familiares e a passar o mesmo ou nenhum tempo

com os filhos, enquanto os desempregados entre 6 meses e 1 ano tendem ao pessimismo

quanto à possibilidade de “arranjar emprego actualmente” e a não concordar que “ter

um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum”. As mulheres desempregadas

há menos de 6 meses tendem a concordar que após o desemprego “deixaram de saber o

que fazer com o tempo disponível”.

Analisada a relação com o CE conclui-se por uma reduzida frequência nas

deslocações a este serviço. Os que menos se deslocam não recebem qualquer subsídio.

Todavia, a grande maioria de inquiridos considera úteis os CE (embora, 13,1% não

reconheça qualquer utilidade a esta estrutura).

Apesar de, no geral, os inquiridos adoptarem uma atitude positiva quanto à

possibilidade de emprego, é entre os que mais vezes se deslocam ao CE (três ou mais

vezes por mês) que mais parece existir essa esperança.

São várias as expectativas em relação ao CE. Em primeiro lugar, o emprego

(68,7%), seguido da formação (16,2%) e da criação do próprio emprego (6,5%). A

expectativa de emprego apresenta flutuações nos diferentes tempos de desemprego, mas

a expectativa com formação diminui com o tempo de desemprego (passa de 24,32% dos

inscritos há menos de 6 meses para 10% dos inscritos há mais de 1 ano), enquanto a

expectativa de criar o próprio emprego aumenta (4,05% dos inscritos há menos de 6

194 Também o grupo 45-54 anos.

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341

meses para 9,38% dos inscritos há mais de 1 ano). Porém, não se verifica relação

estatisticamente significativa entre tempo de inscrição no CE e expectativas dos

desempregados.

• Procura de emprego como característica comum

A procura de emprego constitui característica comum entre os inquiridos,

independentemente do tempo de inscrição no CE. Embora não seja evidente uma

relação estatisticamente significativa, verifica-se ligeira flutuação das respectivas

proporções consoante o tempo de desemprego (13,89% dos inquiridos inscritos há

menos de 6 meses não estão actualmente à procura de emprego, reduzindo a proporção

para 8,28% nos inscritos entre 6 meses e 1 ano e atingindo o máximo - 17,19% - nos

inscritos há mais de 1 ano). É provável, assim, que haja mais desistentes na procura de

emprego quando o tempo de inscrição no CE se prolonga. Também não é evidente uma

relação estatisticamente significativa entre estratégias de procura de emprego e tempo

de inscrição no CE.

• Situação face ao emprego: predomina emprego remunerado inferior a 3 anos,

desemprego de média duração

A quase totalidade dos inquiridos já teve emprego remunerado e uma minoria de

4% é candidata a primeiro emprego. Predomina o desemprego de média duração (3/4

entre 6 meses e 1 ano), enquanto 20% são desempregados de longa duração. Além

disso, cerca de 40% de inquiridos repetem a situação de desemprego. Os mais jovens

(menos de 25 anos e 25-34 anos) e os mais escolarizados (nível superior) tendem para

desemprego há menos tempo. Viu-se que o tempo de duração do último emprego é, na

sua maioria (58,7%), inferior a 3 anos na empresa embora 11,4% experiencie o

desemprego, após mais de 30 anos no último emprego. O facto de as situações de

cessação do contrato incidirem na quase totalidade (90,9%) sobre casos de permanência

na empresa até 3 anos é indicador das tendências de precariedade na contratação.

Quanto aos motivos que levaram ao desemprego, a situação de cessação de contrato foi

o mais frequente (32,7%), seguido do encerramento da empresa (23,9%).

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342

• Conseguir o último emprego através de familiares e amigos

Redes sociais e familiares dos inquiridos tiveram importância fundamental na

concretização do emprego (47,3%), sobretudo entre os menos escolarizados. Outra

influência mais referenciada foi a candidatura directa a uma empresa, sobretudo para

desempregados com o 12º ano de escolaridade, seguindo-se resposta a anúncio,

sobretudo para licenciados. Apenas 1,1% conseguiu emprego através do CE. O facto de

quase metade dos inquiridos afirmar que conseguiu o último emprego através de

familiares e amigos mostra que família, relações pessoais e mercado de trabalho

convivem e os processos sociais de distribuição de posições na estrutura social são

regulados por estas instituições. São os mais escolarizados que obtêm emprego através

de anúncios num exercício de acesso ao mercado de trabalho mais distanciado das

relações familiares e sociais.

• Centralidade do trabalho e compromisso com o trabalho

Mais de metade da amostra inquirida atribui grande valor ao trabalho/emprego

por contraste com sua ausência (“ter um emprego qualquer é melhor do que não ter

nenhum”). São os menores de 25 anos e os maiores de 45 anos que mais concordam

com a afirmação. Além disso, os desempregados há mais de um ano aceitam qualquer

emprego sem reservas. Apesar de não existirem diferenças estatisticamente

significativas entre aqueles que consideram que qualquer emprego é melhor que

nenhum e os que afirmam o contrário, pode observar-se que quanto mais elevado o

nível de instrução, menor a disponibilidade para aceitar qualquer emprego. Os mais

escolarizados são, pois, mais exigentes quanto às condições para um emprego e

integração profissional. Quadros superiores da administração pública e dirigentes,

especialistas das profissões intelectuais e científicas (ao contrário do pessoal dos

serviços e vendedores) e indivíduos com uma atitude empreendedora (pensam criar o

seu próprio emprego dentro de 2 ou 3 anos) correspondem aos que menos ponderam

aceitar um emprego qualquer.

Além do claro propósito de compensação financeira, o emprego permite uma

actividade de participação colectiva e é alicerce de construção identitária com benefício

para a estabilidade psicológica do indivíduo e apoio ao equilíbrio familiar. Dados de

investigação na UE (Gallie e Paugam, 2000) mostram um mais forte compromisso com

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343

o trabalho por parte dos desempregados comparativamente a quem tem emprego. Parece

que é quando existe uma ruptura na continuidade da actividade profissional que os

indivíduos mais se apercebem dos benefícios que o emprego proporciona.

Analisadas as atitudes e valores em relação ao trabalho, viu-se a importância, em

geral, do trabalho para os desempregados, pese embora alguma menor motivação de

tipos específicos como o “desemprego reivindicado” e o “desemprego anulado”.

Note-se que, apesar do forte compromisso com o trabalho em geral, a grande

maioria dos inquiridos expressou que, ocorrendo oportunidade, mudaria de profissão.

Dá-se preferência sobretudo a áreas técnicas e especializações, seguindo-se áreas

administrativa, comercial e de serviços. Encontraram-se diferenças de género, idade e

nível de escolaridade.

Ocorre ainda forte dificuldade de adaptação ao desemprego para a maioria dos

inquiridos, sobretudo tratando-se do primeiro desemprego.

• Procura activa de emprego e motivação para o trabalho; o papel da rede social e

familiar

A maioria dos inquiridos (88%) encontra-se à procura de emprego. Dos outros

12%, quase metade estão desempregados entre 6 meses e um ano. Sobre as iniciativas

de procura de emprego nos últimos meses verifica-se que metade dos inquiridos recorre

a redes sociais e familiares. Ocorre pois a repetição de estratégias que funcionaram no

passado. A segunda estratégia é a resposta a anúncios, seguida da apresentação directa

de candidaturas a potenciais empregadores; 10,7% contactam com técnicos de emprego.

• Valores em relação ao trabalho: remuneração, trabalho estável e seguro

Os aspectos mais valorizados para aceitação de emprego são remuneração e trabalho

estável e seguro, que possibilitam satisfação das necessidades básicas e redução das

incertezas quanto ao futuro. Não obstante, comparando géneros, os homens valorizam

mais a “remuneração” e a “possibilidade de promoção e formação”; as mulheres dão

mais importância à “distância de casa” e ao “trabalho que ajude as pessoas”. Assim, os

homens revelam maior inflexibilidade quanto ao salário e qualificações e as mulheres

maior inflexibilidade quanto ao afastamento da residência.

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344

• Emprego preferencial a tempo inteiro

Quanto ao tempo ocupado com trabalho, a grande maioria dos inquiridos

valoriza mais o trabalho a tempo inteiro, tendência idêntica aos outros cidadãos em

Portugal, empregados e desempregados, talvez devido aos baixos salários. São as

mulheres e os jovens que mais optam por emprego a tempo parcial e trabalho ocasional.

• Expectativas optimistas de emprego na actualidade e dentro de 2 ou 3 anos

Considerem-se as perspectivas de emprego. Mais de metade dos inquiridos

revela pendor optimista, considerando “provável ou muito provável” conseguir emprego

na actualidade - estão desempregados há menos de 6 meses, são jovens e detentores do

3º ciclo ou ensino superior; uma elevada percentagem de inquiridos manifesta-se

também pessimista face ao reingresso no mercado de trabalho (“nada ou pouco

provável”), situação que tende a agravar-se com o prolongamento do desemprego,

sobretudo no caso do desemprego de longa duração (têm mais de 45 anos e reduzida

escolaridade). O optimismo tende a ser mais marcado quanto às expectativas de

emprego dentro de 2 ou 3 anos (72,9%) do que no curto prazo. De novo o optimismo é

dominado pelos mais jovens (até aos 34 anos). Estão aqui fortemente representados os

empreendedores (25 a 44 anos), o nível de educação superior e o desemprego há menos

de 6 meses. Os mais velhos tendem ao pessimismo, situação que se agrava com o

aumento da idade: entre 45 e 54 anos pensam que “dificilmente arranjarão emprego”; os

maiores de 55 anos afirmam “continuar sem arranjar nada”, no que são acompanhados

pelos menos escolarizados (1º ciclo) e que permanecem há mais de 6 meses no

desemprego.

• Dar ou não sentido positivo à relação com o tempo

Quase metade dos inquiridos dá sentido positivo à ocupação do tempo no

desemprego (“passei a ocupar o tempo de uma forma mais interessante”). Tal percepção

acompanha o estado psicológico positivo - são sobretudo os que têm estado psicológico

positivo que mais assinalam a ocupação interessante do tempo.

A maioria dos inquiridos consegue dar sentido à relação com o tempo

(discordam da afirmação “deixei de saber o que fazer com o tempo disponível”). Porém,

mais de um terço sentiu alguma perturbação ao referir não saber o que fazer com o

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tempo disponível. São os mais jovens (menos de 25 anos) que tendem a concordar com

esta afirmação.

• Ocupação do tempo no desemprego dominada pela família e actividades domésticas

Família e actividades domésticas foram um reinvestimento por parte da maioria

dos inquiridos, contribuindo, provavelmente, para fortalecer laços familiares,

acompanhar melhor os filhos e apoiar a qualidade de vida. São sobretudo as mulheres

que mais se ocupam das tarefas domésticas e dos filhos. Também amigos e lazeres

contam com mais tempo. Contudo, um quinto afirma gastar menos tempo em

actividades de lazer, o que poderá ligar-se a restrições económicas ou estado

psicológico. Os inquiridos estão com a mesma ou menor ocupação (mais de metade) em

trabalhos incertos.195 Quanto à rede social são os mais jovens (menos de 34 anos) e os

indivíduos do 2º ciclo que passam a dedicar muito mais tempo aos amigos.

• Lazer: o predomínio de actividades desportivas e culturais

Parte significativa dos desempregados dedica-se a actividades desportivas

(sobretudo os homens) e culturais. Arte, trabalhos manuais, artesanato e actividades

lúdicas têm aqui algum peso (sobretudo entre mulheres). São os mais jovens (menos de

25 anos) que mais se dedicam aos tempos livres. Os menos escolarizados tendem a

ocupar o mesmo ou nenhum tempo nessas actividades.

• Integração familiar e social do desemprego

Posta a hipótese de impacto do desemprego na desintegração familiar e social

conclui-se pela existência de integração familiar e social dos desempregados e reduzida

estigmatização na rede social de pertença. Os indicadores apontam para uma grande

maioria com as seguintes características: partilha a sua situação de desemprego com

familiares e amigos (embora 26,7% omita essa informação à sua rede social e afectiva;

tal pode sugerir um espaço de estigma social ou auto-marginalização para mais de um

quarto dos inquiridos); discorda da frase “passei a ser menos respeitado pela família e

amigos”; a quase generalidade dos inquiridos discorda da frase “pensam de mim que

sou um inútil”; não assinala uma vivência de discórdia familiar (embora 23% refira a

intensificação da conflitualidade familiar); não perdeu amigos. De referir a minoria de

195 Embora quase um terço afirme maior ocupação com os mesmos após o desemprego.

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346

12% que, acreditando receber menos respeito da família e amigos, demonstra maior

tendência em afirmar ter mais conflitos familiares, sentir isolamento, ter menos amigos

e declarar que os outros os consideram inúteis. Este sub-grupo de desempregados

poderá estar em risco de desintegração social, com reflexos no bem-estar psicológico.

• Vida saudável

Quanto à saúde, a grande maioria considera ter sido saudável toda a vida; os

mais velhos identificam-se menos com tal afirmação. Não é assinalada qualquer relação

entre início de actividade profissional e doença, nem alterações da saúde após o

desemprego. Os indivíduos acima de 45 anos manifestam mais doenças de ossos,

articulações, oftalmológicas, orgânicas, cardíacas e sanguíneas. Os mais jovens referem

mais doenças pulmonares, respiratórias, do foro psicológico e do sistema nervoso. Tais

diferenças são estatisticamente significativas.

• Estado psicológico ou subjectivo dominado pela insatisfação

Considere-se agora o estado psicológico no desemprego. Conclui-se que os

sentimentos dominantes nos inquiridos são de tipo negativo: insatisfação, resignação e

revolta. Curiosamente, procurar emprego corresponde a um estado psicológico negativo,

o que poderá indicar a dificuldade em lidar com o insucesso da procura. Note-se,

também, que as manifestações de desespero aumentam com o tempo de inscrição no

CE; insatisfação e resignação aumentam com o tempo de desemprego.

Quanto aos que revelam estado psicológico positivo com manifestações de

satisfação e entusiasmo apresentam as seguintes características: são candidatos a

primeiro emprego e desempregados há menos de 6 meses; conseguem poupanças no

agregado familiar; adaptam-se facilmente ao desemprego; passaram a usar o tempo de

forma mais interessante; têm uma visão optimista do futuro.

O estado subjectivo negativo é comum a pessimistas e optimistas quanto a

encontrar emprego. O sentimento de insatisfação com a vida é sentimento dominante

nos pessimistas e optimistas na procura de emprego, embora estes últimos revelem

menos negativismo. Os pessimistas respondem, maioritariamente, estar sem vontade

para nada, resignados, insatisfeitos com a vida, revoltados e desesperados.

Page 361: Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do … · 2018-12-04 · i Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

347

A análise descritiva revela que os sentimentos têm pendor mais negativo à

medida que a situação económica se agrava: os que conseguem fazer poupanças sentem-

se predominantemente satisfeitos; os que gastam todo o dinheiro encontram-se

resignados; os que prescindem de bens encontram-se revoltados; os que necessitam de

ajuda ou endividamento encontram-se desesperados.

Quanto à ocupação do tempo, os indivíduos que não sabem o que fazer com o

tempo disponível têm predisposição psicológica negativa. Os desesperados, na sua

maioria, não sabem o que fazer com o tempo disponível. Por contraste, os

entusiasmados revelam capacidade para ocupar o tempo no desemprego.

• Relação com o futuro divide-se entre optimismo e pessimismo; há confiança manifesta

no futuro dos filhos

Os inquiridos manifestam-se divididos quanto às perspectivas de futuro, embora

predomine o optimismo. Foi detectado que o pessimismo quanto ao futuro acompanha o

estado psicológico negativo. A grande maioria sente-se confiante em relação ao futuro

dos filhos.

• Papel social de desempregado e relação com o dispositivo público de emprego (CE)

Vimos que a visita inicial ao CE representa o primeiro passo de reconhecimento

do desemprego, ou seja, do papel social de desempregado. É a partir desse momento

que o estatuto social de desempregado se aplica a cada sujeito, com repercussões nas

responsabilidades (deveres e direitos) definidas. O apoio do CE é visto com sentido

crítico, pelo controlo dos subsidiados, falta de empregos disponíveis e de apoio na

orientação das vidas profissionais, sobretudo pelos mais qualificados.

Foram propostos 5 tipos ideais de vivência do papel social de desempregado:

“desemprego distanciado”, “desemprego negociado”, “desemprego adaptado”/

“interiorizado”, “desemprego reivindicado” e “desemprego anulado”. Os tipos ideais

variam em função de dados objectivos, atitude dependente do Estado, motivação para o

trabalho e estratégia dominante na relação com o CE. Os tipos ideais não constituem

necessariamente fases para todos os desempregados, embora possam ser etapas de um

processo de desqualificação social.

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Aqueles que partilham a vivência do “desemprego distanciado” caracterizam-se

por recusa da dependência relativamente ao Estado (em contraste com “desemprego

reivindicado”) e aos técnicos, pelo desejo de regressar rapidamente a uma actividade

profissional garantida que proporcione segurança financeira e reconhecimento social.

Recusam degradar a sua identidade, inflexíveis em não aceitar uma actividade

profissional abaixo das suas qualificações e com baixos salários. A motivação para o

emprego ou para a criação de um negócio é forte, concretizando-se em acções de

procura de emprego ou em múltiplas actividades de trabalho informal e/ou formação.

Desse modo, evitam perda de competências. Encaram negativamente os contactos com

o CE, visto como estrutura inútil perante as suas necessidades e experimentam

desconforto ao participar em actividades com outros desempregados menos

qualificados. A tendência é para idades inferiores a 47 anos e subsídio acima dos 999

euros. As estratégias de acção e relação dominantes são várias como a distanciação,

negação e afirmação.

O “desemprego negociado” aceita a dependência económica e institucional em

relação ao Estado com vista a aproveitar de medidas de emprego ou de formação

profissional do IEFP. Jovens com pouca ou nenhuma experiência de trabalho,

desempregados subsidiados com idades inferiores a 45 anos integram este grupo.

Aspiram a melhorar qualificações e a obter estatuto social mais digno ligado ao

emprego. Nas estratégias predomina alguma distanciação (a fim de evitar a experiência

da desqualificação social) e cooperação com os técnicos (para acesso a oportunidades

negociadas institucionalmente). Sentem desconforto e irritação com os serviços do CE

quando não conseguem respostas prontas, pois se prolonga a situação desejada

provisória. Desistem quando os processos de ingresso em formação demoram e tomam

outras opções para ingresso na vida activa.

Viver o “desemprego adaptado”/“interiorizado” implica aprender a

desqualificação social marcada pelo prolongamento do desemprego. Instala-se a crise de

identidade, embora se tente que a inferioridade social seja temporária, desenvolvendo

actividades e mantendo uma “fachada limitativa” do insucesso. Membros da “cultura do

trabalho”, só a podem aplicar na vida privada. Por impossibilidade de regresso ao

mercado do trabalho a motivação forte pode enfraquecer. Domina a resignação e

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manifesta-se dependência e submissão ao Estado e técnicos do CE. A dependência

económica do Estado é acompanhada por dependência psicossocial. Encontram-se nesta

situação desempregados com muitos anos de experiência profissional, subsidiados, com

baixas ou altas qualificações e sem hipóteses de regresso ao mercado de trabalho.

Vivem uns o desemprego de forma mais positiva (“desemprego adaptado”) e outros de

forma mais negativa (“desemprego interiorizado”) consoante as perspectivas de

transição para a reforma, ocupação do tempo em actividades alternativas gratificantes e

grau de aceitação e integração familiar. Os que vivem o “desemprego adaptado” tendem

a encarar o subsídio de desemprego e o estatuto de desempregado como transição para a

reforma. No “desemprego interiorizado” domina a interiorização do desemprego como

forma de perda de identidade e, em geral, é aceite a cooperação com os técnicos do

Estado para todas as actividades solicitadas. Daí que as estratégias dominantes sejam

interiorização, adaptação e cooperação.

Os níveis de dependência referidos anteriormente agravam-se no “desemprego

reivindicado”. Ocorre então a reivindicação do estatuto de desempregado mesmo sem

subsídio. Enquadram-se neste tipo ideal os imigrantes e os candidatos nacionais ao RSI.

Uns e outros encaram o RSI como apoio financeiro que reivindicam. O RSI representa,

também, num processo de desqualificação social, o último elo na relação com o Estado.

As estratégias dominantes na relação com os técnicos do CE são de reivindicação e

sedução para conseguirem o estatuto desejado mesmo sem disponibilidade, interesse ou

condições imediatas para emprego. Fazem por apreender e compreender o

funcionamento dos serviços de emprego e da Segurança Social e alguns beneficiários

estrangeiros tornam-se mediadores/angariadores informais no apoio a outros candidatos

estrangeiros a RSI. Alguns ensaiam trabalhos pontuais e praticam com frequência

actividades diversas à margem do mercado de trabalho.

O “desemprego anulado” corresponde à experiência de jovens candidatos a

primeiro emprego ou com reduzida experiência profissional e sem identidade social

definida pelo trabalho. Aqui se incluem também qualificados (com ou sem apoios

sociais) que buscam modos de vida alternativos a curto ou médio prazo, nomeadamente

parte dos que querem criar o seu próprio negócio. Para todos eles o trabalho assalariado

é secundário. Não vivenciam qualquer inferioridade social e, na maior parte dos casos,

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não estão dependentes do Estado. Em geral, têm forte integração sócio-familiar e redes

sociais independentes do emprego. Os mais jovens contam com significativo apoio

familiar. Em geral, não têm dificuldades económicas. A situação é de negação do

estatuto de desempregado, pelo que este é anulado em prol de estatutos alternativos

como o de estudante, actor, músico, pintor, empresário, etc.. Na falta de identificação

com a ideia de emprego, a estratégia é de distanciação em relação ao CE.

A análise das entrevistas, grupos de encontro (focus groups) e histórias de vida

permitiu aprofundar resultados obtidos no inquérito no que respeita à ocupação do

tempo, estados psicológicos e estratégias de procura de emprego e de satisfação pessoal.

Façam-se pois algumas considerações a este propósito.

• Organização do tempo

Um dos pilares centrais no processo de desemprego é a organização e ocupação

do tempo, seja para sobrevivência e reprodução social, retorno ao emprego ou

construção ou reconstrução identitárias. Vimos que no desemprego se perdem variáveis

organizacionais de gestão do tempo, embora apareçam outros marcadores, como as

obrigações para com o Estado ou se reforcem os deveres para com a família. Os

desempregados criam marcações temporais de actividade para que muito concorrem os

ritmos e necessidades da família. Também se retomam ou prosseguem hábitos de

desporto, cultura e trabalho que introduzem referências na orientação do tempo e na

normalidade da vida social. A marcação diária, separando globalmente tempo de

trabalho e tempo livre, fica perturbada sobremaneira e os desempregados necessitam de

definir objectivos muitas vezes diários (“o que é que eu vou fazer amanhã”) para se

sentirem activos e socialmente úteis ou, talvez, menos inúteis. Lembre-se que a maioria

dos desempregados considera muito difícil a adaptação ao desemprego. Contudo, não

vive passivamente sem quaisquer actividades: ocupa-se da economia doméstica e

familiar, de actividades de lazer e de trabalhos informais. Os desempregados

desenvolvem então estratégias em três vias: sobreviver assegurando a reprodução social,

regressar ao mercado de trabalho e manter ou transformar a identidade profissional.

A análise da organização do tempo de homens e mulheres permitiu identificar

diferenças entre aqueles que ainda pretendem regressar ao mercado de trabalho e

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procuram emprego e aqueles que não acreditam na possibilidade de aí voltar ou que,

ocupados com funções maternais, desistiram de procurar.

Os trabalhos informais são poucos frequentes entre os entrevistados. Porém,

quando tais trabalhos existem, os desempregados tentam conseguir algum rendimento

financeiro ou em espécie e ocupar o tempo, conferindo-lhe um sentido positivo e

viabilizando o exercício de uma vocação profissional que se desqualifica se não é

exercida (sobretudo para os mais qualificados). Assim, a tentativa de aceitar trabalhos

informais, nomeadamente na mesma profissão, ajuda a não perder qualificações e a

manter ou activar contactos interpessoais no mercado de trabalho e na rede afectiva.

No caso das profissões altamente qualificadas e com horários pouco rígidos e

extensos, os entrevistados revelam a sensação de um tempo antes vivido até ao limite;

um tempo ocupado em actividades geradoras de motivação ou com objectivos claros e

metas definidas (exemplo, o fecho da impressão do jornal). O tempo pode, assim,

percepcionar-se como espaço; tempo-espaço a ser ocupado. Rentabilização,

produtividade e resultados são geradores de sentido temporal. No desemprego são,

sobretudo, as actividades de substituição por via das responsabilidades familiares ou do

trabalho informal que permitem ligação ao tempo dos outros, entrada no tempo dos

outros e sentimento integrante.

A maioria dos homens de todos os escalões etários optam por criar rotinas que

lhes permitem sair de casa. Não só, para alguns, porque a casa é o espaço tradicional

feminino, mas por motivos de isolamento e de busca seja do convívio social, seja de

emprego. As mulheres, mesmo as mais jovens tendem a permanecer mais tempo em

casa e a manter um sentido social pelo cuidar da casa, dos filhos ou dos pais idosos.

Mesmo assim, assinalam também o sentimento de algum esvaziamento temporal

socialmente significativo, bem como a falta não só de remuneração (que o subsídio de

desemprego não substitui na totalidade), mas de uma ocupação socialmente útil por via

do trabalho remunerado.

Quando já está definida a situação de desemprego e o futuro se constrange num

adiamento (onde a tensão emocional no quotidiano da vida organizacional acompanha

as negociações colectivas na empresa), entrar no desemprego pode ser vivido com

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alívio, sobretudo para os mais jovens que equacionam outros projectos de vida. O tempo

de desemprego pode ainda ser usado como tempo de estudo e mudança de rumo.

Ao usar uma metodologia mista para analisar a organização do tempo, foi

possível tornar visíveis ritmos no desemprego de homens e mulheres de diversas idades,

níveis de instrução, situação familiar, tempo no desemprego e experiências

profissionais.

No caso dos desempregados estudados, parece ter havido uma forte

interiorização do tempo organizacional, que surge em listas de organização do tempo

em função das horas e dos minutos, listas por vezes exaustivas, onde se destacam as

mulheres. De facto, a evidência é, para a maioria, de esquemas metódicos e com a

marcação de horários rigorosos, na apresentação das actividades diárias. Outra hipótese

é de que se esteja perante uma forma de apresentar com valor o tempo de desemprego,

muitas vezes percepcionado como tempo vazio e sem as balizas que o emprego

introduz. Assim, o tempo feminino emergente dos diferentes esquemas de ocupação

diária é um tempo denso, recheado de actividades, muitas delas já presentes quando

existia emprego e que se tornaram dominantes no espaço diário do desemprego. É o

caso do cuidar dos filhos, das actividades domésticas ou da horta para as mulheres e dos

trabalhos nas hortas, da pesca ou de obras em casa para os homens.

É nítida a diferença entre grande parte das listas temporais de mulheres e

homens quanto à forma: elas fazem listas mais extensas; eles são mais sintéticos, como

se o seu tempo fosse mais vazio.

O relevo do tempo na vida de mulheres e homens desempregados reflecte, para

muitos, um tempo mais maleável e mais controlável do que quando trabalhavam.

Todavia, a forma esquemática e orientada por horas e minutos como descrevem a sua

ocupação mostra a influência do “tempo organizacional”, como estratégia que pode

conferir mais sentido e valor ao tempo de não emprego.

Ao contrário do que poderia pensar-se, o tempo dos desempregados não é

objectivamente tempo vazio mas tempo ocupado em múltiplas actividades, sendo que

parte delas já existiam secundariamente. Tal não invalida que, do ponto de vista

subjectivo, possa haver também a noção de tempo vazio que é necessário preencher e a

que é urgente dar sentido. Como se analisou, os desempregados tentam incutir um

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padrão de racionalidade à ocupação e gestão do tempo com uma preocupação, por parte

de muitos, na medição do tempo físico em horas e minutos que lembra o tempo da

fábrica, da oficina ou do escritório. Porém, a ocupação do tempo apresenta

características de mais monotonia e menos diversidade após o desemprego.

Da análise efectuada pode concluir-se que a idade constitui o grande factor

distintivo entre aqueles que ainda ocupam o tempo a procurar emprego e os que já não o

fazem. São os mais jovens, com menos de 45 anos ou até aos 50 anos, que mais tendem

a manter a disposição de insistir na procura de emprego. De facto, os mais velhos e

muitos dos que se encontram desempregados há vários meses perderam a esperança de

conseguir novo emprego e desistiram da ou aliviaram muito a procura196.

Além disso e em geral, os desempregados entrevistados tendem a acordar mais

tarde do que quando desempenhavam uma actividade profissional. Todavia, o acordar

matinal e rotineiro mantém-se para aqueles, ou sobretudo aquelas, que marcam o ritmo

diário em função da vida escolar dos filhos. As mães têm em comum o facto de

pautarem as vidas diárias pelas necessidades da prole. Em geral, sempre que há filhos

em idade escolar, o dia das mulheres começa mais cedo do que para quem os não tem,

excepto se vivem em meio rural com hábitos de tarefas agrícolas. Acresce que as mães

com crianças não inscritas em creche ou jardim-de-infância tendem a não procurar

emprego de forma intensiva. Assim, muitas mulheres casadas ficam acomodadas a

cuidar das crianças, como alguém, ainda que limitada em recursos financeiros, que se

confina a uma prisão afectiva gratificante. O material das entrevistas evidencia padrões

temporais comuns às vidas de mulheres operárias mas com variações em função da

idade.

Apesar de o Estado e de uma multiplicidade de associações no âmbito da

economia solidária oferecerem uma estrutura de creches, jardins de infância e lares de

idosos, muitas mulheres casadas, influenciadas pela tradição ou limitadas pela falta de

recursos financeiros ou por carência de estruturas na sua área de residência, preferem

assumir a responsabilidade desses cuidados. Assim, evitam também um acréscimo das

196 Também as mulheres com crianças tendem à desistência, embora temporariamente, na procura de

emprego.

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despesas. Além disso e mesmo quando apoiadas por tais estruturas, não desaparecem os

laços multi-geracionais entre mulheres, como dar apoio a pais idosos ou netos.

No global, as mulheres comungam da realização de actividades no tempo social

familiar e doméstico com a execução de tarefas (arrumar a casa, preparar refeições,

lavar a loiça, passar a ferro, etc.). A descrição destas actividades é assinalada pelas

mulheres das classes operárias e burocráticas como acções que preenchem os seus dias;

não são porém destacadas pelas mulheres de profissões técnicas, intelectuais e

científicas197.

A partir dos cinquenta anos surgem mais casos de mulheres desempregadas que

assumem outro papel de apoio familiar. Trata-se da necessidade de tomar conta de mães

ou pais idosos, situação relevante na economia doméstica, quer os pais partilhem ou não

do mesmo agregado doméstico.

Em geral, são poucos os homens que dedicam o seu tempo a actividades

domésticas, embora passem mais tempo em casa e dêem mais apoio a filhos ou netos.

De facto e comparativamente às mulheres, os homens estão menos presentes no tempo

familiar e no tempo doméstico: menos centrados e ocupados em casa e muito menos em

actividades domésticas, ainda que alguns afirmem “dar uma ajuda” ou cozinhar. Para

muitos, se a casa é objecto de trabalho é-o enquanto estrutura a melhorar (pinturas,

pequenos arranjos ou grandes obras), sublinhando alguns relatos, o contributo deste

trabalho para a economia familiar. Os homens não são “muito caseiros”, mesmo quando

não se afastam da área da residência. O café é referido como espaço convivial por

excelência, onde se pode ler o jornal, nomeadamente anúncios de emprego, sem gastar

dinheiro, sobretudo em Cascais e Sintra. As mulheres, quando vão ao café, fazem-no

para consumo pontual, regressando às tarefas domésticas, familiares ou outras.

A análise assinala a existência de padrões diários. O tempo das refeições ou o

café são exemplos de rotina. As famílias têm o hábito de comer pelo menos uma

refeição em conjunto, o jantar. Se ocorre mais alguma refeição, isso significa que os

elementos da família não se afastam demasiado do agregado doméstico. As refeições

têm um significado universal simbólico de partilha, “solidariedade” ou amizade. A ida

197 Estes dados confirmam os resultados do inquérito por questionário onde se concluía que são as mulheres que mais se ocupam das tarefas domésticas e dos filhos.

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ao café é também uma circunstância com forte valor de sociabilidade no caso dos

homens.

Se alguns dos entrevistados mais novos beneficiam de ajuda familiar,198 muitos

dos menos jovens são também apoio a netos, filhos, cônjuge e pais idosos, como

assinalam. Acresce que o tempo familiar é conjugado sobretudo no feminino. São as

mulheres que dinamizam os contactos familiares e mais se envolvem no cuidar de

filhos, netos e pais idosos.

Os dados obtidos permitem confirmar a regularidade de visitas familiares

concretizadas pelos desempregados, com papel de destaque para a dinamização de

contactos sociais e familiares pelas mulheres. Além disso, as narrativas biográficas

corroboram a expressiva acessibilidade geográfica entre familiares, bem como uma

notável sociabilidade já antes assinalada no inquérito.

Assim, um outro padrão diário relevante são as visitas entre familiares,

particularmente entre mães e filhas. Straw e Elliot (1986) consideram também este facto

proeminente entre comunidades operárias da Escócia, porque mães e filhas permanecem

durante a maior parte da vida bastante próximas e recorrem menos ao apoio formal das

instituições. Como se referiu, o dia-a-dia de algumas mulheres não se confina aos

lugares onde dormem, mas divide-se entre dois ou mais alojamentos (sobretudo a casa

das mães), onde passam parte regular do tempo, tal como Young e Willmott (1965)

concluíram há décadas. Além disso, mesmo que a família e os amigos não estejam

presentes fisicamente, é possível manter o contacto por telefone ou internet. Em suma, a

vida social em família parece ganhar com o tempo de não emprego, desempenhando as

mulheres um forte papel dinamizador.

O contacto com os CE ou outras instituições públicas ou privadas está presente

durante o desemprego, mas os dados sugerem pouca extensão de tempo com as

deslocações, muito especialmente no desempregado de longa duração. De facto, é

notório que a organização temporal dos desempregados raramente inclui a deslocação

regular ao CE, o que indica que as actividades e procedimentos no âmbito deste

contacto institucional não se integram num padrão regular diário (nem semanal). Não 198 Recorde-se que 30% dos inquiridos no inquérito por questionário beneficiam de ajuda familiar: 53,4% da ajuda é de carácter financeiro, 21,9% em alojamento, 12,3% ajuda no cuidar de filhos e 11% em alimentação.

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obstante, alguns marcos temporais do Estado surgem por via do CE; mas também por

via da escola ou de jardins-de-infância, por exemplo, ou do trabalho do cônjuge. Para

muitas mães, não é fácil proceder à “estratificação do tempo” (Lewis e Weigert, 1981)

numa ordem hierárquica e usual. Por vezes ou até muitas vezes quando há crianças, o

“tempo familiar” tem precedência sobre o “tempo organizacional” a que o Estado para

deslocações ao CE ficando as exigências externas e formais do dispositivo público de

emprego abaixo das obrigações domésticas e familiares (por exemplo: “chamaram-me

mas não pude ir porque não tinha onde deixar a minha filha” ou ainda “porque tinha o

meu filho doente”) ou paridade (“fui mas levei o meu filho”).

Quanto aos grupos etários, é notório que os mais jovens (de ambos os sexos e

solteiros) investem na procura de emprego e tendem a dedicar-se a outras actividades

fora de casa, nomeadamente saídas e contactos com amigos. Quando permanecem em

casa, uma das suas acções dominantes é a internet e, em alguns casos, estudar ou

procurar emprego. Ao olhar para o padrão de homens e mulheres mais jovens, o que

mais os distingue na ocupação do tempo é o facto de serem ou não casados, de terem ou

não terem filhos. De facto, encontram-se mulheres já casadas e com crianças aos quais

se dedicam e rapazes que permanecem solteiros em casa dos pais e não realizam tarefas

domésticas em contraste às raparigas.

Os homens com mais de 30 e até 45 anos não deixam de apoiar os filhos,

sobretudo no âmbito escolar. Alguns também preparam refeições. Para as mulheres do

mesmo grupo etário, acrescem outras actividades no tempo familiar, como visitar e

apoiar as mães e cuidar de sobrinhos. Contudo, no que respeita à procura de emprego,

encontram-se diferenças nas mulheres em função do grau de escolaridade: as mais

escolarizadas tendem a maior empenho na procura de emprego.

Entre as mulheres surgem ainda algumas balizas do tempo geracional como a

organização do baptismo ou do casamento dos filhos e a preparação do funeral de algum

dos pais, o que constitui sinal distintivo em relação aos homens.

As actividades de tempos livres estão presentes na vida de muitos

desempregados como acções que já vinham do tempo de emprego ou como actividades

gratificantes para as quais não havia tempo. É o caso de ginástica, desporto, pesca,

pequena agricultura, lavores, escultura e pintura, por exemplo. Quando se trata de

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prática de continuidade, a experiência é de um aumento do tempo comparativamente a

quando havia emprego. Comparando homens e mulheres, pode notar-se que a ocupação

dos tempos livres tende a apresentar maior variedade de actividades para as mulheres do

que para os homens no seu conjunto. Além disso, no caso das mulheres, as ocupações

de lazer parecem acompanhar uma diferenciação social em função da maior ou menor

escolaridade199. Dedicar-se ao restauro, pintura e fotografia artísticas, produção de

cinema ou hipismo são actividades de ócio de mulheres licenciadas até aos 45 anos, por

contraste com ver telenovelas, fazer actividade física ou crochet para as mulheres de

escolaridade mais baixa. Ver T.V. é actividade comum a todos.

Um aspecto relevante a considerar respeita ao efeito da duração do desemprego

na ocupação do tempo. Quando analisada a ocupação do tempo, ao longo dos períodos

de desemprego de cada desempregado, emergem frequentemente diferenças na

estruturação das actividades bem como na percepção temporal. Embora para as

mulheres pouco qualificadas e com filhos a cargo ou para as mais idosas pareça mais

fácil a adaptação e ocupação do tempo no desemprego, para os homens desempregados

e para as mulheres ou mais qualificadas ou em outra fase do ciclo de vida doméstico não

só a ocupação do tempo pode variar ao longo do desemprego, como também os sentidos

dados ao tempo no desemprego200.

Por fim, assinalem-se duas notas a partir da pesquisa micro-sociológica. Uma diz

respeito à economia doméstica que, para alguns, parece beneficiar um pouco do fim do

tempo de emprego. Ganhos não contabilizados na produção doméstica podem equilibrar

os rendimentos familiares, embora, neste caso, seja muito escasso o número dos que

referem dedicar o tempo a trabalho não declarado ou a biscates. Todavia, não será de

descurar o impacto favorável de algumas actividades de âmbito familiar e doméstico ou

até de lazer na economia doméstica (cuidar dos filhos e dos pais, tratar da horta ou da

pequena agricultura e dos animais, ir à pesca, fazer obras em casa e a casa do filho).

Para Burda e Hammermesh (2010) e Gimenez-Nadal et al. (2010-2012), a propósito de

outros contextos, os custos sociais das flutuações do desemprego poderão ser menores

199 Provavelmente um indicador do meio socioeconómico de pertença. 200 De notar que as listas temporais desta investigação têm uma datação precisa, pelo que não é possível transmitir e acompanhar para cada caso uma leitura longitudinal da ocupação do tempo dos desempregados, à excepção de 2 casos.

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do que os esperados, pelo que este item deveria merecer a atenção da ciência

económica.

O outro aspecto a considerar respeita à ocorrência de algumas diferenças na

ocupação do tempo em função da localização geográfica dos desempregados. Muitos

dos homens e mulheres que vivem na periferia de Sintra partilham uma ecologia rural

que se manifesta na ocupação do tempo em tarefas ligadas ao campo, situação que não

ocorre em Lisboa, Cascais ou em subúrbios, como Rio de Mouro, Mem Martins; alguns

dos homens residentes na área de Cascais ou na proximidade das praias de Sintra

dedicam-se à pesca.

Em suma, pode esclarecer-se que o desemprego tem impacto na organização e

na ocupação do tempo dos desempregados, modificando rotinas, ritmos e sentidos do

trabalho. O tempo de emprego perdido pelos desempregados é transformado em tempo

para família, cuidados da casa, lazer e produção doméstica. Também foram encontradas

diferenças na organização do tempo entre géneros, em diversos grupos etários e de

escolaridade no desemprego. Avultam papéis sociais distintivos entre homens e

mulheres e responsabilidades femininas e masculinas de onde poderá derivar, para

ambos os géneros, segurança, identidade e poder nas formas de apropriação e ocupação

do tempo sem emprego.

• Estratégias de procura de emprego

A análise da organização do tempo permitiu identificar estratégias de

estruturação da vida e de ocupação do tempo. Considere-se agora a conquista de

emprego e satisfação pessoal. As estratégias de procura de emprego são diversas e

implicam diligências como realizar contactos, comparecer em entrevistas,

compatibilizar trabalho e família, melhorar qualificação e oportunidades no mercado de

trabalho, emigrar, fazer trabalho informal, criar o próprio emprego, aceitar ou não

trabalho ilegal, transitar para a reforma. Trabalho informal (por exemplo, em hortas e

com animais) é fonte de gratificação e de rendimento em espécie mais do que

estratégias de regresso ao mercado; já o trabalho informal ligado ao mercado, como os

casos de A.G. e A. com fotografia, é tentativa de manter actividade na área profissional,

actualizar competências e contactos.

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Os desempregados encontram-se presos num paradoxo (double bind) - o sistema

social e institucional pretende que, independentemente da idade e das habilitações,

comecem a trabalhar, de modo a evitar a dependência económica do subsídio; porém, o

mercado de emprego persiste na sua rejeição. Restam formação e estágios profissionais

como esforço para integração nas estruturas de emprego e programas ocupacionais

enquanto estratégias de ocupação do tempo. A ligação entre presente e futuro

enfraquece com o trabalho instável e mal remunerado, sem protecção social. Os

desempregados entrevistados raramente passam de um “eu” (individual) para um “nós”

(colectivo).

• Fases e reacções ao desemprego

Analisadas as reacções ao desemprego com abordagem qualitativa,

identificámos fases no processo de quebra psicológica dos desempregados, desde uma

primeira de choque (não necessariamente para todos) até ao fatalismo, última fase de

adaptação ao estatuto de desempregado, quando o desemprego persiste demoradamente.

Aí se incluem ainda o optimismo e pessimismo. Vários factores combinados de formas

múltiplas condicionam as reacções ao desemprego: situação financeira; actividades de

substituição do emprego; integração e apoio familiar; redes sociais independentes do

trabalho; importância dada ao trabalho. Considerando as reacções como processo foi

possível encontrar dinâmicas na transição entre fases, ao contrário de uma perspectiva

estática. Registem-se algumas notas.

O choque corresponde a uma fase de curta duração e varia em função de vários

factores, nomeadamente da actividade do indivíduo. Nos casos estudados, a fase de

choque não excedeu um mês de desemprego. Quando as experiências de emprego se

prolongam, o choque tende a ocorrer ainda durante o último período de trabalho por

causa dos requisitos legais. “Choque” é vivência comum a vários grupos sociais e para

lá da situação de evento inesperado, relaciona-se com as seguintes características: forte

motivação para trabalhar e ligação à actividade profissional; trabalho definidor de

estatuto e identidade sociais; sentimento de segurança e identificação com a empresa;

desemprego como primeira experiência de vida. Após o choque emocional podem

acontecer outras vivências emocionais. Nem sempre surgem entusiasmo e satisfação,

mesmo que se inicie a procura de emprego.

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Consideram-se seis formas no sentimento do “pessimismo”: vergonha/estigma,

revolta, insatisfação, resignação, apatia e desespero e que são normalmente

interrompidas por uma fase intermédia de optimismo.

“Vergonha” resulta da preocupação com a reputação por não se ter emprego.

Tende a ocorrer após o choque. Trata-se de um sentimento mais comum entre homens

de origem rural e que fazem parte das “culturas do trabalho”. Porém, o estigma

acompanha muitos quadros técnicos e superiores com forte sentido de identidade,

inesperadamente desempregados.

A revolta é fase de curta duração e ocorre nos primeiros tempos de desemprego.

Predomina o sentimento de injustiça e é comum entre adultos desempregados. Evolui

favoravelmente para outros estados psicológicos como o optimismo - quando se

encontrem respostas em termos de apoio financeiro, sócio-familiar ou formação - ou

evoluir negativamente. A evolução no sentido positivo pode melhorar o estado

emocional e permitir uma fase esperançosa quanto às hipóteses de emprego ou

adaptação a um modo de vida no desemprego. Negativamente, pode agravar-se o

sentimento de degradação moral, na ausência de acontecimentos que ajudem a melhorar

a vida profissional. As manifestações de revolta ocorrem, predominantemente, logo

após o desemprego ou quando se esgota a esperança em relação a novo emprego e à

resposta eficaz das instituições, nomeadamente do dispositivo público de emprego e da

Segurança Social.

O optimismo é assinalado pela atitude de auto-confiança e contentamento que se

manifesta no esforço sistemático e intensivo para encontrar emprego. Emerge e tem

duração variável em função de diversos factores (segurança económica, reacções

positivas do mercado de trabalho, apoio familiar e actividades de substituição). Por

vezes, para estes indicadores positivos contribuem factores externos e de natureza

afectiva como nascimento de um filho e apoio familiar, mas também a consciência de

recursos pessoais e relacionais no concurso ao mercado de trabalho ou mudança de vida.

Sentir o desemprego como temporário é comum aos mais jovens e aos mais

escolarizados, o que reforça o optimismo. São tendências dos optimistas procurar

emprego activamente, empenhar-se na criação do próprio emprego ou investir em

formação e percursos de qualificação alternativos. A esperança domina. Em geral, não

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há dificuldades económicas, conta-se com apoio familiar, boa integração na família e na

sociedade. A valorização do trabalho assalariado pode ir de muito a pouco ou nada. Os

indivíduos incluídos no “desemprego distanciado”, “desemprego negociado” e

“desemprego anulado” tendem a reagir de forma optimista ao desemprego.

A ilusão de “estar de férias” corresponde a fase breve e pouco frequente que se

liga tanto a um estado psicológico positivo como a um estado negativo. “Estar de férias”

corresponde a uma encenação, provisória de continuidade da vida profissional. É vivida

quando há subsídio de desemprego, sobretudo por quadros superiores de posição social

diferenciada, com forte sentido identitário e sentimento de injustiça pelo desemprego.

Também aqui se incluem algumas mulheres casadas, licenciadas, sem dificuldades

económicas e com crianças a cargo.

Entusiasmo e satisfação são manifestações próprias de pessoas auto-confiantes e

dinâmicas, com subsídio, sobretudo jovens e quadros superiores, que apresentam,

intensamente, candidaturas de emprego ou investem em projectos de vida alternativos

(mudança de profissão, criação de um negócio). Experimentam satisfação e entusiasmo

porque confiam numa oportunidade. O sentimento de satisfação e até de entusiasmo

resulta por vezes da combinação com outros eventos. Há ainda os que esperam transitar

do desemprego para a reforma. Entusiasmo e satisfação ocorrem, sobretudo, nos

primeiros seis meses de desemprego.

Pode encontrar-se uma sub-fase no optimismo que se designou “desemprego

libertação”. Compreende situações em menor percentagem: o desemprego é vivido,

após alguma surpresa e tensão inicial, com alívio, descontracção e libertação. Os

entrevistados são, em geral, pessoas ainda jovens, sem filhos nem responsabilidades

familiares que irão auferir subsídio. Partilham fraca motivação e ligação à actividade

profissional e, muito frequentemente, o desejo de mudar de profissão.

Insatisfação é a fase psicológica mais frequente, manifestada por muitos

entrevistados adultos com experiência profissional e que não conseguem emprego,

formação, criação de negócio nem outras respostas às necessidades, nomeadamente

materiais. Pode ser ou não antecedida das fases de choque e de revolta. Os insatisfeitos

repartem-se pelos diferentes tipos de desemprego (distanciado, negociado, adaptado,

interiorizado e reivindicado), excepto o desemprego anulado. Insatisfação não

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corresponde necessariamente a um estado de derrota mas a descontentamento que pode

levar à acção. Não é difícil encontrar pessoas insatisfeitas no conjunto dos entrevistados

e inquiridos. Aumento de insatisfação e aumento do tempo no desemprego andam a par.

O refinamento da insatisfação configura: fatalismo; impossibilidade de mudança e

adaptação ao desemprego como modo de vida nos seus diferentes rostos: resignação,

apatia e desespero.

A resignação abrange parte significativa de desempregados com mais de 45 anos

sem hipóteses de emprego. Já procuraram muito sem resultado. Podem incluir-se em

qualquer tipo de desemprego, à excepção do “desemprego anulado”. Conformados,

mostram grande resistência ao sofrimento e tentam manter actividades que lhes ocupem

os dias. Ocorre a adaptação a um modo de vida no desemprego, possível quando

asseguradas as necessidades de sobrevivência, apoio e integração familiar.

Apatia é sentimento mais raro e só aparece num pequeno número de

entrevistados, normalmente adultos com muita experiência que valorizam bastante o

trabalho e vivem a frustração de não conseguir emprego. Os apáticos vivem a

indiferença e o aniquilamento da vontade. Desmotivados, não procuram emprego e

desinvestem de formas alternativas de ocupação do tempo. Este estado pode surgir em

sequência de qualquer fase anterior. Os apáticos integram os tipos de desemprego

adaptado/ interiorizado e reivindicado, sobretudo quando o desemprego é prolongado e

a esperança se desvanece. Não surgindo acontecimentos favoráveis a emprego,

ocupação do tempo ou obtenção de rendimentos que possam melhorar o estado

psicológico, mantém-se a tendência de apatia ou até pode surgir passagem ao desespero.

O sentimento de ameaça à própria identidade pela perda prolongada do estatuto

associado ao trabalho e a incapacidade para prover a si próprio e à família podem levar

ao desespero e à depressão. Esta fase caracteriza-se pela desorganização e crise como

resultado do sentimento de desesperança e abandono social a par da inactividade.

O fatalismo de Harrison, corresponde à última fase de reacção ao desemprego e,

em nosso entender, tem características idêntica à resignação. Trata-se da adaptação ao

estatuto de desempregado com aceitação de um modo de vida alternativo. O fatalismo

não apresenta apenas características de passividade mas contornos activos na

estruturação do tempo sem emprego e na organização de novos modos de vida.

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Uma nota final quanto às estratégias pessoais de estruturação de vida no

desemprego e para regressar ao mercado laboral. Os resultados permitem concluir por

uma multiplicidade de situações de desemprego, onde predomina a tendência de

reprodução de estratégias que funcionaram no passado. Apenas uma minoria apresenta

sequências de vida que não são um mero decalque mas onde há espaço para a inovação

na reorganização dos quadros de vida mesmo que assentes em factos estruturais (como

se viu nos casos do desemprego anulado e distanciado). A maioria repete padrões já

conhecidos de procura de emprego, organização do tempo com a família ou em

trabalhos não remunerados a partir de mecanismos operatórios reprodutores.

Tendo em conta os resultados obtidos sugere-se o seu aprofundamento,

nomeadamente quanto a aspectos negativos e efeitos no estado psicológico que

respeitem mais avaliações durante os primeiros seis meses e no período superior a um

ano para homens e mulheres de diferentes grupos etários. É provável que os jovens se

encontrem em melhor posição do que outros grupos de desempregados: não sofrem

tantas pressões económicas nem têm as mesmas responsabilidades familiares. Pode

afirmar-se que os efeitos negativos do desemprego são sobretudo importantes para o

grupo de idades médias caracterizado por já ter uma socialização prolongada no

trabalho (Estramiana, 1992).

Como propõem vários autores (Cook et al., 1982; Hartley, 1980; O’Brien, 1985;

Stern, 1982, entre outros), seria importante também estudar os efeitos do desemprego na

saúde pessoal como parte da história laboral, isto é, o tipo de trabalho anterior ao

desemprego e não a saúde como elemento isolado do trabalho.

No futuro, seria interessante que as investigações transversais se combinassem

com outras que tivessem em conta os seguintes aspectos: obedecer a um desenho

longitudinal; proceder à utilização de períodos de desemprego inferiores a 6 meses e

superiores a um ano; criar períodos temporais de desemprego homogéneos; considerar

grupos específicos de idade; haver um grupo de controlo de trabalhadores não

desempregados e com as mesmas características demográficas e profissionais dos

desempregados (no caso do estudo da relação entre saúde ou bem-estar psicológico e

desemprego). Também o desenvolvimento de pesquisas comparativas em contextos

sociais diversos teria toda a pertinência.

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No caso português e dada a escassez de estudos em sociologia, psicossociologia

e psicologia social sobre o desemprego em diferentes perspectivas, toda a investigação é

desejável. Ao longo do itinerário de pesquisa e com apoio da revisão de literatura vimos

como o tema “desemprego” é complexo e pode ser explorado em diferentes conexões

num contexto de intensa flexibilização do trabalho e de mudança dos padrões de

protecção ao trabalhador e ao desempregado. O aumento do desemprego e o seu

prolongamento introduzem o paradoxo do fenómeno da privação involuntária e

ocasional do trabalho (juridicamente reconhecido e estatisticamente calculado) que

adquire carácter permanente.

Por referência a tal complexidade, outros países na Europa, como a França

conferiram autonomia disciplinar ao desemprego como categoria heurística legitimando

a constituição e legitimação social e científica de uma nova disciplina, a sociologia do

desemprego. Como refere Nadya Guimarães (2002), uma sociologia do desemprego

deve ter a responsabilidade de analisar a construção institucional e normativa do

fenómeno bem como a sua significação subjectiva. Em Portugal, existe ainda muito

caminho para caminhar, ou seja para investigar, numa possível agenda para uma

sociologia do desemprego.

Os dados aqui apresentados são exploratórios muito especialmente, no que

respeita ao bem-estar psicológico e desemprego, configurando uma primeira

aproximação ao tema em Portugal. Esperamos que esta pesquisa, ainda que modesta, ao

apresentar situações e a análises tipificadas, permita informar e apoiar a formulação de

políticas sociais e de boas práticas em relação aos desempregados nas áreas da prestação

social, emprego e saúde. Carecem claramente de apoio, com vários enfoques, grupos de

desempregados diversos, dos quais se destacam, em termos psicológicos, os apáticos e

desesperados. Estruturar o tempo de forma satisfatória durante o desemprego pode

ajudar a enfrentar uma situação de stress como a perda do emprego. Não devendo ser

entendido como alternativa adequada à obtenção de um posto de trabalho, a ocupação

do tempo, deveria ser tida em conta de forma mais expressiva e qualificada pelas

instituições públicas ao desenharem planos de intervenção com vista a minimizar

consequências psicológicas negativas derivadas da vivência do desemprego.

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Vivem-se tempos de crise. O vocábulo “crise”, do grego separar, decidir,

corresponde a um estado transitório de incerteza e dificuldades mas também pleno de

possibilidades de renovação (Morujão, 1989). Que futuro? Que sociedade? Uma

Civilização do trabalho sem emprego? Compete ao Estado Social, economia e sociedade

restaurar a dignidade social de vidas de trabalho sem emprego. Espera-se que Portugal e

a Europa saibam aproveitar a oportunidade da crise para renovar a participação de

trabalhadores e jovens sem emprego numa economia mais solidária entre gerações,

evitando alimentar uma sub-sociedade de excluídos no quadro das dinâmicas

económicas e sociais.

XII. BIBLIOGRAFIA

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http://www.dgert.mtss.gov.pt/

European Social Survey - http://www.europeansocialsurvey.org/

Eurostat - http://epp.eurostat.ec.europa.eu

Instituto do Emprego e Formação Profissional - www.iefp.pt

Instituto Nacional de Estatística - www.ine.pt

Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social - www.mtss.gov.pt

Observatório das Desigualdades Sociais – http://observatorio-das-

desigualdades.cies.iscte.pt/

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Organização Internacional do Trabalho (OIT) - http://www.ilo.org

Organization For Economic Co-Operation and Development (OCDE) -

http://www.oecd.org

Segurança Social – www.seg-social.pt

Site pessoal de Eugénio Rosa, (economista, membro do Gabinete de Estudos da CGTP e

responsável pelo Gabinete Técnico da Federação Nacional dos Sindicatos da Função

Publica) - http://www.eugeniorosa.com/

http://ipsnews.net/terraviva/05_somavia.shtml

Legislação

Decreto-Lei n.º 174/72 de 24 de Maio.

Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro.

Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro.

Decreto-Lei n.º 72/2010, de 18 de Junho.

Decreto-Lei n.º 64/2012 de 15 de Março.

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414

LISTA DE FIGURAS

PARTE UM

Figura 1 - Fases de reacção ao desemprego

Figura 2 - Esquema de problematização

Figura 3 - População activa dos 15 aos 64 anos por sexo e grupo etário

Figura 4 - População inactiva

Figuras 5 e 6 - Taxa de actividade e taxa de emprego em Portugal e na UE

Figuras 7 e 8 – Taxa de actividade por sexo e taxa de actividade por grupo etário

Figura 9 – Evolução do peso do trabalho temporário no emprego total (Portugal e EU)

Figura 10 – Evolução de trabalho por conta própria em Portugal

Figura 11 – Evolução de trabalho por conta própria na UE 15

Figura 12 – População com dois empregos em Portugal

Figura 13 – População com dois empregos na UE 15

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415

Figura 14 – População desempregada (milhares) e taxa de desemprego (%)

Figura 15 - População desempregada (milhares) por sexo

Figura 16 – Taxa de desemprego (%), por sexo

Figura 17 – População desempregada (milhares) por grupo etário

Figura 18 – Taxa de desemprego (%) por grupo etário

Figura 19 – População desempregada (milhares) e taxa de desemprego (%) por nível de

escolaridade completo

Figura 20 - Duração média (em meses) entre a saída da escola e o primeiro trabalho de

mais de três meses dos indivíduos com idade entre 15 e 34 anos, por grupo etário

Figura 21. Duração média (em meses) entre a saída da escola e o primeiro trabalho de

mais de três meses dos indivíduos com idade entre 15 e 34 anos, por nível de

escolaridade

Figura 22 - Meios para encontrar o primeiro trabalho de mais de três meses que os

indivíduos com idade entre 15 e 34 anos tiveram após a saída da escola (%)

Figura 23 - Profissão exercida no primeiro trabalho de mais de três meses por

indivíduos com idade entre 15 e 34 anos após a saída da escola (%)

Figura 24 - População desempregada à procura de novo emprego por sector de

actividade anterior ao desemprego (milhares)

Figura 25 – Taxa de desemprego por regiões (%)

Figura 26 – Taxa de desemprego por região e sexo

Figura 27 - Beneficiários com processamento de prestações de desemprego por tipo de

subsídio (2009)

Figura 28 - Beneficiários com processamento de prestações de desemprego por tipo de

subsídio

Figura 29 – Evolução do desemprego no Continente, em milhares

Figura 30 - Desemprego por regiões (em milhares)

Figura 31 - Desemprego por sexo (em milhares)

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416

Figura 32 – Desemprego registado por habilitações, em milhares

Figura 33 – Desempregados inscritos por profissão (Movimento ao longo do ano)

Figura 34 – Colocações de desempregados ao longo dos anos (Continente)

Figura 35 – Desempregados inscritos ao longo dos anos, ofertas recebidas e colocações

efectuadas (Continente)

Figura 36 – Desemprego INE e IEFP

Figura 37 – Taxas de desemprego em Portugal e na EU

Figura 38 – Taxas de desemprego na União Europeia, segundo o género

Figura 39 – Taxas de desemprego na UE, segundo o grupo etário

Figura 40 – Taxa de desemprego dos jovens

Figura 41 – Taxas de desemprego na União Europeia, segundo o nível de escolaridade

completo

Figura 42 – Taxas de desemprego na União Europeia, segundo a nacionalidade

LISTA DE FIGURAS

PARTE DOIS

Figura 31 - Distribuição da amostra em função da idade

Figura 32 - Distribuição da amostra em função do nível de instrução

Figura 33 - Distribuição da amostra em função do estado civil/situação conjugal

Figura 34 - Categoria profissional dos inquiridos

Figura 35 - Área profissional de preferência

Figura 6 - Categoria profissional do cônjuge/companheiro(a) dos inquiridos

Figura 7 - Situação dos pais dos inquiridos face ao trabalho

Figura 8 - Categoria profissional dos pais dos inquiridos

Figura 9 - Categorial profissional das mães dos inquiridos

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417

Figura 10 - Tipo de habitação dos inquiridos

Figura 11 - Situação familiar dos inquiridos que residem em casa dos pais

Figura 12 - Número de elementos do agregado familiar (além do inquirido)

Figura 13 - Constituição do agregado familiar

Figura 14 - Local de residência dos familiares mais próximos

Figura 15 - Frequência de visitas na família

Figura 16 - Natureza da ajuda familiar recebida

Figura 17 - Rendimento financeiro do agregado familiar

Figura 18 - Capacidade de poupança do agregado familiar

Figura 19 - Motivos para o desemprego entre os inquiridos que não auferem subsídio de

emprego

Figura 20 - Subsídio de desemprego ou outro tipo de subsídio ou pensão auferida

Figura 21 - Principal fonte de sobrevivência

Figura 22 - Valores sociais

Figura 2 - Posicionamento valorativo médio dos valores sociais

Figura 24 - Tempo inscrição no Centro de Emprego

Figura 25 - Tempo de inscrição no Centro de Emprego de acordo com o tempo de

desemprego

Figura 26 - Tempo de inscrição no Centro de Emprego de acordo com a categoria etária

Figura 27 - Tempo de inscrição no Centro de Emprego de acordo com o nível de

instrução

Figura 28 - Deslocações mensais ao Centro de Emprego

Figura 29 - Expectativas quanto ao apoio prestado pelo Centro de Emprego

Figura 30 - Atitude face à possibilidade de encontrar emprego de acordo com a média

de deslocações ao Centro de Emprego

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418

Figura 31 - Distribuição percentual das expectativas face ao CE e tempo de inscrição no

CE

Figura 32 - Distribuição percentual das expectativas face ao CE e tempo de inscrição

por género

Figura 33 - Situação face ao emprego

Figura 34 - Duração da situação de desemprego

Figura 35 - Duração do desemprego por escalão etário

Figura 36 - Duração do desemprego por nível de instrução

Figura 37 - Duração do último emprego

Figura 38 - Duração do último emprego (entre os que terminaram contrato)

Figura 39 - Motivos para o desemprego

Figura 40 - Motivos para o desemprego em função do género

Figura 41 - Como conseguiu o último emprego

Figura 42 - Dimensão social e afectiva do emprego e do desemprego

Figura 43 - “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com

a idade

Figura 4 - “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com

o nível de instrução

Figura 45 - “Ter um emprego qualquer é melhor do que não ter nenhum” de acordo com

a duração do desemprego

Figura 46 - Procura de emprego por parte do inquirido

Figura 47 - Tempo de desemprego dos inquiridos que não se encontram à procura de

emprego

Figura 48 - Iniciativas de procura de emprego nos últimos meses

Figura 49 - Aspectos valorizados num emprego

Figura 50 - Situação de emprego preferencial

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419

Figura 51 - Área profissional preferida de acordo com o sexo do inquirido

Figura 52 - Expectativas de emprego na actualidade

Figura 53 - Expectativas de emprego actual de acordo com a duração da situação de

desemprego

Figura 54 - Expectativas de emprego dentro de 2 ou 3 anos

Figura 55 - Dificuldade de adaptação ao desemprego em função do número de situações

de desemprego (“Foi muito difícil para mim habituar-me a estar desempregado”)

Figura 56 - Interesse na ocupação tempo e “estado subjectivo global"

Figura 57 - Tempo dedicado a um conjunto de actividades durante desemprego

Figura 58 - Tempo dedicado aos filhos de acordo com a idade

Figura 59 - Tempo dedicado aos amigos de acordo com a idade

Figura 60 - Tempo dedicado a ocupações domésticas de acordo com o sexo do inquirido

Figura 61 - Tempo dedicado aos filhos de acordo com o sexo do inquirido

Figura 62 - Tempo dedicado aos amigos de acordo com o nível de instrução

Figura 63 - Tipos de actividades de lazer (tempos livres) no desemprego

Figura 64 - Tempo dedicado a actividades de lazer de acordo com a idade

Figura 65 - Impacto social e familiar do desemprego

Figura 66 – Ao longo da minha vida tenho sido uma pessoa quase sempre saudável

Figura 67 - Os meus problemas de saúde começaram quando comecei a trabalhar

Figura 68 - Relação da saúde com o início do desemprego (“Os meus problemas de

saúde agravaram-se depois de ficar sem emprego”)

Figura 69 - Problemas de saúde

Figura 70 - Problemas de saúde em função do sexo

Figura 71 - Problemas de saúde em função da idade

Figura 72 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”)

Figura 73 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”)

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420

Figura 74 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em

função do tempo de desemprego

Figura 75 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função

do tempo de desemprego

Figura 76 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em

função da procura de emprego

Figura 77 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função

da procura de emprego

Figura 78 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função

do pessimismo ou optimismo relativamente à procura de emprego

Figura 79 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em

função do optimismo ou pessimismo relativamente à “possibilidade de arranjar

emprego”

Figura 80 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em

função da capacidade de poupança do agregado familiar

Figura 81 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função

da capacidade de poupança do agregado familiar

Figura 82 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em

função do tempo disponível

Figura 83 - Indicador de “estado psicológico” (“como se sente actualmente”) em função

de “não sei o que fazer com o tempo disponível”

Figura 84 - Indicador de “estado subjectivo global” (“como se sente actualmente”) em

função da perspectiva de futuro (optimista/ pessimista)

Figura 85 - Pessimismo e optimismo quanto ao futuro (“como perspectiva o futuro”)

Figura 86 - “Como perspectiva o futuro”

LISTA DE QUADROS

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421

PARTE UM

Quadro 1 – Desemprego registado por tempo de inscrição, em milhares

Quadro 2 – Desemprego INE e IEFP

Quadro 3 – Taxas de crescimento económico (variação no PIB real) verificadas no

período 1992-2009 e previsões do FMI para o período 2010-2015

Quadro 4 - Regimes de protecção no desemprego (unemployment welfare regimes) na

Europa

Quadro 5 – Regime de protecção no desemprego e modelo de residência familiar por

País

Quadro 6 – Comparação do nível de compromisso no emprego entre empregados e

desempregados

Quadro 7 – Flexibilidade no vencimento, qualificações e residência

LISTA DE QUADROS

PARTE DOIS

Quadro 1 - Dimensões de análise e variáveis do inquérito por questionário

Quadro 2 - Tipo de desemprego, vivências e contacto técnico

Quadro 3 - Tipo de desemprego, motivação para o trabalho, características dos

desempregados e estratégias de relação com o Centro de Emprego

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422

ANEXOS