tese antonio mariano nogueira coelho

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Filosofia Indistinguibilidade: uma abordagem por meio de estruturas Antônio Mariano Nogueira Coelho Tese apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, como um dos requisitos para a obtenção do grau de Doutor em Filosofia. ORIENTADOR: Prof. Dr. Newton C.A. da Costa São Paulo, Outubro de 2005

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    Departamento de Filosofia

    Indistinguibilidade: uma abordagem por meio de estruturas

    Antnio Mariano Nogueira Coelho

    Tese apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, como um dos requisitos para a obteno do grau de Doutor em Filosofia.

    ORIENTADOR: Prof. Dr. Newton C.A. da Costa

    So Paulo, Outubro de 2005

  • Agradeo

    ao Prof. Dr. Newton Carneiro Affonso da Costa, pela orientao, estmulo e, acima de tudo, pelo exemplo; aos Profs. Dr. Edlcio Gonalves de Souza e Dr. Alexandre Rodrigues, pelas sugestes e crticas ao texto do exame de qualificao; ao Prof. Dr. Dcio Krause, por todo o apoio intelectual; aos membros da banca, antecipadamente; Ao Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina, que me conceceu um afastamento de dois anos, para que eu trabalhasse em minha pesquisa; especialmente, a meus pais e a minha mulher.

  • RESUMO

    O conceito de indistinguibilidade em uma estrutura, entendido como invarincia sob os automorfismos dessa estrutura, apresentado, analisado e aplicado ao exame do problema filosfico dos objetos indistinguveis. Especialmente considerada a verso desse problema que aparece na teoria quntica. PALAVRAS-CHAVE: indistinguibilidade, estruturas, invarincia, identidade, objetos qunticos.

  • ABSTRACT

    The concept of indistinguishability in a structure, understood as invariance under the automorphisms of that structure, is presented, analysed and applied to the examination of the philosophical problem of indistinguishable objects. Specially considered is the version of this problem that appears in the quantum theory. KEY WORDS: indistinguishability, structures, invariance, identity, quantum objects.

  • ndice

    I Prlogo 1

    II Indistinguibilidade em uma estrutura 8

    III Aplicaes filosofia da mecnica quntica 60

    IV Eplogo 96

    V Referncias Bibliogrficas 98

  • Indistinguibilidade: uma abordagem por meio de estruturas

    I - Prlogo

    O que a relao de indistinguibilidade entre objetos? Existem dois objetos

    indistinguveis? Isto , existem objetos a e b tais que a seja diferente de b e a seja

    indistinguvel de b ? Essas so perguntas antigas na histria da filosofia. De um ponto de

    vista intuitivo, objetos indistinguveis so aqueles que possuem exatamente as mesmas

    propriedades. Se por propriedades entendermos tanto as intrnsecas quanto as relacionais,

    poderemos apresentar essa concepo intuitiva, em uma linguagem de segunda ordem,

    dizendo que: a e b so indistinguveis se e somente se valer o esquema (infinito) abaixo:

    " P1 (P1a P1b)

    " P2 "x1 ((P2 ax1 P2 bx1) (P2 x1a P2 x1b))

    " P3 "x1 "x2 ((P3ax1x2 P3bx1x2) (P3x1ax2 P3x1bx2) (P3x1x2a P3 x1x2b))

    .

    .

    .

    Aqui a e b denotam objetos e para cada nmero natural n 1, xn uma varivel

    variando sobre objetos e Pn uma varivel variando sobre relaes n-rias entre objetos, isto

    , variando sobre propriedades intrnsecas (P1 ) ou relacionais (Pn com n 2) de objetos.

    O uso da lgica de segunda ordem, manifesto na quantificao sobre propriedades

    considerado, por alguns, problemtico, entretanto no discutiremos esse problema aqui. A

  • 2

    meu ver, a nica idia suficientemente clara da noo de propriedade (isto , clara o bastante

    para servir de alicerce soluo de outro problema que no o de caracterizar a noo mesma

    de propriedade) a idia extensional conjuntista. Examinemo-la na teoria de conjuntos

    usual, ZFC.

    Segundo a viso extensional conjuntista, uma propriedade de objetos simplesmente

    um conjunto de tais objetos. Exliquemos isso. Primeiramente, como estamos trabalhando em

    ZFC, entendemos por objeto um conjunto que esteja na hierarquia cumulativa usual, isto ,

    aquela construda a partir do vazio, por meio da iterao, ao longo da classe dos ordinais, das

    operaes de conjunto das partes e unio. Dito isso, a viso de uma propriedade de objetos

    como um conjunto desses objetos pode ser esclarecida com a apresentao de um par de

    exemplos. Vejamos. A propriedade de ser nmero par pode ser considerada como o conjunto

    dos nmeros pares; a propriedade de ser funo contnua dos reais nos reais pode ser

    considerada como o conjunto das funes contnuas de reais nos reais. possvel precisar

    isso com a seguinte definio: dado um conjunto A, uma propriedade de elemento de A um

    subconjunto de A. Ainda segundo a viso extensional conjuntista, dados um objeto a e uma

    propriedade P (ou seja um conjunto P), dizemos que a possui a propriedade P se e somente

    se a elemento de P. Assim, dados os objetos a e b, dizer que a e b possuem as mesmas

    propriedades dizer que eles pertencem aos mesmos conjuntos. Ora, o axioma do par, em

    ZFC, nos permite formar o conjunto unitrio de um objeto qualquer. Portanto, se a e b

    pertencem ao aos mesmos conjuntos, temos, como a elemento de {a}, que b tambm

    elemento de {a}, e, da, que a = b. Em outras palavras, {a} representa a propriedade de ser

    idntico a a ; se b possui as mesmas propriedade que a , ento possui essa tambm, logo b

  • 3

    idntico a a. Resumindo, no h objetos diferentes que sejam indistinguveis (entendendo-se

    por indistinguibilidade a posse das mesmas propriedades).

    Na verdade, nem necessrio supor que a e b possuam as mesmas propriedades,

    basta assumir que b possui todas as propriedades de a, assim, em particular, b possui a

    propriedade de ser idntico a a e temos a = b. Esse raciocnio, que tambm poderia ser

    levado a cabo em uma teoria intuitiva de conjuntos que permitisse a formao de conjuntos

    unitrios de objetos quaisquer, sugere a seguinte verso, em linguagem de segunda ordem,

    do chamado Princpio da Identidade dos Indistinguveis, de Leibniz:

    "x"y (" P (Px Py) x = y)

    Aqui x e y so variveis variando sobre objetos e P uma varivel variando sobre

    propriedades mondicas, ou seja, intrnsecas, de objetos. Essa mesma idia foi adotada por

    Whitehead e Russell para definir identidade no Principia Mathematica (pgina 57 do volume

    1 da segunda edio). Mas no caso deles, importante ressaltar que alm das diferenas de

    notao, o axioma da redutibilidade desempenhava um papel muito importante na definio.

    Alis, Whitehead e Russell apresentam sua definio de identidade em uma seo, na

    introduo, dedicada ao axioma da redutibilidade e falam de uma certa afinidade entre esse

    axioma e o Princpio da Identidade dos Indistinguveis de Leibniz (mais tarde, em sua

    Introduction to Mathematical Philosophy, na pgina 192, Russell vai mais longe e afirma

    que o axioma da redutibilidade uma forma generalizada da identidade dos indistinguveis

    de Leibniz).

    No trabalharemos, aqui, com teoria ramificada dos tipos, mas interessante notar

    que na mesma pgina do Principia em que apresentam a definio de identidade, Whitehead

    e Russell escrevem que para Leibniz, a indistinguibilidade no podia significar a

  • 4

    concordncia em todas as propriedades (isto , dada uma propriedade qualquer, a e b a

    possuem ou a e b no a possuem) uma vez que dentre as propriedades de a est a de ser

    idntico a a e se b concorda com a em todas as propriedades, ento, em particular, b tem a

    propriedade de ser idntido a a. O problema de saber que propriedades so relevantes para

    bem caracterizar a noo de indistinguibilidade continua sendo uma questo central no

    estudo dessa noo. Neste trabalho uma posio a respeito desse tema ser defendida.

    A idia expressa pela frmula "x"y ("P (Px Py) x = y) pode ser apresentada

    em primeira ordem, na linguagem de ZFC, da seguinte maneira: se y elemento de todo

    conjunto do qual x elemento, ento x igual a y, ou seja, "x"y ("z (xz y z) x =

    y). Essa ltima frmula , pelo argumento anterior acerca da formao de conjuntos

    unitrios, um teorema de ZFC. Assim, a teoria usual de conjuntos, a perspectiva extensional

    conjuntista da noo de propriedade, e a concepo intuitiva de indistinguibilidade como a

    posse das mesmas propriedades, combinadas, tm respostas para as duas perguntas com que

    comeamos este texto. segunda elas respondem negativamente. No existem objetos a e b

    diferentes e indistinguveis. primeira elas respondem fazendo coincidir indistinguibilidade

    com identidade. Assim, o carter especfico de problemas referentes indistinguibilidade

    eliminado, restando exclusivamente os problemas que dizem respeito identidade. Em

    minha opinio esse estado de coisas no minimamente satisfatrio. Problemas genunos

    sobre a noo de indistinguibilidade, como, por exemplo, o problema das partculas

    indistinguveis nos fundamentos da mecnica quntica, continuam esperando por soluo,

    ao menos do ponto de vista filosfico. Devo, portanto, rejeitar pelo menos uma das posies

    que o engendraram. Escolhi abandonar a terceira. Neste estudo, trabalharemos dentro da

    teoria de conjuntos usual, ou da teoria ZFCU (isto , ZFC com urelementos) cujos modelos

  • 5

    podem ser imersos, naturalmente, dentro daqueles de ZFC, e conservaremos a perspectiva

    extensional conjuntista da noo de propriedade, mas nos valeremos de uma outra idia de

    indistinguibilidade, que no a da posse das mesmas propriedades. Usaremos a noo de

    indistinguibilidade em uma estrutura.

    Antes de prosseguir oportuno tentar esclarecer um ponto. Embora tenha optado por

    manter a teoria de conjuntos usual e a viso extensional conjuntista da noo de propriedade,

    no vejo, em princpio, nenhuma razo para me opor a propostas que ataquem problemas de

    indistinguibilidade revisando-as, entretanto importante destacar que temos aqui duas

    situaes muito diferentes. A noo de propriedade, fora da viso extensional conjuntista ,

    apesar da extensa literatura a seu respeito, tema muito pouco esclarecido, ainda aguardando

    o estabelecimento de padres bsicos orientadores das linhas de pesquisa e, portanto, creio,

    mais favorvel ao acolhimento de abordagens exploratrias heterodoxas. Ressalvando-se que

    acolhimento uma coisa e sucesso outra. J a teoria de conjuntos usual, ZFC, ao contrrio,

    tornou-se o que Penelope Maddy ( na pgina 26 de seu Naturalism in Mathematics) chamou

    de crte final de apelao para questes de exis tncia e demostrao matemticas. Uma

    teoria conjuntista substancialmente distinta de ZFC (claro que esse no o caso nem de

    ZFCU, nem de NBG, por exemplo) tende a ter sua importncia matemtica e filosfica,

    infelizmente, depreciada. Isso apesar das suspeitas filosficas volta e meia levantadas acerca

    de ZFC, quer por conta de sua ontologia exuberatne, bem o oposto de uma paisagem

    deserta, quer por conta , por exemplo, da distino que ela, por meio do axioma do

    fundamento, estabelece entre um objeto e um conjunto unitrio deste objeto. Em que pese

    essa situao, investigaes da noo de indistinguibilidade tm sido feitas por meio de

    teorias conjuntistas alternativas. Nesse campo merece destaque a teoria de quase conjuntos,

  • 6

    que vem sendo desenvolvida, a partir de 1990, por Dcio Krause, tendo em vista,

    principalmente, a aplicao ao j mencionado problema das partculas indistinguveis nos

    fundamentos da mecnica quntica.

    A lgica subjacente teoria de quase-conjuntos o clculo de predicados de primeira

    ordem sem identidade. A teoria compreende dois tipos de urelementos. Os micro-

    urelementos e os macro-urelementos. Aos primeiros no se aplica o conceito de identidade.

    Intuitivamente eles representam as partculas elementares da teoria quntica, para as quais,

    no entender de alguns fsicos, Schdinger, por exemplo, a noo de identidade no faz

    sentido, e a de indistinguibilidade faz. Krause justamente formaliza uma noo de

    indistinguibilidade e constri uma teoria que contm uma rplica de ZFC e cujos modelos

    so imersveis nos modelos de ZFC. Essa imersibilidade uma vantagem no que concerne

    consistncia da teoria de quase-conjuntos, mas no est claro, ainda, se ela fortalece ou

    enfraquece a convico de que essa teoria retrata adequadamente a indistinguibilidade e a

    ausncia de identidade de objetos qunticos. Em meu entender, a principal diferena entre as

    abordagens conjuntista usual e quase-conjuntista do problemas das partculas indistinguveis

    a mesma que existe entre o mtodo regressivo e o mtodo intuitivo em questes de

    fundamentos. Dado um problema de fundamentao dessa ou daquela disciplina, o mtodo

    regressivo se satisfaz com uma soluo que funcione matematicamente, ou seja, produza os

    teoremas desejados, sem produzir, junto, inconsistncia; no importando o quo artificial

    esta soluo seja. J o mtodo intuitivo s aceita soluo baseada no entendimento das

    noes relevantes para o problema sob exame. A funcionalidade matemtica desejada, mas

    deve ser obtida sem artificialismos e as intuies conceituais tm de receber o respeito que

    lhes devido. Um breve e lcido tratamento dos mtodos regressivo e intuitivo feito por

  • 7

    Michael Potter (nas pginas 34 a 36) em seu Set Theory and its Philosophy. Na matemtica

    usual, aquela fundamentda em ZFC, uma abordagem regressiva do problema das partculas

    indistinguveis feita. Alis, com grande sucesso, segundo os cnones do mtodo regressivo.

    A teoria dos quase-conjuntos uma tentativa promissora de abordar, pelo mtodo intuitivo,

    esse mesmo problema. Krause j publicou vrios artigos sobre o tema. Uma primeira

    exposio em livro aparecer pela Oxford University Press no volume Identity in Physics: a

    historical, philosophical and formal analysis, escrito por Steven French e Dcio Krause.

    Um ltimo aspecto a observar antes de encerrar esta introduo. Falamos

    anteriormente de modelos de ZFC. O teorema da completude nos diz que, sendo uma teoria

    de primeira ordem, ZFC tem modelo se e somente se for consistente. Por outro lado, o

    segundo teorema de incompletude nos diz que a consistncia de ZFC, se adequadamente

    especificada, no pode ser demonstrada em ZFC (a especificao adequada da consistncia

    necessria, tendo em vista o trabalho de Feferman sobre a aritmetizao da metamatemtica

    em um contexto geral) . costume assumir, em diversas situaes, a consistncia de ZFC,

    isto , a existncia de um modelo de ZFC. Neste trabalho assumiremos mais. Assumiremos a

    existncia de um modelo standard de ZFC, para que possamos interpretar como

    pertinncia entre elementos desse modelo e assim, seguindo a viso extensional conuntista

    da noo de propriedade, dizer que um objeto a possui uma propriedade P se a pertencer

    realmente, ao conjunto que representa a propriedade P. No contexto deste trabalho, essa

    assuno no parece excessiva.

  • 8

    II - Indistinguibilidade em uma estrutura

    Em certos contextos matemticos possvel caracterizar uma noo de

    indistinguibilidade considerando a idia de invarincia sob automorfismos. Ao fazer isso,

    comprometemo-nos com indistinguibilidade relativa a uma estrutura. Para entender o

    conceito de indistinguibilidade relativa a uma estrutura conveniente examinar o conceito de

    definibilidade absoluta em uma estrutura, a respeito do qual Hartley Rogers escreveu que:

    h uma noo absoluta de definibilidade? Embora os lgicos, em sua preocupao com

    sistemas formais particulares, a tenham ignorado amplamente, uma noo natural para

    definibilidade absoluta tem sido corrente em matemtica, faz algum tempo. Essa a noo

    de invarincia sob automorfismos (...) Dizemos que V U [ onde U o domnio de uma

    estrutura] invariante sob todos os automorfismos se f (V) = V para todo automorfismo f

    [dessa estrutura]. claro que se V vai ser definvel (em algum sentido) em uma dada

    estrutura, ele tem de ser invariante sob todos os automorfismos da estrutura; pois f (V) tem

    de satisfazer qualquer definio que V satisfaa. Reciprocamente, pode-se argumentar que os

    subconjuntos invariantes de U so justamente os conjuntos que so determinados em algum

    sentido pela estrutura, e, portanto, que eles deveriam ser chamados definveis 1.

    Esclareamos alguns aspectos da citao acima. Uma estrutura um objeto E = onde U um conjunto no vazio, chamado o domnio da esturtura, cada

    Ri uma relao ni ria em U e cada Fi uma funo ni-ria em U (aqui i e ni so nmeros

    naturais quaisquer. As relaes e funes de uma estrutura no tm de formar uma totalidade

    1 Rogers, H. Some Problems of Definability in Recursive Function Theory, in Crossley, J. N. (ed.), Sets, Models, and Recursion Theory. Proceedings of the Summer School in Mathematical Logic and Tenth Logic Colloquium. Leicester, Aug./Sept., 1965 North Holland,, pp. 183-201

  • 9

    enumervel, mas, para os propsitos deste trabalho, essa uma perda de generalidade

    irrelevante).

    Um automorfismo da estrutura E uma bijeo de U em U que preserva cada funo

    de E, cada relao de E e o complementar de cada relao de E. A noo usual de

    definibilidade em uma estrutura, ou seja, a noo de definibilidade em uma estrutura em

    lgica de primeira ordem a seguinte: seja L uma linguagem de primeira ordem, seja E uma

    estrutura para L, isto , E uma estrutura cujas relaes e funes interpretam os smbolos

    de predicado e os smbolos de funo de L respectivamente. Seja U o domnio de E. Seja R

    uma relao k-ria em U, para algum nmero natural k (aqui importante distinguir entre as

    relaes de E, isto , aquelas relaes que constituem a especificicao da estrutura E e as

    relaes em U, que so simplesmente subconjuntos das potncias cartesianas de U). Dizemos

    que R definvel em E se e somente se para alguma frmula F de L cujas variveis livres

    estiverem dentre x1, ...., x k tivermos que: elemento de R se e somente se

    F (u1,..., uk) verdadeira em E (sendo u1,...,uk nomes estabelecidos de modo apropriado para

    u1,...,uk respectivamente). Nesse caso dizemos que F define R em E. Essa noo de

    definibilidade em uma estrutura tal que os automorfismos preservam as relaes definveis.

    Em particular esta noo satisfaz a condio afirmada como clara por Rogers na citao

    acima, isto , se um subconjunto de um domnio de uma estrutura definvel, no sentido

    usual, nessa estrutura, ento esse subconjunto invariante sob todos os automorfismos dessa

    estrutura.2 Tambm, como era de se esperar, a idia intuitiva que os matemticos tm de

    definibilidade em uma estrutura atende a essa condio. Por exemplo, o comprimento de um

    vetor do plano habitualmente definido com base em uma noo de produto interno de

    2 Veja, por exemplo, Enderton, H.B. A Mathematical Introduction to Logic, 2 nd ed., Harcourt Academic Press, 2001, p. 98.

  • 10

    vetores do plano; um matemtico, mesmo que no tenha estudado lgica, sabe que no pode

    definir o comprimento de um vetor do plano, usando apenas a adio de vetores e a

    multiplicao de vetor por escalar, isso porque, por exemplo, a transformao do plano que

    leva cada vetor x no vetor 2x um automorfismo do plano, como espao vetorial sobre os

    reais, e, no entanto, no preserva os comprimentos dos vetores, em particular, no preserva

    um subconjunto V do plano, cujos elementos so vetores de um dado comprimento fixo (no

    nulo)3. Contudo, a recproca assinalada na ltima sentena da citao de Rogers que nos

    interessa mais aqui.

    De fato, considerar como definveis, no sentido de absolutamente definveis, os

    subconjuntos do domnio de uma estrutura que so invariantes sob os automorfismos dessa

    estrutura est longe de corresponder noo usual de definibilidade.

    Vejamos um exemplo.

    Seja w conjunto dos nmeros naturais e seja < w, +, . > a estrutura constituda

    por w munido da adio e multiplicao usuais. Seja f um automorfismo de < w, +, . >.

    Ento f (0) = f (0 +0) = f (0) + f (0).

    Da f (0) = 0, pois 0 o nico nmero natural que soluciona a equao x = x + x

    Temos tambm que f (1) = f (1 . 1) = f (1) . f (1)

    Da f (1) = 1, pois 0 e 1 so os nicos nmeros naturais que solucionam a equao x

    = x . x e f (1) f (0), pela injetividade de f .

    Agora, para todo nmero natural n, supondo f (n) = n temos f (n+1) = f (n) + f (1) = n

    + 1.

    Assim, f (x) = x, para todo nmero natural x, ou seja, f a funo identidade em w.

    3 Este exemplo est em Enderton, op. Cit. P. 99.

  • 11

    Sendo a funo identidade o nico automorfismo de < w, +, . >, temos que todo

    subconjunto de w invariante sob os automorfismos de < w, +, . > e portanto, que todo

    subconjunto de w absolutamente definvel em < w, +, . > .

    Ora, cada conjunto definvel em < w, +, . > no sentido usual tem de ser definido por

    uma frmula da linguagem associada a < w, +, . >. Essa uma linguagem enumervel, e,

    assim, tem apenas um nmero enumervel de frmulas. Como o conjunto dos subconjuntos

    de w tem a potncia do contnuo, h muitos subconjuntos de w que no so definveis em <

    w, +, . > no sentido usual. A definibilidade absoluta em uma estrutura absoluta neste

    sentido, ela no relativa linguagem de primeira ordem associada estrutura. Mesmo que

    trabalhssemos com uma linguagem de segunda ordem, isto , que inclussemos um

    repertrio enumervel de variveis de predicado e variveis de funo, continuaramos em

    uma totalidade enumervel de frmulas e ainda teramos muitos subconjuntos de w que no

    so definveis em segunda ordem. O mesmo vale para linguagens de ordens superiores. J

    para linguagens infinitrias a situao diferente.

    A definibilidade absoluta corresponde expressibilidade em linguagens infinitrias.

    Isso estabelecido por um teorema que apresentaremos adiante. Como esse teorema tratar

    de estruturas de forma onde R uma relao binria em U, vamos examinar um

    exemplo de estrutura dessa forma.

    Consideremos a estrutura < w, < >, onde < a ordem usual em w. Seja g um

    automorfismo de < w, < > e suponhamos que g seja diferente da funo identidade em w.

    Ento existe um menor nmero natural n tal que g(n) ? n. No podemos ter g(n) = x < n, pois

    g injetiva e para todo x < n vale g(x) = x, uma vez que n o menor nmero natural cuja

    imagem por g diferente de si mesmo. Assim, devemos ter g(n) > n, mas como g

  • 12

    sobrejetiva, existe um nmero natural k tal que g(k) = n. No acontece k = n, pois g (n) ? n.

    Tambm no acontece k < n, pois g (x) = x para todo x < n e k ? n. Logo temos k > n e g(n)

    > g(k) = n. Isso contradiz o fato de g ser um automorismo. Portanto, o nico automorfismo

    de < w, < > a funo identidade em w. Assim, todos os subconjuntos de w so invariantes

    por automorfismos, ou seja, todos os subconjuntos de w so absolutamente definveis em <

    w, < >. Novamente, os subconjuntos de w formam uma totalidade no enumervel e, em

    virtude da enumerabilidade da linguagem de primeira ordem associada estrutura < w, < >,

    apenas um nmero enumervel de subconjuntos de w definvel , no sentido usual, em < w,

    < >. Portanto, em < w, < > , mais uma vez a definibilidade usual est distante da

    definibilidade absoluta. Vamos s linguagens infinitrias.

    Trabalharemos com a lgica infinitria de primeira ordem La, onde a e so

    ordinais. Sendo de primeira ordem La no admite quantificao sobre propriedades , mas

    quantificadores, sobre objetos, da forma, ( $x0, x1, x2, .....xl) para ? < so permitidos.

    Disjunes da forma (F 0 F 1 .... F m) para m < a, e conjunes da forma (F 0 F 1

    .... F m) para m < a tambm so permitidas. Se a e so maiores que w, essas

    quntificaes, disjunes e conjunes podem ter comprimento infinito. A atribuio de

    significados s frmulas de La, com a e maiores que w, estende, de maneira bvia, o que

    acontece no caso finito. Assim, conjunes so verdadeiras quando todas as suas

    componentes so verdadeiras, disjunes so verdadeiras quando pelo menos uma de suas

    componentes verdadeira, e instanciaes so verdadeiras quando houver uma atribuio de

    valores s variveis quantificadas que satisfaa frmula instanciada. Claro que as

    linguagens La tambm dispem de negao.

    Teorema

  • 13

    Seja < U, R > uma estrutura, onde R uma relao binria em U. Seja V um

    subconjunto de U. Ento V absolutamente definvel em < U, R > se e somente se para

    algum ordinal a e algum ordinal b , existe uma frmula de La (com o smbolo de predicado

    binrio P) que define V, quando P interpretado como R e os quantificadores so

    interpretados como variando sobre U.

    Demonstrao

    Suponhamos que V seja definvel em < U, R > por meio de alguma frmula F(x) de

    La, isto , suponhamos que para alguma frmula F(x) de La tenhamos que:

    u V se e somente se F(x) verdadeira em < U, R > (aqui usamos F(u) para

    indicar a frmula F(u) com a varivel x interpretada como o objeto u U)

    Seja f um automorfismo de < U, R >. Ento R se e somente se R. Como a definio de verdade em uma estrutura, para uma frmula de La

    simplesmente estende o caso finito temos que:

    F (u) verdadeira em < U, R > se e somente se F(f(u)) verdadeira em < U, R >

    Portanto, ficamos com u U se e somente se f(u) V, ou seja, V invariante por

    automorfismos de < U, R > , isto , V absolutamente definvel em < U, R > .

    Vamos volta. Suponhamos que V seja absolutamente definvel em < U, R >,

    suponhamos tambm que U seja infinito. (o caso de U finito pode ser tratado muito

    simplesmente a partir da construo que ser apresentada.)

    Seja g um ordinal da mesma cardinalidade que U e sejam a e b ordinais de

    cardinalidade maior que a de g.

    Seja {e ? } ? < g uma enumerao de U sem repeties.

  • 14

    Seja J= {? : e ? V }. Para todo par ? , m< g , seja y? m a frmula Px ?xm se < e?

    , e m > R, e seja y? m a frmula Px ?xm se < e? , e m > R.

    (x0, x1, ..., x ?... so variveis individuais em La). Seja, agora, F(x) a seguinte

    frmula:

    ($ x0, x1, ..., x ?, ...) ? < g [( l, m < g e l m xl xm ) ( l, m < g y l m) "y [m < g

    e y = xm] ( l J x = xl )]

    Vamos mostrar, agora, que F define V, isto , que u V se e somente se F (u)

    verdadeira em < U, R > . Se u V, ento u = e ? 0 , para algum l0 J. Interpretando x0, x1,

    ..., x ?,.... como e0, e1, ..., e? , ... temos que: cada x? xu verdadeira, pois no h

    repeties na enumerao e0, e1, ..., e? ,... de U.

    Cada y ? m verdadeira pela definio y ? m

    ("y) [m < g y = xm ] verdadeira pois e0, e1, ..., e? ,... uma enumerao de U, e

    assim, cada elemento de U algum componente dessa enumerao. Novamente por essa

    razo, interpretando x como u, temos que se u V, ento ( l J x = xl) verdadeira.

    Assim, se u V, F (u) verdadeira em < U, R > .

    Reciprocamente, suponhamos que F (u) seja verdadeira em < U, R > .

    Seja d0, d1, ..., d ?, .... uma interpretao para as va riveis x0, x1, ..., x ?,.... que torna F

    (u) verdadeira em < U, R > .

    Ento, com essa interpretao, a primeira e a terceira partes da frmula F (x) so

    verdadeiras, isto , cada x l x m verdadeira e para cada y em U, y = x m verdadeira para

    algum m < g.

  • 15

    Portanto, {d ? } ? < g uma enumerao de U sem repeties. Agora definimos uma

    funo f de U em U da seguinte maneira: f (e ?) = d ? para todo ? < g.

    Como e0, e1, ..., e ?,.... e d0, d1, ..., d ?, ....so enumeraes sem repeties de U, temos

    que f bijetora.

    Como F(u) verdadeira quando interpretamos x0, x1, ..., x ?,.... como d0, d1, ..., d ?,

    ....temos que com essa interpretao cada y? m verdadeira, isto , f preserva R e o

    complementar de R, ou seja, f um automorfismo.

    Como V absolutamente definvel em < U, R >, isto , invariante sobre os

    automorfismos < U, R > e V = {e? } ? J , temos V = {d? } ? J .

    Agora, a verdade de F(u), com a interpretao especificada acima, tambm nos diz

    que a quarta parte da frmula F verdadeira, ou seja, que u = d?0 para algum ?0 J. Logo m

    V . Assim, estabelecemos que se F(u) verdadeira em < U, R >, u V, o que encerra a

    demonstrao.4

    O teorema acima pode ser generalizado para estruturas de outras formas e, o que

    mais significativo, para linguagens infinitrias de ordens superiores5. Entretanto, em nosso

    caso, como a forma apresentada abarca os modelos ZFC, ela suficiente.

    Finalmente, vamos a noo de indistinguibilidade em uma estrutura. Entendemos,

    como Rogers, ser razovel sustentar que os subconjuntos do domnio de uma estrutura que

    so invariantes sob os automorfismos dessa estrutura sejam exatamente os conjuntos

    determinados por essa estrutura e, como adotamos a viso extensional conjuntista da noo

    de propriedade, isto , a viso de que uma propriedade de objetos pode ser considerada como

    um conjunto de tais objetos, podemos afirmar que as propriedades determinadas por uma

    4 Essa demonstrao est em Rogers., op. cit.

  • 16

    estrutura so as propriedades invariantes sob os automorfismos dessa estrutura e dizer que

    dois objetos no domnio de uma estrutura so indistinguveis nessa estrutura se possuem, no

    simplesmente as mesmas propriedades, mas as mesmas propriedades determinadas por tal

    estrutura. Precisemos essa definio.

    Trabalharemos com estruturas constitudas por um domnio e relaes de quasiquer

    aridade finitas nesse domnio. Aqui,essa perda de generalidade no causar prejuzo.

    Permitiremos tambm que os domnios sejam classes e no s conjuntos. Faremos isso para

    tratar, de modo mais natural, alguns exemplos. Como de hbito, em ZFC as classes, que no

    existem nessa teoria, correspondem a frmulas. Classes prprias, isso , aquelas que no

    formam conjuntos, no podem ser tratadas to livremente quanto conjuntos e tomaremos

    cuidado com isso..

    Seja A = < D , {Ri}i I > uma estrutura.

    Aqui, D uma classe e cada Ri uma relao ni ria em D, para algum nmero

    natural ni.

    Sejam a e b elementos de D (o domnio da estrutura). Dizemos que a e b so A-

    distinguveis (ou distinguveis na estrutura A, ou, ainda, distinguveis em A) se e somente se

    existe um subconjunto X de D tal que:

    i) X invariante sob os automorfismos da estrutura A, isto , f (X) = X para

    todo automorfismo f de A.

    ii) a X se e somente se b X.

    Caso contrrio dizemos que a e b so A-indistinguveis ( ou indistinguveis na

    estrutura A, ou, ainda, indistinguveis em A ).

    5 Veja da Costa, N.C.A. Generalized Galois Theory (a ser publicado).

  • 17

    Assim, os elementos a e b do domnio de uma estrutura A so distinguveis nessa

    estrutura se e somente se existir uma propriedade determinada por essa estrutura (isto , um

    subconjunto do domnio de A que seja invariante sob os automorfismos de A) que um desses

    elementos possua e outro no. Equivalentemente, a e b so indistinguveis em A

    precisamente quando pertencerem s mesmas subcolees do domnio de A invariantes sob

    os automorfismos de A, ou seja, quando possurem as mesmas propriedades determinadas

    por A, conforme adiantamos acima.

    Na introduo deste trabalho, mencionamos que um problema saber que

    propriedades so relevantes para bem caracterizar a noo de indistinguibilidade. Pois bem,

    se aceitarmos discutir problemas de indistinguibilidade no contexto de uma dada estrutura,

    parece bastante natural s admitirmos como meio de distino entre objetos propriedades

    determinadas por essa estrutura.

    Resta saber se h razo suficientemente forte para discutir questes de

    indistinguibilidade no contexto das estruturas. Esse um ponto ainda no esclarecido e que

    no abordaremos, em detalhe, aqui. Mas cabe salientar que considerando a chamada viso

    semntica das teorias cientficas, introduzida na dcada de 1950 por Patrick Suppes, e

    bastante desenvolvida desde ento6, segundo a qual apresentar uma teoria definir

    diretamente a classe de seus modelos (estruturas); parece promissor, ao menos no que diz

    respeito aos problemas de indistinguibilidade no mbito da filosofia da cincia (e os h,

    especialmente nos fundamentos da mecnica quntica, como dissemos na introduo),

    concluir o debate para o contexto das esturturas. Mais adiante neste trabalho tentaremos

    tornar essa promessa um pouco mais crvel aplicando a noo de indistinguibilidade em uma

    6 Veja Suppes, P. Set-Theoretical structures in Science, (mimeograph) Stanford University, 1970 e os captulos 2 e 3 de da Costa, N.C.A. and French, S. Science and Partial Truth, Oxford University Press, 2003.

  • 18

    estrutura ao problema das partculas indistinguveis em filosofia da mecnica quntica.

    Antes, porm, examinemos mais alguns aspectos dessa noo.

    Uma conseqncia imediata da definio de indistinguibilidade em uma estrutura a

    seguinte: seja A uma estrutura com domnio D e sejam a e b elementos de D. Ento temos

    que: a e b so A-indistinguveis se e somente se existe um automorfismo f da estrutura A tal

    que f (a ) = b. De fato, primeiro lembremos que a funo inversa de um automorfismo de A

    tambm um automorfismo de A. Agora, se f (a) = b para algum automorfismo f de A, e

    se X D invariante sob os automorfismos de A, ento se a X, temos que f (a) X,

    isto , b X; reciprocamente, se b X, temos que f -1 (b) X, ou seja, a X. Portanto, a

    X se e somente se b X, sempre que X D for invariante sob os automorfismos de A, ou

    seja, a e b so A- indistinguveis. No h subconjunto do domnio invariante sob os

    automorfismos ao qual a pertena e b no, ou vice-versa, isto , no h propriedade

    determinada pela estrutura que a possua e b no, ou vice-versa.

    Por outro lado, se temos f (a) b para todo automorfismo f de A, ento o conjunto

    das imagens de a pelos automorfismos de A, isto , o conjunto X = { f (a ): f automorfismo

    de A} tal que:

    i) a X, pois a funo identidade em D um automorfismo de A.

    ii) b X, pois b f (a) para todo automorfismo f de A.

    iii) X invariante sob os automorfismos de A, pois a composio de dois

    automorfismos de A um automorfismo de A, isto , se c X, ento, c = f(a)

    para algum automorfismo f de A. Se h um automorfismo qualquer de A,

    temos h(c) = h(f(a)) = h o f (a) X, pois hof um automorfismo de A.

  • 19

    Reciprocamente, se d h(X), ento d = h(g(a)) para algum automorfismo g

    de A. Assim, d = hog (a) X, pois hog um automorfismo de A.

    Portanto, a e b so A-distinguveis. X um subconjunto do domnio de A, invariante

    sob os automorfismos de A, ao qual a pertence e b no pertence. Em outras palavras, X

    uma propriedade determinada por A, possuda por a e no possuda por b.

    O resultado que acabamos de mostrar, muito simples tecnicamente, nos diz algo

    muito importante, que a indistinguibilidade em uma estrutura A uma relao de

    equivalncia no domnio de A. De fato, sendo A uma estrutura e sendo a, b e c elementos do

    domnio de A temos que.

    i) a A- indistinguvel de a, pois a funo identidade no domnio de A um

    automorfismo e leva a em a. Assim, A - indistinguibilidade reflexiva.

    ii) Se a A- indistinguvel de b, ento existe um automorfismo de A que leva a

    em b, da a funo inversa desse automorfismo leva b em a, e portanto, b A-

    indistinguvel de a. Assim, A - indistinguibilidade simtrica.

    iii) Se a A-indistinguvel de b, e b A-indistinguvel de c, ento existe um

    automorfismo de A que leva a em b existe um automorfismo de A que leva b

    em c, da a composio desses automorfismos leva a em c, e portanto, a A-

    indistinguvel de c. Assim, A - indistinguibilidade transitiva.

    Ou seja, a A indistinguibilidade uma relao de equivalncia.

    Em nossa opinio, ser uma relao de equival~encia condio necessria a qualquer

    relao que pretenda traduzir, genuinamente, uma idia de indistinguibilidade.

    Quando definimos a A indistinguibilidade falamos, simplesmente, em a e b serem A

    indistinguveis, sob certas condies, e no em a ser A indistinguvel de b. Isso nos

  • 20

    pareceu natural levando em conta a tradio dos problemas de distinguibilidade. Com o

    resultado acima, esse modo de expresso fica justificado.

    Tambm interessante notar que a caracterizao da A indistinguibilidade entre a e

    b como a existncia de um automorfismo de A que leva a em b est alinhada com a seguinte

    intuio de Sebastio e Silva se um elemento [do domnio de uma certa estrutura] no

    individualizvel, e, portanto, discernvel logicamente de certos outros elementos (como o

    nmero i indiscernvel do nmero -i por meio das noes primitivas usuais) parece que

    deve existir um automorfismo do sistema que transforme esse elemento em qualquer dos

    outros.7.

    Examinemos a indiscernibilidade entre i e i de que fala Sebastio Silva. Os

    objetos i e i so elementos do corpo dos complexos. Esse corpo a estrutura

    onde:

    C = { : a e b so nmeros reais} e + e . so operadores binrios em C (que

    podem, claro, ser considerados relaes ternrias em C para que se enquadrem na ltima

    definio de estrutura que apresentamos) definidas da seguinte maneira:

    < a, b > + < c, d > = < a+c, b = d >

    < a, b > . < c, d > = < ac - bd, ad + bc >

    As operaes + e . so ditas, respectivamente, a adio e a multiplicao no corpo

    dos complexos. Elas so associativas e comutativas. O elemento neutro da adio <

    0, 0 > e o da multiplicao < 1, 0 >. O inverso aditivo, ou simtrico, de < a, b > < -a,

    -b > e se < a, b > < 0, 0 >, o inverso multiplicativo de < a, b > < a/ (a2+ b2), -b/(a2+

    b2) >. Alm disso vale a distributividade da multiplicao sobre a adio.

    7 Veja Sebastio e Silva, J. Para uma Teoria Geral dos Homomorfismos, in Obras de Jos Sebastio e Silva, Lisboa, Instituto Nacional de Investigao Cientfica, 1985., p. 281

  • 21

    A funo f de C em C definida por f () = dita conjugao em C e

    um automorfismo do corpo dos complexos. Os objetos i e i so identificados,

    respectivamente, com os pares < 0, 1> e < 0, -1>. Assim, f(i) = - i , e, portanto, i e - i so <

    C, +, .> - indistinguveis.

    Os comentrios de Hartley Rogers e de Sebastio e Silva deixam claro que o que

    chamamos aqui de indistinguibilidade em uma estrutura uma noo de indistinguibilidade

    j familiar entre os matemticos. A nosso ver isso no compromete a originalidade deste

    trabalho. O ponto em que pretendemos ser, e cremos que fomos, originais na aplicao

    dessa noo a problemas filosficos, e isso faremos mais adiante. A existncia de uma

    tradio, ainda que no muito longa, de acolhimento desse tipo de indistinguibilidade no

    pensamente matemtico contribui para fortalecer essa aplicao e torn- la menos

    problemtica.

    Estabelecemos na introduo desse trabalho que, combinadas, a teoria usual de

    conjuntos, a viso extensional conjuntista da noo de propriedade e a concepo intuitiva de

    indistinguibilidade como a posse das mesmas propriedades fazem coincidir

    indistinguibilidade com identidade. Dissemos que esse estado de coisas insatisfatrio, pois

    remove dos problemas de indistinguibilidade seu carter especfico e essa remoo contraria

    a tradio filosfica, inclusive a parte recente dessa tradio. Renunciamos concepo

    intuitiva de indistinguibilidade como a posse das mesmas propriedades e adotamos a noo

    de indistinguibilidade em uma estrutura. Pois bem, a indistinguibilidade entre i e i no corpo

    dos complexos mostra que coincidncia com a identidade, ao menos nessa estrutura, no h

    mais. Verifiquemos o que aontece com respeito s estruturas em geral.

  • 22

    Chamemos de identidade em uma estrutura A, a diagonal do domnio de A, ou seja, o

    conjunto {: x domnio de A }. Em que condies as relaes de indistinguibilidade

    em A e de identidade em A coincidem? Vamos responder, agora, a essa pergunta.

    Lembremos que uma estrutura A dita rgida se e somente se seu nico

    automorfismo a funo identidade em seu domnio. claro que em uma estrutura rgida,

    todo subconjunto do domnio invariante sob os automorfismos da estrutura. Assim, dados a

    e b no domnio de uma estrutura rgida A, temos que, se a b, ento a e b so A-

    distinguveis, pois a {a} , b {a}e {a} invariante sob os automorfismos de A. Claro,

    outro modo de ver isso notar que sendo a b e sendo a funo identidade no domnio o

    nico automorfismo da estrutura A, no existe automorfismo de A que leve a em b e da a e b

    so A-distinguveis. Portanto, a indistinguibilidade em uma estrutura rgida implica

    identidade. Seja, agora, A uma estrutura na qual a A-indistinguibilidade e a identidade

    coincidem, isto , quaisquer que sejam os elementos a e b do domnio de A, temos que a e b

    so A-indistinguveis se e somente se a = b. Ento A rgida. A prova disso simples.

    Suponhamos que f seja um automorfismo de A, diferente da funo identidade no domnio

    de A. Ento existe um elemento a no domnio tal que f (a) = b a. Mas, como b a e na

    estrutura A, por hiptese, identidade e A- indistinguibilidade coincidem, ento existe uma

    subcoleo X do domnio de A, tal que:

    i) X invariante sob os automorfismos de A,

    ii) a X se e somente se b X.

    Isso, contudo, uma contradio, pois sendo X invariante sob os automorfismos de

    A, se tivermos a X, ento teremos b = f (a) X e, se tivermos b X, teremos a = f

    1 (b) X.

  • 23

    Logo, o nico automorfismo de A a funo identidade no domnio de A, ou seja, A

    rgida. Novamente, uma outra maneira de obter esse resultado lembrar que: valendo que a

    e b so A-indistinguveis se e somente se a = b se tivermos a b, ento a e b sero A-

    distinguveis, isto , no existe nenhum automorfismo de A que leve a em b. Como isso

    vale quaisquer que sejam os elementos a e b, diferentes, no domnio, no pode existir

    nenhum automorfismo de A, alm da funo identidade nesse domnio.

    Assim, as estruturas rgidas so precisamente aquelas nas quais a indistinguibilidade

    na estrutura e a identidade na estrutura coincidem. Dito de outro modo, as estruturas rgidas

    so exatamente aquelas nas quais podemos usar a propriedade de ser idntico a a para

    caracterizar a e distingu- lo (nessas estruturas) dos demais objetos do domnio, por meio do

    conceito de distinguibilidade em uma estrutura.

    O grupo de automorfismos de uma estrutura o conjunto de automorfismos dessa

    estrutura munido da operao de composio de funes. H quem sustente que um dos

    problemas fundamentais da fsica, talvez o problema fundamental da fsica, seja o de

    encontrar o grupo de automorfismos da natureza.8 evidente que, nessa formulao, o

    problema um tanto vago. Afinal, sabemos perfeitamente o que o grupo de automorfismos

    de uma estrutura, mas no sabemos se a natureza , ou pode ser adequadamente representada

    por, uma estrutura. Admitindo que seja esse o caso, e o amplo uso que os fsicos fazem de

    estruturas matemticas um bom indcio nessa direo, a formulao do problema acima

    precisa e talvez o grupo de automorfismos da natureza seja trivial, isto , possua apenas a

    funo identidade no domnio da natureza como elemento. Em outras palavras, talvez a

    natureza seja, ou possa ser adequadamente representada por, uma estrutura rgida. Nesse

    8 Creio que Weinberg disse isso, mas, infelizmente, tenho de falar de memria, pois pareo no ser capaz de encontrar a referncia apropriada.

  • 24

    caso, pelo argumento acima, indistinguibilidade na (estrutura representante da) natureza e

    identidade coincidiro e, se entendermos por objetos naturais os elementos do domnio (da

    estrutura representante) da natureza, valer o seguinte princpio da identidade dos

    inditinguveis: objetos naturais indistinguiveis so idnticos.

    importante destacar que uma tal situao seria muito diferente daquela que

    inicialmente julgamos insatisfatria. De fato, naquela, a coincidncia de uma

    indistinguibilidade intuitiva com a identidade era uma conseqncia elementar da deciso

    filosfica de usar uma determinada teoria de conjuntos, uma dada noo de propriedade e

    um certo tipo de indistinguibilidade. Agora, o quadro bem outro. Se houver coincidncia,

    no mundo natural, entre identidade e indistinguibilidade em uma estrutura, isso decorrer do

    fato de um problema monumental em fsica ter um tipo especfico de soluo. A reduo de

    problemas filosficos a problemas cientficos uma forma de naturalismo. Uma forma, a

    nosso ver, bastante atraente, ao menos no caso de problemas de indistinguibilidade que se

    encontram no mbito da filosofia da cincia.

    Mostramos, h pouco, que i e i so indistinguveis no corpo dos complexos. Com

    isso, algem poderia pensar que, se o grupo dos automorfismos da natureza for trivial, i e i

    no podero representar objetos naturais distintos. Essa seria uma concluso precipitada. Se i

    e i forem elementos do domnio de uma estrutura mais ampla, em que o corpo dos

    complexos esteja imerso, eles podem ser distinguveis nessa estrutura. Quando ampliamos

    uma estrutura, seu grupo de automorfismos pode encolher e com isso aumentar o repertrio

    de propriedades determinadas pela estrutura, que so aquelas que nos permitem fazer

    distines entre elementos do domnio. Esse um fato simples, do qual faremos um uso

  • 25

    importante no contexto desse trabalho. Antes, porm, analisemos alguns exemplos de

    estruturas.

    Exemplo 1)

    Uma boa ordem em uma classe A uma relao binria R em A tal que:

    i) R irreflexiva, isto , para todo x em A temos: no (xRx)

    ii) R transitiva, isto , quaisquer que sejam x, y, z em A temos: se xRy e yRz, ento xRz

    iii) R tricotmica, isto , quaisquer que sejam x, y em A temos: x = y ou xRy ou yRx

    iv) Todo subconjunto no vazio de A possui um menor elemento com respeito a R.

    Se R uma boa ordem de A dizemos , simplesmente, que a estrutura < A, R> uma boa

    ordem.

    Seja A = < A, < > uma boa ordem. Ento, A rgida. Realmente, se f um

    automorfismo de A diferente da funo identidade no domnio de A, ento o subconjunto do

    domnio de A formado por aqueles elementos que f no leva em si mesmos no vazio,

    assim, existe um menor elemento a A tal que f (a) a. Claro que no podemos ter f (a) =

    x < a , pois, para todo x < a, temos f (x) = x. Portanto, como < tricotmica, temos a < f(a).

    Mas, como f sobrejetora, existe b A tal que f (b) = a. Agora, no acontece b = a , pois f

    (a) a e, tambm, no acontece b < a, pois, f(x) = x para todo x < a e b a. Logo,

    novamente pela tricotomia, temos a < b e f(b) < f (a), o que contradiz o fato de f ser um

    automorfismo.

    Esse exemplo mostra que todo ordinal uma estrutura rgida. Freqentemente,

    quando estamos lidando com uma dada coleo de n objetos indistinguveis, em princpio,

    isto , objetos entre os quais, por razes prticas ou tericas, no conseguimos estabelecer

  • 26

    distines diretamente, e desejamos torn- los distinguveis por algum motivo, por exemplo,

    para falar sobre eles, geralmente o que fazemos associar um ordinal coleo desses

    objetos, o que corresponde a dizer alguma coisa como sejam o0, o1, ...., on-1 tais objetos.

    Vejamos um exemplo disso na fsica quntica. Se considerarmos duas partcula s

    indistinguveis, no sentido intuitivo de no podermos fazer distino entre elas com base em

    alguma caracterstica representvel na mecnica quntica, ento para escrever a funo de

    onda para o sistema composto por essas partculas, habitualmente ns as rotulamos com

    nomes como, digamos, partcula p1 e partcula p2 (ou, equivalentemente, particula p0 e

    partcula p1 para concordar com a escolha de ndices que fizemos acima)9. A noo de

    indistinguibilidade em uma estrutura torna claro, ao menos em princpio, o que estamos

    fazendo ao rotular as partculas, a saber, estamos associando a elas elementos do domnio de

    uma estrutura rgida, qual seja, aquela formada pelo conjunto dos nmeros naturais munido

    da ordem usual. Isso uma espcie de reverso do famoso (ou infame) processo de abstrao.

    Em um processo de abstrao ns progressivamente ignoramos distines. Aqui ns

    introduzimos distines por meio de rtulos que so ordinais.

    Frege se expressou magistralmente sobre o processo de abstrao quando escreveu:

    [o processo de abstrao] particularmente efetivo. Ns damos menos ateno a uma

    propriedade, e ela desaparece. Fazendo uma caracterstica aps outra desaparecerem,

    obtemos conceitos mais e mais abstratos... Suponhamos que haja um gato preto e um gato

    branco sentados, lado a lado , diante de ns. Ns paramos de atentar para suas cores, e eles

    se tornam incolores, mas ainda sentados lado a lado. Paramos de atentar para suas posturas, e

    eles no esto mais sentados ( embora no tenham assumido outra postura), mas cada um

    9 Veja, por exemplo, Teller, P. An interpretative Introduction to Quantum Field Theory. Princeton U.P., 1995, p. 21.

  • 27

    deles ainda est no seu lugar. Paramos de atentar para sua posio; eles deixam de ter lugar,

    mas ainda continuam diferentes...Finalmente, obtemos, assim, de cada um deles um algo

    totalmente desprovido de contedo, mas o algo obtido de um objeto dirente do algo obtido

    de outro embora no seja fcil ver como.10

    Essa dificuldade de identificar uma diferena ao final do processo fez de Frege um

    crtico severo da abstrao. Ele entendia que se a abstrao fizesse com que todas as

    diferenas desaparecessem, desapareceria tambm a possibilidade de contagem, ou melhor, a

    contagem no iria alm de um (eliminadas as diferenas entre a e b, eles seriam um e o

    mesmo objeto). Em mecnica quntica acontece o inverso do que ocorre na abstrao. H

    partculas entre as quais a teoria no permite o estabelecimento de diferena alguma. Elas

    podem ser livremente permutadas sem que tenha de haver qualquer mudana na descrio

    que a teoria faz do universo.Contudo, tais partculas, eltrons por exemplo, no s podem ser

    , como de fato so contadas para alm de um no contexto da teoria. Os fsicos dizem

    corriqueiramente coisas como: tal tomo tem tantos eltrons. Aqui, entretanto, importante

    distinguir entre dois sentidos de contagem: o sentido cardinal e o sentido ordinal. Quando

    dizemos quanto so os eltrons em um tomo, estamos, em princpio, fazendo contagem no

    sentido cardinal. Todavia, o procedimento terico habitual para fazer essa contagem consiste

    em primeiramente associar um ordinal coleo de eltrons, isto , considerar os eltrons

    como e0, e1, e2, etc.. e depois, da maneira bvia, obter o cardinal correspondente, ou seja, o

    procedimento que descrevemos acima quando falamos de associar as partculas a elementos

    do domnio de uma estrutura rgida.

    10 Veja Frege, G. Extracts from a review of Husserls Philosophie der Arithmetc, in Geach, P. and Black, M. Translations From the Philosophicals Writings of Gottlob Frege (Oxford, Basil Blackwell), 1980, pp. 84-85. Encontrei essa referncia em Shapiro, S. Thinking about Mathematics, Oxford U.P. (2000), p. 68.

  • 28

    Vamos detalhar, um pouco, a situao. Consideremos um sistema constitudo por n

    partculas indistinguveis (ou idnticas no jargo dos fsicos). O estado desse sistema

    representado por uma funo de onda y (c0, c1,..., cn 1), onde para i = 0, 1, 2, ....., n-1 ci o

    conjunto das coordenadas da i-sima partcula e y fica determinada a menos de um mltiplo

    escalar complexo cujo valor absoluto 1 (o valor absoluto do complexo < a, b> (a2 +

    b2)). Ora, quando falamos em i-sima partcula, isto , primeira partcula, segunda partcula,

    etc, estamos fazendo contagem ordinal. Matematicamente, nenhuma objeo feita a esse

    procedimento. Ele nos permite, por exemplo, mostrar, a partir do princpio de invarincia por

    permutaes, que existem apenas bsons e frmions (discutiremos isso mais adiante). Mas

    quando se trata de saber se essa indexao, ou rotulagem, das partculas por ordinais resolve

    o problema das partculas indistinguveis, a coisa muda completamente de figura. H quem

    defenda a posio de que, uma vez indexadas as partculas se tornam distintas simplesmente

    por terem ndices distintos. Por exemplo, a partcula p1 tem a propriedade de ter o ndice 1, a

    partcula p2 no, e isso as distingue. W. de Muynck um dos partidrios dessa opinio11 e

    van Fraassen defende uma doutrina que , no mnimo, compatvel com ela ao sustentar que

    as partculas podem ser individualizadas, no sentido de serem distinguidas uma das outras

    com base em caractersticas empiricamente suprfluas e no descritveis em termos de

    mecnica quntica12. Mas nem de Munynck, nem van Fraassen parecem ter argumentos

    suficientemente fortes para defender suas posies. Segundo Steven French os dois parecem

    movidos apenas pelo desejo de salvar alguma verso do Princpio da Identidade dos

    Indistinguveis. Para French,estabelecer distines entre as partculas apenas com base em

    11 Veja de Muynck, W. Distinguishabe and Indistinguishable- Particle Descriptions of Systems of Identical Particles , International Journal of theoretical Physics 14, 1975, pp. 327-346.

  • 29

    seus ndices e rtulos sugere uma metafsica de propriedades algo bizarra, uma vez que os

    prprios rtulos das partculas no esto sujeitos a teoria alguma, nem so invocados para

    explicar o comportamente das partculas.... A afirmao de que tais rtulos podem gerar

    diferena qualitativa necessria preservao do PII [Princpio da Identidade dos

    Indistinguveis] simplesmente no plausvel.13 Mais ainda French considera essa ttica um

    exemplo dos extremos a que se pode chegar na tentativa de salvar o PII. Levando em conta

    os argumentos que tm sido apresentados em favor da diferenciao entre as partculas

    apenas com base em seus ndices, difcil discordar de Steven French. De fato a indexao

    de partculas nada tem de especificamente quntico. Indexam-se eltrons do mesmo jeito

    que indexar-se- iam laranjas l0, l1, l2 etc. Apesar disso, apresentaremos adiante um argumento

    por analogia (com urelementos de ZFCU), que, talvez, diminua a implausibilidade afirmada

    por French na cito acima. Mas, ainda que no o faa , pelo menos contribuir, acreditamos,

    para esclarecer o papel dos ndices no estabelecimento de distines entre objetos. Mas

    agora, voltemos aos exemplos.

    Exemplo 2)

    Seja Z = {..., -3, -2, -1, 0 , 1, 2, 3, ....} o conjunto dos nmeros inteiros. Seja A = <

    Z, + > o grupo aditivo dos inteiros, isto , A a estrutura constituda pelo conjunto dos

    nmeros inteiros munidos da adio usual. Ento A no uma estrutura rgida. De fato, a

    funo f de Z em Z definida por f (x) = - x para todo x Z um automorfismo de A

    obviamente distinto da funo identidade em Z. Vejamos. A funo f claramente bijetora e,

    alm disso, quaisquer que sejam os inteiros x e y temos que:

    f (x + y) = - (x + y) = (-x) + (-y) = f(x) + f(y)

    12 Veja van Fraassen, B. Quantum Mechanics: an Empiricist View. Oxford U.P, 1991, pp. 432-433.

  • 30

    Assim, qualquer que seja o inteiro x, x e -x so A- indistinguveis.

    Mostremos tambm, para utilizao, futura que f o nico automorfismo de A

    diferente da funo identidade em Z .

    Seja g um automorfismo de < Z, + >.

    Ento g(0) = g (0 + 0) = g(0) + g(0). Da, g(0) = 0.

    Qualquer que seja o nmero inteiro x temos 0 = g (0) = g(x + (-x)) = g(x) + g(-x). Da

    g(-x) = - g(x). Se g(1) =1, vem que, para todo nmero natural positivo n; se g(n)= n, ento

    g(n+1) = g(n) + g(1) = n + 1. Logo g(k) = k para todo inteiro no negativo k. Como g(-k) = -

    g(k) = -k, ento, g(x) = x para todo inteiro x, ou seja, g a funo identidade em Z.

    Se g(1) = -1, ento, por um raciocnio inteiramente anlogo ao feito acima, g(x) = - x

    para todo x Z, ou seja, g a funo f definidade anteriormente.

    Se g(1) = a onde a > 1. Ento temos que 1 Imagem de g = {...., -2g(a), -g(a), 0,

    g(a), 2g(a), ...} o que contradiz a sobrejetividade de g. Pela mesma razo no podemos ter

    g(1) = a < -1.

    Assim, g tem de ser a identidade em Z ou a funo f.

    Exemplo 3)

    Seja V um universo standard de ZFC. Ento A = < V, > uma estrutura rgida.

    Primeiramente, lembremos que se V o universo bem fundado usual de ZFC (isto ,

    a classe de todos os conjuntos bem fundados), ento, claro, V no um conjunto, mas ainda

    assim, ns podemos falar de automorfismos de < V, >, ou seja, bijees de V em V (no

    sentido expandido de bijeo de uma classe prpria nela mesma ) que preservam e seu

    13 Veja French, S. Withering Away of Physical Objects in Castellani, E. (ed.) Interpretaing bodies. Classical and Quantum Objects in Modern Physics, Princeton U.P., 1998, pp.93-113.

  • 31

    complementar, isto , se h uma tal bijeo, quaisquer que sejam os conjuntos u e v temos: u

    v , se e somente se h(u) h(v).

    A rigidez de < V, > uma conseqncia imediata do chamado teorema do

    isomorfismo14. Para entender adequadamente esse resultado devemos voltar ao axioma do

    fundamento (ou da regularidade) que o seguinte:

    "x (x $ y (y x y x = ))

    ou seja, todo conjunto no vazio possui um elemento do qual ele disjunto. Ou

    ainda, dito de outra forma: todo conjunto no vazio x possui um elemento - minimal y (isto

    , y x e para todo a x temos a y, o que, claro, o mesmo que dizer y x = ).

    esse axioma que impede a existncia de conjuntos x tais que x = {x}. Como nessa

    condio teramos x {x} (visto que x {x} e x x = {x}), a existncia de um tal

    conjunto violaria o axioma.

    ele tambm, e mais geralmente, que no deixa que exista conjuntos x0, x1,..., xn,

    tais que: x0 x1 ... xn x0

    Se tais conjuntos existissem, o conjunto {x0, x1,..., xn} violaria o axioma.

    Por fim, e mais geralmente ainda, ele que probe a existncia de conjuntos x0, x1,

    x2..... que forme cadeias descendentes infinitas de pertinncia:

    x2 x1 x0

    Um conjunto T dito transitivo se e somente se para todos x e y, y x T implica y

    T.

    Para todo conjunto x definimos o fecho transitivo de X (TC(X)), da seguinte maneira:

    14 Veja Jech, T. Set Theory Spring Verlag, 2nd. Ed., 1977.

  • 32

    Fazemos X0 = X e para cada nmero natural n X n+1 = Xn. Isso estabelecido

    fazemos TC(X) = nvXn. Segue dessa definio que o fecho transitivo de X a interseo

    de todos os conjuntos transitivos que contm X e, claro, transitivo. O fecho transitivo de X

    o conjunto cujos elementos so: os elementos de X, os elementos dos elementos de X, os

    elementos dos elementos dos elementos de X, etc.

    Seja uma Cclasse no vazia qualquer. Seja S um elemento de C. Se S for for disjunto

    de C, ento S um elemento minimal de C. Se S no for disjuntivo de C, existe um elemento

    que est em C e est em S e, por estar em S, tambm est no fecho transitivo de S. Assim,

    TC(S) C conjunto no vazio. (TC(S) C conjunto, pois est contido em TC(S) e

    TC(S) conjunto). Portanto, o axioma do fundamento garante a existncia de um elemento

    - minimal de TC(S) C . Esse elemento tambm um elemento - minimal da classe C.

    Logo, toda classe no vazia possui um elemento - minimal.

    Suponhamos agora que T seja uma classe transitiva e que P seja uma propriedade tais

    que:

    (i) o conjunto vazio tem a propriedade P.

    (ii) para cada x, se x T e todo elemento de x tem a propriedade P, ento x tem a

    propriedade P.

    Nessas condies todo x T tem a propriedade P.

    De fato, seja C a classe dos elementos de T que no possuem a propriedade P. Se a

    classe C fosse no vazia ento ela possuiria um elemento - minimal. Mas (i) e (ii) tornam

    impossvel a existncia de um tal elemento - minimal. No por acaso, evidentemente, esse

  • 33

    resultado chamado de - induo. Ele estende a induo transfinita da classe dos ordinais

    para quaquer classe transitiva.

    Sejam, agora, T1 e T2 duas classes transitivas e seja h um - isomorfismo de T1 em

    T2. Ento T1= T2 e h a funo identidade em T1. Esse o teorema do isomorfismo a que

    nos referimos antes. Ele facilmente demonstrado por induo. Vejamos.

    h() = pois u se e somente se h(u) h (). Suponhamos agora, qualquer que

    seja x T1, que h(z) = z para todo z x e faamos y = h(x). Se z x, ento h(z) h(x), ou

    seja, z y. Assim, x um subconjunto de y. Por outro lado, seja t y. Como y T2 e T2

    transitiva, temos t T2 e da, pela sobrejetividade de h, existe z T1 tal que h(z) = t. Como

    h(z) y = h(x), temos z x e da t = h(z) = z. assim, t x, portanto, y um subconjunto de

    x. Conseqentemente, temos y = x, isto , h (x) = x para todo T1. Dessa forma, T1 = T2 e h

    a funo identidade em T1, o que encerra a demonstrao do teorema do isomorfismo.

    Como estamos trabalhando com um universo standard, em particular transitivo, de ZFC, a

    rigidez de < V, > segue imediatamente. Isso concorda com a idia de que na matemtica

    usual (isto , aquela construda em ZFC) identidade e indistinguibilidade no sentido

    intuitivo, coincidem, Aqui, a rigidez de < V, > garante a coincid~encia entre identidade e

    < V, > - indistinguibilidade e, equivalentemente, estabelece tambm que se a um objeto

    matemtico usual, ento a propriedade de ser ser identico a a pode ser usada para

    individualizar a, distinguindo-o dos demais objetos.

    Exemplo 4)

    Seja A = < Z, < >, onde < a ordem usual no conjunto Z dos nmeros inteiros. Ento

    A no uma estrutura rgida. De fato, consideremos para cada nmero inteiro k fixo, a

    funo f k : Z Z definida por fk (x) = x + k qualquer que seja o inteiro x.

  • 34

    f k claramente bijetora e alm disso quaisquer que sejam os nmeros inteiros x e y

    temos que: x < y se e somente se x + k < y + k, ou seja, x < y se e somente se fk (x) < fk (y).

    Assim, fk um automorfismo de < Z, < >. Dados a e b em Z, fazendo k = b - a, obtemos f

    b-a (a) = b. Logo, dados quaisquer inteiros a e b, existe um automorfismo de que leva

    a em b. Portanto, quaisquer dois inteiros so indistinguveis em . Esse exemplo ser

    utilizado adiante.

    Vamos agora introduzir uma outra noo. Seja A uma estrutura e seja X um

    subconjunto do domnio de A. Dizemos que os elementos de X so permutacionalmente

    indistinguveis em A (ou, ainda, so A-permutacionalmente indistinguveis) se e somente se

    toda permutao de X puder ser estendida a um automorfismo de A. Considermos o caso X =

    {a, b }. Se a, b so permutacionalmente indistinguveis em A, ento claro que a, b so A-

    indistinguveis. A recproca, entretanto, no vale. Examinemos a estrutura A= < Z, < > do

    exemplo anterior e sejam a, b inteiros distintos quaisquer. J vimos que a e b so A-

    indistinguveis, contudo a permutao no trivial de { a, b }, isto , aquela que leva a em b e

    b em a no compatvel com a ordem usual dos inteiros e portanto no pode ser estendida a

    um automorfismo de < Z, < >. Assim, mesmo para dois elementos, a noo de

    indistinguibilidade permutacional em uma estrutura mais forte que a noo de

    indistinguibilidade nessa estrutura. Exploraremos a indistinguibilidade permutacional no

    exemplo seguinte.

    Exemplo 5)

    Lembremos alguns pontos sobre a teoria ZFU (Zermelo Fraenkel com urelementos).

    A linguagem de ZFU tem como smbolos no lgicos o smbolo de predicado binrio

    e a constante u. Intuitivamente, os elementos de u so urelementos e os demais objetos so

  • 35

    conjuntos. Temos o axioma dos urelementos, que nos diz que cada urelemento no possui

    elemento algum, isto

    "y (y u $x x y)

    Como podemos ter muito muitos objetos, digamos, vazios, o axioma da

    extensionalidade tem de ser reformulado para se aplicar apenas a conjuntos. Ele adquire a

    forma

    "x "y ((x u y u "z (z x z y)) x = y)

    Os outros axiomas de ZF permanecem os mesmos, inclusive o axioma do

    fundamento, sendo que um elemento minimal que, em virtude desse axioma, um conjunto

    no vazio possui, pode ser um urelemento.

    Seja, agora, U um universo de ZFU. Ento a estrutura A = no rgida15. Na

    verdade qualquer permutao dos urelementos pode ser estendida a um automorfismo de A.

    De fato, seja p uma permutao dos urelementos, isto , seja p uma bijeo de u em u. Em

    um abuso de linguagem chamemos tambm de p a seguinte extenso da bijeo dada dos

    urelementos: por induo definimos, para todo x p(x) = {p (t) : t x}. Ento p um

    automorfismo de . Assim, os urelementos so permutacionalmente indistinguveis

    em . A propsito disso, encontramso Fraenkel, Bar-Hillel e Levy dizendo que: (...)

    no h caracterstica que distinga um indivduo do outro (...) em termos matemticos dir-se-

    ia que toda permutao dos indivduos pode ser estendida a um automorfismo do universo

    de elementos. 16

    15 Valem aqui observaes similares quelas que fizemos no incio do exemplo 3 a respeito de automorfismos de < V, >, onde V era um universo standard de ZFC. 16 Veja Fraenkel, A. A., Bar-Hillel, Y and e Levy, A. Foundations of Set Theory, North-Holland, 1973, p. 59.

  • 36

    Os indivduos a que eles se referem so urelementos de ZFU. A citao acima diz

    respeito ao papel desempenhado pelos urelementos na prova de Fraenkel da consistncia da

    negao do axioma da escolha com os demais axiomas de ZFU (excluindo o axioma do

    fundamento). Fica assim estabelecido que a noo de indistinguibilidade permutacional em

    uma estrutura j corrente em matemtica, o que uma vantagem do ponto de vista de

    algum que, como ns, pretenda aplicar esta noo em filosofia. Elaboremos agora, o incio

    de tal aplicao.

    Podemos fazer uma analogia entre a apresentao dos indistinguveis urelementos

    como objetos distintos e as observaes que fizemos acima (no exemplo 1) acerca da

    introduo de distines entre duas partculas por meio de indexao ou rotulagem. Para isso

    interessante considerar o modo como Paul Cohen, em seu livro clssico sobre teoria dos

    conjuntos apresenta os urelementos: a seguir discutimos modelos V nos quais o axioma da

    escolha falha.. Resultados clssicos nessa direo foram obtidos por Fraenkel e

    Mostowski...[ que] introduziram tomos [isto urelementos], i.e, objetos fictcios xi tais que

    "y (y xi ) todavia, xi xj para i j. 17

    Portanto, urelementos so distinguidos por seus ndices, por seus rtulos, que so,

    claro, ordinais. Obviamente no podemos distinguir entre os urelementos como distinguimos

    entre conjuntos. Afinal todos os urelementos possuem os mesmos elementos, a saber,

    nenhum. Se tentarmos caracterizar as diferenas entre urelementos a e b por meio da viso

    extensional conjuntista da noo de propriedade, dizendo que a b se e somente se a e b no

    pertencem aos mesmo conjuntos, camos em uma espcie de circularidade. Por exemplo, a

    {a}, assim para saber se b ou no igual a a, temos de determinar se b pertence ou no a

    17 Veja Cohen, P.J. Set Theory and the Continuum Hyphothesis, W. Benjamim, p. 173.

  • 37

    {a}, mas para isso temos de saber antes se b ou no igual a a. interessante observar

    que o mesmo tipo de circularidade foi constatado por E.J.Lowe ao analisar um critrio de

    identidade para eventos proposto por D. Davisdon. O critrio o seguinte: quaisquer que

    sejam os eventos x e y temos que x igual a y se e somente se x e y causam os mesmos

    eventos e x e y so causados pelos mesmos eventos.O problema identificado por Lowe

    reside em que se, por exemplo, x for causado por z e y for causado por w, ento, para

    determinar se x igual a y temos de saber se z igual a w e para determinar se z igual a w

    temos de saber se x igual a y18 (estamos simplificando a situao considerando que x

    causado apenas por z e y causado apenas por w e, alm disso, z causa apenas x e w causa

    apenas y; no h nessa considerao uma perda de generalidade real, levando em conta o

    ponto em que estamos aqui interessados). Como de hbito, Lowe no v o mesmo problema

    com os urelementos19 e, de fato, no h com eles problema algum, desde que admitamos

    como legtimas as distines estabelecidas por meio de ndices ou rtulos; desde que, por

    exemplo, acompanhando Cohen, aceitemos que o urelemento x1 diferente do urelemento x2

    simplesmente porque 1 diferente de 2. Parece muito fcil e natural aceitar isso, tal

    aceitao tem carter definicional , mas vimos acima no caso das partculas da teoria

    quntica distines que tinham por base apenas ndices ou rtulos foram consideradas por

    Steven French como ilegtimas, e a posiao de French neste caso , tanto quanto seja do meu

    conhecimento, a que reflete o pensamento amplamente dominante sobre esse assunto. Dizer,

    sem maiores explicaes que a partcula p1 diferente da partcula p2 simplesmente porque 1

    diferente de 2 soa bastante implausvel. Mas, afinal, porque a situao dos urelementos

    parece to diferente da situao das partculas? Porque o mais do que plausvel para eles ,

    18 Veja Lowe, E.J. Objects and Criteria of Identity in Hale, B. and Wright, C. (ed.) A Companion to the Philosophy of Language , Blackwell, 1999, pp. 613-33.

  • 38

    ou parece ser, altamente implausvel para elas? Uma possvel resposta para essas perguntas

    seria dizer que os urelementos so construes mentais nossas e por isso temos sobre eles

    controle suficiente para distingu- los uns dos outros por meio de rtulos, ou seja, como

    dissemos acima, especificamos a noo de urelemento de tal maneira que podemos distinguir

    os urelementos uns dos outros por meio de seus ndices. J as partculas seriam elementos

    constitutivos do mundo, descritas e no construdas pela teoria quntica, e sobre elas nosso

    controle seria bem menor. Os ndices seriam recursos artificiais para estabelecer distines

    entre elas e no representantes de diferenas genunas. Essa resposta , ao nosso ver,

    totalmente insatisfatria. Ela est comprometida com uma doutrina construtivista em

    matemtica e outra realista quanto a entidades em fsica. Essas doutrinas j tm seus prprios

    problemas e no devem alicerar a diferena entre urelementos e partculas no que diz

    respeito distinguibilidade por ndices. Claro que h outras respostas possveis., entretanto

    procurarei, no prximo captulo, mostrar que, no que concerne ao estabelecimento de

    distines por meio de rtulos, urelementos e partculas podem ser vistos de maneiras

    anlogas. A analogia est ligada indistinguibilidade permutacional. Espero, assim, em

    alguma medida, contestar a posio segundo a qual distines entre partculas feitas

    exclusivamente com base em ndices no so genunas. Antes, porm, para a utilizao

    futura, vamos considerar as seguintes definies.

    Seja A = < D, {Ri}iI > uma estrutura. Dizemos que uma estrutura B uma expanso

    de A se e somente se B = < D, {Ri}iI J > onde I J = . Em outras palavras, B uma

    expanso de A se e somente se B obtida acrescentando-se novas relaes a A. Por exemplo,

    a estrutura < Z, +, < > constituda pelos inteiros munidos da adio e da ordem usuais

    19 Veja Lowe, op. cit.

  • 39

    uma expanso de < Z, + >, o grupo aditivos dos inteiros. Dizemos que B uma expanso

    rgida trivial de A se e somente se B satisfizer as seguintes condies:

  • 40

    i) B uma expanso de A

    ii) B = < D, {Ri}iJ > rgida (nesse caso, claro, B tambm rgida).

    Ou seja, B uma expanso rgida trivial de A precisamente quando as novas relaes

    acrescentadas a A para obtermos B so, sozinhas, suficientes para assegurar a rigidez de B,

    independentemente das relaes originais de A. Por exemplo, se A = < Z, + >, ento

    B = < Z, +, {0}, {1}, {-1}, {2}, {-2}... > uma expanso rgida trivial de A, uma vez que B

    obviamente uma expanso de A e, alm disso, a estrutura B = < Z, {0}, {1}, {-1}, {2}, {-

    2}...> tambm obviamente rgida. As relaes acrescentadas a A para produzir B tornam,

    por si s, B rgida, independentemente da adio dos inteiros que j estava na estrutura A.

    Podemos ver, com facilidade, que toda estrutura tem uma expanso rgida trivial, por

    exemplo, a expanso obtida acrescentando-se estrutura original todos os conjuntos

    unitrios de elementos de seu domnio. Foi o que fizemos no exemplo imediatamente acima

    com o grupo aditivo dos inteiros. Dada uma estrutura A = < D, {Ri}iI >, um outro modo de

    obter uma estrutura B que seja uma expanso rgida trivial de A fazer B = < D, {Ri}iI, < >,

    onde < uma boa ordem de D. A existncia de uma tal boa ordem garantida pelo axioma

    da escolha ( ou pelo axioma da escolha global).

    Para encerrar esta seqncia de definies, dizemos que uma estrutura B uma

    expanso rgida no trivial de A = < D, {Ri}iI > se e somente se as seguintes condies

    forem satisfeitas:

    (i) B uma expanso de A

    (ii) B rgida

    (iii) B = < D, {Ri}iJ > no uma estrutura rgida.

  • 41

    Nesse caso as novas relaes acrescentadas a A para se obter B no so, sozinhas,

    suficientes para assegurar a rigidez de B, independentemente das relaes originais de A. Por

    exemplo, se A = , ento, B = < Z, +, < > uma expanso rgida no trivial de A.

    De fato, rgida, pois, como j vimos, o nico automorfismo de < Z , + >

    diferente da funo identidade em Z f: Z Z definida por f(x) = - x para cada x inteiro e

    essa funo f no preserva a ordem < .

    Mas < Z, < > no rgida, pois, como tambm j vimos, para cada inteiro k fixo, a

    funo fk : Z Z definida por fk (x) = x + k, para cada x inteiro, um automorfismo de <

    Z, < >. Para um outro exemplo, consideremos novamente A = < Z, + > . Ento cada

    estrutura B = < Z, +, {k} >, onde k um inteiro no nulo arbitrariamente fixado, uma

    expanso rgida no trivial de A, pois embora B seja rgida (novamente porque o nico

    automorfismo de < Z, + > diferente da funo identidade em Z no preserva {k}, quando k

    um inteiro no nulo), B = < Z, {k} > no rgida uma vez que h infinitas bijees de Z

    em Z que fixam k e cada uma dessas bijees um automofrismo de < Z, {k} > . Por outro

    lado, < Z, +, {o} > no uma expanso rgida no trivial de < Z, +> , j que , claramente,

    no rgida.

    Vimos que toda estrutura tem uma expanso rgida trivial. Com as expanses rgidas

    no triviais a situao outra. Um exemplo de estrutura que no possui expanso rgida no

    triviais A = , inde D = {1,2} e r = { }, }. De fato, a funo f: D D

    definida por f(1) = 2 e f(2) = 1 um automorfismo de A, portanto A no uma estrutura

    rgida. Se B uma expanso rgida de A, ento as relaes acrescentadas a A para formar B

    tm de, por si s, fazer com que a funo f deixe de ser um automorfismo, mas como a nica

    permutao de D, alm de f, a funo identidade, ao serem capazes de fazer isso, tais

  • 42

    relaes so, szinhas, suficientes para assegurar a rigidez de B. Logo, a estrutura B tem de

    ser uma expanso rgida trivial de A.

    Uma outra noo que devemos considerar, ainda que muito brevemente, antes de

    passar s aplicaes mecnica quntica, a de coordenatizao ou mensurao. Essa uma

    noo bastante complexa, tendo como aspecto central a expressibilidade por meio de

    nmeros entendidos em um sentido amplo como entidades com as quais podemos operar.

    Contribuies fundamentais para entender, de uma perspectiva abstrata, os processos de

    coordenatizao ou mensurao foram dados por Hermann Weyl e Patrick Suppes20.

    Contudo, para os propsitos deste trabalho, basta que nos concentremos em um nico

    aspecto da coordenatizao, qual seja, o que trata da introduo de distines. Esse aspecto

    destacado por Shafarevich ( na pgina 7 de seu livro Basic Notions of Algebra) da seguinte

    maneira: os objetos que funcionaro como coordenadas tm de ser individualmente

    distinguveis, para que, por meio deles, estabeleam-se distinesentre objetos que possuem

    as mesmas propriedades. Shafarevich d como exemplo a coordenatizao dos pontos de

    uma reta, os quais, segundo ele, possuem as mesmas propriedades (metaforicamente,

    Shafarevich afirma que um ponto pode ser fixado apenas quando colocamos o dedo sobre

    ele) enquanto que nmeros reais, por exemplo, 3, 7/2, 2, p , que coordenatizam esses

    pontos so individualizados e distinguveis uns dos outros. Em uma outra metfora,

    Shafarevich diz que o mesmo processo ocorre quando filhotes de cachorro recm-nascidos,

    indistinguveis para seu dono, so identificados por meio de fitas coloridas amaradas em

    volta de seus pescoos.

    20 Veja, por exemplo, Krantz,D. Luce, R., Suppes, P. and Tversky, A. Foundations of Measurement, Academic Press, 1971 e Weyl, H. The Classical Groups, Princeton University Press, 1939.

  • 43

    Resumindo, para Shafarevich os pontos de uma reta so indistinguveis (certamente,

    o mesmo, segundo ele, poderia ser dito dos pontos de um plano ou do espao) e ao associar a

    esses pontos coordenadas, que no nmeros reais, ns os distinguimos uns dos outros. Seria

    razovel interpretar a posio de Shafarevich como um reconhecimento de que so legtimas

    as distines entre pontos feitas por meio de rtulos, ndices, que so nmeros reais.

    Entretanto, no fcil entender a natureza dessa legitimidade. Por exemplo, parece claro que

    para que o processo de coordenatizao funcione, nmeros reais diferentes tm de

    corresponder, como coordenadas, a pontos diferentes, mas sendo os pontos indistinguveis,

    como saber que so diferentes?

    A questo da indistinguibilidade ou no dos pontos do espao (ou de um plano, ou de

    uma reta) muito importante. Em seu Introduction to Mathematical Philosophy (na pgina

    192, que, alis, j mencionamos neste trabalho), Russell afirma que, em virtude da

    diferenciao espao-temporal, o Princpio da Identidade dos Indistinguveis de Leibniz

    empiricamente verdadeiro no que diz respeito a particulares no podem dois particulares

    ter as mesmas relaes espaciais e temporais com todos os outros os outros particulares. O

    mesmo caminho foi seguido por Carnap, que em seu The Logical of Syntax of Language

    (pgina 50), sustentou que no sequer concebvel que dois objetos diferentes coincidam em

    todas as suas propriedades se por propriedades entendemos tambm aquelas referentes

    posio. Temos, assim, tanto por parte de Russell como de Carnap, a defesa da seguinte tese:

    dois objetos diferentes sempre podem ser distinguidos um do outro por ocuparem, em um

    dado momento, posies diferentes no espao. Claro que essa tese equivalente a tese da

    impenetrabilidade material, segundo a qual objetos diferentes no podem, ao mesmo tempo,

    ocupar o mesmo lugar no espao. A impenetrabilidade material no vale no mundo quntico,

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    e, portanto, fica limitado o escopo da tese. H, aqui, contudo, um outro problema

    para o qual nos chamou a ateno Max Black em seu famoso artigo sobre a identidade dos

    indistinguveis 21. Se quisermos dizer que dois objetos (duas esferas no exemplo de Black)

    so distintos por ocuparem, num dado momento, posies distintas no espao, no podemos

    dizer que as posies so distintas por serem ocupadas por objetos distintos, pois isso nos

    faria cometer o pecado da circularidade. Se quero fazer distino entre objetos por meio das

    posies que eles ocupam no posso fazer distino entre posies por meio dos objetos que

    as ocupam. No posso dizer, por exemplo, que este canto da sala diferente daquele canto

    da sala porque neste h uma cadeira e naquele no. Ora, sem poder fazer disines entre

    posies espaciais por meio de objetos, uma alternativa seria reconhecer como legtimas e

    genunas as distines entre posies espaciais estabelecidas por meio de coordenatizao

    (com uma tripla de coordenadas reais coordenatizando cada ponto do espao). Haveria

    outras possibilidades. Bem, vejamos.

    Para discutir esse tpico muito oportuno considerar a seo 428 (pgina 452) do

    The Principles of Mathematics de Russell, onde discutido um argumento do filsofo

    alemo, do sculo XIX, Rudolf Hermann Lotze, contra um espao composto de pontos. O

    argumento tem origem na identidade dos indistinguveis de Leibniz e procura derivar uma

    contradio do fato de que os pontos seriam exatamente todos iguais (no sentido de

    possurem as mesmas propriedades, incluindo a as mesmas relaoes mtuas). Russell (que

    na seo 325, pgina 346, havia afirmado que a oposio entre identidade e diversidade em

    uma coleo um problema fundamental da lgica e, talvez, o problema fundamental da

    filosofia) rejeita o argumento, mas a parte que nos interesa, aqui, aquela contida na

    21 Veja Black, M. The Identity of Indiscernibles (1952) in Loux, M. Universals and Particulars, 2nd ed. University of Notre Dame Press, 1976.

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    seguinte citao: Onde, ento, est a plausibilidade da noo de que todos os pontos so

    exatamente iguais [no sentido especificado acima]? Essa noo , creio, uma iluso

    psicolgica, devida ao fato de que ns no podemos recordar um ponto, de modo a

    reconhec- lo quando o encontramos novamente. Dentre pontos simultaneamente

    apresentados facil distinguir [por coordenatizao?]; mas embora estejamos perpetuamente

    em movimento, e, portanto, sendo trazidos a novos pontos somos incapazes de detectar esse

    fato por meio de nossos sentidos, e reconhecemos lugares somente por meio de objetos que

    eles contm (...) Faamos uma analogia: suponhamos um homem com uma memria muito

    ruim para faces: ele seria capaz de saber, a qualquer momento, se viu uma face ou muitas,

    mas ele no seria capaz de saber se j viu qualquer das faces antes. Assim ele seria levado a

    definir pessoas pelas salas em que ele as viu e a supor autocontraditrio que novas pessoas

    comparecessem s suas aulas, [o homem em questo um professor], ou que pessoas antigas

    deixassem de faz- lo. No ltimo caso, pelo menos, ser admitido por professores que ele

    estaria errado. E assim como com as faces, tal com os pontos inabilidade para reconhec-

    los tem de ser atribuda, no ausncia de individualidade, mas meramente a nossa

    incapacidade.

    Filhotes de cachorro, dedos fixadores de pontos, faces humanas, iluso psicolgica,

    reconhecimento de (mas no distino entre) posies somente pelos objetos que elas

    contm, circularidade. A situao parece, de fato,bastante confusa e a ilustrao de doutrinas

    filosficas por metforas certamente, ao menos no presente caso, indica o pequeno progresso

    no estudo deste tpico. Metforas podem ilustrar bem certas intuies valiosas, mas

    preciso assentar a discusso sobre bases mais firmes. Faremos uma tentativa nesta direo.

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    Para isso precisaremos de alguns conceitos matemticos, mais especificamente topolgicos,

    que, que passamos a apresentar.

    Um espao mtrico consiste em um conjunto S juntamente com uma funo d que a

    cada par de pontos S associa um nmero real no negativo satisfazendo ess