terrorismo de estado na russia: a guerra na tchetchenia nos descaminhos da indústria da violência

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  • 7/22/2019 Terrorismo de Estado na Russia: a guerra na Tchetchenia nos descaminhos da indstria da violncia

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    s

    AtIwm y

    .. R ync I;

    {t;vgest.an

    Stavropol

    K rd

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    TERRORISMO DE ESTADO

    NA RSSIA:

    a guerra na Tchetchnia nos descaminhos

    da indstria da violncia

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    SUMRIO

    Apresentao

    7

    A

    regio da Tchetchnia: aspectos socioculturais

    11

    I. Dados geogrficos e demogrficos / 11

    - Tchetchnia /

    11

    - Tchetchenos / 11

    - Organizao social e econmica / 11

    - Idioma tchetcheno / 13

    lI. Moradia tradicional dos tchetchenos / 13

    - Arquitetura medieval da Tchetchnia e da Inguchtia / 14

    IlI. Apontamentos cronolgicos das relaes entre a Rssia e a

    Tchetchnia(sculos 16-19)/16

    Estado totalitrio na Unio Sovitica e seu legado na Rssia

    contempornea

    19

    I. Nota sobre a formao do Estado moscovita na Rssia czarista / 19

    lI. Levantes populares e revolues no incio do sculo 20 /19

    III. Poder estatal bolchevique e a elaborao do discurso ideolgico

    comunista (centralizao e expansionismo do poder) / 24

    IV O Estado totalitrio na Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    (URSS): militarizao, represso e russificao / 28

    V O fim da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas e a formao

    da atual Federao Russa/29

    VI. A ascenso de Vladimir Putin ao poder presidencial da Rssia / 31

    Terrorismo deEstado e a guerra na Tchetchnia

    35

    I. Introduo / 35

    lI. Deportao do povo tchetcheno em 1944/ 36

    Ill.A retomada dos movimentos pela autonomia poltica da Tchetchnia

    e os antecedentes da guerra (1990-94) / 37

    IV Conflito armado (1994-1996) - 1a fase da guerra /41

    - Crimes de guerra na vila Samchki / 48

    V Conflito armado (1999- ????) - 2

    a

    fase da guerra / 50

    - Situao na regio de Stavropol em 1999/ 50

    - Daguesto -1999/ 52

    5

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    VI. Perdas da populao civil durante as guerras na Tchetchnia/ 53

    VII. Perdas do exrcito da Federao Russa durante as guerras na

    Tchetchnia / 54

    VIII. Depoimento de um oficial do exrcito russo / 55

    IX. As condies sociais na Tchetchnia na atualidade: Tchetchnia e

    gueto / 56 .

    Refugiados tchetchenos 59

    I. Introduo / 59

    lI. Migrao forada na regio da Inguchtia / 59

    m.

    Discriminao de tchetchenos em Moscou /61

    IV. Crescimento da xenofobia na Rssia. Discriminao de minorias

    tnicas / 62

    Palavras no silncio 67

    Psfcio

    73

    Anexos 75

    L Cronologia das relaes en tre a R ssia e a Tchetchn ia sculos 20-21 /7 7

    lI. As Tchekas: decretos, artigos e documentos oficiais / 84

    m. Perseguio dos camponeses na Unio Sovitica /88

    IV. In memoriam deAnna Politkvskaia /98

    V.Pierm e a luta antimilitarista na Rssia contempornea /

    108

    VI. Poesia popular tchetchena / 111

    6

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    APRESENTAO

    - Sabe o que que eu digo s pessoas quando me dizem que esto

    escrevendo livros contra a guerra?

    - No sei. Que que voc diz, Harrison Starr?

    - Eu digo, por que que, em vez disso, voc no escreve um livro

    contra geleiras?

    (Matadouro n 5 ou A Cruzada das Crianas. Kurt Vonnegut Jr.)

    Pero con todo, nunca, en n ingn perodo de Ia vida de Ia humanidad,

    Ias gueras fueron Ia condicin normal de Ia vida. Mientras los guereros se

    destruan entre s, y los sacerdotes glorificaban estos homicidios, Ias masas

    populares proseguan llevando Ia vida cotidiana y haciendo su trabajo

    habitual de cada da. Y seguir esta vida de Ia masa, estudiar los mtodos

    con cuya ayuda mantuvieron su organizacin social, basada en sus

    concepciones de Ia igualdad, de Ia ayuda mutua y deI apoyo mutuo - es

    decir, su derecho comn -, aun entonces, cuando estaban sometidos a Ia

    teocracia o aristocracia ms brutal en el gobierno, estudiar esta faz deI

    desarrollo de Ia humanidad es muy importante actualmente para una

    verdadera ciencia de Ia vida.

    l Apoyo Mutuo. Pedro Kropotkin)

    Fico cientfica e guerra so os temas principais do livro Matadouro n

    5 ou A Cruzada das Crianas, do escritor Kurt Vonnegut. Testemunha do

    massacre de milhares de pessoas no bombardeio sobre a cidade de Dresden,

    durante a Segunda Guerra Mundial, o personagem Bi11yPilgrim percorre

    diversas falhas no espao-tempo sideral aps ser abduzido pelos tralfa-

    madorianos - aliengenas que, dentre outras singularidades, no compreendem

    o significado de livre-arbtrio. Para aqueles estranhos seres, no se prestam

    explicaes ou advertncias sobre acontecimentos que podem ser realizados

    ou evitados: os acontecimentos simplesmente existem. Dessa maneira, Billy

    Pilgrim passa

    aceitar passivamente todas as mazelas de sua existncia e do

    mundo ao seu redor, reduzidas numa espcie de predestinao csmica ou

    ainda, em suas palavras, coisas da vida.

    Mas a fico cientfica desta concepo de histria no reside apenas

    no romance do escritor. A provocativa interrogao de Harrison Starr

    corresponde ao sentimento de apatia e alienao generalizada observada na

    sociedade russa neste incio de sculo 21, no contexto em que o genocdio

    do povo tchetcheno toma-se algo comum, coisas da vida.

    A principal motivao deste trabalho, intitulado TERRORISMO DE

    ESTADO NA RSSIA: a guerra na Tchetchnia nos descaminhos da

    7

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    indstria da violncia, a tentativa de desfazer o silncio de uma guerra

    que j vitimou centenas demilhares de pessoas, provocou uma das maiores

    ondas contemporneas de refugiados na regio e instaurou uma poltica de

    medo cotidiano de escala continental. E as dificuldades para constru-lo no

    foram poucas, uma vez que a perspectiva de anlise autnoma e independente

    da questo exigiu uma atividade depesquisa, incessante, realizada nas brechas

    de nosso tempo cotidiano e sem qualquer auxlio financeiro.

    Assim, entre o final do ano de 2004 e o incio de 2006, reunimos e sinte-

    tizamos os diversos materiais recolhidos (livros, fotos, fanzines,jornais,

    revistas, documentos etc.) e as impresses subjetivas em ocasio davivncia

    de dois meses nas cidades de Moscou e So Petersburgo, alm da vila rural

    de Priamukhino (I1P5IM)TXHHO).ambm traduzimos diversos artigos e textos

    disponveis em stios eletrnicos, devidamente indicados nas notas de

    referncia.

    Ao mesmo tempo, contamos com a colaborao de Lida Iussupova,

    representante da ONG Memorial na cidade de Grozny (Tposnsr), capital

    da Tchetchnia (lIeqH5I),reconhecida ativista na luta em defesa dos direitos

    humanos de seu povo. Convidada pela Federao Internacional de Direitos

    Humanos a participar do IV Frum Social Mundial, realizado no Brasil em

    janeiro de2005, Lida nos relatou as atuais condies de vida dos tchetchenos,

    a histria das guerras, aresistncia de seu povo contra a violenta ditadura do

    Estado sovitico e, atualmente, contra os crimes de guerra das tropas militares

    russas.

    Enfocamos basicamente quatro pontos cruciais do tema em questo.

    Primeiramente, compilamos alguns dados elementares sobre a regio do

    Cucaso setentrional e o povo tchetcheno: geografia, demografia, economia,

    sociedade, arquitetura e outros aspectos bsicos para compreendermos um

    povo que incorpora em sua histria a luta pelo direito ao autogoverno local e

    a resistncia contra tentativas de dominao. Nesse sentido, citamos tambm

    os principais focos de conflito entre a Rssia e a Tchetchnia entre os sculos

    16 e 19.

    Em seguida, buscando apresentar um ponto de vista sobre a atual

    situao poltica na Rssia e a origem da guerra na regio da Tchetchnia em

    1994, refazemos a trajetria de formao do Estado totalitrio da Unio

    Sovitica: os levantes populares russos do incio do sculo 20 e sua

    apropriao ideolgica pela ascenso do Partido Bolchevique ao poder aps

    a Revoluo de 1917; a militarizao proveniente da industrializao blica

    conjugada ao desmantelamento da vida campesina; a opo do Partido

    Comunista sovitico pela economia capitalista de Estado, traduzi da pela

    diviso do trabalho social; o processo de russificao e sufocamento das

    habilidades de auto-subsistncia dos povos e comunidades tradicionais

    espalhados pelo continente. Salientamos a importncia dessa abordagem

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    devido herana latino-americana da mitificao da ideologia comunista,

    propagandeada intensificadamente durante a poca da Guerra Fria (sob a

    gide falaciosa em que, para combater a poltica imperialista estadunidense,

    o inimigo do meu inimigo meu amigo ), e cujas conseqncias serevelam,

    ainda que anacronicamente, na tolerncia e cumplicidade de alguns setores

    da sociedade em estabelecer vnculos polticos e econmicos com outras

    formas de imperialismos contemporneos (como, por exemplo, o russo ou o

    chins). Descrevemos, ao final desta parte, um breve panorama do fim da

    URSS e da atual ascenso de Vladimir Putin ao poder presidencial da Rssia.

    Na terceira parte do trabalho, apresentamos a evoluo do conflito na

    regio da Tchetchnia, principalmente a partir do advento da imploso da

    Unio Sovitica, em 1991, e os conseqentes movimentos emancipatrios

    observados em suas ex-Repblicas, Procuramos caracterizar as diferenas

    fundamentais entre o primeiro perodo da guerra na Tchetchnia (1994-1996)

    - fundada na luta pela independncia local e pela possibilidade denegociaes

    entre representantes da Federao Russa e da Tchetchnia - e o segundo

    perodo da guerra (reiniciada em 1999) - dentro da perspectiva das aes

    terroristas de rebeldes tchetchenos e das medidas de controle e represso

    da sociedade russa. Por outro lado, ambos os momentos do conflito res-

    guardam semelhanas fundamentais: a populao civil tomada como refm

    pelas foras militares, o aumento das dificuldades sociais na Tchetchnia e na

    Rssia, os horrores da guerra. importante notar que a designao de

    atentados ter roristas v incula-se a uma construo poltico-ideolgica do

    governo russo, procurando deslegitimar as reivindicaes de independncia

    poltica da Tchetchnia. Por outro lado, as operaes militares do exrcito

    russo naTchetchnia, que causam amorte de civis, assim comoo s seqestros,

    estupros, e outras formas de violncia psicolgica e torturas, no so

    considerados crimes de guerra, nem atos terroristas.

    Em decorrncia direta de tal panorama, colocamos em seguida a

    problemtica dos refugiados tchetchenos nas regies da Federao Russa,

    principalmente nos territrios vizinhos (como a Inguchtia) e nas grandes

    cidades (como Moscou e So Petersburgo). Nesse sentido, o fortalecimento

    do nacionalismo russo aliado a discursos e prticas preconceituosas ou

    xenfobas (muitas vezes servindo de base ideolgica para agresses fisicas e

    psicolgicas, linchamentos e assassinatos de indivduos pertencentes amino-

    rias tnicas) acentuam o genocdio em curso do povo tchetcheno.

    Colocamos nas consideraes finais uma sntese do panorama da

    sociedade na Rssia contempornea, centrada na poltica de medo cotidiano

    implementada pelo governo russo atravs da atualizao dos mecanismos de

    represso social e no papel crucial dos servios e produtos da indstria da

    violncia, objetivando o revigoramento de uma economia decadente: poltica

    e objetivos, alis, absolutamente condizentes com asjustificativas de guerra

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    propagadas pelos Estados Unidos na luta global contra o terrorismo. Por

    outro lado, destacamos movimentos organizados de resistncia contra a guerra

    na Tchetchnia e contra a xenofobia.

    Nos anexos desta obra sistematizamos a cronologia das relaes polticas

    e principais conflitos entre a Rssia e a Tchetchnia durante os sculos 20 e

    21; traduzimos um texto referente

    perseguio dos camponeses e outro

    sobre a criao da Tcheka l. JK : tcherezvytchinaia komssiia), polcia

    bolchevique, e seus desdobramentos no desenvolvimento dos mecanismos

    de represso estatal; relatamos a campanha antimilitarista em curso na cidade

    de Pierm; inclumos algumas fotos que integraram a exposio

    Guerra e

    Paz na Rssia: cultura e resistncia no sculo

    21 ,

    organizada em algumas

    cidades do Brasil durante o ano de 2005. Traduzimos um artigo de Anna

    Politkvskaia.jomalista assassinada h um ms. Ao final, uma poesia popular

    tchetchena.

    Ressaltamos que este trabalho dedicado a todos os que no conside-

    ram a guerra como algo inerente

    Histria, nem se conformam passivamente

    perante violaes de direitos humanos fundamentais e que, contrariamente a

    qualquer concepo de predestinao, acreditam nas atitudes individuais,

    aes coletivas, movimentos sociais e outras formas de manifestaes para

    resistirmos aos fundamentalismos religiosos e doutrinas ideolgicas, supe-

    rando com lucidez nossa condio humana - e que isso no sej ajamais visto

    como algo aliengena

    nossa espcie.

    Ao Literria pela Autodeterminao dos Povos

    Novembro 2006

    [email protected]

    Protesto em Moscou contra a guerra na Tchetchnia

    10

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    ARegio

    da chetchnia

    aspectos socioculturais

    I Dados geogrficos e

    demogrfcos

    Tchetchnia

    Territrio: 19300 km/.

    Diviso administrativa:

    12

    regies; seis cidades, quatro vilas urba-

    nizadas,

    165

    vilas.

    Capital: cidade de Grozny (210.700 habitantest .

    Cidades principais: Chali (Lllanu) (40.350 habitantes), Urus-Martan

    (Ypyc-Mapman)

    (39.980 habitantes), Gudermes

    (Tyepuec)

    (33.750

    habitantes), Argun (ApZyH) (25.700 habitantes).

    Tcltetcltenos

    Autodenominao: notchkhiy

    Religio predominante: muulmanos sunitas.

    Os povos vainatckhi , que significa nosso povo , autodenominao dos

    tchetchenos, assim como de seus irmos inguches, so moradores enrai-

    zados do Cucaso Setentrional. So mencionados nas fontes arrnnias do sculo

    7, sob o nome de nakhtchamat-ian.

    No Casaquisto, regio para qual os tchetchenos e inguches foram depor-

    tados em 1944, ainda moram aproximadamente 32.000 tchetchenos. H dis-

    poras na

    J

    ordnia (5. 000 pessoas) e nos Emirados rabes (1. 000 pessoas).

    Organizao social e econmica

    A estrutura social das comunidades tradicionais na regio da Tchetchnia

    e do Cucaso Setentrional era formada por teipes, compostas por diversas

    famlias. Alm disso, as

    teipes

    aceitavam outros agregados em sua com-

    posio social, provindos de outras regies.

    1. Fonte: www.kavkaz.memo.ru/regionstext/chechnya (acessado em 10 de junho de 2006).

    2. Dados demogrficos referentes ao ano de 2002.

    3. Dados de 1999. Fonte: idem.

    11

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    Nas teipes, constitudas por uma vila ou por um conjunto de vilas, as

    questes cotidianas referentes aos seus habitantes eram decididas nos

    conselhos, compostos pelos ancios e, em alguns casos especficos, por

    outros representantes da comunidade. O Conselho dos conselhos legislava

    sobre questes que envolviam o coletivo das teipes. Formava-se, ainda, o

    Conselho Maior, congregando todos os povos das montanhas. No caso de

    guerra, escolhia-se um lder, a quem todos os habitantes juravam lealdade

    militar.

    A terra, as guas e os bosques pertenciam aos habitantes das vilas. As

    tarefas de subsistncia eram realizadas pela prpria comunidade, baseadas

    essencialmente na plantao de batata, milho e trigo, alm das atividades

    pastoris. Pelas torres de pedra, a segurana da comunidade garantia-se atra-

    vs de atenta observao do territrio.

    Essa forma de organizao social dos povos das montanhas se contra-

    punha s tentativas de estabelecimento de um Estado ou outras formas de

    hierarquizao institucional. Tais caractersticas permaneceram, em parte,

    at o incio da recente guerra na Tchetchnia .

    Na plancie do Cucaso Setentrional, as ocupaes tradicionais so

    agricultura (milho, trigo, cevada, milho-mido) e criao de gado; nas regies

    montanhosas - pastos e agricultura nos terraos.

    Indstria artesanal: confeco de burkas (roupa tradicional de pele),

    curtume, cermica, produo de armas e de jias, trabalhos com madeira e

    pedra, minerao.

    Roupa tradicional masculina: tcherkesska, bechmet, charovary, burka

    e bachlyk. Cobertura para cabea - papakha (gorro alto de pele), chapu de

    feltro, solidu bordado. Mulheres vestiam camisas longas - vermelhas, ama-

    relas, verdes ou azuis e charovary, bechmet no inverno. Para cobrir a cabea

    usavam leno de seda ou de l; calavam -

    tchuviaki,

    botas, sapatos. Atual-

    mente os moradores idosos preservam alguns elementos dos trajes na-

    CIOnaIS.

    Comida tradicional: pratos de farinha de milho ou trigo - galuchki, sopas

    e mingaus variados, panquecas sem sal. Pratos lcteos populares - tvorog

    (espcie de ricota) com smetana e tvorog com manteiga derretida.

    Folclore: lendas, estrias, contos de fadas, canes. Tradies antigas

    de dana e msica. Os instrumentos musicais mais comuns so tchondyrk

    4 . A autoridade dos ancios, por exemplo, est presente at os dias atuais, porm foi en fra quecida

    pelas operaes militares - conforme Lida Iussupova, da ONG Memorial.

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    (tipo de violino bilateral), detchigpondar (tipo de balalaika montanhesa),

    zurna,

    pandeiro e tambor .

    dioma

    tchetcheno

    o

    idioma tchetcheno uma das lnguas

    nakhsko-daguests

    (do Cucaso

    oeste).

    difundida principalmente na Tchetchnia e nas regies de Khasav-

    Iurt (XacaB-IOpT) eNovolkski (Hosonaxcx) do Daguesto, etambm, na

    Inguchtia e na Gergia; alm disso, em menor grau, na Sria, na Jordnia e

    na Turquia. H vrios dialetos. A fontica da lngua tchetchena possui um

    vocalismo complexo e um grande nmero de ditongos e tritongos.

    A lngua literria tchetchena formou-se no sculo 20 na base do dialeto

    da regio plancie. A escrita em tchetcheno at 1925 funcionava com a grafia

    rabe, em 1925-1938 com grafia latina, e apartir de 1938 com grafia cirlica,

    usando um smbolo auxiliar: a letra I, e alguns dgrafos:

    K X , as,

    TIetc.) e

    trgrafos

    ys ,

    Apartir de 1991 houve tentativas de retomo grafia latina.

    11 Moradia tradicional dos tchetchenos

    A natureza influenciou na formao dos povoados e das moradias na

    regio da Tchetchnia. H diferena entre os povoados das montanhas e da

    plancie. Desde antigamente, o principal material de construo a pedra, e

    os materiais secundrios so madeira, barro e palha. Construindo as mora-

    dias nas fendas entre as montanhas, as pessoas erguiam as construes de

    tal maneira que permitisse a melhor defesa. Alm disso, a escolha do lugar

    para o povoado foi influenciada pela proximidade dos pastos, da gua e da

    boa terra. A terra era muito valorizada, por isso as casas foram construdas

    em cima das pedras, muitas vezes de difcil acesso. O tipo de moradia mais

    comum nos povoados montanhosos eram as casas de um andar com telhado

    chapado. Tambm existiam casas de dois andares e torres de defesa de trs

    a cinco andares. Estas construes - casas para morar, torre e instalaes

    auxiliares - formavam a fazenda. Dependendo do relevo das montanhas,

    estas fazendas tinham ocupao horizontalouvertical.O povoadomontanhoso

    parecia um conjunto desorganizado de construes. No existiam ruas retas.

    A terra escassa era dividida entre as

    teipes.

    A

    teipe

    de muitas famlias tinha

    mais terra, e a de poucas famlias menos. Assim surgiam os quarteires:

    geralmente, os moradores que tinham parentesco ocupavam determinado

    quarteiro. Cada povoado tinha invariavelmente uma praa onde o povo se

    5. Fonte: kavkaz.memo.ru/encyclopediatextlencyclopedia/id/407566.htm (acessado em

    10de junho de 2006).

    6. Fonte: kavkaz.memo.ru/encyclopediatextlencyclopedia/id/591052.htm (acessado em

    10 de junho de 2006).

    13

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    reunia e onde construam amesquita. O mesmo tipo de planejamento, pos-

    teriormente, foi transferido para os povoados da plancie, que se estendiam

    ao longo dos rios ou das estradas, sendo mais populosos. Se os povoados

    das montanhas contavam, em mdia, 20 a 25 quintais, osdaplancie tinham

    400 ou mais moradias.

    Nas plancies utilizavam outros materiais para a construo das casas.

    As paredes tranadas de galhos, eram rebocadas com barro e esterco fresco.

    Os telhados faziam com varas de madeira e com cascas de rvores por

    cima, cobertos com barro espremido por u m instrumento especial para que

    no crescesse grama.

    A casa dividia-se em duas partes (quartos) que no se correspondiam

    entre si. Cada uma tinha sua sada para a rua. Um quarto pertencia ao dono

    da casa. Nele tambm eram recebidos os hspedes. Outra parte pertencia

    dona da casa e s crianas. A casa s e aquecia com uma lareira especfica

    que tambm servia de fomo. Uma chamin tranada, rebocada com barro,

    ficava um metro acima do cho. Embaixo da chamin, em um suporte de

    barro, o fogo estava sempre acesso. Na chamin penduravam uma corrente

    com gancho para as panelas. Havia poucos mveis: poltrona do dono da

    casa, mesa para refeio, bancos baixos. Dormiam geralmente no cho,

    usando colches, esteiras, tapetes e cobertores guardados nas largas pra-

    teleiras ao longo do quarto. Ali tambm estavam bas e loua. No havia

    janelas, mas ao cho faziam-se buracos quadrados que, noite, eram fecha-

    dos com madeira.

    Casas tipicamente russas feitas de tijolos ou troncos de madeira, com

    janelas e portas de entrada, com fomos de ferro e telhados de telha, aparecem

    na Tchetchnia no sculo 19, assim como as fbricas de produo de tijolos

    e telhas.

    rquitetura medieval da Tchetchnia e da Inguchtia

    A arquitetura medieval da Tchetchnia e da Inguchtia considerada um

    fenmeno peculiar e pouco estudado. Entre osmonumentos arquitetnicos

    destacam-se altares pagos, catedrais crists, criptas de famlias e, fmalmente,

    as torres de defesa e de moradia. Durante muitos sculos os tchetchenos e

    os inguches viviam como vizinhos muito prximos nos territrios ao longo da

    principal cadeia de montanhas do Cucaso, entre os atuais territrios da

    Osstia e do Daguesto.

    A regio do Cucaso sempre foi uma encruzilhada da grande migrao

    de povos, que se dirigiam do leste para oeste e do sul para o norte. Quando

    no baixo das montanhas passava uma onda de nmades, pelas montanhas

    subiam vrias tribos. Os contatos culturais entre os povos das montanhas e o

    mundo exterior foram determinados por vrios fatores, tais como as cara-

    4

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    vanas da grande rota da seda, ou a chegada dos missionrios cristos. So-

    brevivendo em condies extremamente dificeis, os vainakhi conseguiram

    criar uma arquitetura que, atualmente, nos impressiona com sua funcionali-

    dade e expresso artstica. Os vainakhi moravam em torres. Ao lado da

    torre da moradia construam a torre de defesa - uma casa-fortaleza, to

    comum no cotidiano dos homens livres na Europa medieval. Nas paredes de

    pedra tambm enterravam os mortos, pois a terra era escassa e a melhor

    terra servia para a agricultura. Assim, as torres e as criptas eram construdas

    em cima da parede. Para as criptas iam os doentes durante as epidemias

    peridicas. Os sobreviventes voltavam para casa.

    Nas principais trilhas colocavam os altares. Durante as festas, para estes

    lugares se dirigiam os habitantes vestidos de branco. Aqui pediam ao deus a

    colheita e a boa procriao. Aps a reza, faziam-se sacrificios e comilanas.

    Os pesquisadores enfocam duas ondas de construo ativa. O primeiro

    perodo - sculos 9 at 13 - se deve

    chegada de missionrios cristos ao

    Cucaso Setentrional. Exatamente nesse perodo aparecem as catedrais e

    as primeiras torres de defesa. No sculo 14 so constru das as torres para as

    criptas. Os arquelogos datam da mesma poca os altares preservados. O

    segundo perodo refere-se ao sculo 17,marcado pela proliferao da arma

    de fogo. As torres de defesa foram desmontadas e, do mesmo material,

    foram construdas as novas torres com as estreitas janelas para armas de

    fogo, ao invs de largas, prprias para o uso de arco e flecha. Isto foi

    provocado pelo apogeu do comrcio de escravos promovido pelo Imprio

    Otomano ao longo de todo o Cucaso Setentrional.

    Na Inguchtia foram preservadas trs catedrais crists, no h mesqui-

    tas. Na Tchetchnia, pelo contrrio, no h catedrais crists, mas foram pre-

    servadas as mesquitas. Somente no territrio tchetcheno podemos encon-

    trar torres de defesa muito curiosas: a fenda vertical entre asmontanhas co-

    berta com uma parede com janelas para atirar; a entrada, muito alta, s era

    acessvel por uma escada mvel guardada dentro da fortaleza.

    A engenhosa torre de defesa uma edificao nica.Abase relativamente

    pequena um quadrado (4,5m

    2,

    enquanto a altura das torres chega a ser

    de 25m a 30m. A'Sparedes so ngremes. O topo da torre coberto com um

    telhado em degraus, que por fora parece uma pirmide. Dentro da torre,

    sobre seu segundo nvel, arcos internos entrelaados formam um telhado,

    cujos alapes permitiam acesso aos nveis superiores, divididos por uma

    coberta de troncos de madeira.

    Os vainakhi no tinham escrita e, portanto, a histria dessa arquitetura

    reconstruda atravs da comparao com outros monumentos histricos de

    todo Cucaso.

    Infelizmente, a preservao dos monumentos arquitetnicos medievais

    dos vainakhi encontra-se sob sria ameaa. Os povoados montanhosos fo-

    15

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    ram abandonados pelos seus moradores h muito tempo. Sem reparo, as

    paredes esto sendo destru das pelas chuvas ou enxurradas d' gua, e parte

    das torres desabou. Hoje os pastores utilizam as torres para abrigo do re-

    banho. Ultimamente, somam-se s destruies causadas pelo tempo, as

    destruies causadas pela guerra. Por exemplo, as torres de defesa nos

    povoados Dere e Charoi, e a c ripta no vale Targmskoe, foram destru das

    por msseis. Os tmulos das criptas foram vasculhados procura de tesouros.

    No existem dados exatos sobre o nmero de monumentos preserva-

    dos. Estimativas de pesquisadores? apontam para aproximadamente 1.500

    construes na Tchetchnia e na Inguchtia.

    IH. Apontamentos cronolgicos das relaes entre a Rssia e a

    Tchetchnia sculos 16-19 8

    Na segunda metade do sculo 16, a dominao de Ivan, o Terrvel, se

    expande at a plancie caucasiana, onde seus sditos encontram os

    tchetchenos - moradores da regio - no leito do rio Sunja (Cynzca), perto

    do povoado Tchetchen-aul (Hesea-ayn). Da a origem do nome atribudo ao

    povo tchetcheno pelos russos.

    Durante o sculo 17, perodo histrico tambm conhecido como Tem-

    pos Tumultuosos, no Cucaso se estabelece o confronto entre os cossacos,

    homens livres fugidos da servido e deslocados ao norte do rio Terek

    (Tepex), e os tchetchenos, situados nas plancies montanhosas.

    Os cossacos tomam-se homens do Estado, conquistando novos

    territrios para o Imprio Russo. Em 1739, a linha fortalecidade Kizliar

    estabelecida, iniciando a luta do Imprio Russo contra os montanheses pelo

    controle das plancies montanhosas.

    Segundo Nikolai I, o czarismo objetivava dominar os povos das

    montanhas ou o extermnio dos desobedientes' . Aps a conquista, os

    7. Kuzmin, Valentin Aleksandrovitch - arquiteto; arquiteto-chefe da Repblica Inguchtia e

    Karatchaievo- Therkessia. Atualmente trabalha com a restaurao da catedral do sculo 13 em

    Tkhabo- Ierdy na Inguchtia e da catedral do sculo 10 em Karatchaievo- Tcherkessia. H mais

    de 20 anos trabalha com pesquisa e documentao sobre os monumentos arquitetnicos do

    Cucaso setentrional.

    Il iasov, Latcha Makhmudovitch - fillogo; publicou artigos sobre os monumentos antigos da

    Tchetchnia, que pesquisa e fotografa. Fez vrias exposies fotogrficas com apoio do Centro

    de pesquisa e popularizao da cultura tchetchena LAM (Grozny).

    8. Fonte: kavkaz.memo.ru/bookstextlbooks/id/6I 2069.htm (acessado em 10 de junho de

    2006).

    9. Durante a tal chamada pacificao do Cucaso muitos dos povos autctones foram

    exterminados pelo Imprio Russo. Um dos exemplos o extermnio e a deportao dos povos

    ubykhi

    e

    abzakh

    (que habitavam a costa do Mar Negro), cuja trgica histria descrita por

    Georges Dumzil em Documents anatoliens sur les langues et les traditions du Caucase. lI

    Nouvelles tudes Oubykh.

    Paris: Institut d 'Ethnologie: 1965.

    16

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    tchetchenos foram expulsos das terras frteis para as montanhas, fugiram

    para aTurquia, e suas moradias foram destrudas. Aatual capital, Grozny, foi

    ergui da sobre os escombros de antigas aldeias tchetchenas.

    Entre 1780 e 1859 os montanheses lutaram contra os colonizadores. O

    apogeu desta luta armada foi a guerra de Cucaso (1817-1859). Contra os

    montanheses, comandados pelo im Chamil, os russos mobilizaram mais

    tropas que contra Napoleo. Mesmo assim os moradores da Tchetchnia

    resistiam ao Imprio. Um correspondente militar escrevia para urnjornal

    moscovita: Na Tchetchnia s aquele lugar nosso, onde estamos

    deslocados. Assim que a unidade militar se move, o lugar volta a ser dos

    rebeldes . Muitos soldados russos, no querendo participar da colonizao,

    desertavam e fugiam para a Tchetchnia, livre da servido. No exrcito de

    Chamil eles at fundaram um regimento russo. Mas as foras nesta guerra

    foram demasiadamente desiguais. Aps dcadas de guerra sangrenta, o

    czarismo conseguiu conquistar os povos do Cucaso e inclu-los no Imprio.

    1739

    Estabelecimento da linha fortalecida de Kizliar .

    1785-1791

    Levante dos montanheses sob comando do cheque tchetcheno Mansur

    (Uchurma), que uniu as tribos dosmontanheses na luta contrao Imprio Russo.

    1817

    Avano do exrcito russo para a parte montanhosa da Tchetchnia. Incio

    da Guerra do Cucaso (1817-1864).

    1818

    Fundao da fortaleza Grozny.

    1834-1859

    Guerra da Rssia contra o im Chamil, que uniu vrias tribos dos

    montanheses contra a interveno dos russos.

    26 de agosto de 1859

    Tomada da ltima residncia de Chamil, vila Gunib, pelo exrcito russo.

    Chamil toma-se prisioneiro. Fim daluta dosmontanheses pela independncia.

    21 de maio de 1864

    Data oficial do fim da Guerra do Cucaso. O exrcito russo apaga o

    ltimo foco da resistncia no Cucaso Oeste.

    1869

    A fortaleza Grozny renomeada como cidade Grozny.

    1877-1878

    Levantes dos montanheses. Levante popular no Daguesto e na

    Tchetchnia contra o Imprio Russo em apoio aos fiis turcos durante a

    guerra entre a Rssia e a Turquia.

    17

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    Torre medieval na Tchetchnia

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    Estado Totalitrio na Unio Sovitica

    e seu Legado na Rssia

    Contempornea

    I. Nota sobre formao do Estado moscovita na Rssia czarista

    A rgida e hierarquizada sociedade feudal czarista russa foi consolidada

    atravs da articulao dos diversos principados desde meados do sculo 15,

    aps a vitria de Ivan III sobre as hordas de trtaros-mongis que assolaram

    e dominaram o territrio russo durante mais de um sculo. Aps perodos de

    instabilidade e agudas disputas pelo poder, as estruturas poltico-admi-

    nistrativas czaristas modernas foram desenvolvidas durante o sculo 18,

    principalmente atravs das aes de Pedro I, o Grande, e Catarina lI, a

    Grande.

    O primeiro censo demogrfico realizado no Imprio Russo, em 1897,

    registrou quase 129milhes de habitantes, dos quais 44,6% se declaravam

    russos. Aparte europia da Rssia era habitada por 93,4 milhes de pessoas,

    sendo quase 10milhes no Reino da Polnia' , e 2,6 milhes no principado

    da Finlndia. Concentravam-se cerca de 9,3 milhes na regio do Cucaso,

    5,8 milhes na Sibria e 7,6 milhes nas regies da sia Central. Todos os

    habitantes do imprio foram divididos em classes: nobres (fidalgos), clero,

    comerciantes, pequenos-burgueses e camponeses, e cada uma dessas

    classes possua seus direitos e obrigaes fixados com exatido'.

    11. Levantes populares e revolues no incio do sculo 20

    Entre o final do sculo 19 e incio d o sculo 20 diversas movimentaes

    populares ocupavam o contexto social do governo do Czar Nikolai lI. A

    incapacidade e passividade do czarismo na resoluo da situao poltica e a

    profunda crise econmica em que mergulhara a Rssia ocasionavam

    10.

    A Polnia integ ra va o te rr itrio do Imp rio Russo desde

    1812.

    11.

    Bexa A .B . I1CTOplUIPOCCIIH.M H.:

    Xapsecr,

    M .: ACT

    2003. N.663

    V EKA A.v.

    Histria

    da Rssia.

    M oscou: Ast

    2003).

    19

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    descontentamento social generalizado. Os camponeses, ao lado de

    trabalhadores concentrados nas grandes cidades e em Petersburgo (antiga

    capital do Imprio Russo), ocupavam papel central em tais movimentaes.

    A situao de convulso social aumentava vertiginosamente.

    Crculos e associaes estudantis pregavam abertamente o anti-

    czarismo, incitando sublevaes e desobedincia aos monarcas. Neste caso,

    a resposta da monarquia czarista russa foi proibir o funcionamento de tais

    organizaes, atravs de decreto governamental (1884). Alm disso, o

    governo passou a incorporar os estudantes insurrectos ao Exrcito Czarista

    - fato que agravou ainda mais os conflitos e culminou no assassinato do

    Ministro da Educao Bogolopov, em 1901.

    Aps a crise da indstria txtil, em 1899, e com o desencadeamento das

    lutas por melhorias das condies de trabalho nas regies petrolferas de

    Baku e Batum, em 1903 (com direta ressonncia em outras lutas populares,

    como na Ucrnia), trabalhadores russos passam a se auto-organizar

    localmente e, pouco a pouco, grupos de oposio poltico-ideolgica se

    fortaleciam: social-democratas, social-revolucionrios, comunistas e

    anarquistas estendiam suas atividades, principalmente nas grandes cidades.

    A derrota da Rssia em guerra travada contra o Japo (1904) tambm

    colaborou para enfraquecer a legitimidade da monarquia.

    Com a inteno de desestruturar a oposio poltica, o governo czarista

    passa a criar organizaes operrias, legalizadas para amenizar os protestos

    populares e demonstrar interesse e preocupao com as reivindicaes dos

    trabalhadores. Nessas Sees Operrias infiltravam-se agentes gover-

    namentais, como Zubatov, em Moscou - rapidamente descoberto pelos ope-

    rrios que interromperam suas atividades -, ou padre Gapn, em So Pe-

    tersburgo - cuja dissimulao propiciou duradouro convvio com traba-

    lhadores naquelas organizaes (proibidas a membros de partidos ou agrupa-

    mentos revolucionrios). Gapn chegou a liderar as mobilizaes na fbrica

    Putilov, inclusive conduzindo uma grandiosa marcha de trabalhadores ao

    Palcio do czar, russo Nikolai II (em janeiro de 1905), para entregar

    pacificamente um manifesto com reivindicaes trabalhistas: na emboscada,

    os soldados abrem fogo contra os manifestantes, indefensavelmente

    massacrados 12.

    O ano de 1905, em especial, foi marcado por diversas lutas populares,

    como o nascimento do Soviet (Conselho) de Trabalhadores em So

    Petersburgo. Concebido por diversos trabalhadores que freqentavam a casa

    deVsevolod Mikhilovich (Volin),aidiaeracriarum organismo permanente

    de reunio, uma espcie de comit que acompanharia o desenrolar das

    12. Aps o massacre, padre Gapn deixa a Rssia e aps seu retorno, anos depois, descoberto

    por trabalhadores e executado como traidor.

    20

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    movimentaes populares na Rssia, servindo de vnculo entre os operrios,

    e possibilitando a troca de informaes sobre a situao geral, reunindo for-

    as revolucionrias.

    Nomeado

    Soviet de Delegados Operrios

    foi presidido por Georgi

    Nossar, considerado um sem partido pelos bolcheviques. Segundo os bol-

    cheviques, o Conselho duplicava as tarefas da organizao partidria,

    configurando-se como um agrupamento rival politicamente institudo pelos

    trabalhadores russos. Todavia, a motivao para a formao dos

    soviets

    pelos trabalhadores foi o desejo de agrupar e dirigir sua luta dispersa pelo

    territrio russo, e em nenhum caso a tomada do poder poltico. A trans-

    formao do carter apartidrio e autnomo da organizao e dos objetivos

    do Conselho d-se com a ascenso de Trotski presidncia do organismo

    que, enquanto menchevique e membro do POSDR (Partido Operrio

    Social-democrata da Rssia), passa a vincular as aes polticas do Conse-

    lho s diretrizes de seu Partido.

    Outros Conselhos de Trabalhadores tambm organizavam-se pela Rs-

    sia, alguns at anteriores ao Conselho de Delegados Operrios de So

    Petersburgo, como o caso dos Soviets de Ivanovo- Voznesensk (regio in-

    dustrial de Moscou). Criados a partir das greves de trabalhadores da inds-

    tria txtil, suas reivindicaes acerca do papel desses Conselhos no controle

    da gesto da produo fabril, bem como da forma autnoma de organizao

    da luta operria, influenciaram outras mobilizaes populares.

    Os ferrovirios de Odessa, por exemplo, incorporaram os princpios

    polticos dos Conselhos, desencadeando uma srie de greves na regio. Com

    o intuito de aplacar tais movimentaes, o ministro Trepov envia o navio

    encouraado Potemkin (IToTeMKIIH)para reprimir os movimentos

    revolucionrios na cidade porturia de Odessa. No entanto, uma repentina

    sublevao dos marinheiros do encouraado, impulsionada pelas pssimas

    condies de trabalho, ocasiona a tomada do navio e o fuzilamento dos

    comandantes - e osmarinheiros se solidarizam com os trabalhadores daquela

    cidade, estimulando e fortalecendo os protestos na regio, ao invs de reprimi-

    los. O encouraado Potemkim navega at o porto romeno de Constanta,

    evitando assim asviolentas represlias das autoridades czaristas,porm ainda

    insuflando outras rebelies de marinheiros, como nos encouraados Ochakov

    e Rostilov.

    Ao mesmo tempo, soldados tambm descontentes com suas condies

    de trabalho se confraternizavam com movimentos grevistas em diversas

    cidades, como em Sevastopol.

    Pressionadas pela evoluo das movimentaes e levantes populares, as

    autoridades czaristas anunciam a criao da Duma (parlamento), no final de

    13. Tendncia minoritria no Partido Comunista.

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    1905, visando assegurar alguma legitimidade do poder monrquico e

    enfraquecer a intensidade das lutas dos trabalhadores. Por um lado, a criao

    do parlamento ofereceu mais tempo de poder ao governo czarista e, pelo

    outro, possibilitou a organizao de novas associaes profissionais,

    agrupamentos polticos e partidos - muitas vezes clandestinos. No vero de

    1906 a Duma dissolvida pelo Czar Nicolai 11.Muitos deputados deixam a

    Rssia, e novos parlamentos so institudos e dissolvidos seqencialmente,

    at tornar-se um organismo do governo.

    Greves e motins ainda ecoaram na Rssia entre 1906 e 1916, assim

    como outras movimentaes populares anticzaristas. Em 1907 criada a

    Cruz Vermelha Anarquista (atual Cruz Negra), em apoio aos presos russos.

    Atravs de permanentes discusses e produes de jornais, indivduos e

    grupos revolucionrios multiplicavam suas atuaes dentro e fora da Rssia.

    Pouco a pouco, a monarquia agonizava seu poder secular.

    Em 1917, novo estopim da revolta popular: trabalhadores em Petrogra-

    do (ex-So Petersburgo) iniciam uma greve que, ultrapassando as rei-

    vindicaes trabalhistas, exigem a sada imediata do czar (fevereiro de

    1917)15.O Czar Nicolai II finalmente renuncia ao poder, e um governo

    temporrio formado pelos representantes dos partidos da burguesia at as

    eleies para aAssemblia Constituinte programadas para novembro.

    Os principais problemas observados em 1917 eram os conflitos da

    Primeira Guerra Mundial (iniciada em 1914), a pssima situao econmica

    da Rssia, a pobreza do povo eaurgncia das reformas - principalmente da

    reforma agrria.

    Nas reas rurais surgiam os conselhos e as unies camponesas. Os

    conselhos se formavam segundo o princpio de delegao: as organizaes

    de base enviavam seus delegados para o conselho maior, podendo revogar

    seus mandatos ou reeleg-los. Esse princpio funcionou sem regras fixas, e

    em acordo com cada especificidade local, at o final de 1917 (quando os

    bolcheviques comearam a impedir a reeleio dos delegados e passaram a

    reprimir os conselhos contrrios sua poltica).

    Os conselhos camponeses, apoiados pelos partidos de esquerda, insis-

    tiam na socializao da propriedade. Os camponeses organizados em

    14. Informaes extradas e sintetizadas a partir da revista

    Tierra y Libertad.

    Peridico

    Anarquista, n? 205, ago. 2005. Nmero monogrfico: Ciem Afios de Ia Revolucin Rusa de

    1905.

    15. O texto a seguir

    um breve resumo do ensaio

    Socialistas na Revoluo Russa de 1917-

    1921. Autor: Aleksandr Chbin. Moscou, 1999.

    16. Ao contrrio do programa de nacionalizao realizado pelos bolcheviques aps a tomada de

    poder, quando a terra passou a ser do Estado.

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    obschinas e grupos de autogesto deveriam descobrir, criar e inventar

    novas formas coletivas de uso da terra, dependendo das especificidades

    locais: a terra passava a pertencer aos trabalhadores que nela viviam e

    trabalhavam; essas pessoas decidiriam as formas de explorao do solo e

    de organizao da produo, da gesto, da diviso do trabalho etc. O mesmo

    deveria ocorrer com a indstria: as fbricas deveriam ser socializadas, e a

    distribuio dos produtos realizada pelas organizaes de trabalhadores, e

    no pelo sistema estatal-burocrtico.

    Estas questes foram discutidas e encaminhadas em forma de projetos

    de leis para o governo temporrio no I Congresso dos Conselhos dos

    Deputados Camponeses (maio de 1917), o frum mais representativo deste

    perodo

    18.

    Os participantes votaram a favor da transferncia das terras dos

    latifundirios pomieschiki) aos comits de camponeses (comits de terra)

    eleitos localmente; estes deveriam determinar as leis de uso do solo. Os

    camponeses, contrrios comercializao, exigiam aproibio dos negcios

    com a terra (compra/venda) at o fim de distribuio. Essa exigncia virou

    medida temporria do governo em 17de maio e foi aprovada definitivamente

    emjulho.

    Outra importante mobilizao foi a reunio do Congresso Pan-Russo

    de Deputados Operrios e Soldados, em junho . Foi decretado o direito s

    greves e dia de trabalho de oito horas (que na prtica funcionava desde

    maro).

    As eleies para a Assemblia Constituinte (AC) se aproximavam e

    podiam descarregar a tensa situao social que teve seu pice emjulho - em

    So Petersburgo, os operrios, soldados e marinheiros saram s ruas

    clamando Todo poder aos conselhos .

    Em setembro, o ponto de vista de Lenin sobre a urgncia da tomada

    armada do poder vence entre os dirigentes dos bolcheviques. Em outubro

    foi preparado o golpe. Era importante realiz-lo antes das eleies para a

    AC e apoiar-se na ala radical dos conselhos que se reuniam para o II

    Congresso.

    No II Congresso dos Deputados Camponeses, Operrios e Soldados

    participaram cerca de metade dos conselhos que compuseram o I Congresso.

    Estavam representadas duas tendncias principais: uma radical (bo1chevi-

    ques e anarquistas) e outra moderada (bolcheviques moderados, socialistas-

    revolucionrios de esquerda, mencheviques internacionalistas, lderes dos

    sindicatos de ferrovirios Vikjel- Bmoxerrs). Lenin e seus correligionrios

    exigiam a tomada do poder pelo partido bo1chevique, porm a maioria dos

    17. Forma tradicional de organizao dos camponeses russos.

    18. Participaram 1.353 deputados, mais da metade foram eleitos pelo exrcito.

    19. 1.080 deputados de 336 conselhos e 23 unidades militares.

    23

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    delegados considerava a proposta unipartidria uma ameaa de guerra civil

    e uma atitude reacionria. Para os deputados, o golpe de outubro deveria

    enveredar-se para a criao de um governo socialista multipartidrio res-

    ponsvel perante os conselhos. Um dia antes do golpe foram proclamados

    os decretos sobre a paz (fim da guerra) e a terra (socializao).

    Em 24 de outubro, o governo temporrio fecha a imprensa bolchevique

    e comea a mobilizao militar. Os bo1cheviques, que at ento s aguar-

    davam um pretexto para o golpe, iniciaram o levante.Apopulao apoiou os

    bolcheviques considerando a atitude do governo uma ameaa revoluo e

    ao congresso que encontrava-se em funcionamento durante aqueles dias.

    Em 12 de novembro acontecem as eleies para a Assemblia Cons-

    tituinte, representando grande decepo para os bolcheviques, que obtiveram

    apenas 22,5% dos votos (outros partidos socialistas obtiveram 57,2%;

    socialistas-revolucionrios - 50,5%). Nesse contexto, os bolcheviques

    iniciaram as perseguies aos deputados logo aps as eleies. Em Kaluga,

    cidade prxima a Moscou, uma manifestao em apoio Assemblia foi

    atacada com tiros de fuzil.

    Em dezembro de 1917 promulgado o decreto - mantido em segredo

    por sete anos - criando a Tcheka (polcia secreta bolchevique, futura

    NKVD eKGB).

    IH. Poder estatal bolchevique e a elaborao do discurso ideolgico

    comunista centralizao e expansionismo do poder

    Em 05 de janeiro de 1918, no dia de abertura da Assemblia Cons-

    tituinte, o Exrcito Vermelho dos bo1cheviquesmassacra a manifestao dos

    operrios e da intelligentsia que apoiava a reunio, causando a morte de 12

    pessoas.

    AAssemblia Constituinte funcionou durante a noite inteira. A Rssia

    foi proclamada Repblica Democrtica Federal. Foi promulgado o Decreto

    sobre a paz C,n:eKpeT MHpe)estabelecendo a retirada das tropas russas

    dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, e condenando as

    negociaes unilaterais entre os bolcheviques e o governo daAlemanha. No

    dia seguinte, quando os deputados voltaram reunio, as portas estavam

    trancadas: os bo1cheviques haviam declarado a dissoluo daAssemblia

    Constituinte e tomado o controle do prdio. Aps isso, todos os outros

    partidos, anarquistas e grupos polticos autnomos foram excludos do novo

    projeto de poder.

    20. Ao incluir no ANEXO II desta obra a traduo de alguns documentos da Tcheka, objetivamos

    a desmistificao de JosefStalin como nico responsvel pelas estruturas totalitrias do Estado

    Sovitico, assinalando o perodo leninista como precursor do terrorismo de Estado na URSS.

    24

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    o governo bolchevique congela a transferncia das fbricas aos operrios

    e elabora sua prpria lei de uso das terras. Lenin exige a incluso de par-

    grafo que concebe as fazendas estatais: kolkhoz

    KOJIX03 -

    sonho agrrio

    dos marxistas. Os camponeses foram massacrados pela fome, pois o Esta-

    do proibia a troca direta dos produtos entre o campo e a cidade (uma das

    excees foi a organizao econmica estruturada por camponeses na

    Ucrnia, burlando as leis bolcheviques). Os operrios perderam o controle

    sobre a gesto da produo nas fbricas, dirigidas agora obrigatoriamente

    pelos comissrios dopovo (uapozmsre xosraccapst) do Partido Comunista

    bolchevique.

    Em maro foi assinado o acordo de paz com a Alemanha nas condies

    exigidas pela Alemanha: a Rssia perdia os territrios da Polnia, parte do

    Cucaso, pases Blticos e parte da Ucrnia, e alm disso pagava indeni-

    zaes. NaU crnia comea a guerra de guerrilha contra a ocupao alem.

    As greves de trabalhadores continuavam na Rssia em 1918. Para

    cont-Ias, bolcheviques ocuparam as direes de sindicatos e conselhos,

    proibindo novas eleies. Contrariados, os operrios recriam o sistema de

    representao, elegendo delegados aos conselhos e construindo forte opo-

    sio ingerncia estatal que abarcava todas as grandes fbricas de

    Petrogrado (cerca de 56 unidades), e que rapidamente se expandiu para

    outras cidades, Entre os meses de maio a julho, o movimento de delegados

    operrios organizou dezenas de greves e protestos contra o governo, muitos

    destes reprimidos violentamente - como os fuzilamentos de manifestantes

    nas periferias de Petrogrado, na cidade de Tula e na regio dos Urais.

    Em 13 de maio de 1918 foram implementadas medidas para controlar a

    produo e distribuio de gneros alimentcios, anulando a atuao dos

    conselhos: os rgos locais de gesto popular foram transferidos para o

    controle dos comissariados do povo (vinculados ao Estado), e a auto gesto

    foi substituda pela ditadura dos rgos burocrticos.

    Nesse contexto eclode a guerra civil (1918-1922), repercutindo na

    formao dos p11meiros elementos do processo de russificao do territrio.

    Diversas alianas entre bolcheviques e lideranas locais foram estabelecidas,

    uma vez que as tropas do Exrcito Vermelho (dirigido pelos bolcheviques,

    21. Os operrios faziam uma avaliao severa do Estado operrio: Em 25 de outubro de

    1917 o Partido Bolchevique apoiando-se em soldados e marinheiros armados derrubou o

    governo temporrio e tomou o poder. Ns, operrios de Petrogrado, em sua maioria aceitamos

    esse golpe promovido em nosso nome, mas sem nos consultar e sem nossa participao ...

    Usando nosso nome executavam todos assinalados pelo novo poder como inimigos; ns

    aceitvamos a reduo de nossas liberdades e nossos direitos, esperando a realizao das

    promessas dadas pelo poder. Mas j se passaram quatro meses e vemos nossa f humilhada,

    nossas esperanas esmagadas (citado em Utopia no Poder. Histria da Unio Sovitica Desde

    19 7 at Nossos Dias. Gueller M. Nekritch A L., 1986. p.56).

    25

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    apoiado por socialistas) no cobririam toda a enorme extenso territorial nos

    combates contra o Exrcito Branco (dirigido por antigos generais das foras

    imperiais russas ). Uma das mais clebres alianas neste processo realiza-

    se com as comunidades camponesas livres do comandante Nestor Makhno,

    na Ucrnia. Apesar das sucessivas vitrias das tropas de Makhno contra as

    foras do Exrcito Branco, resguardando assim a defesa de uma das mais

    estratgicas regies soviticas, o desenrolar dos acontecimentos no

    acompanha o mesmo triunfo: exigindo autonomia poltica local, e portanto, -~

    chocando-se violentamente contra ospropsitos expansionistas bolcheviques,

    o exrcito de Makhno atacado e sufocado pelo Exrcito Vermelho, aps

    longa resistncia ,

    A poltica de comunismo militar repercutiu em todo o continente.

    Paralelamente guerra civil travada entre os exrcitos Branco eVermelho,

    seguiu-se ento a represso de movimentos populares contrrios

    monopolizao e centralizao do poder poltico na Rssia. Em 1919, o

    jornal

    Pravda,

    convertia a mxima Todo poder aos Sovietes a Todo

    poder s Tcheks , indicando outro futuro para revoluo popular russa de

    1917. Continuava a guerra civil no Cucaso Setentrional, no Turquisto e no

    Extremo Oriente. Em janeiro de 1921 explodiu o levante campons na Sib-

    ria Ocidental, influenciando extenso territrio. Em todos os lugares a popula-

    o exigia o fim da expropriao dos produtos, a liberdade de comrcio, o

    fim da ditadura bolchevique, a permisso da pequena propriedade.

    O levante dos marinheiros e operrios em Kronstadt (KpOHIlITa.z:I:T

    2 5

    foi

    pico desse perodo de lutas. Tudo comeou em Petrogrado com as ma-

    nifestaes operrias nos meses de fevereiro e maro, apoiadas pelos ma-

    rinheiros e soldados. A multido libertou os operrios grevistas que haviam

    sido presos. Em resposta, o Comit de Petrogrado do Partido Comunista

    ordenou o fuzilamento dos manifestantes e proibiu todas as aglomeraes de

    populao sem prvia autorizao. Essas notcias chegaram em Kronstadt e

    comearam os protestos. A maioria dos comunistas desta cidade apoiou a

    seguinte resoluo da manifestao dos marinheiros e da populao de 1

    0

    de

    maro de 1921: Devido ao fato de que os conselhos atuais no representam

    a vontade dos operrios e dos camponeses, exigimos imediatamente eleger

    novos conselhos por voto secreto, e antes das eleies promover debates

    polticos entre todos os operrios e camponeses . A resoluo exigia a liber-

    22.

    o

    Exrcito Branco tambm foi apoiado pelas principais potncias europias preocupadas

    com a possvel influncia da Revoluo Russa em seus territrios.

    23. Para aprofundar o assunto, ver

    Anarquia e Organizao: plataforma de organizao e

    outros escritos,

    coletnea de textos de Nestor Makhno, editada pelo Coletivo Editorial Anarquista

    Luta Libertria, em 200 I.

    24. Em russo, Verdade.

    25. Cidade ao lado de Petrogrado, situada no Golfo da Finlndia, porto e base militar.

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    dade de expresso para os partidos de esquerda e os anarquistas, a restituio

    de outras liberdades civis, a libertao dos presos polticos socialistas, a

    anulao dos privilgios dos comunistas e das estruturasdaditaduraeconmica

    dos bolcheviques. O governo declara o levante em Kronstadt ilegal, e logo

    aps a fortaleza se rebela. Foi eleito um comit militar-revolucionrio, cuja

    maioria dos membros era apartidria. Aprincipal idia era estabelecer uma

    forma de poder baseada nos conselhos, porm sem a ditadura dos

    bolcheviques: Todopoder aos conselhos eno aos partidos . Em Petrogrado

    e outras cidades continuavam as greves, e os operrios declaravam seu apoio

    a Kronstadt. A ampliao do movimento at Petrogrado na ocasio do degelo

    de primavera podia transformar radicalmente a situao no pas. Os

    insurgentes contavam com o avano dos exrcitos camponeses de Makhno

    (Ucrnia) e de Antonov (lder do levante campons na Sibria). No entanto,

    no dia 18 de maro, o Exrcito Vermelho liderado por Leon Trotsky tomou

    a fortaleza e massacrou os insurgentes.

    Aps o sufocamento dos levantes de 1921 foram proibidas as tendn-

    cias polticas dentro do prprio Partido Comunista, como a Oposio Ope-

    rria deAleksandra Kollontai. As cooperativas e os conselhos dos operrios

    e camponeses passam a ser dirigidos obrigatoriamente pelos bolcheviques.

    Inicia-se a perseguio sistemtica demembros de outros partidos socialistas

    e anarquistas, com prises em massa, exlios e assassinatos.

    Naquela conjuntura, povos de outras regies tambm enfrentavam o

    processo de russificao e de estatizao do territrio, cujo objetivo primor-

    dial consistia na reconquista dos territrios tomados independentes durante

    a guerra civil, tais como a Ucrnia, a Gergia, a Armnia, e outros. Se

    inicialmente eram celebradas alianas bilaterais entre as lideranas regionais

    e o Exrcito Vermelho, posteriormente foram proibidas pelo governo central

    russo a independncia diplomtica e a autonomia militar dessas regies,

    processos concludos em 1923-24, antes, por conseguinte, da poca de

    Stalin. (...) Quanto a outras nacionalidades, procedeu-se liquidao vio-

    lenta das instncias hostis reunificao no quadro da URSS: socialismo

    pan-islmico de Sultan Galiev, Poale Zion etc. Na realidade, os bolchevi-

    ques no tinham imaginado que, livres graas Revoluo, houvesse naes

    que renascessem como entidades prprias para, s foradas, aceitaremjun-

    tar-se Repblica dos Sovietes

    26.

    Dessa maneira, a poltica leninista referente s etnias e naes privava os

    povos de quaisquer formas de desenvolvimento autnomo. Alm disso,

    implementa-se uma poltica intervencionista e policialesca de dimenses

    continentais, semeando muitas vezes conflitos internos duradouros entre os

    26. Ferro, Marc. A Poltica das Nacionalidades do Regime Sovitico. In: Naes e Nacionalismos.

    Cordellier, Serge (coord.). Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1995. p. 150.

    27

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    povos. A populao russa observa o rpido enrijecimento das estruturas

    polticas. Com o monoplio do poder centralizado no Partido Comunista,

    os bolcheviques, vitoriosos na guerra civil e no combate a outras formas de

    oposio interna, iniciam o regime ditatorial sobre proletrios e camponeses.

    Para isso, as tchekas assumiam cada vez mais as incumbncias de vigilncia,

    controle e punio cotidianas. E o Estado policial sovitico inicia vertiginoso

    descaminho para a emoldurao do Estado comunista blico, ou seja, o

    impulso desenfreado produo industrial de armamentos - que encontrar

    seu apogeu no perodo ps-Segunda Guerra Mundial.

    IV. O Estado totalitrio na Unio das Repblicas Socialistas

    Soviticas URSS : militarizao, represso e russificao

    Aps a criao da URSS em 30 de dezembro 1922, o processo de

    russificao e militarizao no continente continuou abrupto e violento.

    Abrupto por interromper e subjugar povos e comunidades que, por sculos,

    desenvolviam suas diversas formas de autogovernos. Em poucos anos, esse

    exerccio de autonomia social foi substitudo pela heteronomia estatal sovi-

    tica (tal processo no fora exclusividade das aes do Partido Comunista

    Sovitico: em outros continentes, a formao e o desenvolvimento do Es-

    tado-nao caracterizou-se, essencialmente, pela usurpao das habilida-

    des de auto governo de comunidades tradicionais). Violento porque tais co-

    munidades, descentralizadas e espalhadas pelo continente, experimentaram

    a fora dos modernos mecanismos de represso militar combinados com a

    fora de persuaso dos modernos mecanismos de propaganda e marketing.

    A sobrevivncia do modo de vida comunitrio autnomo fora encurralado.

    A ingerncia e dominao pelo Estado das atividades comunitrias

    essenciais ao autogoverno social, tradicionalmente exercidas pela prpria

    comunidade e ncleos familiares, se materializou atravs do surgimento de

    especialistas do Partido Comunista: estes passaram a apontar a melhor

    maneira para administrar a sociedade, gerir a economia, educar, remediar

    pequenas enfermidades, fazer sexo, lavar roupas, praticar esportes, parir

    crianas e enterrar os mortos. Indicavam tambm a msica da moda,

    explicavam os motivos das grandes guerras e das catstrofes humanas, en-

    fim, retiravam da populao civil as habilidades humanas de agir e emitir

    opinies sobre a prpria vida.

    Aos especialistas doEstado foirepassada a incumbncia de gesto social.

    E a especializao da gesto social, por sua vez, nada mais do que a

    radicalizao da diviso do trabalho, processo capitalista iniciado com a

    Revoluo Industrial, na Inglaterra, e globalizado atravs das grandes em-

    presas transnacionais, na atualidade.

    28

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    No caso do Estado sovitico, a diviso do trabalho configurou-se na

    formao de uma classe social de gestores (dirigentes), empenhados em

    submeter a classe trabalhadora de camponeses e operrios nova ordem

    dita

    comunista.

    Aoperacionalizao e implementao socialdos mecanismos

    de lealdade aos dirigentes foram criados logo a partir das primeiras medidas

    de Lenin, principalmente na concepo da Tcheka - os administradores,

    policiais e funcionrios do Partido cuidavam para que toda e qualquer

    deslealdade significasse ato contra-revolucionrio. No que se refere aopapel

    dos professores, estes j contavam inicialmente com amplo apoio do aparato

    estatal escolar para universalizar o ensino obrigatrio do idioma russo em

    todas as regies da Unio Sovitica. A nova ordem bolchevique procurava

    uniformizar, disciplinar e controlar a totalidade de centenas de povos que

    habitavam o extenso continente euro-asitico.

    Os conflitos decorrentes desse processo, acentuados pela morte de

    milhes de pessoas com as represses stalinistas (como a deportao de

    tchetchenos e outros povos ordenada em 1944), esto na origem das recentes

    guerras travadas entre o governo russo e os povos de ex-repblicas sovi-

    ticas em tomo da questo da autonomia poltica. Assim, para compreender-

    mos os conflitos atuais na Rssia provenientes da desintegrao da URSS -

    como a guerra na Tchetchnia - percebemos que o processo de russificao,

    militarizao e represso constituiu a base das violaes dos direitos huma-

    nos cometidos na poca do governo imperialista da URSS.

    V. O fim da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    e a

    formao da atual Federao Russa

    Apesar da longa durao do regime poltico totalitrio da Unio Sovi-

    tica, diversas lutas autnomas e autogestionrias colocavam em xeque o

    discurso ideolgico comunista e a legitimidade do poder da burocracia esta-

    tal sovitica. Foi principalmente atravs dessas lutas que os mitos da revo-

    luo russa e da inevitabilidade do Estado para a gesto da sociedade - to

    propagandeado e alardeado pelos meios de comunicao da URSS e pelos

    representantes dos Partidos Comunistas - foram desmascarados. Destacam-

    se os Conselhos Operrios na Alemanha (1953) e na Hungria (1956); as

    Comunas de Shangai (1966), Praga (1968) e Gdansk (1980); a Gesto

    Operria na Itlia (1968); a Guerra Civil Espanhola (1936) e as Comisiones

    Obreras na Espanha (1969); a Revoluo dos Cravos e as Comisses de

    Trabalhadores em Portugal (1974); os processos de auto gesto naArglia

    (1962) e no Chile (incio da dcada de 70); o controle operrio da minas na

    Bolvia (anos 50); as ocupaes de fbrica na Argentina (1973 2 7

    27. Para um estudo mais aprofundado sobre tais lutas, ver As Lutas Autnomas e

    Autogestionrias,

    de Cludio Nascimento (1986).

    29

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    Tais lutas objetivavam o autogoverno, e negavam a ingerncia do Es-

    tado nas decises polticas que pudessem interferir na organizao social e

    econmica do cotidiano. Esses movimentos organizavam-se, essencialmente,

    atravs de assemblias populares e rotatividade de liderana, e no reconhe-

    ciam a legitimidade dos chefes ou burocratas do Estado e dos sindicatos.

    Logo, a relao entre esses movimentos populares e a URSS foi inva-

    riavelmente tensa. O exrcito comunista sovitico realizava constantes

    incurses contrrias a esta forma de organizao das lutas, que pregavam o

    autogoverno local em detrimento da lealdade aos funcionrios dos partidos

    comunistas.

    No governo de Mikhail Gorbatchev (1984-1991), o capitalismo de

    Estado russo agonizava e seu sistema concorrente, o capitalismo de livre

    mercado, demonstrava-se mais eficaz. Em tal contexto, Gorbatchev inicia

    reformas polticas e econmicas, conhecidas mundialmente por Glasnost e

    Perestroika. Tais reformas redimensionavam ospoderes poltico eeconmico

    no pas, visando a reestruturao e realocao dos gestores do Partido Co-

    munista em esferas de poder do capital de livre mercado que comeava a

    ocupar o cenrio econmico.

    Paralelamente ao enfraquecimento do poder centralizado no Kremlin,

    diversas repblicas soviticas iniciaram movimentos pela independncia

    poltica, brutalmente reprimidos por Gorbatchev. Na Gergia uma ma-

    nifestao popular foi massacrada pelo exrcito da URSS, causando a morte

    de 20 pessoas. As Repblicas Blticas (Letnia, Litunia e Estnia)

    conquistam independncia em 1991. Conflitos tnicos ressurgem em diver-

    sas regies, como em Nagorny Karabakh, entre armnios e azeri. Em agosto

    de 1991, membros proeminentes do Comit Central do Partido Comunista

    tentam derrubar Gorbatchev: o golpe fracassa aps trs dias, mas suscita

    manifestaes populares e o fortalecimento de lideranas locais, como Bris

    Ieltsin.

    Em dezembro-aps a renncia de M. Gorbatchev, Ieltsin assume o po-

    der e anuncia a dissoluo da URSS. A partir disso, diversos Estados Na-

    cionais e Repblicas autnomas so criados no territrio da antiga URSS,

    assim como a Federao Russa. Tal reestruturao poltica d origem a uma

    srie de incidentes e complicaes.

    Em primeiro lugar, a populao da URSS foi dividida entre 15 novos

    Estados e teve que optar pela nova cidadania. Assim, nem todo cidado

    sovitico obrigatoriamente tornar-se-ia cidado da Federao Russa. Po-

    deria optar pela cidadania relacionada sua origem tnica, ou ainda, optar

    pela cidadania relacionada ao seu atual pas de moradia ou trabalho. Nessa

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    diviso, russos no seriam necessariamente cidados da Federao Russa,

    assim como ucranianos, uzbeques, letes e todos os povos pertencentes a

    naes titulares de novos Estados. A anulao da antiga categoria cidado

    sovitico propiciou o crescimento de sentimentos e identidades naciona-

    listas submersos na poca da URSS.

    Paralelamente tal reestruturao poltica, o governo de Ieltsin apresen-

    tou populao o pacote de reformas democrticas que incluia os direitos e

    as liberdades civis (como, por exemplo, a liberdade de expresso e de reli-

    gio), mas tambm a liberao de preos antigamente controlados pelo Es-

    tado. Com o surgimento da Federao Russa, uma parte da propriedade

    estatal foi privatizada, surgindo oligarcas. As pessoas rapidamente em-

    pobreceram e se sentiram livres de antiga presso ideolgica. Apareceram

    novos e importantes segmentos de economia - com o das drogas (a herona

    foi rapidamente introduzida no mercado e a populao jovem induzida ao

    consumo em massa). Este cenrio permaneceu durante primeiros dois ou

    trs anos aps o nascimento da Federao Russa, mediado por formaes

    armadas mafiosas que controlavam o mercado catico.

    VI. A ascenso de Vladimir Putin ao poder presidencial da Rssia

    No.vero de 1999, Vladmir Putin - funcionrio do governo pouco

    conhecido pela populao russa, mesmo ocupando importante posto na

    hierarquia da FSB

    29

    (ex- KGB) - foi nomeado primeiro-ministro da Rssia.

    Durante os primeiros meses de seu mandato, a popularidade de Putin

    continuava completamente inexpressiva.

    Essa porcentagem aumentou com a retomada do conflito armado entre a

    Rssia e a Tchetchnia. A guerra se popularizou novamente aps as

    inexplicveis exploses de prdios residenciais em Buinaisk (Eynacx),

    Moscou (Mocxsa) e Volgodonsk (BOJIro.n:oHcK),no final de 1999. Antes

    das exploses, a populao russa no demonstrava interesse com a nova

    onda de campanhas militares no Cucaso, pois as notcias alarmantes desta

    regio h tempo viraram rotina - a partir do outono de 1994 e do inverno de

    1994-95, quando comeou a primeira fase da atual guerra entre a Rssia e a

    Tchetchnia.

    As exploses dos prdios de moradia nas cidades russas indicavam para

    a populao que, ao contrrio da primeira fase do conflito, a guerra na

    Tchetchnia no estaria restrita ao Cucaso setentrional, mas se estenderia a

    outras regies da Rssia, inclusive s residncias dos cidados comuns.

    28. Fonte: www.volia.nm.ru/read.htm (acessado em 10 de junho de 2006). Novembro

    2004, n 21. Periodico libertrio.

    29. Servio Federal de Segurana.

    31

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    Nessa situao, o ento primeiro ministro Putin passou a desempenhar o

    papel de defensor absoluto da nao, chegando ao poder com o discurso de

    vencer o separatismo e o terrorismo. Porm, a partir desse momento, Putin

    passa a promover diversas medidas pouco relacionadas com a represso ao

    separatismo e ao terrorismo, e muito mais diretamente vinculadas com a

    preparao de um regime rgido e autoritrio.

    Os oligarcas que exerciam uma forte influncia no governo de Ieltsin

    foram expulsos do pas (Berezvski, Gusnski, Abramvitch) ou presos (como

    Khodorkvski, ex -proprietrio da grande companhia petrolfera Yukos).

    Os meios de comunicao - outrora vinculados exclusivamente

    burocracia do :PC sovitico e que por um breve perodo conquistaram certa

    autonorriia durante o governo de Ieltsin - sofreram nova interveno estatal:

    jornalistas independentes do principal canal da televiso (NTV) foram

    demitidos, e perseguidos posteriormente em outros canais (como na TV 6 e

    TVC). As aes da NTV foram adquiridas pela companhia parcialmente

    estatal

    Gazprom

    e por outras instituies do Estado. A censura na imprensa

    foi restabelecida, principalmente aps o incio da onda dos chamados

    atentados terroristas (exploses e tomadas de refns) nas grandes cida-

    des russas. Com as medidas governamentais voltadas para o controle dos

    meios de comunicao, poucos jornais e estaes de rdio ainda conse-

    guem veicular uma programao crtica ao governo.

    Aps a tragdia na escola de Beslan (EeCJIaH 3 0 o governo aproveitou

    para anunciar uma urgente reforma nas estruturas polticas da Rssia apre-

    sentada como indispensvel ao combate do terrorismo. Foi anunciada a

    mudana no sistema eleitoral, no qual foram proibidas candidaturas autnomas

    (ou apoiadas por um grupo independente de pessoas de certa localidade)

    para o Parlamento. As eleies para governadores foram anuladas - agora

    estes sero nomeados diretamente pelo Kremlin.

    Alm disso, em 2004, o governo preparou um pacote de mais de 100

    leis anti-sociais que, dentre outros aspectos, prevem: a anulao de

    transporte gratuito para os aposentados; o cancelamento de distribuio

    gratuita de remdios para os doentes crnicos (por exemplo, para aqueles

    que sofrem de diabetes); a anulao de subsdios para as vtimas das represses

    polticas, para prtadores de necessidades especiais e para vtimas de ca-

    tstrofes - inclusive para a populao exposta

    radiao na ocasio da ex-

    ploso da usina nuclear de Tchernbyl (Hepnosim.); a anulao de indexa-

    o

    de salrios para aqueles que trabalham na regio Setentrional da Rssia

    (costa do Oceano do Norte); a anulao de bolsas para os estudantes etc.

    30. No dia 1

    de setembro de 2004, em uma escola pblica em Beslan, capital da Osstia do

    Norte, supostos terroristas tchetchenos fizeram refns centenas de pessoas, na maioria crianas.

    O governo russo rejeitou qualquer possibilidade de negociao e no dia 3 de setembro o exrcito

    invadiu a escola: 335 pessoas morreram.

    32

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    Utilizando o discurso propagandista sobre a necessidade da unio na-

    cional contra o terrorismo tchetcheno, o Kremlin reassumiu omonoplio do

    espao pblico de discusso poltica na Rssia. Ao encontrar oposio po-

    ltica em qualquer esfera social, repentinamente surgia o terrorismo tchet-

    cheno. No outono de 1999, quando o Kremlin objetivava eleger um fim-

    cionrio desconhecido no pas para o cargo da presidncia, aconteceram as

    exploses dos prdios residenciais. Em 2002, por ocasio da tomada dos

    refns durante o espetculo teatral Nordost em Moscou, o governo aprovei-

    tou para asfixiar determinadamente os canais de televiso e restabelecer a

    censura. Antes da segunda eleio de Putin houve a exploso no metr em

    Moscou. Aps a tragdia em Beslan, houve a promulgao de leis e medi-

    das anti-sociais.

    Aparentemente, o Kremlin no tem interesse em terminar a guerra na

    Tchetchnia, As operaes militares revigoram a economia blica e toda a

    indstria da violncia na Rssia. As foras especiais da polcia (OMON) e

    os membros da FSB fazem estgio nas regies de conflito, obtendo

    experincia incomparvel: experincia para forjar falsas acusaes, para

    seqestrar, para torturar. E a guerra continua servindo de pretexto para a

    anulao das liberdades polticas e dos direitos econmicos da populao,

    tambm camuflando a corrupo dos rgos de segurana nacional. A guerra

    na Tchetchnia toma-se, assim, um mecanismo comum para o exerccio e

    para a reproduo do poder.

    Sold ad os d o e x rc ito fe de ra l d a Rssia em G ro zn y

    33

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    Terrorismo de stado

    e a uerra na T chetchnia

    I. Introduo

    Os povos das montanhas do Cucaso Setentrional - tchetchenos,

    inguches, ossetas, kabardinos, balkaros, karatchai, tcherkesse e outros -

    sempre representaram entraves para as tentativas imperialistas curo-asiticas:

    resistiram aos expansionismos trtaro-mongol, turco-otornano, russo e

    sovitico. A geografia auxilia nas estratgias de resistncia. A regio

    montanhosa dificulta o acesso para as tropas dos invasores, enquanto as

    formas seculares de auto-subsistncia das comunidades tradicionais cola-

    boram para a sobrevivncia.

    Pastores nmades e agricultores, estes povos organizavam-se atravs

    de conselhos das comunidades e foram vistos como brbaros e atrasados

    no s pelo Imprio Russo que tentou domin-los durante a longa e san-

    grenta Guerra do Cucaso (1817-1864), mas tambm pelos dirigentes da

    Unio Sovitica que se opuseram criao de uma Repblica Autnoma

    dos Montanheses, logo aps a revoluo de 1917.

    Com a desintegrao da URSS, a Tchetchnia novamente proclama a

    independncia. Mas o poder imperial somente trocou de nome porque, em

    1994, as tropas russas invadem a Tchetchnia. Comea a guerra, que dura

    at hoje - vitimando centenas de milhares pessoas e fazendo cerca de

    500.000 refugiados.

    31. Folha de So Paulo,

    27/06/2005.

    Rssia. Vice-premi tchetcheno diz que guerra matou

    300.000. O vice-prerni tchetcheno Dukvakha Abdurakhmanov disse que cerca de 300.000

    pessoas morreram na repblica separatista tchetchena na ltima dcada, nas duas guerras por

    que passou a regio. A declarao foi no Daguesto, onde tentava convencer refugiados tchetchenos

    a voltar ao pas. Vale notar que segundo as ONO's de defesa de direitos humanos no existem

    dados exatos sobre o nmero de mortos durante as duas guerras na Tchetchnia, Segundo os

    dados da ONO Memorial, durante a primeira guerra (1994-1996) morreram, no mximo, 50.000

    pessoas civis; o Comit Estatal de Estatstica da Federao Russa calcula 30.000 a 40.000.

    A

    ONO Human Rights Watch estima que durante os primeiros nove meses da segunda guerra

    (1999-2000) morreram entre 6.500 e 10.400 civis. Estes so os nicos dados existentes e

    confiveis, segundo a ONO Memorial (www.memo.ru).AleksandrTcherkassov. membro dessa

    ONo, escreveu sobre a questo em artigo

    Livro dos Nmeros: Demografia, perdas entre a

    populao civil efluxos de migrao em zona do conflito armado na Repblica da Tchetchnia.

    Crtica das fontes,

    que pode ser encontrado no site.

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    11.Deportao do povo tchetcheno em 1944

    Aps a derrocada do Imprio Czarista Russo, os povos do Cucaso Se-

    tentrional se auto-organizam e criam a Repblica dos Montanheses (1917-

    1918)32,governada pelo Conselho de representantes locais. Inicialmente, a

    Repblica dos Montanheses apia arevoluo de 1917.No entanto, em 1920

    ocorre o primeiro levante contra os bolcheviques - que procuravam instalar

    seu prprio governo na regio emudar aorganizao social dos montanheses.

    Cerca de 10.000 insurgentes (homens livrese sufistas,conhecidos como sect-

    rios de uma seita mstica, pantesta, maometana) que proclamaram aLiberta-

    o Nacional e o Estado Charia charia: justia islmica; leis e normas),

    declarando gazawat (guerra santa) so massacrados pelos 40.000 solda-

    dos do Exrcito Vermelho.

    De acordo com a poltica nacional da URSS de russificao do conti-

    nente, novas delimitaes das fronteiras territoriais foram estabelecidas no

    Cucaso. Em 1922, a Repblica dos Montanheses dissolvida pelo poder

    bolchevique, e so criadas repblicas autnomas bitnicas ou monotnicas.

    Os tchetchenos continuaram resistindo poltica nacional da URSS, e as

    revoltas no cessavam. Em 1923, 10.000 montanheses so expulsos para a

    plancie pelo Exrcito Vermelho. Aps dois anos, Stalin ordena o desar-

    mamento dos chefes da contra-revoluo e do banditismo, realizando ope-

    raes de limpeza e bombardeios areos nas vilas tchetchenas.

    Ao mesmo tempo, a coletivizao das terras, implantada na Tchetchnia

    em 1929, trouxe conseqncias desastrosas para os povoados: devido

    inexistncia da propriedade privada (as terras, os bosques, as guas per-

    tenciam s comunidades), a coletivizao traduziu-se, na prtica, pela

    desapropriao e estatizao dos recursos naturais da regio. Nas mon-

    tanhas, o pastoreio, principal atividade de subsistncia, foi condenado pela

    ideologia sovitica devido ao nomadismo.

    Com a apropriao estatal das bases econmicas das comunidades e

    com a ingerncia sobre o modo de vida tradicional, os tchetchenos se

    rebelaram novamente: ocuparam os centros de administrao bolchevique

    nas cidades e Qasvilas, queimando arquivos e prendendo chefes e repre-

    sentantes dos rgos do governo. Estas aes foram qualificadas como

    terroristaspelo governo da URSS34.O Exrcito Vermelho invade a Tchet-

    chnia e realiza grande campanha de represso, seqestrando e assassinan-

    do os lderes da resistncia. A coletivizao forada ocasionou levantes

    32. Faziam parte da Repblica: Tchetchnia, Inguchtia, Osstia, Kabarda, Balkar e Karatchai.

    33. Aps este levante, Stalin, poca comissrio do povo para as questes das nacionalidades,

    prometeu autonomia, soberania interna e independncia para a Repblica dos Montanheses

    que aceitou integrar a URSS nestas condies.

    34. Os rebeldes exigiam do poder sovitico: 1. Parar o confisco ilegal da propriedade campesina,

    ou seja, parar a coletivizao, 2. Parar as prises ilegais de camponeses. 3. Destituir os

    representantes da OGPU na Tchetchnia, substituindo-os por representantes tchetchenos da

    sociedade civil local. 4. Cancelar os julgamentos populares implementados por ordem do

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    populares entre os anos de 1929 e 1932, sufocados atravs de violenta

    represso do exrcito e do terror stalinista ,

    Mas as tradies de luta pela liberdade estavam bem vivas entre os

    tchetchenos, e a indignao popular cada vez mais forte resultou em outra

    revolta (1939). Desta vez os rebeldes no lutavam sob os dogmas islmicos:

    a ideologia do movimento, liderado pelos representantes da

    intelligentsia,

    formados aps revoluo de 1917 (escritor Kh. Israilov,jurista M.Cheripov,

    irmo do perseguido lder dos bolcheviques tchetchenos, e outros), foi

    combater o imperialismo vermelho para uma libertao nacional. Os rebel-

    des expulsaram os representantes do stalinismo na maior parte das regies

    montanhosas e proclamaram a criao do

    governo temporrio popular-

    revolucionrio da Tchetcheno-Inguchtia. A luta armada durou trs anos,

    e somente em 1942, aps diversos bombardeios areos, as tropas doNKVD

    conseguiram dominar o levante.

    Em 1944, o povo tchetcheno foi acusado de colaborao em massa

    com as tropas nazistas. A inverossmil colaborao foi, na realidade, um

    pretexto para a violenta represso da luta armada dos tchetchenos contra o

    poder imperialista de Stalin. Tchetchenos e outros povos insubmissos foram

    deportados para a Sibria e o Casaquisto , e as Repblicas da Tchetchnia

    e Inguchtia apagadas do mapa da URSS.

    Os povos massacrados comearam a recuperar seus direitos aps amorte

    de Stalin, em 1954. No entanto, o retomo para a terra natal e a reabilitao

    das comunidades caucasianas encontraram diversos obstculos, como uma

    economia local desestruturada, desemprego crnico e um territrio ocupado

    por moradores provindos de outras regies. Mesmo assim, tchetchenos,

    inguches e outros povos do Cucaso passaram a reconstruir suas formas eco-

    nmicas tradicionais de subsistncia e a sereorganizar social e politicamente.

    IH. A retomada dos movimentos pela autonomia poltica da

    Tchetchnia e os antecedentes da guerra (1990-94)37

    Diversos fatores colaboraram para o processo de intensificao dos

    movimentos pr-independncia daTchetchnia no final dos anos 80 e incio

    governo da URSS e restaurar os orgos

    charia

    de justia. 5. Restabelecer as decises polticas

    do conselho tchetcheno de 1917-1918 e no permitir as interferncias do poder central nas

    questes internas da Tchetchnia, ou seja, cumprir os acordos estabelecidos entre Stalin e os

    montanheses em 1921.

    35. Somente no ano de 1932 foram reprimidas cerca de 35.000 pessoas.

    36. Por ordem de Stalin, acusados de traio, foram deportados: tchetchenos, inguches, karatchai,

    kalmyks, balkary e trtaros da Crimia. Oficialmente, foram deportados 500.000 tchetchenos

    e inguches.

    37. Texto baseado no artigo

    Apontamentos sobre as Relaes Polticas entre a Federao

    Russa

    e

    a Repblica Tchetchena.

    Fonte: www.memo.ru/hr/hotpoints/CHECHEN/

    ITOGIIlndex2.htm; em ingls: memo.ru/hr/hotpoints/chechen/chechenglczecz.htm

    (acessado em 10 de junho de 2006).

    37

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    dos anos 90. Primeiramente, para os tchetchenos, a questo de uma

    associao tnico-territorial possui significado histrico: amemria da guer-

    ra contra o Imprio Russo, a represso stalinista e as deportaes em massa

    so recordaes de vrias geraes. Por outro lado, tal processo foi faci-

    litado pela eleio de Ieltsin para a presidncia do Conselho Supremo da

    Federao Russa (FR), emjunho de 1990, e o conseqente enfraquecimen-

    to do poder sovitico central representado por Gorbatchev.

    Ao utilizar os mesmos argumentos de Ieltsin, foras de oposio locais

    advogavam em favor da autonomia poltica dos territrios vizinhos FR.

    O colapso e a desintegrao da Unio das Repblicas Socialistas So-

    viticas (URSS), acentuados pelo despreparo do governo central de

    Gorbatchev em solucionar as demandas regionais pela autonomia dos

    territrios e repblicas soviticas, resultou em uma srie de trgicos conflitos.

    Ie1tsinempenhava-se em consolidar alianas com lderes locais, visando

    a integridade territorial da Rssia em contraposio integridade territorial

    da Unio Sovitica , em acordo com a teoria desenvolvida por seu principal

    assessor poltico Chakhrai , Em outras palavras, a Unio Sovitica estava

    fadada ao colapso poltico, porm tal colapso poderia ser utilizado para o

    fortalecimento da integridade e expanso territorial da Federao Russa.

    Esta teoria encontrou forte oposio em diversos locais. O Tatarst