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TERRITORIALIZAÇÕES DO MEDO Um Olhar Sobre o Bairro de Candelária, Natal-RN Hiram de Aquino Bayer Drª. Eugênia Maria Dantas RESUMO Labirinto composto por signos e informação, simultaneamente materiais, imateriais e simbólicos, a cidade constitui-se em um emaranhado de roteiros, experimentado de maneira singular, subjetivada e percebida por aqueles que se arriscam por seus caminhos. O medo é parte constituinte desse labirinto. O consideramos como um importante agente de territorializações do mudo moderno, no qual condiciona práticas socioespaciais dos indivíduos nessa cidade-labirinto. Tomando como empiria o bairro de Candelária, Natal-RN, buscamos analisar a dimensão espacial do medo, considerando sua territorialização no bairro, refletindo sobre sua influência nos espaços públicos e privados do bairro. Percebe- se, portanto, que o medo é agente importante em processos de territorializações no bairro, alterando e ressignificando o uso dos espaços públicos, tornando-os “anêmicos”, bem como na incorporação cada vez maior de uma tecnosfera da segurança, tornando recorrente a formação de enclaves territoriais fortificados. Palavras-Chave: Geografia; Medo; Território INTRODUÇÃO A cidade é um labirinto complexo. Imaginemos que nela coexistem diferentes caminhos. De maneira panorâmica parece aberta a diferentes experiências e vivências. Ou melhor, parece conter todas as possibilidades de experimentação do homem com o espaço. Marcada por desenhos que revelam trajetórias, a cidade impõe ao seu habitante perguntar-se: que trajetórias seguir? Quais caminhos evitar? Quais são as passagens proibidas? Esse cenário de possibilidades e desvios induz a reflexão sobre as escolhas dos indivíduos e suas práticas espaciais. Evidências da complexidade que a constitui com um labirinto de signos e informações que são, simultaneamente, materiais, imateriais e simbólicos. Seu tecido é um emaranhado de roteiros, experimentados de maneira diferentes, pois contêm a subjetividade e a percepção daqueles que se arriscam em seus caminhos.

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Artigo publicado originalmente nos anais do Seminário de Pós-Graduação de Geografia da UNESP-Rio Claro (SP) que trata do fenômeno do medo na sociedade atual e suas territorializações no meio urbano.

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Page 1: Territorializações Do Medo Um Olhar Sobre o Bairro de Candelária, Natal-rn_resumoexpandido

TERRITORIALIZAÇÕES DO MEDO

Um Olhar Sobre o Bairro de Candelária, Natal-RN

Hiram de Aquino Bayer

Drª. Eugênia Maria Dantas

RESUMO

Labirinto composto por signos e informação, simultaneamente materiais, imateriais e simbólicos, a cidade constitui-se em um emaranhado de roteiros, experimentado de maneira singular, subjetivada e percebida por aqueles que se arriscam por seus caminhos. O medo é parte constituinte desse labirinto. O consideramos como um importante agente de territorializações do mudo moderno, no qual condiciona práticas socioespaciais dos indivíduos nessa cidade-labirinto. Tomando como empiria o bairro de Candelária, Natal-RN, buscamos analisar a dimensão espacial do medo, considerando sua territorialização no bairro, refletindo sobre sua influência nos espaços públicos e privados do bairro. Percebe-se, portanto, que o medo é agente importante em processos de territorializações no bairro, alterando e ressignificando o uso dos espaços públicos, tornando-os “anêmicos”, bem como na incorporação cada vez maior de uma tecnosfera da segurança, tornando recorrente a formação de enclaves territoriais fortificados. Palavras-Chave: Geografia; Medo; Território

INTRODUÇÃO

A cidade é um labirinto complexo. Imaginemos que nela coexistem diferentes

caminhos. De maneira panorâmica parece aberta a diferentes experiências e

vivências. Ou melhor, parece conter todas as possibilidades de experimentação do

homem com o espaço. Marcada por desenhos que revelam trajetórias, a cidade

impõe ao seu habitante perguntar-se: que trajetórias seguir? Quais caminhos evitar?

Quais são as passagens proibidas? Esse cenário de possibilidades e desvios induz

a reflexão sobre as escolhas dos indivíduos e suas práticas espaciais. Evidências da

complexidade que a constitui com um labirinto de signos e informações que são,

simultaneamente, materiais, imateriais e simbólicos. Seu tecido é um emaranhado

de roteiros, experimentados de maneira diferentes, pois contêm a subjetividade e a

percepção daqueles que se arriscam em seus caminhos.

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Poderíamos elencar uma série de elementos que compõe esse labirinto: ruas

sem saída, congestionamentos, o próprio traçado urbano. Contudo, não se forma um

labirinto tão complexo apenas com aspectos materiais. Matizada a sua materialidade

está a percepção sobre os espaços daqueles que o vivenciam. Nesse contexto,

destacamos um fenômeno que, cada vez mais, vem sendo protagonista das

relações entre o homem e os espaços: o medo¹. Consideramos esse fenômeno um

importante agente de territorializações no mundo contemporâneo, alterando

significativamente as práticas socioespaciais dos indivíduos nessa cidade-labirinto.

Para a análise das territorializações do medo, focamos nosso olhar no bairro

de Candelária, Natal-RN. Por que optamos por esse recorte? Candelária emerge

como um campo rico para tais discussões, pois traz em sua forma elementos que

indicam o fenômeno do medo, tais como a incorporação cada vez maior de

estratégias de segurança (segurança particular, câmeras de vigilância, cercas

elétricas, entre outros), além de estar situada em uma das áreas com maiores

incidências de furtos e roubos da cidade. Esses elementos, aliados nos fornecem

uma construção para tais considerações, fazendo emergir o medo como importante

conteúdo da composição na “Candelária-labiríntica”.

Desta feita, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a dimensão

espacial do medo, considerando sua territorialização no bairro de Candelária, Natal-

RN. Para isso, buscamos refletir sobre a influência da territorialização do medo no

uso dos espaços públicos do bairro de Candelária, Natal-RN e compreender como

se dá sua territorialização nos espaços privados do bairro de Candelária, Natal-RN.

Recorremos à analogia do labirinto como uma espécie de exercício

metodológico, não apenas como um caminho para nossas observações, mas

também para elucidar como a territorialização do medo altera práticas, roteiros,

vivências. Nesse caminho, definimos um ponto de saída e um ponto de chegada no

bairro. Designamos algumas paradas obrigatórias em quatro praças do bairro. Nos

permitimos nesse percurso buscar o que nos interessava: os espaços e as pessoas;

os territórios e os medos. Nos permitimos, também, sentir o espaço, a própria

experiência enquanto pesquisador, deixando exalar sensações, preconceitos,

interpretações. Aliamos essas experiências com as dos indivíduos com os quais

conversamos no bairro, com suas falas, suas percepções, suas práticas. Em sintonia

com essas experiências particulares emerge a própria paisagem urbana do bairro.

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NOTAS SOBRE MEDO, TERRITÓRIO E A TERRITORIALIZAÇÃO DO MEDO

Sobre o Medo

“Quem dorme sossegado?”, pergunta-nos Tuan (2005). Antes que possamos

pensar em uma resposta satisfatória, prontamente nos é respondido pelo próprio:

“nós gostaríamos de dizer ‘aqueles que têm a consciência limpa’, mas a melhor

resposta é ‘aqueles que podem se dar ao luxo de não sentir medo’” (TUAN, 2005, p.

9).

Alguns autores se debruçaram sobre o tema medo, trazendo importantes

contribuições para o assunto. O próprio geógrafo Yi-fu Tuan, por exemplo, designou-

o enquanto um sentimento complexo que seria formado por dois componentes

essenciais: sinal de alarme e ansiedade (TUAN, 2005). No primeiro componente

esse sinal de alarme é motivado por um evento inesperado e impeditivo no meio

ambiente, no qual a resposta imediata é a fuga ou o enfrentamento. Por sua vez, a

ansiedade aparece como uma sensação difusa de medo, pressupondo uma

habilidade de antecipação. Essa sensação costumeiramente surge quando um

animal ou indivíduo encontra-se em um território desconhecido, estranho, longe de

objetos e figuras que lhe dão apoio. Para Tuan (2005, p. 10) “a ansiedade é um

pressentimento de perigo quando nada existe nas proximidades que justifiquem o

medo. A necessidade de agir é refreada pela ausência de qualquer ameaça”.

Outro autor a ser destacado é o sociólogo Zygmunt Bauman, para o qual o

medo constitui-se em um sentimento conhecido por toda criatura viva (BAUMAN,

2008). Mas, para os humanos, essa sensação se dá através de uma espécie de

medo de “segundo grau” ou um “medo derivado”, que se caracteriza por ser social e

culturalmente “reciclado” e não requer que haja, necessariamente, uma ameaça

imediatamente presente. O medo secundário, para o autor, “pode ser visto como um

rastro de uma experiência passada de enfrentamento da ameaça direta – um

resquício (...)importante na modelagem da conduta humana mesmo que não haja

mais uma ameaça direta à vida ou à integridade” (BAUMAN, 2008, p. 9).

Acrescenta-se às ideias expostas que o “medo derivado” é composto pela sensação

de insegurança e de vulnerabilidade. Assim, uma pessoa que tenha interiorizado

uma visão de mundo onde estejam esses dois componentes recorrerá às reações

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adequadas a um encontro imediato com o perigo, mesmo que não haja uma ameaça

iminente.

Contudo, nosso interesse reside em um medo específico: o medo do crime.

Os componentes que citamos anteriormente fazem parte desse tipo de medo

(insegurança, vulnerabilidade, sinal de alerta, ansiedade). Bauman (2008), afirma

que a insegurança na contemporaneidade caracteriza-se, justamente, pelo medo

dos crimes e dos criminosos. Atribui a suspeita dos outros e de suas intenções ao

individualismo moderno, para o qual a sociedade moderna foi construída sobre a

areia movediça da contingência. Para ele, a insegurança e a ideia de que o perigo

encontra-se em toda parte são inerentes a essa sociedade.

Nesse contexto, caberia, então, uma abordagem geográfica sobre o medo?

Se considerarmos a noção de trama locacional, presente em Gomes (2013) veremos

que, sim, é possível. Nesse sentido, para o autor, há uma lógica de dispersão pelo

espaço no arranjo físico de coisas, pessoas e fenômenos, que é condicionada por

razões, lógicas, coerências, constituindo essa trama locacional, intrínseca à

essência dos fenômenos. O medo, portanto, constitui-se em um fenômeno que

carrega consigo uma trama locacional.

Sobre o Território

É no contato com a realidade que emerge os conceitos. Buscamos na

concepção de território a possibilidade de abarcar a dinamicidade do que estamos

chamando de territorializações do medo. Nesse sentido, embora exista uma gama

variada de percepções e definições a respeito do território, nos aportamos em

Haesbaert (2004), ao problematizar o território em uma perspectiva integradora do

espaço geográfico.

A integração se dá mediante as relações conjuntas entre dominação e

apropriação, considerando as relações de poder em sentido amplo (material e

simbólico). Compreender dessa forma o Território, ao nosso ver, não é de forma

alguma um emaranhado teórico que beira ao caos, como alguns pensam ou

poderiam pensar. É, antes de tudo, uma perspectiva que incorpora a complexidade

dos processos na atualidade, não segmentando ou reduzindo interpretações, mas

possibilitando um repertório maior delas. Nesse sentido, optar por essa ou por

aquela perspectiva incorreria em uma parcialidade na compreensão do medo

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enquanto agente territorializador, nos condicionando a observar apenas alguns

processos. Com isso, não queremos dizer que conseguiremos abarcar a totalidade

através dessa concepção (até porque seria impossível), mas que avançamos de

forma a chegar um pouco mais próximo da complexidade.

Entendemos o território como construção histórica (portanto, social) que se dá

mediante relações de poder, sejam elas de ordem concreta ou simbólica,

envolvendo sociedade e espaço geográfico. Nesse sentido, o território possui,

concomitantemente, uma dimensão subjetiva, vinculada a ideia de consciência,

apropriação e/ou identidade territorial, e uma dimensão mais objetiva, relacionada à

dominação do espaço, em sentido mais concreto. Além disso, pode ser constituído

ao mesmo tempo por pontos e linhas – rede – e superfícies ou áreas - zonas

(HAESBAERT; LIMONAD, 1999).

Outro ponto importante a ser deixado claro é que o compreendemos como

fruto de uma dimensão vivida do espaço. Ou seja, do próprio devir cotidiano há o

surgimento de territórios. Assim, “o poder que delimita e influencia as dinâmicas

socioespaciais vem das ações dos indivíduos que vivem a/em uma porção do

espaço. Assim, a dimensão vivida não é apenas uma face do fenômeno, ela o funda”

(PAULA, 2011, p. 109). A própria vivência dos indivíduos a partir de uma experiência

do medo, atua de maneira a formar territórios. Essa perspectiva ganha abertura a

partir das concepções de autores pós-estruturalista, como Gilles Deleuze e Félix

Guattari, que atribuem ao território tanto uma dimensão física e social, quanto uma

mental e psicológicas (HAESBAERT, 2004), dando-nos, inclusive, a possibilidade de

falarmos na territorialização de um sentimento, como o medo.

Sobre a Territorialização do Medo

O medo é uma sensação que ganha visibilidade por meio de aproximações.

Quando o analisamos a partir de uma perspectiva geográfica estamos buscando

encontrar no espaço as evidências desse sentimento que ora são explícitas, ora são

veladas. Desta feita, o labirinto urbano vai sendo desenhado por meio de uma

territorialização especial habitada por um sentimento, o que o torna um território com

diferentes cenários. Assim, o medo ao se territorializar no indivíduo, o leva a tomar

atitudes que possibilitem a diminuição da sensação de insegurança como, por

exemplo, evitar transitar e permanecer em certos lugares e a incorporação de

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parafernálias tecnológicas ao espaço. Mas, podemos considerar que o medo

também se territorializa no próprio espaço. Praças, ruas escuras, certos bairros são

comumente tidos como “lugares perigosos”. Quando isso acontece as práticas

socioespaciais também são alteradas, principalmente, no ato de evitar o uso desses

lugares. Formam-se os “territórios do medo”.

É praticamente impossível recorremos a uma hierarquia de um desses

fatores. Criar uma certa autonomia de um em detrimento do outro é desprezar o

caráter dialógico no qual ambos aparecem. Em um primeiro momento poderíamos

atribuir a territorialização do medo nos espaços um caráter secundário, sendo um

desdobramento da territorialização no indivíduo, atribuindo a determinados lugares o

selo de “perigoso” ou incorporando ao seu cotidiano uma série de estratégias que

visam a diminuição de uma sensação de insegurança. Contudo, há determinados

momentos em que a territorialização do medo nos espaços acaba por adquirir certa

autonomia. Alguns espaços, devido a suas condições fazem com que a partir deles

haja uma territorialização do medo nos indivíduos. Na verdade, chega a um ponto

em que se torna difícil distinguir esses condicionantes. Seria, portanto, determinado

espaço perigoso porque temos medo ou temos medo porque determinado espaço é

perigoso? Sendo assim, preferimos pensar esse processo de forma dialógica,

concomitante, que acontece quase como uma retroalimentação.

POR ONDE ANDEI: EXPERIÊNCIAS NO LABIRINTO

Aportado nas ideias anteriormente expostas adentramos na “Candelária-

labiríntica”. Nos impomos um ponto de saída, pontos de passagem obrigatória e um

ponto de chegada (todos referentes a praças do bairro). Nosso olhar interessado

buscava as territorializações do medo; pessoas e espaços que fizessem emergir tal

fenômeno. Vale a pena salientar que esse trajeto nos possibilitou um roteiro de

observação, no qual aliamos a ele uma série de informações anteriormente

produzidas, fruto de trabalhos realizados em outras oportunidades. Abaixo, o mapa

(figura 1) mostra o percurso que percorremos e os pontos de observação.

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Figura 1: Mapa com o percurso e os pontos de observações que balizaram a presente pesquisa.

Fonte: Elaborado por Bayer (2014).

Pelos Espaços Públicos

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Iniciamos nossa experiência na praça Ubaldo Bezerra de Melo (praça 1).

Aliás, caberia aqui, antes de algumas descrições, falarmos um pouco sobre o motivo

que nos fizeram elencar como pontos obrigatórios algumas praças. Primeiramente,

nossa prática circunscreve-se, necessariamente, no espaço público (ainda que

consideremos alguns espaços privados, como casas e comércios, mas que, nesse

momento, só podemos visualizá-los a partir do espaço público). Para Gomes (2010),

à um regime político que deseja estabelecer um valor isonômico entre as pessoas,

que se baseia na ideia de liberdade e de igualdade, há uma condição espacial de

suma importância e extremamente necessária: o espaço público. Para o referido

autor, o espaço público se constitui em terreno fundamental da vida social

democrática. É nesse espaço em que há o contato entre os diferentes, onde se dão

com mais intensidade as trocas sociais, ou seja, onde desenrola-se uma cena

pública. A praça, especialmente, emerge para nós como o espaço público por

excelência. Torna-se ainda mais importante para nossa análise, pois figura no

imaginário social um certo saudosismo em relação a esses lugares que, para muitos,

desempenhara um papel distinto em tempos de outrora do que assume na

atualidade. Era um lugar de efervescência, de trocas sociais, de encontro. Hoje em

dia parece haver uma anemia (GOMES, 2010) dos espaços públicos, sobretudo os

das praças. Acreditamos, pois, que um desse fatores (há vários outros, como a

infraestrutura, por exemplo) causadores dessa anemia é o medo, cuja relação

abordaremos mais adiante. Cabe deixar claro que, agora, estamos pensando o

espaço público a partir de sua dimensão material (SOUZA, 2008).

Retomando à praça, percebemos que há uma relativa movimentação de

pessoas nela. Contudo, poderíamos dizer que se constitui como mero local de

passagem, a não ser para algumas poucas pessoas ou cidadãos em condição de

rua². Há um intenso movimento ao seu entorno Além de estar alocada próximo a

BR-101, seu entorno é marcado pela presença de alguns estabelecimentos

importantes para a cidade, como a existência de uma grande loja de material de

construção, um dos maiores shopping centers da cidade, além de uma clínica de

oftalmologia de grande porte. A ideia de que a alocação de infraestruturas possibilita

o aumento do fluxo de pessoas parece funcionar nesse caso. E a praça “se

beneficia” disso. Muitos carros ficam estacionados as suas margens, como podemos

ver na imagem abaixo (imagem 2). Permanece assim durante praticamente todo o

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período diurno e só começa a haver uma diminuição no movimento quando o Sol

começa a se por.

Figura 2: Praça Ubaldo Bezerra de Melo, Candelária, Natal-RN.

Fonte: Acervo pessoas do autor.

Nos parece ser, justamente, esse intenso movimento que faz com que a

referida praça não apareça como um lugar muito citado pelos moradores como um

local perigoso. Nossa experiência também faz-nos pensar nisso. Enquanto nos

encontrávamos nela a sensação de insegurança parecia ausente. A presença de

outras pessoas, de carros trafegando, nos dava uma sensação de segurança que

possivelmente não teríamos em um local, digamos, mais “deserto”. Contudo, a cena

se altera quando a noite chega. Aos poucos os carros estacionados se vão, os

transeuntes deixam de passar, e se vai toda a “vida” que observamos pela manhã e

tarde. O cenário agora é composto por uma iluminação pouco eficiente, pessoas em

condição de rua se estabelecem e há pouca movimentação de carros e de outras

pessoas. A sensação de segurança não é mais a mesma que tínhamos.

Essa situação nos remete a uma conversa que tive com um segurança

particular que se encontrava a poucos metros da praça. Perguntei sobre as

condições daquela área na qual era de sua alçada resguardar. Ele nos relatou que

os assaltos haviam diminuído um pouco, mas que haviam alguns casos de invasão a

residência, no qual aproveitava-se a chegada do morador para se fazer a

abordagem e entrar na casa. Mesmo não estando sob sua “jurisdição” perguntamos

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sobre a praça. Disse-nos que não haviam muitos casos de assalto, apenas alguns

esporádicos, mas que um dos maiores problemas era a presença dos moradores em

situação de rua. Essa fala corrobora com a de várias pessoas com as quais

conversamos. Além de atribuir a condição de “perigosa” a um dado local a partir da

presença de indivíduos nessa condição, os relatos versavam, igualmente, na

indicação com tal de espaços com iluminação pública deficitária, aos locais com os

chamados “terrenos baldios” (espaços de vazios urbanos) e aqueles em que haviam

situações concretas de crimes, como roubos e furtos.

Poderíamos, então, pensar em uma espécie de fluidez territorial do medo?

Sim, considerando a percepção e as experiências do sujeito com o espaço. Essa

primeira experiência nos mostra que, primeiro, a territorialização do medo em certos

espaços depende dos critérios que, individualmente, uma pessoa considera. Por

exemplo, no meu caso considerei a presença de pessoas na praça como um fator

que me garantia certa segurança. Em contrapartida, quando não havia tanto

movimento foi como se o território que outrora não comportava o medo, passou a

comportar. Da mesma forma, um indivíduo que considera a escuridão como um fator

determinante, iria considerar a praça segura durante o dia e insegura durante a

noite. A mesma coisa acontece caso o critério utilizado seja a presença de

moradores em situação de rua.

Seguimos nosso trajeto. As ruas, em geral, com poucos transeuntes. Um

pouco mais à frente visualizamos nosso segundo ponto obrigatório: a Praça dos

Eucaliptos (imagem 3). Peculiar, poderíamos dizer. Local bastante aprazível, bem

arborizada (por Eucaliptos, como o nome deixa claro), com uma boa infraestrutura,

bem ventilada.

Fig

ura

3:

Pra

ça

dos

Euc

alip

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tos, Candelária, Natal-RN.

Fonte: Acervo pessoas do autor.

Contudo, nossa experiência nessa praça contava com um elemento

diferenciado das demais, que balizava nossas sensações. A maioria das pessoas

com as quais conversamos indicavam essa praça como lugar perigoso, onde já

ocorreram (e ocorrem) diversos assaltos. “Conhecer é arriscar-se a sentir mais

medo. Quanto menos se sabe, menos se teme”, expressa Tuan (2005, p.10). Qual

seria a diferença entre nossa experiência nessa praça e nos demais espaços

públicos do bairro? Por que a sensação de insegurança se fazia presente quando

estava nela mais que nos demais espaços? A resposta mais sensata seria:

informação. Aqui emerge em nós sua importância como elemento que influencia a

vivência, a experiência, o sentir. Informação em sentido amplo, que se manifesta de

todos os lados (MORIN, 1981). Introjetada tal informação, qualquer movimento um

pouco mais “anormal” era motivo de alarme - nos dizeres de Tuan (2005) -, sentia-

me vulnerável - nos dizeres de Bauman (2008) – pela ausência de pessoas na

praça.

Interessante, também, perceber como esse medo estava associado ao porte

de um bem: o celular. Naquele momento era o pertence mais valioso que portava

comigo, o motivo que fazia-me perguntar, insistentemente: “por que o trouxe

comigo?”. Isso faz suscitar um questionamento: seria preponderante para uma

territorialização do medo em um indivíduo suas condições materiais? Em certo

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sentido, sim. Mas não no sentido que, a priori, possa parecer. Isso não quer dizer

que os ricos sentem mais medo do que os pobres pelo simples fato de,

aparentemente, terem objetos mais valiosos (em termo, estritamente, financeiro).

Não é isso. Quer dizer que o fato de ter consigo um determinado objeto, do valor

que seja, e que vislumbre a possibilidade de perdê-lo é determinante, em muitos

casos, para que um sentimento de medo possa acontecer, que está essencialmente

vinculado ao medo de perder determinado objeto. Essa experiência seria, portanto,

apenas minha? Provavelmente não. Essa junção entre informação, condições

ambientais, preconceitos, formando o medo é experenciado por muitos.

Em uma de nossas idas a praça dos Eucaliptos, durante a noite, uma cena

chamou-nos atenção: sete senhores, todos aparentando ter mais de 60 anos de

idade, encontravam-se sentados na praça, conversando (figura 4). Ao dialogar com

esses senhores demonstrei minha surpresa em vê-los ali – além deles, haviam duas

pessoas passeando com seus cães, um ciclista, um cidadão sentado em um banco

e outro caminhando. Como a praça é bastante extensa, dava-nos a impressão de

que haviam poucas pessoas no local. Falei sobre as informações que a mim haviam

sido repassadas sobre a “má fama” da praça. Prontamente, foi-me dito que

realmente o que eu havia escutado condizia com a realidade e que eles eram

apenas alguns dos poucos que frequentavam a praça. Na verdade, eles mantinham

uma espécie de tradição: praticamente todos os dias se encontravam mais ou

menos no mesmo horário para “jogar conversa fora”. Muitos deles residiam no bairro

há pelo menos de 15 anos. Um dos pontos que foi levantado diz respeito a que

antigamente os espaços públicos, especialmente as praças e as ruas (a “frente de

casa”, como bem colocaram) eram melhores utilizados. Me falaram que não ficariam

mais por muito tempo, pois estava ficando tarde e que a partir daquele horário não

era mais aconselhável permanecer naquelas imediações. Um deles relatou que na

praça havia a presença de pessoas que praticam furtos, além de jovens que a

frequentam para o uso de drogas.

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Figura 4: Praça dos Pinheiros, Candelária, Natal-RN

.

Fonte: Acervo pessoas do autor.

A praça dos Eucaliptos, em virtude dos relatos, configura-se como um espaço

onde há uma territorialização do medo. Quando perguntávamos, em pesquisas

anteriores, se havia lugares do bairro em que evitava-se passar ou permanecer,

essa praça era sempre a mais citada. Exemplo disso é a experiência de uma

funcionária de uma floricultura do bairro que conversamos durante a pesquisa. Ela

vem todos os dias de ônibus e desce distante do seu local de trabalho, precisando

caminhar mais de 1km para chegar ao estabelecimento (inclusive, muito parecido

com o percurso que fizemos). Uma das possíveis passagens é a praça na qual

afirma com veemência que evita de todas as formas passar por lá.

Seguindo por nosso percurso chegamos a terceira praça, conhecida como

praça da Igreja. Como a alcunha já nos diz um pouco, a praça fica ao lado da

principal igreja católica do bairro. Ao lado também de uma escola. Ao seu redor

predominam os estabelecimentos comerciais. Sua infraestrutura é, relativamente,

boa. Possui bancos, mesas, espaço para caminhar. O grande problema é que há

pouca arborização que, possivelmente, a torne um lugar apenas de passagem e não

de permanência. De noite há pouca iluminação que, também, configura-se como um

fator limitador de usos mais qualitativos do espaço. Assim, não poderíamos atribuir

ao medo a condição de único empecilho no uso desse espaço. É importante

considerar as condições infraestruturais da praça. Um ambiente que não oferece

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condições satisfatórias de bem estar, provavelmente, será pouco utilizado pelos

cidadãos.

Nesse espaço encontramos um sujeito bastante peculiar com o qual

conversamos por algum tempo. Dono de uma cigarreira na praça, relatou diversas

tentativas de arrombamento ao seu estabelecimento. Mesmo assim, permanecia

com o negócio há muito tempo. Nos falou que todas as pessoas que residiam em

sua casa foram vítimas de assaltos no bairro. Que o próprio havia sido uma das

vítimas, a poucos metros de onde conversávamos. E, por isso, sentia-se receoso de

transitar ou permanecer em alguns lugares do bairro. Um desses locais, inclusive, foi

a Praça dos Eucaliptos, mais uma vez citada.

Nossa conversa versou desde assuntos vinculados à política até o tema

desarmamento. Contudo, o que chamou-nos a atenção foi uma fala em especial:

“quando chego em casa de noite, eu me tranco e não saio mais”. Esse fato leva-nos

a refletir sobre um assunto que a Geografia cada vez mais tem se interessado: a

formação dos chamados “enclaves territoriais”. Geralmente concebido a partir da

perspectiva dos condomínios exclusivos, coloca à tona o movimento de uso cada

vez mais intenso dos espaços privados em detrimento dos espaços públicos. Por

exemplo, Souza (2008) fala sobre uma fragmentação do tecido sociopolítico das

cidades, atribuindo a essa fragmentação a existência de territórios controlados por

determinados grupos sociais (no caso, territórios controlados por criminosos) e aos

condomínios exclusivos. Para ele, “os ‘condomínios exclusivos’ prometem solucionar

os problemas de segurança de indivíduos e famílias de classe média ou da elite, de

outra parte deixam intactas as causas da violência e da insegurança que os nutrem”

(SOUZA, 2008, p. 73). A formação desses territórios se enquadra em uma forma de

emuralhamento da vida social que leva os indivíduos a buscarem espaços de lazer e

de moradia cada vez mais protegidos e de difícil acesso, no qual o filtro exercido

pelo poder aquisitivo ou pela acessibilidade seja efetivo na seleção social (GOMES,

2010).

Mas, em qual sentido a fala do dono da cigarreira com o qual conversamos

pode fazer-nos expandir essa concepção? Percebemos, pois, que esse tipo de

pensamento tem sido cada vez mais comum nos dias atuais. Essa supressão do

público pelo privado tem extrapolado o muro dos condomínios e tem passado a fazer

parte de tipos de moradias que se encontram fora dessas configurações. Esses

enclaves não estão sob a forma dos condomínios, exclusivamente. Cada vez mais

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as residências que não estão inseridas em condomínios encontram-se envoltas

nessa lógica. Para muitos, a casa constitui-se em um enclave territorial, no qual

“quando chega a noite, se trancam e não saem mais”.

Seguimos ao nosso quarto e último ponto obrigatório: a praça Tomaz da Mata

(praça 4). Das que visitamos e fizemos nossas observações, foi a que possuía uma

melhor infraestrutura. Bem arborizada, bancos bem conservados, parque para

crianças e equipamentos de exercício físico para idosos. De maneira geral, podemos

observar um bom uso da mesma: alguns jovens conversando durante o dia, no fim

da tarde algumas pessoas caminhando ao seu redor, idosos utilizando os

equipamentos de exercício físico. No período da noite há uma diminuição

significativa dos usos. A iluminação não é tão eficiente, tornando as condições para

usufruto um pouco adversas.

Chama-nos atenção, em relação a insegurança, alguns relatos de moradores,

sobretudo, vinculados ao Centro de Detenção Provisório da Zona Sul que fica

próximo à praça. Alguns moradores afirmaram terem presenciado algumas fugas de

detentos, inclusive resultando em troca de tiros com a polícia na área da praça.

Mesmo assim, nos parece um evento secundário que não influencia tanto no uso

desse espaço pelos moradores.

Pelos Espaços Privado

Foi nos espaços públicos, sobretudo os da rua e da praça, que

desenvolvemos nossa prática. De certa forma, é a partir desse espaço que

percebemos o espaço privado (pelo menos no que diz respeito a sua fachada)

colocados em uma posição de exterioridade, exposto ao nosso olhar. Assim, a praça

e a rua se constituem em lugares de exposição, espaços de visibilidade (GOMES,

2013), no qual os espaços privados das residências assumem a condição de

“expostos”.

Focamos nosso olhar na incorporação de equipamentos de segurança nesses

espaços, compondo a paisagem urbana do nosso labirinto. A essa incorporação

cada vez maior desses elementos técnicos ao espaço que visam, sumariamente, a

diminuição da sensação de insegurança, da busca pela segurança, Melgaço (2010)

designou de tecnosfera da segurança. Para o autor, essa tecnosfera da segurança

refere-se a toda materialidade técnica em torno do ideal de segurança, incluindo os

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processos de securização. Vinculada, e indissociável, a uma psicosfera do medo, a

tecnosfera da segurança constitui-se em uma espécie de materialidade do medo.

Assim, a paisagem composta por esses elementos nos servem como indicadores

deste fenômeno.

O caminhar atento logo nos faz perceber a intensa incorporação de

equipamentos de segurança a paisagem da área que observamos. Cercas elétricas

e câmera de vigilância dão a tônica do percurso. Mas seriam eles apenas

indicadores do medo? Sim, não, talvez. Não teríamos como ter certeza sobre isso. O

desejo nunca é concebido unicamente, ele é múltiplo, acompanhado por outros

desejos (DELEUZE; ROLNIK, 2005). Por exemplo, quando desejamos um celular

não desejamos unicamente o aparelho, queremos uma boa câmera, bons

aplicativos, boa memória. A incorporação de equipamentos de segurança ao

território comporta, em certa medida, o desejo de que a sensação de insegurança

seja amenizada. Essa parece ser sua função básica. Em contrapartida, pode estar

vinculada ao desejo por certo status. Talvez nunca saibamos ao certo qual se

sobressai. É difícil que alguém relate a uma pessoa estranha (e mesmo conhecida)

que, na verdade, aquela câmera de vigilância não “observa” apenas a rua, sua casa,

mas também tem em certo ponto o “olhar” voltado ao vizinho. Contudo, levando em

consideração sua função básica e, além disso, ressaltando que há uma banalização

desse uso, consideramo-los como um indicador do medo. Afinal de contas, como

bem coloca Melgaço (2010), a tecnosfera da segurança é um desdobramento da

psicosfera do medo.

Nos parece, portanto, que a tecnosfera da segurança, indicadora do medo,

mostra-nos mais uma de suas territorializações. Aqui, emerge enquanto

materialidade, territorializada em determinados espaços, transformando-as em

verdadeiros territórios fortificados (SOUZA, 2008). A imagem abaixo (imagem 5)

possibilita um bom panorama dessa territorialização do medo. Na casa representada

há uma sobreposição de equipamentos: uma cerca elétrica envolta por uma cerca

espiral, quase como uma “segurança da segurança”. Ao lado, podemos observar a

câmera de vigilância.

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Figura 5: Tecnosfera da segurança em residência do bairro de Candelária, Natal-RN.

Fonte: Acervo pessoal do autor.

TERRITORIALIZAÇÃO DO MEDO E O LABIRINTO

Até agora falamos sobre as territorializações do medo a partir das

experiências que tivemos em nossa prática, no contato e nas conversas com alguns

indivíduos, além da observação do espaço. Assim, buscamos construir uma espécie

de cenário (GOMES, 2013) do medo que, ao mesmo tempo, nos serviu para

subsidiar a analogia do bairro com o labirinto. Passamos a pensá-la a partir dessas

territorializações, constituindo em fator determinante na prática espacial dos

indivíduos nessa área delimitada.

Para representarmos essas práticas, recorremos a confecção de alguns

mapas. Escolhemos três fatores que foram constantemente citados por aqueles com

quem conversamos que seriam determinantes na indicação de um lugar como

“perigoso”, não aconselhável a transitar e permanecer, quais seja: espaços com

iluminação pública deficitária, locais onde há uma constância na ocorrência de

crimes, como furtos e roubos e a presença do que estamos chamando de

“indesejáveis” (principalmente moradores em situação de rua e usuários de drogas).

Esses espaços, ao nosso ver, são territorializados pelo medo e passam a se

constituir em barreias às vivências cotidianas. Usos, trajetórias, em parte são

condicionadas por essa territorialização, passando a ser parte constituinte do

labirinto urbano.

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Figura 6: Mapa com a espacialização das condições elencadas para uma territorialização do medo.

Fonte: Elaborado por Bayer (2014).

O primeiro mapa (figura 6) refere-se a uma espacialização desses fatores que

optamos por considerar. Tomamos como base a trajetória que realizamos,

observando em quais espaços esses fatores se encontravam. Assim, a partir deles

podemos identificar territorializações do medo. É importante salientar que essa

territorialização, como falávamos, é bastante subjetiva e reveladora das experiências

dos sujeitos com os espaços. Assim, esse mapeamento é uma aplicação espacial do

que capturamos até o momento sobre as vivências, sendo, um exercício que contém

possibilidades de interpretações, mais do que verdades absolutas

A partir dessa espacialização identificamos espaços onde o medo se

territorializa. Assim, um indivíduo que leva em consideração tais fatores evitaria

transitar ou permanecer nesses locais. Há, portanto, uma territorialização do medo

imprimindo barreiras imateriais no espaço que passa a condicionar a prática

socioespacial dos indivíduos. O mapa abaixo demonstra a formação dessas

barreiras.

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Figura 7: Mapa da territorialização do medo no percurso desenvolvido no bairro de Candelária,

Natal-RN.

Fonte: Elaborado por Bayer (2014).

CONCLUSÃO

O medo constitui-se em um fenômeno de extrema relevância nas

ressignificações e alterações de práticas socioespaciais na cidade moderna.

Balizador de relações, vivências, experiências dos indivíduos com o espaço, o medo

surge como um importante agente de territorializações na modernidade. Isso porque

apresenta-se enquanto uma força capaz de produzir efeitos e condicionar

resultados, trazendo à tona aspectos materiais e imateriais que tecem uma trama

locacional no qual aparece como protagonista.

Tomar o bairro de Candelária, Natal-RN, como empiria para as discussões

propostas é concebê-lo dentro de uma teia intraurbana, na qual a cidade é o bairro,

ao mesmo tempo que o bairro é a cidade. Com isso não queremos propor

generalizações, pelo contrário. O presente artigo diz respeito a uma parcela da

realidade, em um dado espaço e em um dado tempo. Contudo, processos que

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aparecem na escala do bairro, também surge em outros locais da cidade. Assim,

considerando as experiências da pesquisa, os relatos dos moradores, as leituras

tecidas através das formas, dos movimentos, dos diálogos, nos proporcionaram

refletir sobre a territorialização do medo em parte do bairro. Consideramos, pois, o

bairro enquanto um labirinto e o medo como um dos componentes desse labirinto,

ora material, ora simbólico, que condiciona trajetórias, permanências e usos.

Assim, o medo constitui-se em importante agente de territorialização no bairro

de Candelária, Natal-RN. Ao territorializar-se em indivíduos passa a condicionar

certas práticas socioespaciais, sobretudo, no ato de evitar transitar e/ou permanecer

em certos espaços do bairro. As praças públicas tornam-se “anêmicas”, pois o que

lhes dá vida – os usuários – estão a maior parte do tempo ausente desses espaços.

Os espaços privados das residências e dos comércios tornam-se verdadeiros

territórios fortificados, constituindo-se na materialidade desse sentimento de medo.

Esses territórios atuam de forma decisiva na sociabilidade dos indivíduos, pois

adentram em um paradoxo de abertura ao mundo “de fora”, enquanto se fecham nos

espaços imediatos das residências. Quando analisamos as trajetórias dos indivíduos

pelas ruas do bairro percebemos que há uma significativa alteração de rotas, tendo

como pressuposto que esse ou aquela localidade é perigosa. Nesse ponto,

vislumbramos a territorialização do medo no próprio espaço, fazendo com que

pessoas alterem caminhos, trajetórias, para evitá-los.

NOTAS

1 Sempre que nos referirmos ao medo, estamos vinculando-o a um medo específico,

relacionados aos crimes (sobretudo àqueles mais latentes no meio urbano como

homicídios, roubos e furtos).

² De acordo com o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), por população em

situação de rua compreende-se um determinado grupo populacional heterogêneo

que tem como principais características a pobreza extrema, vínculos familiares

fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular. Assim, essa

população é forçada a utilizar a rua como espaço de moradia e sustento,

temporariamente ou permanentemente.

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REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. GOMES, Paulo Cesar da Costa. A Condição Urbana: ensaios de geopolítica da cidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. ____. O Lugar do Olhar: elementos para uma geografia da visibilidade. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. GUATTARI, Félix; ROLNIK, Sueli. Micropolítica: cartografias do desejo. 9. ed. Petrópolis: Vozes, c2005. HAESBAERT, Rogério. Da. O Mito da Desterritorialização: do "fim dos territórios" à

multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. HAESBAERT, R.; LIMONAD, Ester. O Território em Tempos de Globalização. Geo UERJ, Rio de Janeiro, v. 5, p. 7-19, 1999. MELGAÇO, Lucas. Securização Urbana: psicosfera do medo à tecnosfera da

segurança. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. MORIN, Edgar. As Grandes Questões do Nosso Tempo. Lisboa: Editorial Notícias,

19-. 4ª ed. PAULA, Fernanda Cristina de. Sobre a Dimensão Vivida do Território: tendências

e a contribuição da fenomenologia. GeoTextos, vol. 7, n. 1, jul. 2011. SOUZA, Marcelo Lopes de. Fobópole: o medo generalizado e a questão da militarização urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. TUAN, Yi-Fu. Paisagens do Medo. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

Informações sobre os autores:

Hiram de Aquino Bayer - http://lattes.cnpq.br/3021692582897921 Geógrafo, Mestrando em Geografia no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Contato: [email protected]

Eugênia Maria Dantas - http://lattes.cnpq.br/6296149707446296 Geógrafa, Mestre em Ciências Sociais e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Contato: [email protected]