terras devolutas

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    3. TERRAS DEVOLUTAS

    Antes da anlise do processo de obteno da licena de ocupao, faz-se necessrioconceituar as terras devolutas, tendo em vista que esse o objeto da posse a ser

    legitimada.

    Terras devolutas so terras pertencentes ao Poder Pblico, mas que no tem umadestinao pblica definida, pois no esto sendo utilizadas pelo Estado. MariaSylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 714) afirma que o conceito de terras devolutas residual, ou seja, as terras que no esto incorporadas ao domnio privado nem tmuma destinao a qualquer uso pblico so consideradas terras devolutas.

    As terras devolutas so terras pblicas no registradas que no esto na posse dopoder pblico, por estarem dispersas, no estando incorporadas ao patrimnio

    pblico. Fala-se terras pblicas no registradas, posto que como asseverou Celso deMello, no basta a ausncia de registro para a terra ser considerada devoluta, necessrio que o poder pblico prove que a terra lhe pertence. Logo, a terra devolutapossui por caracterstica a simultaneidade da ausncia de ttulo de propriedade e acomprovao de ser um patrimnio pertencente ao poder pblico, embora sejamerecida a crtica quanto ao nus dessa comprovao ser do poder pblico. (LIMA,2009, p. 29)

    Os bens pblicos, conforme ensina Di Pietro (2006, p. 5), so divididos em duasmodalidades: a) os bens de domnio pblico que se submetem a regime jurdico de

    direito pblico e b) os bens do domnio privado que se sujeitam a regime de direitoprivado parcialmente derrogado pelo direito pblico. A primeira modalidadeabrange os bens de uso comum do povo, que so destinados ao uso coletivo, taiscomo mares e rios (art. 99, I, do Cdigo Civil de 2002) e os bens de uso especial, queso destinados ao uso da Administrao Publica para a consecuo de seus prpriosfins, como por exemplo, edifcios da Administrao (art. 99, II, CC/02).

    A segunda modalidade diz respeito aos bens dominicais, que constituem opatrimnio das pessoas jurdicas de direito pblico, como objeto de direito pessoalou real, de cada uma dessas entidades (art. 99, III, CC/02), como o caso das terrasdevolutas.

    O Cdigo Civil de 2002 diferencia essas duas modalidades de bens pblicos,estabelecendo que os bens pblicos de uso comum do povo e os de uso especial soinalienveis (art. 100), enquanto os bens pblicos dominicais podem ser alienados(art. 101).

    Os imveis pblicos, o que inclui as terras devolutas, no podero ser adquiridos porusucapio, conforme pargrafo nico, do art. 191, da Constituio de 1988. Porm,como so bens alienveis, a Lei n 6.383, tendo em vista a funo social dapropriedade, possibilitou a legitimao da posse aos ocupantes de terras devolutas, o

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    que proporciona s pessoas mais carentes estabelecerem sua morada e cultivarem aterra para dela retirarem seu sustento e de toda a sua famlia.

    (...) est superada a tese que atribua aos bens dominicais uma funo puramente patrimonial e

    financeira. Essa funo permanece e pode at constituir importante fonte de recursos para o erriopblico. No entanto, no h dvida de que aos bens dominicais pode e deve ser dada finalidadepblica, seja para aplicao do princpio da funo social da propriedade, seja para observncia doprincpio da funo social da cidade. (DI PIETRO, 2006, p. 11)

    4. A LEGITIMAO DA POSSE SOBRE TERRAS DEVOLUTAS

    A Lei n 4.504 regula os direitos e obrigaes concernentes aos bens imveis rurais,para fins de Reforma Agrria e promoo da Poltica Agrria. Essa lei foi criada em1964, portanto, incio da ditadura militar no Brasil, que durou por quase duas

    dcadas. O momento histrico era de agitao poltica e social, porm, o regimemilitar no buscava reformar as estruturas da sociedade brasileira, mas conservarsuas bases.

    A promulgao do "Estatuto da Terra", nesta fase, corresponde a uma preocupaoformal, dirigida infelizmente mais a atenuar conflitos sociais de notriasrepercusses polticas de que promover um processo de reforma na estrutura agrria.Em verdade, o "Estatuto" foi esquecido quanto ao mrito medida em que o pontode partida das perspectivas de melhoria econmica e social ao trabalhador ruralsequer saiu da estaca onde se encontrava. Ao contrrio, tais condies foram no

    decorrer do tempo sensivelmente agravadas medida em que aumentou a distnciaentre as necessidades do campo e a poltica agrcola. (FACHIN, 1989, p. 135)

    Os problemas decorrentes da m distribuio da terra no Brasil ainda hojepermanecem sem soluo. Os conflitos no campo revelam a necessidade de buscarinstrumentos que possibilitem s pessoas o acesso terra, para que possam trabalhare viver dignamente. A legitimao da posse sobre terras devolutas, embora noresolva todos os problemas agrrios no Brasil - posto que a Reforma Agrria imprescindvel - mostra-se como um instrumento hbil na efetivao ao direitofundamental moradia.

    O Estatuto da Terra estabelece que o Instituto Brasileiro de Reforma Agrriapromover a discriminao das reas ocupadas por posseiros, para a progressivaregularizao de suas condies de uso e posse da terra, providenciando a emissodos ttulos de domnio (art. 97, I). Para tanto o possuidor precisa preencher osrequisitos indispensveis da cultura efetiva e da morada habitual.

    Em 1976 foi promulgada a Lei n 6.383, que trata do processo discriminatrio deterras devolutas e que dispe em seu art. 29 que oocupante de terras pblicas, que astenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua famlia, far jus legitimao

    da posse de rea contnua at 100 (cem) hectares, desde que preencha os requisitos,quais sejam, no seja proprietrio de imvel rural e comprove a morada permanentee cultura efetiva, pelo prazo mnimo de 1 (um) ano.

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    A legitimao da posse de que trata a lei consiste no fornecimento de uma Licena deOcupao, pelo prazo mnimo de mais 4 (quatro) anos, findo o qual o ocupante ter apreferncia para aquisio do lote, pelo valor histrico da terra nua, satisfeitos osrequisitos de morada permanente e cultura efetiva e comprovada a sua capacidade

    para desenvolver a rea ocupada.

    A obteno da licena de ocupao consiste em um processo administrativo, maissimples que o processo judicial da usucapio. Percebe-se que diante da destinaoeconmico-social dada terra devoluta pelo possuidor a lei facilita a sua aquisioalavancando o acesso moradia, em cumprimento aos princpios constitucionais.

    Alm disso, com o objetivo de regularizar as ocupaes nos imveis da Unio,publicou-se, no ano de 2007, a Lei n 11.481 que alterou alguns dispositivos da Lei n9.636/98. A nova lei dispe que, ao fiscalizar e cadastrar os bens imveis da Unio, a

    Secretaria do Patrimnio da Unio, dever fazer a inscrio de ocupao se oocupante efetivamente aproveita o terreno. Ressalte-se que a inscrio atoadministrativo precrio, resolvel a qualquer tempo, e gera obrigao de pagamentoanual da taxa de ocupao.

    A funo social dos bens pblicos de uso coletivo e de uso especial j est implcitano prprio conceito desses bens. Quantos aos bens dominicais, que, conforme ensinaDi Pietro (2006), compe o patrimnio publico disponvel, assim como a propriedadeprivada, necessitam cumprir com sua funo social.

    Assim que as Leis n 4.504 e n 6.383 e n 9.636 foram editadas em cumprimento aoart. 188 da Constituio Federal, que dispe que a destinao das terras pblicas edevolutas ser compatibilizada com a poltica agrcola e com o plano nacional dereforma agrria.

    Apesar da manuteno do sistema agrrio brasileiro, que formado por latifndiose, portanto, injusto e excludente, a legitimao da posse sobre terras devolutasfunciona como um processo capaz de proporcionar s pessoas mais carentes o acesso cidadania e s condies necessrias para a garantia de uma vida digna, atravs daefetivao do direito moradia.

    Ademais, a legitimao ocorre pela via administrativa, evitando, assim, os entravesdo Poder Judicirio, que, ao utilizar um processo rigorosamente formal, dificultam oacesso justia das pessoas mais pobres, que so as que mais necessitam de umaresposta rpida, tendo em vista a importncia do direito tutelado, o direito moradia:

    Lamenta-se apenas que os instrumentos destinados regularizao fundiria sedestinam exclusivamente aos bens imveis de titularidade pblica. Perde-se aoportunidade de estender a legitimao da posse propriedade privada,sobremaneira em virtude das barreiras materiais e processuais de acesso dapopulao carente usucapio. A necessidade de assistncia jurdica, levantamentos

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    tcnicos no imvel e a demonstrao dos requisitos formais da usucapio, associadosaos custos e tempo do processo, todos so fatores que culminam para manterpossuidores na informalidade. (ROSENVALD, 2009, p. 52)

    5. CONCLUSES

    I. Tendo em vista a funo social que a posse exerce, esta no pode mais ser vistacomo a exterioridade da propriedade, pois a proteo da posse no se fundaexclusivamente no direito do proprietrio posse, mas na funo social que estacumpre, que a de efetivar o direito fundamental moradia. Assim, faz-seimprescindvel uma reviso das teorias subjetiva e objetiva que permeiam oordenamento jurdico, atravs dos princpios constitucionais, como o princpio dadignidade humana.

    II. As terras devolutas so terras pertencentes ao Poder Pblico, mas que no temuma destinao pblica definida, ou seja, no esto sendo utilizadas pelo Estado.Incluem-se entre os bens definidos como dominicais, que so bens pblicosalienveis. Portanto, os bens dominiais, assim como a propriedade privada, devemcumprir com sua funo social, sendo que a legitimao de terras devolutasestabelecida por lei revela-se um instrumento eficaz na concretizao dessa funo.

    III. A legitimao da posse sobre terras devolutas, concedida atravs de um processoadministrativo, funciona como um processo capaz de proporcionar s pessoas maiscarentes o acesso cidadania e s condies necessrias para a garantia de uma vida

    digna, atravs da efetivao do direito moradia.

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    REFERNCIAS

    ARAUJO, Cloves dos Santos. Os fundamentos poltico-filosficos da propriedademoderna, suas rupturas e funo social. 2009.

    DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Funo Social da Propriedade Pblica. RevistaEletrnica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito pblico da Bahia, n 6,abril/mai/junho, 2006. Disponvel no stio:http://www.direitodoestado.com.br.Acesso em: 25 de janeiro de 2010.

    ______. Direito Administrativo. 22. ed. So Paulo: Atlas, 2009.

    FACHIM, Luiz Edson. Terras devolutas e a questo agrria brasileira. Revista FESPI,Bahia, n 10, jul-87/dez-88, p. 133-151.

    FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 6. ed. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2009.

    GERAIGE Neto, Zaiden. A teoria objetiva da posse. Revista de Direito Privado, SoPaulo, n 10, abr/jun, 2002, p. 227-235.

    GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

    LIMA, Danilo Freitas Miranda. Terras devolutas: perspectivas da aplicao da funo

    social da propriedade. 2009. 71 f. Tese (Monografia) Curso de Graduao em

    Bacharelado em Direito, Universidade Estadual de Feira de Santana,Feira de Santana.

    Leia mais:

    http://jus.com.br/artigos/17310/a-legitimacao-da-posse-sobre-terras-devolutas#ixzz3I3ccIMZ0

    http://www.direitodoestado.com.br/http://jus.com.br/artigos/17310/a-legitimacao-da-posse-sobre-terras-devolutas#ixzz3I3ccIMZ0http://jus.com.br/artigos/17310/a-legitimacao-da-posse-sobre-terras-devolutas#ixzz3I3ccIMZ0http://jus.com.br/artigos/17310/a-legitimacao-da-posse-sobre-terras-devolutas#ixzz3I3ccIMZ0http://jus.com.br/artigos/17310/a-legitimacao-da-posse-sobre-terras-devolutas#ixzz3I3ccIMZ0http://jus.com.br/artigos/17310/a-legitimacao-da-posse-sobre-terras-devolutas#ixzz3I3ccIMZ0http://www.direitodoestado.com.br/