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    Table of ContentsCopyrightPrefaceAbout the authorINTRODUOPRIMEIRA PARTE REESTRUTURAO PRODUTIVA E REORGANIZAO ...Captulo I - O impacto da globalizao no mercado ...Captulo II. Organizao do Trabalho e Regime ...Captulo III. Reestruturao Produtiva e Mercado ...SEGUNDA PARTE TERCEIRIZAO E TRABALHOCaptulo I Questes Gerais sobre a Terceirizao ...Captulo II Terceirizao e o Direito do Trabalho ...Captulo III Terceirizao e Intermediao de ...TERCEIRA PARTE INTERMEDIAO DE MO DE OBRA E ...Captulo I. A intermediao de mo de obra como ...Captulo II. A intermediao de mo de obra como ...Captulo III. A intermediao de mo de obra como ...CONCLUSOPOSFCIOBIBLIOGRAFIA

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  • CopyrightAuthorRodrigo de Lacerda CarelliEditoredio do autorCopyright 2014 [Rodrigo de Lacerda Carelli]

    First Published using Papyrus, 2014ISBN : [85-7147-320-X]

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  • Prefcio edio eletrnicaEste ebook que voc tem em mos a verso eletrnica, com pequenasmodicaes, do texto apresentado como dissertao para obteno dottulo de mestre na Universidade Federal Fluminense, no ano de 2002. Del para c, passaram-se dez anos, mas a situao basicamente amesma: a precarizao com a intermediao de mo de obra, fantasiadade terceirizao, continua a pleno vapor e o empresariado tenta a todomomento intensicar o processo. A dissertao se transformou em livro,j h muito esgotado.O momento para esta edio virtual no poderia ser melhor. O debatehoje migrou do Congresso Nacional para o Supremo Tribunal Federal, nainteno dos empresrios de utilizao do Poder Judicirio para alcanaro que no conseguiu pelos meios polticos tradicionais. Entendo que a obra atual e pode ajudar no debate, mesmo que osdados encontram-se um tanto datados. O quadro, no entanto, como j se disse, no foi alterado. O que realmente uma lstima. A luta, por incrvel que parea, no momentodesta edio eletrnica, de manuteno da derrota por poucos gols. lutar para que a derrota no seja uma acachapante goleada. brigarpara que haja menos mortos na guerra. Infelizmente a sociedadebrasileira est longe de vencer essa contenda.

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  • Sobre o autorO autor Procurador do Ministrio Pblico do Trabalho no Rio deJaneiro e Professor Adjunto de Direito do Trabalho da FaculdadeNacional de Direito/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre emDireito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense, Doutor emCincias Sociais pelo IESP/UERJ.

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  • INTRODUO

    A terceirizao instrumento que vem sendo utilizado em larga escalapelos empresrios, com vistas reduo de custos, maior produtividadee melhor gerncia de seu produto, gerando intensa modicao nasrelaes empregado-empregador, ocasionando tambm, por sua vez,grande precarizao nas condies de trabalho e diminuio de direitostrabalhistas.H, por outro lado, uma viso distorcida e s vezes equivocada no meiojurdico e sociolgico ptrio acerca deste instituto, devendo serclareadas as razes jurdicas da ilegalidade de contratao por empresainterposta.Apontada como moderna forma de estruturao das empresas,indispensvel para a competitividade empresarial em temposglobalizados, denuncia-se, por outro lado, a terceirizao como fator deprecarizao do trabalho, denncia esta realizada por sindicatos em todoo Pas, como noticiado fartamente na grande imprensa.O crescimento da utilizao de tal instrumento, na maioria das vezes deforma equivocada, tendo como caracterstica a mera utilizao de mode obra fornecida por empresa agenciadora, faz com que empresas degrande porte passem a ter um percentual bastante elevado detrabalhadores denominados terceirizados, ou seja, com estatutodiferenciado dos seus trabalhadores tidos como efetivos, alterando deforma substancial o quadro da organizao do trabalho intrafabril.O quadro extrafabril tambm modicado, pois, aparentemente, h umaumento do nmero de trabalho no setor de servios, ocasionado pelamigrao advinda do downsizing realizado no setor de produo. Nose trata de soluo mgica, mas sim de mera utilizao do fenmeno deterceirizao como mero fornecimento de mo de obra.

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  • A vericao de que algo est errado pode ser realizada a partir daprincipal argumento para utilizao do instrumento pelo empresariado:a reduo de custos. Ora, o intuito de reduo de custos na terceirizao incompatvel com a prpria ideia do instituto. Isso porque nunca, aprincpio, pode haver reduo de custos na terceirizao, pois ela implicanecessariamente em exerccio de atividade econmica por outraempresa, que pressupe, logicamente, a busca de lucros. Assim,terceirizando uma atividade para ser realizada por outra, obviamentealm do pagamento do pessoal desta, devero ser pagos o lucro ecustos operacionais (incluindo a tributos e encargos sociais) da empresainterposta, no tendo como obter, matematicamente, a reduo decustos almejada. O que pode haver melhoria de qualidade econsequentemente um aumento nos lucros e maior competitividade,mas nunca reduo de custos, que s seria obtida pela precarizao dotrabalho humano, seja nas condies desse trabalho, seja no nopagamento das verbas trabalhistas.O principal objetivo deste trabalho, ento, que se toma como hiptesecentral, a demonstrao da distino entre terceirizao eintermediao de mo de obra, muitas vezes olvidada tanto pelosmanejadores do Direito quanto pela Sociologia, bem como pelo prprioempresariado, que se utiliza muitas vezes da segunda pensando se tratardaquele instituto da cincia da Administrao. O primeiro instituto, aprincpio legal, esbarra em sua utilizao na forma do segundo, ilegalsegundo o Direito do Trabalho. Assim, discutir-se- a diferena existenteentre a terceirizao aceita pelo Direito do Trabalho, aquela entrega deservios acessrios e complementares atividade comum e prpria daempresa, com a mera intermediao de mo de obra, ilcita noordenamento jurdico ptrio e razo de repugnncia em toda a doutrinade Direito do Trabalho no mundo todo.Pretende demonstrar o trabalho, outrossim, as consequncias dautilizao da intermediao de mo de obra sobre o trabalho, quasesempre danosas para os trabalhadores, tanto individual quantocoletivamente.Sero utilizados dados prticos demonstradores da realidade nautilizao da intermediao de trabalhadores no mercado de trabalhobrasileiro. No se trata aqui, porm, de uma pesquisa emprica, ou um

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  • estudo de caso. Trata-se de um trabalho terico, no qual so utilizados,para ns de ilustrao e melhor compreenso da proposio, casosprticos, em sua maioria advindos da experincia prossional do autor,Procurador do Trabalho, atuando na Procuradoria Regional do Trabalhoda 1 Regio (Rio de Janeiro), na Coordenadoria de Defesa dos DireitosDifusos, Coletivos e Individuais Homogneos (CODIN). Esses casosprticos sero retirados dos instrumentos que se utiliza o MinistrioPblico do Trabalho para a investigao de irregularidades que atingema coletividade trabalhadora, que so o Procedimento Preparatrio deInqurito Civil, denominado durante o trabalho de PP, e o InquritoCivil, IC.Aquele o instrumento utilizado pelo Ministrio Pblico no incio dasinvestigaes, quando a existncia, a extenso e a materialidade dairregularidade ainda no esto totalmente vericadas. O segundo utilizado quando a irregularidade j est com seus traos mais ntidos, eseu principal objetivo o levantamento do maior nmero de provaspossveis para a possvel propositura de futura Ao Civil Pblica, ou aassinatura de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta,instituto para a submisso voluntria do investigado aos ditames legais.Assim, basear-se- o trabalho nos casos surgidos no Estado do Rio deJaneiro, local de atuao prossional do autor, no cando, porm,restritos os dados s investigaes realizadas especicamente peloautor, sendo colhidos de todas as investigaes realizadas pelosProcuradores com atuao na Coordenao de Defesa dos DireitosDifusos, Coletivos e Individuais Homogneos no Estado.Como salientado, tais dados sero em sua maioria retirados da atuaodo Ministrio Pblico do Trabalho, no entanto tambm sero utilizadasoutras fontes, como jornais e revistas, alm de documentos sindicais.Como a terceirizao um instrumento da cincia administrativautilizado mundialmente, partir-se- inicialmente, na primeira parte doestudo, para a anlise da conjuntura global e suas consequncias nareestruturao do mercado de trabalho. Ali ser estudado o fenmenoconhecido como globalizao e seu impacto no mercado de trabalho.Tomando por base a mudana de paradigma no regime de acumulaodo capital, e sua consequente reestruturao do mercado de trabalho,para a compreenso da hiptese a ser sustentada ser necessria a

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  • abordagem do paradigma de estruturao do mercado de trabalhoanteriormente utilizado, denominado em termos gerais de Taylorismo-Fordismo, e a anlise do atual, ps-fordista, conjuntamente com oregime de acumulao de capital de cada poca. Analisar-se-, damesma forma, as caractersticas do mercado de trabalho nessa novaconjuntura, bem como as novas formas de trabalho que surgem, dentreelas a terceirizao, objeto do presente estudo.A anlise da mudana do paradigma da estruturao da produo determinante para o bom entendimento do presente estudo, pois aterceirizao fruto direto dessa mudana de paradigma, sendo,portanto, indispensvel abordar a reestruturao produtiva ocorrida nasltimas dcadas.Na Segunda Parte deste trabalho ser analisado maisaprofundadamente o prprio fenmeno da terceirizao, e sua relaocom o trabalho. Primeiramente ser perseguida a prpria compreensodo fenmeno, a sua natureza e posio cientca, para depois serembuscadas, aps o momento em que se analisar como se estrutura osistema protetivo trabalhista, as implicaes da terceirizao no prprioDireito do Trabalho.Aps esta anlise, passaremos a vericar como o Direito do Trabalhoptrio se porta perante o fenmeno, a partir de suas vertentesdoutrinrias, jurisprudenciais e legislativas, as quais, como veremos,tomam posies s vezes contraditrias e em sua maioria sem umarobusta e coerente fundamentao cientfica.Para nalizar esta parte, abordar-se- a hiptese principal do presentetrabalho, que a diferenciao entre terceirizao e intermediao demo de obra, elaborando-se os elementos pelos quais pode serevidenciada a utilizao, sob a forma de terceirizao, de uma meraintermediao de mo de obra, ilegal e ilegtima perante o sistemajurdico e social trabalhista. Pretende-se, com isso, pr m anomiaexistente e relativa confuso gerada pelas proposies at agoravigentes.Na terceira parte, consequncia da clivagem realizada entre terceirizaoideal e intermediao de mo de obra, ser buscado demonstrar asnefastas implicaes trazidas por esta ltima, que sero repartidas entretrs principais: causa de ruptura no sistema trabalhista, determinadora

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  • principal de precarizao do trabalho humano, bem como fator desegregao no trabalho e excluso social.Assim, o estudo estar encerrado com a viso completa, conjuntural eespecca, do fenmeno terceirizao na sua feio patolgica deintermediao de mo de obra, absolutamente prejudicial aostrabalhadores e muito vantajosa imediatamente aos empregadores.O que se busca aqui colocar uma luz sobre o problema, tentandoajudar na busca de trabalho digno para o ser humano e o mnimo derespeito que ele merea enquanto tal.

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  • PRIMEIRA PARTEREESTRUTURAO PRODUTIVA EREORGANIZAO DO MERCADO

    DE TRABALHO

    O capitalismo no se estrutura mais, ao menos idealmente, como seorganizava no incio do Sculo XX. Com isso, reorganiza-se o mercado detrabalho, sendo ajustado ao novo modelo de acumulao do Capital.Para se entender esta reestruturao, comeamos no captulo I a deitarconsideraes sobre o momento atual de grandes mutaes, denidoglobalizao, vericando tambm a ideologia utilizada neste momentode substanciosa mudana na vida cotidiana das pessoas e sua inunciano mundo do trabalho. No captulo II, para melhor compreenso dofenmeno ora estudado, vericaremos como era estruturado o trabalhono incio do sculo XX, pelos movimentos chamados Fordismo eTaylorismo, preponderantes at aproximadamente o terceiro quarto dosculo passado. No captulo III estudamos a passagem para as novasestruturas, denominadas ps-fordistas, e a nova modelagem do trabalhopor elas acarretada. Com isso, teremos visto toda a formatao atual dotrabalho, em termos idealsticos mundiais.

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  • Captulo I - O impacto daglobalizao no mercado de trabalhoIt's the end of the world as we know it.It's the end of the world as we know it.It's the end of the world as we know it and I feel fine. (cano do grupo norte-americano R.E.M, Its the End of theWorld as we know it (and I feel fine))

    A che ora la fine del mondo?A che ora la fine del mondo?A che ora la fine del mondo?Macellai da DisneylandChe rete ? Che ora ?Che rete ? Che ora ?A che ora la fine del mondo?Posso salutar mamm?A che ora la fine del mondo?Posso salutar pap?A che ora la fine del mondo?Posso salutar Fef?A che ora ?(verso do cantor italiano Luciano Ligabue sobre a mesmacano)

    Vivemos em um mundo globalizado. Esta expresso temos ouvido emtoda parte. De toda sorte, no deixa de ser verdade, sendo que o fato deestar o mundo globalizado deita inuncia em todos os aspectos davida humana, no tendo por qu no exercer determinante carga sobre oaspecto que toma o trabalho atualmente. Destarte, veremos a denio

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  • de globalizao, para melhor entendimento do fenmeno, aps o quveremos a posio ideolgica dominante do capitalismo atual, paraento verificarmos como se posta o trabalho perante todo esse contexto.1 - Definindo a globalizaoDenir globalizao: eis tarefa das mais rduas, com o que concordamos grandes autores. Pginas e pginas foram escritas, obras desocilogos famosos, como Ulrich Beck (1999), trouxeram essa difcilquesto: O que globalizao?Hoje no se fala sobre outra coisa. Qualquer atitude que se toma,qualquer consequncia boa ou nefasta explica-se como um efeito daglobalizao. Est na boca de todos, s vezes tratada como a redenodo mundo, porm na maioria das vezes tratada como um de seusmaiores males. Mas o que ser esse fenmeno, que nem quanto aonome esto de acordo as pessoas (j que os franceses a chamam demundializao (mondialisation))? Qual a causa da diculdade nessadefinio?Multifacetada, multidimensional, dinmica, ambgua, uida, dialtica,fragmentada. Estes so alguns dos adjetivos dados globalizao natentativa de explicar a diculdade em deni-la. De fato a mundializao(1) um fenmeno que detm todos esses adjetivos, fazendo-a de difcilconcepo, devido sua extenso e profundidade com que age sobretudo e todos.Para Jonathan Perraton, economista britnico, globalizao umprocesso histrico o qual engendra uma mudana no alcance espacialdas redes e sistemas das relaes sociais para modos de organizaohumana, atividade e exerccio do poder social para transcontinental (ouinterregional) (PERRATON, 2000, p. 128).Este conceito mais bem explicado pela denio de Anthony Giddens(1991, p. 69), apesar de irem na mesma direo: A globalizao podeassim ser denida como a intensicao das relaes sociais em escalamundial, que ligam localidades distantes de tal maneira queacontecimentos locais so modelados por eventos ocorrendo a muitasmilhas de distncia e vice-versa. E, explicando seu conceito, arma queA estrutura conceitual tempo-espao dirige nossa ateno s complexasrelaes entre envolvimentos locais (circunstncias de co-presena) e

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  • interao atravs de distncia (as conexes de presena e ausncia). (...).A globalizao se refere essencialmente a este processo dealongamento, na medida em que as modalidades de conexo entrediferentes regies ou contextos sociais se enredaram atravs dasuperfcie da Terra como um todo.Assim, tomamos ento os dois elementos centrais na conceituao daglobalizao: o binmio local/global e o alongamento tempo-espao (2).A dialtica entre os polos local e global caracterstica bsica efundamental para o entendimento do fenmeno. Fatos em um ponto domundo, como a queda da bolsa de Tquio, atingem ponto do outro ladodo globo, como um pequeno botequim no interior do Cear, em questode horas. Um fato local, por sua vez, como a quebra de um banco emLondres, faz mudar a vida de pessoas comuns no interior da frica, emum pas dependente de emprstimos exteriores. Porm, ca difcilinclusive destacar a qualidade de local ou global de determinado fato,como arma Bruno Latour: assim os termos local e global oferecempontos de vista sobre os fatos, que no so nem locais nem globais, massimplesmente mais ou menos amplos e mais ou menos conexos.(LATOUR apud BORGHI, 1998, p. 75). Essa dialtica entre o local e globalrecebe termos diversos, como sincretismo (Vasantkumar) interfaceentre culturas onde no se aceita automaticamente, mas se selecionam,multiplicam e recombinam as interferncias, hibridao (NederveenPieterse e Rowe) as formas se separam da prtica existente erecombinam-se com novas formas em nova prtica, ocidentalizao(Canevacci) ideia homologante e entrpica de domnio cultural centralsobre a cultura perifrica, glocalizao (Bonomi e Robertson) sincretizao seletiva e reelaborao de elementos provenientes decontextos externos e crioulizao (Hannerz) a conuncia e ainterao entre diversas realidades histricas e culturais, gerandoculturas crioulas, fazem as culturas reelaborarem suas prpriastradies. Cada um opta, como se percebe, por dar uma viso diversa dofenmeno, uns autores notando a verdadeira confluncia e mistura entreas culturas perifricas e centrais, j outros entendendo comocolonizao da periferia pelas sociedades centrais.O importante, como so testemunhas todos esses rtulos, a existnciade um incrvel cruzamento de culturas e fatos, que fazem o mundo que

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  • vemos hoje diferente do que existia.E isto causado, com certeza, pelo inacreditvel desenvolvimento dosmeios de comunicao e locomoo, que resultam no deslocamentotempo-espao, o segundo elemento importante em nossa definio.Aqui vale abrir um parntese, a m de ressaltar a impropriedade dealguns autores citarem como incio da globalizao pocas passadas,como a formao dos antigos imprios, os grandes descobrimentos dosculo XV e outros fatos posteriores (FARIA, 1999, p. 60). Na verdade, noh base mnima para comparar essas pocas e esses acontecimentoscom o que acontece atualmente, onde se sobressai a rapidez e aprofundidade com que ocorrem as inuncias e as mudanas nas vidasdas pessoas, ocasionadas pelo deslocamento tempo-espaoproporcionado pelos meios de comunicao surgidos no transcurso doSculo XX e massicados no nal desse Sculo. No sculo XV, ou mesmosem necessitar retroceder-se tanto, no sculo XIX, um acontecimento naEuropa levava meses para ser conhecido no Brasil, enquanto que hoje,uma notcia de qualquer parte do mundo chega em terras brasileiras emtempo real, via internet. Tambm a notcia daquele acontecimento nochega quantidade, mesmo em termos proporcionais, de pessoas quese faz saber hoje. No sculo XVIII, demorava-se quase um ms pararealizar a travessia do Oceano Atlntico, sendo que hoje se faz empoucas horas, podendo realizar no mesmo dia uma viagem areaAmrica-Europa. Esse um erro comum dos cientistas de vrias reas,de buscar antecedentes remotos e vislumbrar neles a j existncia dofenmeno, sem levar em conta a sua densidade e intensicao. Narealidade, historicamente falando, os acontecimentos nunca soisolados, sendo encadeamentos que se multiplicam em caminhosdiversos com origens comuns.Retornando ao eixo de nossa argumentao, essa citada rapidez edensidade proporcionada pelos novos meios de comunicao, comotelefone, televiso, internet e transporte, como o automvel e o avio,realiza o deslocamento do tempo-espao.Anthony Giddens (1991, p. 29) chama esse fenmeno de desencaixe, oqual denido como deslocamento das relaes sociais de contextoslocais de interao e sua reestruturao atravs de extenses indefinidasde tempo-espao.

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  • O desencaixe do espao-tempo tambm tratado por David Harvey(2000, p. 257), fazendo este autor ligao ntima desse acontecimento,chamado por ele de compresso espao-tempo, com a ps-modernidade.Arma que a diminuio vertiginosa do tempo de giro do capital, svezes at a 24 (vinte e quatro) horas, tem inuncia particular nasmaneiras ps-modernas de pensar, de sentir e de agir (HARVEY, 2000, p.258). E aduz entre as suas consequncias a de acentuar a volatilidade eefemeridade de modas, produtos, tcnicas de produo, processos detrabalho, ideias, ideologias, valores e prticas estabelecidas. A sensaode que tudo o que slido se desmancha no ar raramente foi maispervasiva.Causa importante na compresso do tempo-espao, indispensvel paraa caracterizao da globalizao, o progresso incomensurvel e radicaldos meios de transporte e comunicao. Zygmunt Bauman (1999, p. 15)nota que o ltimo quarto do Sculo XX pode vir a ser conhecido como oda Grande Guerra de Independncia em Relao ao Espao, poca queas empresas so situadas independentemente de sua origem ou pblicoconsumidor alvo e h o m da relao xa entre a distncia e o tempo(dependendo o tempo para cumprir a distncia mais do custo do que dequalquer outro fator). Bauman (1999, p. 22), inclusive, salienta aseparao dos movimentos da informao em relao aos movimentosdos seus portadores e objetos.A rede mundial de computadores, a Internet, a grande responsvel poreste ltimo fenmeno, por poder disponibilizar toda a informaoexistente no mundo instantaneamente, e a baixo custo, a qualquerpessoa em qualquer parte do planeta (BAUMAN, 1999, p. 23). Com oschamados e-books (ou livros eletrnicos), os livros se desprenderam damatria (o papel, no caso), sendo adquiridos via net em forma de bits,tornando sua difuso mais barata e mais rpida. Os grandes jornais detodo o mundo esto disponveis em todo o planeta virtualmente, nomesmo momento, pela Internet, no necessitando mais do meio papel.Alm disso, as relaes humanas mudaram sensivelmente, tornando-seo computador (por intermdio da grande rede) um meio de trocas deexperincias e formao de amizades entre pessoas de todo o mundo,atravs dos chats, programas realizados para conversas entre

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  • internautas. Inclusive foi criada uma nova forma de prtica sexual, osexo virtual. O correio eletrnico, ou email, modicou profundamentee para sempre o sistema de correspondncia, pela sua instantaneidade,praticidade e relativa ausncia de custos.Como coloca Luis Carlos Fridman (1991, p. 93), no mundo cosmopolita,cada vez mais pessoas esto regularmente em contato com outras quepensam de maneira diferente delas. Isso erode as tradies e asreferncias que sustentavam particularidades culturais. E continua: ocosmopolitismo, segundo Giddens, uma revoluo global no modocomo pensamos sobre ns mesmos e no modo como formamos laos eligaes com os outros. O sendo de individualidade e de identidade cadavez mais passou a se robustecer atravs da democracia das emoes edo dilogo que rompe com os padres referidos s instituiestradicionais.Esses dois avanos citados, relativos evoluo dos meios de transportee comunicao, realizaram, segundo Bauman (1999, p. 25), a anulaotecnolgica das distncias temporais/espaciais, ressaltando, todavia,que tal emancipao depende ainda da posio social e disposio derecursos nanceiros. Entretanto, no podemos de forma alguma olvidarque o fator econmico e a condio pessoal sempre, em todos ostempos, estiveram presentes, seja para a locomoo pessoal ou a trocada informao, e talvez antes estes fatores eram at mais importantes,ainda mais se tomarmos em conta o escravismo ou a servidoonipresentes em tempos passados. O enfoque que deve ser dado queainda, em pleno terceiro milnio, no ultrapassamos, e, aparentemente,estamos longe de eliminar esta barreira.Globalizao, fenmeno atual de excepcional intensicao no nvel derelaes entre as pessoas, realiza mudanas de forma radical na vida depessoas comuns, no sendo estes cmbios, todavia, de modo uniformeou se do de maneira instantnea. Entretanto, a faceta aqui esposadano a nica da globalizao, que pode ser vista sob outro prisma, que da globalizao nanceira, e suas consequncias ao mundounificado.2 - Consenso de Washington - neoliberalismo e trabalhoA globalizao, porm, tem outra dimenso, uma dimenso com fortecarga ideolgica, que traz consequncias inarredveis vida de todos.

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  • a chamada globalizao nanceira, que vem a ser a constituio de ummercado nanceiro global, onde o capital livre de amarras circula pelomundo em busca de melhores oportunidades de lucro.Segundo Milton Friedman (apud BAX, Internet), criador da tese daglobalizao, esta teria trs elementos:Primeiro, ela (a ideia de globalizao) implica que na ltima dcada avelocidade e o volume do uxo do capital internacional foisignicativamente incrementado. Segundo, que o nmero de lugarespotenciais de negcios para companhias que operaminternacionalmente tem crescido devido s inovaes tecnolgicas,notavelmente aquelas no campo da tecnologia da informao. Terceiro,que a competio internacional tem crescido, j que os antigos pasessocialistas agora ganharam acesso ao mercado mundial.Ento, extramos os trs elementos bsicos da globalizao em suadimenso econmica: a transferncia em volume e velocidades incrveisde capital, o aumento no nmero de locais possveis para instalao deempresas no mundo inteiro e aumento da competitividadeinternacional.Quanto globalizao nanceira propriamente dita, vericamos que sedeve potencialidade das novas tecnologias da comunicao. o queobserva Gilberto Dupas (1999, p. 39):A revoluo tecnolgica atingiu igualmente o mercado nanceiromundial, cada mercado passando a funcionar em linha com todos osoutros, em tempo real.Observando o quadro que nos traz David Harvey (2000, 153), vericamosgracamente o que Dupas quer dizer. As bolsas de valores funcionamininterruptamente, vinte e quatro horas por dia, sendo que duranteaproximadamente seis horas, a maioria dos mercados est funcionandosimultaneamente. Com as inovaes tecnolgicas hoje existentes, aretirada de capitais de um mercado e a sua movimentao a outroocorre em fraes de segundos. Com isso, podem ocorrer crisesinimaginveis e incontrolveis, que podem em questo de horas destruirou deixar em situao complicada um pas, como ocorreu recentementecom os tigres asiticos, o Mxico, e que acontece com a Argentinaatualmente.

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  • Benedict Anderson (apud BORGHI, 1998, p. 88) criou um termo que bemdene o novo capital: nanscapes, o capital rpido e imperscrutvelnos seus movimentos. Harvey observa que grande parte da uidez e, svezes, da frentica instabilidade pode ser diretamente atribuda a estacapacidade acrescida de orientar os uxos nancirios de modo queparecem ignorar os limites de espao e tempo que normalmentevinculam as atividades materiais de produo e consumo. (apudBORGHI, 1998, p. 88)Quanto ao segundo elemento da globalizao econmica, vericamosque as empresas antigamente denominadas multinacionais, hojechamadas transnacionais, ignoram fronteiras, montando suas barracas(3) onde mais baixos custos operacionais e melhores subsdiosgovernamentais conseguirem, e fechando suas portas e batendo retiradaassim que essas condies no mais satiszerem. Entre os mais baixoscustos operacionais inclui-se, como fator no subsidirio, mas como omais importante, o custo da mo de obra, incluindo encargos sociais,salrios e exibilizao da legislao, principalmente quanto dispensados trabalhadores. Assim, se entre a busca por melhores subsdiosgovernamentais induz a guerra scal entre os pases, e mesmo entreestados dentro de uma mesma nao (vide os recentes fatos ocorridosno Brasil incluindo a guerra scal travada entre os estados da Bahia e do

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  • Rio Grande do Sul, para a instalao de uma fbrica da indstriaautomotiva Ford), a busca por custos operacionais mais baixos induzuma corrida exibilizao das legislaes trabalhistas dos pases, e oachatamento do nvel salarial, visando a atrair ou simplesmente manteros investimentos das empresas, e consequentemente os empregos porestas oferecidos.O terceiro elemento exposto por Friedman o aumento dacompetitividade internacional, com a entrada de mais pasescompetidores, devido abertura dos pases da Europa Oriental, antessocialistas. Estes pases, recm adeptos do capitalismo, detmpopulao numerosa e ansiosa por oportunidades de investimento,consumo e consequentemente de trabalho. Portanto, trata-se de umnovo mercado consumidor e fornecedor. O mundo nanceiro eeconmico globalizado agora est completo, e cada pas atuando comoum mero coadjuvante (4), no detendo mais a autonomia de antes. como explica Jurgen Habermas (2000, p. 105-106): o sistema econmicointernacional, que via os estados xarem os conns entre a economiainterna e as relaes comerciais externas, no curso da globalizao dosmercados dei mercati, em uma economia transnacional. Os elementosmais relevantes so a acelerao dos movimentos mundias de capital eo carter imperativo das valoraes expressas dos mercados nanceirosglobais sobre as posies nacionais. Estes dados de fato explicam porque os atores estatais no so mais o ponto de ligao que h umtempo conferiam rede global das trocas a estrutura de relaesinterestatais (ou internacionais). Hoje so, ao contrrio, os Estados quedevem ser inseridos nos mercados, ao contrrio das economiasnacionais a serem inseridas nas fronteiras do estado.Entretanto, esta no foi a nica consequncia trazida pela queda domuro de Berlim e do m da cortina de ferro. Com o m edesmantelamento do bloco socialista, o capitalismo perdeu a suasombra que o acompanhava como uma ameaa, tornando-sehegemnico e livre das ameaas que o cercavam e que o foravam a nopensar exclusivamente economicamente, e atuar tambm no nvelsocial. Sem o perigo socialista, o capitalismo abandonou os entravescriados pelo Estado do Bem-Estar Social, voltando suas atenessomente para o Mercado. Assim, o projeto neoliberal pde nalmente, esem vergonhas de se admitir como tal, espraiar-se pelo mundo, a ponto

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  • de ser alado ao nvel de consenso: o chamado Consenso deWashington.Esta expresso, que foi primeiramente cunhada em 1989 peloeconomista John Williamson para denir as suas dez recomendaespara os Estados que desejassem reformar sua prpria economia,adquiriu, porm, uma autonomia invejvel, sendo utilizada por todas asmatizes ideolgicas, com signicados s vezes divergentes, pois utilizada para os escopos de cada lado do cenrio poltico (NAIM, 2000).Segundo Boaventura de Sousa Santos, o consenso econmiconeoliberal diz respeito organizao da economia global, incluindo aproduo, os mercados de produtos e servios, os mercados nanceiros,e assenta na liberalizao dos mercados, desregulamentao,privatizao, minimalismo estatal, controle da inao, primazia dasexportaes, cortes nas despesas sociais, reduo do dcit pblico,concentrao do poder mercantil nas grandes empresas multinacionaise do poder nanceiro nos grandes bancos transnacionais. As grandesinovaes institucionais do consenso econmico neoliberal so as novasrestries regulamentao estatal, os novos direitos internacionais depropriedade para investidores estrangeiros e criadores intelectuais e asubordinao dos Estados nacionais a agncias multilaterais, como oBanco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional e Organizao Mundialdo Comrcio. (SANTOS, 1999, P. 95-96)Dentre essas regras neoliberais, a mais importante, sem dvida, aabertura dos mercados nacionais dos pases de industrializao recenteaos pases centrais, com a eliminao dos obstculos ao comrcio e aoinvestimento exterior. Entretanto, para o nosso tema em estudo, a maisrelevante regra a da desregulamentao do mercado do trabalho, queanalisaremos a seguir.3 - Globalizao e mercado de trabalhoDe fato, intrnseco ao neoliberalismo e, consequentemente, aoconsenso de Washington, a desregulamentao do mercado detrabalho, visando entrada do Estado na globalizao econmica. OMercado, com suas regras e sua inteligncia inata, seria responsvel pelajustia distributiva. O trabalhador trataria seu trabalho como uma coisaposta venda, e negociaria esta mercadoria como outra qualquer,submetendo-se regra da oferta e da procura.

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  • A desregulamentao tratada pelos neoliberais como algo inevitvel,pois imposto pela globalizao. A globalizao, trazendo o aumento donmero de Estados prontos e sedentos para acomodar as plantasindustriais das empresas transnacionais, foraria os Estados quedesejassem a vinda ou mesmo a manuteno dos postos de trabalhodessas empresas (como dito acima, as reais detentoras de poder nomundo globalizado), a desregulamentar seu mercado de trabalho,visando a reduo de custos e aumento da competitividade, palavra-chave da economia globalizada.Com certeza, as empresas transnacionais, na era da globalizaodesenfreada, esto livres das amarras e podem produzir virtualmenteem qualquer lugar do mundo para qualquer mercado consumidor,devido diminuio dos custos de comunicao e transporte, pelautilizao, na produo, de novas tecnologias (como visto acima), comotambm devido exibilidade de produtos garantida pela forma deorganizao do trabalho e da produo denominado Toyotismo ouAcumulao Flexvel (que veremos mais adiante). Assim, podero elas,ao seu talante, escolher o pas, ou mesmo a regio dentro de um Estado,que lhes oferea as melhores condies, em termos de custos, claro. Acontinuao da proteo social estatal e a rigidez contratual trabalhista,segundo a concepo do Consenso de Washington, colocariam oEstado que as mantivessem, em termos de competitividade, fora domercado global, perdendo, com isso, os postos de trabalho, que sedeslocariam para um pas onde a exibilidade (ou precariedade?) fossemaior. a denominada concorrncia internacional entre trabalhadoresdireito (SANTOS, 1999, p. 100), ou concorrncia pelo direito (JEAMMAUD,2000, p. 85).Essas batalhas entre Estados (e trabalhadores) pelos investimentos epostos de trabalho e a luta pela competitividade, abririam espao para aexibilidade do mercado de trabalho, trazendo inevitavelmente areduo do custo (e do valor, obviamente) do trabalho humano, pormeio de reduo ou excluso de direitos com resultado salarial(graticao natalina, horas extraordinrias, adicionais etc) e direitosderivados da relao de trabalho, porm sem resultado salarial (normasde proteo ambiental do trabalho, encargos sociais, seguros etc).Para Boaventura de Sousa Santos (1999, p. 99-100), tais atitudes trazem

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  • um profundo impacto no contrato social. Diz ele que O impacto maisdecisivo reside no processo de dessocializao da economia, na reduodesta instrumentalidade do mercado e das transaes. (...) Comovimos, no modelo da contratualizao social da modernidade capitalistao trabalho foi a via de acesso cidadania, quer pela extenso aostrabalhadores dos direitos cvicos e polticos, quer pela conquista dedireitos novos especcos ou tendencialmente especcos do coletivo detrabalhadores, como o direito do trabalho e os direitos econmicos esociais. A eroso crescente desses direitos, combinada com o aumentodo desemprego estrutural, conduz passagem dos trabalhadores de umestatuto de cidadania para um estatuto de lumpencidadania. Arma osocilogo lusitano que somente uma internacionalizao do movimentosindical ou uma autoridade internacional eliminaria tal concorrnciaglobal de trabalhadores, mas na ausncia de um e de outra, aconcorrncia internacional entre trabalhadores aumenta e, com ela, algica da excluso que lhe caracterstica.Destarte, o impacto inicial da globalizao o arrefecimento ou osurgimento da competio internacional dos trabalhadores, gerandouma precarizao maior no trabalho humano, resultando umadebilidade na coeso social.A concorrncia pelo Direito, segundo Antoine Jeammaud (2000, p. 86),potencializa o risco de um dumping social, cujos patrocinadores so osprprios Estados, alm de organizaes sindicais que, para favorecer aimplantao da empresa em seu territrio, aceitam negociar emdetrimento de padres j alcanados alhures (...). O dumping socialcorresponde, portanto, a uma desvalorizao competitiva social.Concorda com essa viso e a multiplica Riccardo Petrella (2001), ao exporsobre os efeitos da globalizao nanceira e econmica, a qual chamade expropriao do futuro do mundo, chega a afirmar:Os fenmenos de expropriao se multiplicaram e ampliaram por todolugar. Expropriou-se : a pessoa humana de seus direitos fundamentais:tanto que como recurso humano, ela no tem o direito existncia ano ser que em funo de sua rentabilidade e disto que se chama agorade empregabilidade, conceito que substituiu aquele de Direito aoTrabalho; a sociedade de sua razo de ser tanto como sistema deorganizao e de valorizao dos liames interpessoais e

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  • interinstitucionais e das interaes e transaes correspondentes: ela foisusbstituda pelo mercado elevado ao nvel de sistma assegurados daforma e da organizao otimizada das transaes entre os indivduos ; otrabalho de seu papel de criao de valor e de histria : mercadoriacolocada em concorrncia no mercado global, seu custo deve baixarsem cessar.Alm da transformao do trabalho em mercadoria, a ser disputada apreos cada vez mais baixos entre os trabalhadores das diversas naesdo mundo, outras implicaes tem o processo de globalizao notrabalho humano.Uma dessas implicaes por Antoine Jeammaud (2000, p. 75-92)denominada de esfacelamento jurdico da coletividade do trabalho.Segundo o jurista francs, a mundializao traz a existncia, dentro deuma mesma empresa, no de uma coletividade do trabalho, mas dediversas coletividades de trabalho, no s devido ao surgimento devrios estatutos jurdicos (empregados a tempo determinado,temporrios, trabalhadores terceirizados, empregados a tempoindeterminado etc), mas como trabalhadores internacionais que estosubmetidos a regramentos jurdicos diferentes (trabalhadores queexercem suas atividades em mais de um pas, aqueles contratados emum pas e trabalhando em outro etc). Com isso, o perigo da anomia econfuso jurdica cresce, alm de aumentar a distncia e desigualdadeentre os trabalhadores, prejudicando a regra isonmica.Altera-se, nos tempos ps-modernos de globalizao acelerada, no s aforma como se v o trabalho e tambm como organizado, surgindonova forma de organizao do trabalho e da produo, com adenominada Especializao Flexvel ou Toyotismo, que passamos aanalisar pormenorizadamente.NOTAS:(1) Utilizarei nesse trabalho ambos os conceitos, tratando-os comosinnimos.(2) importante, neste ponto, uma vez tomado o conceito de Giddens,ressaltar que as facetas econmica, nanceira e ideolgica daGlobalizao, esquecidas pelo socilogo britnico, sero mais frentediscutidas. Neste primeiro momento, concentrar-nos-emos em sua

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  • feio puramente sociolgica.(3) O termo barracas aqui utilizado propositalmente com o m desimbolizar a fcil montagem e desmontagem das atuais unidadesindustriais das empresas transnacionais, que se movem de um localpara outro do mundo com rapidez e facilidade assustadoras, nofincando razes em qualquer lugar que seja.(4) Os Estados Unidos da Amrica, talvez, seriam os nicos que poderiamestar fora dessa nova regra, entretanto, a ferocidade com que, porintermdio do Fundo Monetrio Internacional e o Banco Mundial, o seugoverno pressiona aqueles dos pases em dvida com bancostransnacionais, para que seus interesses sejam respeitados, parecedemonstrar a insero na regra.

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  • Captulo II. Organizao doTrabalho e Regime de Acumulao

    (...) a organizao do trabalho somente uma outra palavra paradesignar as formas de vida das pessoas comuns. (Karl Polanyi, A Grande

    Transformao)

    Vista a conjuntura mundial, a partir das vises da globalizao, em suasmltiplas facetas, lanando luzes principalmente sobre a sua versonanceira e econmica, simbolizada pelo pensamento nico geradopelo Consenso de Washington, chega a hora de vericar-se aestruturao do mercado de trabalho, a fim de entender a atual estruturadeste, criada pela mudana de paradigma e orientada pelo movimentocapitalista hodierno.Assim, este captulo dedicado ao estudo das formas de estruturao daproduo, e consequentemente sobre as formas de organizao dotrabalho preponderantes em quase trs quartos do sculo XX. As ideiasde Taylor e Ford sero analisadas e discutidas, vericando a inunciadesses pensamentos em toda a organizao do mercado de trabalho edo prprio espao intrafabril. Por m, estudaremos como se deu asuperao do paradigma fordista, lanando pistas sobre as causas epropsitos dessa mudana de comportamento no pensamentoindustrial.1. TaylorismoFrederick Winslow Taylor, engenheiro norte-americano nascido em 1856,faz publicar em 1911 sua obra Os Princpios da AdministraoCientca, que viria a criar uma forma de organizao do trabalhochamada de Taylorismo, ou Administrao Cientfica do Trabalho.Tendo sido desde operador de mquina e chefe de turma, passando por

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  • chefe de manuteno, e chegando a engenheiro-chefe de uma indstriade ao norte-americana, a Midvale Steel Company, Taylor eraconhecedor de todas as funes dentro de uma unidade operacional, e,com esse conhecimento prtico, aliado observao e estudo dasprticas de trabalho, criou sua famosa e inequivocamente difundidascientic management theory. Conforme observou na fbrica de toda asua juventude e amadurecimento, os trabalhadores desenvolviam omesmo trabalho de modo diferente, um trabalhador utilizando-se deseus msculos mais ecazmente do que outro. Assim, Taylor entendeuque, se o trabalho de cada um fosse regulado de modo lgico, comoeram os movimentos das mquinas, obter-se-ia um incremento daproduo: O dever da direo, foi a sua concluso, devia ser aquele deindividualizar o modo melhor de fazer o trabalho, de fornecer osinstrumentos adaptados, e de treinar os trabalhadores a agirem emconformidade com instrues precisas (KRANZBERG; GIES, 1991, p. 143).Segundo Harvey, a base da teoria taylorista seria o radical aumento daprodutividade do trabalho atravs da decomposio de cada processode trabalho em movimentos componentes e da organizao de tarefasde trabalho fragmentadas segundo padres rigorosos de tempo eestudo do movimento (HARVEY, 2000, p. 121).Com a organizao do trabalho sendo totalmente decomposta, otrabalho a ser objetivamente realizado pelo obreiro seria totalmentepredeterminado pela gerncia de administrao, retirando-se toda equalquer autonomia do trabalhador, que se restringiria a cumprir osmovimentos pr-estabelecidos pelo empregador, tanto em relao forma quanto ao tempo de cada operao. Quanto ao tempo, Taylorinsistia na sua importncia, criando inclusive a funo decronometrista dentro da planta industrial, para a vericao documprimento do tempo estabelecido para as operaes determinadas acada trabalhador. Como nos informa Richard Sennett, Os infamesestudos de tempo-movimento de Taylor foram feitos com umcronmetro, medindo em fraes de segundo quanto demorava ainstalao de um farol ou de um pra-choque (SENNETT, 1999, p. 45). (1)Era a transformao de homens em mquinas de trabalhar, como bemobservou Gramsci (2). A transformao do trabalhador em ser robotizadofoi bem exposta por Charles Chaplin, em seu crtico lme Tempos

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  • Modernos. A esta mesma concluso chegou Maria da Graa Druck(1999, P. 41):Este o tempo em que os homens que vivem do trabalho precisam sertransformados cienticamente, a m de que possam cumprir um papel-chave na base tcnica e mecnica da produo industrial. Para algunsestudiosos, o taylorismo representa um tipo de mecanizao sem aintroduo da maquinaria; ou seja, trata-se de subsumir o trabalho aocapital, atravs da expropriao do conhecimento dos trabalhadores, oque pode ser viabilizado pelo controle efetivo do capital sobre otrabalho, realizado na forma da gerncia cientca e que tem como umdos fundamentos centrais a separao entre o trabalho manual e otrabalho intelectual.Desta exposio, podemos retirar outro ponto importantssimo na teoriade Taylor: a separao entre o trabalho manual e o trabalho intelectual,com a expropriao do conhecimento dos trabalhadores. De fato, napoca em que Taylor criou sua teoria, passagem do sculo XIX para o XX,as indstrias eram operadas por trabalhadores que se pareciam maiscom artesos, com pleno conhecimento e domnio sobre o ofciorealizado. Foram os trabalhadores, destarte, alijados de qualquer formade discricionariedade na realizao das operaes, que foi passada aosorganizadores e administradores da fbrica. Portanto, o trabalho manual deixado aos trabalhadores do cho da fbrica, enquanto que todo otrabalho intelectual foi transferido para os altos empregados,engenheiros e administradores. Como arma David Harvey, a produode mercadorias em condies de trabalho assalariado pe boa parte doconhecimento, das decises tcnicas, bem como do aparelho disciplinar,fora do controle da pessoa que de fato faz o trabalho.(DRUCK, 1999, p.119)A viso de Antonio Gramsci desta alienao do trabalhador imprescindvel: Uma incrementadamente perfeita diviso do trabalhoobjetivamente reduz a posio do trabalhador na fbrica paraincrementados movimentos analticos de detalhe, que a complexidadedo trabalho coletivo passa a compreenso do trabalhador individual; naconscincia deste ltimo, sua prpria contribuio desvalorizada aoponto onde parece facilmente substituvel a qualquer momento (2).Assim, a coletivizao do saber dentro da fbrica tornaria os

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  • trabalhadores totalmente substituveis, diminuindo assim o valor de seutrabalho., por outro lado, importante em Taylor a vericao da existncia, e adiferenciao entre si, do trabalho real e do trabalho prescrito, tentandoimplantar um sistema no qual esses dois trabalhos se equivalessem, oque ocasionaria maior produtividade industrial. Coloca Taylor que umdos principais obstculos prosperidade a vadiagem no trabalho,armando ser instituio generalizada nas indstrias da futebolsticacera (DRUCK, 1999, p. 44).Na realidade, a obsesso pela perfeio no aproveitamento dosmovimentos dos operrios, juntamente com a retirada da subjetividadedo trabalhador na operao do seu ofcio, acarretaram os maioresproblemas para a implantao da gerncia cientca do trabalho,devido s fortes resistncias dos trabalhadores e sua insatisfao com otrabalho padronizado. Ento, provou-se necessrio que, para aimplantao do Taylorismo e sua aceitao por parte dos trabalhadores,seria necessrio dar motivao aos operrios, atravs de concesso devantagens. E deveria ser estabelecida na mente dos trabalhadores aassociao entre a concesso dessas vantagens com a ecincia daprpria tcnica do trabalho (KRANZBERG; GIES, 1991, P. 143). Esse foi opensamento de Henry Ford, gerando a forma organizacional do trabalhodenominada de Fordismo, tornando-se, inclusive, denominao deforma de organizao do prprio capitalismo e do prprio regime deacumulao do capital.2. FordismoHarvey (2000, P. 141) d-nos a diferenciao entre o Taylorismo e oFordismo:O que havia de especial em Ford (e que, em ltima anlise, distingue ofordismo do taylorismo) era a sua viso, seu reconhecimento explcito deque produo de massa signicava consumo de massa, um novosistema de reproduo da fora de trabalho, uma nova poltica decontrole e gerncia do trabalho, uma nova esttica e uma novapsicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrtica,racionalizada, modernista e populista.A principal engenhosidade de Ford, que permanece at hoje, mesmo nas

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  • fbricas ditas toyotizadas, a linha de montagem contnua. Comoarma Denise Pires (1998, P. 33), Ford toma como inspirao o processocontnuo de produo existente nos matadouros e cria a linha demontagem (moving assembly line), onde faz uso da mecanizaoassociada e parcialmente automatizada, j antevista por Marx, em OCapital. O controle sobre o trabalho humano no precisa ser feito peladeterminao e controle direto do gerente, mas feito automaticamentepela mquina. A esteira (conveyor belt), que leva o trabalho at oshomens, resolve a questo do controle dos tempos e movimentos queagora so determinados pelo ritmo de funcionamento das mquinas,diferente do Taylorismo, em que o ritmo baseado no rendimentoindividual (CLARK, 1990; FERREIRA, HIRATA, MARX et al., 1991). E concluibrilhantemente que Com a linha de montagem, o trabalho vai aoshomens, ao invs dos homens ao trabalho. Assim, as bases de Ford so:a mecanizao da produo, a padronizao das partes do produto, aaplicao de novas formas de energia e o uxo contnuo dos materiaisatravs de uma srie de mquinas, ou seja, a prpria linha de montagemsemovente, tudo isso com o m de criar a produo em massa. A linhade montagem aumentou a importncia da diviso do trabalho, oumelhor, da organizao do inteiro processo lavorativo, pois esta eraparte integrante e indispensvel para o funcionamento da prpriafbrica, sendo a diviso do trabalho total e minuciosamente planejada(KRANZBERG; GIES, 1991, p. 110-115).Agora, adaptado linha produtiva, o Taylorismo, sob roupagem fordista,ganhou novas e especcas caractersticas, quais so (KRANZBERG; GIES,1991, P. 148):1)ritmo de trabalho controlado mecanicamente (linha de montagemsemovente);2)repeties de movimentos simples;3)exigncia de uma habilidade, de uma capacidade de deciso, e de umaexperincia mnima, e para tudo isso, um treinamento mnimo;4)procedimentos operacionais predeterminados, com equipamentos etcnicas pr-selecionadas para o operrio;5)decomposio da produo, de modo que o operrio executa tarefasomente sua que resulta em uma pequena frao do produto final;

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  • 6)exigncia do operrio de uma ateno (automtica) suciente, e estarprximo da linha de produo semovente.A combinao desses fatores faceva delloperaio una parteintercambiale di una macchina intercambiale che produce partiintercambiali (KRANZBERG; GIES, 1991, P. 148).Henry Ford implantou em sua fbrica a gerncia taylorista e a linha demontagem, porm lhes acrescentou caractersticas que, alm de fazer ateoria de Taylor possvel (factvel e que poderia ser submetida aostrabalhadores), desejava transformar o prprio capitalismo e asociedade em geral. Para a aceitao e motivao dos trabalhadores donovo sistema implantado, demarcou o dia de trabalho em oito horas epagava aos seus empregados um salrio de cinco dlares ao dia, que eraum timo salrio, pois representava aproximadamente cento e vintedlares atuais (SENNETT, 1999, p. 44). Ao pagar bons salrios e reduzir ajornada de trabalho, desejava Ford, alm da aceitao e submisso dostrabalhadores s novas ordens do patronato, tambm lhe interessava acriao de um novo homem (HARVEY, 2000, p. 122), com bom poderaquisitivo, que geraria o crescimento da economia pelo alto poder deconsumo. Ao introduzir a produo em massa, Ford desejou criar, damesma forma, o consumo em massa, caracterstica fundamental docapitalismo do Sculo XX.Gramsci, ao abordar o Fordismo em seu texto do crcere Americanismoe Fordismo, vericou a complementaridade entre o Fordismo e oTaylorismo: Esta nova prtica de gesto do trabalho que prope acriao de um novo tipo de trabalhador no apenas refora osprincpios tayloristas e os amplica para toda a sociedade, mas rearmao objetivo central da gerncia cientca: (...) romper o velho nexopsicofsico do trabalho prossional qualicado, que exigia umadeterminada participao ativa da inteligncia, da fantasia, da iniciativado trabalhador (apud DRUCK, 1999, P. 49).O modelo fordista tornou-se hegemnico no breve sculo XX, todaviaisto no se deu de imediato. O estabelecimento desse modelo, no sepode esquecer, deu-se em perodos de extrema turbulncia, no qualexistiram dois ps-guerras e uma guerra mundial, alm de longosperodos de crise do capitalismo. Segundo Harvey, nos anos entre-guerras houve dois principais impedimentos disseminao do

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  • Fordismo: a resistncia dos trabalhadores de submeterem-se rigidez ealienao fordista, causando um uso macio de trabalhadoresimigrantes, e os modos de interveno estatal ento existentes, de feiodemocrtica. O Fordismo necessitava de uma interveno estatal forte eum pouco de autoritarismo, o que s poderia existir com um novo modode regulamentao, o que se deu plenamente somente depois de 1945,levando o Fordismo maturidade como regime de acumulaoplenamente acabado e distintivo (HARVEY, 2000, p. 123-125).Nesta poca, o Fordismo alia-se ao Keynesianismo, teoria idealizada peloeconomista britnico John Maynard Keynes, a qual entendia que, emperodos de crise, no existiria patamar mnimo de salrio queimpedisse o desemprego, e que esse, por sua vez, afetava o consumo (evice-versa), acarretando problemas insolveis para toda a economia.Dessa forma, seria necessria uma poltica estatal de pleno emprego,alcanvel atravs de macios e contnuos investimentos e gastospblicos na produo, bem como polticas scais voltadas para ocrescimento da economia. Assim, o Fordismo e o Keynesianismopregavam um Estado interventor na economia e regulador daconjuntura. Porm, como traz Denise Pires (1998, p. 37), O EstadoNacional no exerce, apenas, o papel de regulador macroeconmico,mas, tambm, de administrador da demanda, procurando reduzir asdesigualdades e o desemprego atravs da gerao de uma rede deservios conhecida como Estado do Bem-Estar Social (GOUREVITCH, inMATTOSO, 1995, p. 29; SINGER, 1989; PRZEWORSKI, 1991). Destarte, como keynesianismo, fortalece-se tambm o welfare state, diferenciando-sedo welfare state liberal ento existente, pois com aquele, ao contrriodeste, deseja-se garantir transferncias sociais e realizar distribuio debens e servios pblicos e privados, para o atendimento mnimo social atodos os cidados. Entretanto, como arma Harvey (2000, p. 125), ocrescimento fenomenal da expanso de ps-guerra dependeu de umasrie de compromissos e reposicionamentos por parte dos principaisatores dos processos de desenvolvimento capitalista. O Estado teve deassumir novos (keynesianos) papis e construir novos poderesinstitucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certosaspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividadesegura; e trabalho organizado teve de assumir novos papis e funesrelativos ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de

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  • produo. O equilbrio de poder, tenso mas mesmo assim rme, queprevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e anao-Estado, e que formou a base de poder da expanso de ps-guerra,no foi alcanado por acaso resultou de anos de luta.A esta altura, insta salientar que o Fordismo, em sua expanso para setornar modo de regulao do trabalho hegemnico no mundo,disseminou-se de forma desigual entre os pases, pois se encontravanuma conjuntura particular de regulamentao poltico-econmicamundial e uma congurao geo-poltica em que os Estados Unidosdominavam por meio de um sistema bem distinto de alianas militares erelaes de poder. Nem todos eram atingidos pelos benefcios dofordismo, havendo na verdade sinais abundantes de insatisfao mesmono apogeu do sistema. Para comear, a negociao fordista de salriosestava connada a certos setores da economia e a certas naes-Estadoem que o crescimento estvel da demanda podia ser acompanhado porinvestimentos de larga escala na tecnologia de produo em massa. EHarvey nos traz, ao ilustrar a desigualdade na distribuio dos benefciosdo Fordismo, importante assertiva para o nosso trabalho: E mesmo ossetores fordistas podiam recorrer a uma base no-fordista desubcontratao (HARVEY, 2000, P. 132).Nesta ltima colocao, vericamos que a estratgia de utilizar-se dasubcontratao para a fuga dos nus acarretados pela estrutura fordista,s custas dos trabalhadores, no de forma nenhuma nova, existindo deforma aleatria mesmo no auge do Fordismo nos pases centrais.Com o Fordismo, entretanto, cresceram os poderes das entidadessindicais, crescimento este ocasionado pela reunio de um grandenmero de trabalhadores em um mesmo locus, a fbrica, alm do que aexistncia clara de prosses diferenciadas facilitava a unio e a coesodos trabalhadores em sindicatos de categoria. Os sindicatos, com essepoder concedido, lograram obter melhorias para os trabalhadores tantoem relao prpria fbrica (negociao coletiva) quanto ao nvel daNao (presses e lobbies para a mudana na legislao). No casobrasileiro, os sindicatos poderiam inclusive impor aos empregadoresnovas condies de trabalho, por intermdio de demandas ao PoderJudicirio (Poder Normativo). Os capitalistas aceitaram este crescimentode poder dos sindicatos, a m de darem sustentao ao prprio modo

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  • fordista da produo. Tudo ia bem, desde que os trabalhadoresmantivessem somente a luta por melhorias salariais, deixando de ladoas condies de trabalho mais onerosas, como segurana e sade notrabalho.O quadro do trabalho dentro do regime fordista, em termos ideais-tiposweberianos, , basicamente, o seguinte:a) realizao de uma nica tarefa pelo trabalhador;b) pagamento pro rata (baseados em critrios da definio do emprego);c) alto grau de especializao de tarefas;d) pouco ou nenhum tratamento no trabalho;e) organizao vertical no trabalho;f) nenhuma experincia de aprendizagem;g) nfase na reduo da responsabilidade do trabalhador(disciplinamento da fora de trabalho);h) nenhuma segurana no trabalho.De todas essas caractersticas expostas por Swyngedouw (apud HARVEY,2000, P. 165-166), a nica que fazemos restries a ltima, quanto armao que no Fordismo no havia segurana no emprego, nosentido de alta rotatividade na mo de obra e empregos de curtadurao. A discordncia se deve porque a prpria mentalidade fordista de empregos de longa durao ou para toda a vida, o longo termo,inexistente a princpio na nova mentalidade de especializao exvel,que veremos a seguir. A identicao do trabalhador com a empresa preocupao constante tanto de Ford quanto de Taylor, que procuravamfazer com que o obreiro entendesse que o bem da empresa era o bemdo trabalhador. (4) A imagem das grandes vilas de operrios fornecidaspelo empregador, com extensas atividades sociais por parte da empresapara seus empregados, objetivando a vida do trabalhador em torno daindstria, demonstram a existncia, pelo menos nas atividadesmonopolistas, da segurana no emprego e vida em razo e pelafbrica. A existncia de um setor competitivo, como diz Harvey, no qualexistiria o quadro de insegurana no emprego citado por Swingedouw,nada mais do que uma patologia encontrada na aplicao do sistemafordista, mas que no era intrnseco e idealizado por esse regime.

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  • Quando Richard Sennett (1999) fala da deriva ocasionada pelo curtoprazo e exibilidade exigidos pelo novo capitalismo, e a dominao dolema no h longo prazo, faz o contraste justamente com o longo prazofordista e empregos para toda a vida (5).Quanto ao Brasil, as experincias fordistas no foram totalmenteimplementadas, principalmente quanto aos benefcios que o padrofordista traria para os trabalhadores. De acordo com Maria da GraaDruck (1999, p. 57-64), quatro foram as ausncias bsicas no Fordismobrasileiro: carter conservador e autoritrio do Fordismo brasileiro, coma manuteno da excluso social integrante da estrutura histrica dasociedade brasileira, cujos trabalhadores no atingiram sequer acidadania do Fordismo; formao de mercado de trabalho multiforme,com a utilizao em massa de empregados sem carteira assinada eexcludos de proteo social, utilizao de jornadas extensas de trabalho,falta de treinamento e investimento em qualicao, rotatividade demo de obra, instabilidade no emprego, quadro este geradoprincipalmente pelo desemprego estrutural crnico; utilizao deracionalidade de produo taylorista-fordista, mesmo com a ausncia,demonstrada no item anterior, de estmulo e motivao dostrabalhadores, fatores tidos como indispensveis tanto por Taylorquanto por Ford, como visto anteriormente; e, por ltimo, a ausncia deum legtimo Estado de Bem-Estar Social.O Fordismo, mesmo sem estar ainda internacionalmente expandido emtodas as suas dimenses, entra mundialmente em crise, surgindo umanova forma de organizao da produo mais atrativa para o capital: oToyotismo ou Especializao Flexvel.3. A Superao do Paradigma FordistaNas crises o ser humano se desdobra e se mostra um ser capaz de sereinventar e remodelar suas instituies para a fuga do perigo. E damesma forma age o capitalismo, recriando-se e remodelando-sejustamente nos seus momentos de crise. Apesar de as mudanas nocapitalismo terem dado seus primeiros sinais j nos anos 60, foi a partirda grande crise capitalista de 1973, ocasionada pelo choque do petrleo,que tomaram flego transformaes scio-histricas com diversasinuncias no mundo em que vivemos, atingindo todas as pessoas emqualquer parte do planeta.

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  • A partir dessa poca surgiram dois movimentos que se entrelaam e nose separam: a globalizao, principalmente em sua faceta nanceira eeconmica, e o regime de acumulao exvel do capital, com suascaractersticas de reorganizao produtiva e remodelao do prpriogiro do capital.Causas da mudana no regime de acumulao so trazidas por GiovanniAlves (2000, p. 16): Sob o impulso da mundializao do capital, houve odesenvolvimento da acumulao exvel, um novo tipo de acumulaocapitalista que se impe, cada vez mais, s corporaes transnacionais.Tal modo de acumulao decorre da necessidade de o capitalreconstituir sua base de valorizao, debilitada no apenas pelodesenvolvimento da Terceira Revoluo Tecnolgica (que pressionou alucratividade das corporaes transnacionais pelo aumento dacomposio orgnica do capital), mas tambm pela constituio doWelfare State, pelas barreiras usurpao capitalista, erguidas nointerior do prprio sistema produtor de mercadorias nos pasescapitalistas centrais durante o ps-Segunda Guerra Mundial.Junte-se a isso as possibilidades criadas pelas novas tecnologias para arealizao do novo tipo de produo capitalista, bem como asmotivaes polticas caracterizadas pelas derrotas histricas da classetrabalhadora nos principais pases trabalhistas, com a ascenso deneoliberais no poder nessas naes, est ento vislumbrado, emgrandes linhas, o quadro da ascenso do novo regime de acumulao docapital (ALVES, 2000, p. 17-18).O modelo fordista, reinante no breve Sculo XX, comeou a dar sinais decansao em meados da dcada de 1960, indo at 1973, quando eclodiu ochoque do petrleo. Como arma Denise Pires, houve motivoseconmicos, poltico-culturais e tecnolgicos para isso, sendo narealidade uma crise estrutural do desenvolvimento capitalista-fordista,os quais cita como sendo (ALVES, 2000, P. 40-41):a) os ganhos com a produtividade do trabalho comearam a diminuirnos pases industrializados. Cresce a insatisfao com as condies detrabalho por parte do operariado que no se conforma em executartarefas maantes e repetitivas, ainda que bem pagas. Os trabalhadoresreagem contra a intensicao do ritmo do trabalho, que foi a formautilizada pelo capital para aumentar a produtividade. (...);

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  • b) o fim dos anos 60 marca enormes transformaes culturais no mundotodo, e o movimento social, alm de questionar os princpios tayloristas-fordistas de organizao do trabalho, questionou, profundamente, omodelo de desenvolvimento vigente. (...);c) na economia, o cenrio de manuteno de taxas elevadas deinao; aumento dos custos de produo pela elevao brusca dospreos do petrleo em 1973; elevao das taxas de juros; instabilidadefinanceira; reduo da taxa de lucros e das taxas de produtividade;d) esgotamento dos impulsos dinmicos de industrializao peloenfraquecimento da capacidade dinmica do progresso tcnico, pelasaturao dos mercados internacionalizados e pela crescentefinanceirizao da riqueza produzida;e) enfraquecimento da hegemonia norte-americana. (...) Europa e Japoaumentam a sua participao no comrcio internacional e ganham abatalha comercial com os EUA, depois expandem suas liais einternacionalizam seus capitais. Essa conjuntura internacional propiciacondies para o crescimento da industrializao de pases do terceiromundo.Do exposto, podemos observar que trs pontos so principais: a quedada lucratividade, a saturao dos mercados nacionais e, consequnciadestes dois primeiros fatores, a presso em cima do mais fraco para atentativa de recuperao dos lucros (6).J Harvey dene o principal problema (obviamente, problema segundo aviso do capital) do Fordismo-Keynesianismo: a rigidez (ALVES, 2000, P.135). Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital xode larga escala e de longo prazo em sistemas de produo em massaque impediam muita exibilidade de planejamento e presumiamcrescimento estvel em mercados de consumo invariantes. Haviaproblemas de rigidez nos mercados, na alocao e nos contratos detrabalho (especialmente no chamado setor monopolista). Todos essestipos de rigidez impediam o crescimento do capital, gerando umacontra-revoluo deste pela busca de flexibilidade.A passagem do Fordismo para o regime da acumulao exvel, e todasas suas consequncias, acontece de maneira relativamente fcil epassiva por parte dos trabalhadores, pela fora das mudanas e a

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  • perplexidade que elas causam. As entidades sindicais no tm (como narealidade nunca tiveram tanto aqui em nosso pas) poder de agregao eno conseguem resistir s mudanas, por mais profundas emassacrantes que sejam para o trabalhador. E mais, o Toyotismo, comsuas caractersticas e mandamentos, principalmente a terceirizao,fragmentam mais ainda as categorias, esfacelando e enfraquecendo ossindicatos, j enclausurados pela unicidade sindical exigida por lei,impedimento bvio liberdade sindical plena. E h principalmente aameaa sempre presente do dumping social, ou seja, o esvaziamentodos postos de trabalho de uma regio pela oferta de menos resistnciaem outra. E as mudanas que a reorganizao produtiva traz soprofundas no trabalho humano, as quais veremos no captulo a seguir.NOTAS:(1) Nesta obra, ao citar Taylor, chama-o de psiclogo industrial,equivocando-se completamente, pois central em seu pensamento aretirada de todo e qualquer subjetivismo do trabalhador, transferindo-opara o capital. Como Sennett mesmo arma, Taylor acreditava que amaquinaria e o projeto industrial podiam ser imensamente complicadosnuma grande empresa, mas no havia necessidade de os trabalhadorescompreenderem essa complexidade; na verdade, armou, quantomenos fossem distrados pela compreenso do projeto do todo, maiseficientemente se ateriam a seus prprios servios.(2) Observou Gramsci em seu pequeno texto Men or Machines,publicado originalmente na edio piemontesa de Avanti!, de 24 dedezembro de 1916, no qual arma que claro, maus industriaisburgueses devem preferir trabalhadores que sejam mais mquinas quehomens.(3) GRAMSCI, Antonio. Prison notebooks, The Modern Prince, verso emingls, Internet.(4) Concorde com essa idia ACCORNERO (2000, p. 53), ao armar quele novit introdotte da Taylor e da Ford superavano il mito del buonpadrone facendo passare per limpresa il rapporto emotivo che primapassava per limprenditore. Desta forma, no s o fordismo e otaylorismo pretendiam introduzir o trabalhador no seio da empresa,fazendo com que este tivesse uma afetividade e uma identicao com aprpria empresa, o que somente poderia ser atingido com um emprego

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  • de longa durao.(5) Em todo o desenvolvimento do primeiro captulo, quanto aopersonagem Enrico, Sennett trata a questo.(6) Incrvel a capacidade do capital de sempre que entra em crise, buscaa soluo s custas do mais fraco, o operrio, tanto no planomacroeconmico, quanto no plano microeconmico. Note-se quequalquer reestruturao de empresa, Downsizing, Reengenharia, e outrasinvenes da Cincia da Administrao, perpassam e s vezes seresumem reduo de pessoal ou corte de benefcios ou salrios, ouaumento de horas de trabalho sem pagamento de horas extraordinrias.Como bem conclui GROZELIER( 1998, p. 79), com o m do fordismo Otrabalho perde seu papel central na criao de riqueza em benefcio docomrcio, das nanas, da especulao. Ela se torna na varivel deajuste .

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  • Captulo III. ReestruturaoProdutiva e Mercado de Trabalho

    Tanta farsa, tanto rouboE o boy toma Coca-Cola

    Tiro ianque para cimaMe acertou na testa

    Tudo muda. preciso mudarNo facil o perigo passar

    Sua cegueira mais e mais me complicaSe sua roupa vale mais que a comida

    Se sua pose vale mais que uma vidaPegue essa arma!

    (Cano do grupo Ira!, Pegue essa arma)

    Superada a forma fordista-taylorista, tanto no iderio capitalista, quantonas principais formataes do trabalho e da acumulao capitalista, avez de deitarmos luzes sobre as novas propostas que surgem deacumulao do capital, e as novas formas em que se organiza otrabalho, em suas facetas intra e extrafabril. Primeiramenteobservaremos o Toyotismo e a Especializao Flexvel, em suascaractersticas gerais, como demonstrao da mudana do paradigma, jque no se trata aqui de um estudo especco sobre a reestruturaoprodutiva.Aps, estaremos observando como organizado o mercado de trabalhonesse novo modo de acumulao capitalista. Ao m do captulo,estudar-se-o as formas de trabalho surgidas, deixando algumasanlises crticas sobre essas formas, em sua maioria precrias eunilateralmente desfavorveis aos trabalhadores.

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  • 1. Toyotismo ou Especializao FlexvelTrataremos aqui no de hipteses monocausais, ou estudos de casosisolados que demonstrariam a mudana no sistema de organizao dotrabalho. Como fez Vando Borghi (1998, p. 101), utilizaremos o modelojapons (chamado por Toyotismo ou Ohnismo)(1) e a EspecializaoFlexvel (denominao criada por Piore e Sabel, em seus estudos naTerceira Itlia, regio no nordeste da pennsula itlica, para o sistemautilizado pelas indstrias familiares organizadas em rede da regio),como modelos e sinais da grande transformao na gesto do trabalhohumano, que geraram, inclusive, um novo regime de acumulao docapital, a acumulao exvel, como chamada por David Harvey (2000),como resposta do capital crise do sistema anterior abordada nocaptulo II (2).A caracterstica principal do novo regime de acumulao, presente emtodos os seus aspectos, tanto na parte da produo industrial, gestocomercial ou organizao do trabalho (que, como salientado no Captuloanterior, foram um dos mveis para a crise do Fordismo), a troca darigidez pela soluo mgica da exibilidade. Com essa palavra denem-se todos os sonhos do atual capitalismo, que deseja a qualquer custo aexibilidade de tudo aquilo que o impede ou atrasa na sua obteno delucros.Assim, como reao crise do sistema de acumulao fordista, procurouo capital um processo de reestruturao que perpassava por ajustessocioeconmicos e transformaes na produo industrial, com asinovaes tecnolgicas e novas formas de organizao do trabalho, almda expanso dos mercados pelo mundo agora globalizado (PIRES, 1998,p. 45).O novo modo de organizao do capital, quanto ao processo deproduo industrial, traz algumas caractersticas subjacentes.A primeira delas a crescente inovao tecnolgica, trazida pelasubstituio da automao rgida com base na eletromecnica, existenteno Fordismo, por um maquinrio provido de tecnologia digital e comcomponentes microeletrnicos, totalmente readaptvel e reprogramvel,para a mudana brusca e rpida nos produtos, atendendoimediatamente demanda (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000, P. 148).Surge a robtica, com equipamentos que imitam e substituem a

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  • atividade manual humana, causando a substituio do homem emtarefas antes somente por este possveis de realizao.Outra modicao brutal no tocante ao volume da produo,substituindo-se a anterior produo em massa de produtospadronizados por pequenos lotes com variedades de bens, produzidos apreos baixos. Essa modicao tem o to de acompanhar mudanasbruscas nos hbitos de consumo que exijam mudanas qualitativas ouquantitativas no produto produzido, alm de aumentar o ritmo dasinovaes desse produto, incluindo a sua troca imediata e substituiopor outro. Estreita-se, assim, a produo e a comercializao, cando aindstria totalmente voltada para os hbitos dos consumidores. De oconsumo ser adaptado aos produtos padronizados, passa-se adaptao da produo aos usos, costume, vontades e necessidades doconsumidor. Ou melhor, o produto adapta-se aos consumidores, noplural, pois foi a existncia da diversidade nos tipos de consumidoresque justamente obrigou s indstrias a realizarem a especializao dosseus produtos, com maior diversidade de opes, para um mercadoconsumidor cada vez mais multifacetado. Esta caracterstica toimportante que deu nome prpria forma de organizao da produo(especializao flexvel). (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000, P. 148)Ocorre tambm a mudana na estruturao das empresas, que, de umaestrutura verticalizada, onde uma grande empresa se ocupava de todasas etapas da produo industrial, passa-se para uma organizaohorizontalizada, descentralizando e externalizando parte da produo aoutras empresas, formando com elas uma rede de empresas para arealizao do produto. Como se deu no Fordismo, o exemploparadigmtico do modo de organizao da produo tambm se d coma indstria automobilstica. A indstria automobilstica, quando seestabelece, constri suas instalaes em um espao amplo, para abrigarao seu redor uma rede de empresas que atuaro nica e exclusivamenteem sua funo, para realizar atividades que antes eram centralizadas naprpria fbrica de automveis. Observe-se que a ideia de Ford erajustamente o contrrio, ou seja, a de toda a produo do automvel serrealizada em um mesmo lugar unicado pela linha de montagem, parabarateamento, controle e rapidez na produo. Atualmente no se usamais o termo fbrica de automveis, e sim montadora, pois, narealidade, essa a nica atividade atualmente ali desenvolvida, isto , a

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  • montagem dos veculos automotores. (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000,P. 148)Mudana tambm facilmente perceptvel a nova diviso internacionaldo trabalho, onde novos pases so guindados ao mundo produtivofornecedor de bens manufaturados de alta tecnologia. No se olvide quea incluso de novos pases como fornecedores de produtosindustrializados deveu-se, principalmente, procura de mercadosmenos regulamentados (como diz David Harvey, outro slogan polticoda era da acumulao exvel a desregulamentao)(HARVEY, 2000, p.150), com relao ao trabalho humano e quanto proteo ambiental,para a diminuio dos custos da produo. Com relao proteoambiental, o maior temor da indstria atual , sem dvida, a luta dasociedade civil pelo meio ambiente mais saudvel e menos agressor, doqual , indubitavelmente, a maior vil. A busca por regies menospolitizadas e educadas vital para a continuao de atividades que noteriam sobrevida nos pases centrais, pelo conhecimento de suaprejudicialidade. Exemplo disso so as fbricas de amianto, que foramtrazidas para os pases perifricos quando j proibida a sua produonos pases ditos de primeiro mundo, pela sua agresso perigosssimafrente ao meio ambiente, principalmente o do trabalho (3). Porm, deveser salientada a expanso do trabalho industrial pelo mundo, agoraquase global. Observe-se que, com a computao e a internet, serviosrealizados em um pas podem ser remetidos a outro, como aconteceatualmente com a ndia, para aonde esto indo todos os centros deinformtica das grandes companhias de carto de crdito.Quanto ao Toyotismo propriamente dito, como forma de organizao daproduo, conhecida tambm pelo nome de lean production (produoenxuta), combina as vantagens da produo de massa (rapidez e custosbaixos) e da produo artesanal (exibilidade e qualidade), com trscaracteres ou princpios bsicos, que so: o trabalho em equipe e decooperao; o processo de aperfeioamento continuado (kaizen); e ojust-in-time (GROZELIER, 1998, p. 109).O primeiro princpio, inegavelmente japons, estabelece-se sobre anoo central de equipe, responsvel por si mesma, que organiza seutrabalho e se autocontrola, para um melhor acabamento do produto((GROZELIER, 1998, p. 109 e ALVES, 2000, p. 45). So os chamados Crculos

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  • de Controle de Qualidade (CCQs). De uma organizao do trabalhohierarquizada e verticalizada, com trabalhadores especialistas, passa-sea uma organizao do trabalho horizontalizada e por equipes, comtrabalhadores polivalentes e plurifuncionais. Este princpio ser maisbem analisado no item posterior, quando se explicitar as mudanas nomundo do trabalho.O segundo princpio, o kaizen (processo de melhoramento contnuo),amplia uma tradio japonesa de aperfeioar os produtos realizandocontinuamente pequenas modicaes nos mesmos, ao contrrio dasindstrias ocidentais (principalmente americanas), que preferem oaperfeioamento do produto em grandes modicaes (inovaes). Oaperfeioamento, no Toyotismo, tem como um dos principais atores oprprio trabalhador, que sugere as modicaes do produto,inversamente do sistema taylorista-fordista, onde o trabalhador jrecebia as funes da administrao da empresa (GROZELIER, 1998, p.109).(4) Este princpio tambm recebe o nome de auto-ativao,realizando ruptura com o taylorismo, ao unir as funes das tarefas deexecuo e de controle de qualidade dos produtos, realizadassimultaneamente pelos trabalhadores, agora polivalentes emultifuncionais (ALVES, 2000, P. 44). Aqui se inserem tambm osprogramas chamados total quality management, programas dequalidade desenvolvidos nas empresas com o m de aperfeioamentodo produto e da produo. (5)O terceiro princpio o just-in-time, que o fundamento do sistema deproduo toyotista. Prega o princpio a reduo dos estoques ao mnimopossvel, sendo a produo regida diretamente pela demanda. Tambmas matrias-primas devem ser adquiridas conforme a necessidade dosclientes (GROZELIER, 1998, P. 109-110). No entanto este princpio no selimita a reduzir estoques, porque na realidade visa a conteno doscustos ao estritamente necessrio. Com isso, aplica-se tambm aotrabalho humano o princpio em estudo, utilizando-se da mo de obraestritamente necessria produo, conforme a demanda. Assim, temosuma utuao do nmero de trabalhadores na empresa conforme oaquecimento ou desaquecimento da produo. Importante para aimplantao desse princpio o mtodo kanban, ou sistema deinformao dos vrios estgios de produo e de estoque, onde, de cadaposto de trabalho, controla-se toda a produo, com o m de vericao

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  • da necessidade. No sistema kanban (carto em japons), cartes socolocados nos estoques contendo a movimentao dos mesmos.Quando um determinado estoque desfalcado, o seu kanban retornapara o departamento responsvel e outra remessa realizadaimediatamente para a reconfigurao do estoque.Como todas essas mudanas modicaram sobremaneira o mundo dotrabalho, veremos a seguir.2. As caractersticas do mercado de trabalho no Regime de AcumulaoFlexvelAs mudanas ocorridas no trabalho humano e em sua organizao,causadas pela reestruturao produtiva e pelo novo regime deacumulao do capital, so profundas, e tm objetivo claro: a reduodos custos do trabalho e a subjugao dos trabalhadores ao domnioeconmico do capital.A modicao mais sentida trazida pela nova organizao do trabalho indubitavelmente a fragmentao sistmica das empresas, conforme aexpresso de Giovanni Alves (2000, p. 57), que vem a ser a constituiode uma empresa-rede, havendo a centralizao das atividadesdiretamente realizadas pela empresa em uma atividade que entende serseu core business, ou seja, sua atividade-m, e a reunio de uma sriede empresas satlites sua volta, realizando atividades que antes eramrealizadas dentro do prprio negcio, gerando o fenmeno denominadode terceirizao ou externalizao. Com isso, dando nfase naempresa enxuta, restringe a empresa o nmero de empregadosdiretamente contratados, entregando a outras empresas atividadesessenciais, porm no centrais, s vezes s formalmente. Daquelagrande fbrica incorporando todas as atividades da produo, passa-se ideia de rede, uma empresa central, realizando atividades centrais,principalmente de planejamento e projetos, e empresas satlites,realizando todas as demais atividades. A discusso sobre a prtica daterceirizao, inclusive suas consequncias, que central nesse trabalho,ser realizada pormenorizadamente nos prximos captulos.Todavia h outras modicaes ocasionadas no trabalho humano, queno so to profundas e aterrorizadoras quanto terceirizao, mas que,todavia, no perdem sua importncia para a compreenso do trabalhohumano nessa nova organizao da produo.

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  • A passagem da empresa hierarquizada verticalmente para a organizaoem nvel horizontal, com trabalho em equipes, uma mudana quemexe nas estruturas do trabalho. Os trabalhadores, que no Fordismorealizavam somente algumas atividades de sua especialidade, agora noToyotismo so polivalentes, podendo atuar com certa autonomia epoder de iniciativa na forma de realizao do trabalho. Aparentemente uma evoluo, socialmente falando, porm, para alguns autores, trata-sena verdade de uma forma mais sutil e aperfeioada de controle social edomnio da subjetividade do trabalhador pelo capital. Com o trabalho deequipe, e suas premiaes pela performance do grupo, aumenta-se aresponsabilidade do trabalhador e impe o mesmo a competir e seesforar para o alcance de resultados para a empresa. Permanece ainda,de certo modo, uma superviso rgida, porm incorporada, poisrealizada pelo prprio grupo de trabalhadores, que passa a scalizar esupervisionar um ao outro, pois a atividade do outro inuencia nos seusrendimentos (ALVES, 2000, P. 54). Assim, assumem os trabalhadoresposio que antes era da gerncia, integrando-se emocionalmente naempresa e em seus resultados. Como arma Giovanni Alves (2000, P. 55),Se no fordismo tnhamos uma integrao mecnica, no toyotismotemos uma integrao orgnica.O Toyotismo, em sua ideia original, previa a instituio de um ncleobase de trabalhadores que detm emprego estvel, por toda a vida.Porm, na adaptao mundial do capital, vericou-se que tal regra nofoi transportada, pois no condizia com a reduo de custos sem freiosdesejada pelo capital. Assim, mesmo nas atividades nucleares dasempresas, utiliza-se de mo de obra com alta rotatividade, ao contrriodo idealizado pelo modelo japons.Surge com a nova estruturao do capital, agora mundializado, e acriao da empresa-enxuta, um fenmeno at ento desconhecido nospases centrais (que para ns da periferia j era por demais ntimo), qualseja o desemprego estrutural. As taxas de desemprego nos pasescentrais atingiram patamares antes inimaginveis, causando umapresso para baixo no nvel salarial e fortalecendo a tese daexibilizao do trabalho. Destarte, verica-se que o resultado aprecarizao do trabalho humano, agora mais desvalorizado pelaconcorrncia no somente entre trabalhadores dentro de um mesmopas, como internacionalmente. Surge ento a tese da exibilizao do

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  • mercado de trabalho, obviamente encampada maciamente pelosdetentores do capital.A tese da exibilizao do Direito do Trabalho ganha cada vez maisadeptos, desesperados pelos argumentos falaciosos da competiointernacional e do incentivo ao emprego. Paul Singer tem uma anlisesensata do desemprego estrutural e da exibilizao (precarizao) dotrabalho humano: O desemprego estrutural, causado pela globalizao, semelhante em seus efeitos ao desemprego tecnolgico: ele noaumenta necessariamente o nmero total de pessoas sem trabalho, mascontribui para deteriorar o mercado de trabalho para quem precisavender sua capacidade de produzir (SINGER, 1999, P. 23).De fato, falaciosa a tese de que a exibilizao do direito do trabalhotraria um aumento no nvel dos empregos, como j havia percebidoKeynes no incio do sculo passado. O capital no emprega nem mesmoum s trabalhador se no for de sua extrema necessidade eimprescindibilidade. No ser a reduo de direitos sociais, ou a quedade nvel de salrios que o far contratar mais pessoas do que oestritamente necessrio para a sua produo. Nem mesmo o aumentoda produo, na maioria das vezes, faz com que o empresrio contratemais pessoas do que necessita, pois abre mo de recursos outrosescusos, como horas extraordinrias abusivas e subcontratao emmassa, sendo a maioria de trabalhadores temporrios ou informais. No consequncia direta da diminuio dos encargos sociais a diminuiodo desemprego e o aumento dos postos de trabalho. Conforme SrgioPinto Martins (1999, P. 41), inexiste qualquer estudo de credibilidadeque demonstre que a reduo de encargos sociais leva contratao demais trabalhadores. O empregador poder simplesmente no contrataroutros funcionrios, trabalhando com os que j possui, utilizando-se daautomao para o aumento da produo. mesma concluso chegouHuw Beynon (1997, P. 35-36), analisando a desregulamentao dasrelaes de trabalho na Inglaterra, armando que esta que no logrougerar empregos, trazendo sim uma situao de turbulncia moral, pelainsegurana no emprego trazida por essa desregulamentao.A precarizao do trabalho humano gera somente precarizao da vidahumana, e no h justicativa para isso, somente podendo ser fruto dedesorientao causada pela fora destrutiva do capital. o que entende

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  • Ada Glanz: Passa-se num mundo sem fronteiras por uma crise deidentidade ou de referncias, motivando alguns a buscar, seja nofundamentalismo religioso, seja numa terceira via, paradigmas ourespostas a este injusto sistema de competio decorrente docapitalismo selvagem, justicando-se o sistema global atravs dareduo salarial ou nivelamento por baixo, num paradoxal retrocessohistrico teoria hobbesiana do Leviathan, em que os peixes grandessobrevivem custa dos pequenos (GLANZ, 2000, p. 33).Neste ponto temos que fazer uma diviso terica da exibilizao, entreinterna e externa. Flexibilizao interna seria aquela em que ocorre umaprecarizao das condies de trabalho com manuteno da relaolaboral, enquanto que a exibilizao externa a diminuio dediculdades ou entraves na dispensa dos trabalhadores. Apesar defrequentemente utilizar-se da exibilizao interna, a exibilizao maisdesejada pela capital continua sendo a externa, pois a que mais secoaduna com os princpios da nova estruturao da produo,principalmente quanto ao just-in-time.De fato. O just-in-time traz a regra da manuteno de um estoque baixotanto da produo quanto das matrias primas. Porm, tal regra aplicvel ao estoque de mo de obra, que tambm, segundo o princpiotoyotista, deve ser o mnimo possvel (6). Andr Gorz tem conscinciadisso: A exibilidade externa procura traduzir para a gesto do pessoalo que representa o mtodo do just-in-time na gesto de estoques.Trata-se de evitar estoques de mo de obra sem utilidade imediata(apud SINGER, 1999, P. 25). E como se d a exibilizao externa? Tantodesintegrando as garantias no emprego (7), quanto criando novasformas de trabalho que garantam a rpida substituio e diminuio detempos mortos. Essas novas formas de trabalho, trazidas sob a gide daexibilizao externa, legitimada pela globalizao e nova estruturaoda produo, estudaremos no item seguinte.A melhor congurao grca do novo mercado de trabalho aquelatrazida por David Harvey, retirada da obra Flexible Patterns of Work,editada por C. Curson.

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  • Nela podemos perceber a existncia de um grupo central, duro, de difcilentrada, com trabalhadores qualicados, em que existe umaexibilidade de horrio e de trabalho e uma proteo total do Direito doTrabalho. Detm esses trabalhadores maior segurana no emprego,benefcios vrios dentro das empresas, podendo, por outro lado, sertransferidos geogracamente de acordo com o interesse da empresa.Esses trabalhadores so mais propensos a ascenderem na carreira e aobter aumento real dos salrios.A periferia contm dois subgrupos. Um primeiro grupo perifrico, queconsiste em empregados em tempo integral com habilidadesfacilmente disponveis no mercado de trabalho, como pessoal do setornanceiro, secretrias, pessoal das reas de trabalho rotineiro e detrabalho manual menos especializado (HARVEY, 2000, p. 144). Essestrabalhadores dicilmente so promovidos dentro da empresa ecaracterizam-se por uma alta rotatividade, pela facilidade de suasubstituio. Um segundo grupo perifrico oferece uma exibilidadeainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregadoscasuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporrios,subcontratao e treinados com subsdios pblico, tendo ainda menosseguranas de emprego do que o primeiro grupo perifrico. (HARVEY,2000, p. 144)Desse quadro do mercado de trabalho adotado por Harvey, vericamos

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  • a existncia do grupo central e do primeiro grupo perifrico ainda comvnculos empregatcios confessados pelo tomador dos servios, e osegundo grupo perifrico formado em sua maioria por trabalhadoresterceirizados, ou pertencentes a novas formas de trabalho que no oclssico emprego fordista de tempo e direitos trabalhistas integrais.(8)Estudemos, ento, essas novas formas de trabalho trazidas pelareestruturao do capital.3. Novas Formas de TrabalhoNovas formas de trabalho surgem nesse quadro imposto pelareestruturao da produo. Os trabalhadores no so mais todosconcentrados na empresa, trabalhando naquele mesmo territriodenominado de estabelecimento, sob ordens diretas de uma hierarquiapredeterminada.Um exemplo de nova forma de trabalho o teletrabalho ou trabalho distncia. Como bem ressalta Joo Hilrio Valentim (1999, p. 524-530),diferencia-se este do trabalho em domiclio, pois, apesar defrequentemente ser realizado na casa do empregado, este tipo detrabalho tambm pode ser realizado em um estabelecimento satlite daempresa, longe da sede ou da unidade principal qual o empregadoestiver vinculado, ou ser apenas parcialmente realizado fora da sede,com dois dias na semana no escritrio e o resto em casa. Assim,podemos armar que o teletrabalho ou trabalho distncia aqueleexecutado em lugar afastado da sede da empresa, utilizando-se dosnovos meios tecnolgicos de telefonia e informtica.De fato, pois foi somente com o avano tecnolgico dessas duas reasque foi possvel a implantao em massa desse novo modo de trabalho.Utilizando-se da Internet, ou mesmo de rede interna da prpria empresa,todo o trabalho realizado frente a um computador no necessita dodeslocamento do empregado sede da empresa, podendo este car emcasa ou em uma lial, que pode distar a milhares de quilmetros dareceptora final dos dados.A principal vantagem para a empresa a diminuio de gastos cominfra-estrutura no local de trabalho (gua, luz, caf, limpeza, aluguel etc),alm de um maior controle do trabalho executado. Sim, pois seaparentemente o empregador no teria um controle do empregado,agora realizado em local distante, longe dos olhos do tomador dos

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  • servios, na realidade esse controle realizado intermitentemente, jque, pelo sistema de computao, verica-se quanto tempo realmente oempregado gas