terceira margem do rio

2
O conto “A Terceira Margem do Rio”, do autor Guimarães Rosa, conta a história de um homem que decide subitamente se desvencilhar de sua família, da casa em que vive, e da sociedade no geral, indo viver numa canoa, remando entre as duas margens de um rio, sem estar na margem em que vive sua família, tampouco na margem que o afasta dela. A beleza e o valor artístico do conto se encontram não em sua narrativa, mas no simbolismo subjetivo por trás da história. A mera atitude do pai de se afastar da vida “em terra” faz com que sua família e conhecidos questionem sua sanidade. A vontade do narrador, filho do personagem da canoa, de entender os motivos que fizeram seu pai se afastar o torturam, tornando-o tão recluso e socialmente excluído quanto o próprio pai, desde sua juventude, quando o pai tomou a atitude de ir viver entre as margens do rio, até a sua vida adulta, tendo já sua família seguido em frente com suas respectivas vidas, deixando apenas o homem ali convivendo com seu pai e sua aparente loucura. Em um episódio dentro do conto, o narrador propõe ao pai tomar seu lugar na canoa. O pai parece aceitar a proposta do filho, contudo quando ele se aproxima da margem, o filho se acovarda e foge. Seu falimento posteriormente o faz duvidar de si próprio, e então só espera que em morte o depositem numa canoinha e o joguem no rio para junto de seu pai. Nota-se no conto uma pequena crítica ao juízo de valores por parte da sociedade, ao questionar a sanidade de um homem pelo mero fato de ele decidir viver em uma canoa no rio, uma vez que o próprio personagem-narrador é também considerado insano por conta de sua fixação pelo pai. Sob um escopo mais filosófico, é possível interpretar o homem em sua canoa – a dita “terceira margem do rio” – como uma ponte, um elemento transitório, entre dualidades sempre presentes: certo e errado, sanidade e loucura, vida e morte. O fato de a própria atitude do pai questionar tais dicotomias – Estaria ele são ou louco ao decidir se afastar de tudo? Estaria ele vivo ou morto depois de tanto tempo desaparecido? – exibe um afastamento das escolhas convencionais (representadas pelas duas margens concretas do rio) para se apegar uma terceira opção.

Upload: pedro-costa

Post on 10-Nov-2015

218 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Trabalho sobre a crônica "A Terceira Margem do Rio"

TRANSCRIPT

O conto A Terceira Margem do Rio, do autor Guimares Rosa, conta a histria de um homem que decide subitamente se desvencilhar de sua famlia, da casa em que vive, e da sociedade no geral, indo viver numa canoa, remando entre as duas margens de um rio, sem estar na margem em que vive sua famlia, tampouco na margem que o afasta dela.A beleza e o valor artstico do conto se encontram no em sua narrativa, mas no simbolismo subjetivo por trs da histria. A mera atitude do pai de se afastar da vida em terra faz com que sua famlia e conhecidos questionem sua sanidade. A vontade do narrador, filho do personagem da canoa, de entender os motivos que fizeram seu pai se afastar o torturam, tornando-o to recluso e socialmente excludo quanto o prprio pai, desde sua juventude, quando o pai tomou a atitude de ir viver entre as margens do rio, at a sua vida adulta, tendo j sua famlia seguido em frente com suas respectivas vidas, deixando apenas o homem ali convivendo com seu pai e sua aparente loucura. Em um episdio dentro do conto, o narrador prope ao pai tomar seu lugar na canoa. O pai parece aceitar a proposta do filho, contudo quando ele se aproxima da margem, o filho se acovarda e foge. Seu falimento posteriormente o faz duvidar de si prprio, e ento s espera que em morte o depositem numa canoinha e o joguem no rio para junto de seu pai.Nota-se no conto uma pequena crtica ao juzo de valores por parte da sociedade, ao questionar a sanidade de um homem pelo mero fato de ele decidir viver em uma canoa no rio, uma vez que o prprio personagem-narrador tambm considerado insano por conta de sua fixao pelo pai. Sob um escopo mais filosfico, possvel interpretar o homem em sua canoa a dita terceira margem do rio como uma ponte, um elemento transitrio, entre dualidades sempre presentes: certo e errado, sanidade e loucura, vida e morte. O fato de a prpria atitude do pai questionar tais dicotomias Estaria ele so ou louco ao decidir se afastar de tudo? Estaria ele vivo ou morto depois de tanto tempo desaparecido? exibe um afastamento das escolhas convencionais (representadas pelas duas margens concretas do rio) para se apegar uma terceira opo.Neste afastamento das duas margens convencionais para a criao de uma terceira, de carter diferente de ambas, que se fazem anlogos os elementos do conto s caractersticas do Terceiro Setor. Tal qual o homem que se desvencilha das duas margens do rio para viver por entre elas, o Terceiro Setor, representado no mbito administrativo pelos entes paraestatais, no fazem parte nem do setor pblico (representado pelo Estado) e nem setor privado (mercado), entretanto ainda assim contribuem com ambos. Entretanto, o homem nunca se desconectou completamente de sua famlia, tal qual os entes paraestatais nunca se afastam completamente dos outros dois setores: embora no sejam figuras estatais, o Terceiro Setor frequentemente assistido pelo prprio Estado, e tambm privadamente, atravs de doaes e patrocnios, uma vez que seu carter no-lucrativo torna difcil a obteno de recursos de forma autnoma para dar seguimento s suas atividades. Do mesmo modo, no conto, a margem da famlia prestava contnua assistncia ao pai, levando-lhe comidas, roupas e mantimentos em geral, para que pudesse se manter vivendo na canoa. Assemelham-se, ento, o pai e o Terceiro Setor, nesta relao de serem simultaneamente afastados e dependentes de suas margens.Conclui-se, ento, que o Terceiro Setor tira do Estado o encargo de prestar certas atividades que atendam necessidade coletiva. possvel dizer que os entes paraestatais, por exemplo, agem de forma impessoal e altrusta, agindo em prol do interesse pblico sem fins lucrativos. Atos assim, tal qual a resoluo do pai de se afastar da vida em terra, podem ser questionados pela sociedade e chamados de insanos.