terceira avaliação de padua

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA E INTERCULTURALIDADE FRANCISCO FELIPE PAIVA FERNANDES Terceira avaliação da disciplina Tópicos Especiais em Literatura do Programa de Pós-graduação em Literatura e Interculturalidade. Prof. Dr. Antonio de Pádua Dias da Silva

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARABADEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTESPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LITERATURA EINTERCULTURALIDADE

FRANCISCO FELIPE PAIVA FERNANDES

Terceira avaliao da disciplina Tpicos Especiais em Literatura do Programa de Ps-graduao em Literatura e Interculturalidade. Prof. Dr. Antonio de Pdua Dias da Silva

Campina Grande2015Em filosofia da composio, Poe tenta sistematizar os processos tcnicos e tericos que cercariam a estruturao do conto enquanto gnero literrio. Umas de suas prerrogativas que o diferenciariam da poesia seria o efeito de verdade por ele produzido, assim, enquanto as formas poticas teriam como princpio de seu fundamento a esttica de sua beleza rtmica, o conto estaria destinado a uma causalidade de ordem diferente, a do tropeo, surpresa por ele emitida. Destarte, o contista deveria inicialmente congregar duas histrias, mas que a primeira cronologicamente ambientada deveria dissuadir o leitor, como tambm apresentar num a posteriori, as condies determinantes da verdadeira histria, como num clmax.Essas proposies podem ser visualizadas, por exemplo, no conto de Jorge Lus Borges (2008), O imortal. Aqui, o primeiro tomo da histria narra a vida de Marco Flamnio Rufo um homem que possui como objetivo alcanar a imortalidade. Para isso deve-se deslocar para um rio que portaria a chave da vida eterna. Numa durssima viajem que pe fim a praticamente todos os homens que o acompanhavam, Rufo finalmente se depara com o rio tornando-se em seguida um imortal. A segunda parte do conto desvela justamente as consequncias dessa busca, causando um efeito de surpresa, j que o grande objeto de seu desejo (a imortalidade) transforma-se num espectro monstruoso: os imortais se transformavam em trogloditas j que a experincia da morte, da finitude humana, a potncia da vida: "Ser imortal insignificante; exceto o homem, todas as criaturas o so, pois ignoram a morte; o divino, o terrvel, o incompreensvel, se saber mortal - Marco Flamnio".A questo que poderamos nos perguntar se essas proposies seriam uma Lei geral e universal do conto ou apenas constituiria em seu domnio um pequeno feixe de objeto? Gilberto Mendona Teles (2002), em sua tentativa de elucidar os problemas acima colocados, visa por um lado resgatar a relao entre conto e potica, separa como vimos por Poe, e ao mesmo tempo instituir uma cientificidade as suas posies. Em seu artigo Para uma potica do conto brasileiro, encontramos uma tentativa de delimitao do conceito de conto, para isso, o autor divide seu texto em trs partes: a primeira visa definir o conceito de Potica; o segundo, elucidar a relao entre potica e conto; por ltimo se detm especificamente na forma do conto no brasil.Segundo Teles, a diferena entre romance e conto reside na oralidade do ltimo em detrimento ao primeiro, possuindo uma estrutura simples contra a complexidade romanesca. No conto moderno, deferente do classicismo de Poe, existe uma sincronia entre beleza, que reside em sua metaforicidade, e em seu efeito de verdade. Inicialmente, Teles aponta para os usos e empregos indevidos que o Termo Potica vem sendo submetidos constantemente dentro e fora do mbito acadmico. Assim, faz-se a necessidade de delimitarmos rigorosamente a noo que, em suas intenes, tem o estatuto cientfico. E aqui j comea uma srie de usos retricos de significantes que possuem muito mais a inteno de ludibriar o leitor do que definir rigorosamente o que o mesmo entende por cincia potica, vejamos alguns: o artifcio discursivo utilizado por Teles o retorno a etimologia da palavra buscada em Aristteles o que nos levaria, por si s, a definio dessa cincia como arte e tcnica da linguagem, posteriormente o mesmo afirma que se o leigo desejar um conhecimento mais moderno rigoroso do que cincia deveramos ler as Palavras e as Coisas de Michel Foucault. Para qualquer um que estuda a obra foucaultiana isso deveria soar como uma grande ironia, pois o pice e objetivo de seu livro demonstrar justamente o contrrio do que Teles afirma, isto , o carter dispersivo e fragmentrio das cincias humanas, e isso muito alm de explanar uma espcie fracasso epistmico sua principal virtude em seu domnio, na medida em que pode circular pelas diversas camadas dos saberes. Um segundo problema em sua chamada cincia potica se refere exatamente no termo cincia. Em hiptese alguma a cincia tal como praticada modernamente, isto , desde o sculo XVII, a mesma que a cincia aristotlica, pois justamente o seu contrrio. Alexandre Koyr, Gaston Bachellard e George Canguilhem afirmam que o surgimento da cincia moderna corroborativo ao corte epistemolgico que impe uma completa descontinuidade entre o mundo aristotlico, fechado e cosmolgico, ao universo infinito, aberto e descentrado justamente pela produo de um objeto matemtico. Esse passo dado pela cincia s possvel se determinados obstculos epistemolgicos so vencidos e um deles justamente a sensibilidade. Resulta que qualquer tentativa de afirmar uma potica como cincia por definio um contrassenso lgico, pois essa dimenso que o esprito cientfico deve vencer para sua consolidao. O terceiro problema, e talvez o mais grave, se refere exatamente a tentativa de purificao do conceito de potica e do conto, na medida em que, as prprias modificaes dos conceitos, suas deformaes no decorrer de seus vrios usos que definem o esprito cientfico, ou seja, praticamente TODA a sua explanao sobre a cincia potica e seus objetos no atendem nem de longe a qualquer rigor cientfico, muito menos admitem uma aproximao. Dentro de seu artigo a definio de conto e a epistemologia de sua teoria, praticamente inaplicvel por sua incoerncia interna que o autor cava para si.A pergunta a ser feita, portanto, seria: existe a necessidade de construo de conceitos que possibilitassem a demarcao da positividade do conto, isto , as propriedades especficas de seu objeto, resultando, por sua vez, na sua diferenciao entre romance, novela, pea, poema por exemplo, sem contarmos, ainda, nas diversas querelas resultantes do efeito de poeticidade que determinados textos adquirem em detrimentos de outros. A diferena entre o conto e o romance poderia ser definido de forma quantitativa? No nmero de pginas ou at de palavras? O que dizer de textos que contam com apenas 100? Analisemos o seguinte conto de Kafka:

Ai de mim!", disse o rato, "o mundo vai ficando dia a dia mais estreito". "Outrora, to grande era que ganhei medo e corri, corri at que finalmente fiquei contente por ver aparecerem muros de ambos os lados do horizonte, mas estes altos muros correm to rapidamente um ao encontro do outro que eis-me j no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei cair". " Mas o que tens a fazer mudar de direo", disse o gato, devorando-o.

Parece-nos aqui que qualquer definio de conto que possa ser proposta deve partir dos recortes discursivos que engendram seu objeto, ou seja, sem qualquer pretenso de universalidade, mas que mesmo assim crie condies para a inteligibilidade do mesmo. Nos apoiaremos em trs dimenses para construir nosso conceito, a primeira puramente quantitativa e fsica limitar-se- no mximo 100 significantes estabelecidos, segunda dimenso qualitativa a preponderncia dos efeitos de significncia que lhes so consubstanciais. Nesse conto, muito mais do que seguir a Poe e Borges, Kafka perpetra a aluso a aspectos intertextuais como o rato, ratoeira e gato, fazendo com que o leitor, nesse microconto, possua um referente seguro para seu entendimento, ao contrrio de Borges que possui uma textualidade fechada em si mesmo como num ciclo ou numa esfera contnua (vide sempre a funo em seus textos da biblioteca de todas as bibliotecas que inundam seus contos). O terceiro o carter de Quebra, corte, ruptura, em francs bance (surpresa e estupefao). O carter aberto da referencialidade de Kafka neste conto anti-borgiano em sua essncia. Inicialmente, o estilo do conto no se refere, em seu desfecho, a uma espcie de moral tcita como aparece em O imortal. Trata-se de um solilquio de um rato que instaura um ar de marasmo em seu cotidiano (Ai de mim!", disse o rato, "o mundo vai ficando dia a dia mais estreito). A enfatuao dos verbos em primeira pessoa (ganhei, corri...corri, fiquei, irei) reiteram o modo reificado e repetitivo de seu comportamento, expressando, todavia, uma dimenso que transforma o medo inicial da grandeza do mundo em alegria em seu fechamento entre muros e paredes. Assim, impulsionado pelo medo, o rato busca consolo nas grades que o cercam, mas nem ela pode oferecer um alvio permanente (elas assinalam para o destino factual da ratoeira), pois que o gato como num conselho petulante avisa-o de seu destino intransponvel, devorando-o. Esse desfecho no deve causar estranheza e nem surpresa, na medida em que a utilizao dos significantes ratos, ratoeira, j prenunciam com igual certeza sobre o remate final do personagem, por que fazem com que o leitor rapidamente associe o conto o nosso mundo real. Mesmo assim, a funo do Gato no conto nos remete as intencionalidades colocadas por Piglia ao comentar Tchekhov: Um homem ganha um milho de rublos no jogo, volta para casa e se suicida ou de Carlos Henrique Schroeder no conto O papagaio de Piglia: No pensem que troquei Joana por outra mulher, no, longe disso, troquei Joana pela solido, pelo remorso (at agora me pergunto por que rompi).De acordo com Foucault em Arqueologia do saber (2012), mostra que de modo algum se deve buscar uma origem do conceito, como se existisse um original, na verdade a pesquisa deve ser no pelo o encontro da teoria universal, mas pelos sucessivos deslocamentos e transformaes pelos quais os conceitos passam, assim, se quisermos imprimir um rigor que se refira ao esprito cientfico, devemos estudar a histria dos diversos usos do conceito de conto sem, contudo, adotarmos o melhor ou recairmos na velha iluso metafisica de um verdadeiro. Em contrapartida a Teles em sua busca pelo o conto originrio referido a vocalizao, a valorizao da fala, da Phon, em detrimento e rebaixamento da escrita e da diferena. Essa posio corroborada pela escritora Elvira Vigna em Tentativas sobre o conto. (2012),um conto corte, quebra de lgica:No fazemos outra coisa alm de tentar. Nunca d certo. E tentamos outra vez, com outra quebra, e mais outra. Mas so todas iguais, as quebras. O assunto dos contos sempre o mesmo. a quebra. E ela no dizvel (p.5).

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

BORGES, Jorge Luis. O Aleph. Trad. Davi Arrigucci Jr. So Paulo: Companhia das Letras, 2008.

POE, Edgar Alan. American Poetry In: Aristidean, Philadelphia, November 1845, 1:373-382. Disponvel em: < http://www.eapoe.org/works/essays/a451101.htm> Acesso em: 29/03/2015.

FOUCAULT, Michel.As palavras e as coisas. So Paulo: Martins Fontes, 1999. Netto. 6. ed. So Paulo: Perspectiva, 2000a.______. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2000b.

TELES, Gilberto Mendona. Para uma potica do conto brasileiro. Revista de Filologa Romnica 19, 161-182, 2002.

VIGNA, Elvira. Tentativas sobre o conto: as estatuetas de Degas. In: Prosa e Verso. Rio de Janeiro: jornal O Globo, 11/08/2012, p.5.