teoria geral da constituição

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___________________________________________________________________ CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA MÓDULO I DIREITO CONSTITUCIONAL Teoria Geral da Constituição __________________________________________________________________ Rua da Glória, 195 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP: 01510-001 Tel./Fax: (11) 3274-7154 – www.damasio.com.br

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Page 1: Teoria Geral da Constituição

___________________________________________________________________ CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO I

DIREITO CONSTITUCIONAL

Teoria Geral da Constituição

__________________________________________________________________

Rua da Glória, 195 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP: 01510-001 Tel./Fax: (11) 3274-7154 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Teoria Geral da Constituição

Prof. Clever Vasconcelos

1. INTRODUÇÃO

Direito Constitucional é a ciência que propicia o conhecimento da organização fundamental do Estado. Ou seja, refere-se à estruturação do poder político, seus contornos jurídicos e limites de atuação (direitos humanos fundamentais e controle de constitucionalidade)1.

José Afonso da Silva2 nos ensina que o Direito Constitucional “configura-se como Direito Público fundamental por referir-se diretamente à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política.”

Em outras palavras, o Direito Constitucional busca interpretar as normas fundamentais do Estado, a sua organização e estruturação política, bem como os limites de atuação e os princípios fundamentais que o norteiam; e justamente por isso é tratado dentro do ramo de Direito Público.

Vale lembrar que o Direito é um todo e a sua divisão ocorre meramente para fins didáticos. Abrange as seguintes disciplinas:

a) Direito Constitucional Positivo (particular ou especial) – sua análise recai sobre as normas fundamentais vigentes. Ou seja, seu objeto é a interpretação, crítica e sistematização das normas vigentes em certo Estado. Assim, fala-se em Direito Constitucional Particular quando se examinam as peculiaridades da organização jurídica de cada Estado, e em Direito Constitucional Positivo quando se ressalva a vigência e eficácia das normas que compõem o seu ordenamento jurídico.

b) Direito Constitucional Comparado – analisa diversas Constituições para obter da comparação dessas normas positivas dados sobre semelhanças ou diferenças que são úteis ao estudo jurídico, captando o que há de essencial na unidade e na diversidade entre elas. O Direito Constitucional Comparado assenta-se em sistemas jurídicos positivos, embora não necessariamente vigentes3.

1 Segundo Canotilho, o Direito Constitucional é um intertexto aberto, ou seja, deve muito a experiências constitucionais, nacionais e estrangeiras; no seu espírito transporta ideias de filósofos, pensadores e políticos, contudo, não se dissolve na história, sendo vigente e vivo. 2 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29.ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 34. 3 O trabalho comparativo pode consistir em: 1) microcomparação – exame de fragmentos jurídicos elementares que formam as ordens jurídicas; 2) macrocomparação – estudo das estruturas determinantes e das ordens jurídicas enquanto tais.

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Finalidade:

Mostrar ao Estado a origem de um instituto nele introduzido.

Dissipar dúvidas quanto a origem de determinado instituto explicando que, apesar de ser semelhante a um que se encontra em outro país, não pode ser colhido neste.

c) Direito Constitucional Geral – utiliza normas positivas, peculiares ao Direito

Constitucional daquele Estado, estabelecendo conceitos, princípios e apontando tendências gerais. Ou seja, é a própria teoria geral do Direito Constitucional (ex.: conceito de Direito Constitucional, seu objeto e conteúdo, teoria da constituição, hermenêutica, interpretação e aplicação das normas constitucionais, teoria do poder constituinte etc.).

Considerando como critério a matéria, fala-se em:

a) Direito Constitucional Material – cuida da organização do Estado, de seu modo de ser e de sua estrutura. Varia de Estado para Estado.

b) Direito Constitucional Adjetivo – envolve regras pertinentes à aplicabilidade

da Constituição (ex.: preâmbulo, ato de promulgação, publicação, aplicação material propriamente dita e processo de modificação).

c) Direito Político – para uns equivale ao Direito Constitucional, enquanto outros

dizem ter maior amplitude, abrangendo a Teoria do Estado e a Sociologia Política (estrutura da organização política e suas relações com a sociedade, a ordem e a atividade política), sendo o Direito Constitucional apenas o setor estritamente jurídico do Direito Político.

1.1. Constituição

A palavra Constituição deriva do verbo latino constituere (estabelecer definitivamente), contudo, é usada no sentido de Lei Fundamental do Estado, com efeito, a Constituição é a organização jurídica fundamental do Estado, um conjunto de regras sistematizadas em um texto único, por conseguinte, formal.

Em sentido político e jurídico, diz José Afonso que a Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria a organização dos seus elementos essenciais, a saber: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação.

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As regras do texto constitucional, sem exceção, são revestidas de supralegalidade e estão no grau máximo de eficácia, ou seja, possuem eficácia superior às demais normas que jamais podem ser contraídas. Por isso, a Constituição é norma positiva suprema (positiva, porque é escrita).

A estrutura do ordenamento jurídico é escalonada. Essa ideia remonta a Kelsen, segundo o qual todas as normas situadas abaixo da Constituição devem ser com ela compatíveis.

Verifica-se que no ápice da pirâmide estão as normas constitucionais; logo, todas as demais normas do ordenamento jurídico devem buscar seu fundamento de validade no texto constitucional, sob pena de inconstitucionalidade.

Em outras palavras, toda e qualquer norma inferior tem que manter uma necessária relação de conformidade com a norma acima dela, por conseguinte todo o ordenamento jurídico infraconstitucional deverá guardar uma relação de compatibilidade com as normas constitucionais, o nome técnico disso é Relação de Compatibilidade Vertical (RCV).

Basta que a regra jurídica esteja na Constituição Federal para ela ser revestida de supralegalidade, independentemente da matéria que trata. Na Constituição Federal de 1988, existem Regras Formalmente Constitucionais (RFC) e Regras Materialmente Constitucionais (RMC).

1.2. Regras Materialmente e Formalmente Constitucionais

CF

Demais normas

Modo de Aquisição Modo de Exercício

PODERElementos Limitativos(enunciação dos direitosfundamentais das pessoas.Sistema de Garantia dasLiberdades)

Elementos Orgânicos ou Organizacionais (são as regras que organizam o Poder)

Elementos Socioideológicos (princípios da ordem econômica e social)

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Atualmente há um alargamento do campo constitucional, ou seja, da expansão da sua força normativa para abranger domínios em que anteriormente o texto constitucional não penetrava (ex.: organização econômica e relações sociais). Adota-se, portanto, a ideia de constituição aberta.

1.3. Concepções Sobre as Constituições

A Teoria da Constituição como conhecimento jurídico, político e filosófico deve-se à doutrina alemã. Sua formação e autonomia decorreram da preocupação de se chegar a um conceito substantivo de Constituição. Ela examina, identifica e critica os limites, as possibilidades e a força normativa do Direito Constitucional, ocupando-se em estudar os diversos conceitos de Constituição, o Poder Constituinte e a legitimidade da Constituição; reforma constitucional; direitos fundamentais e separação de poderes, como elementos característicos do Estado de Direito etc.

O vocábulo “Constituição” tem muitos significados, mas há um sentido primário: a Constituição é Lei Fundamental ao Estado e ao seu povo, ditando ao primeiro os limites de atuação como forma de proteger ou tutelar o segundo.

1.3.1. Sentido Sociológico

Ferdinand Lassalle4 leciona que a Constituição corresponde ao somatório dos fatores reais de poder que vigoram em um país. Segundo o mestre alemão: “De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais de poder”.

Esses fatores reais de poder, entre nós, estão identificados na força dos produtores rurais e dos movimentos de sem terra, no sistema financeiro e nas federações empresariais, nos sindicatos e nas centrais sindicais, nas corporações militares e civis, dentre outras forças que impõem a forma e o conteúdo da Constituição.

“Os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são”5.

A doutrina de Lassalle é concebida como sociológica por Jorge de Miranda6, que ao analisar a concordância das normas constitucionais com a realidade do processo de poder destaca a existência de Constituições normativas, Constituições nominais e Constituições semânticas. Constituição normativa é aquela que efetivamente submete o processo de poder às suas regras. Ou seja, é respeitada e cumprida, pois reflete os princípios fundamentais do constitucionalismo sendo, assim, legítima.

4 O que é uma Constituição? Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Ed. Líder: Belo Horizonte, Minas Gerais, 2002, p. 68. 5 LASSALE, Ferdinand. .A Essência da Constituição. Trad. Walter Stonner. Ed. Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2001, p. 10-11. 6 Teoria do Estado e da Constituição. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p. 341.

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A Constituição nominal é aquela que embora tenha por pretensão representar os valores fundamentais da sociedade, não possui regras que representem a dinâmica do processo político, pelo que ficam sem realidade existencial.

Por fim, a Constituição semântica (ou de fachada para Canotilho7), serve apenas para beneficiar os detentores do poder de fato, instrumentalizando sua dominação sobre a sociedade.

1.3.2 Direito de Resistência

Direito de resistência é a denominação dada à legítima oposição de um povo a regras formais opressivas que não correspondem aos reais anseios de uma sociedade, podendo ser manifestado pela desobediência civil ou mesmo por uma revolução.

Em síntese, é o direito de descumprir e combater determinações governamentais que afrontem as liberdades fundamentais da maioria do povo. As liberdades fundamentais segundo leciona Norberto Bobbio8, são aquelas que “cabem ao homem enquanto tal e não dependem do beneplácito do soberano (entre as quais, em primeiro lugar, a liberdade religiosa)”.

1.3.3. Sentido Político

Carl Schmitt concebe a Constituição no sentido político, pois para ele Constituição é fruto da “decisão política fundamental” tomada em certo momento.

Para Schmitt há diferença entre Constituição e lei constitucional; é conteúdo próprio da Constituição aquilo que diz respeito à forma de Estado, à forma de governo, aos órgãos do poder e à declaração dos direitos individuais. Outros assuntos, embora escritos na Constituição, tratam-se de lei constitucional (observe-se que essas ideias estão próximas as de Constituição material e formal).

1.3.4. Sentido Jurídico

Segundo Hans Kelsen (sentido lógico-jurídico ou formal) – a Constituição consiste na norma fundamental hipotética, pressuposta e não posta pela autoridade, concebe o Direito como estrutura normativa, cuja unidade se assenta na norma fundamental, já que o fundamento de validade de qualquer norma jurídica é a validade de outra norma, ou seja, uma norma superior. O ordenamento jurídico é representado por uma pirâmide.

De acordo com a Teoria Pura do Direito, Kelsen destaca vários significados de constituição:

7 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed., Livraria Almedina: Coimbra, 1999, p. 1057. 8 A Era dos Direitos. Ed. Campus: Rio de Janeiro, 1996, p. 4.

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Material – é o conjunto de normas que regulam a criação dos preceitos jurídicos gerais e prescrevem o processo que deve ser seguido em sua elaboração.

Formal – consiste no conjunto de normas jurídicas que só podem ser modificadas mediante a observância de prescrições especiais, que têm por objetivo dificultar a modificação destas normas.

Sentido amplo – compreende as normas que estabelecem as relações dos súditos com o poder estatal.

2. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

2.1. Quanto ao Conteúdo

• Constituição material ou substancial: conjunto de regras jurídicas materialmente constitucionais, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Tais regras podem ou não estar na Constituição e justamente por isso é mais abrangente que a Constituição Formal. Há, por exemplo, regras materialmente constitucionais disciplinadas em lei ordinária, como o Estatuto dos Estrangeiros.

• Constituição formal: conjunto de regras jurídicas, inseridas no texto unitário da Constituição escrita, diga ou não respeito à matéria constitucional. Exemplo: o art. 14, § 4.º9, da Constituição Federal, que trata da inelegibilidade, é regra formal e materialmente constitucional porque delineia o modo de aquisição e exercício do poder. Mas os casos de inelegibilidade não são apenas os previstos nesse dispositivo; a Lei Complementar n. 64, de 18.5.1990 disciplina outras hipóteses, em consonância com o prescrito no § 9.º10 do próprio art. 14.

• Instrumentais (instrument of government): é aquela lei fundamental entendida, essencialmente, como lei processual e não como lei material. Estabelece competências, regula o processo e define os limites da ação política. Como instrumento de governo, contém as regulamentações necessárias para a vida política de uma comunidade.

Vale lembrar o fato de não haver óbices que a norma reúna concomitantemente as mesmas características.

9 “§ 4.º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos”. 10 “§ 9.º - A Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

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2.2. Quanto à Forma

• Escritas: suas normas se acham expressas em um ou vários documentos escritos 11. É o próprio texto escrito da Constituição, ou seja, é o conceito formal de Constituição, cuida-se de um texto redigido em um momento de reflexão do constituinte originário, podendo ser:

Analítica (expansiva, abrangente ou prolixa) – quando o texto constitucional, além de dispor de normas materialmente constitucionais, trata de matérias que não deveriam ser tratadas pela Constituição. É, por exemplo, a Constituição brasileira, que possui 250 artigos, ADCT, várias emendas etc. Tais constituições são instáveis, haja vista que necessitam de reiteradas modificações.

Sintética (concisa ou negativa) – traz apenas normas materialmente constitucionais, como a norte-americana, que possuía inicialmente sete artigos e, após dois séculos de existência, foi modificada apenas 27 vezes12. São sumárias, breves, principiológicas e de grande estabilidade.

• Não escritas (costumeiras ou históricas): as normas constitucionais não

constam de um documento único e solene, são textos esparsos, elaborados em épocas distintas sendo formadas por usos e costumes válidos como fontes de direito. Com efeito, ainda que não seja escrita, esta Constituição terá parte do seu sistema necessariamente escrito. A rigor a diferença dos Estados que adotam esta forma para a escrita, é fonte, isto é, a existência ou não de apenas uma única fonte. Portanto, devemos fixar que a Constituição não escrita possui várias fontes (costumes, decisões dos tribunais, práticas administrativas e textos escritos). Tais constituições são formadas por meio de um processo histórico, e adotam o sistema da common Law13.

Segundo o livro Curso de Direito Constitucional, de autoria do Prof. Fernando

Capez e outros, tem-se ainda:

a) Constituições legais: aquelas cujas normas são escritas, mas não estão 11 Kildare Gonçalves Carvalho faz referência à classificação sistemática (quanto à unidade documental), dizendo que a Constituição pode ser orgânica, quando contém toda a matéria constitucional sistematizada em um único texto, ou inorgânica, quando apresentam suas normas dispersas em vários documentos. 12 Podemos fazer um breve comentário sobre o sistema constitucional dos Estados Unidos: assenta-se, basicamente, na Constituição de 1787, a primeira, a mais breve e a mais duradoura Constituição escrita que hoje possui, com caráter rígido e sintético (contudo, as constituições dos Estados são longas e regulamentárias), sendo modelada pela jurisprudência e relacionada com o controle de constitucionalidade (judicial review). Os EUA foi o primeiro Estado Federal, a primeira república instituída segundo o princípio democrático e o primeiro sistema de governo presidencial a adotar a separação de poderes. 13 Sistema constitucional inglês (ou britânico) – é o único que tem como fonte o costume. O Parlamento, a Constituição consuetudinária e flexível e o rule of law são as suas grandes instituições. Rule of law compreende os princípios, as instituições e os processos que a tradição e a experiência dos juristas e dos tribunais entendem ser indispensáveis para a garantia da dignidade da pessoa humana frente ao Estado, devendo o Direito dar aos indivíduos proteção contra o exercício arbitrário do poder.

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codificadas, ou seja, estão espelhadas em diversos textos; e

b) Constituições orais: conjunto de normas proclamadas solenemente pelos chefes máximos de um povo para reger a vida de todos, como ocorreu na Islândia, no século IX, quando os Vikings instituíram o primeiro parlamento livre na Europa.

2.3. Quanto ao Modo de Elaboração

• Constituição dogmática: reflete a aceitação de certos dogmas, ideais vigentes no momento de sua elaboração, reputados verdadeiros pela ciência política. Dogma: ponto mais importante que caracteriza um sistema, um determinado modelo, corporifica as opções daquele que elaborou o texto constitucional.

• Constituição histórica: é a Constituição não escrita, resultante de lenta formação histórica. Não reflete um trabalho materializado em um único momento.

2.4. Quanto à Ideologia

• Eclética, pluralista, complexa ou compromissória: possui uma linha política indefinida, equilibrando diversos princípios ideológicos.

• Ortodoxa ou simples: possui linha política bem definida, traduzindo apenas uma ideologia.

2.5. Quanto à Origem ou ao Processo de Positivação

• Constituição outorgada: são aquelas impostas por um grupo ou por uma pessoa, sem um processo regular de escolha dos constituintes. Nesse ponto podemos traçar a diferença entre Carta Constitucional, expressão reservada às constituições outorgadas, e Constituição que objetiva designar as promulgadas.

• Constituição promulgada (democrática ou popular): são aquelas elaboradas por representantes eleitos pelo povo, de forma livre e consciente, para exercer o poder constituinte.

• Constituição cesarista (plebiscitária, referendaria ou bonapartista): trata-se da Constituição que, não obstante elaborada sem a participação do povo ou dos seus representantes, é submetida a um referendo popular antes de ganhar vigência. Recebe esse nome por ter sido um método utilizado por Napoleão Bonaparte nos denominados plebiscitos napoleônicos.

• Constituição mista14 (pactuada, positivada por convenção ou dualista): nessas constituições o diploma fundamental não é já uma Carta doada pela vontade do

14 Classificação contida no livro Curso de Direito Constitucional dos Profs. Capez, Chimenti, Márcio Fernando e Marisa (p. 8).

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soberano, mas um pacto entre o soberano e a representação nacional, em regra entre o monarca e o Poder Legislativo.

Parte da doutrina classifica a Constituição, quanto ao modo de positivação, da

seguinte forma: a) Por convenção ou votada – os representantes do povo, mediante assembleia convocada especificamente para tal fim, votam uma nova Constituição; e b) Por outorga ou outorgada – quando uma nova Constituição é imposta ao povo. Nesse caso, é comum a utilização da expressão Carta Constitucional.

Ainda nesse esteio, alguns manuais asseguram que todas as constituições votadas são democráticas, o que para alguns seria na verdade um equívoco, pois para saber se uma Constituição é democrática ou não, deve-se analisar se o seu processo de positivação é legítimo.

Malgrado o fato de a maioria das vezes uma Constituição votada ser democrática pode ocorrer de uma Constituição votada não ser democrática, como a Constituição de 1967, um perfeito exemplo para ilustrar tal posicionamento, e a recíproca é verdadeira, pois é possível sim haver uma Constituição outorgada e democrática, desde que atenda aos reclames sociais.

“A Carta Constitucional de 1967, segundo prevalece amplamente na doutrina, é outorgada quanto à sua origem, já que o Congresso Nacional, convocado extraordinariamente pelo AI n. 4 para apreciar a proposta dos militares entre 12 de dezembro de 1966 e 24 de janeiro de 1967 não possuía liberdade suficiente para alterar de forma substancial o documento. Formalmente, contudo, o Congresso aprovou e promulgou a Constituição de 1967, razão por que alguns (minoria) classificam tal Carta como sendo uma Constituição positivada por convenção, dualista.” (CHIMENTI, Ricardo Cunha; FERREIRA, Marisa dos Santos; ELIAS ROSA, Márcio Fernando; CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional, 2008, p. 8.).

2.6. Quanto à Estabilidade, à Mutabilidade ou à Alterabilidade

• Rígida (ou condicional): demandam processo especial, mais solene e difícil para sua alteração do que o da formação das leis ordinárias. Não devemos associar rigidez constitucional com estabilidade constitucional, pois a CFRB, apesar de rígida, não possui estabilidade (constituição escrita, analítica).

• Flexível (não condicional): é a Constituição que pode ser modificada livremente pelo constituinte derivado, utilizando-se do mesmo processo de elaboração das leis ordinárias. Não devemos associar flexibilidade com instabilidade, já que a Constituição inglesa, apesar de flexível é bastante estável.

Constituição plástica – de acordo com a doutrina de Pinto Ferreira, Constituição flexível também é chamada de Constituição plástica. Todavia,

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na doutrina de Raul Machado Horta, Constituição plástica possui outro significado, sendo, portanto, aquela que para ter eficácia necessita de grande regulamentação por parte do legislador infraconstitucional. Para ele, ainda, Constituição plástica é aquela suscetível de adaptação a uma nova realidade social, por meio de integração normativa futura.

Constituição transitoriamente flexível – o texto constitucional é suscetível de reforma, em determinado período, com base no mesmo rito das leis comuns. Ultrapassado aquele período, passa a ser rígida.

• Semirrígida: contém uma parte rígida, para alteração das regras materialmente constitucionais e outra flexível, para a modificação das regras formalmente constitucionais. Foi o caso da Constituição brasileira do império (art. 178).

O professor Kildare Gonçalves cita ainda a Constituição fixa, que “somente pode

ser alterada por um poder de competência igual àquele que a criou (poder constituinte originário)”, sendo também conhecida como Constituição silenciosa, pois não estabelece, expressamente, o procedimento para sua reforma (tem valor apenas histórico). Cita também a Constituição imutável (granítica ou intocável), que se pretende eterna, pois se funda na crença de que não haveria órgão competente para proceder à sua reforma, sendo incomum na atualidade e normalmente relacionada a fundamentos religiosos.

Por fim, cumpre dizer que alguns manuais reconhecem ainda a existência de uma Constituição moldura que é tão somente a possibilidade do legislador atuar livremente dentro dos ditames constitucionais, funcionando a Constituição justamente como uma.

2.7. Quanto à Função

Esta classificação, apresentada pelo Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho15, tomando por base lições de José Joaquim Gomes Canotilho, não apresenta categorias que sejam logicamente excludentes, ou seja, a Constituição poderá receber mais de uma destas classificações.

Em geral, fala-se que a Constituição pode ser:

a) Garantia (quadro ou negativa): tem o escopo de assegurar os direitos fundamentais das pessoas, haja vista que toda vez que se enuncia um direito, há limitação do poder. Também é conhecida como negativa justamente pelo fato de impedir o poder arbitrário do Estado. Originou-se a partir da reação popular ao absolutismo monárquico. É denominada quadro porque há um quadro de direitos definidos e negativa porque se limita a declarar os direitos e, por conseguinte, o que não pode ser feito.

15 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 2002, p. 14-15.

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b) Dirigente (abrangente, programática ou doutrinal)16: além de organizar e limitar o poder, a Constituição também preordena a atuação governamental em um determinado sentido, por meio de planos de governo, de “programas” vinculantes (previstos em normas programáticas) seja qual for o Partido, são as chamadas diretrizes políticas permanentes. É a “Constituição do dever-ser”. A nossa Constituição Federal inspirou-se no modelo da Constituição portuguesa.

Função prospectiva – está consubstanciada na Constituição dirigente, pois se o texto constitucional é voltado para o futuro, a sua finalidade é dirigir a ação política e de toda a sociedade, segundo um modelo proposto, e para a realização de determinados objetivos, gerais ou específicos, informados pela ideia de direito nela consignada.

As normas programáticas possuem eficácia limitada, pois dependem de lei. Para

que a criação de tal lei não dependesse da boa vontade do legislador, o constituinte originário criou dois remédios constitucionais processuais para solucionar a desídia, a saber: a) mandado de injunção; e b) ADI por omissão.

Há ainda aqueles que destacam a função simbólica da Constituição, considerando o aspecto normativo-político e a realidade social em que se insere o ordenamento constitucional. Pode ser extraída em especial das normas que, no contexto da CF, revelam-se puramente instrumentais, apontando para a ineficácia da CF17.

Observações:

1. Programas constitucionais: devem ser desenvolvidos por quem se encontre no exercício do poder.

2. Direção política permanente: é imposta pelas normas constitucionais.

3. Direção política contingente: imposta pelos partidos políticos que se encontram no governo.

3. HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Resumidamente:

16 Trata-se da Teoria da Constituição de Gomes Canotilho, que buscou dar efetividade à Constituição, a serviço da ampliação das tarefas do Estado e da incorporação de fins econômico-sociais normativamente vinculantes das instâncias de regulação jurídica. Canotilho referia-se à Constituição de Portugal de 1976, marcada por diversos preceitos programáticos, voltado para a implantação de um Estado socialista. Mas com a revisão de 1989 foram excluídos diversos preceitos de caráter socialista. 17 Se por um lado a função simbólica aponta para a inefetividade de alguns dispositivos constitucionais (ex.: esperança da realização de uma sociedade justa, ligada à justiça social e à erradicação da pobreza – art. 3.º), por outro lado, não deve ser usada como fator de desoneração da responsabilidade do Legislativo e do Executivo para com seus deveres constitucionais.

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• 1824: positivada por outorga. Constituição do Império do Brasil. Havia um quarto poder: o Poder Moderador.

• 1891: positivada por promulgação. Primeira Constituição da República.

• 1934: positivada por promulgação.

• 1937: positivada por outorga (Getúlio Vargas). Apelidada de Constituição “Polaca”.

• 1946: positivada por promulgação. Restabeleceu o Estado Democrático.

• 1967: positivada por outorga. (há quem sustente ter sido positivada por convenção, pois o texto elaborado pelo Governo Militar foi submetido ao referendo do Congresso Nacional antes de entrar em vigor).

• 1988: positivada por promulgação (Constituição Cidadã).

3.1. Constituição de 1824

É a Constituição do Império, outorgada por Dom Pedro I em 1824, e teve por antecedente a declaração de independência do País, em 7 de setembro de 1822. Nossa primeira Constituição foi outorgada pelo fato de o já Imperador do Brasil, D. Pedro I, ter determinado a dissolução da primeira Constituinte, em 12 de novembro de 1823.

A Constituição foi submetida à manifestação de algumas das então denominadas Câmaras de Vilas, circunstância que não alterou seu conteúdo unilateral. Como principais pontos da Constituição Imperial, que se caracterizou pelo absolutismo na organização dos Poderes e acentuado liberalismo no tocante aos direitos individuais, destacam-se:

a) Poder Moderador (sistema quatripartite do poder) – era tido pela Constituição como “chave de toda a organização política”, “delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante”.

b) Adotava-se, nos termos do art. 4.º, a religião Católica Apostólica Romana como religião oficial do Brasil, o que o tornava um Estado Confessional.

c) Foi a Constituição com maior vigência em nosso país (de 1824 a 1889), quando então foi proclamada a República. A despeito de sua longa duração, teve pouca efetividade, pois foi a época em que o poder mais se afastou da Constituição formal.

d) Constituição semirrígida quanto a sua alteração (art. 178).

3.2. Constituição de 1891

Com a proclamação da República, a 15 de novembro de 1889, por meio do Decreto n. 1, que também estabeleceu a federação, o Governo Provisório baixou

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posteriormente o Decreto n. 29, de 3 de dezembro de 1889, nomeando uma Comissão para elaborar o anteprojeto de Constituição, que seria enviado à futura constituinte (Comissão dos Cinco, instalada dois meses após a eleição geral de 15 de setembro de 1890)18.

A CF de 1891, elaborada por um processo de convenção (voto) continha 91 artigos na parte permanente e oito nas disposições transitórias, sendo o texto mais breve de todas as nossas constituições.

Características:

a) Determinou-se a separação de Estado e Igreja, o Brasil se torna um país laico ou leigo. Era sua neutralização, por meio do processo de laicização.

b) Foi adotada a forma federal de Estado19, com a distribuição dos Poderes entre a União e os Estados, consagrando-se a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.

c) Houve ainda o seguinte: abolição das instituições monárquicas; os Senadores deixaram de ter cargo vitalício; sistema de governo presidencialista; o presidente da República passou a ser o chefe do Poder Executivo; as eleições passaram a ser pelo voto direto, em vez do descoberto (voto aberto).

3.3. Constituição de 1934

A Revolução de 1930 promoveu a queda da Constituição republicana de 1891, que teve muitos de seus preceitos violados (ex.: fraudes eleitorais, predomínio do coronelismo e das oligarquias locais etc.).

Com a Revolução de 30, o Governo Provisório nomeou ainda uma comissão para elaborar a nova Constituição, destacando-se o papel da Revolução Paulista de 1932, que exigia a restauração plena do regime democrático, pois era grande a resistência às aspirações ditatoriais de Getúlio Vargas, ao poder pessoal ilimitado e indefinido.

A Assembleia Constituinte reuniu-se no dia 15 de novembro de 1933, sendo elaborada a Constituição em 1934, por um processo de votação (promulgada), tomando-se por base a Constituição de Weimar, de 1919, tendo os seguintes traços distintivos:

18 Esclarece Paulo Bonavides que com a proclamação da República, uma singularidade ocorre na História Constitucional do Brasil: a existência de dois poderes constituintes de primeiro grau. O primeiro é o poder constituinte do Governo Provisório, revolucionário e fático, na plenitude do exercício de todas as competências; o segundo, o poder constituinte soberano do Congresso Nacional, poder de direito, emanado do anterior com a tarefa precípua de fazer soberanamente a Constituição dentro das linhas mestras da revolução republicana e federativa. 19 Adotamos o modelo federalista norte-americano, por esse fato o Brasil era chamado de Estados Unidos do Brasil. Contudo, o federalismo norte-americano foi construído por um típico processo federalista (por agregação), já que as 13 colônias existentes resolveram se unir. No Brasil o processo foi atípico (por desagragação), pois o Brasil era um Estado unitário e resolveu se desmembrar em unidades federativas.