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TEORIA DO VALOR E TRABALHO PRODUTIVO NO SETOR DESERVIÇOS

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Sadi Dal Rosso

TEORIA DO VALOR E TRABALHO PRODUTIVO NO SETOR DESERVIÇOS

Sadi Dal Rosso*

      D      O      S      S      I       Ê

APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

Na discussão contemporânea sobre transfor-mação do trabalho, os temas da materialidade e pro-dutividade de valores ocupam lugar de destaqueentre autores, seja pela crítica que é alçada à teoriado valor trabalho (Cf. Negri, 1992; Gorz, 2003), sejapela defesa e reinterpretação dessa teoria (Cf.Antunes, 1999; Amorim, 2009). Em ambos os ca-sos, a discussão que é muito vívida envolve terrenoamplo, que vai da interpretação de elementosempíricos ao campo teórico. Está em jogo a capaci-dade de a teoria do valor trabalho, com suas catego-

rias básicas – entre elas trabalho produtivo e nãoprodutivo, tempo médio socialmente necessário,valor e mais valor –, dar conta de fenômenos gera-dos pela divisão social do trabalho ou estimuladospela revolução informática. Este artigo atém-se ape-

nas a uma das questões mencionadas, a saber, aanálise e discussão da questão da possibilidade dageração de valor em atividades de serviços.

Com efeito, na teoria, valor é produzido eadicionado à mercadoria pelo trabalho socialmen-te necessário naquele momento histórico e dentrodas condições tecnológicas médias vigentes. A es-fera da produção torna-se, pois, o momento crucialpara o entendimento da geração do valor. Para queo valor seja realizado, a mercadoria necessita per-correr seu circuito completo, da produção ao con-sumo. Nas esferas de circulação, distribuição econsumo, a teoria é clara em estabelecer que valor

não é produzido, e sim redistribuído. Assim, otrabalho em atividades comerciais e atividades quepermitem o consumo das mercadorias não produznovos valores, somente permite a circulação e arealização de valores já criados. O trabalho em ati-vidades do setor primário e do setor secundárioda economia é, pois, elemento crucial para a con-cepção do valor. Entretanto, a divisão social dotrabalho desloca trabalhadores das atividades pri-márias para secundárias e para terciárias. As ativi-dades primárias saciam as necessidades das pes-

* Doutor em Sociologia. Professor do Departamento de So-ciologia da Universidade de Brasília. Pesquisador do CNPq,do Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho (GEPT) eda Rede de pesquisadores sobre Associativismo eSindicalismo dos Trabalhadores em Educação (Rede ASTE).Departamento de Sociologia. Universidade de Brasília.Cep: 70910-900. Brasília – Distrito Federal – [email protected]

Interpretações da teoria do valor trabalho encontram dificuldades em definir o papel e o lugardas atividades de serviço com relação à produção ou não de valor. Esse problema ganha magni-tude na medida em que a perspectiva histórica mostra que os serviços são grandes empregado-res de mão de obra na atualidade. Tradicionalmente, os serviços são entendidos como ativida-des não produtivas, devido ao fato, dentre outros argumentos, de que não resultam emmaterialização na forma de mercadorias, ou que não produzem novos valores e mais-valia. Oobjetivo deste artigo é examinar essa questão e sugerir a proposição de que certos serviços, quepreenchem determinadas condições, podem ser interpretados como produtivos de valor e demais-valia. O artigo examina as categorias materialidade e imaterialidade, assim como as detrabalho produtivo e não produtivo de valor, introduzindo, a seguir, critérios para distinguirtrabalhos produtivos e não produtivos de valor no setor de serviços. Com isso, pretende contri-buir para clarificar o entendimento da teoria do valor trabalho num terreno entrecruzado depolêmicas e de posições teóricas diferenciadas.PALAVRAS-CHAVE: Teoria do Valor Trabalho. Serviços. Trabalho produtivo e não produtivo. Mais-valia.

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soas, entre as quais as de alimentação, enquantoas do setor secundário ampliam muito o horizonte

das necessidades básicas para os desejos impulsi-onados pela fantasia, o que amplia as fronteiraspara a acumulação de capital. As atividades deserviços compreendem um conjunto muito gran-de de ações que possibilitam a circulação e o con-sumo, além de um conjunto enorme de outras ati-vidades a elas agregadas e de natureza diversa. Ochamado setor de serviços cresce significativamentecomo empregador de mão de obra. Sirva a distri-buição setorial do emprego no Brasil como ilustra-ção. Segundo a classificação empregada pelo Insti-

tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nocenso de 2000, tem-se que o setor primário é res-ponsável pelo emprego de 18,7% da força de tra-balho de 10 anos ou mais de idade no conjuntodo país, a indústria por 21,4% e os serviços por59,8%. Se aplicada “diretamente”, tal classificaçãopara definir trabalhos que produzem valor, 40%da população estaria empregada em atividades pro-dutivas e 60% em atividades não produtivas. Opadrão de grande emprego em atividades de servi-ço não ocorre somente no Brasil como talvez namaioria dos países do mundo. Esses númerosapontam, pois, para uma dificuldade da Teoria doValor Trabalho, de que a produção de valor envol-veria menos de metade da população empregada,o que poderia ser interpretado que se está em viasde uma sociedade pós-valor. Não parece ser esse,entretanto, o caminho. Não se estaria forçando umainterpretação de que todos os serviços se situamna esfera da circulação e são, por isso, improduti-vos? Não seria possível repensar essa questão do

trabalho produtivo e improdutivo no setor de ser-viços, de tal modo a conceber mercadorias produ-zidas nas atividades de serviços e não necessaria-mente enraizadas em formas materiais e físicas?

Para encontrar uma resposta à dificuldadeacima apontada, o esquema a ser utilizado no en-saio compreende expor sucintamente uma inter-pretação das categorias teóricas de a) materialidade,b) trabalho produtivo, e c) analisar as condiçõesteóricas para conceber alguns serviços como pro-dutivos e outros como não produtivos de valor.

TRABALHO MATERIAL E IMATERIAL

A categoria de materialidade está presentenas obras de Marx no período da formação de suaconcepção geral da história, que abrange A Ideolo-

 gia Alemã e os Early Writings, segundo o títuloexpressivo de Tom Bottomore (1963). A noção dematerialidade é o principal instrumento de críticaà elaboração filosófica idealista de Hegel (2008).Não são poucas as condenações aos equívocos fi-losóficos de Hegel que representam uma visão in-vertida de mundo, por colocar os seres humanosde cabeça para baixo. No idealismo hegeliano, a

pedra angular sobre a qual se constrói sua visãode mundo é a razão, o espírito. O espírito univer-sal se exterioriza através da cultura e da civiliza-ção. É a fenomenologia do espírito. A história é olugar da realização do espírito. Hegel parte do céupara chegar a terra. A crítica a Hegel estabelece seufundamento de concepção do mundo na noção dematerialidade. Os seres humanos são e existemcomo seres vivos que dependem da natureza (Cf.Marx; Engels, 1996). Tal entendimento concebe osseres humanos não como contrapostos à natureza,mas como seres humanos-com-a-natureza. Esseelemento muito moderno (Prigogine, 1984) de con-cepção da relação dos seres humanos com o uni-verso procede de um entendimento no qual os sereshumanos dotados de inteligência e razão constitu-em o ápice da evolução da matéria organizada,entendimento que vincula o ser humano não sóao Planeta Terra como também ao universo no qualele ocupa um pequeníssimo ponto perdido. SeHegel (2008) constrói sua visão de mundo a partir

do espírito absoluto como início e fim da história,Marx a edifica a partir da materialidade, da maté-ria organizada, dos seres vivos em ação. Amaterialidade, contraposta à razão ou ao espírito,como elementos fundantes da concepção do mun-do, é categoria basilar na elaboração originária deMarx. Ela exerce papel relevante nas críticas e nasconstruções marxianas posteriores. Ela é funda-mental para a crítica ao direito de propriedade epara a reivindicação de que os bens sejam comunsou socializados de maneira igualitária entre todos.

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A propriedade das terras e dos capitais não sãosenão usurpações a que estão submetidos os mais

fracos. Nessa mesma direção, a noção dematerialidade está presente na construção da teo-ria do valor trabalho. A unidade básica da acumu-lação de capital é a mercadoria. E a mercadoria éum objeto que satisfaz necessidades objetivas edesejos da mente e da fantasia.

Hoje em dia, uma parte da literatura filosó-fica e sociológica retoma a categoria imaterialidade.Os termos empregados no embate filosófico são deidealismo, ideias, espírito, espírito absoluto, ra-zão, razão universal. O emprego da categoria não é

exatamente em sua concepção filosófica decontraposição do ideal ao material. Antes, a dis-cussão toma o sentido de trabalho imaterial, pen-sado como emprego em atividades de serviço. Tema ver com a teoria do valor trabalho e não com acategoria filosófica de imaterial contraposta ao ide-alismo. Duas vertentes, das quais se originaram osproblemas contidos na discussão sobreimaterialidade nos dias de hoje, serão abordadasneste ensaio. Bastante distintas entre si, as verten-tes apontam para um mesmo fenômeno social. Amais antiga delas é representada pela tradição eco-nômica e sociológica anglo-americana de análiseda assim chamada composição setorial da força detrabalho. A mais recente está representada pelacrítica filosófica à insuficiência da teoria do valortrabalho, centrada sobre mercadorias essencialmen-te imateriais, para cuja produção a noção de tem-po médio socialmente necessário não mais respon-deria às exigências da imaterialidade.

A tradição anglo-americana opera basica-

mente com a noção de alocação ou distribuiçãosetorial da força de trabalho empregada. Como podeser definida, dividida, classificada a força de tra-balho? Pela alocação dos trabalhadores em setoresde atividade econômica, tão homogêneos entre siquanto possível e suficientemente distintos unsem relação aos outros. A classificação não obede-ce, pois, a critérios arbitrários, antes procede a partirde separações criadas pelo próprio processo dedivisão social do trabalho sobre o qual economis-tas e sociólogos clássicos tanto escreveram. Muito

antes de C. Clark (1940), já se falava de populaçãoocupada na agricultura e na indústria, sendo essa

divisão entre indústria e agricultura o resultadode um processo em que a agricultura foi submeti-da à lógica da produção industrial. Ao serconstruída, a classificação trissetorial (primário.secundário e terciário; ou agricultura, indústria eserviços) serviu de modelo também para as agên-cias de coleta de dados, bem como manteve-se pre-sente nas discussões econômicas e sociológicas.A observação empírica da distribuição setorial daforça de trabalho permitiu deduzir dois modelosdistintos de transformação, pelo menos. O primei-

ro, em que a força de trabalho passava de uma faseeminentemente primária para uma ocupação ma-joritariamente industrial e daí para a ocupação emserviços, fenômeno que começou a ser percebidojá nos anos 1950 e que descreve relativamente bema experiência histórica vivida pelos países capita-listas mais antigos e mais ricos, localizados proxi-mamente aos centros do império mundial. Já nospaíses periféricos e submetidos, países de capita-lismo tardio, alguns dos quais alcançaram sua in-dependência somente no século XX, observou-seque seguiam outro modelo de transformação, quepassou a ser entendido como próprio de sua con-dição subdesenvolvida e ex-colonial. De composi-ção inicial eminentemente agro ou mineral-expor-tadora, esses países saltaram para a condição deemprego de sua mão de obra majoritariamente nosramos de serviços. Saltam a fase de ocupação ma-joritariamente em postos de trabalho industrial econstituem os serviços como grandes empregado-res de sua força de trabalho. Sabe-se que muitos

desses serviços constituem postos de empregodeteriorados qualitativamente, e que essas multi-dões, que, a partir dos anos 1950, passaram a bus-car habitação e trabalho nas cidades, transferiu suamiséria para os centros urbanos.

Estudos que têm como pano de fundo es-ses dois modelos de transformação setorial da for-ça de trabalho foram levados a termo em muitospaíses, entre os quais os Estados Unidos (Bell,1973; Browning; Singelmann, 1975; Fuchs, 1968),a França (Touraine, 1975), a Itália (Olagnero, 1982)

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e o Brasil (Dal Rosso, 1978). Os processos de trans-formação setorial da ocupação da mão de obra, o

fato da concentração majoritária do emprego ematividades de serviços, assim como propostas asmais diversas de classificação da distribuição damão de obra por setores de atividade constituemobjetos presentes em quase todos os estudos. Quesão serviços? Nesse ponto, principia uma infindáveldiscussão conceitual que se estende até os dias dehoje, sem o encontro de uma solução consensualpara o que são serviços, sua natureza, seus papéiscomo empregadores de mão de obra e, para os ob-jetivos deste artigo, como se relacionam serviços e

produção de valor. Que serviços são trabalhos nãocabem dúvidas. A definição, entretanto, é abstratae geral. Serviços não são atividades que produzembens materiais, necessariamente. Mas é possívelpensá-los como produtores de mercadorias de tipoimaterial? Fuchs tratou-os como atividades nãotangíveis. Outros reservam simplesmente a expres-são serviços para entender o emprego global ematividades que não são industriais nem extrativistas(Olagnero, 1982; Almeida, 2005). Serviços foraminterpretados pelos autores das mais diversas ma-neiras. Bell (1973) entendeu a transição para osetor de serviços a partir da forte expansão dasuniversidades e do sistema educacional e de pes-quisa como a via para a sociedade da inteligência,certamente uma exacerbação do modelo norte-ame-ricano observado em direção a um padrão mundi-al. É comum a todas as perspectivas o entendi-mento de que a força de trabalho que opera nosetor industrial está se reduzindo nos países capi-talistas e que a alocação setorial da força de traba-

lho concentra-se nas atividades de serviço. Pode-se pensar que a concentração do emprego em ati-vidades de serviço seja base para a rediscussão dateoria dos movimentos sociais e de classes. Kon(1999) realiza uma crítica severa de conceitos etipologias empregados nas classificações das ativi-dades de serviços. O argumento principal é que anatureza dos serviços sofreu transformações, o queforneceria base para mudar definições e classifica-ções. Cita um esforço de modernização dessa clas-sificação com base na “produção dentro do con-

texto de um sistema interativo de oferta e deman-da” (Kon, 1999, p. 80), no qual as principais fun-

ções que deveriam ser mantidas seriam a manufa-tura, a circulação, a distribuição e a regulação. Osistema proposto não parece ter ganhado a simpa-tia dos organismos produtores de dados estatísti-cos, que continuam a operar com sistemas dife-renciados de definição e classificação. Se impor-tantes relativamente à questão da interação entreesferas da economia, as críticas de Kon não auxili-am no tocante à discussão da produção ou não devalor em serviços, objetivo maior deste ensaio.

A segunda vertente do debate contemporâ-

neo sobre imaterialidade é representada pela pro-dução filosófico-sociológica, que se baseia, por umlado, no impacto devastador das mudançastecnológicas da assim chamada revoluçãoinformática sobre a estrutura de produção e deserviços e, por outro, na crítica de supostos limi-tes inquestionáveis da teoria do valor trabalho(Antunes, 1999). Os limites da teoria do valor tra-balho seriam atingidos no momento em que os tra-balhadores deixassem de ser produtores diretosde valor. Quando a produção de mercadorias nãoexigisse mais o concurso do trabalho humano, es-taria alcançado o limite e a teoria cessaria de seaplicar. É na contemporaneidade que o impactoda tecnologia e da inovação se faz sentir com forçamáxima. Entretanto, nem hoje tal limite pode serimaginado como atingido, por uma simples razão.Mais do que nunca, a acumulação capitalista em-prega tanto trabalho humano. Como imaginar queo trabalho não é mais utilizado quando, como sesabe, todos os dias, nada menos do que dois bi-

lhões e setecentos milhões de pessoas (Lee;McCann; Messenger, 2009) de todos os cantos domundo levantam-se e dirigem-se a seus postos detrabalho, aí permanecendo oito horas diárias oumais no cativeiro do labor, produzindo valores.Como então supor que a produção de mercadoriasnão requer mais o concurso do trabalho? OsGrundrisse  contêm um capítulo em que Marx(1973) escreve que o fim da teoria do valor traba-lho seria alcançado quando os trabalhadores dei-xassem de ser produtores diretos para serem

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controladores de máquinas. A condição dos traba-lhadores como controladores de máquinas certa-

mente se realizou, pois um dos pilares do toyotismoconsiste em trabalhadores controlarem diversosequipamentos operando simultaneamente e reali-zando tarefas diferentes. Mas a produção do valornão cessou, porque, a despeito da mediação dasmáquinas, os trabalhadores continuam produzin-do diretamente bens e especialmente serviços coma aplicação de seu trabalho vivo. Tal avançocivilizatório a sociedade mundial ainda não alcan-çou. A teoria do valor trabalho estaria em jogo senão fosse capaz de oferecer elementos conceituais

para interpretar uma sociedade em que a força detrabalho está majoritariamente empregada em ser-viços. Serviços de toda a ordem passaram a ser os

 loci de empregos da grande maioria dos trabalha-dores assalariados. Coloca-se, pois, a questão: osserviços são produtivos de valor ou improduti-vos? Pensar o conjunto dos serviços como impro-dutivos decorre de uma visão de que somente aatividade que resulta em alguma forma dematerialização da mercadoria é produtiva. Comisso, confina-se o trabalho produtivo às esferas doemprego no setor primário e secundário, o queparece ser um problema.

Negri e Lazzarato (1990) expandem a noçãode imaterialidade para muito além dos meios co-municativos, informativos e de propaganda, que serealizam no terreno da circulação das mercadorias,e compreendem a imaterialidade como a produçãoda subjetividade. A produção da subjetividade está,em alguma medida, sujeita à esfera do capital. Exis-tem outras situações de produção da subjetividade

que estão completamente fora do âmbito de contro-le do capital. Seria o caso da produção e circulaçãode conhecimentos populares, que não é controladapelo capital. É uma concepção que mantém algumasemelhança com a concepção de ‘mundo vivido’ daEscola de Frankfurt. As esferas sujeitas àracionalidade instrumental, controladas pelo poderpolítico e pela moeda, opõem-se ao mundo da vida,onde é produzida a subjetividade e, especialmente,a comunicação afetiva.

Gorz (2003) é figura polêmica. Seu Adeus

ao proletariado não constitui apenas resultado deconstatações empíricas, como a maioria dos estu-

dos realizados sobre a transformação da alocaçãosetorial da força de trabalho, mas uma crítica pro-funda do conjunto da teoria marxista. Seu livrorecente, O Imaterial , representa um descolamentodo espírito de Adeus ao Proletariado e pode serinterpretado até mesmo como um passo ao reen-contro com Marx. Gorz (2003) bebe em Negri econcebe igualmente a imaterialidade indo para alémdos controles do capital. A imaterialidade repre-senta, por exemplo, o papel dos conhecimentosagregados dos quais, necessariamente, qualquer

pesquisador usufrui gratuitamente e que são pre-servados por grupos ou pelo conjunto da socieda-de. A noção aplica-se para outras esferas como ada comunicação, dos conhecimentos populares,da cultura, da socialização, da formação de gru-pos. Gorz (2003) dá o mesmo passo que Negri quan-do fala da produção da subjetividade. E, da mes-ma maneira que aquele, constata que aimaterialidade avança para bem além do que o ca-pital consegue controlar. Com o que visualiza doiscenários futuros possíveis. Um em que os cida-dãos conseguem controlar a expansão do capital emanter as esferas de produção da imaterialidadelivres dos controles do capital. E o outro em quetoda a produção da imaterialidade recai sob o con-trole capitalista, quando imagina o mundo comouma espécie de Matrix gigante, um Inferno de Dante.

A categoria de imaterialidade conduz Hardt,Negri, Lazzarato, Gorz, Cuoco a captarem elemen-tos da imaterialidade não apenas nos setores de ati-vidades chamados serviços, em que se coloca a

questão da produção do valor e, consequentemente,do trabalho produtivo e do não produtivo, comotambém de produção de valores, de conhecimen-tos populares, produção de subjetividades, socia-bilidades etc., entendidos como elementos comunsaos participantes da aventura terrestre. A críticamaior desses autores parece provir da noção daimaterialidade da mercadoria, que não estaria su-jeita à medição pelo tempo médio socialmente ne-cessário. Uma crítica sistemática, profunda e re-cente a respeito de imaterialidade e subjetividade

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e suas implicações para o plano político é encon-trada no pequeno livro de Amorim (2012), Valor-

trabalho e imaterialidade da Produção nas Socie-dades Contemporâneas, e sobre a economia políti-ca do imaterial em Prado (2006). Fragilidades adi-cionais da crítica à teoria do valor trabalho sãoindicadas abaixo, ainda que, sem maior desenvol-vimento. Em primeiro lugar, toda a mercadoria,por mais que se revista da forma de bem material,sempre procede do trabalho humano em sua tota-lidade, a saber, envolvendo capacidades físicas,mentais e afetivas. Dessa forma, não seriam ape-nas as mercadorias, que têm mais conteúdo

imaterial, que estariam sujeitas à restrição damensuração do tempo médio, e sim todas as mer-cadorias. Dessa forma, a teoria do valor trabalho,em si mesma, não seria possível. Em segundo lu-gar, o trabalho humano continua sendo demanda-do intensamente, conforme foi indicado anterior-mente pelo número de bilhões de pessoas envol-vidas diariamente no labor, exatamente nos diasde hoje, quando a modernidade e a inovaçãotecnológica atingem seus pontos mais elevados. Emterceiro lugar, a medida do tempo médio social-mente necessário continua sendo empregada comocritério para remuneração de salários no mercadocapitalista. Em quarto lugar, a análise da duraçãoda jornada de trabalho, em todo o mundo, permi-te estimar o trabalho excessivo (trabalho para alémde 48 horas semanais) na proporção de 22% daspessoas que trabalham (Lee; McCann; Messenger,2009, p.55), convalidando a importância da dura-ção da jornada e do tempo médio socialmente ne-cessário. Em quinto lugar, o trabalho imaterial é

entendido como se fosse um labor de natureza di-versa em relação ao trabalho material. Como se otrabalho imaterial somente consumisse energiasespirituais do trabalhador. Mas o trabalhador é umser uno. Em todos os tipos de labor, ele despendeenergias físicas, intelectuais e afetivas. Em sextolugar, o trabalho em atividades de serviços e o tra-balho imaterial não são menos precarizados do queo trabalho em outras esferas do labor.

Antes de passar para o capítulo dedicadoao trabalho produtivo e improdutivo vale ressaltar

uma conclusão: as categorias materialidade eimaterialidade têm incidências sobre a formulação

da teoria do valor trabalho. Desde a enunciaçãooriginária da teoria, a mercadoria jamais foi com-preendida como bem material, físico, apenas. Mer-cadorias são produzidas para saciar necessidadesmateriais ou para atender a desejos da fantasia(Marx, 1975). Desejos do espírito, que não sãoaportes da modernidade e são encontrados em to-dos os momentos da história humana, podem sertambém mercadorias, atendidas certas condições.

TRABALHO PRODUTIVO E NÃO PRODUTIVO

O tema do trabalho produtivo e do trabalhonão produtivo aparece em muitos lugares na obrade Marx, dos quais dois textos são fundamentais.O primeiro contém um tratamento histórico críticoe está contido no primeiro volume das Teorias da

 Mais-Valia (Marx, 1977) e que, em razão de ser umadiscussão da literatura, não será analisada nestacontribuição. O segundo tratamento ao tema é deordem conceitual e está contido no chamado Ca-pítulo Inédito do Volume I de O Capital . Nessetexto, Marx procura trabalhar conceitualmente ecom mais detalhes o tema do trabalho produtivo edo trabalho não produtivo. Amorim (2009, p.53-58) realiza uma análise profunda do Capítulo Iné-dito. Encabeça o texto com o título “Produção In-dustrial e Serviços, Trabalho Produtivo e Impro-dutivo”, estabelecendo subliminarmente uma re-lação simétrica entre os termos. Interpreta trabalhoprodutivo e improdutivo dentro do sistema pro-

dução social em seu conjunto: “Nesse processode produção social, alguns trabalhadores mais li-gados aos instrumentos manuais de produção, aosmeios de trabalho em geral, e outros mais ligados atrabalhos cognitivos cooperam para que a produ-ção se desenvolva cada vez mais [...]”. E conclui,empregando a mesma estratégia argumentativa desimetria e relação entre os termos: “Nas várias for-mas de trabalho abstrato há aqueles que produ-zem mais-valia e aqueles que reproduzem/fazemcircular a mais-valia – são respectivamente traba-

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lho produtivo e trabalho improdutivo”. Uma in-terpretação coerente que se destaca por facultar

implicações políticas imediatas.O chamado capítulo VI Inédito (Cf. Marx,1978) trata do trabalho produtivo e não produtivona primeira parte, intitulada “Resultados do Pro-cesso Imediato de Produção, em que a produçãocapitalista é entendida como produção da mais-va-lia”. Nessa primeira parte, as duas questões impor-tantes tratadas são a subsunção formal e a subsunçãoreal do trabalho ao capital. Somente após tal escla-recimento conceitual da transição da subsunção for-mal para a subsunção real é que Marx parte para

aprofundar o tema do trabalho produtivo e do tra-balho não produtivo. Dez páginas é o espaço quededica ao esclarecimento dessas questões.

Inicia a discussão pontilhando firmementea noção de trabalho produtivo. “É produtivo o tra-balhador que executa o trabalho produtivo, e éprodutivo o trabalho que gera diretamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital” (Marx, 1978,p.71). O critério para o trabalho ser produtivo égerar diretamente mais-valia. Com esse tratamen-to, Marx retira duras conclusões. A primeira refe-re-se à subsunção real. Dentro da subsunção real,os vários agentes do processo direto de trabalhosão entendidos como trabalhador coletivo: é o casodo diretor, do engenheiro, do técnico, do capataz.Ainda que eles não sujem suas mãos com graxa,são produtivos na medida em que fazem parte deum grupo, o trabalhador coletivo. A segunda con-clusão é de que não basta ser trabalho assalariadopara ser trabalho produtivo. Há que produzir dire-tamente mais-valia. Se o trabalhador é assalariado,

mas não produz diretamente mais-valia, não au-menta o valor produzido pelo trabalho e apropria-do como mais-valia, não é trabalho produtivo. Apartir desse ponto, Marx começa a analisar um temaespinhoso, que até os dias de hoje provoca a mai-or discussão e as maiores divergências. Desde suaépoca, os serviços constituíam um setor em queparte da força de trabalho labutava.

Em princípio, para Marx, o trabalho nas ati-vidades chamadas de serviços é improdutivo. Arazão para essa afirmação consiste na relação

construída, que é uma relação entre trabalho troca-do por dinheiro e não trabalho trocado por capi-

tal. Os serviços permanecem no nível de valoresde uso. São consumidos como valores de uso enão como valores de troca. Não respondem ao cri-tério de produzir diretamente mais-valia. “Por con-seguinte, não são trabalhos produtivos e seus exe-cutantes não são trabalhadores produtivos” (Marx,1978, p.73). Com esse argumento geral, a questãoparece estar encerrada para Marx. Os serviços sãotrabalhos improdutivos e ponto final. Entretanto,o problema é mais complexo. Não existiriam ser-viços que poderiam ser concebidos como produti-

vos? Não existiriam trabalhos imateriais que pode-riam ser compreendidos como produtivos? Todosos serviços seriam inexoravelmente improdutivos,no sentido de não valorizarem o capital? Como oassunto é espinhoso, Marx estende a discussãopor várias páginas, tentando resolver o problemade ordem conceitual e teórica. Constitui um exer-cício instigante seguir os passos do argumento.Convido os leitores a seguir a trilha da discussão.

O filósofo traz para o foco da discussão vá-rias atividades “envoltas outrora por uma auréola”(Marx,1978, p.73) e que, como tal, eram exercidasgratuitamente ou pagas indiretamente, no contex-to histórico da Inglaterra. Entre elas, “os profissio-nais, os médicos, os advogados”, que mais tardepassaram a ser remunerados em salários. Sua listaé maior e compreende inúmeras atividades quevão “desde a prostituta até o rei”, passando pelafigura do soldado, como escreve desafiadoramen-te. Essas atividades não constituem trabalho pro-dutivo, porque nelas os trabalhadores simplesmen-

te “trocariam serviços por dinheiro”. Estariam emrelação de assalariamento, e não propriamente detrabalho produtivo para o capital. Aqui há espaçopara uma boa discussão, uma vez que o argumen-to de Marx está limitado ao contexto da Inglaterrade sua época. Muitas dessas atividades profissio-nais – entre as quais o exercício da medicina, daodontologia, das engenharias, o trabalho dos quí-micos, dos biólogos, dos advogados – foramproletarizadas, isto é, passaram a ser exercidas porempresas que buscam aumentar a valorização do

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seu capital com o trabalho desses profissionais.Em tais condições, essas atividades são produti-

vas, porque valorizam o capital. Contribuem paraa criação de mais-valia, nessas circunstâncias. Tal-vez, nos dias de hoje, melhor seria organizar oargumento com uma distinção. A mesma atividadeprofissional pode ser produtiva se organizada sob aforma de uma exploração do trabalho vivo por indi-víduo ou empresa, ou improdutiva se significa sim-plesmente a troca de serviços por dinheiro, comoacontece com muitos profissionais liberais e cientí-ficos que operam individualmente e sãoautoempregados. Essa dupla perspectiva já estava

presente na cabeça do autor quando escreve que“um trabalho de idêntico conteúdo pode ser, por-tanto, produtivo e improdutivo” (Marx, 1978, p.75).

Outras situações hoje conhecidas como ser-viços esclarecem a aplicação dessa noção deduplicidade. Quatro casos significativos são apre-sentados. Primeiro, John Milton, poeta que escre-veu O Paraíso Perdido, é um trabalhador improdu-tivo (pelo critério de valorização do capital), aindaque tenha escrito uma obra genial. Já “o escritorque proporciona trabalho como de fábrica a seulivreiro, é trabalhador produtivo” (1978, p. 76).Segundo caso: como é entendido o trabalho dacantora, uma produtora eminentemente imaterial?Enquanto ela “entoa como um pássaro” e receberemuneração por isso é trabalhadora improdutiva.“Mas a mesma cantora, contratada por um empre-sário, que a faz cantar para ganhar dinheiro, é umtrabalhador produtivo, já que produz diretamentecapital” (p.76). Terceiro caso: com o professor ocor-re a mesma coisa. Desde que contratado para valo-

rizar o dinheiro do empresário da instituição quetrafica com conhecimento, “é trabalhador produti-vo”. Quarto caso: atividades conhecidas como por“conta própria”, segundo os critérios do IBGE, aexemplo de alfaiataria e jardinagem. Elas podemser apenas troca de trabalho por dinheiro, condi-ção em que o trabalho não é produtivo, ou podemser trabalho produtivo, “por constituir um momen-to do processo de autovalorização do capital.”(p.76). Esses quatro exemplos – do escritor, dacantora, do professor, do alfaiate e do jardineiro –

proporcionam elementos que contribuem para re-solver a questão dos serviços. Marx não entendia

que apenas o trabalho material fosse produtivo. Otrabalho imaterial também é produtivo desde queatenda ao critério de “gerar diretamente mais-va-lia”. Esclarece ainda a questão do autoemprego eas condições em que é trabalho improdutivo.

No texto, entretanto, encontra-se uma con-sideração que minimiza o lugar dos serviços nasociedade, as tendências futuras do emprego porsetores de atividade e a capacidade de essas ativi-dades empregatícias de serviços serem exploradasde modo capitalista. “Constituem magnitudes in-

significantes se comparados com o volume da pro-dução capitalista. Por isso, se deve fazer caso omis-so desses trabalhos, e tratá-los somente a propósi-to do trabalho assalariado, sob a categoria de traba-lho assalariado que não é ao mesmo tempo traba-lho produtivo” (1978, p. 76). Essa consideração,apresentada imediatamente após distinguir, demaneira esclarecedora, em que situação um traba-lho profissional é produtivo e em que condição éimprodutivo, pode ser atribuída ao contexto daépoca, isto é, à pequena importância do setor deserviços na alocação dos empregos e na geração doproduto total. Hoje em dia, o trabalho em serviçoscompreende a maior parte dos empregos das eco-nomias centrais e periféricas, não podendo, por-tanto, ser pensado como “caso omisso”.

O último ponto colocado para apreciaçãodos participantes desta discussão refere-se ao tra-tamento da questão da imaterialidade e da produ-tividade. Ela é analisada com uma linguagem rís-pida. Chama de “mania” a forma de definir o tra-

balho produtivo segundo seu conteúdo material(Marx, 1978, p. 73). Como foi dito anteriormente,o critério definidor do valor do trabalho consistena capacidade de “gerar diretamente mais-valia”, enão na materialidade ou imaterialidade do conteú-do ou do produto. A “mania” de ver a produçãodo valor somente nos trabalhos com conteúdomaterial adviria de uma concepção fetichista queconsidera a qualidade de ser produtivo como de-corrência inerente aos repositórios materiais des-sas determinações, de uma concepção segundo a

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qual só é produtivo o trabalho que resulta em umproduto material e da consideração da relação que

está em voga. Se de um alfaiate se compra a calçaou seu serviço, “isto me é totalmente indiferente”(1978, p. 78). O que importa é verificar se a relaçãoé de troca simples de serviço ou objeto por dinhei-ro, ou se de trabalho que visa a aumentar o valordo capital. “A diferença entre o trabalho produtivoe o improdutivo consiste tão somente no fato de otrabalho trocar-se por dinheiro como dinheiro oupor dinheiro como capital” (p. 79).

A análise da produção não material é difícilaté os dias de hoje. As atividades de serviço po-

dem ser vistas de muitos ângulos e segundo mui-tas de suas características. Uma das questões, porexemplo, é se os chamados serviços são ativida-des completamente imateriais, intangíveis. Impul-sionado por esses desafios, Marx prossegue dis-tinguindo entre situações que envolvem “merca-dorias que existem isoladamente em relação aoprodutor” e situações em que o “produto não éseparável do ato de produção” (1978, p. 79). Oprimeiro caso de produção não material, mas queo produto se separa do executante, é representadopelo caso de livros, quadros e produtos artísticos.Esses casos representam formas de transição parao modo de produção apenas formalmente capita-lista. O segundo caso é exemplificado pelo médi-co e pelo professor, e, nele, “o modo capitalista deprodução só tem lugar de maneira limitada”. Emambos, a relação capitalista encontra-se sob umaforma restrita ou representa formas de transição.Na sociedade contemporânea, já não são mais for-mas de transição nem limitadas. São atividades

inteiramente capitalistas.A discussão conduz ao seguinte entendi-mento: as atividades desenvolvidas nos setores deserviços são improdutivas quando organizadas demaneira a trocar serviços por remuneração, mes-mo que envolvendo algum substrato material, comolivros, quadros, obras de arte, softwares; e são pro-dutivas, quando organizadas como meio para am-pliar o capital inicialmente investido. Essa com-preensão rasga o “setor” de serviços em duas par-tes: uma não produtiva, outra produtiva. A próxi-

ma sessão discutirá critérios para o estabelecimentode condições para um e outro caso. A concepção

assim estabelecida garante uma coerência com o fe-nômeno social do emprego em serviços, assim comocom a necessidade de uma teoria que garanta papelexplicativo para a maioria dos casos considerados.

TRABALHO PRODUTIVO E NÃO PRODUTIVOEM SERVIÇOS

Há formulações que consideram os servi-ços como marginais no conjunto das atividades

do mundo capitalista. A chamada teoria damarginalidade contém, em alguma medida, esseviés. Conquanto ela acentue a desigualdade e aprecarização, dificulta o entendimento da alocaçãoda mão de obra. Não pode ser chamado de margi-nal um setor que ocupa mais de metade da popu-lação em condições de atividade. O censodemográfico do ano 2000, no Brasil, dá conta deque 60% da população em idade ativa efetua seulabor diário em serviços. Ferreira e Velloso (2013,p. 144) operam com informações ainda mais re-centes, segundo as quais a percentagem das pes-soas ocupadas em serviços alcançaria 63% daspessoas ocupadas em 2005, no Brasil. Tendênciasemelhante de crescimento continuado da propor-ção de emprego em serviços pode ser verificadano censo de 2000. Os autores apresentam aindauma tabela mais ampla da evolução do empregoentre 1950 e 2005. A absorção da mão de obra pelaindústria mantém-se praticamente constante emtorno do patamar de 20%. A percentagem de em-

prego na agricultura e em outras atividades primá-rias cai do patamar de 62% para 19% do empregoda mão de obra, enquanto a ocupação em serviçosfaz um movimento inverso, alçando-se da percen-tagem de 20% para 63 %, no mesmo intervalo. Oentrecruzamento da linha de empregos na agricul-tura e da linha de ocupação em serviços teria ocor-rido em torno a 1975, quando era vigente a políticaeconômica desenvolvimentista do regime militar, queacentuou vigorosamente a modernização e a capita-lização das atividades extrativas e do rural, resul-

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tando em massivos deslocamentos migratórios, comexpulsão de trabalhadores do campo para a cidade.

O Brasil realizou a transição da predomi-nância do emprego no setor primário para o em-prego no setor terciário sem conhecer a experiên-cia de transformar-se em sociedade industrial, se-gundo o critério de percentagem de empregos. Essetem sido também o destino da maior parte das so-ciedades subdesenvolvidas, nela incluídos paísesda América Latina, da África e de boa parte daÁsia. Nessa conta, precisam ser acrescidas aindaas nações industrializadas de capitalismo tardio.Tudo somado, tem-se como resultado uma propor-

ção muito grande da população mundial laborandoem atividades classificadas pelas agências estatís-ticas como serviços. Esses dados expõem uma di-ficuldade para a interpretação da teoria do valortrabalho se os trabalhos no setor de serviços foremconcebidos globalmente como não produtivos.

Cabe, então, reexaminar as classificações nãoa partir das coerências intrínsecas a setores, ramose grupos de atividades, mas considerando pressu-postos da teoria do valor trabalho. A teoria do valortrabalho foi construída para analisar criticamente osistema capitalista, em que a força de trabalho é as-salariada (Marx, 1975). O entendimento do sistemadá-se por meio das categorias de mercadoria, valore mais-valor, pelas quais o resultado do trabalhopode ser maior do que os gastos efetuados com pa-gamento da força de trabalho, dos meios, instru-mentos, matérias primas etc. necessários à produ-ção de uma mercadoria. Torna-se crucial, pois, paraa teoria do valor trabalho, distinguir atividades pro-dutivas de atividades não produtivas no conjunto

da economia e da sociedade. Importa ressaltar queo debate sobre trabalho produtivo e não produtivoe o debate sobre classificações de alocação setoriallaboral são de natureza inteiramente diversa. A teo-ria do valor preocupa-se com as categorias de valore mais valor. As classificações censitárias da alocaçãosetorial da força laboral buscam responder aos prin-cípios de homogeneidade e de interdependênciadas atividades. Admitida a diversidade da nature-za de cada campo de discussão, cabe aprofundar adiscussão sobre mercadoria, valor e mais-valia,

quando relacionada ao setor de serviços.A literatura é fortemente inclinada a assu-

mir a tese de que o grande setor de serviços é com-posto centralmente por atividades não produtivas,interpretação que apresenta o problema de expli-car um sistema que se baseia sobre um alicercereduzido, se empregada a distribuição da forçalaboral como critério. Assim, no caso brasileiroacima indicado, a força de trabalho estaria com 60%de seu espaço de emprego ocupado em atividadesnão produtivas, segundo o critério de valor. Empaíses onde os serviços ocupam maiores espaços,essa proporção pode manifestar-se ainda superior.

E como há uma tendência no sentido de migraçãoda inserção laboral para atividades de serviço, oproblema apresenta perspectivas de se agudizarainda mais.

Como os critérios empregados pela teoriado valor trabalho e pelas classificações censitáriasde atividades não são equivalentes, há queaprofundar a discussão no sentido de discutir setodas as atividades de serviço devem ser conside-radas como não produtoras de mais valia, ou senão haveria atividades, ditas de serviço, que sãoprodutivas de valor. Essa discussão ganha senti-do, entre outros argumentos, a partir da divisãosocial do trabalho implementada pela políticaneoliberal recente na economia. Um primeiro ar-gumento consiste no fato de que o neoliberalismopromoveu uma transformação estrutural das em-presas, expulsando de dentro das fábricas ativida-des que, fazendo parte da rede produtiva, aindaassim podiam ser terceirizadas. Esse argumentonão deve conduzir à aceitação da ideia de que to-

das as atividades terceirizadas, de fábricas ou deempresas primárias, sejam produtoras de valor. Háaquelas que são e aquelas que não são produtivas.

Cabe ainda indicar que o movimento de as-censão do emprego no setor de serviços começouantes da vigência das políticas neoliberais, inicia-das a partir de meados da década de 1970. O pro-blema reside, essencialmente, em saber em que seassenta a produção da mais valia. Não basta, porconseguinte, viger o sistema de assalariamento. Éimprescindível distinguir o papel da atividade na

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cadeia da produção do valor. Pergunta-se, então,se somente as atividades que se materializam em

mercadorias produziriam valor. Esse critério pare-ce excessivo, pois há mercadorias que não se ma-terializam imediatamente. Assim, cantores, quan-do se apresentam em shows e programações, so-mente produziriam valor no momento em que suasmúsicas se materializassem em DVDs, CDs ou emoutras formas de mercadorias transacionáveis. Nocaso de shows musicais, atividades teatrais, óperas,balés, danças e outros tipos de apresentações artís-ticas, quando realizadas sob a forma empresarial,havendo a produção e a circulação de mercadorias

que exigem a presença simultânea do produtor e doconsumidor, parece excessivo que não sejam com-preendidas como produtivas de valor. As “indús-trias” da música, dos concertos, das artes cênicas,produzem mercadorias, não apenas quando mate-rializadas em suportes físicos, mas também quandoa arte mercadoria circula dos produtores aos consu-midores em performances diretas.

O problema enfrentado é se alguns serviçospodem gerar mercadorias e valor. Na busca de umasolução, importa ressaltar que a discussão se refereà possibilidade de alguns serviços produzirem mer-cadorias que circulam pelo espaço econômico, per-fazendo o circuito de produção, circulação e consu-mo, como é próprio das mercadorias. Rubin (1972,p. 69) escreve: “[...] valor 1) é uma relação socialentre pessoas, 2) que assume uma forma material e3) está relacionado ao processo de produção”.

Serviços produzem mercadorias, valor emais valia quando estiverem presentes as condi-ções de serem executados por trabalho assalariado

contratado, com o fim de realizar ganhos e se, pormeio do trabalho, houver produção e circulaçãode mercadoria de tal modo que o valor se realize,resultando em mais valia que pode ser apropriadapelos contratadores ou por outras agências do ca-pital. Há serviços que se materializam imediata-mente em produtos, o que torna mais fácil o reco-nhecimento da presença de mercadorias, de valore de mais valor, por assumirem uma forma materi-al, na expressão de Rubin (1972). Em belas artes,pintura, escultura, desenho, arquitetura, fotogra-

fia e cinema apresentam separadamente a fase daprodução e do consumo, completando claramente

o processo de comodificação. O circuito de pro-dução, circulação e consumo coloca-se como ne-cessário para que a obra de arte passe pelo merca-do e realize, assim, seu valor. Outros não, poisprodução, circulação e consumo realizam-se aomesmo tempo, como é o caso de shows, apresenta-ções musicais e teatrais, balés, danças, as artes deperformance e outras modalidades artísticas. Aprodução simultânea à circulação e ao consumonão impede que o serviço seja entendido comoprodutivo de valor, uma vez que importa a pre-

sença do trabalho assalariado, da mercadoria e damais valia. Os esportes constituem outras ativida-des de serviços em que existe a possibilidade dematerialização da mercadoriaex post , sem deixarde se estabelecer um processo completo demercadorização também durante a performance.

Agrupamentos de atividades em que os ser-viços apresentam a característica de produção demercadoria, com a possibilidade da apropriaçãode mais-valia, mereceriam acurados estudos espe-cíficos e poderiam incluir, entre outros: reparaçãode veículos automotores; conserto de objetos pes-soais e domésticos; alimentação e restauração; trans-porte, armazenagem e comunicação; alguns servi-ços prestados a empresas, tais como internet e redede comunicações; educação, saúde e outros servi-ços exploradas privadamente, como fornecimentode energia, telefone, abastecimento de água, limpe-za e coleta de lixo (Cf. Dowbor, 2006); e serviçoscoletivos, como cultura, arte, esporte e outros servi-ços apresentados acima nesta comunicação.

Se todos os serviços forem entendidos como faux frais tão somente, ergue-se um imenso obstácu-lo metodológico e conceitual, a partir do qual o capi-talismo assentar-se-ia sobre uma pirâmide invertidados agentes de produção do valor. Seriam os traba-lhadores produtores de valor proporcionalmente emnúmero menor que os trabalhadores não produti-vos? Que implicações decorrem dessa compreensãopara a crítica do capitalismo nos dias atuais?

Um desses conjuntos de atividades deslo-cados para “periferia do sistema” é constituído

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pelos operadores de teleatendimento. São “ativi-dades consideradas de baixo valor agregado”, e

ainda assim são exploradas por empresas capita-listas. Como são consideradas atividades de baixovalor agregado, o trabalho é organizado segundo afórmula taylorista. “O trabalho do teleoperador tor-na-se objeto de uma regulação tecnológica [...] Abase técnica proporciona a oportunidade de a em-presa fixar os ritmos produtivos [...], a intensifica-ção dos ritmos e o aumento do controle pelossupervisores e coordenadores.” (Braga, 2006, p.7-8). O autor considera os teleoperadores como par-te da “renovação da própria condição proletária

contemporânea’ (2006, p.1). E vincula o processode surgimento desses trabalhadores

[...] à desestruturação da empresa fordista embenefício de um modelo de organização das rela-ções de produção orientado pela generalizaçãodo processo de terceirização, pela compressãodos níveis hierárquicos, pelo desenvolvimentode estratégias gerenciais objetivando amobilização permanente da força de trabalho,pela cooperação constrangida dos assalariados,pela administração por metas, assim como pelafragmentação da relação salarial. Trata-se daempresa neoliberal [...] Por meio das

terceirizações logrou-se dispersar as concentra-ções operárias e facilitar a destruição das ‘anti-gas’ relações políticas – além de fazer com que osnovos empregos ‘derrapassem’ para os serviços(Braga, 2006, p. 5-6).

A questão que interessa consiste em saberse os operadores de teleatendimento são trabalha-dores que produzem valor ou não. A resposta, apartir da perspectiva do setor de atividade, seriaimediatamente negativa, uma vez que estão alocadosentre serviços, e serviços são, a princípio, não pro-

dutivos de valor. Entretanto, a divisão do trabalhomantém vinculações entre esses setores, mesmoque classificados separadamente por agências decoletas de dados. Nessa linha de raciocínio, osserviços específicos, como os dos teleoperadores,constituem parte de um processo maior, cujas ati-vidades “derraparam para os serviços”, na expres-são do autor citado. Portanto, a pertença ao campoda produtividade ou da não produtividade depen-de da rede de relações econômicas na qual osteleoperadores estão envolvidos. Naquelas redes

que se organizam como partes de um processo maiorprodutivo de mercadorias vinculadas à produção

de valores, o conjunto desses trabalhadores fazparte do coletivo de um trabalhador geral produti-vo. Diversamente, os teletrabalhadores que ope-ram para empresas de circulação, comércio e fi-nanças localizam-se em espaços apenas de circu-lação das mercadorias, não sendo possívelconvertê-los em trabalhadores industriais de valo-res imateriais, já que operam apenas no terreno dacirculação de mercadorias. Esse critério geral fa-culta interpretar o problema da produtividade ounão produtividade dos serviços quanto à questão

da produção de valores, em função da complexi-dade dos setores. A interpretação parte do pressu-posto de que nem todos os serviços são improdu-tivos de valores. Há que separar serviços produti-vos de serviços não produtores de valores segun-do as redes a que se vinculam.

O critério do assalariamento é insuficiente,pois, para oferecer uma resposta satisfatória à ques-tão da produtividade ou não produtividade devalor, porque o assalariamento prevalece tambémem setores que não produzem mercadorias. As-sim é o caso das atividades públicas, feitas paraprestação de serviços pelo Estado. O Estado nãoassalaria indivíduos para produzir ganhos com olabor desses servidores. Contrata-os para respon-der por meio de prestação de serviços públicos,gratuitos em sua maior parte, às demandas popu-lares. Tais atividades públicas não produzem mer-cadorias que, vendidas no mercado, geram gan-hos econômicos. Se não há mercadoria, não hávalor, nem mais-valor, não cabendo, portanto, a

questão do labor produtivo ou não produtivo.Obviamente, esse argumento não se aplica a situa-ções em que o Estado reveste-se da persona deempresário, quando possui empreendimentos deexploração mineradora e empresas estratégicas,fabrica aviões e mísseis, circunstâncias em queprodução de mercadorias, valores e mais valoresencontra-se totalmente imbricada. O critério daprodução ou não de mercadorias rasga transver-salmente as atividades de serviços entre produti-vos e não produtivos de valor e mais-valia. Os servi-

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ços de propriedade pública prestados pelo Estadonecessitam ser distinguidos pela relação que con-

têm. Se os serviços prestados pelo Estado são or-ganizados empresarialmente, de forma a gerar arelação específica de trabalho e capital que produzmais valia, como tende a ocorrer na prestação deserviços de telefonia, comunicação e correio, elessão serviços produtivos. Muitos serviços estataisnão preenchem essa condição. São prestações aoscidadãos, pois o trabalho dos servidores públicos épago por meio de um salário, e a relação extingue-seaí. Apenas prestam-se serviços de educação, de saú-de pública e outros mais que dependem do grau de

civilidade ou barbárie de cada nação.

CONCLUSÕES COM PROPOSTA

Os argumentos desenvolvidos ao longo des-te artigo fornecem elementos para fundamentar aproposição de que o grande setor de emprego emserviços pode ser dividido de acordo com as cate-gorias de trabalho produtivo e não produtivo devalor. Essa proposição tem largo alcance e contri-bui para responder a uma questão suscitada à teo-ria do valor trabalho, pelo fato de o setor de servi-ços das economias abarcar o emprego da maiorparte da população em idade ativa. A teoria dovalor trabalho é uma proposta em si independentede referenciais empíricos. Todavia a riqueza de umateoria consiste em sua capacidade de permitir com-preender a realidade, iluminar o social, interpre-tar o conjunto de relações sociais em operação.

Com vistas à sustentação da proposição de

que determinados trabalhos, no setor de serviços,podem ser entendidos como produtores de valor,o texto foi organizado em três partes. Na primeira,examinaram-se as categorias materialidade eimaterialidade, importantes para pensar mercado-rias não apenas como bens materiais, assim comorespostas a desejos do espírito. Restringir a dis-cussão da mercadoria à materialidade do conteú-do ou do produto representa uma concessão aofetichismo, um hábito, uma naturalização que im-pede ver mais longe e mais profundamente. Seria

produtivo somente o trabalho que resulta em umproduto material. Se de um alfaiate se compra a

calça ou seu serviço, “isto me é totalmente indife-rente” (Marx, 1978, p. 78). Na segunda parte, dis-cutiu-se o sentido geral do trabalho produtivo enão produtivo com base na literatura clássica dateoria do valor trabalho e em textos contemporâ-neos. E, na terceira, examinou-se a questão do tra-balho produtivo e não produtivo no setor de em-prego em serviços. O emprego em serviços ocupaa maior parte da população economicamente ati-va, seja dos países capitalistas antigos, seja dasnações de capitalismo mais recente.

A proposição de que determinados servi-ços são produtores de valor e outros não rasga,por assim dizer, o setor terciário da economia aomeio. Empregar o argumento do trabalhador glo-bal, do trabalhador coletivo, para resolver a ques-tão do trabalho produtivo ou não de valores ematividades de serviços, é politicamente relevantepara manter a unidade, a força de ação coletiva daclasse trabalhadora, estabelecer possibilidades derelações de identidade. A estratégia não tem omesmo efeito para resolver a questão do labor pro-dutivo ou não. Pelo argumento do trabalhador glo-bal, todos os trabalhadores dos setores de serviçosseriam classificados conjuntamente como produti-vos ou como improdutivos. O entendimento suge-rido neste atigo consiste em uma análise mais deta-lhada da questão do trabalho produtivo ou não pro-dutivo, caso a caso, setor por setor, categoia porcategoria, conforme necessário a cada situação.

Com base na literatura, foram enunciadoscritérios para separar e definir a divisão entre tra-

balho produtivo ou não no setor de serviços. Esta-belece-se, de partida, que a questão atém-se ao cam-po das atividades assalariadas. Em segundo lugar,as mercadorias podem ter conteúdo material ouimaterial. Em terceiro, também para mercadoriasgeradas no grande setor de emprego em serviços,o valor é gerado na esfera de produção, e não nacirculação. O trabalho em serviços que realiza ape-nas a circulação das mercadorias, nada acrescen-tando a elas de valor e mais valor, não pode serinterpretado como produtor de valor. Para ser pro-

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dutivo, o trabalho em serviços precisa gerar maisvalor. Em quarto lugar, também não são considera-

dos produtivos os labores de assalariados do Esta-do que prestam serviços à população. Finalmente,em quinto lugar, há trabalhos em serviços queproduzem mercadorias novas ou que acrescentamvalores às mercadorias, o que respalda a propostade trabalho produtivo em determinados serviços.

A teoria do valor trabalho tem sido abundan-temente empregada em estudos recentes para revelara precarização das condições de trabalho, que se es-tende também ao labor no setor de serviços. Impor-tantes na ótica da exploração laboral, estudos preci-

sam ser levados a efeito também com a ótica do traba-lho produtivo ou não de valor no setor de serviços,caso a caso, ramo a ramo, grupo a grupo.

Desenvolver a teoria do valor trabalho, nosdias de hoje, atende a necessidades reais de explora-ção desenfreada do trabalho. O número de trabalha-dores em todo o mundo é de dois bilhões e setecen-tos milhões. Esse imenso contingente de pessoas,todas as manhãs, move-se para seus respectivos lo-cais de atividade para produzir valores de que a soci-edade necessita, além de permitir gigantesca acumu-lação de capital. Para tanto, vinte e dois por centodesses trabalhadores labutam mais de quarenta e oitohoras por semana em trabalho excessivo.

Recebido para publicação em 15 de junho de 2013

Aceito em 10 de setembro de 2013

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Sadi Dal Rosso - Doutor em Sociologia. Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília.Pesquisador do CNPq, do Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho (GEPT) e da Rede de pesquisadoressobre Associativismo e Sindicalismo dos Trabalhadores em Educação (Rede ASTE). Integra a linha de PesquisaTrabalho e Sociedade na UnB. Desenvolve pesquisas na área de tempos de trabalho, teoria do valor trabalhoe sindicalismo em educação. Publicações recentes: Duração do trabalho em todo o mundo. Tendências dejornadas de trabalho, legislação e políticas numa perspectiva global comparada. Sociedade e Estado (UnB.Impresso), v. 27, p. 183-191, 2012; Crise, convite para a ação e um Manifesto Comunista. Sociologias (UFRGS.Impresso), v. 14, p. 338-350, 2012; Condições de Emergência do Sindicalismo Docente. Pro-Posições (UNICAMP.Impresso), v. 23, p. 37-54, 2011; A intensificação do labor na sociedade contemporânea (São Paulo: BoitempoEditorial, 2012). Associativismo e Sindicalismo em Educação. Organização e Lutas. Brasília: Paralelo 15,2011. 366p.

LABOR THEORY OF VALUE ANDPRODUCTIVE LABOR IN THE SERVICE

SECTOR

Sadi Dal Rosso

Interpretations of the labor theory of valueface difficulties in defining the role and place of service activities with relation to the productionor not of value. This problem becomes even morepronounced while historic perspective shows thatnowadays services are the great employers of la-bor. Traditionally, services can be understood asnon-productive activities, due to the fact, amongstother arguments, that they are not materialized ascommodities, or that they do not produce newvalues and surplus-value. This paper aims to exa-mine this issue and suggest the proposition that

some services that meet specific conditions can beinterpreted as productive in terms of value andsurplus-value. This paper examines the categoriesof materiality and immateriality, as well as those of productive and non-productive labor of value, thenintroducing criteria to make the distinction betweenproductive and non-productive labor of value inthe service sector. Thus, it intends to contribute toclarify the understanding of the labor theory of valuein a field intercrossed with discussions anddifferentiated theoretical standpoints.

KEY WORDS: Labor theory of value. Labor. Productiveand non-productive labor. Surplus-value.

THÉORIE DE LA VALEUR ET DU TRAVAILPRODUCTIF DANS LE SECTEUR DES

SERVICES

Sadi Dal Rosso

Il est difficile pour certaines interprétationsde la théorie de la valeur-travail de définir le rôleet la place des activités de service quant à laproduction ou non de valeur. Ce problèmes’amplifie dans la mesure où, pris dans uneperspective historique, il est démontré que lesservices sont actuellement une importante sourced’emplois. Les services ont traditionnellement étéconsidérés comme des activités non-productivescar, entre autres arguments, on estime qu’ilsn’aboutissent pas à la matérialisation demarchandises ou à la production de nouvelles

valeurs ou de plus-value. Le but de cet article estde se pencher sur cette question et de suggérerque certains services, qui répondent à des critèresdéfinis, peuvent être considérés comme producteurde valeur et de plus-value. On y analyse lescatégories matérialité et immatérialité ainsi quecelles du travail producteur et non producteur devaleur pour introduire ensuite des critères capablesde faire la distinction entre travail producteur etnon producteur de valeur dans le secteur desservices. L’intention est de contribuer à clarifier lacompréhension de la théorie de la valeur-travailsur un terrain semé de polémiques et de positionsthéoriques controversées.

MOTS-CLÉS: Théorie de la Valeur-Travail. Services.Travail productif et non productif. Plus-value.