teoria da culpa no erro médico

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  • 8/3/2019 Teoria da culpa no erro mdico

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    Teoria da culpa no erro mdico

    Tem-se que concordar com o que diz Hildegard Taggesell Giostri(1), em seu

    livro Erro Mdico Luz da Jurisprudncia Comentada pois, fora de dvida, a

    responsabilidade no erro mdico segue os mesmos ditames gerais daresponsabilidade civil genrica, ou seja, obrigao de quem, consciente e capaz,

    praticar uma conduta, de maneira livre, com inteno de faz-lo ou com simples

    culpa, ressarcir obrigatoriamente os prejuzos decorrentes do seu ato.

    Mas, em se tratando de responsabilidade civil no erro mdico

    indispensvel uma prova inequvoca de que houve culpa no proceder do mdico.

    atribuio do paciente (autor, vtima) fazer prova de que o profissional mdico

    laborou com culpa. Isso porque o Cdigo Civil Brasileiro, em seu artigo 1545(2) (e

    art. 159 do mesmo Cdigo), adotou a teoria subjetiva teoria da culpa - que

    depende da presena de culpa no agir do agente causador do dano, no caso, o

    mdico. Da a definio de erro mdico dada por Jlio Cezar Meirelles Gomes e

    Genival Veloso Frana em sua obra "Erro Mdico"(3):

    "Erro Mdico a conduta profissional inadequada que supe uma inobservnciatcnica, capaz de produzir um dano vida ou sade de outrem, caracterizada porimpercia, imprudncia ou negligncia".

    A impercia, a imprudncia ou a negligncia, estando presentes em um ato mdico

    que cause dano a um paciente, caracterizam a presena de culpa. Mas essa culpatem que ser provada pelo paciente, seu o nus da prova. Como diz Miguel KfouriNeto(4): "Segundo a teoria subjetiva, esposada pelo nosso Cdigo Civilespecialmente em seus arts. 159 e 1.545, vtima incumbe provar o dolo ou culpastricto sensu do agente, para obter a reparao do dano". Sobre isso, convenienteacrescentar o que diz A. Siqueira Montalvo(5): "Para a caracterizao da culpamdica, basta a simples voluntariedade de conduta, sendo portanto a intenodesnecessria, pois, a culpa ainda que levssima obriga a se indenizar". Mesmo que,em se tratando de vida humana, no se admita culpa "pequena ou levssima", sema prova desse elemento subjetivo da responsabilidade civil, a culpa, tudo h de serdebitado ao infortnio.

    Nesse sentido tambm comenta Vera Maria Jacob de Fradera(6):

    "A considerao da natureza da responsabilidade mdica como contratual no temcomo efeito tornar presumvel a culpa. ao paciente, ou, se for o caso, a seusfamiliares que incumbe demonstrar a inexecuo da obrigao, por parte doprofissional. Provada a culpa do profissional com relao aos cuidados dispensadosao doente, ser aquele constrangido reparao do dano causado".

    Em acrdo, do qual a ementa vai abaixo transcrita, evidencia-se a necessidade dademonstrao, via de regra, da culpa na conduta do profissional em casos de erromdico:

    "RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO ESTTICO. ERRO MDICO NO-CONFIGURADO. O

    tratamento ministrado a paciente sendo o adequado molstia apresentada,submetido com as cautelas recomendadas e no havendo prova de ter o

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    profissional da medicina se equivocado, por imprudncia, negligncia ou impercia,ao ministr-lo, no h como pretender a obrigao de indenizar, porque noconfigurado comportamento culposo que implique responsabilidade civil. Recursoimprovido".(7)

    Essa culpa, emergindo do artigo 1545 do Cdigo Civil ptrio que abraou ateoria da culpa, no que se refere a mdicos, consiste num agir ou no agir

    consciente, voltado busca de um resultado determinado ( um querer

    deliberadamente realizar certa conduta) ou quando a imprudncia, impercia ou

    negligncia estiverem presentes nos atos desses profissionais. A negligncia, do

    latim neglegentia (de neglegera) tem caracterstica omissiva um ato de omisso

    aos deveres que um caso exigir seria uma absteno do comportamento indicado

    para aquela situao um no agir (inao, inrcia, indolncia, preguia psquica);

    a imprudncia, do latim imprudentia, tem caracterstica comissiva um ato

    precipitado, intempestivo, irrefletido seria um agir sem a cautela necessria no

    caso; a impercia, do latim imperitia (de imperitus), se caracteriza por um agir sem

    conhecimentos tcnicos suficientes ou com m aplicao dos conhecimentos que

    possuir seria uma falta de maestria na profisso um agir incompetente, inbil.

    Uma dessas formas de culpa deve estar no agir do mdico, em caso de erro, como

    diz o acrdo(8): "Para efeito de responsabilizao por erro mdico, cedio que a

    culpa, em uma de suas formas tradicionais, h que ficar devidamente

    comprovada".

    Ensina Miguel Kfouri Neto(9):

    "No propriamente o erro de diagnstico que incumbe ao juiz examinar, mas simse o mdico teve culpa no modo pelo qual procedeu ao diagnstico, se recorreu ouno, a todos os meios a seu alcance para a investigao do mal, desde aspreliminares auscultaes at os exames radiolgicos e laboratoriais todesenvolvidos em nossos dias, mas nem sempre ao alcance de todos osprofissionais bem como se doena diagnosticada foram aplicados os remdios etratamentos indicados pela cincia e pela prtica".

    o que acontece no erro profissional, pois sendo o erro, intrnseco s

    insuficincias da profisso mdica e s caractersticas do ser humano, como

    paciente, o erro existe e acontecer. Nesse caso no pode a culpa pelo mesmo ser

    imputada ao mdico. escusvel tal erro e invencvel. H que se diferenar entre

    um erro que resulte de algo imprevisvel, tendo o mdico, cnscio de seus deveres,

    atuado com as precaues devidas, dentro do razovel para as circunstncias, que

    pode-se chamar de erro honesto, daquele erro que vem acompanhado da culpa

    erro culposo - resultando em leso aos direitos do paciente, que teriam sido

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    evitados com uma atitude profissional competente, ou seja, no caracterizada pelo

    agir com imprudncia, negligncia ou impercia.

    Compete ao juiz, pois, verificar se houve culpa e, sobre isso, conveniente

    lembrar o que diz, em seu livro, Suzana Lisba Lumertz(10): "No preciso que a

    culpa do mdico seja grave: basta que seja certa". Tem que haver certeza na

    presena de culpa, no agir do mdico como, tambm, assevera o acrdo(11): "A

    atribuio de responsabilidade e condenao por erro mdico exige elementos

    objetivos e seguros e no meras possibilidades ou conjecturas de que males que

    surgem aps a interveno mdica sejam frutos dessa interveno".

    Esse agir culposo do mdico necessita do nexo causal, ou seja, deve ser o

    causador do dano ao paciente. Assim, tem-se os trs pressupostos da

    responsabilidade civil, no caso, do mdico, o ato lesivo (culposo), o dano e

    o nexocausal. Esses, quando ocorrem juntos, geram a obrigao de indenizar. Na

    falta de um deles, no caso o nexo causal, no h porque haver indenizao, como

    bem ilustra o acrdo em sua ementa:

    "APELAO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MDICO. AUSNCIA DE NEXO CAUSALENTRE A AO DO MDICO E O RESULTADO. Ausente o nexo causal entre a ao eo resultado, resta afastada a responsabilidade civil do mdico. Apelo desprovido".(12)

    Tambm nesse sentido h o acrdo(13): "Entendo, assim, no ter agido

    com culpa o demandado em qualquer de suas formas. O nexo causal est ausente".

    A teoria da res ipsa loquitur, ou in re ipsa ou "de que a coisa fala por si

    mesma" aplicada quando ocorre prejuzo, por fatos que no causariam dano, a

    no ser que o agente lesante tenha obrado com culpa (qualquer forma). Nesses

    casos o juiz diante da evidncia de erro mdico (podendo at mesmo serem

    dispensados os peritos) chega ilao e admite a culpa do profissional, como uma

    evidncia circunstancial, de que tal fato no teria acontecido sem a culpa domdico. Isso ocorre, por exemplo, em caso de morte do doente ou amputao de

    um membro. H, assim, presuno de culpa contra o mdico, conforme o seguinte

    acrdo:

    "APELAO CVEL. RESPONSABILIDADE MDICA. OFTALMOLOGISTA. CIRURGIAELETIVA DE CORREO DE MIOPIA. SUBSEQENTE PERDA DA VISO. APLICAO DADOUTRINA DA CULPA IN RE IPSA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. Merece ser acolhidapretenso de indenizao (por gastos mdicos e de terapia psicolgica) e dereparao (por dano moral) de quem submetendo-se a cirurgia de eleio, paracorreo de deficincia em um dos olhos, vem a obter, como resultado, a perda de

    viso. Ainda que se no flagre a uma obrigao de resultado, inegavelmente dessase aproxima a denominada cirurgia funcional, merecendo ser responsabilizado o

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    mdico que, por razes insuficientemente comprovadas, no s no logra xito -que no lhe era exigido - mas termina por deixar o paciente em situaoextremamente pior do que se encontrava antecedentemente, pois sem visojustamente no olho operado. Merece prestgio, em casos que tais, a doutrina daculpa in re ipsa, na medida em que o sistema de responsabilidade civil do mdico o da responsabilidade subjetiva (art. 1545 do Cdigo Civil)".(14)

    Tambm tem por objeto a avaliao da culpa a teoria da "perda de umachance" (perte dune chance(15)). Admite-se, nessa teoria, que a culpa do mdicotenha comprometido as possibilidades de viver do paciente ou a sua integridade. Ojuiz no precisa estar convencido de que o prejuzo leso ao paciente foicausado por culpa do mdico, pois, segundo essa teoria, necessrio apenas advida de que isso aconteceu por culpa do mdico. H, assim, aqui tambm,presuno de culpa contra o mdico. Os tribunais aceitam o nexo causal existenteentre dano e culpa, pois ela se constitui no fato de no ter dado o mdico todas asoportunidades ao paciente. O doente no teve todas as chances a que tinha direitode se recuperar. A referida teoria tem sua aplicao, em nossos Tribunais, bemdemonstrada atravs da transcrio da ementa de acrdo que tem por relatorconhecido jurista gacho:

    "Responsabilidade civil. Falha do atendimento hospitalar. Paciente portador depneumonia bilateral. Tratamento domiciliar ao invs de hospitalar. Perda de umachance. responsvel pelos danos, patrimoniais e morais, derivados da morte dopaciente, o hospital, por ato de mdico de seu corpo clnico que, aps terdiagnosticado pneumonia dupla, recomenda tratamento domiciliar ao paciente, aoinvs de intern-lo, pois, deste modo, privou-o da chance (perte dune chance) detratamento hospitalar, que talvez o tivesse salvo. 2. Apelao provida. votovencido".(16)

    A teoria da culpa nem sempre conveniente na abordagem do mdico em

    sua atividade como profissional liberal, conforme nos explana Oscar Ivan Prux(17):

    "A teoria da culpa no adequada para ser aplicada em todos os casos de

    responsabilidade civil de ordem pessoal dos profissionais liberais. Nas obrigaes

    "de resultado", ela se revela inadequada e, nas agresses aos direitos dos

    consumidores que so perpetradas atravs de condutas e prticas de mercado (na

    oferta, na propaganda enganosa, na cobrana de dvidas, no uso de prticas e

    clusulas abusivas, etc.) ela se revela alm de inadequada, quase impertinente.

    Exemplo: por dispositivo expresso do Cdigo de Defesa do Consumidor (art.

    38), havendo publicidade/propaganda que seja enganosa, quem tem de provar a

    veracidade da mesma o fornecedor, logo a teoria subjetiva fundada na

    demonstrao antecipada da culpa por parte de quem acusa, revela-se, nesse caso,

    ser totalmente inadequada at impertinente".

    No Projeto atual de Cdigo Civil Brasileiro, a teoria da culpa mantida.

    Nota-se porm, a supresso do art. 1545 do Cdigo Civil Brasileiro vigente,(18)tendo a responsabilidade civil no erro mdico, nesse Projeto, seu regramento

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    englobado na legislao geral da responsabilidade civil. Nele os artigos que tratam

    deste assunto so: arts. 929 a 945, que regram a obrigao de indenizar e os arts.

    946 a 956, os quais tratam da indenizao nos casos de responsabilidade civil. O

    Senado Federal, ao analisar o projeto, no parecer de n 842, de 1997, esquematizou

    o tema da seguinte maneira: "Parte Especial Livro I - Do Direito das Obrigaes,

    Captulo I Da Obrigao de Indenizar, arts. 926 a 942 e Captulo II Da

    Indenizao, arts. 943 a 953".

    Nota-se, pela leitura do Projeto, uma preocupao em aumentar a

    amplitude do conceito de dano prejuzo abrangendo tambm o dano moral. O

    vocbulo dano, etimologicamente, vem de demere que significa tirar, apoucar,

    diminuir. Assim, classicamente, seria como uma diminuio do patrimnio, tanto do

    ponto de vista material, como do ponto de vista moral.Para satisfao do dano, na responsabilizao do profissional mdico na

    rea civil, tem que ser feita prova da sua culpa. Mas h necessidade de leso, pelo

    ato mdico nexo de causalidade - a um bem jurdico, contrariando assim o

    princpio: neminem laedere. As provas tm a funo de fazer emergir esse liame.

    Tem que haver relao de causa e efeito entre o agir do mdico e o dano verificado.

    Pelo Cdigo Civil ptrio, somente os danos diretos e efetivos so passveis de serem

    ressarcidos pelo causador do damnum. necessria uma conduta com culpa em

    sentido estrito e a previsibilidade (evitabilidade do procedimento antijurdico)

    constitui o ponto nuclear da culpa - sendo com esse proceder violada uma norma

    com um conseqente resultado lesivo. No havendo damnum, no haver lugar

    para configurao de delito, salvo se a conduta do mdico, por si s, j prevista

    como fato punvel. Caso contrrio, para se configurar o delito precisa acontecer a

    transgresso ao dever de, na vida de relao, evitar danos a interesses e bens

    alheios. O agir com impercia, imprudncia ou negligncia a ao delituosa que a

    norma probe no caso de erro mdico.

    H necessidade de ressarcimento de dois tipos de dano: a saber, o

    patrimonial e o moral. O Cdigo Civil vigente refere-se s perdas e danos que nada

    mais so que os prejuzos decorrentes, para o paciente, do erro mdico. A

    palavra dano tem significao ampla no Cdigo Civil Ptrio atual, abrangendo tanto

    os danos materiais (leso aos direitos reais e pessoais), como os danos morais

    (direitos da personalidade e da famlia). Nesses est includo, como espcie, o dano

    esttico(19). Se qualquer desses danos ocorre, por erro mdico, h necessidade de

    averiguar-se qual a repercusso econmica negativa que causaram ao paciente

    vtima do erro mdico. Sendo o dano material (incluindo o dano emergente(20) e os

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    lucros cessantes(21)), ser indenizvel pelo valor da detrimncia no patrimnio do

    paciente. Sobre os lucros cessantes, diz Jurandir Sebastio(22): "Perspectivas de

    ganho futuro ou lucro potencial, hipottico e aleatrio, no so contempladas".

    O dano moral ficou, a partir da Constituio Federal de 1988, admitido

    explicitamente no art. 5, inciso X(23), e ser o valor da indenizao determinado

    em juzo. Ensina-nos Jos de Aguiar Dias(24): "Ora, o dano moral o efeito no

    patrimonial da leso de direito e no a prpria leso , abstratamente

    considerada". conclusivo o que diz Miguel Kfouri Neto(25): "O dano moral puro

    gera obrigao de reparar luz do art. 159, do C.C., que nodistingue entre

    direitos patrimoniais e no patrimoniais".

    Excluem a responsabilidade do mdico o caso fortuito e a fora maior, a

    interferncia de terceiros, agindo com dolo ou culpa e no estando subordinados aomdico e a conduta com culpa do paciente, alterando assim, essas situaes

    citadas, a relao de causalidade. Se houver culpa exclusiva do paciente a relao

    de responsabilidade, envolvendo o mdico, desaparece.

    Em caso de culpa concorrente mdico e paciente no vai haver excluso

    da responsabilidade, mas cada uma das partes, envolvidas no atendimento mdico,

    vai responder por uma parcela da culpa que lhe couber. A responsabilidade vai ser

    bipartida entre o profissional mdico e seu cliente. Nesse caso, o dever deindenizar, por parte do mdico, pode diminuir, se o paciente contribuiu para a

    produo do evento danoso. Isso pode acontecer, por exemplo, no caso de o

    paciente no seguir as orientaes mdicas ou omitir ao mdico informaes

    importantes. O concurso de culpas caracteriza uma concorrncia de

    responsabilidades que justificam uma diminuio do valor da indenizao princpio

    da indenizao proporcional nos casos de responsabilidade concorrente. No consta

    no atual Cdigo Civil, mas o Projeto do Cdigo Civil, que tramita no Congresso,

    explicitou o princpio em seu artigo 947: "Se a vtima tiver concorrido culposamente

    para o evento danoso, a sua indenizao ser fixada, tendo-se em conta a

    gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano". Esse princpio se

    explica pela anlise atravs da teoria da causalidade adequada(26), ou seja, o que

    levado em considerao o grau de causalidade bilateral cada um

    responsabilizado apenas pelo parcela do damnum da qual foi o causador. Por ter

    fora jurdica, por lgico e justo, a aplicao desse princpio da indenizao

    proporcional, mesmo ausente no atual direito positivo brasileiro, tem aplicabilidade

    na prtica judiciria. Portanto, a conduta do paciente considerada na avaliao da

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    culpa, como afirma o acrdo(27): "Por bvio tudo pode ser afastado ao longo do

    feito, posto que vrios fatores havero de ser examinados, desde a conduta dos

    agravados como tambm a cooperao positiva ou negativa da paciente para sua

    recuperao".

    Exoneram, tambm, o mdico, da responsabilidade civil, em caso de dano

    ao paciente, a fora maior ou o caso fortuito. A fora maior considera-se um fato

    natural, superior s foras humanas, no sendo possvel ao ser humano evitar sua

    ao e conseqncias, apesar de identificada e previsvel. No se resiste a ele

    mesmo que se queira. Portanto, a fora maior se caracteriza por ser um evento

    externo relao mdico-paciente, ao contrrio do caso fortuito, em que a

    caracterstica haver um acontecimento inerente pessoa humana. Por isso,

    Rogrio Marrone de Castro Sampaio(28) chama a fora maior de fortuito externo.Ao caso fortuito ele chama de fortuito interno. O caso fortuito aquele fato que

    decorre da conduta humana, tendo como caracterstica no poder ser previsto e

    evitado pelos participantes da relao mdico-paciente. Assim, independe a sua

    ocorrncia tanto do mdico, como do paciente. obra do acaso no esperado na

    conjuntura do que est ocorrendo em um determinado momento. No h, em

    qualquer instante, a atuao culposa do profissional mdico, tanto no caso fortuito,

    como na fora maior. Ambos, caso fortuito e fora maior causam a mesma ao de

    liberar o mdico do cumprimento da obrigao contratual. H exonerao da

    responsabilidade civil do mdico se a leso ao paciente decorrente de caso

    fortuito ou fora maior. O Cdigo Civil Brasileiro incluiu ambos em seu art. 1058(29)

    pois, mesmo diferentes, suas conseqncias, seus aspectos prticos so os

    mesmos.

    H independncia entre as responsabilidades civil e penal, o que se

    depreende da abordagem que faz Fabrcio Zamprogna Matielo(30) das

    repercusses da sentena penal na rea cvel. Mas, a culpa estando juridicamente

    determinada, advindo da uma condenao em termos penais, h efeitos na rea

    cvel, tanto em uma ao por erro mdico, como em qualquer outra causa de

    responsabilizao civil por dano a outrem. Semelhante a natureza jurdica da

    repercusso penal na rea cvel, quer se trate de erro mdico ou ao de

    responsabilidade civil em geral. O art. 1525 do Cdigo Civil assim dispe sobre essa

    repercusso: "A responsabilidade civil independente da criminal; no se poder,

    porm, questionar mais sobre a existncia do fato, ou quem seja o seu autor,

    quando estas questes se acharem decididas no crime". No caso de uma deciso

    penal condenatria, transitada em julgado, esta ser utilizada na rea cvel como

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    um ttulo executivo, ou seja, h dispensa da instaurao de processo de

    conhecimento para decidir sobre a matria, j que o mesmo se fez na rea penal.

    Tem o paciente, com a sentena condenatria na rea criminal, em suas mos, um

    ttulo executivo judicial (art. 584 do Cdigo de Processo Civil, em seu inciso II(31)).

    Cabe a execuo desse, atravs do competente processo, para ser ressarcido dos

    danos que sofreu com o erro mdico.

    Caso a sentena penal for absolutria (dispe sobre isso o art. 386 do

    Cdigo de Processo Penal, em seus incisos de I a VI(32)) por insuficincia de provas,

    cabe a devida ao cvel por parte do paciente. Pode, atravs de um processo de

    conhecimento, demonstrar no juzo cvel a validade da sua pretenso de

    ressarcimento por danos decorrentes de erro mdico. Compete ao paciente provar

    a existncia do fato, que lhe causou dano, e a culpa do mdico em demanda nojuzo cvel. Nesse sentido, expe-se a ementa de acrdo: "Responsabilidade civil.

    Erro mdico. Absolvio criminal. Desimporta, aos efeitos da perquirio da

    responsabilidade civil, que tenha sido o agente absolvido na esfera penal,

    especialmente se o foi com fundamento no inciso VI do art. 386 do CPP

    (insuficincia de provas). Danos materiais e lucros cessantes".(33)

    Na hiptese de sentena absolutria por comprovada inexistncia do fato

    alegado pelo paciente, torna-se invivel juridicamente qualquer demanda cvel. A

    coisa julgada, nesse caso, impede a pretenso, em termos de responsabilidade civil,

    conforme disposto na segunda parte do art. 1525 do Cdigo Civil. Se for o caso de

    absolvio, por falta de prova conclusiva de que tenha acontecido o fato, aberto

    est o caminho para a lide jurdica. Na rea cvel caber a demanda por

    ressarcimento, por parte do paciente. Caber ao autor da ao fazer as provas da

    existncia do fato.

    Na eventualidade da ao penal concluir que o fato atribudo ao mdico

    no se constitui num crime, danos porventura atribudos, pelo paciente, como de

    autoria do mdico, podem ter sua indenizao reivindicada na rea do juzo cvel.

    vlido citar, por ilustrativo, os casos de absolvio do mdico por

    crime impossvel (em que o paciente que sofreu danos pode, assim mesmo, pleitear

    ressarcimento na rea cvel), de falta de previso daquela conduta do mdico no

    Cdigo Penal (o paciente tambm ter, sempre, o juzo cvel como possibilidade

    para se recompor do prejuzo sofrido), de excluso do dolo na conduta do

    mdico (h possibilidade de ressarcimento no juzo cvel), depresena de

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    descriminantes putativas (tambm pode ser instaurada a devida ao civil de

    responsabilizao civil) e de coao irresistvel ou ordem hierrquica (o responsvel

    pelo ressarcimento o autor da ordem ou o responsvel pela coao).

    O prazo prescricional para ingressar com uma ao de indenizao pelos

    danos sofridos por parte do paciente regulado pelo art. 177 do Cdigo Civil ptrio,

    que estabelece ser vintenria a prescrio. O prazo passa a ser contado da

    constatao do dano. Sobre isso manifesta-se Jos de Aguiar Dias(34):

    "A durao do prazo prescricional da ao de reparao do dano objeto

    de severas crticas por parte de muitos juristas, que censuram no legislador

    conservar, em face do ritmo da vida moderna, critrio cabvel nos remotos tempos

    em que as comunicaes se resumiam na precariedade e na lentido das viagens a

    cavalo".

    NOTAS

    1. GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro Mdico Luz da Jurisprudncia

    Comentada. Curitiba: Juru, 1998, p.38.

    2. Art. 1545 do Cdigo Civil Brasileiro: "Os mdicos, cirurgies,

    farmacuticos, parteiras e dentistas so obrigados a satisfazer o dano, sempre que

    da imprudncia, negligncia, ou impercia, em atos profissionais, resultar morte,inabilitao de servir, ou ferimento".

    3. GOMES, Julio Cezar Meirelles; FRANA, Genival Veloso. Erro Mdico Um

    Enfoque Sobre Sua Origem e Conseqncias. Montes Claros (MG): Unimontes, 1999,

    p.25.

    4. KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Mdico. 3.ed. So Paulo:

    Revista dos Tribunais, 1998, p.49.

    5. MONTALVO, A. Siqueira. Erro Mdico Teoria, Legislao e

    Jurisprudncia. Campinas/SP: Julex, 1998, v.I, p.19.

    6. FRADERA, Vera Maria Jacob de. A Responsabilidade Civil dos

    Mdicos. Ajuris: Revista da Associao dos Juizes do Rio Grande do Sul. Porto

    Alegre, v.55, p.123.

    7. TJRS Processo n 598014397 6 Cmara Cvel Rel. Joo Pedro Freire

    - 07/04/99.

    8. TJRS Processo n 595184680 6 Cmara Cvel Rel. Jorge Alcibades

    Perrone de Oliveira 06/08/96.

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    9. KFOURI NETO, Miguel. Op. cit., p.76-77.

    10. LUMERTZ, Suzana Lisba; LUMERTZ, Paulo Roberto Rukatti Lumertz;

    LUMERTZ, Marcelo Lisba.Responsabilidade Jurdica do Mdico. Porto Alegre:

    Renascena, 1997, p.38.

    11. TJRS Processo n 595064916 6 Cmara Cvel Rel. Milton Carlos

    Lff 31/10/95.

    12. TJRS Processo n 598548873 6 Cmara Cvel Rel. Joo Pedro

    Freire 25/08/99.

    13. TJRS Processo n 598438307 4 Grupo de Cmaras Cveis Rel.

    Maria Berenice Dias 13/08/99.

    14. TJRS Processo n 598068245 6 Cmara Cvel Rel. Antnio Jandyr

    DallAgnol Jnior 11/11/98.

    15. Criada pela jurisprudncia francesa a partir de 1965.

    16. TJRS Processo n 596070979 5 Cmara Cvel Rel. Araken de Assis

    15/08/96.

    17. PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade Civil do Profissional Liberal no

    Cdigo de Defesa do Consumidor.Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.188.

    18. No Cdigo Civil ptrio, em vigncia, so abordados os temas da

    responsabilidade civil, em geral, nos arts. 1.518 a 1.553: "Das Obrigaes por atos

    ilcitos", nos arts. 1.518 a 1.532; "Da Liquidao das Obrigaes", que se compe de

    "Disposies Gerais" e "Da liquidao das Obrigaes Resultantes de Atos Ilcitos",

    nos artigos 1.533 a 1.553.

    19. No caso, por exemplo, de uma mulher ser a lesada, a maior ou menor

    beleza fsica , anterior, vai influir significativamente no arbitramento do valor da

    indenizao por dano moral (dano esttico).

    20. O que efetivamente perdeu a vtima de erro mdico.

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    21. O que deixou de ganhar. Aquilo que, realmente, o paciente, vtima de

    erro mdico, deixou de auferir no exerccio de seu trabalho em decorrncia direta

    da leso sofrida.

    22. SEBASTIO, Jurandir. Responsabilidade Mdica Civil, Criminal e tica -

    Legislao Positiva Aplicvel. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.36.

    23. Art. 5, inciso X da CF: "- so inviolveis a intimidade, a vida privada, a

    honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano

    material ou moral decorrente de sua violao;".

    24. DIAS, Jos de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 10.ed. Rio de Janeiro:

    Forense, 1995, v.2, p.737.

    25. KFOURI NETO, Miguel. Op. cit., p.184.

    26. Dentro da tica do direito, a teoria da causalidade adequada procura

    qual a mais provvel e compatvel causa circunstancial do fato danoso, inclusive

    cronologicamente, e, assim, poder atribuir ao agente o dever obrigacional de

    ressarcir o lesado. Levando-se em conta o que ocorre habitualmente, uma

    determinada condio a adequada para desencadear o fato, se o ato efetuado

    pelo agente que lesou foi significativo para ocasionar o dano. Ao contrrio ser a

    no adequada e sem significao, se para ocasionar o dano for totalmente

    indiferente a presena desta condio, tendo este dano ocorrido por motivos fora

    do normal e extraordinrios que ocorreram num determinado caso.

    27. TJRS Proc. n 596045534 6 Cmara Cvel Rel. Osvaldo Stefanello

    04/06/96.

    28. SAMPAIO, Rogrio Marrone de Castro. Direito Civil - Responsabilidade

    Civil. So Paulo: Atlas, 2000, p. 85

    29. Art. 1.058 do Cdigo Civil Brasileiro: "O devedor no responde pelos

    prejuzos resultantes de caso fortuito, ou fora maior, se expressamente no se

    houver por eles responsabilizado, exceto nos casos dos arts. 955,956 e 957.

    Pargrafo nico. O caso fortuito, ou de fora maior, verifica-se no fato necessrio,

    cujos efeitos no era possvel evitar, ou impedir".

    30 MATIELO, Fabrcio Zamprogna. Responsabilidade Civil do Mdico. Porto

    Alegre: Sagra Luzzato, 1998, p.179-194..

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    31. Art. 584, inciso II do CPC: "So ttulos executivos extrajudiciais: II

    sentena penal condenatria transitada em julgado;".

    32. Art. 386 do CPP: "O juiz absolver o ru, mencionando a causa na parte

    dispositiva, desde que reconhea: I estar provada existncia do fato; II no haver

    prova da existncia do fato; III no constituir o fato infrao penal; IV no existir

    prova de ter o ru concorrido para a infrao penal; V existir circunstncia que

    exclua o crime ou isente o ru de pena (arts. 17,18,19,22 e 24, 1, do Cdigo

    Penal); VI no existir prova suficiente para a condenao."

    33. TJRS Processo n 595143801 4 Cmara Cvel Rel. Ramon Georg

    Von Berg 15.05.96.

    34. DIAS, Jos de Aguiar. Op. cit., p.710.

    BIBLIOGRAFIA

    1.DIAS,Jos de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 10.ed. Rio de Janeiro:

    Forense,1995. v.II.

    2. FRADERA, Vera Maria Jacob de. A Responsabilidade Civil dos

    Mdicos. AJURIS: Revista da Associao dos Juizes do Rio Grande Do

    Sul, Porto Alegre, 1992, v.55, p.116-139.

    3. GOMES, Julio Cezar Meirelles; FRANA, Genival Veloso de. ErroMdico

    Um Enfoque Sobre Sua Origem E Suas Conseqncias. Montes Claros (MG):

    Unimontes, 1999.

    4. GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro Mdico - Luz da Jurisprudncia-

    Comentada. Curitiba: Juru, 1998.

    5. KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Mdico. 3.ed. SoPaulo: RT, 1998.

    6. LUMERTZ, Suzana Lisba; LUMERTZ, Paulo Roberto Rukatti; LUMERTZ,

    Marcelo Lisba.Responsabilidade Jurdica do Mdico. Porto Alegre: Renascena,

    1997.

    7. MATIELO, Fabrcio Zamprogna. Responsabilidade Civil do

    Mdico. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1998.

    8. MONTALVO, A. Siqueira. Erro Mdico e Moral. Teoria, Legislao e

    Jurisprudncia. Campinas: Julex,

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    10. SAMPAIO, Rogrio Marrone de Castro. Direito Civil

    Responsabilidade Civil. So Paulo: Atlas, 2000.

    11.SEBASTIO, Jurandir. Responsabilidade Mdica Civil, Criminal e

    tica - Legislao Positiva Aplicvel. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.