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Como referenciar este trabalho: COSTA, Betty Marly, ESPERANDIO, Mary Rute Gomes. DEPENDÊNCIA DO CRACK E COMUNIDADE DE FÉ: UMA APRESENTAÇÃO SOBRE CAMINHOS POSSÍVEIS. CADERNO TEOLÓGICO DA PUCPR, CURITIBA, V.2, N.1, P. 56-70, 2014. DEPENDÊNCIA DO CRACK E COMUNIDADE DE FÉ: UMA APRESENTAÇÃO SOBRE CAMINHOS POSSÍVEIS COSTA, Betty Marly 1 ESPERANDIO, Mary Rute Gomes 2 Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir, a partir de uma perspectiva teórica, teológica e prática, sobre os problemas da dependência química, em especial o crack, e abordar as implicações no contexto do estado, da família, igreja e sociedade sobre esta questão. Pretende, ainda, discutir sobre os caminhos possíveis para uma comunidade de fé ajudar as famílias com problemas de drogadicção. Nessa perspectiva, apresentaremos as alternativas oferecidas pelo poder público e privado e salientar os itinerários que a família pode percorrer, dando destaque à posição e a proposta da igreja católica. Palavras-chave: Religiosidade; dependência química; teologia e sociedade. 1 Bacharel em Teologia 2 Professora do Bacharelado em Teologia PUCPR. Licenciado sob uma Licença Creative Commons Caderno Teológico da PUCPR ISSN:2318-8065

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Como referenciar este trabalho:

COSTA, Betty Marly, ESPERANDIO, Mary Rute Gomes. DEPENDÊNCIA DO CRACK E COMUNIDADE DE FÉ: UMA APRESENTAÇÃO SOBRE CAMINHOS POSSÍVEIS. CADERNO TEOLÓGICO DA PUCPR, CURITIBA, V.2, N.1, P. 56-70, 2014.

DEPENDÊNCIA DO CRACK E COMUNIDADE DE FÉ: UMA APRESENTAÇÃO SOBRE CAMINHOS POSSÍVEIS

COSTA, Betty Marly1

ESPERANDIO, Mary Rute Gomes 2

Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir, a partir de uma perspectiva teórica, teológica e prática, sobre os problemas da dependência química, em especial o crack, e abordar as implicações no contexto do estado, da família, igreja e sociedade sobre esta questão. Pretende, ainda, discutir sobre os caminhos possíveis para uma comunidade de fé ajudar as famílias com problemas de drogadicção. Nessa perspectiva, apresentaremos as alternativas oferecidas pelo poder público e privado e salientar os itinerários que a família pode percorrer, dando destaque à posição e a proposta da igreja católica. Palavras-chave: Religiosidade; dependência química; teologia e sociedade.

1 Bacharel em Teologia 2 Professora do Bacharelado em Teologia – PUCPR.

Licenciado sob uma Licença Creative Commons

Caderno Teológico da PUCPR ISSN:2318-8065

57 Caderno Teológico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p.56-70, 2014

INTRODUÇAO

Inicialmente a drogadicção foi propagada nas classes mais baixas da sociedade,

embora atualmente já não se restrinja somente a elas. Cabe a reflexão sobre contexto

dessas pessoas: muitos já nasceram em condições de miséria, mas certamente muitas

delas, hoje à margem da sociedade, tinham toda uma vida estruturada, vida essa que

trocaram pelas drogas.

Por isso, está na hora de surgir um movimento de união entre sociedade, igreja,

saúde e educação, capaz de buscar novos caminhos e soluções para os nossos jovens

que se encontram em situações vulneráveis. Há muitas famílias em nossas

comunidades de fé que estão enfrentando o problema da dependência do crack. Por

isso é importante refletir sobre caminhos prováveis para prevenção da dependência do

crack que tem acometido nossos jovens. Por isso a importância de uma reflexão sobre

esse tema. Assim, este estudo apresenta uma visão geral sobre o crack e o processo

de dependência, e em seguida aborda os caminhos oferecidos pela sociedade civil,

pela família e pela proposta da igreja católica, através da Pastoral da Sobriedade. Por

último, discute o papel da comunidade de fé como comunidade terapêutica para ajudar

pessoas com dependência do crack.

1. O MAL DO SÉCULO XXI INSERIDA NA COMUNIDADE DE FÉ

O crack é uma droga considerada um dos males do século XXI, pois a

dependência que esta substância causa é responsável por diversos problemas sociais,

tais como tráfico de drogas, assaltos, prostituição, destruição familiar, superlotação das

cadeias e hospitais, dentre outros. E é uma doença reconhecida pela organização

Mundial de Saúde que afeta não só o usuário de drogas, mas também a família e o

meio em que convive.

Trata-se de uma doença multifatorial e, por isso, vários aspectos devem ser

observados na elaboração de um tratamento, sendo o primeiro passo o diagnóstico

psicológico, baseado em conhecimento profundo do tema, também sendo importante o

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acompanhamento biológico ou clínico para saber os prejuízos que o corpo sofreu com

o uso dos químicos. (TIBA, 1999 p. 26-27).

O autor Içami Tiba, (1999, p. 25.26) explicita o significado do crack:

O crack é uma mistura de cloridrato de cocaína (cocaína em pó), bicarbonato de sódio ou amônia e água destilada; que resulta em pequenos grãos, fumados em cachimbos (improvisados ou não), mais barato que a cocaína, como seu efeito dura muito pouco, acaba sendo usado em maiores quantidades, o que torna o vício muito caro, pois seu consumo passa a ser maior. Estimulantes, seis vezes mais potente que a cocaína, o crack provoca dependência física e leva à morte por sua ação fulminante sobre os sistemas nervoso central e cardíaco.

Tiba também menciona que o crack tem efeito rápido levando 15 segundos para

chegar ao cérebro causando: “forte aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da

pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremor muscular, e excitação

acentuada dentre outros” (TIBA, 1999, p. 25.26).

Entretanto, se os efeitos chegam rápido com uma pedra de crack, os sintomas

da síndrome de abstinência também não demoram a chegar. E por isso, em 15 minutos

surge de novo à necessidade de inalar a fumaça de outra pedra, caso contrário

chegará a um estado de depressão profunda. (TIBA, 1999, p. 25.26).

Já, Menna Barreto, (1971, p. 44) relata que:

a questão da dependência química é universal, transcendendo do âmbito das medidas simplesmente penais, porque a sua compreensão, análise e solução estão intimamente ligadas a aspectos de ordem econômico-cultural, político-psicológico e jurídico-social, sendo, pois o fenômeno da eclosão violenta dos tóxicos de etiologia diversificada”.

Compreender a problemática do crack e atuar nesta área nos exige, antes de

tudo, um crédito nos potenciais da juventude e um compromisso com eles na busca

dos seus sonhos. Mas quais são os sonhos da juventude brasileira? A psicóloga Maria

de Fatima Sudback3 aborda a temática em uma reflexão diferente:

Será que esta anestesia com as drogas, em vez de uma busca pela violência ou de uma alienação face às dificuldades que enfrentam, não seria um grito de

3 http://www.obid.senad.gov.br/portais/mundojovem/conteudo/index.php?id_conteudo=1 1235&rastro

=Drogas%2C+viol%C3%AAncia+e+juventude

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alerta para que os adultos reparem melhor nas suas necessidades e anseios? [...] que consumir drogas não é uma doença; é, antes, um sintoma. Um sintoma é um sinal; uma comunicação; seria como a febre que nos indica que algo não está bem. Portanto buscar drogas seria uma espécie de febre da alma ou do coração ou da emoção. Por isso, se pensarmos de forma diferente, percebemos diferente e podemos, então, agir de forma diferente: visualizamos, assim, uma postura mais clínica e compreensiva e a pergunta já é outra: do que sofrem os jovens que buscam as drogas? O que reivindicam? Quais denúncias expressam através deste ato? Por quais mudanças estão lutando? Como as comunidades de fé podem contribuir para atender a esses anseios da juventude e atuar de modo preventivo ao uso da droga?

Diante de tanto questionamentos, observamos que os jovens denunciam a

violência vivida em seu dia que pode ser em diferentes níveis e de natureza diversas.

Contudo nesta reflexão quais seriam as violências vividas que justificam a demandas

dos jovens pelas drogas e sua relação com tantas violências das quais são alvos?.

Porém se observarmos cuidadosamente eles não são apenas vítimas, pois estão

reagindo colocando suas vidas em um ideal. Eles sonham com uma sociedade melhor,

com possibilidades para todos crescerem e viverem com dignidade, no paraíso que

Deus construiu para todos.

2. O PROCESSO DE DEPENDÊNCIA DO CRACK

O início do consumo parte da satisfação de alguma necessidade, do alívio de

dor; de expectativas de curar doenças; da busca da autoafirmação; de vencer a

timidez; a influência de amigo ou simplesmente por prazer e bem estar.

A droga é uma tentativa mágica de suprir necessidade ou de vencer

dificuldades, podendo ser desde a curiosidade, ou o desejo de conhecer o novo até a

incapacidade de assumir responsabilidade, a depressão e a ansiedade estão ligadas

ao consumo.

Entre as possíveis causas a psiquiatria considera, também, as próprias relações

sociofamiliares e ambientais, a predisposição genética, dificuldade de aprendizagem na

escola, depressão da mãe nos primeiros meses de vida, privação afetiva e mudança

frequentes de residência e escola. (TIBA, 1999, p. 25. 26)

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Independentemente da causa motivadora do consumo, as consequências

convergem para diversos efeitos, segundo Santana4, são eles: físicos e sociais.

Do ponto de vista dos efeitos físicos, devido à aceleração no ritmo cardíaco e

na respiração, o crack pode causar problemas do coração, parada respiratória,

derrames ou infartos. Ele também pode afetar o trato digestivo, causando náusea, dor

abdominal e perda de apetite, podendo um dependente de crack perder entre oito e 10

Kg em um único mês. Igualmente, o uso contínuo de grandes quantidades de

crack leva o usuário a tornar-se extremamente agressivo, chegando a ficar paranóico,

daí a gíria “nóia”, como referência ao usuário de crack.

No que diz respeito aos efeitos sociais, uma vez que o consumo do crack vem

aumentando em relação à cocaína, pelas razões já explicitadas; parte do problema

reside em manter o uso, pois se o sujeito não tiver dinheiro, recorre à família, e se

houver recusa por parte desta, os usuários começa a roubar para pagar as suas

“pedras”, “obrigando-se” a cometer atos ilegais para sustentar o vício.

Em relação aos efeitos psicológicos a pastoral familiar da Arquidiocese de

Cuiabá relata:

o uso abusivo do crack está associado ao isolamento, perda ou afastamento do trabalho, estreitamento do repertório social e problemas familiares como separações conjugais, deterioração da convivência e isolamento. O usuário se afasta do círculo familiar e dos amigos e passa a maior parte do tempo sozinho consumindo a droga ou com pessoas que também fazem o uso. As relações são caracterizadas mais pelo consumo coletivo da droga do que por vínculos afetivos. (PASTORAL FAMILIAR, 2011).

Ou seja, o dependente do crack se torna uma pessoa com baixa estima,

perdendo interesse em realizar qualquer tipo de atividade, procurando viver sempre na

sombra de outra pessoa, não obstante serem pessoas de grande sensibilidade,

reivindicando uma sociedade melhor com possibilidade de igualdade, para todos

crescerem e viverem com dignidade.

4 http://meuartigo.brasilescola.com/atualidades/o-crack-familia-os-usuarios.htm

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Enfim o que se evidencia é uma utopia sem ação, e se observarmos

cuidadosamente eles não são apenas vítimas, pois de uma maneira errônea estão

colocando suas vidas em um ideal.

Quanto aos efeitos espirituais, Forcehimes & Tonigan (2009, p.114) afirmam

que o ser humano possui um desejo fundamental de sentido e propósito – elementos

centrais da espiritualidade. A necessidade de preencher estas necessidades resulta,

algumas vezes, no uso de métodos destrutivos de coping, incluindo o uso de

substâncias. Estes autores são da opinião de que a droga funciona como um “Deus” na

vida do sujeito dependente, uma vez que ela toma lugar central na vida da pessoa que

se torna dependente e a leva a tomar distância das pessoas. Neste sentido, a

substância representa uma tentativa de preencher um vazio espiritual.

(FORECEHIMES & TONIGAN, 2009, p. 116). Assim sendo, a espiritualidade favorece o

sujeito com dependência química no processo de recuperação e abstinência da

substância em função de ser uma instância que o ajuda a construir sentido e propósito

existencial.

Uma vez que o uso do crack não é só um problema familiar, mas social, daí

porque a necessidade de verificar caminhos possíveis de serem trilhados.

3. CAMINHOS OFERECIDOS PELO ESTADO E PELA SOCIEDADE CIVIL

Tanto órgãos públicos como a iniciativa privada e a sociedade civil devem estar

engajados no combate a dependência química para oferecer qualidade de vida para

toda sociedade. Mas oferecer o tratamento não é o bastante quando se trata de

dependente químico. O processo é longo, exige determinação e força de vontade, por

parte do usuário e de quem o assiste. Entretanto a falta de motivação, a resistência ao

tratamento e a negação são fatores decisivos que impedem o progresso no tratamento

(BECK JUNIOR, 2010, p.23).

A Política Nacional de Saúde Mental, no que tange o tratamento à dependência

química, organiza as diversas formas de tratamento em três níveis: Aberto, Semi

Aberto e Fechado. O primeiro modelo trata do atendimento em instituições públicas ou

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privadas, tais como as Unidades Básicas de Saúde e que tenham um caráter

terapêutico com as características desta modalidade, vemos também neste nível ações

de caráter preventivo e de promoção da saúde junto á comunidade. O segundo modelo

estabelece um vinculo intermediário entre o Aberto e o Fechado, sendo realizado no

CAPS/ad e hospital dia, possuindo um serviço de maior complexidade, porém, com

pacientes motivados ao tratamento. No terceiro modelo estão inclusos os hospitais

psiquiátricos e hospitais gerais, onde há atenção de maior complexidade, envolvendo

pacientes normalmente pouco motivados ao tratamento (BECKER JUNIOR, 2010, p.

23).

Um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo o Sistema Único de

Saúde (SUS) possui convênio com quase toda a rede hospitalar brasileira. Fazem

parte do SUS: hospitais públicos, privados e universitários que garantem ao cidadão

o direito constitucional de acesso à saúde. (Drogas - Portal da Prefeitura da Cidade de

São Paulo).

Temos a comunidade casa esperança e Vida- (CCEV) é uma entidade

beneficente que atua na área da dependência química, visando à prevenção do uso de

drogas e álcool, a recuperação de dependentes químicos e atendimento aos seus

familiares. (Drogas – Portal da Prefeitura da Cidade de São Paulo)

No segmento da recuperação, a CCEV implanta grupos de ajuda mútua, através

de metodologia própria, para atender dependentes, familiares e crianças. Os grupos

recebem a seguinte denominação: (Drogas – Portal da Prefeitura da Cidade de São

Paulo).

- NATA (Núcleo de apoio para toxicômanos e alcoólatras)

- NAFTA (Núcleo de apoio para familiares de toxicômanos e alcoólatras)

- NAFTINHA (Núcleo de apoio para criança filhos de dependentes).

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O grupo Amor-Exigente (AE) constitui um trabalho sem fim lucrativo, baseado

em doze princípios, que norteiam os grupos para apoio a pais e a jovens. Eles são um

guia para uma maneira de viver e de administrar sua família.

O Amor – Exigente não expulsa os filhos de casa. A proposta não é essa. A

escolha é opção do próprio filho. Depois de ter tentado tudo para controlar o

comportamento inadequado do filho, chegando ao limite máximo dos pais ou da família,

ao não querer adequar-se, ele mesmo estará escolhendo deixar a casa e viver por sua

própria conta e risco, desde que maior de idade. A legislação brasileira exige dos pais a

assistência ao menor até que o mesmo complete 18 anos.

4. ATITUDE DA FAMÍLIA

O apoio da família no processo de recuperação do individuo da dependência

química é fundamental, pois mesmo com a desconfiança de uso de droga, deve-se

manter cuidado com esse assunto para não gerar maiores problemas. A desaprovação

deve ter medidas cautelosas para que não seja um impacto para o adolescente

causando desconforto e revolta.

Contudo, se já for uma situação aberta para os familiares o caminho a seguir

passa pelo diálogo sincero, união da família e o principal, muito amor, compreensão e

paciência. Sempre mostrando ao usuário que este caminho não é certo e que ele pode

vencer esta situação, com ajuda de um poder superior, focalizando o desenvolvimento

da dimensão espiritual.

A dependência química é um problema que afeta não apenas o sujeito

envolvido, mas todo o ambiente familiar, que em geral, torna-se “co-dependente”. A

conceituação da co-dependência é controversa (PALADINI, 2008, p. 7). Em geral, a co-

dependencia “apresenta os mesmos fenômenos e processo de tratamento, além da

similaridade de muitas das características dos diversos tipos de dependência. (...) Os

co-dependentes têm também um papel fundamental na manutenção e processo

terapêutico dos dependentes” (PALADINI, 2008, p. 7). A co-dependência familiar diz

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respeito ao modo disfuncional que os familiares se relacionam com a pessoa

dependente, favorecendo desse modo, a continuidade da dependência química.

Afomali e Araújo (2007, p. 73) fazem observações importantes acerca do

adoecimento da família da pessoa com dependência química, quer seja essa

dependência do álcool ou mesmo de outras drogas. Os autores constam que:

O sistema família, com seu individuo dependente, é um sistema equilibrado, apesar das aparências, e na mudança comportamental do doente, quando ele suspende o uso, a família também deverá modificar o antigo comportamento, o de policiamento ininterrupto do dependente. (...). Em paralelo ao processo de dependência química, a família também adoece, e assume os papéis sociais

do dependente.

Por essa razão, também a família precisa entrar em tratamento e não apenas o

sujeito dependente. O “Amor-Exigente”, abordado na seção anterior, é um caminho

possível para ajudar os familiares no processo de recuperação e manutenção da

abstinência de um dos seus membros.

5. UMA PROPOSTA TEOLÓGICO-PASTORAL: O EXEMPLO DA PASTORAL DA

SOBRIEDADE

Em relação à Igreja é exemplar a proposta da Pastoral da Sobriedade. Nesse

sentido, será apresentada nessa seção, a proposta de trabalho da pastoral da

Sobriedade.

A igreja tem por missão transmitir a palavra do Evangelho que abre para a vida

de Deus e de fazer descobrir o Cristo, Palavra de Vida, que oferece um caminho de

crescimento humano e espiritual.

A Pastoral da Sobriedade surgiu na década de 90, pela preocupação da igreja

com a questão da dependência química como fator de degradação biopsicossocial e

espiritual. Em 1998, numa assembleia da CNBB foi aprovada a criação da Pastoral da

Sobriedade. O trabalho ganhou força com a Campanha da Fraternidade de 2001 (Vida

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Sim, Drogas Não), a partir da qual foi surgindo centenas de grupos da Pastoral nas

paróquias de todo o país.

As cinco frentes de Atuação da Pastoral:

- Prevenção: A prevenção é dirigida a quem nunca experimentou drogas, ou

não faz uso delas. (Pastoral as Sobriedade).

- Intervenção: A intervenção é dirigida àqueles que fazem uso de drogas

esporadicamente, porém, ainda não se tornaram dependentes químicos. .(Pastoral as

Sobriedade).

- Recuperação: A recuperação refere-se ao atendimento dos usuários de

drogas nos quais a dependência química ou psicológica já está instalada, portanto aos

dependentes químicos. (Pastoral as Sobriedade).

- Reinserção: Para que a recuperação aconteça de forma completa faz-se

necessário que o dependente em sobriedade reconquiste seu lugar na família, no

mercado de trabalho e na sociedade. (Pastoral as Sobriedade).

- Atuação Política: Atuação política é desenvolver reflexão e atividade junto aos

organismos que atuam na sociedade (conselhos, fóruns, etc.), defendendo sempre

uma política “antidrogas” que seja eficaz, prática e que gere vida. (Pastoral da

Sobriedade). (Pastoral as Sobriedade).

Alguns elementos caracterizam a Pastoral: a continuação da presença e da

ação misericordiosa, amorosa, acolhedora e libertadora de Jesus o Bom Pastor e Bom

samaritano, que acolhe sem reserva, salva, regenera, ressuscita e chama Lázaro a sair

do túmulo e experimentar o novo. (Pastoral da Sobriedade).

- É uma ação da igreja, vivida a corpo, em comunhão com a igreja e com o amor

recíproco entre nós, para permitir a Jesus ressuscitado viver no meio de nós e fazer

passar os dependentes da morte para a vida.

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- É fundamentada na vivência do Evangelho que não apenas liberta das drogas,

mas faz entrar na dinâmica da vida de amor de Deus e faz os homens novos que

encontraram a plenitude e alegria de viver na doação de si.

- Não é apenas libertação das drogas, mas é proposta de vida nova,

reconstrução da dignidade e do valor dos dependentes, imagens e semelhanças de

Deus que, transformados pelo Evangelho e pelo encontro com Jesus Vivo, assumem

um novo projeto de vida, entram na dinâmica trinitária da doação e comunhão e

descobrem um novo sentido de vida.

- A recuperação e a libertação é ação de Deus e não apenas esforço humano,

mas valoriza e serve de todos os recursos médicos e psicólogos oferecidos pelas

ciências humanas.

Samanta Vitt (2009, p. 23) em seu trabalho de teologia menciona que:

67 Caderno Teológico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p.56-70, 2014

Pesquisando a literatura científica até o ano de 1997, Booth e Martin apontam

para um efeito positivo da religião na recuperação dos dependentes de drogas

e destacam o papel fundamental desempenhado pela igreja na área da

prevenção e do tratamento destes. Relatam que existe uma relação inversa

entre a religiosidade e o uso de substâncias psicotrópicas, mesmo que não se

possam descartar os diversos problemas derivados da eventual mensuração

dos índices de religiosidade, além de um certo víeis amostral de algumas

dessas pesquisas.

6. A IGREJA COMO COMUNIDADE TERAPÊUTICA

O aconselhamento pastoral é um oficio e faz parte do ministério do cuidado

pastoral na Igreja. (Schipani, 2004. p. 97). O cerne do aconselhamento pastoral é

construir um relacionamento de ajuda, é confortar e trazer a esperança para os

desacreditados. É buscar a maturidade em Cristo.

Segundo Schipani (2004. P. 97) no aconselhamento pastoral:

O emergir humano é promovido de maneira especial por meio de uma forma

distinta de caminhar com pessoas, casais e membros de famílias ou pequenos

grupos, no momento em que enfrentam desafios e dificuldades na vida. O

objetivo maior, em termos simples, é que vivam sabiamente à luz de Deus.

Sendo assim, alguns autores sugerem que a religiosidade pode auxiliar no

processo de recuperação de dependentes de drogas pelas seguintes vias: aumentos

do otimismo, percepção do suporte social, resiliência, ao estresse e diminuição dos

níveis de ansiedade.

A fé por natureza é terapêutica. É o amor Trinitário agindo na vida de cada

pessoa que se dispõe a entregar sua vida em busca da transcendência. Na

Comunidade de fé “encontramos pessoas voluntárias, movidas pelo amor e que

apresenta a espiritualidade também como proposta de tratamento”. (PAULA, et al,

2014, p. 118).

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Assim sendo, a comunidade de fé tem que trabalhar em conjunto com o

conhecimento teológico, bíblico e principalmente com as ações sociais possibilitando a

prevenção e o tratamento visando à reinserção dos usuários de drogas na sociedade.

A comunidade de fé pode desempenhar outras ações que priorizem a prevenção

em múltiplas naturezas. Paula e colaboradores observam que:

a comunidade de fé é constituída por “seres humanos normais”, com “aspectos patogênicos e salugênicos”, portanto devemos buscar reforçar tudo o que é saudável através da arte, cultura, esporte, lazer, e em todos os momentos utilizarmos um instrumento poderoso: a fé. A fé é criativa e é na igreja que encontramos um ambiente propício para o seu cultivo, na qual devemos exercê-la em favor de uma boa saúde. (PEREIRA, apud, PAULA, et al, 2014, p. 119).

A Igreja Cristã ou comunidade de fé deve sempre acolher os necessitados e

principalmente os jovens que se encontram em situação de dependência química. Em

outras palavras a Igreja, através da pregação do Evangelho libertador, pode possibilitar

a conscientização e reintegração social do jovem afetado por este mal.

Em concordância, verificamos algumas ações de diversas igrejas, preocupadas

com a recuperação de jovens vítimas da drogadicção.

Apesar deste e outros esforços na tentativa de erradicar esta patologia social,

percebe-se um grande abismo a ser transpassado pela sociedade, pelas comunidades

de fé e pelo Estado. Considerando que a Igreja é uma comunidade terapêutica, e as

dificuldades que permeiam o uso das drogas, entendemos que a fé, a luz da Bíblia e os

conhecimentos científicos, podem minimizar cada vez mais estes problemas estudados

por esta pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta temática tem grande relevância no que se refere à percepção que se teve

ao longo do estudo de que há varias frentes que possibilitam ajuda no tratamento e até

mesmo prevenção do uso do crack. Estado, igreja e comunidade caminham juntas

para agregar forças para atuar na problemática das drogas, com intuito de diminuir esta

69 Caderno Teológico da PUCPR, Curitiba, v.2, n.2, p.56-70, 2014

experiência tão dolorosa com os jovens, que é a drogadição. Não podemos

deixar de ressaltar que este é mais um desafio a nível mundial em encontrarmos

juntos, uma resposta para esta questão da dependência. Vamos mostrar a cada um a

importância de sermos filho de Deus, e que podemos juntos salvar os jovens dessa

vida tão degradante e humilhante.

Sabemos que é uma luta difícil, mas não é impossível. O encontro com Jesus

pode favorecer o desenvolvimento da espiritualidade. Substituir a droga que ocupa o

centro da vida do jovem dependente, pela presença curadora de Jesus que emana

amor, pode ser o antídoto para a dependência do crack. Jesus é capaz de Salvar,

Curar e Libertar todas as pessoas vítimas do envolvimento da drogadicção. O

desenvolvimento espiritual tem mostrado que é um aspecto fundamental no processo

de recuperação da dependência do crack.

Contudo, há necessidade de continuarmos as pesquisas, tanto para

entendermos melhor esta doença, como também para compreendermos o modo como

a mensagem cristã ajuda no processo de recuperação da dependência química.

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Submetido em 21 de agosto de 2014 Aprovado em 10 de outubro de 2014