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UCS - UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: RELAÇÕES DE TRABALHO TELETRABALHO: A TECNOLOGIA GERANDO UMA NOVA FORMA DE TRABALHO LETÍCIA MARIA EMANUELLI LENUZZA CAXIAS DO SUL 2007

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UCS - UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: RELAÇÕES DE TRABALHO

TELETRABALHO: A TECNOLOGIA GERANDO UMA NOVA FORMA DE TRABALHO

LETÍCIA MARIA EMANUELLI LENUZZA

CAXIAS DO SUL 2007

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LETÍCIA MARIA EMANUELLI LENUZZA

TELETRABALHO: A TECNOLOGIA GERANDO UMA NOVA FORMA DE TRABALHO

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de pós-graduação strictu sensu da UCS - Universidade de Caxias do Sul, na área das “Relações de Trabalho”, para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Chiarelli

CAXIAS DO SUL 2007

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores deste Mestrado que ampliaram minha visão do

conhecimento, mostrando-me um novo mundo de indagações, busca e prazer da

pesquisa cientifica.

Ao professor Carlos Alberto Chiarelli, muito mais que um orientador, um ídolo,

um modelo. Capacidade, sabedoria e conhecimento, aliados à participação,

dinamismo, iniciativa e relacionamento.

Aos meus pais, Carlos Eduardo e Liliane, bem como minhas irmãs Larissa e

Luciana, pelo carinho, compreensão e apoio para seguir em frente com

determinação.

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real conquista da ciência e da tecnologia moderna consiste em tomar pessoas normais, instruí-las a fundo em um setor limitado e daí conseguir, graças a uma

organização adequada, coordenar-lhes as competência com a outras pessoas especializadas mas igualmente

normais. Isso permite resguardar os gênios.

John Kenneth Galbraith, Il nuovo stato industriale, Einaudi, Turim, 1968

A

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ABSTRATO

O presente estudo tem como objetivo discutir o teletrabalho perante o Direito do Trabalho e as grandes transformações advindas do processo tecnológico. Os fatores que favorecem a disseminação do trabalho a distância e a domicílio. Nesta trajetória, exploramos as alterações ambientais onde as organizações estão buscando alternativas viáveis para seus negócios, estruturas organizacionais e formas de trabalho. Dentro desse ambiente de mutações, existem profissionais que percebem a relevância das inovações nas organizações, como é o caso do teletrabalho. A partir dessa expectativa, surge o Processo de Teletrabalho, como uma alternativa moderna de gestão empresarial, sob o enfoque das alternativas de trabalho flexível para tornar as empresas mais competitivas e dinâmicas, diferentes daquelas outras que ainda estão perigosamente acostumadas à estabilidade e à rotina do trabalho tradicional. Para tanto, percorremos as direções já abertas pela doutrina, juntando um enfoque sociológico sistêmico, aberto, que nos permite repensar o mundo do trabalho e os desafios na sociedade pós-industrial. Com isso, faz-se necessária uma nova sociologia para observar as transformações nas relações de trabalho concomitantes ao novo paradigma produtivo e tecnológico.

Palavras-chave: Mundo do Trabalho; Teletrabalho; Flexibilização;

Tecnologia.

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ABSTRACT

This study aims to discuss the telework before the Labour Rights and the huge transformations resulting from the technological process, as well as the factors that favour the dissemination of the labour both at distance and at home. Following this trajectory we explored the environmental modifications where organizations are looking for viable alternatives for their businesses, organizational structures and labour ways. Within this environment of mutations there exist professionals that perceive the relevance of innovations in the organizations, such as the telework. From this expectation arises the Telework Process, as a modern alternative of enterpreuneurial management, under the view of flexible labour alternatives, aiming to make the enterprises more competitive and dynamic, different from those that are still dangerously used to stability and to the routine of the traditional work. In order to reach our goal we followed the directions already opened by the doctrine, adding a systemic sociologic focus, opened, that allows us to rethink the labour world and the challenges of the post-industrial society. This brings about the need of a new sociology to observe the transformations in labour relations concomitantly to a new technological and productive paradigm.

Keywords: Labour World, Telework, Flexibilization, Technology.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 1 AS MUDANÇAS POLÍTICO-ECONÔMICO-SOCIAIS NO DIREITO DO TRABALHO....................................................................................................... 1.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO............................................. 1.1.1 Aspectos históricos ............................................................................... 1.2 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NOS TEMPOS MODERNOS.................. 1.2.1 A flexibilização das relações de trabalho............................................. 1.2.2 O avanço tecnológico no direito individual e coletivo do trabalho.... 2 O TELETRABALHO STRICTO SENSU - TRABALHO A DOMICÍLIO......... 2.1 O TRABALHO A DOMICÍLIO - BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS..................................................................................................... 2.2. CONCEITO DE TRABALHO A DOMICÍLIO................................................ 2.3 DIREITO COMPARADO.............................................................................. 3 TELETRABALHO........................................................................................... 3.1 O TELETRABALHO E SUAS ORIGENS..................................................... 3.2 NATUREZA JURÍDICA DO TELETRABALHO............................................ 3.3 TELETRABALHO: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE SUBORDINAÇÃO, AUTONOMIA E PARASSUBORDINAÇÃO........................ 3.3.1 Noções do trabalho subordinado e do trabalho autônomo............... 3.3.2 Noções do trabalho parassubordinado............................................... 4 O IMPACTO DO TELETRABALHO NO MUNDO ATUAL............................ 4.1 AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DO TELETRABALHO................... 4.2 TELETRABALHO E OS NOVOS PADRÕES ESPACIAIS........................... 4.3 TECNOLOGIA, QUALIFICAÇÃO E TELETRABALHO……………………… CONSIDERAÇÕES FINAIS.......…………………………………………………... REFERÊNCIAS……………………..……………………………………………….

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INTRODUÇÃO

As relações trabalhistas contemporâneas refletem as profundas e

multidimensonais alterações surgidas no meio produtivo, fazendo com que seu

próprio conceito clássico seja questionado.

Há correlação entre evolução histórica da sociedade capitalista e certo tipo de

organização do trabalho e da produção. O trabalho subordinado, prestado no âmbito

da empresa, permanece fundamental, apesar das mudanças e exigências de

readequação. A maior perplexidade resulta quando prestado fora da empresa,

denominado teletrabalho.

A base epistemológica das relações trabalhistas vem sofrendo fenomenal

flutuação nas últimas décadas, principalmente a partir do advento da internet,

revolucionando o trabalho subordinado em si mesmo (natureza, características, etc.)

e também a análise e interpretação jurídica que o tome por objeto.

Estamos diante da quebra do paradigma clássico e da instauração do novo

paradigma em que se torna obrigatório revisitar conceitos e princípios jurídicos até

então tidos por seguros e absolutos, para o fim de criticamente questioná-los,

adaptando o Direito à sociedade, permitindo que o mesmo, e também seus

operadores, cumpram a sua missão social de prevenir, amenizar e resolver os

conflitos advindos de sua dinâmica. Para tanto, é imprescindível que estejamos

impregnados dos por essa responsabilidade que nos leva à inquietação intelectual e

à busca de respostas aos novos problemas que nos são apresentados, cada dia

mais complexos.

O Direito, surge num cenário influenciado decisivamente por institutos, como

a globalização, o neoliberalismo e as tecnologias informacionais, assenta-se em

bases flexíveis, sem, no entanto, decuidar-se de sua preocupação primordial: a

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tutela do trabalhador, a proteção do ser humano em seus diversos aspectos (físicos,

morais, intelectuais), o que não se revela tarefa fácil e exige a participação atenta,

ativa e constante dos diversos setores e atores sociais. Nesse cenário, surge a

figura do teletrabalho.

O teletrabalho corresponde à forma de trabalho atípico e resulta de inúmeras

causas, destacando-se as de ordem econômica e tecnológica. Resulta de conceito

flexível de lugar de trabalho e sua expansão decorre, em parte, do novo modelo de

produção e da passagem para a sociedade pós-industrial, além do choque entre o

crescimento da mão-de-obra disponível, dificuldade de deslocamento nas grandes

metrópoles e surgimento de novas tecnologias, em especial no setor da

microeletrônica e transmissão de dados. Tais fatores aceleraram a mudança da

sociedade de emprego a tempo integral para a de tempo parcial.

A competitividade, em decorrência de fenômenos como a mundialização da

economia, determinou maior flexibilidade na busca de novas formas de trabalho.

Tais fatores influenciaram a criação de novos modelos de espaço e tempo, que tanto

caracterizaram o contrato de trabalho clássico na grande empresa. Observa-se uma

erosão do modelo tradicional e a abandono do presenteísmo.

A revolução dos meios de comunicação leva o trabalhador a prestar serviços

em sua residência ou em outros locais que não a sede da empresa, como ocorria

antigamente, quando nem se falava em Revolução Industrial. Tal fenômeno passou

a ser mais difícil de ocorrer na sociedade industrial (por ser indispensável a presença

do operário na fábrica) na qual está desaparecendo o relógio de ponto, o apito, as

linhas de montagens em série, a divisão do processo produtivo, para exemplificar.

A idéia do trabalho a distância não é nova, ela data da época do telégrafo;

com a crise do petróleo, nos idos de 1970, ganhou novo fôlego e, a partir da década

de 80, passou a ser propagada e difundida como uma nova modalidade de trabalho

por novas ferramentas, como o computador e os novos meios de telecomunicações.

O prefixo tele está sendo entendido como telecomunicações, mas quer dizer

distância; por esse motivo, a primeira acepção do teletrabalho é o trabalho a

distância, para depois ser acoplada a expressão “o uso da conexão informática na

execução do trabalho, substituindo o contato físico com os colegas pelo contato

virtual”.

O trabalho a distância é associado ao trabalho a domicílio, porque se constata

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a substituição dos escritórios pelas cabanas eletrônicas, entendidas como a casa

dos trabalhadores. Por isso, o trabalho a domicílio, serve como modelo para o

desenvolvimento do teletrabalho, apregoando-se inúmeras vantagens como a volta

ao campo e à sociedade do ócio.

Jack Nilles, ao investigar o modo de substituição dos deslocamentos do

trabalhador, cunhou as expressões teleworking e telecommuting, e o slogan “levar o

trabalho ao trabalhador ao invés do trabalhador ao trabalho” arraigou-se

sobremaneira, de modo que foi tomado ao pé da letra para atender aos objetivos de

desconcentração do trabalho e fragmentação das empresas em pequenas unidades.

A distância, característica do teletrabalho, é atualmente o pano de fundo da retirada

dos benefícios sociais, frutos de disputas acirradas entre trabalhadores e

empregadores ao longo do tempo, com a justificativa de que o teletrabalho mitiga a

subordinação. O teletrabalho, na realidade, pode revestir-se de uma falsa

autonomia, pois a subordinação e a sujeição ao controle do empregador estão

presentes em muitas atividades por meio dos dispositivos implantados nos

softwares.

Os termos cunhados por Jack Nilles na década de 70 também estão

desvirtuados. Na realidade, telecommuting é atualmente a modalidade que

prepondera na execução do trabalho a distância, juntamente com o home-based-

work, ou seja, o trabalho a domicílio do trabalhador, termo que procura retirar o

estigma do trabalho a domicílio preponderantemente manual e corrigir os desvios da

legislação orientada para esse modelo de trabalho.

A definição de teletrabalho evidencia a transformação necessária do contrato

tradicional diante das novas tecnologias. Há a necessidade de remontar às origens

desse trabalho desenvolvido fora da empresa, pela análise do trabalho domiciliar e

uma primeira comparação com o teletrabalho e as várias formas pelas quais está

sendo utilizado no mundo e, especialmente, no Brasil.

Da implantação progressiva do teletrabalho, há que se investigar as

vantagens e desvantagens já sentidas.

Como vantagens, é possível citar o aumento da produtividade do

teletrabalhador, a não-necessidade de deslocamentos, o desenvolvimento de acordo

com o biorritmo de cada trabalhador, a maior capacidade de concentração. Também

se pode apontar o trabalho desenvolvido em relação a alguns segmentos da

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sociedade que apresentem dificuldades para realização de trabalho em tempo

integral, em face de certas condições peculiares, como a necessidade de dispor

apenas de parcial jornada. Do mesmo modo, o teletrabalho beneficia pessoas com

dificuldade de locomoção que, laborando em sua própria residência, conseguem

tornar-se produtivas, sem acarretar maiores problemas à sua própria deficiência. A

própria empresa beneficia-se com a redução de custos, imobiliário e pessoal, com

diminuição ou até cancelamento dos espaços físicos.

Desvantagens também são apontadas neste tipo de trabalho fora da sede da

empresa, pois levaria o trabalhador ao isolamento social com maior probabilidade de

ruptura de contrato pela inexistência de envolvimento emocional com a equipe.

Necessário ainda se faz propor sugestões para a implantação eficaz do

teletrabalho, considerando a legislação brasileira a respeito, assim como a

regulamentação, com o exame dos sujeitos e dos meios, apresentando um possível

modelo de acordo de teletrabalho.

Pelo exposto acima, será estudada a evolução do trabalho e as diversas

concepções desenvolvidas na sociedade industrial e pós-industrial na tentativa de

explicar como o teletrabalho age na vida do homem. Enfrentar-se-ão as mudanças

que ocorreram no trabalho decorrentes do uso da tecnologia, apresentando uma

nova forma de trabalho.

O objeto da presente pesquisa fica delimitado em torno do teletrabalho,

juntamente com a tecnologia gerando uma nova forma de trabalho, e das mudanças

ocorridas com este novo tipo de trabalho.

O problema levantado - o teletrabalho - provoca alterações no mundo do

trabalho. No contexto em que se encontram as relações de trabalho, não há dúvida

de que tais questionamentos devem ser analisados diante das novas tecnologias

que estão acabando com o mercado de trabalho nos moldes do modelo da

sociedade industrial. Em específico, o que se coloca para o presente estudo, são os

reflexos do teletrabalho na questão do trabalho, a partir de uma avaliação

sociológica das mudanças advindas deste processo tecnológico, instaurado na

sociedade. Diante disso, surge o seguinte questionamento: O teletrabalho tende a

aumentar ou diminuir ao longo do tempo?

A hipótese do presente estudo é que para desenvolver a pesquisa deve-se

indagar quais os fatores que possam processar nas relações sócios-econômicos,

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com o advento do teletrabalho. sem deixar de considerar que com a revolução

tecnológica, tem se transformado por completo a forma do trabalho organizado, em

razão das novas técnicas de produção e até nos modos de relacionamento dentro

das organizações. Deve-mos nos projetar onde serão os lugares de trabalho

alterantivo e temporal. O uso de suas instalações eletrônicas as quais estarão à

disposição de um grande contigente de trabalhadores e empresários, que de posse

de seus computadores (notebooks, laptop e outros equipamentos de teletrabalho),

possam processar as suas tarefas tirando vantagens de sua condição de trabalho

com mobilidade.

Justificativa, iremos procurar analisar as transformações neste final de século

XX, e as conseqüências nas mudanças no mundo do trabalho, assim como a queda

dos paradigmas que afetaram toda a sociedade. Este estudo justifica-se em razão

da modernização tecnológica e da globalização, estudaremos as novas formas de

trabalho com a introdução do teletrabalho. Ao iniciar nossos estudos devemos

conhecer o seu papel no contexto sócio-econômico, com a utilização das diversas

ferrramentas de comunicação oferecidas pelo atual estágio de desenvolvimento

tecnológico. O teletrabalho como sendo o trabalho à distância, efetuado a partir de

casa em centros de trabalho, utilizando as novas tecnologias da informação, como a

internet, e-mail e a videoconferência. Estas novas tecnologias permitem

disponibilizar a informação independentemente do local onde cada um se encontra,

conduzindo a novas formas de executar as suas tarefas. O acesso cada vez mais

facilitado à internet resulta na possibilidade de recolher uma grande quantidade de

informação, anteriormente dificultado por distâncias físicas. A utilização da rede

traduz-se num aumneto da produtividade (uma vez que evita deslocações de casa

para o local de trabalho, assim como visitas a clientes e fornecedores. É ainda de

referir a flexibilidade horária inerente, redução de custos para a entidade

empregadora e para o trabalhador, com a diminuição do stress e o acréscimo na

motivação, melhora do meio ambiente e a racionalização das inatalações das

empresas. As transformações tecnológicas que interligam os locais e trabalho

requerem flexibilidade no modo de organizar o trabalho e administrá-lo. Para que as

pessoas mudem suas maneiras de trabalhar, os gerentes terão que mudar a

maneira como gerenciam.

Como uma tentativa de acompanhar a explosão tecnológica, cria-se uma

nova cultura onde a qualificação é requisisto essencial para manter-se dentro do

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quadro dos trabalhadores.

Nessa perspectiva, o trabalhador da revolução pós-industrial, diretamente

ligado ao aprendizado e à informação, afetado pelas transformações no mundo do

trabalho devido às novas tecnologias, pode adaptar-se à nova realidade. Portanto, o

teletrabalho é uma possibilidade de nova forma de trabalho numa busca de diminuir

o desemprego existente.

A metodologia de abordagem na elaboração da presente pesquisa foi o

método indutivo e a técnica analítico-sintética para analisar os documentos e textos

jurídicos que permitem discutir e alinhar o teletrabalho sob a ótica das mudanças

tecnológicas que operam no plano das relações concretas do mundo do trabalho.

Para observar o teletrabalho e sua complexidade, é necessário um enfoque

teórico por meio de revisões conceituais, procurando delimitar um novo marco para

demarcação do estatuto epistemológico do problema.

Espera-se, assim, contribuir para o esclarecimento em torno do conceito de

teletrabalho e a necessidade de regulamentá-lo de forma que leve em conta a sua

especificidade.

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1 AS MUDANÇAS POLÍTICO-ECONÔMICO-SOCIAIS NO DIREITO DO TRABALHO

1.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

O trabalho, de modo geral, proporciona aprender a lidar com dificuldades, a

buscar caminhos, a valorizar-se, a reconhecer talentos. Permite posicionar-se,

assumir riscos, vivenciar vitórias e derrotas, assumi-las. Ajuda a medir organização e

amadurecimento. Revela, por vezes indiretamente, o poder do conhecimento e

reconhecimento. Pode oportunizar a comunicação, a participação, a liderança.

Ensina, circunstancialmente, a lidar com a insegurança, o desemprego, a falta de

escolha; com as diferenças, a competição, os preconceitos. Obriga, muitas vezes, a

enfrentar a autoridade ignorante dos direitos dos alheios.

O trabalho é parte da vida, e a relação de emprego, complexa e mutante,

encontra-se inserida na sociedade. Por isso, pode atingir, de maneira direta ou

indireta, a vida de cada um.

É preciso observar, antes de tudo, o passado, a fim de entender não apenas o

que está acontecendo na relação de emprego hoje, como também, pensar no

amanhã.

1.1.1 Aspectos históricos

Pode-se dizer que onde existiu o trabalho, houve algum tipo de

regulamentação informal ou metodizada que sobre ele incidiu. É dessa

regulamentação, normalmente desordenada, que se recolhem os primeiros traços de

uma seqüência normativa e doutrinária que comporá a viga mestra da ciência

laboral.

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Entre os povos primitivos, nunca deixaram de existir regras para o

ordenamento das tarefas diárias. Tratava-se de simples normas reguladoras da

rudimentar atividade econômica, mantidas na tradição oral de cada povo, com o

único propósito de traçar preceitos para o bom desempenho, ou sendo, o êxito da

operação coletiva.

O homem, inicialmente coletor, que se caracterizava pelo nomadismo, pela

caminhada em busca da subsistência (quando se atreveu a ou precisou sair da

caverna), terminou por refazer-se estático, em termos de habitação. Foi quando,

depois de suas andanças de caçador, optou por fixar-se na terra, a fim de cultivá-la

como agricultor ou usá-la para a base de pecuária. Foi quando conseguiu diferenciar

a arma do instrumento de trabalho. O arado foi o passo subseqüente. A

diversificação dos instrumentos atestou o passo decisivo para a mais estruturada e

imprescindível divisão do trabalho. O grupo estabeleceu-se, cessou a migração

constante e os rudimentos de uma organização política estabeleceram-se. Eram os

primeiros indícios de uma sistematização socioeconômica e o trabalho, como

alavanca básica nessa evolução, já mostrava seu protagonismo.

A regressão em busca das primitivas nações organizadas leva-nos ao

encontro dos babilônicos. É o Código de Hamurabi, aparentemente, a primeira

norma que trata de problemas relativos ao trabalho. Contendo um prefácio, 282

artigos e um epílogo, dedicou numerosos preceitos ao laboral, não só regulando a

situação escrava, como dispondo em relação à aprendizagem profissional.

O trabalho, entre os babilônicos, estava, basicamente, entregue aos escravos,

cuja submissão, no entanto, era menos rigorosa do que aquela adotada, séculos

mais tarde, por Roma. O escravo babilônico não perdia totalmente sua condição de

pessoa.

A escravidão babilônica, tinha a característica de ser fruto de inadimplência,

cabendo ao devedor oferecê-la, como modo de pagamento, razão pela qual era de

caráter temporário, variando na proporção do débito não quitado. Entre os egípcios,

por outro lado, as disposições estabelecidas tratavam de garantir a suficiência

ordenada da mão-de-obra, impedindo a desmedida concorrência entre membros de

um mesmo ofício.

Já os hebreus colocaram, no Velho Testamento, suas preocupações

espirituais, onde também se encontram pensamentos e diretrizes sobre temas

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terrenos. Era a Religião, em uma fase teocrática da organização política, a ditar

normas que serviriam para pautar relações inclusive na área laboral1. Contudo,

deve-se reconhecer que os hebreus continham, no seu esquema legal, também

disposições específicas que, em última análise, incidiam sobre as relações laborais.

A escravidão, entre gregos e babilônicos, aparece com certo nível de

civilização, representando uma idéia, isto é, utilizar o escravo para tirar dele

vantajoso partido. Destarte, da exploração inicial da companheira subjugada, de

forma brutal, o homem partiu para uma ampliação da escravatura, fazendo-a

instrumento de apoio para fortalecimento econômico das sociedades da época.

Essa escravidão civilizadora marcou uma fase importante da História Grega.

A Guerra do Peloponeso e a conseqüente influência dos modelos espartanos

lançaram ao descrédito mais angustioso o trabalho. Vivia a sociedade grega a

circunstância de um paradoxo: o escravo (trabalhador) poderia ser (e era)

desprezado; a sua atividade poderia ser mal-vista. No entanto, o resultado dessa

atividade desprezível era elemento indispensável para a sociedade e, por isso,

merecia qualificação e tratamento peculiares. Essa condenação ao trabalho

alcançou, inicialmente, o escravo, atingindo, logo em seguida, o homem livre,

profissional das artes manuais, que delas passou a fugir para não se ver igualado ao

servo.

A melhoria de situação para o escravo só ocorreria (e ocorreu) nas fases de

escassez de mão-de-obra, quando os senhores disputavam os seus serviços,

oferecendo-lhes, como compensação, uma posição menos vexatória na hierarquia

social.

Entre os gregos, verificou-se que, à medida que diminuía o número de

artesões livres e aumentavam as condenações ao trabalho manual, caíam as

reservas morais que decorriam dos hábitos salutares do trabalho disciplinado e

diuturno.

Os romanos, no pertinente às relações trabalhistas, colocaram-nas no espaço

correspondente ao Direito Patrimonial, nele inserido o trabalho escravo. Permitia-se

o arrendamento da pessoa a um terceiro, que exploraria seus serviços e retribuiria,

1 SEGADAS VIANNA. Instituições de Direito do Trabalho. 19º ed., vol. 1, São Paulo: LTr Editora, 2000, p. 83. “Entre os israelistas as medidas encontradas no Pentateuco, relativas ao repouso semanal e ao pagamento do salário, tinham suas origens em obrigações e deveres religiosos”.

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por isso, ao seu senhor. Através de tal processo explorador, locava-se a pessoa

escrava, posto que, juridicamente, enquadrada no rol das coisas (res).

Os romanos também destacaram vinculações entre o Direito Familiar e o

trabalho.

Um terceiro ramo mantinha vínculos entre romanos, com o trabalho: o Direito

Obrigacional; dele teriam surgido estipulações que deram origem a algo aproximado

ao contrato de trabalho. O senhor, antes de conceder a liberdade, exigia o

cumprimento de uma série de requisitos, que teria de ser superada pelo servo. Uma

das garantias exigidas era, através do ius jurandum, a prestação futura do

obsequium, pelo qual o escravo obrigava-se, antecipadamente, a dispor, no porvir,

de parte de seu tempo em beneficio de seu antigo senhor, sem qualquer

contraprestação, apenas por uma perpétua gratidão por sua transformação de

escravo em liberto. Até a promulgação da lei Aelia Sentia, cabia ao antigo senhor,

além do mais, uma parcela do que o liberto perceberia pelo serviço prestado a

terceiros. Posteriormente, tal servidão foi abolida, mantendo-se, porém, as operae

officiales, como se chamavam as obrigações que forçavam o liberto a executar

algumas tarefas para o seu senhor.

Para a economia romana, a atividade dos libertos tornou-se fundamental.

No cenário sociopolítico-laboral do Império Romano, há que se destacar a

figura do “colono”. Livre, num enfoque eminentemente pessoal, via-se submetido à

terra em que trabalhava. Tal dependência real ganhou maior consistência e

importância com o decurso do tempo e relevo especial na Idade Média.

Convivendo com a queda do Império Romano, afirmava-se, no mundo, uma

força espiritual que lançava sua influência sobre diversas áreas. Era o Cristianismo

que, defendendo o amor entre os homens, derrubava a teoria e os velhos preceitos

que serviram de sustentáculos à Antigüidade Clássica e a períodos que a

antecederam.

O Cristianismo quebrou a hierarquia entre os diversos ofícios, dando a todos

o mesmo valor. Apesar disso, preservava-se certo destaque para a atividade

agrícola, agora sob fundamento de que seus exercentes, contando, em sua rotina,

com as chuvas, os frutos silvestres e os animais, estariam mais próximos da

Natureza e, por conseqüência, de Deus, seu Criador; logo, deveriam ser

distinguidos. De qualquer maneira, o Trabalho passou a ser considerado elemento

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da Criação e seu titular, o trabalhador, o agente a ser valorizado.

Essa nova configuração funcional do Homem e de suas finalidades veio a dar

uma tônica diferente às relações laborais. É quando se assiste à decomposição do

Império Romano; na proporção em que se liberam escravos, acredita-se na

redenção pelo trabalho. É quando os pater famílias cedem, progressivamente,

grandes parcelas de sua despótica autoridade no âmbito familiar, incrementando-se

vínculos convencionais entre os dois pólos da relação bilateral de trabalho.

O sopro fraterno dos ideais cristãos2 contribuiu para a derrubada do, até

pouco tempo, onipotente modelo romano que, na verdade, em seus alicerces, já

apresentava deficiências insanáveis pelo desapreço a saudáveis princípios morais.

A Idade Média indica uma reformulação radical nas relações do trabalho.

A Idade Média apresentou um grupo denominado de vassalos. Estes são,

mas não idênticos ao dos colonos ou dos servos de gleba. O vassalo mantinha-se

numa posição subordinada, ligada basicamente a um aspecto belicoso. Era o fiel

soldado do nobre feudalista, detentor de verdadeira soberania sobre determinada

área interiorana. O vassalo vinculava-se ao dono do feudo por um juramento de

fidelidade, que o obrigava a servi-lo perpetuamente.

Com relação ao colono dependente e ao servo da gleba, também há como

distingui-los. O primeiro poderia chegar a ser proprietário da terra em que

trabalhava, passando, então, a fazer parte da classe dos colonos independentes.

Caso trabalhasse na propriedade de outrem, teria de pagar parte de sua renda

àquele que lhe cedia a área cultivada. Essa parcela, teoricamente, era de livre

estipulação das duas partes. Com o tempo, no entanto, foram desaparecendo os

colonos independentes, e os dependentes passaram a perder os direitos de que

gozavam anteriormente, quando, muitas vezes, chegaram a equiparar-se, civilmente,

aos cidadãos livres.

A servidão é considerada um tipo de trabalho prestado por uma pessoa que

não tem condições jurídicas de escravo, mas, ao mesmo tempo, não usufrui da

liberdade.

2 SEGADAS VIANNA, op. cit., p. 85. “O cristianismo lançava as bases reais para, séculos mais tarde, se firmarem os fundamentos do Direito do Trabalho”.

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Segadas Vianna salienta:

[...] Aos servos era assegurado o direito de herança de animais, objetos pessoais e, em alguns lugares, o uso de pastos, mas o imposto de herança cobrado pelos senhores absorvia, de maneira escorchante, os bens dos herdeiros. E impostos havia a vários títulos, e até mesmo quando se casava uma jovem, para obter a licença do senhor da terra, havia que lhe pagar uma quantia [...] Ao servo era defeso recorrer a juízes contra o senhor da terra, salvo no caso especial de este querer se apossar do arado e dos animais que o servo possuía.3

O mesmo autor esclarece, ainda, que havia uma outra situação ligada aos

servos: “Ainda em situação inferior à dos servos estavam os cotters (moradores em

cabanas), antigos servos, eles próprios, que, por um motivo qualquer, haviam

perdido arado, os animais e o direito de uso de pasto”.4

A servidão aproxima-se muito da escravidão, pois os servos não deixavam de

ser objeto de cessão, na medida em que o senhor da terra podia mobilizar os servos

obrigatoriamente para a guerra, assim como poderia cedê-los a donos de pequenas

fábricas ou oficinas. Esta disponibilidade do senhor sobre os servos mostra a

semelhança da servidão com a escravidão.

O sistema econômico altera-se ao longo dessa época da servidão. De

economia doméstica, aos poucos passa-se para a economia de pequenos grupos

profissionais. “A necessidade de fugir dos campos, onde o poder dos nobres era

quase absoluto, ia, por outro lado, concentrando massas de população nas cidades,

principalmente naquelas que tinham conseguido manter-se livres”.5

Por volta do século doze, há o florescimento das corporações, tendo os

primeiros focos corporativos aparecido logo após o milênio.

A corporação era de caráter nitidamente local, agrupando os artesões de uma

determinada comuna. Além disso, regia-se por um esquema profissional,

englobando aqueles que pertenciam a uma só profissão, ou mais de uma, desde

que fossem similares ou muito próximas, num hipotético sistema de

3 SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000., p. 31-2. 4 SÜSSEKIND. Op. cit., p. 32. 5 SÜSSEKIND. Op. cit., p. 32.

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enquadramento.6 Em princípio, só poderiam exercer a profissão aqueles

trabalhadores que compusessem a corporação.

Verifica-se que as corporações de ofício eram organizações rigidamente

estruturadas, com hierarquia e mando absoluto do mestre. No topo da hierarquia,

portanto, vinha o mestre; depois, na escala intermediária, os oficiais e, na base, os

aprendizes. O interessante é que tal organização buscava defender a profissão, bem

como regulamentar o trabalho. Os oficiais e aprendizes tinham apenas a expectativa,

geralmente frustrada, de ascensão hierárquica, isso porque eram rígidas as normas

atinentes a essa possível ascensão.

A posteriori, acontece a Revolução Industrial, com a presença da máquina e

sua aplicação à indústria. Provocou uma revolução nos métodos de trabalho e,

conseqüentemente, nas relações entre patrões e trabalhadores. A máquina importou

a redução da mão-de-obra, pois era possível obter um determinado resultado na

produção com um número bem menor de trabalhadores envolvidos no processo. Por

outro lado, com o desenvolvimento do comércio, principalmente a adoção da

máquina a vapor nas embarcações, estenderam-se mercados e, conseqüentemente,

as indústrias se desenvolveram admitindo um maior número de trabalhadores. Seus

salários, no entanto, eram baixos porque, no antigo sistema de artesanato, cada

peça custava muito mais caro do que na produção em série que se instalaria a

seguir.

A segunda Revolução Industrial ocorreu no início do século XX, com a

organização científica do trabalho e a produção em massa ou em série,

características do fordismo e do taylorismo.

No início do século XX, Frederic Taylor fundamentou o que denominou de

princípios de direção científica das empresas, desenvolvendo uma nova

racionalidade para as fábricas e empreendimentos, defendendo que a forma mais

eficiente de organizar a produção seria a simplificação do trabalho complexo,

reduzindo-se a simples tarefas repetitivas. Os movimentos dos trabalhadores eram

6 SEGADAS VIANNA. op.cit., p. 31: “A identidade de profissão, como força de aproximação entre homens, obrigava-os, para assegurar direitos e prerrogativas, a se unir, e começaram a repontar, aqui e ali, as corporações de oficio ou ‘Associações de Artes e Misteres’. O homem que, até então, trabalhava em benefício exclusivo do senhor da terra, tirando como proveito próprio a alimentação, o vestuário e a habbitação, passara a exercer sua atividade, sua profissão, em forma organizada, se bem que ainda não gozando da inteira liberdade. É que, senhor da disciplina, não só profissional, mas também pessoal do trabalhador, surgia a figura do ‘mestre’.

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observados na produção, a fim de reorganizá-los. Cada movimento era isolado e

transformado em função diferenciada. O trabalho foi articulado como ciência. Como

conseqüência, uniformizaram-se as formas de produzir, emergiram padrões e

consumo de massa. Acentuaram-se as diferenças hierárquicas, a necessidade de

disciplina e a pouca qualificação dos executores do trabalho.

Tempos depois, Henry Ford7 aplicou os ensinamentos tayloristas na

organização do trabalho na indústria automobilística, criando linhas de montagem

em série, onde cada operário ocupava um lugar na cadeia de produção e executava

suas tarefas de forma ritmada.

Um novo paradigma instaura-se, o binômio taylorismo-fordismo8, exercendo

por um longo tempo uma influência notável nos modos de produção e formas de

trabalho, engendrando-se uma configuração mundial, que não se desenvolveu da

mesma forma em todos os lugares, carcterizando, segundo Gramsci, “um novo tipo

humano, em conformidade com o tipo de trabalho e processo produtivo (...) uma

mão-de-obra estável, um conjunto humano (o trabalho coletivo). (...) uma máquina

que se não deve desmontar nem avariar demasiadas vezes nas suas peças

individuais...”9

O “fordismo”, assim denominado por Gramsci, consistiu fundamentalmente na

separação do trabalho de concepção do trabalho de execução. Alguns preferem a

denominação de modelo fordista-taylorista, pelo fato de o fordismo ter tomado o

taylorismo como método de organização do trabalho.

A indústria, ao implementar o trabalho subordinado e assalariado, que estava

atrelada à organização capitalista e à divisão do trabalho na esfera da produção,

transformou inúmeros trabalhadores autônomos e camponeses em dependentes,

7 HARVEY. David. Condições pós-moderna. Tradução de Adail Ubijara Sobral e Maria Estela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2001, p. 122. “A data simbólica do fordismo deve por certo ser de 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia de oito horas e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha de montagem”. 8 LEITE, Márcia de Paula. O futuro do trabalho: novas tecnologias e subjetividade operária. São Paulo: Página Aberta, 1994, p. 61. Apesar de poderem ser utilizados conjuntamente, fordismo e taylorismo diferem-se entre si. O taylorismo se caracteriza pela racionalidade cientifica que pormenoriza a observação de cada movimento na realização da produção; o fordismo, por sua vez, é identificado com a crescente divisão do trabalho, utilizando o maquinário especializado, linha de montagem e esteira rolante. “A linha de montagem, proposta logo em seguida , por Ford, se apoiava nas mesmas preocupações que motivaram Taylor, qual seja, a de eliminar os tempos mortos da produção, transformando-os em tempos produtivos. Todavia, ao basear a organização do trabalho em torno da correia transportadora, o fordismo conseguiu garantir ao capital a determinação autoritária da cadência de trabalho, através da submissão dos trabalhadores à velocidade da linha. 9 GRAMSCI, Antonio. Americanismo e fordismo. Lisboa: Estampa, 1974, pp. 146-168.

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submetidos a uma disciplina rígida e um ritmo de trabalho intensivo, a fim de

produzir uma enorma quantidade de artigos padronizados, criando uma cultura de

consumo de massas. Uma nova organização científica do trabalho surgia.

A expansão do consumo e a relativa lentidão do progresso tecnológico

permitiram ao mercado de trabalho absorver uma boa quantidade de mão-se-obra.

Fábrica e sindicato reuniram trabalhadores em massa. A própria norma trabalhista

se integrava ao sistema.

As contradições do capitalismo pareciam resolvidas ou, pelo menos,

esquecidas, já que os salários crescentes serviam ao empresário (permitindo o

consumo), ao Estado (que arrecadava mais), ao sindicato (que se fortalecia) e

também aos próprios trabalhadores. Todas as peças se encaixavam.

Porém, a partir do momento em que um dos encaixes se desconectou, diante

da incapacidade de conter as contradições, oscilações e incertezas inerentes ao

capitalismo, o jogo do sistema se complicou. Esse modelo já não mais servia para

dar conta do conjunto de desafios colocados à acumulação e à lucratividade do

capital. Assim:

a profunda recessão de 1973, exarcebada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da estagnação e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em conseqüência, as décadas de 80 e 90 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político. Uma séria de experências nos domínios da organização industrial e da vida social começou a tomar forma (...) um regime de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de regulamentação política e social bem distinta10.

A introdução de novas tecnologias, principalmente pelas emrpesas japonesas,

visando a obter maior flexibilidade através de uma grande variedade de

equipamentos ligados não só à fabricação de produtos, mas também à transferência

de peças e materiais no interior do processo produtivo, testemunham a busca do

capital por um novo modelo.

Nessa época, surgiram, também, os sistemas de produção integrada ou

assistida por computador:

10 HARLEY, David. op.cit. p. 135.

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incorporam e relacionam funcionalmente, além das próprias operações manufatureiras, os fluxos e o armazenamento de materiais, peças e componentes, compras, vendas, contabilidade, folha salarial, etc. A tecnologia avançada possibilita o incremento da produtividade, a melhoria da qualidade e uniformidade do produto, a substituição do trabalho por capital e maior flexibilidade no processo produtivo.11

Avanços tecnológicos, especialmente nos países economicamente

desenvolvidos, proporcionaram o que podemos denominar a Terceira Revolução

Industrial. Novas ciências se desenvolveram na crista dessa revolução tecnológica.

1.2 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NOS TEMPOS MODERNOS

Em três saltos sucessivos – em meados do século XVIII, em fins do século

XIX e nos anos 30, com as chamadas primeira, segunda e terceira revoluções

industriais –, a Europa e os Estados Unidos conseguiram alcançar um progresso e

um bem-estar até então desconhecidos da humanidade. Nos setores em que a

tecnologia e a organização deram passos à frente, a produtividade aumentou de

forma expressiva.

As dimensões tecnológica, política, econômica e cultural dessa terceira

revolução são importantíssimas, mas interessa, prioritariamente, isolar a dimensão

organizacional. Com o advento da indústria, de fato, o trabalho, que, durante

séculos, foi executado mais ou menos do mesmo modo, com custos singulares de

brutal fadiga e resultados iguais, é organizado em bases novas, até atingir

vertiginosos níveis de produtividade. A organização do trabalho se transforma numa

ciência autônoma: talvez uma das mais preciosas, se pensar que, graças a ela, foi

possível melhorar o rendimento de realizações técnico-científicas, mesmo dos

trabalhos artísticos.

Na sociedade industrial, procurava-se fazer frente (por meio de descobertas,

da exploração da natureza e da produção de manufaturas) aos problemas e

necessidades que se acumulavam ao longo do tempo. É Domenico de Masi quem

propõe uma visão mais completa e abrangente sobre tal conceito no que diz respeito

“essencialmente às mudanças na estrutura social, às transformações que se

11 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O Moderno Direito do Trabalho. p. 135.

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produzem na vida econômica e na estrutura profissional, e, por fim, às novas

relações que se estabelecem entre teoria e a prática experimental, entre ciência e

tecnologia”12. E continua: “passamos da produção de bens, típica da sociedade

industrial, para a produção de serviços, típica da sociedade pós-industrial”13.

O progresso técnico-cientifíco acentuou-se a partir da Segunda Guerra

Mundial. Tornou-se manifesta uma profunda transformação da época em que se

mantivera acesa sob as cinzas desde o começo do século XX. Essa transformação

desenvolveu-se e propagou-se como uma rede de nós rígidos e malha elástica.

Cada um desses elementos está em posição recíproca de causa e efeito com todos

os outros. Por exemplo, o progresso tecnológico permite melhorar a organização das

fábricas e as fábricas mais bem organizadas aceleram o progresso tecnológico.

Poder-se-ia indicar os elementos que exercem papel propulsor do sistema

pós-industrial e de sua dinâmica e, no caso, não haveria dúvida: privilegiar-se-ia a

ciência, a tecnologia, a globalização, o progresso organizativo, a escolarização.

A partir do início do século XX e com uma forte aceleração da Segunda

Guerra Mundial em diante, as descobertas da Física atômica e subatômica, a

abertura do campo molecular na biologia, o desenvolvimento dos meios de

transporte e comunicação de massa, a produção de novos materiais, a rapidíssima

ascensão da eletrônica, da informática e da telecomunicação contribuíram para o

salto da sociedade industrial à pós-industrial.

Essa aceleração do progresso científico e técnico não poderia ter existido

sem a maciça substituição do pesquisador isolado (small science) pelo trabalho em

equipe (big science) e sem a acelerada velocidade com que as descobertas

científicas logo se traduziram em aplicações práticas. A agricultura precisou de nove

milênios para dar vez à indústria. À indústria, bastaram apenas dois séculos para

iniciar a gestação dessa nossa sociedade em transição em que vivemos.

Atualmente, verifica-se uma modificação gradual na atitude do empresário em

relação à mão-de-obra, posto que, sendo maior a evolução tecnológica, mais

preciosos são os recursos humanos altamente qualificados, principalmente na

medida em que as empresas cresçam e se mantenham vivas no mercado. A

12 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução de Yadir A. Figueiredo. Rio de Janeiro/Brasília: José Olympio/UNB, 2000, p. 33. 13 Idem, p. 35.

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conseqüência desses processos produz a “expansão de novos tipos de trabalho no

setor do conhecimento, de modo que trabalhadores em informação serão

predominantes na economia”14.

Esses progressos tecnológicos possibilitaram também novas formas de

prestação de trabalho, como o teletrabalho, até o chamado “sistema de produção

flexível” que Robortella explica como sinônimo da “fábrica sem operários”. É ele uma

combinação de engenharia mecânica e microeletrônica, no intuito primordial de

economizar as escalas de trabalho em pequenos lotes, através de um computador

central de ligação direta que controla as máquinas-ferramentas e outras estações de

trabalho, bem como pela transferência de componentes e do processo ferramental.

Essa combinação de flexibilidade e controle global possibilita a produção de ampla

variedade de produtos em pequenos lotes.

O processo econômico da descentralização produtiva, hoje de mãos dadas

com a globalização15, tornou-se um fenômeno mundial e, com a queda das

fronteiras, todas as formas de prestação de trabalho tornam-se exploráveis.

A globalização ou a mundialização não é um fenômeno imprevisto. No

passado, quando novas tecnologias substituíram trabalhadores em determinado

setor, novos setores surgiam para absorver os trabalhadores demitidos. Hoje os

setores tradicionais da economia – agricultura, indústria e serviços – estão

vivenciando deslocamento tecnológico. O único setor emergente é o do

conhecimento.

Conforme as inovações tecnológicas e organizacionais foram permitindo que

homens e mulheres aumentassem a produção de mercadorias com mais qualidade,

menos esforço e recursos, o trabalho e os trabalhadores mudaram da produção

direta para a indireta; do cultivo, extração e fabricação para o consumo de serviços e

trabalho administrativo, e de uma estreita gama de atividades econômicas para um

universo profissional cada vez mais diverso.

À medida que as economias evoluem a passos rápidos para a integração e

interpenetração, o mercado de trabalho resultante refletirá intensamente a posição 14 KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 35. 15 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Na definição da Anthony Giddens, globalização é a “intensificação das relações mundiais que ligam localidades distantes, de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorridos a muitas milhas de distância e vice-versa”.

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de cada país e região na estrutura global de produção, distribuição e administração.

As conseqüências, ao se analisar a teoria do informacionalismo, são de

grande alcance: a unidade de análise para a compreensão da nova sociedade terá

de mudar necessariamente. O enfoque da teoria deve deslocar-se para um

paradigma comparativo capaz de explicar, ao mesmo tempo, o compartilhamento de

tecnologia, a interdependência da economia e as variações da história na

determinação de um mercado que atravessa as fronteiras nacionais.

Há uma tendência histórica para a crescente interdependência da força do

trabalho em escala global por intermédio de três mecanismos: emprego global nas

empresas multinacionais e suas redes internacionais coligadas; impactos do

comércio internacional sobre o emprego e as condições de trabalho tanto no Norte

como no Sul; e os efeitos da concorrência global e do novo método de

gerenciamento flexível sobre a força de trabalho nacional. Em cada caso, a

tecnologia da informação é o meio indispensável para as conexões entre os

diferentes segmentos da força de trabalho nas fronteiras nacionais.

A ampliação da tecnologia da informação em fábricas, escritórios e serviços

gerou um temor dos trabalhadores de se verem substituídos por máquinas e de se

tornarem dependentes à lógica produtivista que ainda domina a organização social.

O debate sobre esse assunto ultrapassou a última década e está longe de

gerar uma resposta objetiva.

Kaplinsky enfatizou a necessidade de distinguir as descobertas em oito níveis

diferentes: nível de processo, nível de fábrica, nível de empresa, nível de indústria,

nível de região, nível de setor, nível nacional e metanível. Após fazer a revisão dos

dados para cada um, o autor conclui:

Quando os estudos individuais oferecem alguma afirmação clara sobre a questão, parece que os macro/microestudos quantitativos levam a conclusões fundamentalmente diferentes. As investigações de processos em fábricas em geral parecem apontar para uma significativa dispensa de mão-de-obra.16

16 KAPLINSKY, Raphael. Microeletronics and Work Revisited: A Review. Relatório preparado para a Organização Internacional do Trabalho. Bringhton: University of Sussex Institute of Development Studios, 1986, p. 153.

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Bessant considera sucessivos o que ele chama de “repetidos temores em

relação à automação e ao emprego” expressos desde os anos 50. A equação global

deve levar em consideração vários elementos ao mesmo tempo:

Os novos empregos gerados pelas novas indústrias de produtos baseados em microeletrônica; os novos empregos em tecnologias avançadas criados nas indústrias existentes; os empregos eliminados pelas transformações dos processos nas indústrias existentes; os empregos eliminados nas indústrias cujos produtos estão sendo substituídos pelos baseados em microeletrônica, tais como equipamentos de telecomunicações; os empregos perdidos por mera falta de competitividade devido à não-adoção da microeletrônica. Após a consideração de tudo isso, no geral o padrão é de perdas e ganhos, com alteração global relativamente pequena no nível de emprego17.

As inovações tecnológicas impuseram mudanças e rearranjos da sociedade.

Introduzidas no sistema produtivo, a automatização, a informalização e os novos

modos de organização vêm traduzindo algumas características novas dentro do

trabalho, que refletem diretamente na sociedade do trabalho.

Segundo Ulrich Beck18, a internacionalização da produção é caracterizada na

medida em que o mesmo produto participa de uma cadeia produtiva, espalhada em

diferentes países e continentes, tornando o capital móvel em escala global,

enquanto os Estados permanecem territorialmente vinculados. Dessa maneira,

haveria duas grandes vantagens para os empresários: promover uma concorrência

global entre a mão-de-obra cara e a mão-de-obra barata, de um lado, e entre as

condições tributárias e a repartição da fiscalização tributária nos Estados, por outro.

Se a globalização é um processo multidimensional e complexo, operando

simultaneamente em quase todos os domínios institucionais, é razoável que, entre

os debates sobre o tema, se encontre o de repensar o Estado Nacional, com todas

as suas conseqüências práticas e intelectuais, pois a teoria moderna do Estado

democrático, liberal e constitucional supõe uma comunidade nacional com direito a

governar e a determinar seu próprio futuro.

Conforme Robortella:

17 BESSANT, John. Microeletronics and Change at Work. Genebra: International Labour Organization, 1989, p. 30. 18 BECK, Ulrich. Capitalismo sem trabalho. Ensaios FEE. p. 35.

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O Estado cumpre, nesse processo, o papel de estimular o novo perfil da produção de bens e serviços, através de instrumentos que impulsionem a indústria nacional e lhe dêem maior competitividade. Mais do que nunca a exportação de bens e serviços constitui uma das alavancas do desenvolvimento econômico. (...) A intervenção estatal nos processos de reestruturação varia de um país a outro, mas todos a reconhecem necessária, porque o domínio da tecnologia significa maior poder político e econômico.19

Celso Furtado20 explicava que o capitalismo atual “prescinde de um Estado,

nacional ou multinacional, com pretensão de estabelecer critérios de interesse geral

disciplinadores do conjunto das atividades econômicas”. Isso, segundo o autor, não

afasta o Estado do interesse coletivo; suas ações no campo social só se fazem

sentir à medida que a estabilidade da economia favoreça suas ações nesse campo,

mas, atualmente, “a estabilidade e a expansão das economias dependem

fundamentalmente das transações internacionais”. Sendo assim, o Estado é forçado

a modificar suas instituições e a adotar medidas legislativas e meios

intervencionistas como forma de proteger sua economia.

Surge uma nova ordem jurídico-social, na qual as mudanças no mundo do

trabalho, ocasionadas pela reestruturação produtiva e pela mundialização do capital,

também se fazem sentir nas políticas sociais de cada Estado para fazer frente a

fenômenos que não são marginais à sociedade produtiva, como o desemprego, a

informalidade e as novas formas de trabalho, que hoje têm, nos avanços

tecnológicos e dos meios de telecomunicações, seus propulsores.

A informalidade, como fenômeno social, surge no próprio âmago da

sociedade produtiva, estando presente desde os primórdios da industrialização. É

formada, desde essa época, por uma população marginal que encontrava e

encontra, no subemprego ou no emprego disfarçado, seu modo de subsistência.

Atualmente, a informalidade estaria associada à rigidez das normas trabalhistas. É

usada, ora como pano de fundo para alcançar a desregulamentação das leis

trabalhistas; ora para flexibilizar a proteção tutelar.

A informalidade é resultante da excedente de mão-de-obra e de sua baixa

qualificação, fenômeno que se evidencia, sobremaneira, na economia dos países do

terceiro mundo. Atualmente, ela seria tida como o retrato do “custo humano do

19 ROBORTELLA. op. cit. p. 137. 20 FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998. p. 32 (Coleção Leitura). Texto extraído da primeira parte da obra citada.

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progresso”, porque constitui a única via para aqueles trabalhadores que, em

decorrência da pouca qualificação, não são absorvidos pelo mercado de trabalho

formal, que exige competência fundada na qualificação profissional.

Já os desempregados21, que constituíam o exército de reserva da mão-de-

obra, atualmente seriam, em várias situações, a regra; não mais a exceção. A

produção flexível ou enxuta acabou por flexibilizar o trabalho e racionalizar a

produção, passando a significar o corte de empregos, o fechar de seções e/o reduzir

custos. Tudo se tornou flexível: a produção, a economia, o trabalho, a remuneração,

o tempo de trabalho e o próprio capital. Segundo Jeremy Rifkin, em seu livro “A Era

do Acesso”, vive-se a “a era da flexibilidade”.

Ante o alastrar-se do desemprego, o Estado de bem-estar social não

viabilizou uma política que o substituísse. A tese do pleno emprego, objetivo da

política, tanto jurídica como social, foi substituída por um conceito mais amplo: o de

ocupação social. Segundo Mário Pinto22, ele abrange a relação clássica de emprego,

o trabalho autônomo, o trabalho familiar e todas as formas de trabalho denominadas

atípicas.

As formas de trabalho denominadas atípicas são derivadas do que se

convencionou chamar de flexibilização das relações de trabalho. Aliás, o termo

flexibilidade foi importado do glossário empresarial para ser incorporado no Direito

do Trabalho.

1.2.1 A flexibilização das relações de trabalho

O salto tecnológico dos meios de produção e de comunicação foi a principal

causa do movimento; por outro lado, ensejou a desregulamentação das normas

trabalhistas.

21 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama e Claúdia M. Gama, p. 50. O termo “desemprego” costumava ser aplicado a uma restrita população, constituída por uma reserva de mão-de-obra formada por indivíduos que se encontravam temporariamente sem emprego ou incapacitados para trabalhar por motivos de saúde, enfermidade ou dificuldades econômicas e deviam ser preparados pelos poderes públicos para reassumir o emprego quando aptos. Atualmente, é sinônimo de exclusão social, sendo muitas vezes excluído pelo próprio poder público e sua proteção. 22 PINTO, Mário apud ROMITA, Arion Sayão. Flexibilização e os princípios do direito do trabalho. In: Direito do trabalho: temas aberto, p. 112.

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Entende-se por flexibilização ou desregulamentação do Direito do Trabalho o

“movimento que visa a torná-lo maleável, capacitando-o a ser moldado conforme a

realidade em que está inserido”.

A flexibilização das relações de trabalho é parte de um processo de

macroplanejamento visando a adaptar o trabalho às mudanças tecnológicas, e em

virtude do desemprego. Foi na década de 70 que ela despertou a atenção da Europa

em razão da crise de petróleo. A partir de então, passou a abarcar inúmeras

acepções, particularmente com a eliminação ou/a redução da proteção clássica dos

empregos, com a finalidade real ou presumível de aumentar o emprego e a

competitividade das empresas. No entanto, a flexibilização interna e a externa é que

têm ocupado o Direito do Trabalho. Conforme Ermida Uriarte23, a flexibilidade interna

“afeta aspectos de uma relação de trabalho preexistente e que subsiste: pode recair

sobre o horário de trabalho e os descansos, sobre a remuneração e sobre as

mobilidades geográficas ou funcional”. Já a flexibilidade externa “afeta o contrato de

trabalho stricto sensu, modificando as formas de contratação ou as de extinção do

contrato”.24

Flexibilizar, portanto, não é desregulamentar.

A flexibilização também não deve ser confundida com a precarização dos

empregos. Os novos métodos de organização do trabalho favorecem a segmentação

do emprego e, combinados com o progresso das ciências e das técnicas e com a

necessidade de redução de custos sociais, podem levar à exploração e à utilização

de todas as formas possíveis de flexibilidade. O próprio Poder Público tenta, às

vezes, pela diversificação dos empregos, reabsorver o grande contingente de

trabalhadores desempregados, todavia algumas modalidades de trabalho,

consideradas flexíveis, podem levar a uma melhoria das condições de trabalho,

quando se individualizam salários e horários ajustáveis para atender às

necessidades do trabalhador.

Leonardo Silva, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho25, examinando as

controvérsias resultantes da chamada reforma trabalhista, que buscaria a alteração

das relações entre capital e trabalho e as modificações das normas celetistas, com a

23 ERMIDA URIARTE, Oscar. La Flexibilidad. In: Derecho Del trabajo y la seguridad social. 1, p. 9 (Cuadernos de Fundación, n. 3). 24 Idem, p. 14. 25 SILVA, Leonaldo. Globalização – capital e trabalho. Síntese Trabalhista, 101/97.

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finalidade maior de criar, no Brasil, a livre negociação, destaca duas vertentes.

A primeira, composta pelos defensores da reforma das relações de trabalho,

afirma que o Direito do Trabalho é rico em normas jurídicas protetoras do trabalho e

do trabalhador e que se faz necessária a adoção de procedimentos flexibilizadores,

tais como as cooperativas de trabalho, terceirização e redução de jornada. Para os

defensores dessa vertente, a viabilização desses procedimentos flexibilizadores

depende de mudanças radicais na legislação nacional e internacional, devendo

iniciar-se pelo afrouxamento do princípio nuclear da proteção ao trabalhador.

Ressaltam a discrepância do Direito do Trabalho diante das exigências do mundo

moderno, da livre negociação e da economia do mercado. Busca, tal corrente, na

realidade, o implemento de uma nova fisionomia para as relações trabalhistas deste

século, alegando a imprescindibilidade dessa flexibilização para a revisão dos

fundamentos do Direito do Trabalho, a fim de adequar-se a uma função social e

jurídica emergentes da nova situação econômica e tecnológica.

Uma outra vertente preconiza a manutenção das regras vigentes, ressaltando

que os fundamentos dos direitos trabalhistas, tais como férias, descanso semanal

remunerado, descanso intrajornada, limitação da jornada, aviso prévio, fundo de

garantia do tempo de serviço, visam à preservação da dignidade do trabalhador e da

sua integridade física.

É importante tentar aprofundar a divergência, para chegar a uma posição

compatível.

De início, maior liberdade na contratação pode, presumivelmente, facilitar a

preservação e talvez a criação de empregos; entretanto, é de se questionar se tal

situação se perpetuaria e se a eliminação gradual e progressiva de garantias e

custos trabalhistas implicaria efetivamente a diminuição do desemprego estrutural ou

maiores salários, ou, ainda, se esse procedimento tão-somente atenderia aos

interesses da classe empresarial. Sem dúvida, o Direito do Trabalho deve ser

dinâmico e pautado em regras suscetíveis de alterações em busca do equilíbrio das

forças do capital e do trabalho, modernizando-se progressivamente. Porém, deve-se

estar atento às necessidades peculiares do processo laboral brasileiro e não

pretender simplesmente adaptá-lo à flexibilidade norte-americana ou à rigidez

européia.

Não foi o Direito do Trabalho que provocou a crise econômica e,

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conseqüentemente, não é a diminuição dos direitos dos trabalhadores que vai

provocar a recuperação da economia. Ressalta-se que o custo da mão-de-obra no

Brasil, mesmo agregado de todos os encargos sociais, é baixíssimo, se comparado

ao de outros países26.

Segundo Márcio Pochmann27, o tema “custo do trabalho” não tem sido

abordado de forma correta, pois se têm considerado encargo social parcelas que,

efetivamente, não possuem tal natureza28.

As modificações decorrentes dos avanços tecnológicos nos elementos

estruturais do vínculo empregatício devem ser voltadas para o bem comum e não

para atender a interesses individuais de minoria, em prejuízo da esmagadora

maioria.

O Direito do Trabalho não pode ser, pela via da flexibilização, um instrumento

de proteção do capital em detrimento do trabalhador que, juntamente com o princípio

da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, forma a base do Direito Laboral.

Abarcando esse ramo do direito relações desiguais, cabe refletir se a

desestatização das relações de trabalho não implicaria a liberdade dos fortes de

dispor do destino dos mais fracos.

O Direito se politiza. O modelo dualista implicaria uma inflação da legislação

estatal e provocaria uma crise no âmbito jurídico, que se juntaria à crise econômica e

política dos anos 1970/80. O modelo político-jurídico está sendo substituído por um

modelo participativo voluntário, cuja característica principal é a volta à autonomia

privada e à redução das intervenções do poder público. Cada vez mais é incentivado

o direito participativo em todos os níveis da sociedade. Nessa perspectiva, nem a

volta à autonomia do mercado, nem a regulamentação, nem o processo participativo

constituem fins em si, mas devem ser colocados entre os instrumentos possíveis da

política global e dualista adotada em favor dos trabalhadores (e da paz social, que

poderia ser economicamente produtiva).

Faz-se necessária a conjugação de fatores políticos, econômicos e sociais,

26 Segundo Arnaldo Süssekind (in O futuro do direito do trabalho no Brasil, Revista da Anamatra, n.39, ag./set./00, p. 39). 27 POCHMANN, Márcio. O fetiche dos encargos sociais. Folha de S. Paulo, 25.06.97, p. 22. 28 Encargo social é o “ônus contributivo do empregador direcionado ao financiamento das políticas públicas e dessa forma não pode integrar tal cálculo o percentual pago a título de custo salarial, como férias, feriados, décimo terceiro salário, FGTS e verbas rescisórias (...) (POCHMANN)

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incluídos nestes os elementos históricos e culturais, para a tentativa de superação

dos desafios que compõem o sistema de relações profissionais de determinado país,

base para a construção de uma nova política social de ocupação e renda.

As relações trabalhistas atuais sofrem constantes alterações surgidas no meio

produtivo, fazendo com que seu conceito clássico seja questionado, notadamente

para fins de readaptação do modelo calcado na visão que possui nos conceitos

jurídicos subordinação, habitualidade e pessoalidade seu fundamento. Precisamos

analisar o direito em movimento, no seio da sociedade, mutando-se e causando

mutações em tantos outros institutos, sempre acreditando que o Direito do Trabalho

pode responder a essas novas realidades que a tecnologia está trazendo, como por

exemplo, o teletrabalho, que retira da empresa a concepção de local de trabalho.

A Constituição de 1988, em lugar de flexibilizar e apenas estabelecer os

grandes princípios no campo trabalhista, preferiu partir para o detalhe, aumentando

a rigidez normativa e os custos indiretos da mão-de-obra, fazendo com que o Brasil

passasse a ser, atualmente, um dos países de mais baixos salários e mais altos

encargos sociais, considerados como tais, também, as incidências sobre parcelas

salariais. As novas condições econômicas, determinadas pela revolução tecnológica,

pelo aumento da competição mundial ou em decorrência da recessão, vêm

demandando estímulos para uma redução da legislação sobre o mercado de

trabalho.

A experiência acumulada revela que a negociação de concessões, realizada

ao nível das empresas e com base em participação, permite avaliar

consideravelmente os efeitos da recessão sobre os trabalhadores. Nos últimos anos,

o Brasil deu vários passos em direção a uma negociação mais flexível e mais

descentralizada. Os acordos coletivos diretos entre empregados e empresas

aumentaram. É verdade que o quadro legal se tornou mais rígido, o que pode ser

exemplificado pelos custos compulsórios e o fortalecimento do poder normativo da

Justiça do Trabalho, introduzidos na Constituição de 1988. Mesmo assim, o avanço

em direção à descentralização continuou ocorrendo.

O Brasil tem chance de ampliar seu espaço no sistema negocial e nas

relações de parceria baseados na contratação e remuneração flexíveis. A própria

Constituição, nos seus arts. 7º, inciso XI, e 218, § 4º, garante a participação dos

trabalhadores nos lucros, resultados e ganhos de produtividade do trabalho. Além

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disso, o movimento sindical e os trabalhadores individualmente têm forçado as

empresas a se tornarem mais transparentes na liberação de dados que permitam

avaliar seu desempenho.

Ao lado da flexibilização das relações de trabalho, vista por muitos como

desregulamentação e precarização do trabalho, assistimos à constitucionalização

dos direitos sociais e coletivos, como a saúde, a educação, o trabalho, dentre outros.

Sendo assim, a defesa de um mínimo de normas trabalhistas é necessária

aspiração, tanto de trabalhadores como de governos e empresários. E a OIT que,

normalmente, lidera e acompanha esse processo, participa de uma luta pela

promoção das condições dignas do trabalho humano, base da paz e da justiça

social.

1.2.2 O avanço tecnológico no direito individual e coletivo do trabalho

A tecnologia, tanto nas relações individuais (empregado/empregador), quanto

nas coletivas, suscita e enfrenta problemas, vendo-as desafiar a reestruturação

produtiva. São elas pertinentes à operacionalidade da tecnologia, que se apresenta,

no plano dos processos produtivos, de três maneiras:

a) mudança no conteúdo do trabalho, com deslocamento de trabalhadores;

b) substituição deles, provocada pela redução das horas de trabalho

necessárias à produção;

c) elevação simultânea da produtividade e da produção, não com a

manutenção do nível de emprego, mas pela ampliação das atividades produtivas, o

que, de certa forma, pode mascarar a perda da capacidade de absorção da mão-de-

obra.

Conforme Douglas Brasil e Curtis Cook, o resultado final do uso da nova

tecnologia é maior produtividade, custos mais baixos e melhor qualidade. À medida

que o uso da tecnologia se difunde na sociedade, a produtividade coletiva aumenta

e, com ela, os níveis de rendimentos, o que facilita novos investimentos na educação

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e, conseqüentemente, maior variedade tecnológica29, o que nem sempre ocorre (e

não em toda parte) como dá a entender a afirmativa.

Robortella chama de “estrutura ocupacional polarizada”30 o contexto em que

predomina “a baixa qualificação em funções que alocam o maior número de pessoas

e, no outro extremo, funções de grande especialização alocando reduzido número

de profissionais”.

As novas tecnologias buscam maior controle técnico sobre o conteúdo e ritmo

do trabalho e, em conseqüência, sobre a atividade do empregado, o que, em

princípio, pode significar menor liberdade de ação deste; no entanto, embora tenha o

telempregado maior disponibilidade de tempo, renumerado pela produção, seu ritmo

do trabalho exacerbado pode redundar em condições físicas mais extenuantes.

A polarização ocasiona uma profunda separação entre empregados muito

qualificados, de um lado, e pouco qualificados, de outro, os quais constituirão a

maioria com conseqüente perda da função exercida. Isso se pode entender como

“risco de desemprego”.

A perda de emprego, o problema da falta de trabalho, o trabalho precário e

informal são riscos, perigos que o homem enfrenta dia a dia, ainda que não possa

conhecer suficientemente o futuro, nem imunizar a tomada de decisões contra

fracassos, para que aprenda a evitar os erros. Segundo Niklas Luhmann, o

importante para o conceito de risco é exclusivamente que o possível dano seja

contingente , ou seja, evitável ao ponto de afirmar que: “el concepto se refiere a um

acuerdo de contingencia de alto nível (...). Las contingencias temporales provocam

contingencias sociales y esta pluralidade no puede ser sometida en uma forma del

ser”31.

A contingência não é negativa, porque ela existe para evitar a estagnação, já

que a incerteza é uma certeza de incerteza. A contingência significa a necessidade

de envolver-se em riscos: “eu vou porque não tenho certeza”, “me submeto a

29 BRASIL, Douglas; COOK, Curtis. O empresário diante das transformações sociais, econômicos e tecnológicas, p. 55. 30 ROBORTELLA, Luiz Carlos A. O impacto das novas tecnologias nas condições de trabalho e emprego. Revista LTr 51-07, julho/87, pp. 789-790. 31 LUHMANN, Niklas. Sociologia del riesgo. Tradução de Javair Torres Nafarrate. México: Universidad de Guadalajara/Universidad Iberoamericana, 1992, p. 60. Tradução Livre: “o conceito se refere a um acordo de contingência de alto nível (...). As contingências temporais provocam contingências sociais e esta pluralidade não pode ser submetida em uma forma de ser”.

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trabalhos precários porque não tenho certeza de um trabalho no dia seguinte” , etc..

Risco, conforme Niklas Luhmann, poderia ser estudado em oposição à noção

de segurança, mas, no fundo, é um conceito válvula-de-escape para exigências

sociais, preferindo compará-lo com a idéia de perigo. O autor propõe uma distinção

entre risco e prejuízo que se apresenta mediante duas posssibilidades:

Pude considerese que el posible daño es uma consecuencia de la decisión, y

entonces hablamos de riesgo y, mas precisamente, del riesgo de la decisión. (...) el

posible daño es provocado externamente (...) y en este caso, hablamos de peligro

em relacion a si uno cre tener o no bajo las consecuencias de la propria conduta32.

Riscos, podem acarretar profundos prejuízos à sociedade do trabalho, que,

quando percebidos, tornam-se claramente perigosos; porém o perigo tem algo

claramente ameaçador que o risco nem sempre possui.

Qualificar-se, ou não, tomar decisão pela formação profissional, não tomar a

decisão, que também é uma decisão, são também condutas que não estão livres do

risco. O modelo utilizado para a redução desses riscos e perigos é orientado pela

prevenção. A prevenção pode resultar numa útil ficção para dar ânimo, já que, por

exemplo, quando o homem se qualifica, com o objetivo de conservar o emprego ou

ingressar no mercado de trabalho, pode simplesmente não conseguir conservar o

emprego ou não conseguir ingressar nesse mercado. A idéia do risco significa

também o surgimento de oportunidades, de mudanças e não necessariamente de

preocupações.

A tecnologia, em regra, diminui a dependência da empresa quanto ao trabalho

de seu empregado, especialmente quando desenvolvido fora do âmbito empresarial,

o que pode resultar em ameaça ao poder dos sindicatos, gerando, inclusive, a

necessidade de criação de novas políticas coletivas para tentar legitimar esse poder.

Com isso, se faz necessário analisar o sindicato ante as mutações que vem

sofrendo ao longo do tempo.

Fatores externos também contribuíram para a expansão e enfraquecimento

do sindicalismo. Um deles, de origem externa, foi a relação com o Estado. No Brasil,

32 LUHMANN, Niklas. op.cit., p.65. Tradução Livre: “Se possíveis danos estão sendo interpretados como conseqüências da própria decisão, tratam-se de riscos (...) Não obstante, falamos de perigos quando alguém relaciona os próprios danos com causas fora do próprio controle”.

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em etapas agudas do “Estado-Novo”33 e nos momentos mais contundentes (69-73)

do regime militar34 – ou, mais diplomática e eficientemente, em especial pela múltipla

delegação de tarefas públicas, do Governo ao sindicato.35

Muitos fatores vieram, progressivamente, a contribuir para que se registrasse

um afastamento do profissional de entidade associativa.

Sempre que o Estado, não assegurando o exercício da liberdade, mola

mestra do autêntico processo associativo, desbordou os seus limites, bitolou o

Sindicato. Impediu que ele fosse ponto de convergência para empresários e

trabalhadores, obstruídos de, livremente, exercitar seus direitos no espaço reservado

aos interesses coletivos.36

Contribuiu para a debilitação da força associativa o desinteresse ou a

desmobilização progressiva da juventude trabalhadora, a descrença que o último

quartel do século XX gerou nos chamados corpos intermédios ou intermediários (o

partido, na política; a religião institucionalizada, na fé; o parlamento, na

representação societária; o sindicato, no tema laboral), estimulou a valia do

individualismo.37

Se os novos tempos (panorama atual) privilegiarão o trabalhador criativo (o

que labore mais com a cabeça do que com as mãos), posto que a atividade

repetitiva seja, cada vez mais, desenvolvida pela máquina (o robô não pleiteia, não

descansa, não se associa para protestar e obedece como um crente, mesmo sem

ter um credo sequer), a perspectiva, facilmente projetável, é de que se verá

estimulada a competição pelo melhor inovar. E este por, sua natureza, será

personalizado, individual, quase necessariamente solitário. Surge um horizonte onde 33 FAUSTO, Boris. Estado, trabalhadores e burguesia. Novos estudos cebrap. n. 20, São Paulo, março 1988, pp. 26-7. “Durante o Estado-Novo – principalmente no período que vai de 1935 a 1942 – as organizações independentes dos trabalhadores desapareceram golpeadas pela intensa repressão e se consolida o aparelho burocrático sindical, esvaziado porém de conteúdo”. 34 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Edições Vértice e IUPERJ, 1988, p. 276. Em opinião isolada, há de registrar-se quem assevere: “Nesse sentido, ao contrário do que a literatura sobre o tema sugere, não existia sindicalismo corporativista no Brasil de 1931 e 1943. existiam leis, como a de 1931 e a de 1939, que consagravam um modelo de organização sindical corporativa, mas esse modelo não tinha vigência senão formal, o que absolutamente não preocupava nem ocupava o Ministério do Trabalho (...) O sindicalismo corporativista, dessa forma, iria ser realmente implementado não no momento autoritário por excelência do Estado Novo, mas no período de transição do pós-42, quando a questão da mobilização de apoios sociais tornou-se uma necessidade inadiável, ante a própria transformação do regime”. 35 CHIARELLI, Carlos Alberto. O trabalho e o sindicato: evolução e desafios. São Paulo: LTr, 2005, pp. 248-249. 36 CHIARELLI, Carlos Alberto, op. cit., 2005, p.254. 37 VACCA, S. La Crisi Del Sindacato. In “Studi catolici”, Roma, 1958, p. 59.

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se delineiam nuvens cinzentas e ameaçadoras para o sindicalismo que precisará

encontrar uma mensagem renovada e contemporânea, para resgatar o trabalhador

do século XXI.38

Em países com tecnologia de ponta, a transformação do trabalhador não-

qualificado em operário especializado tem sido motivo de certa debilitação do

sindicalismo obreiro. No entanto, essa migração reforçaria associações profissionais

constituídas com base na formação técnica e na qualificação profissional, num jogo

de freios e contrapesos peculiar ao dinâmico quadro das relações classistas.39

O sindicato urbano de país desenvolvido precisa empregar seu esforço, não

apenas na antiga luta classista pelo simples valor do salário, mas, sobretudo, em

qualificar seus associados, a fim de que se tornem aptos a dominar novos

procedimentos produtivos, mostrando-se criativos e rentáveis para a empresa. Essa

seria única maneira de preservar seus vínculos e, com eles, o direito de ser parte

ativa no sindicato que, também, só assim, com sócios habilitados e empregados,

será forte.40

O alargamento nas relações internacionais é fato constatável diante da

utilização de melhorias e avanços tecnológicos. Aproximações a distância,

decorrentes da telecomunicação, fizeram com que as pessoas, as instituições, os

países ficassem mais próximos virtualmente.

No entanto, apesar da continuidade histórica de uma “diplomacia sindical”,

desde 1919, cujos mais práticos resultados foram as normas – particularmente as

convenções – da OIT41, e malgrado a segunda metade do século passado (antes só

e, depois, ao lado da globalização) ter assistido à deflagração do processo de

integração, pouco ocorreu, com todos esses potenciais e presumíveis impulsos, para

que o sindicalismo ganhasse uma nova dimensão física. Diferencialmente dos fluxos

financeiros, dos intercâmbios comerciais, das intimidades institucionais, das

38 CHIARELLI. op. cit., p. 255. 39 CHIARELLI. op. cit., p. 256. 40 CHIARELLI. op. cit., p. 266. 41 CHIARELLI. op. cit., p.182-202. A OIT – reunindo, hoje, 180 países e com uma história de 84 anos ininterruptos, dedicada ao tema laboral mas também reconhecida como agente eficaz na defesa e promoção dos direitos humanos – em 1998 (Conferência Internacional, Genebra) adotou solene Declaração dos Direitos Fundamentais do Trabalho. (...) como reforço além-fronteiras, cabe à OIT acompanhamento, orientação e fiscalização da mesma, maior guardiã e propagadora da liberdade sindical, até instrumentos regionais (...) A OIT, em particular seu crítico e bem informado Comitê de Liberdade Sindical, parte de um pré-requisito indispensável para iniciar o exame de existência de liberdade sindical num país: haver, ou não, efetiva liberdade de estruturação gremial.

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circulações migratórias, dos trânsitos aduaneiros, dos gravames comunitários, dos

tribunais suprafronteiras (até dos campeonatos esportivos integrados), a prevalente

performance das associações classistas continuou bastante restrita à geografia

doméstica.42

Ao movimento sindical caberia (e cabe) questionar visando à inserção de

cláusulas protetivas aos trabalhadores, particularmente obstativas da despedida em

massa.

A tecnologia não faz trabalhar mais, mas trabalhar de modo diverso, com

maior qualificação. Com sua introdução nas relações laborais, o aumento da

produtividade provoca o barateamento das mercadorias a serem consumidas pela

sociedade, pela diminuição do custo da produção.

Das várias cláusulas sugeridas por Robortella para fazer frente à problemática

laboral diante da tecnologia, destacam-se as seguintes, decorrentes, inclusive, da

presença crescente do teletrabalho:

a) política de treinamento, formação profissional e educação geral, para

minimizar as conseqüências da criação, extinção ou modificação de várias

atividades;

b) moratória tecnológica, ou seja, o aproveitamento por prazo determinado da

mão-de-obra que se tenha tornado obsoleta ou desnecessária;

c) incorporação aos salários dos ganhos proporcionados pelas novas

tecnologias.

O sistema jurídico brasileiro está embasado em diferentes níveis de

interesses: a) o interesse público, resguardado pelo princípio da irrenunciabilidade;

b) o interesse coletivo, revelado por negociações coletivas, de onde resultam

condições de trabalho de eficácia restrita ao âmbito das respectivas representações

(profissionais e econômicas), embora constitucionalmente seja permitida a

flexibilização de direitos, sempre sob tutela sindical ( art. 7º, VI, XIII e XIV); c) e o

interesse individual, o mais frágil, submete-se aos demais níveis de interesse, só

produzindo eficácia jurídica se estiver presente a bilateralidade do contrato, e, ainda

assim, ausentes prejuízos diretos e indiretos ao trabalhador. Ainda há de se fazer

referência aos chamados interesses difusos, nos quais se busca a proteção de 42 CHIARELLI, op., cit., p. 271-272.

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grupos indeterminados de coletividades, visando a resguardar pessoas que, por

vezes, apenas transitoriamente estão vinculadas, como os empregados em situação

de risco, abrangendo também os futuros empregados que estarão expostos às

mesmas condições insalubres ou periculosas.

A autonomia coletiva consiste na outorga, pela ordem jurídica, do

reconhecimento da possibilidade de os grupos sociais organizados regularem seus

próprios interesses; funda-se tal outorga nos princípios da liberdade e da

democracia.

Conforme Beltran43, “a tendência moderna é o prestígio da autonomia privada

coletiva, em que a defesa e a promoção dos interesses referentes às relações de

trabalho são atribuídas aos próprios protagonistas, assegurando, em conseqüência,

o pleno regime da liberdade sindical”.

Os sindicatos brasileiros estão aos poucos adquirindo a consciência da

necessidade de influenciar o processo de reestruturação empresarial, conferindo

graus maiores de conexão do grupo e, ao mesmo tempo, aumentando os períodos

de estabilidade e colaboração recíproca.

O teletrabalho, na versão XXI, crescente como a própria tecnologia de que é

efeito direto, não contribui para que o sindicalismo possa acompanhá-lo em

expansão e significado, na medida em que faz do trabalhador o homem só44.

43 BELTRAN, Ari Possidônio. Dilemas do trabalho e do emprego na atualidade, p. 46. 44CHIARELLI. op. cit., p. 279.

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2 O TELETRABALHO STRICTO SENSU - TRABALHO A DOMICÍLIO

2.1 O TRABALHO A DOMICÍLIO - BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

Historicamente, a indústria a domicílio aparece no mundo, com características

próprias e predominantes, por volta dos primórdios do século XVI. Vivia-se uma

época de culto ao dinheiro, de febre de enriquecer o mais rápido possível, com todos

os meios, lícitos ou ilícitos, ao alcance do capitalista que, devido ao desenvolvimento

sempre crescente de comércio internacional, dedicou-se de preferência ao comércio.

Assim, o capitalismo mercantil ou comercial precede, de muito, o grande capitalismo

industrial.45

Ocorreu de duas maneiras a transição da sociedade feudal ao capitalismo

mercantil: ou bem é o produtor que se tornou comerciante e capitalista, rompendo

com a economia agrícola natural e a indústria das cidades da Idade Média,

baseadas no trabalho manual e na corporação; ou, então, é o comerciante que se

apoderou da produção dos pequenos produtores.46 Com isso, transforma-se o rico

fabricante de pano em comerciante e capitalista dos fracos e pobres artesões da sua

classe profissional. Fornece-lhes matéria- prima, obrigando-os a trabalhar somente

para ele. Em vista disso, acontece a transição do pequeno artesanato, produção

industrializada a domicílio, sob o controle de um fabricante rico e poderoso.

Schmoller afirma:

45 MORAES FILHO, Evaristo de. Trabalho a domicílio e contrato de trabalho. São Paulo: Revista do Trabalho, 1943, p. 20. 46 Idem, ibidem, p. 21.

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Quando, como acontece nas indústrias a domicílio saídas dos ofícios, os pequenos produtores possuem ainda suas ferramentas, compram matéria-prima e vendem o produto feito (sistema de compra), sua situação é naturalmente muito melhor, sendo mais independente, do que se eles pagassem, para o gozo do oficio de tecer, um aluguel considerável, que se lhes dá ou que se lhes proporciona em conta a matéria-prima e que eles entregam o produto executado contra pagamento de um salário convencionado (sistema do salário). É este caso que, nos últimos tempos, é o mais freqüente: o comerciante adianta aqui, de fato, ao trabalhador, a matéria-prima; e este último não é senão um trabalhador assalariado do primeiro, se bem que trabalhe em sua própria casa. Quando o comerciante consegue triunfar neste sistema, em que os trabalhadores a domicílio trabalhem segundo modelos que ele lhes proporciona, a matéria-prima é a que lhes entrega, pode-se dizer então que a indústria a domicílio nada mais é do que a grande indústria descentralizada.47

Fica, então, claro que a indústria a domicílio já é uma forma de produção

capitalista em escala, na qual se diferenciam, nitidamente, as figuras do patrão e do

assalariado.

Por volta de 1880 a 1890, apareceram os primeiros instrumentos elétricos e,

com estes, a superioridade do capitalismo.

Assim, tentaram salvar o pobre artesanato agonizante por meio das

cooperativas, que seriam, assim, uma resposta à organização global e avassaladora

do capitalismo (cooperativas de compra de matérias-primas de trabalho, armazéns

de vendas). Estas fracassaram e o artesanato se viu condenado ou a desaparecer

do cenário da produção moderna ou a tomar novos formatos que o fizessem

ingressar numa nova forma de exploração industrial e, assim, de classificação

econômica.

O papel do trabalhador a domicílio, no quadro da grande indústria, era o mais

terrível possível. Tão precária era sua situação que na Inglaterra, criou-se e

expressão “sweating system” (sistema do suor) para identificar o contexto em que

predominaria o ínfimo salário que recebiam esses operários. O trabalhador a

domicílio mesmo dedicando-se, exageradamente, ao serviço, dificilmente alcançava

um salário aproximado ao do trabalhador comum de fábrica.

Os Estados Unidos foram um dos primeiros países do mundo a legislar sobre

o trabalho a domicílio. Em 1891, o Estado de Massachussetts votou uma lei

destinada a colocar um fim ao uso do “sweating system”. Já a lei inglesa de 1909

47 SCHMOLLER, G.. Príncipes d’Économie Politique.Tradução de G. Platon. Volume V, Paris, 1905, p. 498.

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criou o salário mínimo dos trabalhadores a domicílio e os conselhos de indústria,

diretamente inspirados nas comissões de salários australianas.48

Depois da Revolução Industrial, iniciou-se a etapa da máquina pela

máquina, acarretando a substituição da atividade humana em larga escala e, em

conseqüência, transformações também nos meios de transporte e comunicação,

trazendo, de forma inevitável, a luta pelo comprador, ou seja, a concorrência.

No confronto entre a grande e a pequena empresa, ocorre a transformação

dos pequenos patrões em trabalhadores a domicílio, trabalhando por conta de um

patrão, com matéria-prima fornecida por ele, formando a chamada fábrica coletiva ou

fábrica dispersa, no dizer de Charles Gide49.

Na verdade, o autor sugere a idéia de um agrupamento de operários em um

mesmo local, o que caracteriza um número mais ou menos considerável de

operários trabalhando para o mesmo patrão, mas em suas casas, o que dá a idéia

exata de fábrica dispersa ou fragmentária, como ressalta Evaristo50.

Alerta Gide para o equívoco da expressão “indústria a domicílio”, entendendo

melhor “salariado a domicílio”, distinguindo o artesão que trabalha também em sua

casa, para ele próprio, com seu capital e vendendo para um cliente, daquele que,

também trabalhando em sua casa, o faz por conta de um patrão e com o

fornecimento de matéria-prima51.

2.2 CONCEITO DE TRABALHO A DOMICÍLIO

Quer sob o ponto de vista econômico ou jurídico, principalmente neste, o

trabalho a domicílio significa trabalho executado pelo operário longe das vistas do

empregador, em local escolhido por aquele, desde que não seja a fábrica, nem

qualquer dependência pertencente a quem encomenda o serviço.

A norma brasileira que, pela primeira vez, regulou a espécie entre nós

(Decreto-lei nº 399, de 30 de abril de 1938), definiu o trabalho a domicílio da

48

MORAES FILHO, Evaristo de. Trabalho a domicílio e contrato de trabalho. São Paulo: Revista do Trabalho, 1943, p.55. 49 GIDE, Charles. Cours d’économie politique. 2. ed. Paris: Ed. F. Alcan, 1911, p. 32. 50 MORAES FILHO. op. cit. , p. 50. 51 GIDE. op. cit., p. 55.

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seguinte maneira: “entende-se por trabalho em domicílio, para efeitos do presente

regulamento, o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por

conta do empregador que o remunere”.

O domicílio a que se refere a expressão supra não significa somente em casa,

habitação ou moradia do operário, e sim também domicílio legal. Nada impede que,

na maioria das vezes, coincida o local de trabalho com a própria residência do

operário; mas nada impede, porém, que seja considerado sob todos pontos de vista,

quer econômico, social ou jurídico, como trabalho a domicílio o que exerça o

trabalhador em qualquer lugar por ele escolhido ou na casa do intermediário.

O trabalhador a domicílio tende a ser um dependente econômico, quando

trabalha de maneira exclusiva, ou prevalente, para uma só firma. Pode o mesmo

trabalhar para mais de uma, sem que, por isso, perca a sua qualidade de

empregado.

Juridicamente, o trabalhador a domicílio depende exclusivamente do seu

salário para viver; é, hipossuficiente, precisando, assim, da ajuda e da tutela das leis

do trabalho.

Faz-se necessário distinguir o trabalho autônomo prestado em domicílio

daquele com caráter de subordinação a um empregador.

Para diferenciá-los impõe-se salientar que a dependência econômica não é

suficiente para demonstrar o vínculo de emprego, pois um pequeno empresário,

juridicamente autônomo, por exemplo, pode estar na dependência econômica de

uma multinacional ou de qualquer empresa nacional que, inclusive, pode lhe dar

instruções e até ordens, não sendo, no entanto, empregado dela.

O que, de fato, caracteriza o trabalho em domicilio como relação de emprego

é o modo como ele é realizado. Um estabelecimento, por mais incipiente que seja,

supõe um mínimo de organização dos fatores de produção. Se, em seu domicílio, o

prestador de serviços admite, por seu turno, empregados a quem remunera, instala

máquinas e utensílios industriais, por ele próprio adquiridos, assumindo, inclusive, os

riscos de uma atividade econômica, é óbvio que se trata de um empresário.

Entretanto, se, por exemplo, essa pessoa trabalha sozinha, ou com simples auxílio

de seus familiares, para o mesmo empregador que lhe determina tarefas

rigorosamente fixadas; que podem, por ele, patrão, ser alteradas ou modificadas, a

relação tende a se caracterizar como de emprego.

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Barassi identifica condicionantes a considerar para caracterizar o trabalho a

domicílio como autônomo:

- falta vínculo jurídico à relação fática formada entre o trabalhador a domicílio

e o dador do trabalho, pela exigência de controle direto na elaboração das

atividades;

- falta a vigilância do patrão, pois o trabalhador a domicílio dirige por si

mesmo os próprios critérios técnicos de trabalho;

- tal trabalhador tem o risco da tarefa feita a domicílio, ainda mais se

considerando que os meios de produção estão no próprio local do trabalho que pode

não ser a sua residência familiar;

- caracteriza-se como pequeno empreiteiro, quando com ele trabalham

parentes ou outros assalariados externos.52

O trabalho a domicílio, embora muitas vezes seja visto como autônomo, é

muito próximo ao subordinado, pois tem, de um lado, o consumidor cobrando o

preço e, de outro, os trabalhadores laborando sob dependência de um empresário.

Este oferece o produto ao consumidor, recebendo dele o preço e repassando-o, em

parte, aos trabalhadores, retendo, como lucro, a diferença entre o que despendeu de

matéria-prima e o que gastou com o salário pago. Para o empreendedor, há um

comportamento de autonomia no trabalho; para o prestador original de serviço, há

uma clara atuação de trabalho subordinado.

No Brasil, a legislação afasta qualquer discussão. O artigo 6º da CLT53,

expressamente, caracteriza o trabalho a domicílio como de emprego, desde que

configurados os requisitos da relação de emprego.

Destarte, não é o local que caracteriza, ou não, a relação de emprego, mas as

próprias condições deste, apuradas, concretamente, pela aplicação do princípio do

contrato-realidade.

A pessoalidade é necessária para a configuração da relação de emprego.

Assim, se o trabalhador é substituído normalmente, por familiar na prestação de

serviços, não há pacto empregatício. Os familiares podem colaborar, como foi

52 BARASSI, L. Diritto del Lavoro. vol. 2. Milão, 1935, p. 168. 53 Artigo 6º da CLT: “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.”

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ressaltado, porém não freqüentemente.

Outra tarefa importante na caracterização da relação de emprego no trabalho

prestado em domicílio é a identificação de quem determina onde o trabalho deve ser

desenvolvido. Se tal for fixado pelo empregador, evidencia-se a subordinação.

Entretanto, na hipótese de ser do trabalhador a escolha de localizar o serviço em

sua residência, é provável que haja prestação de serviço autônomo, desde que não

estejam presentes os demais requisitos do art. 3º da CLT.

A forma de pagamento do trabalhador também não é considerada como

característica obrigatória da relação de emprego, pois tanto o trabalhador autônomo

como o empregado podem receber por peça ou tarefa. É devido o salário mínimo ao

trabalhador assalariado em domicílio, conforme determina o art. 83 da CLT, devendo

o mesmo ser assegurado também na hipótese de o empregado receber por peça ou

tarefa, ainda que a soma do ganho pela elaboração de peças ou tarefas produzidas

não alcance a importância do piso mínimo. Se houver piso categorial, estabelecido

em norma coletiva, deve-se assegurá-lo ao empregado e não apenas o salário

mínimo geral.

A relação de emprego no trabalho em domicílio estará configurada

necessariamente se houver subordinação medida, por vários fatores, entre os quais

a quantidade de ordens de serviço recebidas pelo empregado. O controle do

empregador também pode ser efetivado através de estabelecimento de cotas de

produção, determinando dia e hora para a entrega do produto, checando a qualidade

da peça, por exemplo.

Mesmo existindo o vínculo de emprego, dificilmente o empregado terá direito

a horas extras, já que trabalha na sua própria casa e normalmente sem que haja

alguma forma de controle. Se houver tal fiscalização, haverá o direito. O costumeiro

é que o empregado em domicílio desenvolva suas atividades no horário que melhor

lhe convier.

Até meados do século passado, o trabalho a domicílio era considerado uma

forma pouco usual e inadequada de emprego nas sociedades desenvolvidas,

tendendo a declinar também nas sociedades em vias de desenvolvimento, já que se

via assemelhado à informalidade, marginalidade e exclusão. Tal decorria da

convicção de que havia um elo indissolúvel entre crescimento econômico e

ampliação de direitos sociais e trabalhistas nas sociedades democráticas, elo este

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caracterizado pela relação salarial.

A dinâmica recente, tanto no Brasil como em outros países, anuncia uma

ruptura desse modelo e do paradigma do assalariamento como forma dominante de

mobilização da força de trabalho. A subcontratação de trabalhadores a domicílio,

com o avanço tecnológico, revigora-se, ocupando o centro de novas estratégias de

gestão da força de trabalho, inclusive com o processo da globalização da atividade

produtiva, inserindo tal modalidade de trabalho em cadeias produtivas que

ultrapassam as fronteiras nacionais.

Uma pesquisa da OIT, sob o título “Trabalhadores a domicílio na Economia

Global”54, apresenta algumas novidades em relação ao trabalho a domicílio,

apontando, por exemplo, como característica dessa modalidade de trabalho, a

heterogeneidade e a internacionalização, além de outras tradicionalmente

associadas a esse tipo de ocupação, tais como a feminização (porque o trabalho

feminino padece de carência de mobilidade e de flexibilidade de opções no mercado

de trabalho) e a baixa qualidade do emprego (pelas poucas condições de

treinamento e por ser a ocupação extremamente precária).

Segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho55, o trabalho em

domicílio deverá ser largamente utilizado no futuro, sendo certo que pode aumentar

a produtividade em até 60%, dada a ausência de interrupções, aumento da

dedicação e satisfação pela desnecessidade de traslado diário ao estabelecimento

do empregador. Além disso, tem-se que tal também poderá contribuir para diminuir

os problemas de tráfego e transporte, especialmente nas grandes cidades,

melhorando a qualidade de vida.

Portanto, como afirmava Magano, a situação do trabalhador em domicilio já

não deve mais ser considerada terrível:

(...) devendo, ao contrário, ser tida como plausível, porque, ao invés de ter de se deslocar diariamente para locais distanciados de serviço, geralmente despojados de conforto, enfrentando dificuldades de trânsito, hoje pode o trabalhador permanecer no aconchego de sua residência, sem que sua atividade laboral, desenvolvida com a utilização de meios de comunicação a

54 LAVINAS, Lena; SORJ, Bila et al. Trábalo a domicílio: as novas formas de contratação. Departamento de Políticas de Desenvolvimento OIT Genebra, 1999. 55 OIT – Información OIT, p. 1.

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distância, fique qualitativamente prejudicada ou diminuida56.

A utilização cada vez mais intensa do trabalho em domicílio só é possível

graças aos mecanismos de comunicação a distância, sendo a Internet um grande

exemplo e instrumento.

2.3 DIREITO COMPARADO

A legislação dos países em geral regulamenta de forma insuficiente o trabalho

a domicílio. Possuem legislação específica a Alemanha, Áustria, Cuba, Hungria,

Índia, Itália, Japão, Marrocos, Noruega, Países Baixos, Peru, Polônia, Portugal,

Rússia, San Marino, Suíça e Uruguai; outras nações regulam como artigo do Código

do Trabalho (Bolívia, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Espanha, França,

Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Venezuela); um

terceiro grupo a inclui no âmbito da legislação geral do trabalho, como o Brasil (art.

6º da CLT) e Finlândia. Finalmente há países que ainda excluem tal trabalho de

institutos jurídicos específicos (Dinamarca, Malta e Suécia), e restando os que a

estão desregulamentando57 .

De qualquer maneira, a situação do trabalhador, em regra, a domicílio

suscitou a adoção de medidas legislativas urgentes, como esforço para amparar a

categoria profissional.

Na Inglaterra, usava-se a expressão sweating system (sistema de suor) para

denominar um sistema no qual o salário recebido pelos trabalhadores era reduzido e

à custa de um trabalho árduo e contínuo: mais de dezesseis horas por dia,

obrigando toda a família a trabalhar junto para alcançar um mínimo de produção

capaz de ensejar um mínimo de atribuição aceitável.

Os Estados Unidos foram um dos primeiros países a legislarem sobre o

trabalho a domicílio: em 1891, no Estado de Massachusetts, votou-se uma lei para

terminar a exploração de tal sistema, exigindo que as oficinas a domicílio tivessem

autorização administrativa e inspeção sanitária para seu funcionamento. O exemplo

foi seguido por outros estados norte americanos. Nova York, por exemplo, 56 MAGANO, Octavio Bueno; et al. Revista jurídica trimestral Trabalho & Doctrina, p. 4. 57 BARROS, Alice Monteiro de. Trabalho a domicílio. Revista LTr 60-07, julho de 1996, p. 892.

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regulamentou, em 1892, a questão das sweal shops.

A Nova Zelândia fixou, em 1899, o salário mínimo pelo trabalho a domicílio,

seguido pela Inglaterra (1909), Estados Unidos (1913) e pela França (1915), embora

limitada sua aplicação a pequenas indústrias.

Na Argentina, a lei sobre o trabalho a domicílio, de 29 de setembro de 1940,

coloca os pequenos industriais a domicílio ou talleristas entre os trabalhadores a

domicílio propriamente dito58. Nos termos dessa lei, o trabalho a domicílio é

classificado em categorias: a) a dos operários que trabalham durante o dia na oficina

e que levam tarefa para continuar seu labor em casa; b) a dos que trabalham a

domicílio diretamente para um fabricante ou um intermediário; c) por último, a dos

que realizam o trabalho, não em seu próprio domicílio, mas no de intermediário

(tallerista), ou seja, no sistema das fábricas dispersas.

Em Portugal59, o trabalho prestado na produção manufatureira e comercial é

importante, revestindo-se de duas formas: como profissão autônoma e como

atividade doméstica assalariada. Nas próprias habitações, o trabalho é realizado,

não por conta do público, mas para um ou mais empresários com salário fixado

conforme seus resultados, formando a chamada “fábrica coletiva”, já havendo

regulamentação protetora desse tipo de trabalho60.

Na Alemanha, considera-se trabalho a domicílio aquele em que alguém ocupa

exclusivamente pessoas de sua família em trabalho industrial ou quando uma ou

várias pessoas executam trabalho industrial, sem serem dirigidas por um

empregador em uma oficina. Destaque-se que o proporcionar, ou não, matéria-prima

não modifica a figura do operário a domicílio, restando praticamente igualados aos

trabalhadores em empresas, protegidos em termos de remuneração e de benefícios

previdenciários.

Na Bélgica, a Lei de 1900 excluía os trabalhadores a domicílio de sua

aplicação, mas concedia abono familiar, regulamentando ainda os salários e as

58 DEVEALI, Mario. Tratado de derecho del trabajo. Buenos Aires: Astrea, 1942, tomo I. 59 COSTA, Augusto da. Código do Trabalho. Lisboa: Almedina, 1937, p. 58. 60 Lei n. 1951, de 10.03.37, art. 1º: “O trabalho prestado por peça ou por tarefa, mesmo que seja no domicílio ou estabelecimento próprio do trabalhador, fica sujeito ao regime jurídico do contrato de trabalho.” Também é previsto no Estatuto do Trabalho Nacional, art. 27: “O trabalho realizado no domicílio, quando não revista caráter meramente doméstico, fica obrigatoriamente sujeito à disciplina dos regimentos corporativos. Normas especiais assegurarão a higiene do trabalho feito naquelas condições e a sua justa remuneração.”

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condições de higiene. Além disso, a instituição da Comissão Nacional do Trabalho a

Domicílio, tinha como principal missão a de resolver a questão dos salários,

especialmente na determinação do mínimo a ser pago.

No Chile, o Código do Trabalho61 estabelece várias normas regulando o

trabalho a domicílio, entre as quais o registro dos nomes de operários e de salários,

caderneta de trabalho, higiene e segurança do local de trabalho, fixação do salário

mínimo, etc.

Na Espanha, a situação do trabalhador a domicílio está definida pela Lei do

Contrato de Trabalho, de 21 de novembro de 1931, que inclui, expressamente, em

seu âmbito, os chamados operários a domicílio (art. 6º, alínea 3), dispondo ainda, na

Lei dos Jurados Mistos, de 16 de julho de 1935, sobre a fixação do salário mínimo

desses trabalhadores, equiparando-se aos operários internos (comuns).

Na França, a lei genérica sobre o trabalho a domicílio, de 10 de julho de 1915,

instituiu o salário mínimo, aplicando-se, inicialmente, apenas às operárias a domicílio

atuantes nos serviços de vestidos, chapéus, lingerie, flores artificiais e tarefas

semelhantes, com extensão, em 1928, também aos demais operários a domicílio. A

atual Lei Madelin, de 11 de fevereiro de 1994, dando uma nova redação ao artigo

120-3 do Código do Trabalho, dispõe que ao teletrabalhador (expressão usada como

trabalhador a distância), se inscrito como comerciante, artesão, agente comercial, se

presumirá não estar vinculado por um contrato de trabalho na execução da atividade

que deu lugar à matrícula (com inversão do ônus da prova). Competirá, pois, ao

operário provar a existência da subordinação jurídica. Já a segunda alínea do

referido artigo permite a existência de um contrato de trabalho, quando o

teletrabalhador fornecer, diretamente ou por interposta pessoa, prestações a um

empresário em condições que o coloquem sob um vínculo de subordinação jurídica

permanente.

Na Itália, o trabalhador a domicílio foi enquadrado no mesmo sindicato, o de

trabalhadores da indústria, incluindo-o entre os artesões que recebem comissões ou

o preço da remuneração pago diretamente dos consumidores. Estende-se, ainda, o

contrato coletivo de trabalho a esse tipo de trabalhador, como também os benefícios

61 Código do Trabalho, art. 52: “As disposições do presente parágrafo regerão, sem prejuízo das disposições gerais sobre Contrato de Trabalho, no que forem compatíveis, para as pessoas que habitual ou profissionalmente executem trabalho em seus domicílios, seja por conta própria ou alheia.”

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dos seguros sociais contra a invalidez, velhice e o salário minímo62.

No México, a Lei Federal do Trabalho, de 18 de agosto de 1931, art. 207 e

ss., define o trabalho a domicílio como sendo aquele executado por qualquer pessoa

a quem se entreguem artigos de fabricação e matérias-primas para que sejam

elaborados em seu próprio domicílio ou em qualquer outro lugar, fora da vigilância

ou da direção imediata da pessoa que lhe forneceu o material63. Equipara, ainda, o

salário deste ao do operário interno que execute tarefas iguais, assegurando

condições de higiene nos locais de trabalho e obrigando os empregadores a

fornecer a lista dos operários, salários e locais onde trabalham, mensalmente, à

Inspeção do Trabalho.

Na Bolívia, considera-se trabalho a domicílio o realizado por conta alheia e

com remuneração determinada, seja na residência do trabalhador, na oficina

doméstica ou no domicílio do empregador, abrangendo tanto os que trabalham

isoladamente como os que formam uma oficina familiar em seu domicílio com os

parentes, assim também os que trabalham em companhia, por conta de um

empregador, para dividir os ganhos no domicílio de um deles, ou os que trabalham

por diária, tarefa ou peça no domicílio do empregador. Cabe a este anotar na

caderneta de trabalho o serviço feito e os salários pagos, não podendo ser

descontado mais de um quinto do salário semanal, mesmo assim com prévia

autorização da Inspeção do Trabalho.

Na Grécia, os operários a domicílio não são contribuintes obrigatórios dos

seguros sociais, mas podem pleitear seus benefícios, considerando a lei os que, sós

ou com auxílio de pessoas de sua família, se dedicam a trabalhos industriais ou de

ofícios em seu domicílio ou em sua própria oficina, de ordem e por conta de um

terceiro que exerce um ofício.

Possuem também legislações completas sobre o tema a Noruega, a Áustria e

62 MORAES FILHO. op. cit., p. 166. Neste sentido, jurisprudência assimilando o trabalhador a domicílio ao trabalhador interno: “A Carta do Trabalho tornou obrigatório e isso com base no seu § 21, que o contrato coletivo deve estender os seus benefícios também ao trabalhador a domicílio. O trabalho a domicílio distingue-se do artesanato pela existência naquele de uma relação de dependência, de continuidade no trabalho. Tal relação basta para justificar no trabalho a domicílio a aplicação do contrato coletivo com respeito ao aviso prévio e à indenização de despedida, inclusive concessão de férias.” . 63 Criticável tal posição, pois só considera trabalho a domicílio quando o empregador fornece a matéria-prima, o que não serve, como será visto a seguir, como elemento distintivo.

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a Polônia (Lei de 27 de novembro de 1937)64.

Foi regulamentada ainda a matéria no Equador (Código de Trabalho, de 5 de

agosto de 1938), no Peru (Lei de 12 de março de 1937), no Uruguai (Lei de 22 de

dezembro de 1939) e nos Estados Unidos (Lei de 14 de março de 1939), tornando

obrigatório o registro com anotação de dia e hora do recebimento do trabalho,

quantidade e natureza deste, horas trabalhadas no domicílio, salário pago, data do

pagamento, retenção de quotas para seguro social, possuindo cada operário uma

caderneta de trabalho.

Com base na legislação comparada, resta analisar as correntes existentes

quanto ao trabalho a domicílio. Uma opina pela sua inteira supressão, proibindo que

os empregadores usem tal tipo de trabalhador. Era a situação encontrada nos

Estados Unidos, no início do século XX, que exigia a inscrição nos produtos

fabricados por esses operários da expressão home made para distingui-los dos

demais, pela miséria e insegurança com que este trabalho era realizado. Neste

sentido, também havia recomendação da Conferência de Haia em 1939, para abolir

inteiramente tal tipo de trabalho ou controlá-lo de forma mais rígida possível. Já

outra corrente, diametralmente oposta, estendia a esses empregados todas as leis

protetivas do trabalho. É a posição adotada pela legislação brasileira, sendo o

material fornecido pela empresa ou por ela reembolsado, com o trabalho se

realizando sem a imediata vigilância, mas apenas com um controle final para fins da

retribuição combinada. Assim, a ausência de vigilância ou de direção imediata de

quem forneceu a matéria-prima é característica do trabalho a domicílio, o que vai

refletir, como se verá, na remuneração da jornada excedente à legal pela dificuldade

de avaliar o tempo dispendido na produção.

Em face de expansão do teletrabalho, embora com nuanças diversas,

conforme o país em que se está desenvolvendo, há que se buscar uma

regulamentação especifica, e não, como a maioria adota, a mesma aplicável ao

trabalhador a domicílio. O fato do exercício extra-empresa não leva a idententificá-lo,

visto que a predominância do trabalho tecnológico no primeiro se distância das

atividades manuais deste último. 64 MORAES FILHO. op. cit., p. 167. Lei Polonesa, de 27 de novembro de 1937: “É considerado como trabalho a domicílio toda a ocupação profissional exercida pelo trabalhador em seu próprio domicílio ou em outro lugar não controlado pelo empreiteiro, pessoalmente, ou com auxílio dos membros de sua família e de seus domésticos. Deve este trabalho exigir uma produção, uma transformação ou um aperfeiçoamento de objetos de toda a espécie sob as ordens e por conta de um empreiteiro, em virtude de um contrato concluído com o último.”

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3 TELETRABALHO

3.1 O TELETRABALHO E SUAS ORIGENS

A expressão teletrabalho é utilizada para referir trabalho a distância,

periférico, remoto, fora dos acessos imediatos do lugar onde o resultado desse

trabalho é esperado. Teletrabalho ocorre também quando o dador de ordens não

pode fisicamente fiscalizar a execução do trabalho, devendo esta execução ser

efetuada por meio de aparelho informático e/ou de telecomunicação.

Nos principais idiomas europeus (alemão, espanhol, italiano, francês),

incluindo o português, não há nenhum termo equivalente para a palavra inglesa

“commuting” (ida e volta de casa ao trabalho), de onde derivou a palavra

“telecommuting”, significando a possibilidade de trabalhar em casa durante o horário

comercial regular. Às pessoas que trabalham em suas residências, onde têm

computadores conectados com as empresas, configurando uma espécie de trabalho

a distância, os americanos denominam telecomutters.

O teletrabalho é uma das espécies do gênero trabalho a distância.

Alvin Toffler65 destaca que a noção do teletrabalho aparece primeiramente

associada ao trabalho a domicílio. Considera provável uma migração dos empregos

em escritórios na direção dos domicílios, denominados por ele de cabanas

eletrônicas. Jack Nilles, o pai do teleworking e do telecommuting, já sugeria os

centros de trabalhos nos bairros mais próximos das casas dos empregados.

O teletrabalho iniciou-se quando não existia o computador pessoal nem a

massificação da internet. Nas décadas de 60 e 70, despertou a atenção da

sociedade, realizado de outros modos: utilização de fac-símile, correio, telefone

65 TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 16. ed. Rio de Janeiro: Record, [s.d]. p.200-205.

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convencional, telex e telégrafo. O slogan “levar o trabalho ao trabalhador ao invés de

o trabalhador ao local de trabalho” foi, então, tomado ao pé da letra. O teletrabalho

apresenta, assim, uma variedade de formas e acredita-se que, no futuro, um

desenvolvimento maior irá dar um melhor sentido aos termos teleworking e

telecommuting, cunhados por Jack Nilles.

A Organização Internacional do Trabalho, nos anos 90, descreveu o

teletrabalho pondo ênfase na sua realidade multiforme e acrescentando a

possibilidade de interconexão que os teletrabalhadores teriam com seus colegas por

meio de novas tecnologias. O teletrabalho é, para a OIT, “o trabalho efetuado

distante dos escritórios centrais ou das oficinas de produção, porém os

trabalhadores mantêm-se conectados com alguns de seus colegas por meio das

novas tecnologias”.66

A partir da década de 80, o mundo assistiu ao paradigma da deslocalização.

Os conceitos da não-concentração da atividade assalariada materializam-se nas

ações que visam à redução do impacto ambiental, à melhor organização territorial, à

redução de custos de mão-de-obra e de mobiliário, à motivação social. Quando se

pensa na desconcentração da atividade assalariada, deve-se ter em mente que o

teletrabalho atendeu a esse objetivo, pois carregou consigo a possibilidade de

flexibilizar o local e o tempo do trabalho, com reflexos na remuneração e nas

condições contratuais.

O teletrabalho pode ser realizado de forma gratuita ou onerosa.

Evidentemente que, sendo gratuita, não configura a relação de emprego. Aliás, o

teletrabalho pode ser prestado de forma autônoma e/ou subordinada: para a

configuração da autonomia ou subordinação, interessante é o elemento risco. Se o

trabalhador coloca sua força de trabalho na construção de algo, cujo risco de

produção é inteiramente dele, é um trabalho autônomo; se o risco de produção é do

empresário, é um trabalho subordinado.

A seguir, serão conceituados alguns termos principais referentes ao

teletrabalho: autônomo, a domicílio, em telecentros e nômade. Todos estes se

inserem no campo da organização flexível.

66 DI MARTINO, Vittorio; WIRTH, Linda. Teletrabajo: un nuevo modo de trabajo y vida. Revista Internacional del Trabajo, Madrid, v. 109, n. 4, 1990, p. 471.

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Teletrabalho autônomo é o tipo de atividade cada vez mais comum no país.

Dentre os profissionais autônomos (“working solo”), encontram-se desde os

chamados profissionais liberais (médicos, dentistas, arquitetos, etc.), os de baixo

nível técnico (como motoristas, vendedores ambulantes e autores de serviços de

pequenos reparos domésticos) usualmente incluídos na economia informal, como

também os conhecidos como “free lancers”. Estudaremos o trabalho autônomo

minuciosamente nos itens a seguir.

Teletrabalho a domicílio é o desenvolvido pelo teletrabalhador em sua

residência ou ainda em outro local de sua escolha. O trabalho a domicílio é diferente

de outro tipo de trabalho a domicílio, sendo este um trabalho familiar ou de oficina

caseira entre as pessoas da mesma família, que operam em regime de comunidade

grupal laboral de parentesco.

Teletrabalho em telecentros ocorre em locais escolhidos pelas empresas fora

de suas sedes de trabalho. Esses telecentros podem apresentar-se como um centro

satélite ou como um centro compartilhado. O telecentro satélite compreende

pequenos estabelecimentos separados da sede, mas dependentes desta em muitos

aspectos, havendo permanente comunicação eletrônica. Já o telecentro

compartilhado, também denominado comunitário, é o local escolhido e desenvolvido

pela empresa, completo em equipamentos de informática e de comunicação, que

compreende não apenas seus trabalhadores, mas também seus teletrabalhadores,

além de teletrabalhadores de outras empresas que também adotam o teletrabalho.

Daí a denominação “compartilhado”, pois efetivamente se compartilha o mesmo

ambiente com demais usuários, funcionários ou não da mesma empresa.

Teletrabalho nômade é o teletrabalho móvel, está prestes a crescer

espetacularmente com a explosão do acesso à internet sem fio (WAP) e móvel.

Profissionais passam cada vez mais tempo no campo, relacionando-se com seus

clientes e sócios, viajando pela área metropolitana, pelo país e pelo mundo,

mantendo, ao mesmo tempo, contato com seu escritório via internet e telefones

móveis. Atualmente, as companhias estão reduzindo os serviços de escrivaninha de

seus empregados, de modo que usem o espaço apenas quando ele é de fato

necessário. Assim, o modelo emergente de trabalho não é o teletrabalhador em

casa, mas o trabalhador nômade e o escritório em movimento.

Existe, também, o chamado teletrabalho transnacional, quando desenvolvido,

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pelo menos em parte, por trabalhadores de (ou em ) outros países. Ocorre com

maior incidência em países em vias de desenvolvimento, acarretando prejuízos para

as relações de emprego, pois os custos salariais nesses países são menores,

restando desprotegidos os trabalhadores locais em relação aos que são trazidos

com a empresa que se instala. Muitas vezes, na prática, o deslocamento do trabalho

é feito porque os trabalhadores do país emergente (por exemplo, trabalhadores

especializados em informática na Índia) são competentes e ganham menos; nesse

caso, quem perde o emprego é o trabalhador do país de Primeiro Mundo. Assim, é

imprescindível a celebração de cláusulas sociais específicas para evitar a figura do

dumping social.

Por fim, o uso da rede em escala mundial, no cenário do mundo de trabalho,

trouxe como conseqüência o nascimento da chamada empresa virtual. O seu perfil

da empresa virtual é determinado pelo seu modo de operação: situada em

determinado ponto do globo interage universalmente. A empresa virtual é a que

oferece produtos imateriais e opera exclusiva ou preponderantemente pela rede,

dirigindo-se a clientes em qualquer parte do mundo, sem haver qualquer interação

física entre eles. É o caso das empresas que se ocupam com serviços de

informática, como a venda de softwares e assistência técnica.

3.2 NATUREZA JURÍDICA DO TELETRABALHO

A prestação de serviços na modalidade teletrabalho cria necessariamente um

contrato expresso (escrito ou verbal) ou tácito, mas, de qualquer sorte, gerará um

pacto entre as partes. E neste pacto, onde se firmarão as obrigações das partes, é

que se verá configurada a natureza jurídica do teletrabalho, tendo em vista que nele

estarão os requisitos básicos da prestação dos serviços.

Se o contrato celebrado entre o teletrabalhador e a organização da empresa

contiver requisitos previstos no art. 3º da CLT, ter-se-á um teletrabalho com

características de relação de emprego, sujeito, portanto, às regras da legislação

trabalhista. Entretanto, se o contrato entre as partes (tácito ou expresso) não

contemplar os requisitos do art. 3º da CLT, provavelmente se terá um teletrabalho

autônomo.

O imprescindível no teletrabalho é analisar esses requisitos da relação de

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emprego, contemplados no art. 3º da CLT, sob uma nova ótica, qual seja, no âmbito

da tecnologia, da informática, da internet. Isso porque o trabalhador não estará, em

princípio, trabalhando nas dependências da organização, não estando, em tese,

sujeito às regras comuns a essas atividades, tais como: controle de jornada,

supervisão direta do seu superior hierárquico, etc.

Quanto à subordinação jurídica, o trabalho deve ser realizado na forma

determinada pelo empregador, sendo por ele assentada a quantidade e qualidade

do serviço, horário de envio, labor, intervalo, reuniões e todas as outras decorrentes

do seu poder hierárquico, limitado, entretanto, às normas legais e contratuais para

assim evitar abusos do poder.

Portanto, o empregado não tem liberdade de autodeterminar o seu trabalho,

pois deve obedecer à forma determinada pelo empregador, apenas assim fazendo

na omissão da determinação do empregador, ou no limite que a lei lhe permite, a fim

de assegurar o livre exercício da sua profissão.

Deve-se atentar que se pode tornar imperceptível a subordinação quando o

trabalho é feito longe do estabelecimento da empresa, porém ela existirá, de forma

tênue ou rarefeita, quando o empregado não tem autonomia no trabalho,

observando os ditames da empresa na sua execução.

Quanto o empregado não assume os deveres de fidelidade, obediência e

diligência, inerentes à sua qualidade contratual, realizando seu mister com total

autonomia, sem qualquer interferência direta dos seus contratados no seu trabalho,

ter-se-á um teletrabalhador autônomo.

Vale salientar que o não fornecimento de instrumentos para o trabalho não é

fator refutador da subordinação, bastando recordar, para elidir tal presunção,

inclusive, do trabalho em domicílio nos seus primórdios, quando o artesão utilizava

seus instrumentos e materiais para confecção das roupas.

O fornecimento de equipamentos, em razão de sua natureza, somente terá

repercussão no contrato do teletrabalhador quando se tratar de salário, posto que

poderá ser, ou não, configurado como salário-utilidade, não sendo relevante, no

entanto, para a subordinação jurídica.

Com as novidades tecnológicas, o trabalhador pode prestar serviços em

qualquer parte do mundo e enviar seu relatório via e-mail ou por fax, por exemplo.

Então, o trabalho acaba sendo desenvolvido num escritório virtual, deixando-se de

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lado a idéia do trabalho num espaço físico materializado em uma estrutura física

definida e delimitada.

O teletrabalho a domicílio se enquadra perfeitamente na definição de trabalho

a domicílio, pois é ela suficientemente ampla, sendo seus elementos essenciais

(local ou o topográfico e a continuidade da subordinação) coincidentes, como mostra

o art. 6º consolidado. O trabalho a domicílio, se não-eventual, remunerado e

subordinado, estará amparado pelo Direito do Trabalho, assim como, sem dúvida, o

teletrabalho, do qual, enfim, é espécie.

No teletrabalho, a subordinação costuma ser rarefeita, pois se diluem as

ordens de serviços, chegando, em alguns casos, a se verificar muito mais autonomia

do que subordinação. Martins67 cita o exemplo do executivo que pode não ter a

quem dar ordens de serviço, pois não há escritório nem trabalho interno.

Nota-se que o uso dessas novas tecnologias que possibilitam o teletrabalho

acaba criando uma nova forma de subordinação, uma vez que o empregado não

está ligado diretamente ao seu empregador, mas, sim, indiretamente. “(...) Passa a

existir uma telessubordinação ou parassubordinação, como já se verifica na Itália,

em relação a trabalhadores autônomos”, explica Martins:

Na telessubordinação, há subordinação a distância, porém mais tênue do que a normal. Entretanto, o empregador pode ter o controle de sua atividade por intermédio do próprio computador, pelo número de toques, por produção, por relatórios, pelo horário de entrega dos relatórios, etc.68

Sérgio Martins afirma:

(...) a parassubordinação seria uma variedade da relação de trabalho autônomo, compreendida também num contrato de obra ou de obra profissional’. (...) ‘Seria uma situação análoga à do trabalho dependente. É o reconhecimento jurídico de uma categoria de relação afim ao trabalho subordinado, com um resultado semelhante.”69

A prestação de serviços deve ser feita com pessoalidade, ou seja, intuitu

personae. O elemento pessoalidade da relação de emprego no teletrabalho pode ser

67 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 5º ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 8. 68 Idem, p. 9. 69 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 17º ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 144.

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de difícil apuração. O empregador muitas vezes não terá como verificar quem

efetivamente presta os serviços contratados, se é empregado ou preposto. Também

as faltas ao serviço passam a ser mitigadas, pois o trabalhador presta serviços em

casa ou em outro local, não no estabelecimento do empregador (at. 2º da CLT).

Algumas empresas têm utilizado o controle de horário via login, isto é, o

funcionário, ao iniciar o trabalho, digita uma senha que permite o início da operação

da máquina, e ao final da execução do serviço, volta a digitar a senha. Tal

mecanismo é de difícil confiabilidade, uma vez que é quase impossível saber se é o

próprio empregado quem ocupa a estação de trabalho, bem como qual foi a

produtividade entre o login de início e o de encerramento.

Não se pode falar de uma simples relação de causa-efeito entre empregado

de alta tecnologia e descaracterização do trabalho subordinado. O seu uso (da

tecnologia) não chega a provocar uma crise no conceito de dependência, mas uma

alteração da morfologia do trabalho subordinado que leva à mudança de sua

valoração, isto é, a uma recomposição mais imaginativa do sistema de indícios para

identificar sua existência com mais nitidez. Tais indícios propõem uma substituição

da clássica inserção material na unidade produtiva pela inserção no sistema

informatizado da empresa, de maneira tal que a dependência, compreendida como

submissão às ordens e diretrizes do empresário, pode ser fixada mediante a análise

do programa que determina, canaliza e controla a prestação do trabalho. Por outro

lado, outros indícios se evidenciariam, como os relativos à dependência técnica,

rectius, tecnológica. A propriedade do Know-how, por exemplo, seria um indício

relevante da dependência ou independência, pois, se este não é propriedade do

trabalhador, resultará no provável caráter dependente da prestação.

Contudo, o princípio da primazia da realidade nunca pode ser esquecido e

também deve ser aplicado no teletrabalho, de sorte que de nada adianta o

teletrabalhador ser contratado para prestar serviços autônomos quando, na

realidade, todas características do vínculo de emprego estão presentes, verificando-

se, assim, o trabalho subordinado. Diante desse caso, inevitalvelmente se tipifica o

empregado, não obstante o contrato formal de prestação de serviços autônomos.

A contratação de um teletrabalhador ou, ainda, a transformação de um

empregado em teletrabalhador implica a celebração de um contrato que demanda

cuidados e só pode resultar da mútua e verdadeira manifestação de vontade,

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independentemente de ser firmada com um trabalhador autônomo ou com um

subordinado. Há riscos legais na contratação, principalmente para as empresas (em

razão do risco da rescisão indireta do contrato, caracterização de sobrejornada e/ou

regime de sobreaviso), de reconhecimento de vínculo de emprego nas atividades

confiadas a autônomos.

No que se refere aos empregados, não se pode descartar a possibilidade

(para aqueles com contrato em vigor) de ser pleiteada a nulidade da alteração dos

contratos de trabalho, em razão de prejuízo direto ou indireto (art. 468 da CLT).

Ainda que se entenda pertinentes às alterações do contrato de trabalho e sua

respectiva anotação na CTPS (explicitando não estarem os mesmos sujeitos a

controle de horário), há sempre o risco de tal procedimento vir a ser contestado,

podendo até mesmo restar caracterizada a sobrejornada e o sobreaviso, em face da

jornada flexibilizada, e não sujeita a controle.

E indispensável que, no contrato de trabalho, se insira uma disciplina própria

que, além das habituais, traga cláusulas particulares, por meio das quais o

teletrabalhador vai desenvolver toda a sua especificidade. Dentre as cláusulas

específicas, deve constar a reversibilidade (possibilidade de retorno ao trabalho

interno quando solicitado por qualquer das partes), a proteção do Know-how e da

segurança de rede dos computadores, a obrigação de não concorrência, a

exclusividade dos serviços e o sigilo e confiabilidade em relação aos dados e

informações colocados à disposição dos trabalhadores.

A introdução do teletrabalho requer um estudo prévio de cada atividade,

seleção de pessoal e treinamento, medidas de proteção ao sigilo, normatização de

caráter geral, alteração de contrato de trabalho e celebração de contratos de

prestação de serviços. Necessário, ainda, é adotar medidas que possibilitem base

documental que a sustente. O teletrabalho em domicílio, referido no art. 6º da CLT,

não distingue o trabalho realizado no estabelecimento do empregador do executado

no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.

São imprescíndiveis os cuidados na implantação dessa modalidade de

prestação de serviços, cujas vantagens incontestáveis são enumeradas por

estudiosos. Para o trabalhador, o teletrabalho proporciona melhor aproveitamento da

jornada, melhor qualidade de vida, horário flexível, independência e autonomia. Em

que pese a igualdade jurídica preconizada no art. 5º da atual Constituição Federal,

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de fato, para as mulheres, o teletrabalho é positivo, pois podem se dedicar também

aos afazeres domésticos, bem como aos cuidados com os filhos, na medida em que

é possível a combinação deles com o próprio trabalho, quando prestado na

residência. Também para os deficientes físicos pode ser uma alternativa de maior

inserção no mercado, na medida em que não precisam se deslocar de um lugar para

outro.

Na visão do empregador, há argumento forte de que é uma forma de se

manter a continuidade do contrato de trabalho e de evitar dispensas, além de, em

muitos casos, melhorar substancialmente a qualidade dos serviços prestados; além

do mais, otimiza o aproveitamento do espaço disponível, reduz a infra-estrutura,

economiza gastos com transportes, alimentação, descentralização e expansão das

atividades, em função da contratação de serviços autônomos.

Os avanços tecnológicos combinados com as mudanças comportamentais

dos seres humanos, possibilitam o teletrabalho que, por sua vez, exige uma

reengenharia dos contratos tradicionais, pois o trabalho prestado à empresa não

necessariamente é realizado na empresa.70 As novas formas contrastam com a

estrutura jurídica consagrada; não se pode concordar, porém, com o defendido por

Trindade,71 para quem o trabalho a distância, na atualidade, só é compatível com a

Informática Jurídica, cujos negócios de atuação afastam a possibilidade de aplicação

das regras do contrato de trabalho subordinado. Não parece adequado tal

entendimento, porque o Direito do Trabalho tem subsídios principiológicos,

doutrinários e legais suficientes para atender às novas realidades ocorrentes nas

relações de emprego. Basta citar como exemplo a tão discutida e verificável

rarefação da subordinação. Evidentemente que deverá haver adaptações no

trabalho à distância e no teletrabalho, em geral, tendo em vista suas inúmeras

peculiaridades.

A massificação da internet e a possibilidade de oferecer produtos imateriais e

serviços a consumidores em qualquer ponto do globo levaram ao aparecimento da

chamada empresa virtual. No Brasil, uma microempresa de informática adotou essa

fórmula, embora o proprietário ainda mantenha contato físico com o cliente. Ao

transforma-se em uma empresa virtual, não alterou o contrato de trabalho de seus

70 TRINDADE, Washington Luiz da. Revista jurídica trimestral Trabalho & Doutrina, p. 15. 71 Idem, p. 15.

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empregados, que continuam a prestar serviços desde seus domicílios, sem

necessidade de deslocar-se para a empresa. Desse modo, não são as ferramentas

tecnológicas que irão alterar a natureza jurídica do teletrabalho, mas um conjunto de

elementos, tais como organização da empresa, tipo de conexão, gestão da mão-de-

obra, materialidade ou imaterialidade dos produtos ou serviços, trabalho manual

versus trabalho intelectual, necessidade ou não de constantes deslocamentos, entre

outros.

Cássio de Mesquita Barros apontou a falta de histórica compatibilidade dessa

nova modalidade de trabalho com a estrutura jurídica que se formou no progresso

da sociedade industrial.

No atual contexto, grande parte das modalidades dos serviços dessa natureza afasta a aplicação das regras legais do contrato de trabalho subordinado e permanente (...) A justa proteção de quem trabalha não há de ser procurada na interpretação com o espírito do passado, mas sim por via normativa na linha de um ‘minicontrato de trabalho’, assim entendidos uma sinopse de proteção mínima junto à empresa (...) Fora da empresa, proteção mais adequada de natureza previdenciária, com reformulação das regras vigentes, atendendo ao critério das prioridades mais importantes, como convém às fases de recursos medidos e controlados.72

A necessidade da extensão de certos direitos aos teletrabalhadores

autônomos, entendidos como teletrabalhadores profissionais, é uma realidade,

principalmente quanto à seguridade social, porque, em muitos casos, os requisitos

de continuidade e de coordenação se fazem presentes, juntamente com a

exclusividade, não possibilitando ao teletrabalhor prestar seus serviços a mais de um

empregador.

Sendo assim, poder-se-ia afirmar que teleworking e telecommuting não se

confundem com o trabalho em domicílio. Eles não são necessariamente criadores de

empregos, e os principais obstáculos à sua implantação estão em alguns fatores

culturais, econômicos e normativos. O telecommuting e o teleworking inauguram

uma nova fisionomia da subordinação, porque destacam a independência do

trabalhador na concepção e execução de seu trabalho, e tocam diretamente na

questão do modo de execução, do local e do tempo de execução do trabalho,

72 BARROS JÚNIOR, Cássio de Mesquita. O teletrabalho. In: GREGO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Orgs.). Direito e internet: relações jurídicas na sociedade informalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 40.

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questões que repercutem diretamente na remuneração do trabalhador.

Embora Cássio de Mesquita Barros73 preconize um “minicontrato de trabalho”

para o teletrabalho em suas várias possibilidades jurídicas, vendo-o como uma

modalidade a transformar as relações de trabalho, não se pode deixar de concordar

que os teletrabalhadores autônomos, mais especificamente os teletrabalhadores

profissionais, necessitam de “proteção de natureza previdenciária, Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço pelo tempo que durar a prestação do teletrabalho”.

Assim, o trabalho a distância é também o trabalho em domicílio. Mais que

isso, teletrabalho. Formas várias de labor vão surgindo no curso do tempo, em

virtude da informatização e cabe analisar essas modalidades, uma vez entendido

que a internet também é uma importante ferramenta na concretização dessas

modalidades de prestação de serviços.

3.3 TELETRABALHO: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE SUBORDINAÇÃO, AUTONOMIA E PARASSUBORDINAÇÃO

Na ausência de uma categoria legal própria, conviria analisar o teletrabalho

sob o enfoque da dicotomia trabalho subordinado/trabalho autônomo, observando,

também, que o teletrabalho apresenta semelhanças com o trabalho

parassubordinado.

3.3.1 Noções do trabalho subordinado e do trabalho autônomo

A partir do conceito léxico de subordinação (do latim subordinatione, estado

de submissão; ser dependente e obediente), há o jurídico, “submissão de coisas e

pessoas à dependência de outras, a fim de que se cumpram as ordens, as

imposições, as determinações, as instruções, que delas emanem”74.

O trabalho subordinado caracteriza a relação clássica de emprego. O

trabalhador subordinado é aquele que realiza o próprio trabalho, intelectual ou 73 Idem, p. 31-40. 74 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 1.483.

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manual, de forma não eventual, sob a dependência do empregador, do qual recebe

uma remuneração. Tanto os instrumentos de trabalho, como o local onde ele é

executado e os riscos dessa atividade são de inteira responsabilidade da empresa.

Tradicionalmente existem vários critérios de subordinação; entre eles,

identificam-se: o da subordinação econômica, da social, da técnica e da jurídica.

Entre todas, a subordinação jurídica se destaca, já que enfatiza o estado de

dependência real do empregado ao comando e às ordens do empregador.

Em campo diverso ao do trabalho subordinado, está o autônomo. O

trabalhador autônomo organiza sua própria atividade, escolhe sua clientela, fixa

seus horários e prazos de execução, escolhe suas ferramentas, valora seu trabalho

e pode, em alguns casos, contar com a colaboração de terceiros, desde que seu

número não seja determinante, sob o risco de caracterizar o exercício de empresa

ou uma relação em estreita correspondência com o mero fornecimento de mão-de-

obra. Por último, assume os riscos do seu negócio.

A linha demarcatória entre o trabalho subordinado e o autônomo está no

modo como é prestado.

A própria CLT, ao definir empregado, em seu art. 3º, como o que presta

serviço “sob dependência” do empregador, quer ressaltar, no dizer de Süssekind, “a

subordinação jurídica definidora do contrato de trabalho”75.

No mesmo sentido, para Cesarino Júnior, “o critério mais importante para a

diferenciação do contrato de trabalho de todos os outros... é o da subordinação, da

dependência do empregado em relação ao empregador”76.

Romita demonstra que na Europa e na América Latina a subordinação é a

nota caracterizadora do contrato individual de trabalho, destacando que, nas

ditaduras de Franco na Espanha, na Itália fascista e na Alemanha nazista, a

fidelidade e a subordinação eram realçadas77. O autor menciona Trueba Urbina,

jurista mexicano, que considera o conceito de subordinação como repugnante, pois

a Constituição mexicana d 1917 afastou o uso de termos que pudessem caracterizar

“o passado burguês de subordinação”, sustentando que “verdadeiramente o que

75 SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p. 314. 76 CESARINO JÚNIOR, Antônio. Teoria do pequeno risco. Revista LTr 41-02/65. 77 ROMITA, Arion Sayão. A subordinação no contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 57.

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obriga o trabalhador não é a subordinação, mas o cumprimento de um dever

contratual”.

Conforme Romita, o contrato se “hipostasia na atividade que o operário

exerce” e a própria subordinação gravita em torno do trabalhador, já que “este

vínculo é de ordem objetiva, pois visa à atividade do empregado”78.

Não há uma subordinação pessoal permanente do empregado em relação ao

empregador (“amo e escravo”), mas apenas enquanto perdura a atividade laboral,

pois “a subordinação constitui traço característico da relação de emprego,

especialmente na empresa, como organismo de absorção ou imputação da atividade

do empregado, ao qual ele se incorpora e do qual depende, por ser tal organismo

organizado pelo empresário em seu próprio interesse e a seu próprio risco”79.

Para Magano, “o dever de sujeição do empregado ao poder diretivo do

empregador é tão essencial ao contrato de trabalho quanto a obrigação de

trabalhar”80.

Pelas suas características, o teletrabalho, nas diversas modalidades de

contratação de um teletrabalhador, pode esbarrar em falsas autonomias ou em

pseudo-subordinações, dificultando, assim, a possibilidade de uma legislação nítida

sobre essa categoria de trabalhadores.

3.3.2 Noções do trabalho parassubordinado

A ausência da proteção para o trabalhador autônomo criou, na Itália, a figura

do trabalhador parassubordinado. A noção de trabalho parassubordinado foi lá

introduzida pela Lei n. 533, 11 de agosto de 1973, que alterou o art. 409, n. 3, do

Código de Processo Civil. A intenção do legislador foi a de assegurar ao trabalhador

autônomo um instrumento jurídico veloz para a resolução dos conflitos contratuais

que o envolvessem em razão do exercício de uma colaboração pessoal continuada

e coordenada.

As alterações tecnológicas reduziram a mão-de-obra e, paradoxalmente, esta

78 Idem, ibidem. 79 ROMITA, Arion Sayão. op. cit., p. 91-92. 80 MAGANO, Octavio B. Manual de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, v. II, p. 43.

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ganhou uma importância jamais vista no mundo do trabalho, pois os sistemas de

produção e serviços dependem da inteligência das pessoas. A introdução da

tecnologia sofisticada, com a informática e a telemática, requer um treinamento

altamente sofisticado e qualificado profissionalmente.

Assim, as tarefas que eram fragmentadas passaram a ser reagrupadas e

realizadas por um empregado fora da sede da empresa e, conseqüentemente, com

poder de decisão mais forte em alguns aspectos, como a jornada de trabalho, que é

cumprida como melhor convier ao telempregado, limitada apenas pelo prazo final

estipulado pelo empregador.

A tecnologia traz uma nova forma de subordinação, pois o empregado fica

apenas indiretamente ligado ao empregador, passando a existir a chamada

“parassubordinação” ou “telessubordinação”, quando ocorre a distância, menos

acentuada que a dos contratos de trabalho tradicionais.

Os trabalhos atípicos e suas formas jurídicas exigem pluralismo jurídico (está

relacionado ao reconhecimento da existência de outras fontes de produção jurídica

ao lado do Estado) e, por conseqüência, a diversificação e a pluralização da tutela, a

partir do reconhecimento da crise, como ponto central, do trabalho dito normal,

considerado como protótipo baseado no máximo de garantias, já que passa a ter

maior diversificação e maior relatividade de soluções para os demais tipos de

trabalho, entre os quais, especificamente, o trabalho a distância.

A tendência é substituir a noção única de subordinação por subordinação

diferenciadas, com a conseqüente gradação protetora, inclusive quanto aos limites

de derrogabilidade da lei estatal por contratos coletivos.

Se a subordinação e o trabalho permanente não podem mais constituir

pressupostoss da incidência do Direito do Trabalho, mas apenas interferir no grau de

tutela oferecida ao trabalhador, a ampliação dos limites do Direito do Trabalho, para

alcançar formas atípicas, propicia a expansão da disciplina e atende à sua

concepção como instrumento de regulação do mercado de trabalho.

Sendo o teletrabalho uma dessas novas formas atípicas, cabe o exame da

forma de subordinação aí encontrada.

O domínio da tecnologia influencia a relação individual do trabalho, fazendo

com que a subordinação jurídica sofra certa gradação com diferentes intensidades,

que redundam em “subordinações” diversas. A utilização da microeletrônica ou de

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sistemas informáticos pode reduzir, transfigurar e até eliminar a dependência do

empregado (isso ocorre também sem a microeletrônica em certas atividades, por

exemplo, de caixeiro-viajante) a ordens diretas do empregador.

A nuclearização de know-how afeta a subordinação porque o comando deixa

de ser exercido pelo empresário, concentrando o poder em quem detém a

tecnologia, muitas vezes de uso exclusivo do empregado, o que causa uma

alteração prática na hierarquia.

No teletrabalho, é possível a execução das tarefas em locais diversos,

mediante sistemas de comunicação e de informática, tornando desnecessárias as

regras para início e fim da jornada, em função da chegada ao lugar do trabalho, pois

se parte de outro conceito de estabelecimento como espaço físico e não como

estrutura destinada à produção.

O conceito de subordinação pode ser afetado pelo controle do trabalho, em

face da informática que, na realidade, concretizaria a fonte das diretrizes,

provocando uma despersonalização da direção, quando não, seu desaparecimento

total.

Ressalta Robortella81:

a velha teoria da “ajenidad” do direito espanhol, no sentido de trabalho por conta alheia, que sempre disputou com a subordinação a primazia como nota típica do contrato de trabalho, talvez passe definitivamente a melhor expressar a natureza do vínculo que une o empregado ao empregador.

O autor ainda afirma que a “telessubordinação” ou “teledisponibilidade”, não

comparável com o trabalho a domicílio dos primórdios da industrialização, resulta

dos equipamentos modernos que permitiriam o controle a distância e a conexão

permanente do empregado à empresa, possibilitando, em certas circunstâncias, a

determinação das horas de trabalho, descansos e pausas, previstos na legislação

consolidada.

O teletrabalho não faz, necessariamente, desaparecer ou diminuir a

subordinação; antes, em certos casos, torna-a até mais amplas, apenas com outro

enfoque, deslocando o centro de gravidade geográfica da empresa.

81 ROBORTELLA. op.cit, p. 35.

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“A subordinação jurídica não mais provém da sujeição propriamente às

ordens do empresário, mas sim da inserção e sujeição à organização empresarial e

seus objetivos, com meios por ela fornecidos”82.

Igualmente o poder de comando, no sentido do jus variandi, também terá de

flexibilizar seu conceito pela polivalência exigida do trabalhador da era tecnológica,

apto a funções diversas, nem sempre inseridas na qualificação profissional prevista

no contrato83.

A conseqüência desses novos entendimentos é analisada pelo Direito do

Trabalho que se vê obrigado a adaptar-se às transformações, redirecionando os

direitos sociais, visando a uma desejável adequação aos novos vínculos. Assim, a

modernização das relações de trabalho, especificamente pela implantação cada vez

maior do teletrabalho, gera uma mudança radical, não no elenco de pressupostos

configuradores do contrato de emprego, mas na própria realidade laboral sobre a

qual incide a legislação trabalhista, impondo uma interpretação mais sensível às

respectivas alterações provocadas pelas inovações tecnológicas84.

Os tribunais têm entendido que o vínculo empregatício estará presente na

relação se os sistemas de informática e de comunicação forem de propriedade da

organização, e não do teletrabalhador. Este estaria sujeito às ordens e diretrizes da

empresa, principalmente se os equipamentos o obrigassem a permanecer certas

horas do dia ou em turnos determinados de horas em contato com a organização.

82 ROBORTELLA. op.cit, p. 146/147. 83 ROBORTELLA. op.cit, p. 150. A hierarquia tradicional com trabalhadores semiqualificados controlados pela chefia tornou-se obsoleta; já o operário da fábrica moderna e automatizada tem de conhecer tudo e participar de todas as tarefas que compõem o processo de produção. 84 TEIXEIRA, Sergio T. O novo modelo de relação de emprego. Rev. LTr 60-10/97.

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4 O IMPACTO DO TELETRABALHO NO MUNDO ATUAL

4.1 AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DO TELETRABALHO

No teletrabalho, não ocorre apenas a repetição do trabalho a domicílio. O

teletrabalho pode ocorrer tanto no âmbito da residência do trabalhador quanto em

telecentros ou de forma nômade. Assim, o teletrabalhador poderá ser um trabalhador

autônomo, nômade ou um empregado nos moldes da legislação trabalhista, não

importando a cor, raça, idade, sexo, deficiência física ou o local onde o trabalhador

se encontra, barreiras comuns para o mercado tradicional de trabalho, que pode ser

desenvolvido no campo ou na cidade, atuando assim como um fator de inserção de

trabalhadores fora dos grandes centros urbanos.

No Brasil, têm sido considerados como possibilidade promissora do trabalho:

o teleensino; empresas virtuais ligadas a compra e venda de produtos; vendedores

viajantes interligados a empresas por leptop; companhias aéreas e de seguro;

bancos; empresas de informática; indústria; aeronáutica; imprensa; venda por

correspondência; tradução de documentos, etc. Há, porém, inegáveis riscos de

isolamento, doenças profissionais, quebra de privacidade que podem ser superados

por mecanismos eficazes, sobretudo quando se analisam as vantagens que esse

modelo oferece.

O teletrabalho exige um maior grau de autonomia do trabalhador e nem todos

os trabalhadores se enquadram nessa modalidade de trabalho. As vantagens são

apontadas pelos empresários, trabalhadores e governos.

Segundo Carla Carrara da Silva Jardim, as vantagens apontadas para o

trabalhador são:

a) aumento do tempo livre, já que reduz o tempo gasto com os deslocamentos

casa/trabalho;

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b) flexibilidade na organização e no tempo de trabalho, segundo seu próprio

biorritmo;

c) flexibilidade no local de trabalho;

d) redução dos gastos com transportes e combustíveis;

e) maior convivência com os amigos, os familiares e a comunidade em que

está inserido;

f) maior oportunidade de trabalho para os deficientes físicos.

g) integração dos portadores de imunodeficiência, dos portadores de doenças

infecto-contagiosas, que são discriminados no ambiente de trabalho;

h) possibilidade de maior fluxo de mulheres ao mercado de trabalho, de

trabalhadores que necessitam cuidar dos filhos ou de pessoas doentes ou de

pessoas que estejam aos seus cuidados;

i) maior estabilidade psicoemocional e menor stress cotidiano.85

As vantagens elencadas podem revestir-se de desvantagens para alguns

trabalhadores; por exemplo, o teletrabalho pode significar diminuição do tempo livre,

isolamento social, redução da distinção vida profissional/vida particular, menor ajuda

na execução do trabalho e menores possibilidades de ascensão na carreira

profissional.

Como o teletrabalho pode ser realizado de forma bastante simples

(transferindo para a casa as práticas a executar em papel, em disquete, por telefone,

etc.) ou com a ajuda da tecnologia ainda mais ágil, como o correio eletrônico,

Domenico De Masi também apresenta vantagens:

para os trabalhadores há benefícios em termos de autonomia, condições físicas, relações familiares, boa vizinhança, acesso ao trabalho (sobretudo aos deficientes físicos, anciãos, donas de casa); para a coletividade, há benefícios em termos de redistribuição geográfica e social do trabalho, redução do volume de trânsito, estímulos à criação de novos trabalhos, revitalização nos bairros, redução da poluição e das despesas de manutenção viária, eliminação das horas de pico, etc86.

85 JARDIM, Carla Carrara da Silva. O teletrabalho e suas atuais modalidades. São Paulo: LTr, 2003. p. 40-41. 86 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução Yadir A. Figueiredo. Rio de Janeiro/Brasília: José Olympio/UNB, 2000, p. 263-264.

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Existem as vantagens elencadas para os empresários que são:

a) maior flexibilidade na organização e na gestão da empresa e da mão-de-

obra;

b) redução de custos com infra-estrutura, mobiliários, transportes e mão-de-

obra;

c) redução do absenteísmo;

d) maior motivação e produtividade dos empregados;

e) redução dos níveis hierárquicos intermediários, possibilitando a

conservação do pessoal mais qualificado, oferecendo-lhe melhores vantagens de

localização;

f) trabalho em tempo real com pessoas de qualquer parte do mundo;

g) possibilidade de contratação de mão-de-obra mais barata, permanecendo a

empresa em seu país de origem off-shore.87

Em seguida, percebem-se as vantagens para o governo:

a) redução dos problemas com os transportes, principalmente no horário do

rush;

b) redução dos índices de poluição;

c) redução com os gastos de combustível;

d) melhor organização do território;

e) promoção do desenvolvimento dos subúrbios e das regiões rurais;

f) inclusão social de portadores de deficiências, idosos, portadores de

imunodeficiência, portadores de doenças infecto-contagiosas, muitas vezes

discriminados no ambiente de trabalho.88

Essas vantagens têm incrementado o teletrabalho, embora sejam notórios os

riscos e dificuldades encontradas. Sérgio Pinto Martins, concordando com várias

vantagens do teletrabalho, apresenta também desvantagens:

O teletrabalho pode trazer certos problemas para o trabalhador, como o de

87 JARDIM, Carla Carrara da Silva, op. cit., p. 41. 88 Id., ib., p. 42.

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não ter exatamente uma carreira dentro da empresa, mas trabalhar fora dela. Deixa

de haver a interação do trabalhador dentro da empresa. Se o trabalhador passa a

prestar serviços como autônomo, perde a condição de empregado e benefícios

indiretos decorrentes do contrato de trabalho, como cesta básica, assistência

médica, etc. o teletrabalho pode aumentar as despesas domésticas do trabalhador,

confundindo-se necessidades familiares com as de trabalho. Diminuem, porém, as

despesas externas (condução, combustível, ect.).89

Dentro das desvantagens, o teletrabalho encontra resistências. A mais

contundente seria proveniente dos próprios dirigentes, por impor a redução do

quadro intermediário, retratando crise na tradicional hierarquia, cujos parâmetros

delineavam a autoridade e o desenvolvimento de práticas profissionais indicadoras

de status profissional e social diretamente ligadas à auto-imagem do trabalhador.

Conclui-se que o teletrabalho impõe uma mudança não só no aspecto econômico e

normativo, mas também no cultural.

Podem-se, contudo, elencar, em linhas gerais, algumas desvantagens

apontadas pelo quadro dirigente, pelos próprios teletrabalhadores, pelos

empregados no interior da empresa e pelos sindicatos, conforme o faz Carla Jardim:

1) fragmentação do trabalho;

2) falta de visão dos teletrabalhadores do conjunto da empresa e seu

mercado;

3) controle invisível pelo computador central da empresa, por meio de

programas de mensuração da produtividade;

4) pouco ou nenhum contato com colegas e com a hierarquia;

5) dispersão dos trabalhadores pelo território, dificuldando as ações sindicais;

6) isolamento social;

7) não-separação entre vida privada e vida profissional;

8) tratamento diferenciado referente a salários;

9) deficiência na proteção jurídica;

10) menos oportunidade de promoção e de ascensão na carreira profissional;

89 MARTINS, Sérgio Pinto. A continuidade do contrato de trabalho. São Paulo: Atlas, 2000, p. 270.

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11) ausência ou diminuição de auxílio no desenvolvimento das tarefas.90

Para as empresas, as desvantagens são:

a) dificuldades em reunir o teletrabalhador;

b) aumento de custos com equipamentos e telecomunicações para cada

teletrabalhador;

c) destruição do sentido de coletividade que havia no interior da empresa;

d) aumento nos custos de formação dos teletrabalhadores;

e) problema de confidencialidade dos dados;

f) problemas pertinentes à integridade do sistema de transmissão de dados e

informações;

g) dificuldades no controle da prestação do trabalho;

h) problemas pertinentes à prevenção e eliminação dos riscos relacionados às

doenças ligadas ao videoterminal e às questões de higiene e saúde no local de

trabalho.91

As desvantagens apontadas são passíveis de solução, a começar pela

reunião dos teletrabalhadores em telecentros, a distribuição e a adaptação dos

trabalhadores de acordo com seu perfil e o próprio telecommuting, que propugna

pelo trabalho alternado na empresa e no domicílio do trabalhador.

Conclui-se que a possiblidade do deslocamento geográfico dá uma aparente

autonomia ao trabalhador na execução do trabalho. Na maioria das empresas, ele já

está mensurado, pois ela tem o tempo padronizado à produção.

Os trabalhos suscetíveis de serem teletrabalho já têm o modo, o tempo e a

forma de execução padronizados e mensurados pelas empresas, que têm o controle

da produção pelo tempo de execução, como é o caso do home-based-work

realizado por empresas de informática para averiguar a produção de seus

empregados.

A possibilidade de trabalhar em qualquer local, em locais geograficamente

diferentes, so choca frontalmente com a mentalidade de trabalho desenvolvida na

90 JARDIM, Carla Carrara da Silva, op. cit., pp. 42-43. 91 Id., ib., pp. 43-44.

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sociedade industrial e cria, para esse processo, uma nova concepção de tempo-

espaço que será analisada a seguir.

4.2 TELETRABALHO E OS NOVOS PADRÕES ESPACIAIS

Supunha-se que o trabalho a partir da cabana eletrônica seria precursor de

um novo tipo de assentamento humano, com os locais de trabalho desaparecendo e

os lares se transformando no centro de uma atividade multifuncional. Na verdade, o

teletrabalho não é uma prática disseminada e o trabalho feito a partir de casa é

apenas parcialmente relacionado com a globalização.

A internet sempre conectada e o acesso móvel a ela podem nos ligar

permanentemente com o ambiente doméstico e com o mundo em geral. A casa

conectada pode ser necessária para o manejo da diversidade de

tarefas/experiências que provavelmente terão lugar nela. Às vezes, não é a casa

que se transforma em local de trabalho. É o local de trabalho que pode ganhar o

aspecto de casa para profissionais pouco sociáveis, solitários.

O lar, contudo, torna-se multidimensional, apoiando uma diversidade de

experiências, funções e projetos para uma família cujos membros têm crescente

diversidade de interesses.

A respeito disso, Mitchell92 escreve:

Isto não significa que nos tornaremos em geral teletrabalhadores em tempo integral, permanecendo em casa, e que locais de trabalho tradicionais em particular escritórios no centro da cidade vão simplesmente desaparecer. Apesar de décadas de interesse na possibilidade do teletrabalho, há pouca evidência de que ele vá se tornar tão dominante. Mas veremos certamente horários e padrões espaciais de trabalho cada vez mais flexíveis, e muitas pessoas dividirão seu tempo, em diferentes proporções entre tipos tradicionais de locais de trabalho, ambientes de trabalho ad hoc que servem enquanto eles estão em trânsito, e locais de trabalho em casa eletronicamente equipados... Não teremos um mundo em que não há mais proveito da tecnologia digital de telecomunicações, para permanecer em contato mais estreito com lugares particularmente significativos para nós, quando viajamos. Continuará havendo um lugar que chamamos de “lar”.

92 MITCELL, William J. E-topia. Cambrigde, MA: MIT Press, 1999, p. 22-3.

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Esse lar terá seu genius loci (o gênio do lugar), uma intranet que conectará

dispositivos equipados com sensores e um software potente, capaz de responder às

necessidades dos que moram no lugar, “focalizando recursos globais em tarefas

locais”. As construções desenvolverão sistemas eletrônicos de rede, conectando-se

umas com as outras e com cada unidade de construção. As implicações para o

planejamento e o zoneamento são consideráveis, a começar pelo fim da distinção

entre funções residenciais e de trabalho numa dada área espacial.

Na verdade, o desafio para os arquitetos e planejadores urbanos é como

evitar o isolamento, e como reintegrar a auto-suficiência de espaços individualizados

com a experiência compartilhada de lugares comuns em que a vida urbana

continuará se baseando.

Mitchell93 exemplifica:

Para arquitetos e planejadores urbanos, a tarefa complementar é criar um tecido urbano que proporcione a grupos sociais oportunidades de se cruzar e sobrepor, em vez de permanecer isolados pela distância ou barreiras de defesa o laptop na mesa, na varanda do café, em vez do computador pessoal no condomínio gradeado.

Com base na teoria de Mitchell, Thomas Horan relatou o desenvolvimento de

novas formas de planejamento arquitetônico, urbano e metropolitano que tratam de

maneira funcional e simbólica a especificidade desses novos locais. Horan94 refere-

se com isso à “necessidade de planejamento local para lidar com a fluidez espacial

sem precedentes que temos hoje para levar a cabo atividades diárias em qualquer

lugar e a qualquer hora”.

Mitchell95 conclui:

O poder do lugar ainda prevalecerá ... Ambientes físicos e cenários virtuais funcionarão de maneira interdependente e na maioria das vezes se complementarão mutuamente dentro dos padrões transformados de vida urbana, em vez de serem substituídos dentro de padrões existentes. Algumas vezes usaremos redes para evitar ir a lugares. Outras, porém, continuaremos indo a lugares para nos interconectar.

93 MITCHELL, Op. cit., p. 82. 94 HORAN, Thomas A. Digital Places: Building our City of Bits. Washington, DC: The Urban Land Institute. 2000, p. 13. 95 MITCHELL. op. cit., p. 155.

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Ir a lugares, interconectar-se, já que teletrabalho não quer dizer isolamento.

Pode-se salientar, considerando o lado positivo, que o relacionamento com colegas

de escritório pode ser compensado com o número de relacionamentos pessoais em

família, no edifício, no quarteirão. Por causa da atual divisão do trabalho, quase

todos os trabalhadores, hoje, vivem como estranhos: seja no quarteirão onde

trabalham de dia, seja naquele onde dormem à noite. De fato, são como desprovidos

de cidade.

Graças ao teletrabalho, é provável que o trabalhador, hoje tirado de casa,

possa integrar-se com seus vizinhos de edifício em que se situa seu apartamento. A

participação doméstica, administrativa e política terá tudo a ganhar.

Por outro lado, entretanto, a maior permanência dos trabalhadores em casa

reduz o uso de babás, por exemplo. O teletrabalho também reduz o consumo de

combustível, o congestionamento do trânsito e o uso das vias públicas, tornando

supérflua parte dos serviços de vigilância e de alguns postos de abastecimento e

oficinas.

Há, no entanto, controvérsias as quais sugerem que as viagens

economizadas com o trabalho em casa seriam feitas em transportes públicos, não

em automóveis; e que o teletrabalho aumentaria o uso do automóvel, porque o torna

disponível para outros membros da família e porque reduz o encadeamento, isto é, o

processo pelo qual as pessoas deixam as crianças na escola e apanham as

compras da mercearia a caminho do trabalho. A possibilidade de trabalhar em casa

em tempo parcial, particularmente para a força de trabalho profissional, leva a

moradias situadas mais longe dos locais de trabalho, aumentando assim a distância

daqueles deslocamentos que ainda continuam necessários.

4.3 TECNOLOGIA, QUALIFICAÇÃO E TELETRABALHO

As exigências de renovação tecnológica conduzem à inovação. Por isso, as

conquistas da informação, lato senso, fazem a produção tornar-se mais inteligente,

transformando, especialmente no 1º Mundo, as fábricas em oficinas flexíveis

automatizadas.

As tecnologias mudam espaços e tratamentos sociais; mudam interesses e

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equações econômicas; processos e resultados produtivos; valores e conceitos

culturais; enfim, vontades e poderes políticos; pessoas e instituições.

Habermas acredita que a conseqüência disso é:

Hoje, a dominação está submetida a uma racionalidade tecnológica que se perpetua e se estende, não apenas através da tecnologia, mas enquanto tecnologia, e esta garante a formidável legitimação do poder político em expansão, que absorve todas as esferas da cultura. Nesse universo, a tecnologia provê também a formidável racionalização da não-liberdade do homem e demonstra a impossibilidade técnica de ser ele autônomo e de determinar a sua própria vida. Isso porque essa liberdade aparece, não como irracional ou política, mas, antes, como uma submissão ao aparato técnico que amplia as comodidades da vida e aumenta a produtividade do trabalho.96

A produtividade se constrói pela educação pragmática que qualificaria e

especializaria, pelas racionais reformas organizacionais, pelo bom desempenho dos

agentes humanos no produzir, com destreza, o instrumental tecnológico que, com

eles, agiria.97

A volta da produtividade poderia estimular a recomposição dos critérios

distributivos de resultados do empreendimento, acentuando o peso do trabalho. Com

isso, talvez ocorresse o crescimento dos salários, como também se tentaria

assegurar indiretamente o financiamento dos investimentos produtivos e se

sustentar o poder aquisitivo, responsável pela continuidade da demanda.

Acredita-se que a produtividade não mata o emprego; o que ela faz é reduzir

a quantidade de trabalho a utilizar-se para ultimar a produção. Isso cria (ou criaria)

um excedente de riquezas que atenderia (ou deveria atender) novas necessidades

e, portanto, ensejar a criação de novos empregos com o tempo.

Constata-se, ainda, que as novas tecnologias tendem a ensejar um processo

pendular de reduzir e, depois, aumentar as oportunidades de trabalho.

Antonio Cattani assim afirma:

96 HABERMAS, Jurgen. Técnicas e ciência enquanto ideologia. In: BENJAMIN, Walter et al. Textos escolhidos, 1ª ed. São Paulo, Abrl Cultural, 1975, p. 305 Os pensadores. 97 TROPE, Alberto. Organização Virtual. Rio de Janeiro: Qualitymark, ed. 1999, p. 25. O funcionário será cobrado apenas em função dos resultados atingidos pelo trabalho realizado, e não em função de sua presença no ambiente físico da empresa. Muitas vezes o fato de o empregado estar fisicamente na empresa se sobrepõe a seus resultados”..

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As novas tecnologías e as formas de gestão mudam em profundidade os quadros de trabalho, as identidades e as relações profissionais, ampliando as desigualdades. De um lado, definem-se grupos minoritários, com garantias contratuais, estabilidade, planos de carreira, bons salários etc. De outro, massas crescentes de subempregos, de profissões desqualificadas, desprestigiadas e mal remuneradas. 98

Perante as questões de qualificação, notamos: O saber99 passaria a ser (ou já

é?) a fonte de riqueza social (e, muitas vezes, econômica).

O saber, na contemporaneidade, é fonte de produtividade e identifica a

transição da sociedade do trabalho para o do saber, ensejando mais dúvidas do que

certezas, no que concerne à ocupação humana no amanhã, e mais certezas do que

dúvidas, no pertinente ao aumento da produtividade.

Contudo o pessimismo100 parte do que seria, na contemporaneidade, notória

contradição: o mesmo desenvolvimento (tão criativo pela mão da tecnologia) que

tantas satisfações proporciona à economia e comodidades a pequenos (ou

limitados) segmentos populacionais, em especificas regiões do mundo, converter-se-

ia em verdadeiro inferno para os trabalhadores comuns (em particular para os

empregados sem qualificação ou de baixa especialização), colocados no rol dos

descartáveis.

Verifica-se segundo Gilberto Dupas:

As sociedades deste final de século, embora fascinadas por vários benefícios e promessas oferecidas pela globalização, já elegeram seu grande inimigo: o medo da exclusão social, que atinge todos os níveis. Os inequivocamente incluídos que sentem as vantagens da tecnologia e da liberdade de mercado, acumulam informações, riqueza e circulam pela

98 CATTANI, Antonio David. Trábalo e Autonomia. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 30. 99 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: A era da informação: economia, sociedade e cultura. Tradução de Roneide Venâncio Majer. 4ª ed. São Paulo: Paz e terra, 1999, v. 1, p. 77. A mudança contemporânea de paradigma pode ser vista como uma transferência de tecnologia baseada principalmente em insumos baratos de energia para uma outra que se baseia predominantemente em insumos baratos de informação derivados do avanço da tecnologia em microeletrônica e telecomunicações. 100 TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América: leis e costumes. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 226-227. Com o avanço do princípio da divisão do trabalho, o operário tornou-se cada vez mais fraco, mais limitado e menos independente: a arte fez progressos mas o artesão regrediu. Por outro lado, à medida que se descobriu que os produtos industriais eram menos caros até melhores, com a difusão da manufatura e a acumulação dos capitais, surgiram homens ricos e cultos para explorar indústrias até então sob a égide dos artesões canhestros ou ignorantes. Desse modo, enquanto a ciência industrial degrada continuamente a classe operária, ela eleva a dos seus patrões. E à medida que o operário restringe cada vez mais sua mente ao estudo de um único detalhe, o patrão paira, todos os dias, sobre novos horizontes mais vastos.

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aldeia global têm medo do potencial de violência do excluído, além de um razoável sentimento de culpa cujo tamanho depende do seu grau de solidariedade social. Aqueles ainda incluídos, assustados com a diminuição dos empregos formais e a redução Estado-protetor, temem escorregar para a exclusão. E por último, aqueles que são ou sentem-se excluídos, no seu dia-a-dia de sobreviventes, têm razões de sobra para sentirem medo.101

Pelo exposto acima, a melhor maneira de evitar a exclusão social, seria a

qualificação e especialização de profissionais, a fim de acompanhar a evolução

tecnológica; de outro lado, o trabalho autônomo, por meio do teletrabalho, poderia

ser uma opção para se escapar dessa exclusão.

Atualmente, e de maneira progressiva, produz-se cada vez mais com cada

vez menos mão-de-obra. O fenômeno se faz mais marcante quando se trata de bens

com expressivo valor agregado, nos quais a tecnologia sofisticada é determinante. O

processo expulsório do trabalho menos qualificado e/ou não criativo tem

característica centrífuga, ou seja, conforme Carlos Oliveira:

Alguns desses efeitos, de difícil quantificação, têm sido noticiados recentemente, como, por exemplo: a diminuição do custo efetivo de trabalho (labor cost), quando comparado internacionalmente; o significativo aumento da terceirização nas empresas de grande porte; alterações qualitativas de quadros funcionais; grande eliminação de chefias intermediárias; diminuição de cobertura sindical; aumento do tempo de desemprego, especialmente de jovens; expansão de emprego domiciliar e autônomo, aumento de rotatividade, etc.102

Esse processo evidencia-se, primeiro, nos países do Primeiro Mundo, de

refinada tecnologia, para chegar, depois, aos subdesenvolvidos, ainda, em muitos

setores, desprovidos de recursos para implementar procedimentos atuais que

exigem elevados investimentos para empregá-los.

Um dos elementos responsáveis pelas transformações no Direito do Trabalho,

foram as alterações na modelagem produtiva, com a curva descendente da

padronização, da ritualidade mecânica de gestos, da linha de montagem etc.,

progressivamente substituídas pelo espaço aberto à criatividade, à iniciativa própria,

etc.

101 DUPAS, Gilberto. O novo paradigma do emprego. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, n. 3, p. 69, 1998. 102 OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de (Org.). O mundo do trabalho: crise e mudança no final do século. São Paulo: Página Aberta, 1994, p. 598.

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A sociedade e, particularmente, dentro dela, a empresa, abre (ou permite que

se abram) espaços de atuação, enquanto novas tecnologias ensejam

descentralização das tarefas e sua coordenação em redes de interação em tempo

real. Surge, assim, como que uma globalização interior (no seio da empresa e na

sua relação com o mundo exterior), que corre, passo a passo, com o trabalho. Disso

decorrem criativas, atípicas e até anômalas situações no trabalho.

Na busca de reduzir encargos empresariais com o trabalho, identifica-se um

afrouxamento do vínculo empregatício. Existem múltiplos procedimentos, tais como

o afastamento físico do trabalhador do núcleo empresarial103 (teletrabalho); a

introdução da falsa configuração da autonomia (“prestador de serviço” habitual,

subordinado e personalizado, formalmente não reconhecido como empregado); a

colocação de intermediários (firmas terceirizadoras ou meramente provedoras de

pessoal) para encobrir a verdadeira relação de emprego etc. Visa-se, com a

promoção dessa espécie de individualização, a diminuição de laços de solidariedade

classista que nasceram, fecundados, na relação de proximidade do galpão fabril,

quando, então, se sabia claramente quem era quem, tanto em termos de

empregado, quanto de empregador.

Com o surgir e acentuar-se da transição, rumo à sociedade pós-industrial,

passa-se a admitir uma desestruturação dos fatores espaço e tempo. Ainda se

preservam horários padrões na vida econômica, mas já se vêem excepcionados com

o trabalho a domicílio ou com o teletrabalho genericamente considerado; com os

liberados do ponto, com os horários variáveis ou com a retribuição por resultado. De

outro lado, joga-se futebol em dia útil; os motéis têm funcionamento ininterrupto;

sessões de cinema ocorrem à tarde; o comércio abre aos domingos; empregados

trabalham nos fins de semana e outros folgam, usualmente, no decurso dela. Não

surpreende o contrato a tempo parcial, e já se legalizou o banco de horas. Com

apoio de vasta gama de utensílios e equipamentos oferecidos pela tecnologia de

inegável vantagem utilitária (fax, telefone celular, internet e especialmente o

computador, em suas múltiplas versões), faz-se tudo, em qualquer lugar, a qualquer

hora.

103 KUGELMASS, Joel. Teletrabalho: novas oportunidades para trabalho flexível. Tradução de Geni G. Goldschmidt. São Paulo, 1996, p. 32. Os “centros de trabalho remoto, os centros de trabalho comunitário, os centros de trabalho satélites, as telecabanas e mesmo os centros de trabalho móveis são exemplos de trabalho flexível”,.

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Domenico de Masi complementa:

A presença de um computador em cada escritório agilizou um posicionamento radicalmente novo para as duas categorias ancestrais da nossa vida racional: tempo e espaço. E como a organização é uma vida relacional, a informática modifica profundamente a organização e sua atitude criativa.104

A idéia de tempo-espaço difere frontalmente do sentido tempo-espaço da

sociedade industrial, marcado pela longa duração, onde as coisas demoravam para

acontecer. O tempo linear, irreversível, mensurável e previsível está sendo

fragmentado. Mais do que uma relativização do tempo, tem-se uma mistura de

tempos para criar um universo eterno, um tempo intemporal, utilizando a tecnologia

para fugir dos contextos de sua existência e para apropriar, de maneira seletiva,

qualquer valor que cada contexto possa oferecer ao presente eterno, permitindo as

pessoas manterem um nível de comunicação e de informação a partir do mesmo

espaço e em tempo real.

Flexibiliza-se a dependência de tempo e espaço. Alvin Toffler observa:

Uma nova civilização está emergindo em nossas vidas. (...) essa nova civilização traz consigo novos estilos de família; novos modos de trabalhar, amar e viver; uma nova economia; novos conflitos políticos e, em última análise, também uma profunda alteração da consciência do homem. Fragmentos dessa nova civilização já existem hoje. Milhões de homens já estão ordenando sua vida pelos ritmos de amanhã. Outros, aterrorizados com o futuro, se deseperam e futilmente refugiam-se no passado, procurando restaurar aquele velho mundo que lhes dá segurança. 105

A visão rigorosa e limitadora da sociedade industrial, avessa às

improvisações criativas, submissa à padronização monótona, não teria mais o

monopólio dos batimentos reguladores da vida individual e coletiva. A criatividade

crescente cobra e exige o direito à personalização dos procedimentos, permitindo e

amparando o ser original. A competitividade aberta obriga o empreendedor a não ser

previsível, rotineiro, mas, ao competir com a concorrência, mostrar-se estrategista,

surpreendente. Inovadoramente flexível. Enfim, progressivamente, tempo e espaço

104 DE MASI, Dmenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução de Yadir A. Figueiredo. Rio de Janeiro/Brasília: José Olympio/UNB, 2000, p. 182. 105 TOFFLER. op. cit. p. 206.

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deixam de ser impositivos, dominantes, transformando-se em ancilares e ajustáveis,

na passagem de substantivos a adjetivos.

Cabe registrar que a tecnologia mais recente viabilizou um nomadismo que,

sendo real pelo plano virtual, não se realiza pelos padrões que, historicamente, o

caracterizavam, isto é, o deslocamento da pessoa; acresce que as empresas podem

recorrer ao teletrabalho em regiões do país fora de sua sede central ou mesmo em

outros países, onde os salários são mais baixos.

Tendo em conta que muitos dos trabalhadores, tanto deslocados pelas

migrações internacionais quanto pelas migrações internas, fazem da precariedade

de seu trabalho uma fonte de ganho adicional em relação aos ganhos possíveis na

sociedade e nas regiões de origem, melhor pensá-los como uma expressão de

mudança na própria concepção de trabalho, que, além de fragmentado, foi agrupado

em setores relativamente autônomos. Uma autonomia relativa de fragmentos de um

processo de trabalho que há apenas algumas décadas era um processo unitário, no

interior de uma empresa e de um mesmo espaço.

Pode-se, hoje, estar em toda parte, intelectualmente, sem ir a lugar algum,

fisicamente. É o resultado do que se poderia considerar convivência global e

instantânea. Implanta-se, destarte, um nomadismo virtual (ou intelectual), graças,

sobretudo, à internet (e não apenas a ela) que, se não bane o sedentarismo, a

acomodação física pelo imobilismo, rechaça o isolacionismo, o enclausuramento.

A nova sociedade, inclusive no que tange a ações laborais, pode até diminuir

o ir-e-vir, o ‘iter’ rotineiro do trabalho (tão peculiar e característico da Revolução

Industrial), na medida em que vai incorporando o trabalho a domicílio (incrementado

pela ferramenta informática), com sua nomenclatura contemporânea de teletrabalho.

Assim, os microdeslocamentos rotineiros podem diminuir; em compensação, as

grandes viagens (transcontinentais, interestaduais, etc.) já se incorporam à rotina,

quer na vida produtiva, quer nos atrativos do lazer (turismo).

Hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao repouso. Os homens mudam de lugar (...) mas também os produtos, as mercadorias, as imagens, as idéias. Tudo voa. Daí a idéia de desterritorialização. Desterritorialização é, freqüentemente, uma outra palavra para significar estranhamento, que é, também, desculturização.106

106 SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1996, p. 262.

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A desterritorialização rompe com uma formação de sistemas simbólicos de

significados, de valores que foram instituídos através de práticas socioculturais os

quais, por sua vez, foram responsáveis pela construção social do lugar, pela

formação da legislação. A reterritorialização, quando se faz, guarda novos traços e

trajetórias, que em muito divergem da territorialidade estabelecida anteriormente. A

reterritorialização não exprime uma transferência de lugar apenas; representa uma

nova rede de relações e de processos que desencadeia uma nova codificação.

Esses novos processos e relações não operam mas constroem ativamente o espaço

e o tempo e nisso definem escalas distintas para o seu desenvolvimento. Isso

recoloca a problemática dos direitos trabalhistas dos trabalhadores móveis, na qual

se destaca o conflito entre trabalhadores nacionais e imigrantes, exemplo desse

processo de transnacionalização da economia, reterritorialização e

desterritorialização da força de trabalho.

O local de trabalho tradicional vai aos poucos se transformando. Passa a ser

qualquer lugar onde o trabalhador se encontre, gerando uma situação de

disponibilidade permanente, fazendo com que uma nova reivindicação passe a fazer

parte do rol das pretensões laborais: o “direito à desconexão”. Assim, fora dos locais

de trabalho, nos descansos semanais e nas férias, o trabalhador estaria livre da

disponibilidade permanente. Apesar de estudos recentes revelarem que o

teletrabalho é cada vez mais uma realidade, os problemas trabalhistas apresentados

com essa nova modalidade de trabalho, cheia de possibilidades, mas também de

incertezas, não podem ser ignorados, diante da falta de legislação relacionada a

essa matéria.

Essa conformação complexificada da classe trabalhadora assume, no

contexto do capitalismo atual, uma dimensão decisiva, dada pelo caráter

transnacionalizado do capital e de seu sistema produtivo. Sua configuração local,

regional e nacional se amplia em laços e conexões na cadeia produtiva, cada vez

mais internacionalizada.

A sociedade pós-industrial, se e quando efetivar-se plenamente, será fruto do

deslocamento, da movimentação, tanto de pessoas, quanto de mercadorias

(também de idéias e imagens virtualizadas).

As mercadorias serão conseqüencia de um ‘mix’ produtivo de componentes

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de várias e até de longínquas regiões (não surpreendem, hoje, automóveis em que

se encontram participações mão-de-obra, local de montagem, origem das peças

de até 12 países). É o nomadismo, não só do homem (seu histórico agente), mas

do resultado de sua criação.

O cidadão da nova sociedade, que o exigirá criativo, será um viajante, esteja

onde estiver, porque, mesmo imóvel, os meios de comunicação e a navegação

virtual o conduzirão a roteiros que, fisicamente, não poderia, e talvez não saberia

percorrer.

O teletrabalho não é apenas uma possibilidade de novas forma de trabalho.

É a viabilidade da liberação da produção material que liberta o homem para a

produção intelectual criativa. Sem dúvida, ainda se tem muito a percorrer nesse novo

caminho. Contudo os passos devem ser dados com atenção, visto que o tempo da

sociedade tradicional, de forma geral, é mais lento que o tempo da sociedade

informacional, o que provoca confrontos de paradigmas desenvolvidos nos moldes

da sociedade industrial e da pós-industrial. Em tempos de crescente flexibilização e

terceirização da economia, o teletrabalho está vindo para ficar, uma vez que introduz

um conceito novo e atrativo na economia atual.

A caminhada de qualquer sociedade humana pauta-se não pelo determinismo

anticritativo, mas pela contingencialidade guiada pelo poder criador, imaginativo do

sistema social. Todavia não há como esquecer que a complexidade significa

obrigação à seleção; obrigação à seleção significa contingência e complexidade.

Podemos entender a própria contingência como a complexidade não concretizada,

mas possível, ou seja, o conjunto de possibilidades relacionais entre os elementos

equivalentes e, como tal, diferenciados entre si, ainda não operacionalizados, mas

que o poderão ser. Daí falar-se numa situação de contingencialidade. Falar em

contingência acaba por nos levar à necessidade de seleção de respostas ao meio. E

essas respostas são encontradas pela sociedade, que se descobriu como um

contingente, despertando surtos para uns e esperanças para outros. O futuro está

aberto e a sociedade poderia ser diferente. O homem se vê com a oportunidade de

fazer a sua história com as próprias mãos. Tudo é necessariamente como é, mas

poderia ser diferente. Porém, assumindo essa responsabilidade pela própria ação, o

homem também enfrenta a possibilidade, o risco de um fracasso dela. O efeito não

intencionado torna-se conseqüência da ação. Ainda, uma decisão não tomada não

influi somente na trajetória do indivíduo, mas repercute também sobre o percurso da

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vida dos outros.

Assim, tem-se no teletrabalho, como proposta, uma alternativa para contribuir

com a solução do problema de falta de trabalho; um instrumento importante no

processo de inclusão social a que se propõe o Estado democrático de Direito. Além

dessa proposta, o corolário da responsabilidade seria a solidariedade. Através dela,

efetivar-se-ia a responsabilidade pelo outro, em uma comunidade local ou global.

Nos movimentos sociais, a solidariedade tem sido utilizada amplamente como uma

interpelação aos indivíduos ou grupos para a ação comunitária ou de

responsabilidade cidadã.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Convém lembrar que o mundo do trabalho, há mais de um século, vem

sofrendo mutações constantes. Da sociedade pré-industrial, industrial e pós-

industrial, percebe-se que o trabalho se transformou, acarretando conseqüências

para a sociedade e para os homens. O modelo de trabalho (assalariado) que antes

era a base econômica da sociedade industrial, hoje já não é mais considerado como

alicerce da sociedade pós-industrial.

A sociedade pós-moderna é uma sociedade que continua a manter uma base

industrial, se caracterizada pela produção de riscos, de perigos, de incertezas,

decorrentes das intervenções no trabalho com base nas novas tecnologias.

A sociedade é dinâmica, trilha novos caminhos, aponta novas possibilidades.

Em uma sociedade pós-moderna, que também já atinge o Brasil, novas formas de

trabalho surgem. A caminhada de qualquer sociedade humana pauta-se não pelo

determinismo anticriativo, mas pela contingencialidade guiada pelo poder criador,

imaginativo do sistema social.

Nessa linha, a figura central do trabalho ainda é concreta em nossa sociedade

que ainda lhe oferece, quando identificamos que não há eliminação dele, mas

deslocamento para outras ocupações e atividades. Enquanto houver sociedade, os

homens construirão casas, produzirão vestimentas, alimentos, tanto quanto outras

coisas, criarão filhos, escreverão livros, discutirão, cultivarão hortas, farão música,

etc.

O teletrabalho, como demonstrado, não é novo; por isso, ao tratarmos do

teletrabalho a domicílio no Capítulo II, procuramos enfocá-lo desde suas origens. Foi

somente a partir da década de 80, com o paradigma da deslocalização, que

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começou a ser difundido e o slogan “de levar o trabalho ao trabalhador ao invés do

trabalhador ao trabalho” foi tomado ao pé da letra.

O teletrabalho a domicílio é uma atividade em franca transformação, reúne

diferentes relações de trabalho como assalariamento, assalariamento mais

pagamento por peça, etc; expande-se para setores diversificados da economia como

manufatura e serviços; absorve uma força de trabalho muito heterogênea que tem

desde o nível primário, até pósgraduação, com efeitos na disparidade salarial

significativos, apresenta conteúdos de trabalho igualmente variados, desde os mais

repetitivos, como montar componentes, até os mais criativos como a concepção de

sotisficados softwares, o que interfere no grau de dependência ou autonomia do

trabalhador frente ao empregador.

A proteção dos trabalhadores deve ser garantida não só através de uma

legislação especifica, mas no âmbito das negociações coletivas de trabalho, neste

sentido, o reconhecimento da categoria dos trabalhadores a domicílio pelos

sindicatos que negociam com as empresas clientes, o fortalecimento do seu lugar no

interior das associações de classe pode ser uma via de transito mais fácil para

garantir a este setor de trabalhadores benefícios, senão idênticos, ao menos

equivalentes, aos trabalhadores do core da empresa.

A expansão do teletrabalho a domicílio para segmentos da força de trabalho

altamente qualificados pode provocar duas conseqüências positivas, a saber, o

aumento do status simbólico a atividade que, em novo contexto, passa a estar

associada com os portadores de credenciais educacionais valorizadas no mercado,

bem como com a introdução de inovações nas formas de negociação entre clientes

e fornecedores. Estas mudanças no status social do trabalho a domicílio, até então

apenas associado aos segmentos mais desqualificados e desprotegidos do mercado

de trabalho, pode ter como efeito a valorização da imgem social desta atividade, com

um corolário bastante positivo.

O teletrabalho a domicílio aparece como uma nova alternativa de inserção de

trabalho.

No conceito de teletrabalho, o que se destaca é a informação, ou seja, o

conteúdo da informação para executar um determinado trabalho. Ressalta-se o

caráter da informação entendida como conhecimento e a fragmentação do processo

produtivo em pequenos centros de produção de uma determinada atividade, o qual

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outorga o deslocamento físico do trabalho e a flexibilidade do tempo de execução

dele.

Ao que se percebe, uma grande transformação se faz sentir no mundo do

trabalho, pois a flexibilidade da produção e do trabalho, juntamente com a revolução

técnico-informacional, pôs por terra posições e conquistas até então inquestionáveis.

Por conseqüência, é necessário conscientizar os teletrabalhadores, que, cada vez

mais serão em maior número, das vantagens que este tipo de trabalho traz,

principalmente aos empregados, atingindo também os empregadores, uma vez que

as dificuldades encontradas já estão sendo superadas com a adoção de medidas

criativas.

Por outro lado, as transformações da própria natureza do teletrabalho

refletem-se no espaço e na mudança no controle do tempo. O teletrabalhador livrou-

se do relógio de ponto, mas passa a conviver, cada vez mais, com metas de

produção, em um ambiente extremamente competitivo, com ritmo de trabalho cada

vez mais intenso, o que leva à necessidade de uma proteção legal mais coerente

para atingir as especificidades de tal tipo de trabalho.

A grande dificuldade de avaliação reside no fato de que os teletrabalhadores

estão ainda passando por um momento de “encantamento” com a enunciada

possibilidade de gerir seu tempo e administrar todo o seu trabalho sozinho. Assim,

os teletrabalhadores, em sua maioria, não chegam a ponto de questionar a maneira

pela qual se dá o processo de implantação desta nova modalidade de trabalho.

O importante é salientar que, à semelhança do trabalho a domicílio, este novo

tipo de trabalho tem de ser amparado pela legislação laboral, com as peculiaridades

que ele apresenta. Apenas com essa proteção, poderá ser resguardado dos abusos

possíveis de serem cometidos pela descentralização da empresa.

Com a implantação e desenvolvimento cada vez maior do teletrabalho

devidamente protegido, espera-se que se possa obter um maior grau de segurança

jurídica, porque a finalidade primeira e última do trabalho, em qualquer de suas

formas, é a valorização do trabalhador, como ser humano produtivo.

O problema sobre teletrabalho, abordado neste estudo, teve o propósito de

discutir e refletir sobre as mudanças que estão ocorrendo nas empresas.

Buscou-se contribuir para a obtenção de uma melhor compreensão dos

fatores que hoje estão causando transformações no âmbito organizacional,

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particularmente aquele relativo a como, quando e onde se trabalha ou trabalhará, ao

se levar em conta a implantação do teletrabalho.

As novas tecnologias podem representar um poderoso instrumento de ruptura

de formas tradicionais de alienação de trabalho, permitindo, aliás, que as pessoas

comecem a seguir seus interesses, em vez de serem robôs especializados numa

atividade estreita durante toda a vida profissional.

Mas, enfim, para milhões de trabalhadores cada vez mais escolarizados e

capazes de trabalhar autonomamente, o trabalho transformou-se em imaterial e

ubíquo, as tecnologias habituais transformaram-se em eletrônicas, as matérias-

primas a manejar consistem exclusivamente em informações. Hoje, portanto, é

possível trabalhar e viver como e onde se prefere. Muitas pessoas que vemos

telefonando com celulares (no carro, na rua, nas praias, nos estádios) são

teletrabalhadores sem o saber.

Essa desestruturação do tempo e do espaço representa uma nova revolução

existencial que, junto com a organização do trabalho, mudará também a organização

e a qualidade da vida.

No geral, entendemos que defender trincheiras de direitos adquiridos mostra-

se, sem dúvida, importante. No entanto, entendemos também que o essencial da

luta por uma sociedade mais decente será cada vez menos manter o emprego e

cada vez mais transformar o trabalho.

A efetividade do emprego como modalidade segura e estável de relação entre

trabalhador e empresa, característica do modelo fordista e a possibilidade de

qualificação do homem, com os novos sistemas de produção, na sociedade pós-

moderna, altera-se profundamente. Surge um novo tipo de trabalhador, o

trabalhador flexível, autônomo, informal, criador do seu próprio trabalho, sem a

garantia de direitos e benefícios outrora incontestáveis.

A hipótese formulada na introdução do presente trabalho foi confirmada. Entre

as várias modalidades de trabalho, o teletrabalho apresenta uma característica

especial. A ferramenta é a informação (mais precisamente seu conteúdo), que é

utilizada na execução de uma determinada tarefa. Na atualidade, essa característica

especial que o teletrabalho apresenta faz dele uma das formas de trabalho mais

utilizadas, já que conta com meios tecnológicos altamente eficazes, que permitiram a

ele não apenas se tornar um trabalho altamente eficiente e rápido, como também ser

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descentralizado da sede onde era efetuado.

Essas mudanças devem ser entendidas a partir da concorrência de fatores

econômicos, isto é, mudanças dos sistemas produtivos, flexibilidade, competitividade

internacional, bem como de fatores de ordem cultural que têm a ver com novas

expectivas sobre qualidade de vida, reutilização mais crítica e seletiva do espaço

urbano, revalorização do espaço familiar/doméstico.

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