teatro do oprimido

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Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas Augusto Boal Explicação Este livro (*) procura mostrar que todo teatro é necessariamente político, porque políticas são todas as atividades do homem, e o teatro é uma delas. Os que pretendem separar o teatro da política, pretendem conduzir-nos ao erro -e esta é uma atitude política. Neste livro pretendo igualmente oferecer algumas provas de que o teatro é uma arma. Uma arma muito eficiente. Por isso, é necessário lutar por ele. Por isso, as classes dominantes permanentemente tentam apropriar-se do teatro e utilizá-lo como instrumento de dominação. Ao fazé-lo, modificam o próprio conceito do que seja o “teatro”. Mas a teatro pode igualmente ser uma arma de liberação. Para isso é necessário criar as formas teatrais correspondentes. É necessário transformar. Este livro mostra algumas destas transformações fundamentais. “Teatro” era o povo cantando livremente so ar livre: o povo era o criador e o destinatário do espetáculo teatral, que sé podia então chamar "canto ditirâmbico". Era uma festa em que podiam todos livremente participar. Velo a aristocracia e estabeleceu divisões: algumas pessoas iriam ao palco e só elas poderiam

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Teatro do Oprimido e Outras Poticas Polticas

Augusto Boal

Explicao

Este livro (*) procura mostrar que todo teatro necessariamente poltico, porque polticas so todas as atividades do homem, e o teatro uma delas.

Os que pretendem separar o teatro da poltica, pretendem conduzir-nos ao erro -e esta uma atitude poltica. Neste livro pretendo igualmente oferecer algumas provas de que o teatro uma arma. Uma arma muito eficiente. Por isso, necessrio lutar por ele. Por isso, as classes dominantes permanentemente tentam apropriar-se do teatro e utiliz-lo como instrumento de dominao. Ao faz-lo, modificam o prprio conceito do que seja o teatro. Mas a teatro pode igualmente ser uma arma de liberao. Para isso necessrio criar as formas teatrais correspondentes. necessrio transformar.

Este livro mostra algumas destas transformaes fundamentais. Teatro era o povo cantando livremente so ar livre: o povo era o criador e o destinatrio do espetculo teatral, que s podia ento chamar "canto ditirmbico". Era uma festa em que podiam todos livremente participar. Velo a aristocracia e estabeleceu divises: algumas pessoas iriam ao palco e s elas poderiam representar, enquanto que todas as outras permaneceriam sentadas, receptivas, passivas: estes seriam os espectadores, a massa, o poyo. E para que o espetculo pudesse rfletir eficientemente a ideologia dominante, a aristocracia estabeleceu uma nova diviso: alguns atares seriam os protagonistas (aristocratas) e os demais seriam o coro, de uma forma ou de outra simbolizando a massa. O Sistema Trgico Coercitivo de Aristteles nos ensina o funcionamento deste tipo de teatro.

Velo depois a burguesia e transformou estes protagonistas: deixaram de ser objetos de valores morais, superestruturais, e passaram a ser sujeitos multidimensionais, indivduos excepcionais, igualmente afastados do povo, como novos aristcratas - esta a "Potica da Virt" de Maquiavel.

Bertolt Brecht responde a estas Poticas e converte o personagem teorizado por Hegel de sujeito-absoluto outra vez em objet, mas agora se trata de objeto de foras sociais, no mais, dos valores das superestruturas. O "ser social determina o pensamento" e no vice-versa.

Para completar o, ciclo, faltava o que est atualmente ocorrendo em tantos pases da Amrica Latina: a destruio das barreiras criadas pelas classes dominantes. Primeiro se destri a barreira entre atores e espectadores: todos devem representar, todos devem protagonizar as necessrias transformaes da sociedade. o que conta "Uma Experincia de Teatro Popular no Peru". Depois, destri-se a barreira entre os protagonistas e o Coro: todos devem ser, ao mesmo tempo, coro, e protagonistas - o "Sistema Coringa". Assim tem que ser a "Potica do Oprimido": a conquista dos meios de produo teatral.

Buenos Aires, Junho 1974

Augusto Boal

* Este livro rene ensaios que foram escritos com diferentes propsitos, desde, 1962 em So Paulo, at fins de 1973 em Buenos Aires, relatando experincias realizadas no Brasil, na Argentina, no Peru, na Venezuela e em vrios outros pases latino-americanos. Alguns foram originalmente escritos em portugus, outros em espanhol. Creio que isto explica a diferena de estilos, bem como possveis reiteraes de certas idias e temas.

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4. Potica do Oprimido

No princpio, o teatro era o canto ditirmbico: o povo livre cantando ao ar livre. O carnaval. A festa. Depois, as classes dominantes se apropriaram do teatro e construram muros divisrios. Primeiro, dividiram o povo, separando os atores de espectadores: gente que faz e gente que observa. Terminou-se a festa! Segundo, entre os atores, separou os protagonistas das massas: comeou o doutrinamento coercitivo!

O povo oprimido se liberta. E outra vez conquista o teatro. E necessrio derrubar muros! Primeiro, espectador volta a representar, a atuar: teatro invisvel, teatro foro, teatro imagem, etc. Segundo, necessrio eliminar a propriedade privada dos personagens pelos atores individuais: Sistema Coringa. Com estes dois ensaios procuro fechar o ciclo deste livro. Neles se mostram alguns dos caminhos pelos quais o povo reassume sua funo protagnica no teatro e na sociedade.

A - Uma experincia de teatro popular no Peru*

Em 1973, o Govemo Revolucionrio Peruano iniciou um plano nacional de alfabetizao Integral, com o objetivo de erradicar o analfabetismo em um prazo aproximado de 4 anos. Supe-se que haja no Peru entre 3 a 4 milhes de analfabetos ou semi-analfabetos, em uma populao de 14 milhes de pessoas.

Em toda parte; ensinar um adulto a ler e a escrever um problema delicado, e difcil. No Peru, talvez seja mais didicl ainda, considerando-se o enorme nmero de lnguas e dialetos que falam os seus habitantes. Segundo estudos recentes, calcula-se que existem pelo menos 41 dialetos das duas principais lnguas indgenas, o quechua e o aymar. Investigaes feitas na provncia de Loreto, ao norte do pas, chegaram a constatar a existncia de 45 lnguas distintas nessa regio. Quarenta e cinco lnguas e no apenas dialetos. E isso numa provincia que , talvez, a menos povoada do pas.

Essa enorme variedade de lnguas certamente facilitou a compreenso, por parte dos organizadores da Operao Alfabetizao Integral (ALFIN), de que os analfabetos no so "pessoas que no se expressam", mas simplesmente so pessoas incapazes de se expressarem em urna linguagem determinada, que o idioma castelhano, neste caso. E importante compreender que todos os idiomas so linguagem, mas nem todas as linguagens sao idiomticas! Existem muitas linguagens alm de todas as lnguas faladas e escritas.

O domnio de uma nova linguagem oferece, pessoa que a domina, uma nova forma de conhecer a realidade, e de transmitir aos demais esse conhecimento. Cada linguagem absolutamente insubstituvel. Todas as linguagens se complementam no mais perfeito e amplo conhecimento do real. Isto , a realidade mais perfeita e amplamente conhecida atravs da soma de todas as linguagens capazes de express-la:

O ensino de uma linguagem deve necessariamente partir desse pressuposto. E isto era perfeitamente compreendido e considerado pelo projeto ALFIN que considerava os seguintes pontos essenciais:

1) alfabetizar na Ifngua materna e em castelhano, sem forar o abandono daquela em beneficio desta; 2) alfabetizar em todas as Iinguagens possveis, especialmente artsticas, como o teatro, a fotografia, os tteres, .o cine, o periodismo, etc. (Ver Quadro de Linguagens, ao final deste ensaio.)

A preparao dos alfabetizadores, selecionados nas mesmas regies onde se pretendia alfabetizar, desenvolveu-se em quatro etapas, segundo as caractersticas especficas de cada grupo social:

1) barriadas ou pueblos jvenes que correspondem s nossas favelas (cantegril, villamisria...);2) regies rurais;

3) regies mineiras;

4) regies onde a lngua materna no era o castelhano, e que incluem 40% da populao. Destes 40%, metade est constituda por cidados bilnges que aprenderam castelhano depois de terem dominado a lngua materna indgena. A outra metade no fala castelhano.

O Plano Alfin ainda est comeando e demasiado cedo para avaliar seus resultados. Neste trabalho, quero to-somente relatar o que foi minha participao pessoal no setor de teatro e contar todas as experincias que fizemos, considerando o teatro como linguagem, apto para ser utilizado par qualquer pessoa, tenha ou no atitudes artsticas. Quero mostrar, atravs de exemplos prticos, como pode o teatro ser posto ao servio dos oprimidos, para que estes se expressem e para que, ao utilizarem esta nova linguagem, descubram igualmente novos contedos.

Para que se compreenda bem esta Potica do Oprimido deve-se ter sempre presente seu principal objetivo: transformar o povo, "espectador", ser passivo no fenmeno teatral, em sujeito, em ator, em transformador da ao dramtica. Espero que as diferenas fiquem bem claras: Aristteles prope uma Potica em que as espectadores delegam poderes ao personagem para que este atue e pense em seu lugar; Brecht prope urna Potica em que o espectador delega poderes ao personagem para que este atue em seu lugar, mas se reserva o direito de pensar por si mesmo; muitas vezes em oposio ao personagem. No primeiro cas, produz-se uma "catarse"; no segundo, uma "conscientizao". O que a Potica do Oprimido prope a prpria ao! O espectador no delega poderes ao personagem para que atue nem para que pense em seu lugar: ao contrrio, ele mesmo assume un papel protagnico, transforma a ao dramtica inicialmente proposta, ensaia solues possveis, debate projetos modificadores: em resumo, o espectador ensaia, preparando-se para a ao real. Por isso, eu creio que o teatro no revolucionrio em si mesmo, mas certamente pode ser um excelente "ensaio" da revoluo. O espectador liberado, um homem ntegro, se lana a uma ao! No importa que seja fictcia: importa que uma ao.

Penso que todos os grupos teatrais verdadeiramente revolucionrios devem transferir ao povo os meios de produo teatral, para que o prprio povo os utilize, sua maneira e para as seus fins . Q teatro uma arma e o povo quem deve manej-la!

Como deve, porm, ser feita esta transferncia? Quero comear dando um exemplo do que fez Estela Liares, orientadora do setor de fotografa de ALFIN.

Qual seria a velha maneira de se utilizar a fotografa num plano de alfabetizao? Sem dvida, seria fotografar coisas, ruas, pessoas, panoramas, comrcios, etc., mostrar essas fotos aos alfabetizandos, e discuti-las. Quem tirara as fotos? Os alfabetizadores, capacitadores ou instrutores. Mas quando se trata de entregar ao povo os meios de produo, deve-se entregar, neste caso, a mquina fotogrfica. Assim se fez em ALFIN. Entregava-se uma mquina s pessoas do grupo que se estava alfabetizando, ensinava-se a todas a utiliz-la, e se faziam propostas: - Ns vamos fazer perguntas a vocs. Nossas perguntas vo ser feitas em castelhano, e vocs vo nos responder. Mas vocs no podem responder em castelhano: vocs tm que 'falar' em fotografa. Ns vamos perguntar coisas na lngua castelhana, que uma linguagem. E vocs vo nos responder em fotografa, que tambm uma linguagem.

As perguntas que se faziam eram muito simples e as respostas, isto , as fotos, eram depois discutidas pelo grupo. Por exemplo: quando se perguntou: Onde que voc vive? obtiveram-se fotos-respostas dos seguintes tipos:

1) uma foto mostrando o interior de uma choa. Em Lima, praticamente no chove nunca e por isso as palhoas so feitas de esteira de palha em lugar de paredes e tetos. Em geral, so feitas num s ambiente que serve de cozinha, sala e. dormitro; as familias vivem na maior promiscuidade, sendo muito freqente que os filhos menores assistam s relaes sexuais de seus pais, o que faz com que seja muito comum que irmos e irms de 10 ou 12 anos de idade pratiquem o sexo entre si, simplesmente por imitar seus pais. Urna foto que mostre o interior de uma chala responde perfeitamente pergunta "Onde que voc vive?" Todos os elementos de cada foto possuem um significado especial que deve ser discutido por todos os participantes do grupo: os objetos enfocados, o ngulo escolhido para tirar a foto, a presena ou ausncia de pessoas na foto, etc.

2) Para responder mesma pergunta, um homem tirou uma foto da margem do Rio Rmac. A discusso em grupo esclareceu o significado: o Rio Rmac, que cruza Lima, cresce muito em certas pocas do ano. Isso torna extremamente perigosa a vida nas suas margens, j que freqente o desmoronamento de grandes extenses de terra, superpovoada de choas, e a conseqente perda de vidas humanas. muito comum tambm que crianas calara ao no, enquanto brincam e, quando esto altas as guas, quase impossvel salvar as pequenas vtimas. Quando um homem responde a essa pergunta com essa foto, est contundentemente expressando toda a sua angstia: como poder trabalhar em paz se o seu fiIho est brincando na beira do rio, e talvez se afogando?

3) Outro homem tirou uma foto de uma parte desse mesmo rio, onde os pelicanos costumam vir comer o lixo que se acumula, em pocas de grande fome; os homens, igualmente famintos, capturam os pelicanos, matam-nos e comem-nos: Mostrando essa foto, esse homem expressava, com uma grande riqueza lingstica, que vivia em um lugar onde se bendizia a fome, porque esta atraa os pelicanos, que saciavam sua prpria fome.

4) Uma mulher, que havia emigrado de um pequeno povoado interiorano, respondeu com. uma foto da "rua" principal dv favela onde morava: de um lado da rua viviam os antigos habitantes limenhos, do outro lado os que vinham do interior do pas. De um lado, os que sentiam seus empregos ameaados pelos recm-chegados; do outro lado, os pobres que tudo deixaram atrs, em busca de trabalho. A rua dividia esses irmos, igualmente explorados, que se encontravam frente a frente, como se fossem inimigos. A foto ajudava a constatar sua semelhana: misria dos dois lados. As fotos dos bairros elegantes, por outro lado, mostravam os verdadeiros inimigos. A foto da rua divisria mostrava a necessidade de reorientar a violncia que pobres exerciam contra pobres. O exame e a discusso dessa foto ajudava a sua autora e aos demais a compreender sua realidade.

5) Um dia um homem tirou uma fotografia do rosto de uma criana de poucos meses, como resposta mesma pergunta. Claro, todos pensaram que esse homem tinha se enganado, e reiteraram a pergunta:

- "Voc no entendeu bem: o que ns -queremos que nos mostre onde que voc. mora, onde vive. Queremos que tire uma fotografia mostrando onde que voc vive, nada mais. Qualquer foto serve: da rua, da casa, da cidade, do rio..."

- "Esta aqui a minha resposta: eu vivo aqui..." -- "Mas uma criana..."

- "Olha bem no rosto dela: tem sangue. Esse menino, como todos os outros que vivem onde eu vivo, vivem ameaados pelos ratos que pululara nas margens do Rio Rmac.

Quem cuida dessas crianas so os cachorros que atacam os ratos e no deixam que cheguem perto. Mas houve por, aqui uma epidemia de sarna e a Prefeitura teve que pegar a maioria dos cachorros, e levou embora. Esse menino tinha um cachorro que cuidava dele. Durante o dia, o pai e a me iam trabalhar e ele ficava sozinho, com o cachorro tomando conta. Agora j no. Na semana passada, quando voc me perguntou onde que eu vivia, os ratos tinham vindo de tarde, en-quanto o menino dormia, e comeram uma parte do nariz dele. Por isso ele tem tanto sangue no rosto. Olha bem a fotografia: essa a minha resposta. Eu vivo num lugar onde coisas como essa ainda acontecem: "

Eu pdia escrever uma novela sobre os meninos que vivem s margens do Rio Rmac, mas to-somente nessa fotografia e em nenhuma outra linguagem no fotogrfica podia-se expressar a dor daqueles olhos infantis, daquelas lgrimas misturadas com aquele sangue. E, para maior ironia e raiva, a foto era em kodakrome, made in USA...

A utilizao da fotografia pode igualmente ajudar a descobrir smbolos vlidos para toda uma comunidade ou grupo social. Ocorre muitas vezes que grupos teatrais bem intencio-nados no conseguem conectar-se com um pblico popular porque utilizam smbolos que, para esse pblico, nada significam. Pode ser que uma coroa real seja um smbolo de poder. . . mas apenas para as pessoas que aceitam, como smbolo de poder, uma coroa real... Um smbolo s um smbolo se aceito por dois interlocutores: o que transmite e o que recebe. -A coroa pode provocar um tremendo impacto em uma pessoa e deixar uma outra completamente insensvel.

O que a explorao? A tradicional figura do Tio Sam , pata muitos grupos' sociais espalhados por toda o mundo, o mais perfeito e acabado smbolo da explorao. Expressa com perfeio a rapina do imperialismo ianque.

Na experincia teatral limenha tambm se perguntou a vrias pessoas o que era explorao, exigindo-se a resposta em fotografia. Muitas fotos-respostas mostravam o dono do armazm, ou a homem que vinha cobrar o aluguel, ou um balco de uma venda, ou uma repartio pblica, etc. Um menino respondeu a essa pergunta com uma foto que mostrava um prego na parede. Para ele, esse prego era o smbolo mais perfeito da explorao. Quase ningum entendeu porque, mas todos os demais meninos estavam totalmente de acordo. A discusso da foto esclareceu o porque. Em Lima, os meninos comeam trabalhando para ajudar a economia domstica, quando chegam idade de 5 ou 6 anos: comeam como engraxates. lgico que nas favelas onde vivem no existem sapatos para engraxar, e por isso essas crianas devem ir ao centro de Lima exercer o seu oficio. Levam consigo uma caixa dentro da qual colocam todos os apetrechos necessrios sua profisso. Mas evidentemente no podem ficar carregando todas as manhs e todas as noites suas caixas, do trabalho casa e da casa ao trabalho. Por. isso, so obrigados, a alugar um prego na parede de um bar, e a proprietrio lhes cobra o aluguel de trs soles por noite e por prego. Quando vem um prego, esses meninos odeiam a opresso; se vem uma coroa real, o Tio Sam ou uma foto de Nixon, etc., o mais provvel que no compreendam nada.

muito fcil dar uma mquina fotogrfica a uma pessoa que jamais tirou uma foto, dizer-lhe por onde deve olhar para poder enfocar, e que boto deve apertar. Basta isso, e os meios de produo da fotografia estaro em mos dessa pessoa. Mas, como proceder no caso especfico do teatro?

Os meios de produo da fotografia esto constitudos pela mquina fotogrfica, que relativamente fcil de manejar, mas os meios de produo do teatro esto constituidos pelo prpria homem, que j no to fcil de manejar.

Podemos mesmo afirmar que a primeira palavra do vocabulrio teatral o corpo humano, principal fonte de som e movimento. Por isso, para que se possa dominar os meios de produo teatral, deve-se primeiramente conhecer o prprio corpo, para poder depois torn-lo mais expressivo. S depois de conhecer o prprio corpo e ser capaz de torn-lo mais expressivo, o "espectador" estar habilitado a praticar formas teatrais que, por etapas, ajudem-no a liberar-se de sua condio de "espectador" e assumir a de "ator", deixando de ser objeto e passando a ser sujeito, convertendo-se de testemunha em protagonista.

O plano geral da converso do espectador em ator pode ser sistematizado no seguinte esquema geral de quatro etapas:

PRIMERA ETAPA - Conhecimento do Carpo - Sequncia de exerccios em que se comea a conhecer p prprio corpo, suas limtaes e suas possibilidades, suas deformaes sociais e suas possibilidades de recuperao;

SEGUNDA ETAPA - Tornar o Corpo. Expressivo - Seqncia de jogos em que cada pes soa comea a se expressar unicamente atravs do corpo, abandonando outras formas de expresso mais usuais e cotidianas;

TERCEIRA ETAPA O Teatro como Linguagem - Aqui se comea a praticar o teatro como linguagem viva e presente, e no como produto acabado que mostra imagens do passado:

PRIMEIRO GRAU - Dramaturgia Simultnea: os espectadores "escrevem", simultaneamente com os atores que representam;

SEGUNDO GRAU - Teatro-Imagem: os espectadores intervm diretamente, "falando" atravs de imagens feitas com os corpos dos demais atores ou participantes;

TERCEIRO GRAU - Teatro-Debate: os espectadores intervm diretamente na ao dramtica, substituem os atores e representam, atuam!

QUARTA ETAPA - Teatro como Discurso - Formas simples em que o espectador-ator apresenta o espetcuio segundo suas' necessidades de discutir certos temas ou de ensaiar certas aes. Exemplo:

1) teatro-jornal

2) teatro invisvel

3) teatro-fotonovela

4) quebra de represso

5) teatro-mito

6) teatro-julgamento

7) rituais e mscaras----------------------------------------

* Esta experincia foi realizada com a inestimvel colaborao de Alicia Saco, dentro do Programa de Alfabetizao Integral (ALFIN) dirigido por Alfonso Lizarzaburu, e com a participao, nos diversos setores, de Estela Liares, Luis Garrido Lecca, Ramn Vilcha e Jesus Ruiz Durand, entre outros, em agosto de 1973, nas cidades de Lima e Chiclacayo. O mtodo de alfabetizao utilizado por Alfin era, naturalmente, inspirado em Paulo Freire - Margo, Buenos Aires, 1974.