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DEVANEIO MATINAL Acordo de manhã, cansada ainda com o ranço da noite nos ombros. Levanto, respiro fundo (ou pelo menos tento) sinto um incômodo no nariz, é uma meleca. A mesma que durante a noite estava a me incomodar, me impedindo de respirar. Tirei-a do meu nariz e joguei-a na pia do banheiro e fiquei a olhar para ela, ainda com o ranço do sono nos olhos. Mas, na verdade, quando toquei nos olhos para esfregá-los ainda estava deitada e na verdade era tudo um tudo um pequeno sonho e ela ainda estava ali a me incomodar, maldita meleca! Roberta Vieira Dias AMATARASURASU Ver algo ser consumido por uma forma de energia de imenso brilho e poder despertar este desejo que deixo como meu último pedido e demonstração de realização pessoal. Que meu corpo seja consumido por estas chamas que nunca pude tocar quando era vivo.

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Page 1: textandoetextualizando.files.wordpress.com · Web viewDEVANEIO MATINAL Acordo de manhã, cansada ainda com o ranço da noite nos ombros. Levanto, respiro fundo (ou pelo menos tento)

DEVANEIO MATINAL

Acordo de manhã, cansada ainda com o ranço da noite nos ombros.

Levanto, respiro fundo (ou pelo menos tento) sinto um incômodo no nariz, é uma meleca.

A mesma que durante a noite estava a me incomodar, me impedindo de respirar.

Tirei-a do meu nariz e joguei-a na pia do banheiro e fiquei a olhar para ela, ainda com o ranço do sono nos olhos.

Mas, na verdade, quando toquei nos olhos para esfregá-los ainda estava deitada e na verdade era tudo um tudo um pequeno sonho e ela ainda estava ali a me incomodar, maldita meleca!

Roberta Vieira Dias

AMATARASURASU

Ver algo ser consumido por uma forma de energia de imenso brilho e poder despertar este desejo que deixo como meu último pedido e demonstração de realização pessoal.

Que meu corpo seja consumido por estas chamas que nunca pude tocar quando era vivo.

Vinícius Rodrigues

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Ventilador de teto

Quem nunca teve medo de sentar embaixo de um ventilador de teto?

– Tomara que eu não seja a única. Desde os sete anos de idade, confesso que tenho um certo receio de sentar de baixo desses ventiladores. Sinto que, a qualquer momento, aquele objeto vai cair dali de cima e cortar nossas cabeças. Nossa, que terror! Mas é exatamente isso que sinto. Como se não bastasse esse terror que eu tenho destes ventiladores de teto, um dia chego em casa, abro a porta do meu quarto e adivinha qual foi minha surpresa? – Sim, prezados amigos, um ventilador de teto. Moral da história: não adianta fugir do seu medo porque você acaba ganhando ele de presente.

Giani Silveira

Ao amanhecer, acordo contigoFeliz por nossa noite juntosComo você me envolve e me esquentaEntão começa nosso diaAo passar do tempo, já não aguento sua presençaCerta hora, você me sufocaEntão te troco por outra Inevitavelmente, amo todasBrancas, pretas, grandes e pequenasCom tanto que estejam sempre limpasQuero todas aos meus pés.Meia suja.

Diego Franz

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BalançoEla quer balanço no topo da árvoreAqueles tipos de filmes, sabe?Pobre garotinha não tem com quem brincarOlha o céu cinzentoVê nas nuvens um esquadrãoOs soldados se batem Formam uma confusão.A garotinha vai crescendoNão vê nas nuvens mais desenhosQuando olha o céu cinzento vê chuva.Abre o guarda-chuvaFecha o coraçãoTraz com ela um amontoado de conclusõesSem saber,, sem mesmo um porquê.Se inibeVive a desenhar e escrever, tentandoQuem sabe um dia entenderO porquê nunca teve um balanço. Camila de Souza

SolidãoSem Você me sinto como Uma meia sem péUma botina sem parUma meleca sem narizA sua beleza me faz lembrarUma cortina rendadaUm sofá rasgadoUma lâmpada quebradaUm repolho estragadoPara estar contigoSupero minha elefantíase E pulo o muro da tia Nisse

Alinne kristine

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O fogo

Às vezes, surge do nada

Fulgurante em qualquer encruzilhada, consumindo tudo que toca e se apaga.

Consuma-me também em sua chama, para que eu esqueça quem não me ama.

E que reste no coração só um carvão enegrecido que usarei para escrever uma nova história sobre o fogo que como tudo também se apaga.

Evandro Santos

O muro da minha rua

Onde todo mundo passa e vê ruínas, eu passo e vejo minhas melhores lembranças.

Há um tempo atrás, havia beleza e alegria entre os muros da arquibancada. Todos se espremiam para ver os jóqueis e seus cavalos. Hoje, são apenas ruínas para alguns.

Quando espero o ônibus, todos os dias, na parada em frente ao muro da minha rua, dói o coração quando vejo as paredes sendo tombadas. Rachaduras como as que tenho em minhas lembranças, quando me lembro criança, meu pai levando-me pela mão para assistir a mais uma corrida.

O muro da minha rua hoje está se transformando em pó, só que as lembranças que tenho do muro da minha rua ficarão para sempre em minhas memórias.

Elizabeth oliveira

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Meu sofá

“Claro como o branco único das areias da praia, macio e exótico como o sabor de uma champagne que brinda a felicidade.

Meu sofá é assim, um conforto sem fim, na sala ou no quarto, ele é parte de mim. Ao sentar nele, vejo o céu, estrelado, nublado, únicos momentos, posso sentir os nobres ventos que acariciam a minha pele deitada sobre o sofá, sinto a vida passar, lembro da vida que passou e planejo coisas que ninguém sonhou”. Ana Carolina Zdradek

Cortina A cortina balançaNuma janela abertaBalança pra lá e pra cáDeixando o sol entrarPara todos admirarO seu balançar.

Renata Sopeña

Meu sofá cor de laranja Meu sofá cor de bergamota

Meu sofá se você pudesse falarTeria mil histórias para contar

Jussiê Melo

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Lâmpada

Objeto de insignificância, tantas vezes, te apago e acendo e tu ali inertes, apenas obedeces ao meu comando.

Nas noites escuras das ruas, parece o sol a brilhar. Com a névoa, fica com semblante sombrio a assustar.

Na minha casa, no entanto, é fundamental. Quando faltas minhas vistas escurecem e recorro ao tato. Como podes, querida, fazer tanta falta e noto tua presença somente quando apagas.

És presença constante, sabes de todos os meus segredos, até

aqueles que somente numa noite iluminada irão acontecer.

A partir de agora, irei te olhar com outros olhos.

Márcia Borba Guimarães

Muro!

Sim, aquele emaranhado de tijolos furados empilhados e mal rebocados do quintal de casa. O encosto que nos acompanha por toda infância como pezinho para subir na goiabeira .

Tela inspiradora que nos acompanha desde a primeira pichação, até o nome da namorada, que por ventura ele ajudou também a dar uns “amassos”.

Amigo verdadeiro para momentos bons e ruins, mas se estiver de mal com ele, não tente o soquear .

Parceiro que nos acompanha e nos ajuda a expressar.

Pablo Pinho

Companheiro fiel e amparador que sempre absorve minhas lágrimas

Relação íntima que nos faz um só

Há anos atrás, foi a minha arma na guerra

Também fica entre minhas coxas para amparar e aliviar meu corpo

Dependência a minha, te quero todos os dias

Mas sua vida se acaba como as folhas que caem no outono ou quando sua magreza é inevitável: o travesseiro.

Elisângela Costa

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Sobre Arte e Tesouras.

Combinamos o encontro no Instituto Tomie Ohtake1. Conheci sobre a artista franco-americana Louise Bourgeois (1911-2010) na BRAVO! de julho e cheguei cheia de curiosidade.

A mostra Louise Bourgeois: O Retorno do Desejo Proibido é a primeira grande individual da artista na América Latina e reúne 112 trabalhos feitos entre a década de 1940 e 2009- desenhos, pinturas, esculturas, objetos e instalações. A relação entre arte e sexualidade aparece em suas obras de forma explícita: esculturas de formas fálicas, corpos em posições de intimidade, seios. Cópias de seus escritos- diários, registros de sonhos, correspondências, notas sobre seu processo de criação e fotografias, encontrados recentemente, também estão expostas. Parte do legado de mil folhas2.

Mas foi um esboço que me fez parar e pensar. Uma tesoura. Parei e congelei meu olhar nele. No desenho, uma tesoura é vista como um falo! A tesoura-falo. E eu, que coleciono tesouras, até então não me havia dado conta dessa possibilidade.

O diferencial da minha coleção é que as peças foram achadas ou ganhas já sem condições de uso. Podem acreditar: encontrei duas delas enterradas, uma a mais de 30 cm cavando para passar encanamento no pátio, e a outra a mais de 3 m, numa limpeza da cacimba, no mesmo pátio. Até parece que tenho detector de metais na ponta de um dedo e que os donos anteriores sabiam disso. São 23 tesouras: a maior com 32 cm e a menor com nove. Mas lembro as outras tesouras utilitárias: uma só para a cozinha e outra para o banheiro. Para as artes, uma para picotar e outra para cortar. Para jardinagem, mais duas- uma delas é parte de um conjunto ganho do filho. Para as costuras, mais uma. E essas fazem parte do acervo no apartamento.No sítio, duas são para podar galhos fininhos e colher frutas. Em excursão na serra gaúcha, na loja da Tramontina em Carlos Barbosa, enquanto outros procuravam por baixelas de inox ou novidades para cozinha, eu fazia minha única compra: um tesourão para podar árvores frutíferas. E mais, a tesoura para cortar folhas metálicas é uma herança de meu pai. Contabilizei: são 34 tesouras. Haja tesouras! Sem contar alicates e torqueses, cujos princípios de funcionamento são idênticos e para a mesma finalidade das tesouras- cortar.

A descoberta da tesoura-falo vem me exigindo reflexão e pesquisa. Na mitologia grega, a tesoura é atributo da moira Átropos, que com ela cortava o fio da vida. É, portanto, símbolo da dependência humana do destino e seus poderes e da morte repentina. Para minha surpresa, confirmei no dicionário de símbolos: a tesoura também simboliza o princípio ativo e masculino. Para Louise, pênis e dois testículos.

O catálogo da exposição informa que Louise estudou literatura psicanalítica e, entre 1950 e início dos anos 80, se entregou à psicoterapia para solucionar traumas de infância com pai e mãe. O esboço da tesoura-falo começa a fazer sentido. Para ela!

Quando saí do Instituto Tomie Ohtake não imaginei que esse esboço de tesoura-falo renderia tanto assunto. Como bem nos revela a mostra de Louise Bourgeois, olhar para dentro de si pode ser muito produtivo! E artístico. Mas para poucos corajosos.

Jusseli Maria Rocha – discente de Produção Textual- ILA, FURG.

1 http://www.institutotomieohtake.org.br (até 28/08/2011)2http://tcmagazine.wordpress.com/2011/06/09/louise-bourgeois-o-retorno-do-desejo-proibido-no- instituto-tomie-ohtake/ (ótima resenha)