tcc_conservação arqueológica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas Departamento de Museologia e Conservação e Restauro Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil) Mara Lúcia Carrett de Vasconcelos Pelotas-RS, novembro de 2011.

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Page 1: TCC_Conservação Arqueológica

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas

Departamento de Museologia e Conservação e Restauro Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis

O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de

caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil)

Mara Lúcia Carrett de Vasconcelos

Pelotas-RS, novembro de 2011.

Page 2: TCC_Conservação Arqueológica

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas

Departamento de Museologia e Conservação e Restauro Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis

O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil)

Mara Lúcia Carrett de Vasconcelos

Trabalho acadêmico

apresentado ao curso de Conservação e

Restauro de Bens Culturais Móveis da

Universidade Federal de Pelotas, como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Conservação e Restauro

de Bens Culturais Móveis.

Pelotas-RS, novembro de 2011.

Page 3: TCC_Conservação Arqueológica

Banca Examinadora: ____________________________________________ Prof. Ms. Diego Ribeiro (UFPel) ____________________________________________ Prof. Dr. Pedro Luis Sanches (UFPel) ____________________________________________ Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira (UFPel) ____________________________________________ Prof. Dr. Jaime Mujica Sallés (UFPel/Orientador)

Page 4: TCC_Conservação Arqueológica

“Excavation without conservation is vandalism” (Colin Pearson)

Page 5: TCC_Conservação Arqueológica

AGRADECIMENTOS

Na vida, não fazemos nada sozinhos. Se hoje mais uma etapa termina, é

porque muitos estiveram comigo, cada qual do seu jeito, cada um por um motivo.

Por isso, aqui vão meus sinceros agradecimentos:

Ao professor e orientador deste trabalho, já e para sempre amigo, Jaime

Mujica Sallés, por personificar aquilo que todos buscamos encontrar não somente no

percurso acadêmico, mas também nos caminhos da vida: um mestre. Contigo tenho

aprendido que são nossos princípios e valores que garantem o sucesso pessoal e

profissional. ¡Gracias por todo!

Ao corpo docente do Bacharelado em Conservação e Restauro, em especial

aos professores Andréa Bachettini e Roberto Heiden, pela resiliência com que

enfrentam as agruras de um curso ainda em desenvolvimento e pela dedicação com

que lutam por nossa formação.

Ao arqueólogo Aluísio Gomes Alves, pela oportunidade de aprendizado dada

à equipe de conservação no sítio PS-03 Totó, que fez com que vislumbrássemos um

novo horizonte profissional.

À equipe da Charqueada Santa Bárbara, com a qual tenho aprendido muito,

em particular ao professor Lúcio Menezes Ferreira, por oportunizar a participação

neste projeto e acreditar no potencial da Conservação Arqueológica, e aos

professores Diego Ribeiro e Pedro Sanches, por permitir a construção de novos

conhecimentos nas áreas da Museologia e Arqueologia.

À primeira turma de Conservação e Restauro da UFPel, em especial aos

colegas Eduardo Medeiros, Karen Caldas, Verônica Santos, Ricardo Jaekel, Fábio

Galli e João Abduch, por terem deixado em mim um pouco do muito de cada um, e

por terem me dado a oportunidade de deixar com eles um pouco de mim também.

A todos os amigos que fazem a vida mais bonita: Thais Cardoso Nora,

conterrânea e companheira de mudanças, chegadas e partidas; Renata Padilha,

amiga-irmã pelotense, por compartilhar as risadas e lágrimas que não puderam ser

contidas; Michele Monteiro, Vanessa Eyng e Luciane Menti, amigas de tempos

passados e futuros, sempre presentes.

Aos dindos Laura e Roberto e à vovó Zilda, pela calorosa recepção em

Pelotas e pela ajuda sempre solícita.

Page 6: TCC_Conservação Arqueológica

6

Ao irmão Felipe, que mesmo distante, me inspira diariamente por sua

determinação e coragem.

A afilhada Chiara, que com sua existência mudou minha vida para melhor.

Aos melhores pais do mundo, porque são os meus: Ana e Luiz, obrigada

pelo incondicional apoio, em todos os sentidos e em todos os momentos, e pelo

aprendizado constante que essa nossa vida juntos tem nos proporcionado.

A Moysés Siqueira Neto, parceiro nesta caminhada, que com sua chegada

deixou estampado um sorriso infinito no meu rosto.

Page 7: TCC_Conservação Arqueológica

RESUMO

VASCONCELOS, Mara Lucia Carrett de. O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil). 2011. 99 fs. Monografia (Graduação) – Curso de Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.

Os acervos arqueológicos se diferenciam de outras tipologias de coleções em

função da fragilidade dos objetos, da diversidade de informação associada e pelo

fato de se formarem ainda no trabalho de campo. Em virtude destas especificidades,

a gestão destes acervos é complexa, e tem resultado em práticas inadequadas e

não consonantes com sua preservação. Por esse motivo, vem crescendo a

participação do conservador como um dos gestores destes acervos, em um trabalho

que inicia nas escavações e culmina dentro das reservas técnicas de laboratórios e

museus de arqueologia. Neste contexto, este trabalho busca analisar, através do

estudo de caso do sítio PS-03 Totó (RS, Brasil) a influência dos procedimentos de

conservação in situ e o papel do conservador na gestão dos acervos arqueológicos.

Palavras-chave: Conservação. Acervos Arqueológicos. Gestão de acervos.

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RESUMEN

VASCONCELOS, Mara Lucia Carrett de. O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil). 2011. 99 fs. Monografia (Graduação) – Curso de Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.

Los acervos arqueológicos se diferencian de otras tipologías de colecciones en

función de la fragilidad de los objetos, de la diversidad de información asociada y por

el hecho de que se forman aún en el trabajo de campo. En virtud de estas

especificidades, la gestión de estos acervos es compleja e tiene resultado en

prácticas inadecuadas y no consonantes con su preservación. Por ese motivo viene

creciendo la participación del conservador como uno de los gestores de estos

acervos, en un trabajo que se inicia en las excavaciones y culmina dentro de las

reservas técnicas da laboratorios y museos de arqueología. En este contexto, este

trabajo busca analizar, a través del estudio de caso del sitio PS-03 Totó (RS, Brasil),

la influencia de los procedimientos de conservación in situ y el papel del conservador

en la gestión de los acervos arqueológicos.

Palabras-clave: Conservación. Acervos Arqueológicos. Gestión de acervos

Page 9: TCC_Conservação Arqueológica

ABSTRACT

VASCONCELOS, Mara Lucia Carrett de. O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil). 2011. 99 fs. Monografia (Graduação) – Curso de Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.

The archaeological collections differ from other types of collections due to the fragility

of the objects, the diversity of associated information and because it is formed still in

the field. Because of these characteristics, the management of these collections is

complex, and has resulted in improper practices not in line with its preservation. For

this reason, the participation of a conservation professional as one of the managers

of these collections has been increasing, in a work that begins in the field and ends

at the storage areas of archaeological laboratories and museums. In this context, this

paper seeks to examine, through the case study of the archaeological site PS-03

Totó (RS, Brazil), the implications of in situ conservation and the role of the

conservation professional in the management of archaeological collections.

Key-words: Conservation. Archaeological Collections. Collections Management.

Page 10: TCC_Conservação Arqueológica

LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Localização geográfica do sítio PS-03 Totó, em uma área de

restinga arbórea........... ............................................................................................. 42

Figura 02: Paisagem do sítio PS-03 Totó, mostrando a desembocadura do

Arroio Totó na Lagoa dos Patos. ............................................................................... 43

Figura 03: Testes de consolidação em material ósseo. ................................ 48

Figura 04: Material ósseo após os testes de consolidação. ......................... 48

Figura 05: Testes de limpeza eletrolítica com materiais metálicos. .............. 49

Figura 06: Elemento metálico após limpeza eletrolítica. ............................... 50

Figura 07: Imagem ilustrativa do resgate em bloco. ..................................... 52

Figura 08: Imagem ilustrativa do resgate do tipo enfaixado/engazado. ........ 52

Figura 09: Imagem ilustrativa do resgate em suportes rígidos. .................... 53

Figura 10: Consolidação de bloco de sedimento para resgate. .................... 54

Figura 11: Resgate em bloco de fragmentos ósseos após consolidação. ... 54

Figura 12: Consolidação de material ósseo úmido. ...................................... 57

Figura 13: Consolidação de material ósseo seco. ........................................ 57

Figura 14: Reintegração de fragmentos cerâmicos. ..................................... 58

Figura 15: Material ósseo consolidado antes do resgate. ............................. 58

Figura 16: Imagem ilustrativa de embalagem de acondicionamento. ........... 59

Figura 17: Imagem ilustrativa de acondicionamento para transporte. .......... 59

Figura 18: Embalagem de polietileno com fecho hermético. ........................ 60

Figura 19: Acondicionamento de fragmentos cerâmicos em bloco. ............. 61

Figura 20: Acondicionamento de fragmentos cerâmicos. ............................. 61

Figura 21: Acondicionamento de fragmentos líticos. .................................... 62

Figura 22: Fichas e livro-diário em laboratório de campo. ............................ 63

Figura 23: Documentação dos procedimentos in situ. .................................. 64

Figura 24: Peça n 10 após intervenção in situ. ........................................... 66

Figura 25: Peça n 34 após intervenção in situ. ........................................... 66

Figura 26: Peça n 15 após intervenção in situ. ........................................... 67

Figura 27: Peça n 59 após intervenção in situ. ........................................... 68

Figura 28: Peça n 64 após intervenção in situ. ........................................... 68

Figura 29: Peça n 78 após intervenção in situ. ........................................... 69

Figura 30: Peça n 82 após intervenção in situ. ........................................... 69

Page 11: TCC_Conservação Arqueológica

11

Figura 31: Peça n 90 após intervenção in situ. ........................................... 70

Figura 32: Peça n 82 acondicionada em sedimento acompanhada da

etiqueta de identificação.. .......................................................................................... 70

Figura 33: Peça n 30, sem intervenção in situ. ........................................... 71

Page 12: TCC_Conservação Arqueológica

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Análise dos materiais cerâmicos ................................................ 76

Tabela 2 – Análise dos materiais ósseos ..................................................... 78

Page 13: TCC_Conservação Arqueológica

13

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ..................................................................................... 5

RESUMO ........................................................................................................ 7

RESUMEN ...................................................................................................... 8

ABSTRACT .................................................................................................... 9

LISTA DE FIGURAS .................................................................................... 10

LISTA DE TABELAS ................................................................................... 12

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 14

CAPÍTULO 1. GESTÃO DE ACERVOS ARQUEOLÓGICOS: CONCEITOS

E PRÁTICAS................. ............................................................................................ 19

1.1 Gestão de acervos .......................................................................... 19

1.2 Os acervos arqueológicos ............................................................... 24

1.3 Arqueologia e Conservação ............................................................ 32

CAPÍTULO 2. A INTERVENÇÃO IN SITU NO SÍTIO PS-03 TOTÓ ............ 42

2.1 O sítio Guarani PS-03 Totó ............................................................. 42

2.2 A intervenção in situ no sítio Totó ................................................... 46

2.3 Análises em laboratório ................................................................... 64

CAPÍTULO 3. A CONSERVAÇÃO IN SITU COMO ESTRATÉGIA PARA A

GESTÃO DOS ACERVOS ARQUEOLÓGICOS ....................................................... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 83

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 86

ANEXOS ...................................................................................................... 93

Page 14: TCC_Conservação Arqueológica

INTRODUÇÃO

Em 27 de julho do presente ano, o Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN) comemorou os 50 anos da aprovação da Lei n 3.924, de

26 de julho de 1961, que dispõe sobre a proteção dos monumentos arqueológicos e

pré-históricos [sic]. Trata-se da primeira legislação nacional que se refere

especificamente a esta tipologia de patrimônio, trazendo a ideia dos sítios

arqueológicos como um bem comum a toda a população brasileira. Além de

delimitar conceitos e regularizar a prática arqueológica, a lei criminaliza, no artigo 5,

a destruição ou mutilação destes sítios.

Anos mais tarde da aprovação da referida lei, a portaria n 07, de 1 de

dezembro de 1988, traz em seu artigo 11 a obrigatoriedade, pelo arqueólogo, de

tomar medidas relativas à conservação do material arqueológico, e também de

indicar instituição responsável pela guarda destes bens. Outra portaria, de n230, de

17 de dezembro de 2002, em seu artigo 6 parágrafo 7, indica que deve estar

atrelado aos trabalhos de laboratório e gabinete o adequado acondicionamento do

material coletado em campo, recomendando ainda, no parágrafo 8, que estes

materiais sejam destinados a unidades museológicas.

Como demonstrado, tais instrumentos legais trazem em seu conteúdo

indicações a respeito da conservação dos bens arqueológicos encontrados em

território nacional. Diversos autores, entre eles FRONER (2008), LIMA & RABELLO

(2007), RODGERS (2004), entretanto, destacam que os materiais arqueológicos têm

sofrido com as consequências de reservas técnicas não consonantes com a

conservação preventiva, da desinformação a respeito das políticas de preservação

de acervos, da falta de corpo técnico especializado e da descontextualização da

documentação. Estas colocações indicam que, na prática, em muitos casos, a

legislação vem sendo cumprida de forma não apropriada.

A complexidade dos artefatos arqueológicos, devido à diversidade de

materiais e ao fato de terem estado enterrados ou submersos durante muito tempo,

requer um gerenciamento estratégico das coleções e, consequentemente, das

reservas técnicas, que se configuram como um espaço organizado e sistematizado

dentro de museus, arquivos e outras instituições, e têm como objetivo a salvaguarda

adequada dos acervos. É neste contexto que o conservador-restaurador vem

Page 15: TCC_Conservação Arqueológica

15

desempenhando um papel de extrema importância, com uma atuação que inicia nos

procedimentos de intervenção in situ, caracterizados pelo conjunto de medidas de

conservação tomadas no momento da escavação, e termina dentro das reservas

técnicas dos laboratórios e museus, em um trabalho de conservação preventiva,

curativa e de restauração.

Dessa problemática surgem, em distintos lugares, iniciativas que buscam a

modificação do cenário atual de aparente descaso com a preservação dos acervos

arqueológicos. Entre abril e junho de 2010, a convite do arqueólogo Aluísio Gomes

Alves, participante do Programa de Pós-graduação do Museu de Arqueologia e

Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), uma equipe formada pelo

Professor Jaime Mujica e pela autora deste trabalho, juntamente com os demais

alunos da disciplina “Conservação de Materiais Arqueológicos”, do Curso de

Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de

Pelotas (UFPel), foi a campo para participar da escavação do sítio pré-histórico

Guarani denominado PS-03 Totó, com o objetivo principal de entender o trabalho do

arqueólogo e as metodologias utilizadas em uma escavação e, a partir daí, refletir a

respeito dos procedimentos da conservação dos materiais arqueológicos in situ e a

compatibilidade dos mesmos com as demandas da arqueologia e da museologia.

O sítio PS-03 Totó, identificado no ano de 2005, está localizado à margem

da Laguna dos Patos, no Balneário Totó, na cidade de Pelotas, RS, Brasil, e é parte

de um complexo de ocupação regional Guarani composto por um conjunto de sítios

arqueológicos. A campanha foi realizada de forma inter e multidisciplinar,

envolvendo também professores e acadêmicos dos cursos de

Antropologia/Arqueologia, Museologia, História e Geografia da UFPel, do curso de

Arqueologia da Universidade Federal de Rio Grande (FURG), do Programa de

Arqueología Subacuática da Universidad de La Republica Oriental del Uruguay

(PAS-UDELAR), bem como de pesquisadores das áreas de Biologia e dos

Programas de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e

Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP) e do Mestrado em Memória

Social e Patrimônio Cultural da UFPel.

A participação da equipe de Conservação e Restauro propiciou a

experimentação de procedimentos relativos à conservação in situ dos materiais,

através da aplicação de protocolos elaborados previamente para tais fins. Esta

experiência multidisciplinar confrontou os discentes com as problemáticas

Page 16: TCC_Conservação Arqueológica

16

decorrentes das escavações arqueológicas, e, além de permitir verificar a eficácia de

determinados protocolos de conservação in situ, fortaleceu a decisão da equipe de

continuar trabalhando com a temática da conservação de materiais arqueológicos,

em especial no que se refere aos procedimentos de conservação preventiva e

curativa a campo.

É neste panorama que surge a ideia principal para a elaboração deste

trabalho, que tem como proposta averiguar como a intervenção in situ se configura

como uma estratégia eficaz de conservação na gestão dos acervos arqueológicos

salvaguardados nas reservas técnicas de instituições como museus e laboratórios

de arqueologia. O objetivo principal da pesquisa foi caracterizar a influência da

intervenção in situ na gestão dos acervos arqueológico, e teve como objetivos

específicos: analisar a problemática da conservação de acervos arqueológicos,

desde o momento da retirada dos materiais a campo, até a conservação de longo

prazo nas reservas técnicas, e; descrever e analisar criticamente, os procedimentos

de conservação in situ realizados durante a escavação do sítio arqueológico PS-03

Totó.

Para elaboração do trabalho, foram traçadas como metas a realização de

revisão bibliográfica a respeito do tema da conservação preventiva de materiais

arqueológicos, a análise da documentação resultante dos procedimentos de

conservação in situ no sítio arqueológico PS-03 Totó, e a avaliação dos resultados

dos procedimentos de conservação in situ no sítio arqueológico PS-03 Totó.

A metodologia compreendeu a pesquisa bibliográfica e documental a

respeito do tema da conservação de materiais arqueológicos e da intervenção no

sitio Totó. Foram utilizadas, como algumas das principais referências, as pesquisas

de Yaci Ara Froner Gonçalves, consultora e pesquisadora nas áreas de

Conservação Preventiva de acervos museológicos e Arqueologia, e que tem entre

seus trabalhos títulos como Acondicionamento e Armazenamento das Coleções

Etnográficas e Arqueológicas nas Áreas de Reserva Técnica (1998) e Conservação

preventiva e patrimônio arqueológico: ética, conceitos e critérios (1995); Bradley A.

Rodgers, especialista em Arqueologia Náutica e Ciência da Conservação, autor do

Archaeologist’s Manual for Conservation (2004), que traz os tipos de laboratórios de

conservação arqueológica; Janen M. Cronyn, consultora e pesquisadora da área de

Conservação e autora do livro The elements of archaeological conservation (1990),

que explicita o conceito de Conservação Arqueológica, descreve os agentes de

Page 17: TCC_Conservação Arqueológica

17

deterioração e as técnicas de preservação para cada material, abarcando desde os

procedimentos in situ até as metodologias de armazenamento e exposição.

Além dos preceitos teóricos, a realização de atividades práticas também

auxiliou na elaboração desta pesquisa. Juntamente com o professor Jaime Mujica,

orientador deste trabalho, realizou-se uma visita técnica ao laboratório de

arqueologia da FURG, a fim de verificar como se dá a gestão do acervo neste local.

Foram também utilizados na produção deste trabalho os conhecimentos adquiridos

em estágio curricular realizado no Laboratório de Metrologia do Departamento de

Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco, no qual pude entrar em

contato com a técnica de datação de cerâmicas arqueológicas por

termoluminescência e conhecer os protocolos de coleta e acondicionamento para

materiais com esta finalidade.

Além disso, a participação na pesquisa de campo do sitio arqueológico

histórico da Charqueada Santa Bárbara também contribuiu para esta pesquisa.

Desenvolvido pelo Laboratório Multidisciplinar de Investigação Arqueológica

(LÂMINA), com a participação de alunos da Conservação e Restauro, Museologia e

Antropologia/Arqueologia da UFPel, o trabalho de campo procurou, entre outros

objetivos, identificar as diferentes temporalidades do registro arqueológico da

Charqueada Santa Bárbara, situado às margens do antigo leito do arroio Santa

Bárbara, e composto por um conjunto de edificações em estilo colonial. Através do

trabalho realizado juntamente com a equipe de Conservação e Restauro, foi possível

elaborar protocolos de intervenção preventiva e curativa a campo das distintas

tipologias de material e pensar modelos de gestão dos materiais arqueológicos

referentes à coleta seletiva, descarte, reenterramento, dentre outras temáticas

pertinentes.

A apresentação da pesquisa foi dividida em três momentos. O primeiro

capítulo, intitulado “Gestão de acervos arqueológicos: conceitos e práticas”, traz as

definições de gestão de acervos e acervos arqueológicos, sob a ótica da

preservação. Através destes conceitos, é apresentada a questão da Conservação

como disciplina adjacente à Arqueologia, e o papel do conservador enquanto um dos

profissionais que atuam na gestão das coleções de origem arqueológica.

No segundo capítulo, “A intervenção in situ no sitio PS-03 Totó”, tendo como

estudo de caso o referido sítio arqueológico, são descritas e analisadas as

metodologias relativas à planificação da escavação, resgate, estabilização,

Page 18: TCC_Conservação Arqueológica

18

consolidação, acondicionamento, transporte e documentação propostas para cada

tipologia de material. É relatado ainda o estado atual de conservação de alguns dos

objetos que sofreram intervenção, em diagnóstico realizado no laboratório onde

atualmente estes estão sendo processados.

No terceiro capítulo, “A conservação in situ como estratégia para a gestão

dos acervos arqueológicos”, estes dados são então confrontados com os princípios

elucidados no capítulo 1, sendo analisada qual a influência da intervenção in situ

realizada no sítio Totó na preservação dos materiais arqueológicos, e de que modo

esta se configurou como uma estratégia para a gestão deste acervo.

Assim, através deste trabalho, almejou-se definir modelos e estratégias que

permitam uma melhor conservação da cultura material de origem arqueológica e da

informação associada a tais elementos. Espera-se, também, difundir a necessidade

de uma maior integração entre os especialistas das áreas da Conservação, da

Museologia e da Arqueologia, no que se refere à salvaguarda do patrimônio

arqueológico.

O projeto servirá, ainda, como subsídio para a discussão e elaboração do

projeto executivo da futura reserva técnica de materiais de origem arqueológico da

Universidade Federal de Pelotas, sendo este um dos principais impactos potenciais

desta pesquisa.

Page 19: TCC_Conservação Arqueológica

CAPÍTULO 1. GESTÃO DE ACERVOS ARQUEOLÓGICOS: CONCEITOS E

PRÁTICAS

1.1 Gestão de acervos

Um dos caminhos possíveis, ao falar de acervos, inicia-se na tarefa de

definir o campo das coleções e compreender sua complexidade quando

institucionalizado através de dispositivos patrimoniais. Por coleção, podemos

compreender o conjunto de objetos “mantidos temporária ou definitivamente fora do

circuito das actividades económicas, sujeitos a uma protecção especial num local

fechado preparado para esse fim, e expostos ao olhar do público” (POMIAN, 1984,

p. 53).

O colecionismo é prática comum desde tempos remotos, perpassando toda

a coletividade humana (GONÇALVES, 2007). Em qualquer que seja a sociedade, o

ato de colecionar tem sido um exercício praticado constantemente pelo ser humano.

Segundo Bruno (1999), a guarda e valorização dos objetos demonstram, ao mesmo

tempo, a necessidade de transposição da finitude humana e de ostentação e poder,

e por isso o hábito de colecionar.

Conforme aponta Lourenço (1999), uma coleção é composta, geralmente, de

objetos da mesma natureza ou ainda de itens que guardam relações entre si, mas

que de um modo geral dizem respeito a um anseio ou característica individual.

Nesse sentido, o colecionismo possui caráter de coisa particular, sugere um

conjunto privado. E é na figura do colecionador que reside o poder da seleção de

determinado conjunto para entrar no círculo fechado da coleção: é ele quem confere

ao objeto a característica necessária para fazer parte da coleção, e esta

normalmente está relacionada ao gosto pessoal do colecionador (LOURENÇO,

1999).

Santos (2000) afirma que a intenção de colecionar pressupõe a preservação,

ou seja, a criação de meios para que a coleção prolongue seu tempo de vida e

permaneça por mais tempo em bom estado. Desta forma, colecionar implica em

conservar. De usos e valores simbólicos, rituais, educativos, estéticos, emocionais,

Page 20: TCC_Conservação Arqueológica

20

dentre outros diversos, coleções são criadas pelo desejo de permanência ao seu

próprio tempo, como que numa tentativa de alcançar a eternidade (LOURENÇO,

1999).

As coleções, especialmente as arqueológicas, estão na gênese da história

dos museus (BRUNO, 1999). Desde o século XVI, coleções de artefatos

arqueológicos eram exibidas nos gabinetes de curiosidade, representando relações

de poder e alteridade. A partir do século XIX, muitas coleções particulares deram

origem a importantes instituições museais, como, por exemplo, o British Museum, de

Londres, constituído a partir das coleções do médico naturalista e humanista Hans

Sloane (BRUNO, 1999).

Nesses processos de musealização, então, o conjunto de objetos de uma

coleção, reunidos inicialmente por motivações individuais, passa a representar um

grupo de pessoas, a ser “objeto de museu”, ou seja, bem cultural patrimonializado.

Dentro dos espaços de salvaguarda, a coleção é ressignificada, evoluindo ao status

de patrimônio e passando a ser denominada acervo. Como afirma Gonçalves,

Na medida em que assim classificados e coletivamente reconhecidos, esses objetos desempenham uma função social e simbólica de mediação entre o passado, o presente e o futuro do grupo, assegurando a sua continuidade no tempo e sua integridade no espaço (GONÇALVES, 2007, p.28).

A diferença entre coleção e acervo, reside, então, no fato de que este último

pressupõe a institucionalização dos objetos e, por consequência, “um processo

cotidiano para o reconhecimento e a formulação de sentidos” (LOURENÇO, 1999,

p.13). A constituição de acervos é condição importante para a existência das

instituições de salvaguarda de bens culturais1. Sem estes, museus, bibliotecas e

arquivos, dentre outros, não possuiriam seu objeto de estudo, preservação e

divulgação, ou seja, estariam alijados de um elemento sem o qual não podem

cumprir sua função (SWAIN, 2007).

A simples salvaguarda dos acervos, entretanto, não se configura como uma

ação efetiva de proteção. Segundo Santos (2000, p.24), “é imprescindível o

estabelecimento de princípios que certamente servirão para apoiar os responsáveis,

1 Existe um debate em torno da possibilidade de existência ou não do museu sem acervo.

Meneses (2002), ainda que considere possível a existência deste, coloca a materialidade como algo intrínseco à vida humana, colocando sua eliminação como algo comprometedor à compreensão do mundo pelo homem. O autor ainda coloca como parte integrante do acervo de uma instituição, além dos objetos patrimoniais, o material operacional, “aquele sobre o qual opera o museu” (p. 17).

Page 21: TCC_Conservação Arqueológica

21

em conjunto com a equipe técnica, no trato das coleções/acervos”. Para que um

museu2, por exemplo, atinja seus objetivos, é necessário, portanto, que as coleções

sob sua tutela sejam administradas de acordo com diretrizes e normas consonantes

com as políticas da instituição. A este gerenciamento dos bens culturais

institucionalizados dá-se o nome de gestão de acervos3.

A gestão de acervos compreende o conjunto de procedimentos éticos,

legais, teóricos e práticos através dos quais as coleções de museus ou outras

instituições de salvaguarda são “formadas, organizadas, recolhidas, interpretadas e

preservadas” (LADKIN, p. 17, 2004). Dentre destes procedimentos, podemos citar

ações relativas à aquisição, documentação, acesso e uso das coleções, bem como

questões referentes à conservação dos objetos. Dessa forma, a gestão de acervos

objetiva a preservação das coleções, em todos os âmbitos, dentro das instituições.

A importância da elaboração de uma política para os acervos está expressa

em documentos de referência para os profissionais que trabalham com a

preservação do patrimônio. O Código de Ética para Museus do Internacional Council

of Museums (ICOM)4, de 2004, atenta para a necessidade da existência de um plano

de gestão para as coleções institucionalizadas, colocando que este deve conter

informações a respeito da aquisição, proteção e utilização das mesmas.

A legislação brasileira também dispõe sobre os acervos e seu

gerenciamento. Através do Decreto n° 5.2645, de 5 de novembro de 2004, fica

instituído o Sistema Brasileiro de Museus, que objetiva facilitar o diálogo entre

instituições museológicas, através de uma gestão integrada e o desenvolvimento

dos museus, acervos e processos museológicos brasileiros. A Portaria Normativa n°

2 Os museus e laboratórios de arqueologia serão as instituições citadas como referencial

neste trabalho, uma vez que, em detrimento a outras instituições de salvaguarda de bens culturais, como arquivos e bibliotecas, é nestes espaços que estão armazenadas grande parte das coleções arqueológicas.

3 Lessa (2011) utiliza o termo curadoria para se referir à gestão e a pratica dos processos

de conservação e guarda das coleções dentro das instituições responsáveis pela salvaguarda. 4 O ICOM (International Council of Museums) foi criado em 1946 e se configura como uma

organização internacional não governamental de museus e profissionais direcionada para a conservação e difusão do patrimônio cultura e natural. Mantém um vínculo formal com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e tem status de órgão consultivo no Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU). O principal documento formalizado pelo ICOM é o Código de Ética para Museus, no qual são estabelecidas normas mínimas para a prática profissional e atuação das instituições museológicas e seu pessoal. Disponível em: http://www.icom.org.br/C%C3%B3digo%20de%20%C3%89tica%20Lus%C3%B3fono%20iii%202009.pdf.

5 Disponível em:

http://www.museus.gov.br/sbm/downloads/decreto_n_5.264_de_05_novembro_de_2004.pdf

Page 22: TCC_Conservação Arqueológica

22

1 do Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)6, de 5 de julho de 2006,

apresenta normas para a organização dos museus e seus acervos. Este instrumento

legal dispõe sobre a elaboração do Plano Museológico, conduzindo sua estrutura

através dos seguintes programas: Institucional, Gestão de pessoas, Acervos,

Exposições, Educativo e cultural, Pesquisa, Arquitetônico, Segurança,

Financiamento e fomento e Difusão e divulgação. Conforme a normativa, no

Programa de acervos estão incluídas todas aquelas ações destinadas ao

gerenciamento dos distintos tipos de acervos da instituição, incluindo a aquisição,

documentação, conservação e restauração.

Outro importante documento, a Política Nacional de Museus7, lançada em

2007, traz a “Aquisição e Gerenciamento dos Acervos Culturais” como um dos eixos

programáticos, que servem de orientação para a realização das ações e projetos

museológicos. Dois anos depois, a lei n 11904 de 20 de janeiro de 20098, que

institui o Estatuto dos Museus, refere no artigo 44 que é dever dos museus a

elaboração e implementação do plano museológico. É neste instrumento que se

enquadram uma série de programas que constituem a ferramenta básica de

planejamento estratégico para as instituições e suas coleções. No mesmo ano e

data, a lei n 11.906 de 20 de janeiro de 20099 cria o Instituto Brasileiro de Museus10

(IBRAM), autarquia vinculada ao Ministério da Cultura e que regulamente os direitos,

deveres e obrigações inerentes aos museus federais. É atualmente o órgão

brasileiro responsável pela Política Nacional de Museus e desenvolve, entre outras

atribuições, atividades direcionadas ao fomento de políticas de aquisição e de

preservação de acervos.

Conforme aponta Ladkin (2004), o desenvolvimento de uma política para o

gerenciamento de acervos deve levar em conta diversos fatores. A elaboração e a

implantação, bem como sua manutenção, deve ser uma ação conjunta,

responsabilidade de todos os profissionais da instituição. A política de gestão das

6 Disponível em:

http://www.museus.gov.br/sbm/downloads/portaria_normativa_n_1_de_5_de_julho_de_2006_DOU_de_11_07_….pdf.

7 O caderno Política Nacional de Museus – Memória e Cidadania, apresentado pelo

Ministério da Cultura em maio de 2003, propõe linhas de atuação para uma política nacional voltada para o setor museológico brasileiro, através de sete eixos programáticos. Disponível em: http://www.museus.gov.br/sbm/downloads/Política_Nacional_de_%20Museus.pdf.

8 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11904.htm.

9 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11906.htm.

10 Disponível em: http://www.museus.gov.br.

Page 23: TCC_Conservação Arqueológica

23

coleções deve estar de acordo com a missão, objetivos e necessidades da

instituição a qual pertence, para que se seja possível avaliar as necessidades do

acervo em função destes dados. Além disso, a política de gerenciamento deve

existir fisicamente, e funcionar como um documento-guia para todos os envolvidos

no trabalho de preservação.

A incorporação de bens e coleções se configura como um dos aspectos

mais importantes dentro de uma política de gestão de acervos, uma vez que “o

gerenciamento, ou seja, o ato de administrar, e todos os seus desdobramentos -

todas as atividades-fim dos museus – só se torna possível se antecedido pela

aquisição” (FERRÓN et al. 2006-2007, p.94). Uma política de aquisição11, desta

forma, também é item fundamental à gestão de acervos, pois é através dela que se

estabelecem os critérios referentes às coleções a serem incorporadas pela

instituição.

Cada vez mais as instituições concentram seus esforços na organização de seus acervos formados ao longo de sua história e os investimentos em coletas ou aquisições dependem de verbas específicas de pesquisa, ou de avaliações em relação à capacidade institucional de receber doações. Coletas ou aquisições indiscriminadas já não devem fazer parte do repertório de instituições sérias (FRONER & SOUZA, 2008, p.6).

Outro ponto fundamental para o gerenciamento de acervos é a

Conservação, disciplina que compreende a conservação preventiva, a conservação

curativa e a restauração (ABRACOR, 2010). Dentro das instituições, a gestão para

a conservação exige uma abordagem integrada, pois não se refere somente ao

acervo, mas também ao prédio e seu entorno. Um dos principais espaços de ação

da Conservação é a reserva técnica, local onde os acervos passam a maior parte de

sua existência. Por esse motivo, esta área deve ser “projetada, planejada,

organizada, monitorada e mantida a partir de princípios, conceitos, modelos e

paradigmas da Conservação Preventiva” (FRONER, 2008).

A conservação preventiva se configura como o conjunto de ações e medidas

indiretas que objetivem “evitar ou minimizar futuras deteriorações ou perdas”

(ABRACOR, 2010, p. 3). Nas reservas técnicas, é fundamental a implantação de um

plano de conservação preventiva, devendo ser considerados fatores como o projeto

11 São formas de aquisição de acervos a doação, o legado, a compra, a troca, a recolha de

campo ou quaisquer outros meios pelos quais os bens são incorporados pela instituição (LADKIN, 2004).

Page 24: TCC_Conservação Arqueológica

24

da edificação, controle da umidade relativa, temperatura e iluminação, mobiliário,

acondicionamento e embalagens, dispositivos de segurança, dentre outros. “A

reserva é o museu”, conforme aponta Mirabile (2010, p.4), pois representa o

fundamento e a evolução da instituição.

Cumpre destacar que a conservação preventiva não diz respeito apenas aos seus responsáveis diretos, mas toda a instituição – aí entendidos diretores, corpo administrativo, educadores, corpo técnico, vigilantes, etc. Essa é uma responsabilidade coletiva, que deve ser compartilhada. Ela é de todos, inclusive do público, que precisa ser educado nessa direção, na medida em que a indústria cultural transformou patrimônios culturais – incluindo-se o arqueológico – em bens de consumo. Nele precisa também ser incutida a consciência da fragilidade desse patrimônio, da irreversibilidade dos danos que lhe são impostos e da irrecuperabilidade de suas perdas, de modo a que fique bem clara sua parcela de responsabilidade na conservação dos vestígios do passado da humanidade. (LIMA & RABELLO, 2007, p.248).

Como visto, a gestão de acervos ultrapassa a mera execução de

procedimentos técnicos: envolve, antes de tudo, comprometimento e conhecimento

do acervo a se preservar. Cada coleção é um universo, com características e

demandas próprias e, por esse motivo, exige ações específicas de gerenciamento.

1.2 Os acervos arqueológicos

De acordo com Wolf (2001), podemos caracterizar como objeto arqueológico

o produto de uma atividade no passado, e que foi resgatado de um sítio

arqueológico. Estes objetos surgem como parte da cultura material de grupos

humanos precedentes, encerrando seu ciclo de vida útil juntamente com a extinção

destes grupos. Assim, ao ser alçados a categoria de bem arqueológico, objetos que

inicialmente possuíam valor de uso, passam a possuir outro valor, o de documento

(GARCÍA & FLOS, 2008).

Dos sítios, são extraídos grandes volumes de materiais, que irão formar

coleções e compor os acervos arqueológicos salvaguardados pelos museus,

laboratórios e outras instituições. As coleções arqueológicas, por sua vez, são

constituídas pelas mais diversas matérias, cada qual com um comportamento

particular perante os agentes de degradação e à passagem do tempo (SANZ

NAJERA, 1988).

Page 25: TCC_Conservação Arqueológica

25

A gestão dos acervos arqueológicos se diferencia da curadoria de outras

tipologias de acervo em diversos aspectos. Primeiramente, pela fragilidade e

diversidade material dos artefatos; em segundo lugar, por incluir não somente os

objetos provenientes da escavação, mas também outros materiais e informações

associados; em terceiro, pelo fato de que inicia – ou deveria iniciar – no

planejamento do projeto arqueológico, e não somente quando o acervo já se

encontra sob a guarda institucional (CHILDS & CORCORAN, 2000).

A especificidade dos artefatos arqueológicos é dada pelo fato de, em sua

maioria, terem estado enterrados ou submersos durante muito tempo (WOLF, 2001).

Quando nesta condição, alguns materiais – aqueles que sobrevivem ao tempo e aos

fatores de degradação – alcançam um estado de estabilidade química, física e

biológica com o meio, e os processos de degradação são abrandados. Assim, “[…]

cualquier objeto que se encuentra enterrado después de una fase inicial de

adaptación, tiende a buscar un nuevo equilibrio con el medioambiente” (LACAYO,

2001, p. 453), permanecendo estável até que seja retirado de seu local de origem.

No momento da extração, entretanto, esses objetos são expostos à

atmosfera e imediatamente começam a sofrer reações de deterioração (CRONYN,

1990). Os materiais, antes em equilíbrio, sofrem uma mudança brusca de ambiente,

o que acarreta graves consequências à conservação. Os artefatos são, desta forma,

submetidos a fatores de distintas magnitudes, ou até então inexistentes: novas

condições mecânicas; manipulação; exposição à luz, temperatura e umidade

variáveis; contaminação química; oxigênio, dióxido de carbono, gases e partículas

solidas presente na atmosfera; contaminação biológica; etc. (LACAYO, 2001).

Cronyn (1990) refere que a manipulação e/ou acondicionamento inadequados

durante a escavação são responsáveis por uma grande perda de objetos, por estes

aparentarem, frequentemente, menos fragilidade da que em realidade possuem.

No caso de materiais arqueológicos subaquáticos, a intensidade das

mudanças dos parâmetros ambientais sofridas pelos objetos ao serem resgatados,

em especial de meios marinhos, determina que estes estejam mais propensos a se

deteriorar e com maior velocidade que em outras circunstâncias. Neste sentido, o

trabalho de Hamilton, Methods of conserving archaeological material from

underwater sites, é uma das referências em conservação arqueológica subaquática.

Page 26: TCC_Conservação Arqueológica

26

Artifact preservation is one of the most important considerations when planning or implementing any action that will result in the recovery of material from a marine archaeological site. It is the responsibility of the excavator or salvor to see that material recovered is properly conserved. The conservation phase is time consuming and expensive, often costing more than the original excavation. Without conservation, however, most artifacts will perish, and important historic data will be lost. The loss is not just to the excavator but also to future archaeologists, who may wish to reexamine the material (HAMILTON, 1999, p. 4).

As causas de degradação do material arqueológico podem ser divididas em

físicas, químicas e biológicas (LACAYO, 2001). As causas físicas são aquelas

referentes aos parâmetros ambientais, como temperatura, umidade e luz. No caso

de objetos localizados sob o solo, a certa profundidade, a temperatura costuma ser

mais baixa e muito mais constante que a temperatura do ar. Assim, determinados

materiais, como couro, tornam-se suscetíveis à degradação ao serem expostos a um

ambiente de temperatura mais elevada, podendo apresentar problemas como

deformação e rompimentos. No mesmo caso, a exposição à luz, por sua vez, pode

ocasionar descoloração de pigmentos, deteriorando objetos que apresentem tintas e

corantes (CRONYN, 1990).

Os fatores químicos dizem respeito às alterações provocadas pelos fatores

físicos e que são provocados por elementos externos (LACAYO, 2001). A presença

de oxigênio é responsável por reações de oxidação que acarretarão na corrosão de

materiais metálicos como o ferro, por exemplo. Além disso, também facilita a

proliferação de microorganismos. A alcalinidade e a acidez também são elementos

nocivos à conservação dos artefatos arqueológicos, podendo acelerar reações como

a hidrólise12 e a formação de sais (CRONYN, 1990).

As causas biológicas, por fim, são aquelas acarretadas pelo ataque de

microorganismos e pela presença de excremento de animais (LACAYO, 2001). A

biodeterioração, geralmente comum em materiais orgânicos, corresponde aos danos

causados pelo acometimento de insetos, cupins, fungos, bactérias, roedores,

moluscos, dentro outros. Materiais inorgânicos muito porosos, entretanto, também

podem ser afetados indiretamente por agentes biológicos (CRONYN, 1990).

Vemos, portanto, que a grande maioria dos materiais podem ser afetados

pelas características físicas, químicas e biológicas do meio, alterando seu aspecto e

composição. Porém, não sempre é clara a distinção entre as distintas formas de

12

Ruptura da molécula de água em decorrência da reação de solubilização de uma solução salina (MATTEINI & MOLES, 2008).

Page 27: TCC_Conservação Arqueológica

27

interação dos objetos com o ambiente. De acordo com Goffer (2007), determinados

agentes químicos podem afetar fisicamente alguns materiais; agentes físicos podem

causar modificações químicas, e salvo em condições particulares, o mesmo agente

pode determinar mudanças físicas e químicas simultaneamente. Sendo assim, este

autor propõe de denominar estes agentes de “agentes físico-químicos de

decaimento”, antes de classificá-los separadamente como fatores físicos ou

químicos.

As coleções arqueológicas são geralmente volumosas, e contêm uma

variedade de materiais que atendem a diferentes parâmetros de conservação e

também de pesquisa (WOLF, 2001). Estas características revestem de

complexidade não somente o cuidado no momento de resgate dos artefatos, mas

seu armazenamento a médio e longo prazo. O que se vê atualmente em muitas

instituições são coleções organizadas por proveniência – no caso, o sítio

arqueológico -, fato que vai de encontro às necessidades ambientais de cada

tipologia de material.

No caso de acervos compostos por coleções de História Natural ou por artefatos e vestígios arqueológicos e etnográficos, as instituições devem cuidar da particularidade desses acervos. Coleções mais pesadas – compostas por ossos, líticos ou cerâmicas – devem ser avaliadas em relação ao seu peso específico e aos problemas decorrentes de impactos físicos e mecânicos; coleções imersas em fluido devem ser mantidas em ambiente arejado, em decorrência da evaporação dos meios líquidos, e com controle de iluminação; elementos orgânicos, como exsicatas, animais empalhados e material etnográfico à base de fibras devem receber um tratamento redobrado em relação aos riscos de ataque biológico (FRONER, 2008, p.11).

Conforme aponta Bradley,

Dos sítios de escavação retiram-se objetos de cerâmica quebrados ou com alto teor de sal, pedras salgadas, metais corroídos, ossos e artigos têxteis encharcados de água, bem como objetos de couro e madeira. (BRADLEY, 2001, p. 16).

A diversidade encontrada nos agentes de degradação está diretamente

relacionada à heterogeneidade material dos objetos arqueológicos. As

características do sítio determinam a variedade de materiais que podem ser

encontrados: a gama de tipologias de artefatos arqueológicos abarca cerâmicas,

metais, líticos, vidros, têxteis, papel, ósseos, madeira, dentre outras.

Page 28: TCC_Conservação Arqueológica

28

Garcia & Flos (2008) estabelecem uma divisão para tratar das peças

oriundas do trabalho de campo, classificando-as em matérias primas arqueológicas

e objetos arqueológicos manufaturados. Dentre as primeiras, considera-se todo o

vestígio arqueológico, desde as matérias primas de origem orgânica e vegetal,

exploradas e utilizadas por cada cultura para a obtenção dos objetos, até os

materiais constitutivos dos seres humanos e das espécies animais e vegetais.

Dentre os materiais orgânicos, estão a madeira, a lã, o osso, o marfim, e outros; dos

materiais inorgânicos, fazem parte as rochas ígneas, sedimentares e metamórficas.

Os objetos arqueológicos manufaturados, por sua vez, são aqueles

resultantes da manipulação da matéria prima (GARCIA & FLOS, 2008). Nestes

objetos, além de os materiais sofrerem uma mudança na forma física original, uma

nova matéria é formada em sua estrutura interna. Enquadram-se nesta classificação

as cerâmicas, os vidros, os metais, as pinturas murais, o mosaico e o couro, sendo

este ultimo o único material orgânico do grupo.

Em função desta diversidade, cada tipologia de material requer condições

ambientais e tratamentos específicos. Objetos compostos de matéria orgânica, em

função de suas qualidades higroscópicas13 e anisotrópicas14, podem sofrer dilatação

e contração causadas pela oscilação da umidade relativa e da temperatura. Além

disso, materiais orgânicos são propícios às infestações por agentes biológicos, como

bactérias e fungos (GARCÍA & FLOS, 2008).

A madeira é um dos materiais orgânicos de mais difícil conservação (SANZ

NAJERA, 1988). Os movimentos de dilatação e contração podem causar rachaduras

e quebras, ocasionando o colapso da estrutura. O material também é suscetível aos

ataques biológicos: bactérias, insetos e fungos ocasionam o enfraquecimento da

estrutura e consequente destruição. Assim como o couro, a madeira sobrevive em

melhores condições em ambientes extremos, muitos secos ou muito úmidos

(LORÊDO, 1994; SEASE, 1994).

Materiais como o osso e o marfim, pelo fato de serem constituídos de uma

parte orgânica e outra inorgânica, podem ser ao mesmo tempo protegidos ou

degradados por diferentes níveis de pH do solo ou da água. (GARCÍA & FLOS,

2008). Ambientes ácidos conservam as fibras de colágeno do componente orgânico,

13

A higroscopia é a propriedade que todos os materiais orgânicos e alguns inorgânicos possuem de absorver e liberar umidade de acordo com as condições ambientais (CALVO, 1997).

14 A anisotropia é a propriedade de alguns materiais se comportarem diferente em relação

aos três eixos espaciais (CALVO, 1997).

Page 29: TCC_Conservação Arqueológica

29

mas favorecem a hidrólise de alguns elementos dos componentes inorgânicos

destes materiais; ambientes alcalinos, ao contrário, tornam a matéria orgânica

vulnerável às infestações em função da hidrólise, processo que beneficia os

materiais inorgânicos pela formação de carbonato de cálcio. Os ossos,

particularmente, tornam-se quebradiços com a idade e descolorem quando expostos

à luz solar, somente se preservando relativamente bem em ambientes neutros ou

ligeiramente alcalinos (LORÊDO, 1994).

Os materiais inorgânicos, por sua vez, podem sofrer com os danos causados

pelas intempéries e variações climáticas, e por fatores como a formação de sais e a

poluição atmosférica (GARCÍA & FLOS, 2008). Os metais arqueológicos, por

exemplo, podem ser danificados pelas corrosões química e eletroquímica. A

primeira, decorrente de algum composto químico, como o oxigênio, ocasiona a

formação de uma camada patinada e manchada na superfície; a segunda,

decorrente da presença de água ou umidade, causa um processo de oxidação mais

intenso, comumente ocasionando a destruição do metal (CRONYN, 1990).

No caso específico de materiais ferrosos depositados no ambiente marinho,

aparecem outros agentes de deterioração, sendo os mais importantes a

concentração de oxigênio, o pH, a temperatura, a movimentação da água, a

salinidade, a presença de bactérias sulfo-redutoras, o acoplamento galvânico e, a

formação de concreções de organismos marinhos na superfície dos objetos

(PEARSON, 1987).

A cerâmica, apesar de ser um dos materiais mais estáveis, podem sofrer

alterações em função da porosidade de seus elementos constitutivos, do contato

com a água e da presença de sais, solúveis ou insolúveis (GARCÍA & FLOS, 2008).

Os sais presentes no interior do material cerâmico, quando expostos a uma baixa

umidade relativa, cristalizam e desencadeiam pressões internas e podem provocar

quebras e rachaduras. Em um ambiente de alta umidade relativa, por sua vez, os

sais se dissolvem e formam eflorescências que destroem a área atingida

(FERNANDEZ IBAÑEZ, 2003).

Os materiais líticos apresentam, geralmente, boas condições de

conservação quando encontrados em uma escavação (PORTO TENREIRO, 2000;

LOREDO, 1994; RODGERS, 2004). Apesar disso, alterações decorrentes do tipo de

rocha e de solo podem ocorrer enquanto os objetos ainda estão enterrados. A partir

do momento de sua extração, os líticos podem apresentar danos como a

Page 30: TCC_Conservação Arqueológica

30

pulverulência pela cristalização de sais, laminação por desidratação e infestação por

ataque biológico quando em ambientes úmidos (CRONYN, 1990; PORTO

TENREIRO, 2000).

Não são somente os artefatos, entretanto, que compõem uma coleção

arqueológica. Também fazem parte deste conjunto outros elementos: bens não

culturais, como ecofatos15, amostras de solo, etc.; registros associados, como

cadernos de campo, fotografias, mapas, etc.; dados digitais, como informações

obtidas pelo sistema Global Positioning System (GPS), modelos criados por

softwares do tipo CAD, dentre outros; e ainda resultados de pesquisas ou

interpretações, como artigos e livros (CHILDS & CORCORAN, 2000). Todos estes

materiais fazem parte do acervo, e devem ser incluídos na política de gestão. Como

aponta Swain (2007), o desafio em gerenciar estas complexas coleções abrange

não somente a necessidade de metodologias específicas para materiais específicos,

mas também a de manter a relação entre os diferentes elementos.

Para que funcione de forma efetiva, a gestão dos acervos arqueológicos

deve iniciar juntamente com o planejamento das atividades de campo. Práticas

relativas aos métodos de coleta e à conservação devem estar presentes no projeto

arqueológico. Este deve estabelecer parâmetros para o resgate, definir quais

materiais serão ou não serão coletados, o que interessa para a pesquisa e o que

pode ser descartado, de que formas o material será armazenado temporariamente e

também a longo prazo. A proposta de gerenciamento arqueológico deve estar,

ainda, baseado nas etapas anteriores do processo de salvamento16 (BASTOS et al.

2005).

O quadro atual dos acervos arqueológicos brasileiros, entretanto, indica que

a gestão da grande maioria das coleções não tem sido considerada de forma

integral por seus responsáveis. Segundo Rodgers (2004), a prática de etiquetar,

ensacar, encaixotar e colocar na prateleira é corrente e acaba por não ser

questionada pelos profissionais. Lima e Rabello (2007) apontam que a crescente

15

Vestígios arqueológicos que não pertencem à categoria artefato, mas que foram modificados pelo homem, como, por exemplo, fragmento de rocha, restos de plantas e sedimento (AMARAL, 2003).

16 O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) determina que o trabalho

arqueológico deve ser composto das seguintes fases: projeto de diagnóstico arqueológico, programa de prospecções arqueológicas e programa de resgate arqueológico (BASTOS et al. 2005).

Page 31: TCC_Conservação Arqueológica

31

popularização da arqueologia de salvamento17 e o exercício de profissionais

autônomos – decorrente da obrigatoriedade dos licenciamentos ambientais18 –

evidenciaram a situação real de preservação destes acervos. Somado a isto, ainda

segundo as autoras, está o fato de que muitas pesquisas de campo iniciam “sem

que o material recolhido na anterior tivesse sido devidamente curado, analisado e

publicado” (2007, p. 246).

Estas práticas vêm dando origem a um grande número de coleções, que não

encontram nas instituições ambientes adequados para seu armazenamento. As

reservas técnicas de museus e laboratórios de arqueologia encontram-se

preenchidas com um sem fim de materiais oriundos de escavações, e geralmente

não apresentam as condições ideais de armazenamento. Como afirma Froner,

Nesse momento cabe questionar a validade do resgate e da coleta massiva de objetos, os quais, depois de coletados – estudados ou não -, acabam consumidos em ambientes inadequados propícios ao ataque biológico, saque e destruição (FRONER, 1995, p. 295).

A esta problemática, alguns pesquisadores da área têm denominado “crise

na gestão dos acervos arqueológicos” (CHILDS & CORCORAN, 2000; THOMPSON,

2000). Além do já explicitados acima, um outro motivo encontra-se paradoxalmente

apoiado nas leis de preservação. Segundo os autores, o conteúdo das legislações,

ainda que estas auxiliem na proteção aos bens arqueológicos, vai de encontro às

demandas atuais das coleções e de seus repositórios: museus e laboratórios não

possuem condições de receber a totalidade dos objetos resultantes da escavação,

mas os dispositivos legais, de um modo geral, indicam que todo o material resgatado

em campo deve ser salvaguardado.

A recolha sem critérios pré-estabelecidos dos materiais encontrados na

pesquisa de campo talvez seja, assim, uma das principais causas da superlotação

que as reservas técnicas vêm enfrentando. É necessário que haja uma mudança na

mentalidade dos responsáveis pelas pesquisas arqueológicas, e que esta mudança

17

A arqueologia de salvamento ou de contrato consiste na prática derivada da obrigatoriedade legal da realização de parecer arqueológico inserido no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) em empreendimentos nos quais exista a possibilidade de identificação de sítios significativos (SOARES, 2007).

18 “O Licenciamento Ambiental é um procedimento administrativo no qual a administração

pratica, em todas as suas fases, atos sequenciais para adequar obra ou atividade a um patamar de qualidade ambiental em que estejam garantidas as condições sociais e econômicas para o desenvolvimento da vida sadia das presentes e futuras gerações, com a finalidade de autorizar o funcionamento do empreendimento” (SOARES, 2007, p. 153).

Page 32: TCC_Conservação Arqueológica

32

não apenas resulte em preceitos teóricos, mas em novas práticas. Como afirma

Thompson (2000), se reconhecermos que existe uma escala de significância para os

sítios arqueológicos, poderemos perceber que existe também uma escala de

importância para os objetos a serem resgatados.

Além da vasta quantidade de coleções, as reservas técnicas de museus e

laboratórios de arqueologia também enfrentam problemas básicos de estrutura

(LIMA & RABELLO, 2007). Usualmente, estas estão situadas em áreas insalubres

dos edifícios, o que resulta em ambientes inadequados para a conservação dos

objetos. Como vimos, a especificidade dos materiais arqueológicos faz com que a

preservação destes dependa diretamente do ambiente do local onde estão

armazenados, o que ressalta a importância de uma reserva técnica que esteja de

acordo com os princípios da Conservação. Uma prática comum encontrada em

muitas regiões é a adequação da função à arquitetura – transformar um prédio

histórico ou um ambiente sem maior utilidade dentro de um prédio, numa reserva –

ao invés de adequar a arquitetura à função.

Além disso, faltam equipamentos, materiais, e, principalmente, profissionais

especializados. Por esse motivo, cada vez mais a Arqueologia tem se unido à

ciência da Conservação. A fim de suprir as carências e necessidades resultantes de

décadas de descaso e desinformação para com os acervos arqueológicos, os

envolvidos na gestão dos acervos arqueológicos, como os órgãos de preservação e

os próprios arqueólogos, “vêm se conscientizando de que é necessário diminuir a

distância que os separa dos conservadores, entendendo que arqueologia e

conservação são indissociáveis [...]” (LIMA & RABELLO, 2007, p. 246).

1.3 Arqueologia e Conservação

O fazer arqueológico é, por si, uma atividade destrutiva19 (PROUS, 1992).

Uma escavação é uma ação irreversível, uma vez que, após a remoção dos objetos

de seus contextos, é impossível retomá-los ao estado anterior.

“[...] o sítio que escavamos está sendo irremediavelmente destruído por nós mesmo, como se alguém, interessado em Camões, não tivesse outra possibilidade de ler Os Lusíadas a não ser recortando as letras e colocando-as, uma após outra, dentro de uma caixa, tendo que reconstituir

19

À exceção da utilização de métodos não invasivos.

Page 33: TCC_Conservação Arqueológica

33

o texto a partir das anotações sobre a posição de cada uma” (PROUS, 1992, p. 34).

A irreversibilidade da prática arqueológica torna indispensável o

estabelecimento de políticas de gestão para a preservação destes acervos (GARCÍA

& FLOS, 2008). Inserido nesse contexto, está o planejamento de conservação

arqueológica, que deve garantir a permanência dos materiais e a manutenção da

informação.

Por conservação arqueológica, podemos compreender o conjunto de

procedimentos e estratégias que objetivam proteger artefatos e outros objetos

arqueológicos da deterioração (RODGERS, 2004). Estas ações envolvem tanto as

intervenções in situ durante a escavação, como metodologias para o transporte até o

repositório, e ainda ações referentes ao armazenamento temporário nos laboratórios

e permanente nas reservas técnicas, passando também pelas operações relativas

às exposições.

O objetivo da conservação arqueológica, segundo Cronyn (2001), é prevenir

a desintegração do objeto quando este é exposto à atmosfera e descobrir a

verdadeira natureza do artefato original. Desta forma, tem-se a conservação

arqueológica como um processo contínuo, que, como parte integrante da gestão dos

acervos, deve iniciar ainda no planejamento do trabalho de campo, e culminar na

preservação dentro dos museus e laboratórios.

A planificação da escavação20 é o momento chave para a preservação dos

acervos. É neste momento que as principais considerações a respeito da

conservação serão realizadas: definição das prováveis tipologias de materiais

encontrados em campo, volume de materiais a serem resgatados e seu estado de

conservação; insumos e instrumentos necessários às intervenções; aspectos

climáticos e edafológicos21 do contexto; tipo de sítio e cronologia aproximada;

métodos de escavação; duração da pesquisa; equipe de trabalho; procedimentos

para a documentação; dentre outras informações (INSTITUT CANADIEN DE

CONSERVATION, 1991; COX, 2005; CRONYN, 2001; GARCÍA & FLOS, 2008).

Nesta primeira etapa, é fundamental que o conservador esteja familiarizado

com a equipe e com o projeto e seus objetivos, a fim de determinar com maior

precisão o tratamento adequado para os materiais encontrados (COX, 2005).

20

Pela definição do IPHAN, a planificação corresponde à etapa equivalente ao projeto de diagnóstico arqueológico.

21 Relativos ao estudo do solo.

Page 34: TCC_Conservação Arqueológica

34

Preferencialmente, o conservador deve participar da elaboração do projeto

arqueológico juntamente com os outros profissionais envolvidos. Desta forma,

maiores serão as possibilidades de realizar uma intervenção adequada, e, por

consequência, de preservação do futuro acervo.

A conservação arqueológica tem continuidade nos procedimentos realizados

durante o trabalho de campo, nesta fase caracterizada como conservação in situ. A

intervenção in situ se configura como o conjunto de medidas de conservação

tomadas no momento da escavação, que consistem na aplicação dos procedimentos

necessários ao resgate, estabilização e acondicionamento dos objetos a fim de

garantir sua integridade entre o campo e o laboratório (LACAYO, 2001). É uma

etapa crucial, pois é neste momento que os materiais são retirados do meio no qual

estavam em equilíbrio durante décadas, séculos ou milênios, para serem expostos à

atmosfera.

Mais do que interferir sobre a materialidade e o ambiente, a presença do

conservador na escavação arqueológica auxilia também na gestão da informação

coletada em campo (SALLÉS & RIBEIRO, 2011). Dados como as condições de

extração do contexto, manipulação dos materiais, sistema de numeração, etc.,

enfim, informações que posteriormente serão de extrema relevância não somente

para a conservação do acervo, mas também para a interpretação dos significados

dos objetos, enquanto documentos. Se o contexto não for documentado, como

afirma Cassman (1989, p. 7) “el valor de la colección se reduce al de una colección

huaqueada22, como miles de colecciones ya existentes en el mundo que provienen

de sitios saqueados”.

Após o trabalho de intervenção em campo, os procedimentos e técnicas

mais elaboradas podem ser executados em laboratório (SWAIN, 2007). Nesta etapa,

são realizados tratamentos de limpeza, consolidação, estabilização, reconstrução,

reintegração cromática ou volumétrica, etc. É no laboratório, ainda, que os objetos

são preparados para fins de exibição nas exposições da instituição (CRONYN,

2001). Nesta fase, um aspecto que frequentemente é motivo de controvérsia se

refere à questão da estética do objeto, que desempenha diferentes papeis no âmbito

da conservação arqueológica e da história da arte (CASSMAN, 1989).

22

Do verbo huaquear; termo utilizado no Peru e outros países andinos, que se refere ao saque de sítios arqueológicos.

Page 35: TCC_Conservação Arqueológica

35

En la arqueología se necesita preservar el artefacto y la información, independientemente de su valor estético; es decir, en la arqueología la estética debe ser secundaria a la información (v. gr. tipos de formas, materiales, estructura, iconografía, función, asociaciones socioculturales y la condición en que el objeto fue encontrado priman sobre la limpieza del artefacto) (CASSMAN, 1989, 99).

A última etapa da conservação arqueológica diz respeito à conservação

preventiva, ou a longo prazo, dos materiais. É, na realidade, uma ação constante,

ininterrupta, que termina somente quando o acervo não mais existir. Refere-se, de

um modo geral, aos processos referentes ao controle ambiental do espaço onde o

acervo esta armazenado: adaptação do edifício, controle do clima e de infestações,

controle da temperatura, umidade relativa e iluminação, escolha de materiais e

mobiliário adequados para o acondicionamento e embalagens, dentre outras

medidas (GARCÍA & FLOS, 2008).

Em todas as fases da conservação arqueológica, é fundamental a realização

da documentação. Esta deve conter itens como fichas de intervenção, nas quais

devem constar, dentre outras informações, tratamentos realizados, produtos e

instrumentos utilizados, profissional responsável pela intervenção; registros

fotográficos e/ou desenhos; exames e análises; mapas e croquis; cadernos de

campo; etc. (GARCÍA & FLOS, 2008; SALLÉS & RIBEIRO, 2011).

Cada vez mais, iniciativas que unem as ciências da Arqueologia e da

Conservação e Restauro tem sido promovidas pelos profissionais das duas áreas.

Em países latinos americanos de considerável produção arqueológica como México,

Argentina, Colômbia, entre outros, é crescente a preocupação com os parâmetros

de conservação preventiva, demonstrando, segundo Froner et al (1997, p.194) “uma

tendência acentuada de transformar a área de conservação em uma área

amalgamada à arqueologia”.

Neste sentido, Sease (1994) refere que a conservação de materiais

arqueológicos deve ser considerada como parte integrante do processo

arqueológico, sendo uma subespecialidade da disciplina com seus profissionais,

metodologias e procedimentos próprios. Segundo a autora, a conservaçao

arqueológica pode ser dividida em dois especialidades distintas: a conservaçao de

artefatos e a conservaçao de monumentos e sítios, cada uma demandando uma

formação específica por parte do conservador.

Page 36: TCC_Conservação Arqueológica

36

Embora o tema da conservação arqueológica soe como assunto

contemporâneo, as duas disciplinas vêm atuando juntas há algum tempo. De acordo

com Caldararo (1987), desde o final do século XIX autores vêm tratando do tema da

conservação dos materiais arqueológicos. Os primeiros trabalhos, dos alemães Voss

e Rathgen, datam dos anos de 1888 e 1905, respectivamente; ambos foram

produzidos como resposta à necessidade de preservar objetos egípcios nos museus

do norte da Europa.

No livro Archaeology from the Earth, de 1954, Mortimer Wheeler reserva

considerável espaço para os tratamentos em laboratório de campo, atribuindo essa

tarefa ao “químico arqueólogo”, figura cuja função hoje se aproximaria do

conservador-restaurador:

Por lo demás, las funciones más importantes del químico son: a) prevenir una posterior descomposición, y b) consolidar los objetos frágiles lo suficiente para su levantamiento y transporte (WHEELER, 1978, p. 172).

No capítulo sobre o Laboratório de Campo, Wheeler volta a destacar a

importância e as atribuições do “químico arqueólogo”:

Toda excavación en la que se espera se obtendrán materiales friables o perecederos, debe contar con un químico arqueólogo. En la mayor parte del mundo, esto significa que como parte integral del equipo ha de incluirse un pequeño laboratorio de campo. Ya afirmamos con anterioridad (p.172) que las funciones primordiales del químico de campo son ayudar en la exhumación de objetos frágiles y en el transporte subsecuente; detener la deterioración de los objetos al ser expuestos al aire; limpiar objetos, sobre todo monedas, que deben identificarse a medida que procede la excavación. Debe también, como una guía para el tratamiento posterior, llevar un cuaderno de notas con todos los primeros auxilios que ha prestado, objeto por objeto (WHEELER, 1978, p. 200).

Como parte da equipe necessária à escavação, o autor inclui também um

“assistente de cerâmica”, encarregado dos cuidados in situ e da gestão dos

elementos cerâmicos. Este profissional “debe tener también un buen conocimiento

de las técnicas de cerámica, de modo que, por ejemplo, pueda proteger de los

omnívoros lavadores de cerámicas […]” (WHEELER, 1978, p. 168). Parte das

atribuições do atual conservador arqueológico, portanto, eram desenvolvidas pelo

químico arqueológico e pelo assistente de cerâmica.

Em 1956, H. J. Plenderleith escreveu The Conservation of Antiquities and

Works of Art, obra que se tornou referência para os trabalhos de conservação e

Page 37: TCC_Conservação Arqueológica

37

restauração de materiais de origem arqueológica da época, e ainda hoje é

referenciada pelos estudiosos da área. Em seu prefácio, o autor inglês reserva um

parágrafo endereçado aos arqueólogos, que, segundo ele, iriam demonstrar

interesse nos métodos que a ciência oferece à restauração dos artefatos e à

pesquisa dos mesmos (PLENDERLEITH, 1957).

Nas décadas seguintes, surgiriam ainda mais publicações sobre o tema da

conservação arqueológica, abarcando temas ainda mais complexos e

especializados. São exemplos a serem destacadas as obras Conservation of Marine

Archaeological Objects (1987), de Colin Pearson e Basic Methods of Conserving

Underwater Archaeological Material Culture (1996), de Donny Hamilton, que dizem

respeito à preservação dos materiais subaquáticos; A Conservation Manual for the

Field Archaeologist (1994), de Catherine Season, e Manual de Conservação em

Arqueologia de Campo (1994), de Wanda Lorêdo, que se referem à conservação de

materiais terrestres; Recuperación y Conservación del material arqueológico in situ

(1990), de Carmelo Ibañez, First Aid for Finds (1998), David Watkinson e Virginia

Neal, e Conservation on Archaeological Excavations (1984), de Nicholas Stanley

Price, referentes aos procedimentos e técnicas de conservação in situ.

As cartas patrimoniais também expressam a preocupação com a

conservação dos bens arqueológicos. As Cartas de Atenas23 (1931, revista em

1933) estabelece diretivas referentes ao restauro de monumentos, incluídos também

os restos arqueológicos. A Recomendação de Paris24, por sua vez, (1968) destaca a

importância que deveria ser dada à conservação in situ dos bens culturais

ameaçados por obras públicas ou privadas, sendo que dentre bens culturais inclui

tanto os sítios arqueológicos como os vestígios arqueológicos ou históricos

descobertos sob a superfície do solo. O documento recomenda ainda o

estabelecimento de créditos suficientes para as operações de preservação e de

salvamento dos bens culturais ameaçados por obras públicas ou privadas. Desta

forma, os órgãos responsáveis da salvaguarda dos bens culturais deverão dispor de

recursos suficientes para assegurar sua preservação ou salvamento ou as despesas

23

A Carta de Atenas, de 1931, denominada de Carta para o Restauro de Monumentos Históricos, foi aprovada no Primeiro Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos. Disponível em: www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Atenas_1931.pdf. A revisão da Carta de Atenas de 1933 está disponível em: http://www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Atenas_1933.pdf.

24 A Recomendação de Paris é resultado da 15ª Sessão da Conferência Geral das Nações

Unidas. Disponível em: portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=273.

Page 38: TCC_Conservação Arqueológica

38

referentes à preservação ou ao salvamento dos bens culturais ameaçados, deverão

estar incluídas no orçamento dessas obras; ou uma combinação de ambos

mecanismos.

Em 1956, a Conferência Geral da UNESCO em Nova Delhi resultou no

primeiro documento internacional dedicado inteiramente às pesquisas

arqueológicas: a Recomendação de Nova Delhi25. Este documento define os

princípios internacionais que deverão aplicar-se às escavações arqueológicas.

Recomenda a conservação total ou parcial de certo número de sítios, com a

finalidade de preservar os locais para serem estudados no futuro.

A Recomendação de Nova Delhi propõe ainda a criação de coleções

centralizadas e regionais, visando uma melhor conservação dos objetos

arqueológicos, caso se consiga uma organização administrativa e um corpo técnico

de caráter permanente. Expressa que as autorizações para escavações

arqueológicas devem prever a conservação dos objetos e monumentos descobertos,

atribuindo esta responsabilidade aos pesquisadores responsáveis dos trabalhos de

escavação. O documento discorre também sobre a importância da criação de

museus e organização das coleções, e atenta para a conservação dos objetos e

monumentos descobertos em sítios, atribuindo ao pesquisador esta

responsabilidade.

A Carta de Veneza26, de 1964, constitui uma revisão da Carta de Atenas,

ampliando a sua aplicabilidade. Ela apresenta uma série de princípios no que se

refere à conservação e restauro de monumentos históricos, incluídos também os

vestígios arqueológicos. Expressa que deverão ser asseguradas as medidas

necessárias para a conservação e proteção permanente das ruínas e dos objetos

arqueológicos descobertos.

As Cartas do Restauro27 (1972/1987) estabelecem uma série de instruções

básicas de atuação para a salvaguarda e restauro de materiais arqueológicos, para

25

Elaborada na 9ª Sessão da Conferência Geral das Nações Unidas, de 5 de dezembro de 1956. Disponível em: portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=234.

26 A Carta de Veneza, documento do qual Brasil é signatário, resultou do 2º Congresso

Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos. Disponível em: http://www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Veneza_1964.pdf

27 Documento elaborado pelo Ministério da Instrução Pública do Governo da Itália, da

autoria de Brandi e De Angelis. Disponível em: Disponível em: http://www.icomos.org.br/cartas/Carta_do_Restauro_1972.pdf A Carta do Restauro de 1987, foi elaborada a partir da Carta de Restauro anterior e da Carta de Veneza (1964). Disponível em: http://www.mcu.es/patrimonio/docs/MC/IPHE/Biblioteca/ITALIA.pdf.

Page 39: TCC_Conservação Arqueológica

39

a execução de restaurações arquitetônicas, pictóricas e escultóricas, e instruções

para a tutela dos centros históricos. No seu anexo A, apresenta as instruções para a

salvaguarda e restauro de antiguidades, sendo que dentre estas inclui os materiais

arqueológicos, tanto de origem terrestre como subaquático. Para o cumprimento das

referidas instruções, refere que se faz necessário a participação de restauradores

preparados, quando seja necessário, para uma primeira intervenção de recuperação

e consolidação.

A Carta de Lausanne28, de 1990, trata-se de um documento de tipo

normativo, que apresenta princípios e recomendações sobre o inventário,

escavação, documentação, pesquisa, preservação, conservação, exposição e uso

do patrimônio arqueológico, assim como sobre a qualificação dos técnicos

responsáveis pela a sua proteção.

Além de sugerir a utilização de métodos de intervenção não destrutivos, a

carta de Lausanne também recomenda que as escavações devam ser executadas

de preferência em sítios condenados à destruição devido a projetos de

desenvolvimento, pilhagem ou por causas naturais, e que, em casos excepcionais,

sítios não ameaçados poderão ser escavados, porém a escavação deverá ser

parcial, preservando um setor sem alterações.

O documento de Lausanne avança em relação aos anteriores, no sentido de

que incentiva a prática multidisciplinar, colocando a proteção do patrimônio

arqueológico como resultado da colaboração entre diversos especialistas e órgãos

públicos, além de mencionar a participação do público como elemento importante

para uma “conservação integrada”. No artigo 8º, recomenda a inclusão de disciplinas

de Conservação na formação dos arqueólogos, de forma tal de acompanhar as

mudanças acontecidas nas políticas de conservação, “menos preocupadas com

escavações do que com a conservação in situ”.

O Convênio Europeu para a Proteção e Gestão do Patrimônio Arqueológico

(Londres, 1969), revisado em Malta em 199229, é um documento de caráter

obrigatório, que abrange a maioria dos itens tratados em Nova Delhi (1956). Refere

28

A Carta para a Proteção e a Gestão do Patrimônio Arqueológico, elaborada em Lausanne (Suíça), é uma iniciativa do Comitê Científico Internacional de Gestão do Patrimônio Arqueológico (ICAHM) pertencente ao Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS). Disponível em: www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Lausanne_1990.pdf

29 Este documento é conhecido também como Tratado de La Valetta, fazendo referência à

cidade maltesa onde foi elaborado. Disponível em: http://conventions.coe.int/Treaty/en/Treaties/Word/143.doc.

Page 40: TCC_Conservação Arqueológica

40

que se tomem medidas para a conservação e manutenção do patrimônio

arqueológico, “preferivelmente in situ”; e o estabelecimento de locais adequados

para o armazenamento dos materiais arqueológicos extraídos dos sítios.

Percebe-se então que a Conservação esteve sempre na pauta dos autores

que trabalham com acervos de materiais arqueológicos e também nos principais

documentos internacionais referentes à preservação do patrimônio. Preceitos

teóricos estes muito bem estabelecidos, mas que, na prática, na maioria dos casos,

não encontram espaço para se desenvolver. Historicamente, a Conservação tem

acontecido de forma extrínseca à Arqueologia, confinada aos trabalhos pós-

escavação, como as restaurações; são diminutas as iniciativas, por exemplo, de

colaboração entre conservadores e arqueólogos durante os trabalhos de campo

(COX, 2005).

Apesar das contribuições do conservador na práxis arqueológica, a grande

maioria das escavações não conta com a participação destes especialistas. Isto se

deve, algumas vezes, à falta de um suporte financeiro adequado, ou ao

desconhecimento da importância do rol que joga o conservador na escavação

(SEASE, 1994). De acordo com Fagan (2003), para que a colaboração entre

conservadores e arqueólogos ocorra de forma efetiva, estes últimos necessitam de

uma nova visão a respeito da conservação arqueológica, na qual a conservação dos

materiais deve ser prioridade no planejamento da escavação. O trabalho do

conservador deve ser visto como estratégia central do trabalho arqueológico, uma

vez que a deterioração dos materiais e a consequente perda de informações

prejudicam a pesquisa, muitas vezes chegando a comprometê-la completamente

(CRONYN, 2001).

Outra questão importante é o fato de que vivemos em uma época na qual os

recursos estão diminuindo, o que agrega importância às coleções já existentes

(BOURQUE et al., 1980). Na medida em que as possibilidades de escavação se

tornam menores, e novas estratégias e métodos de pesquisa se desenvolvem,

aumentando a probabilidade de necessitarmos do mesmo material novamente.

Desta forma, a preservação dos acervos já estabelecidos e das coleções

que estão sendo formadas hoje através das escavações atuais, se torna de

importância vital para o futuro da Arqueologia. Os materiais arqueológicos

resgatados, estabilizados e conservados nas reservas técnicas, permitirão novos

exames e interpretações no futuro, como expressa Rodgers (2004):

Page 41: TCC_Conservação Arqueológica

41

These stabilized archaeological collections will be preserved into the future, permitting reexamination and multiple interpretations of the data as our knowledge base grows through time. In addition, conservation will permit improved in-depth primary artifact interpretation, as fully conserved artifacts reveal fabrication, wear patterns, and detail impossible to detect in non-conserved artifacts. Conservation, therefore, is a critical tool within archaeology, a tool that becomes less meaningful if it is isolated, or seen as merely a technical skill that can be farmed out to the "hard sciences" (RODGERS, 2004, p. 1)

Conservação e Arqueologia, assim, se configuram como disciplinas

adjacentes e complementares, que devem coexistir para que seja alcançada, de

forma efetiva, a preservação dos acervos arqueológicos através da adequada

gestão destes bens. Os meios para a realização desta parceria são diversos, mas

todos incluem a participação integral do conservador nos projetos arqueológicos. No

capítulo a seguir, será apresentada uma iniciativa local que contemplou o trabalho

conjunto entre Arqueologia e Conservação: o trabalho de campo do sítio Guarani

PS-03 Totó.

Page 42: TCC_Conservação Arqueológica

CAPÍTULO 2. A INTERVENÇÃO IN SITU NO SÍTIO PS-03 TOTÓ

2.1 O sítio Guarani PS-03 Totó

O sítio PS-03 Totó está localizado à margem sudoeste da Laguna dos Patos,

no balneário Totó (fig. 01). A área é atravessada pelo arroio de mesmo nome e

pertence ao município de Pelotas, Rio Grande do Sul. Situado sobre uma plataforma

de areias quartzosas, o local encontra-se em uma região privilegiada, pois possui ao

mesmo tempo recursos provenientes da laguna, do arroio e da mata ciliar e de

restinga (MILHEIRA, 2008a) (fig. 02). A existência de vários ecótonos30 possibilitou

seguramente os meios de subsistência durante as distintas estações do ano, o que

facilitou a permanência nos locais durante períodos mais prolongados e tal vez a

coexistência de grupos maiores.

Figura 01: Localização geográfica do sítio PS-03 Totó, em uma área de restinga arbórea.

Adaptado de: MILHEIRA, 2008a.

30

Área de transição entre duas ou mais comunidades diferentes (ODUM,1978).

Page 43: TCC_Conservação Arqueológica

43

Figura 02: Paisagem do sítio PS-03 Totó, mostrando a desembocadura do Arroio Totó na

Lagoa dos Patos.

Autor: Mara Vasconcelos, 2010.

Identificado no ano de 2005, o sitio Totó é parte integrante de um complexo

de ocupação regional Guarani31, do qual também fazem parte outros 21 sítios

arqueológicos (MILHEIRA & ALVES, 2009). Segundo os autores, estes grupos

ocuparam o litoral sul do estado até, no mínimo, 380 + 50 A.P32. Através de datação

de carvão encontrado no local em uma estrutura de terra preta, pelo método

radiocarbônico, a idade do contexto ficou entre 530 e 40 A.P., sendo a data quando

calibrada situada entre os anos 1390 a 1440 A.D. ou 560 a 510 A.P.33 (MILHEIRA,

2008a).

As primeiras intervenções arqueológicas foram realizadas em março de

2007 (GARCIA & ULGUIM, 2008). O primeiro procedimento, após a fase do

levantamento arqueológico, foi a realização de uma coleta superficial

georreferenciada34, que registrou de forma tridimensional os materiais encontrados.

Após esta coleta, foram realizadas 60 sondagens, espaçadas de 20 em 20 metros e

31

Denominação dada à cultura das populações pré-históricas meridionais, caracterizadas, principalmente, pela fabricação de cerâmicas (PROUS, 2007).

32 A sigla A. P. significa antes do presente, que por convenção é o ano de 1950, em uma

referência à década de descoberta da datação por carbono-14 (PROUS, 2007). 33

Datação realizada no Beta Laboratory Inc., Miami, Flórida (MILHEIRA, 2008a). 34

Realizar a georreferência em uma imagem ou mapa consiste em transformar suas coordenadas conhecidas num dado sistema de referência, através da obtenção das coordenadas de Pontos de Controle, a partir de levantamentos topográficos ou GPS (ROQUE et al., 2006).

Page 44: TCC_Conservação Arqueológica

44

com profundidade máxima de 20 cm, e ainda a escavação de duas unidades. Em

um segundo momento, foram realizadas no local outras intervenções, em três áreas

delimitadas e denominadas Lócus 1, Lócus 2 e Lócus 3 (MILHEIRA & ALVES,

2009).

Durante os primeiros trabalhos de campo, foram encontrados inúmeros

vestígios que denotam uma área ampla de dispersão de materiais, de

aproximadamente 200 m de raio (MILHEIRA, 2008a). Através deste estudo inicial,

pode-se apreender que, em relação aos outros sítios identificados no litoral, o Totó

possui uma amplitude e densidade de ocorrência de materiais superior.

Dentre a gama de vestígios encontrados no período, estão fragmentos

cerâmicos, líticos, materiais faunísticos, sementes e carvões. Em maior quantidade

que outros materiais, as cerâmicas foram totalizadas em 829 vestígios, dentre

fragmentos e vasilhas semi-inteiras. Os materiais cerâmicos do sítio Totó de se

destacam por sua variedade formal e estilística, e também por uma maior

preocupação estética e tecnológica que aqueles encontrados em outros sítios

litorâneos. (MILHEIRA & ALVES, 2009).

Os materiais líticos, num total de 139 vestígios, também apresentaram maior

quantidade e variedade em relação a sítios semelhantes (GARCIA & ULGUIM,

2008). Foram encontrados lascas, afiadores em canaleta, lâminas de machado e

blocos, sendo identificados como matéria-prima o arenito friável, o arenito

silicificado, o basalto, a calcedônia, o granito e o quartzo. Conforme os autores,

estes materiais não são encontrados na região próxima ao sítio, o que pode indicar o

deslocamento acentuado ou redes sociais de troca pelos grupos que ali habitavam.

Os materiais arqueofaunísticos encontrados totalizaram 139 vestígios,

pertencentes às classes Aves, Gastropoda, Malacostrachia, Mammalia e

Osteichthyes (GARCIA & ULGUIM, 2008). Através destes materiais, puderam ser

inferidas as formas de subsistência da população. Os vestígios da arqueofauna

indicaram a existência de três atividades: captura de peixes marinhos que invadem a

laguna para reprodução ou desova; coleta de crustáceos; caça, em menor escala

(GARCIA & ULGUIM, 2008).

Os indícios encontrados na campanha arqueológica de 2007 no sítio Totó

indicaram “um conjunto artefatual mais complexo e sofisticado, se pensarmos em

termos funcionais e estilísticos” (MILHEIRA & ALVES, 2009, p.36). Somados a

estes, o fato de haverem sido encontradas estruturas arqueológicas, como

Page 45: TCC_Conservação Arqueológica

45

arquitetônicas, funerárias e de deposição de refugos, também sugere uma

diversificação no contexto arqueológico. Assim, a partir destes dados, pode-se inferir

que o sítio Totó possa ter sido uma área de assentamento denso ou ainda um local

de ocupação permanente, como uma aldeia litorânea (MILHEIRA & ALVES, 2009).

No ano de 2010, uma nova campanha foi realizada, desta vez como objeto

da pesquisa “Arqueologia Guarani em uma aldeia no litoral sudoeste da Laguna dos

Patos, Sítio PS-03 Totó”, de Aluísio Gomes Alves. Elaborada para o Programa de

Pós-graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

(MAE/USP), a pesquisa objetiva pesquisar a distribuição espacial e a variabilidade

artefatual dos vestígios arqueológicos do Totó, a partir de uma abordagem intra-sítio

(ALVES, 2010).

Nesta campanha, primeiramente, foi realizada uma sondagem próxima ao

contexto considerado como área de deposição de refugos, as margens do arroio

Totó, na qual foi identificada a existência de uma camada de solo antropogênico35,

bem definida e conservada. Devido à descoberta, o entorno da sondagem foi então

definido como o local da escavação em superfície ampla, sendo este denominado

Locus 4. Iniciada em 31 de março e finalizada em 16 de setembro de 2010, a

campanha resultou em um total de 4458 vestígios arqueológicos, sendo 2350

cerâmicos, 1487 arqueofaunísticos, 260 líticos, 205 antracológicos, 76

arqueobotânicos, 26 conquiliológicos, 52 materiais indeterminados e 2 dentes

humanos (ALVES, 2010).

Além do resgate dos vestígios arqueológicos, foram também realizadas

coletas de amostras botânicas e de sedimento. A coleta botânica foi efetuada para a

análise de fitólitos36, elementos que podem fornecer informações paleoambientais e

paleoetnográficas37 (LOCH, FARIAS & BIANCHINI, 2006). O sedimento, por sua

vez, foi coletado para a realização de dois tipos de análises, química, que pode

fornecer evidências sobre as áreas de atividade humana (LAGE, CAVALCANTE &

SANTOS, 2007), e zooarqueológica, para a identificação dos vestígios faunísticos

presentes no sítio (PACHECO, RAMOS-BRUEHMUELLER & MARTINS, 2005).

35

Derivado da ação ou atividade humana. 36

Micropartículas de sílica formadas nos espaços intercelulares da epiderme dos vegetais (LOCH, FARIAS & BIANCHINI, 2006).

37 Dados paleoambientais são referentes às relações do ser humano com o entorno e

recursos. As informações paleoetnográficas, por sua vez, dizem respeito às relações entre as populações e sua cultura material (RENFREW & BAHN, 1998).

Page 46: TCC_Conservação Arqueológica

46

A campanha de 2010 do sitio Totó acabou por se configurar como um sítio-

escola, no qual discentes de diversos cursos tiveram a oportunidade de vivenciar as

práticas arqueológicas e a interdisciplinaridade. Juntamente com estudantes de

Arqueologia, História, Museologia e Geografia, a turma da disciplina “Conservação

de materiais arqueológicos”, do curso de Conservação e Restauro da UFPel,

ministrada pelo professor Jaime Mujica Sallés, também participou do trabalho de

campo.

Posteriormente um grupo de alunos do Curso de Arqueologia da

Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e do grupo de Conservação do

Programa de Arqueologia Subacuática (PAS) da Universidad de la República de

Uruguay (UDELAR), se somaram aos trabalhos de prospecção e conservação

arqueológica. Desta forma, a equipe pode aplicar os conhecimentos construídos em

sala de aula, discutir as distintas metodologias com os demais grupos e testar

diversos procedimentos de conservação in situ resultado do levantamento da

bibliografia específica.

2.2 A intervenção in situ no sítio Totó

A participação da equipe da Conservação e Restauro teve início em 31 de

março de 2010, juntamente com o trabalho de campo. Assim, o grupo de

conservadores pode acompanhar o processo arqueológico de campo desde o

princípio, e participar de todas as etapas anteriores ao resgate, como a limpeza do

terreno, demarcação das quadrículas, construção da malha e topografia, para então

dar início à escavação.

Assim que os materiais eram encontrados, procedia-se à plotagem, ou seja,

a demarcação do local onde o vestígio foi localizado a partir de dados como a

altimetria, orientação, inclinação e posição na quadrícula. Após as medições, o

material era coletado e, se necessário, sofria intervenção de conservação. A equipe

de conservação optou por realizar procedimentos guiados pelo princípio da mínima

intervenção, que não prejudicassem posteriores análises.

Conforme o arqueólogo Aluísio Alves, o sítio Totó serviu de local para

discussão, reflexão e aplicação de procedimentos relacionados à Conservação:

Page 47: TCC_Conservação Arqueológica

47

De forma geral, as discussões e levantamentos bibliográficos procuraram caracterizar informações referentes às fragilidades e especificidades dos diferentes vestígios arqueológicos (cerâmica, lítico, arqueofauna, arqueobotânico, antracológico, etc.), das condições do terreno e a influência das variações ambientais, das metodologias de estabilização e consolidação dos artefatos, assim como questões ligadas ao armazenamento, transporte e acondicionamento dos mesmos (ALVES, 2010, p. 66).

A seguir, serão detalhadas algumas técnicas e procedimentos gerais de

conservação in situ, para então serem descritos e analisados os procedimentos

realizados pela equipe de Conservação e Restauro da UFPel no sítio Totó38.

2.2.1 Testes e análises

2.2.1.1 Materiais ósseos

Anteriormente à consolidação dos fragmentos ósseos resgatados, foram

realizados testes com os produtos consolidantes, para verificação do

comportamento dos materiais (fig. 03). Paraloid B-7239 a 20% e o Primal B-60A40

a 10% em materiais ósseos encontrados em superfície (fig. 04).

Após a realização dos testes, o adesivo consolidante Paraloid apresentou

boa penetração e secagem rápida, devido à evaporação da acetona. Testes

realizados com o bisturi demonstraram que o adesivo confere boa resistência ao

material ósseo. Após a secagem, entretanto, conferiu aspecto brilhoso à superfície.

O adesivo Primal, por sua vez, não penetrou com facilidade no material, e

apresentou secagem demorada, pelo fato de ter a água como solvente, mas

apresentou menos brilhoso após a secagem. Os testes de pressão com bisturi

demonstraram que o Primal oferece menos resistência que o Paraloid ao material:

38

Todas as informações referentes aos procedimentos realizados in situ no sítio Totó foram extraídas dos relatórios apresentados na disciplina Conservação de Materiais Arqueológicos, no primeiro semestre do ano de 2010, de autoria de Ana Paula da Rosa Leal, Claudia Fontoura Lacerda, Consuelo Vaz Robe, Fabiane Rodrigues Moraes, Maicon Einhardt Garcia, Paula Wiener Reisser, Ricardo Jaekel dos Santos, Verônica Coffy Bilhalba dos Santos e da autora.

39 O Paraloid B-72 é uma resina acrílica, polímero sintético, copolímero de matacrilato de

etilo e acrilato de metila, solúvel em tolueno, etanol, acetona. É um consolidante de grande estabilidade, boa reversibilidade, e resistente á degradação microbiológica (CALVO, 1997). Forma filmes claros e bastante flexíveis. É uma das resinas mais estáveis para uso geral em conservação (BURGI; MENDES; BATISTA, 1990).

40 O Primal é uma emulsão acrílica de baixa viscosidade à base de água.

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48

quando pressionado, o instrumento rompeu a barreira do adesivo e penetrou no

osso.

Figura 03: Testes de consolidação em material ósseo.

Autor: Verônica C. Bilhalba dos Santos, 2010

Figura 04: Material ósseo após os testes de consolidação.

Autor: Verônica C. Bilhalba dos Santos, 2010.

2.2.1.2 Materiais metálicos

Foram realizados testes de limpeza eletrolítica, técnica eletroquímica que

consiste na montagem de uma célula eletrolítica – dois eletrodos em uma solução

que conduz eletricidade, denominada eletrólito – colocando o objeto como cátodo.

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49

Ao aplicar uma corrente elétrica externa ao sistema, ocorrem reações de oxidação e

redução: o ânodo, de carga positiva, atrai os íons de carga negativa e se oxida; o

cátodo, de carga negativa, atrai os íons de carga positiva e se reduz, fazendo com

que a corrosão retorne ao seu estado metálico (HAMILTON, 1998).

Para o experimento, foram utilizados três pregos e um “pé de banheira”,

metais coletados em campo, mas que haviam sido descartados, sendo que somente

um prego teve o processo de limpeza finalizado. O eletrólito foi preparado com soda

cáustica e água, em concentração de 1% (60g de soda para 6 l de água). O objeto

foi pesado e então submetido à eletrólise por 4h e 10 minutos (fig. 05 e fig. 06). Após

o término do processo, a concreção restante foi retirada com o auxílio de bisturi e o

prego foi novamente pesado. O peso inicial, de 4,9 g, passou para 3,2 g, havendo

uma redução de 1,7 g.

Figura 05: Testes de limpeza eletrolítica com materiais metálicos.

Autor: Verônica Coffy Bilhalba dos Santos, 2010.

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Figura 06: Elemento metálico após limpeza eletrolítica.

Autor: Verônica Coffy Bilhalba dos Santos, 2010.

2.2.1.3 Solo

De acordo com Porto Tenreiro (2000), é muito importante conhecer as

características do solo a ser escavado, pois deste modo podemos conhecer as

condições do meio e prever as alterações que os materiais irão sofrer após o

resgate. Segundo a autora, o conhecimento de fatores como a composição, a

granulometria, a estrutura, a permeabilidade, o grau de umidade, a presença de sais

solúveis, o valor do pH, etc., são decisivos para a escolha dos tratamentos de

conservação a serem dispensados.

No sítio Totó, com a escavação e os procedimentos de conservação in situ

já em andamento, foram realizadas medições de pH em quatro quadrículas, uma de

cada nível– a saber quadrícula 12.15 do nível 1, quadrícula 10.15 do nível 2,

quadrícula 8.10 do nível 3 e quadrícula 7.10 do nível 4. Em provetas de 100 ml,

foram colocados 10 ml de sedimento e 90 ml de água destilada. O sedimento foi

decantado e teve seu pH verificado através da utilização de fitas medidoras. Em

todos os níveis do solo, as medições indicaram o pH 6, que pode ser caracterizado

como ligeiramente ácido.

Page 51: TCC_Conservação Arqueológica

51

2.2.2 Planificação

A equipe de conservação não participou do planejamento da escavação,

iniciando sua participação a partir do primeiro dia do trabalho de campo.

2.2.3 Resgate

O resgate consiste no processo de retirada do objeto do solo (LORÊDO,

1994). A princípio, trata-se de um procedimento simples, mas que deve ser realizado

de forma cuidadosa e precisa. Em determinados casos, quando o objeto encontra-se

muito fragilizado ou deteriorado, faz-se necessária a utilização de métodos de

resgate específicos, como o levantamento em bloco, o enfaixamento ou engazado, e

o resgate em suportes rígidos (LACAYO, 2001; LORÊDO, 1994; GARCÍA & FLOS,

2008).

Todas as técnicas de resgate têm como objetivo oferecer maior sustentação

ao objeto a ser removido do solo. O resgate em bloco consiste na extração do objeto

juntamente com uma porção de terra ao seu redor, apoiando o sistema em um

suporte rígido a fim de oferecer maior sustentação (fig. 07). É utilizado em casos de

remoção objetos frágeis e/ou nos quais necessitem manter a peça em seu contexto.

Pode também ser utilizado em caso de um conjunto de objetos não identificados,

para os quais existe a necessidade de um microescavação posterior em laboratório

(CRONYN, 1990).

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52

Figura 07: Imagem ilustrativa do resgate em bloco.

Fonte: INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991, p. 10.

O enfaixamento ou engazado consiste na aplicação de um suporte têxtil,

geralmente gaze ou faixas de algodão de trama e urdidura bem abertas, e um

adesivo (fig. 08) (GARCÍA & FLOS, 2008). Os adesivos devem ser reversíveis e de

alta densidade, para que transpassem o tecido, mas não penetrem no objeto. Este

tipo de sistema é indicado para artefatos intactos, mas que apresentam rachaduras,

ou ainda para peças fragmentadas cujos fragmentos encontram-se nos respectivos

lugares. Em caso de objetos muito fragmentados, as ataduras ou gazes podem ser

revestidas por camadas de gesso, sendo então o processo de resgate denominado

backing (LORÊDO, 1994).

Figura 08: Imagem ilustrativa do resgate do tipo enfaixado/engazado.

Fonte: INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991, p. 10.

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53

Para o resgate em suportes rígidos, por sua vez, é aplicado sobre a peça

uma máscara ou molde, que pode ser de gesso, espuma poliuretano ou resina de

poliéster, reforçada com fibra de vidro (fig. 09). A utilização de espuma ou resina

requer a proteção dos objetos com plástico ou alumínio, em função da toxicidade

dos materiais (GARCÍA & FLOS, 2008).

Figura 09: Imagem ilustrativa do resgate em suportes rígidos.

Fonte: INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991, p. 10.

Para alguns materiais ósseos encontrados no sítio Totó, houve a

necessidade da realização de uma metodologia de resgate específica. Em alguns

fragmentos nos quais não era perceptível a integridade do material em sua

totalidade, foi realizado o resgate em bloco antecedido de consolidação (fig. 10 e fig.

11), para posterior identificação dos vestígios em laboratório. Alguns materiais

ósseos também tiveram que ser consolidados antes mesmo do resgate,

procedimento que será descrito no item 2.2.3.

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54

Figura 10: Consolidação de bloco de sedimento para resgate.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

Figura 11: Resgate em bloco de fragmentos ósseos após consolidação.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

2.2.4 Limpeza

García & Flos (2008) categorizam as técnicas de limpeza em três tipologias:

mecânica, física e química. Por limpeza mecânica, compreende-se a retirada da

sujidade do objeto através do uso de um instrumento adequado, como escovas,

pincéis, bisturis, espátulas e brocas elétricas. Por limpeza física, caracterizam-se os

métodos que utilizam a aplicação de água, calor ou energia. A limpeza química, por

sua vez, consiste na utilização de substâncias que modificam a composição dos

Page 55: TCC_Conservação Arqueológica

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produtos da sujidade, tornando-os solúveis e, consequentemente, facilmente

removíveis.

É importante ressaltar que, assim como a escavação, a limpeza é uma

operação intervencionista e irreversível (CRONYN, 1990). O critério de escolha do

tipo de limpeza a ser realizada e o grau de intensidade desta está diretamente ligado

aos objetivos da pesquisa arqueológica: pecas que tem como destino a exposição

geralmente serão submetidas a um processo de limpeza mais aprofundado que

materiais que serão utilizados para fins de publicação, por exemplo.

Em campo, a priori, a limpeza deve ser executada de forma mecânica,

objetivando somente a remoção superficial das sujidades (LORÊDO, 1994). O

sedimento deve ser removido apenas de forma parcial, sendo retirado somente o

necessário para identificar forma, tamanho, componentes e estado de conservação

do objeto. Mantê-lo junto ao objeto possibilita a extração de mais informações a

respeito do contexto no qual o objeto foi encontrado, além de auxiliar na

conservação através da preservação do microclima original (GARCÍA & FLOS,

2008).

No sítio Totó, a maioria dos materiais não sofreu intervenção de limpeza,

sendo os objetos mantidos juntamente com o sedimento, porém em quantidade não

suficiente para manter o microclima. A limpeza mecânica foi efetuada em alguns

materiais, nos quais era necessária para que a consolidação pudesse ser realizada

de forma eficaz.

2.2.5 Consolidação

A consolidação consiste no tratamento destinado a devolver a coesão ou

consistência aos materiais fragilizados em sua estrutura (CALVO, 1997). Em campo,

muitas vezes é necessário realizá-la ates mesmo do resgate do objeto, nos casos

em que o estado de degradação é tão avançado que a simples remoção do local de

origem pode destruir a peça. Este é o caso do acima citado método do engazado,

que se utiliza de adesivos consolidantes41 para que o objeto não sofra nenhuma

desintegração no momento da extração.

41

Produtos ou substâncias que servem para preencher os poros ou espaços vazios de um objeto, e desta forma devolver a resistência mecânica e a estabilidade a um objeto. São compostos

Page 56: TCC_Conservação Arqueológica

56

Os consolidantes são compostos de podem ser naturais ou sintéticos, de

alta ou baixa densidade. A escolha do produto e do modo de aplicação – por

impregnação, gotejamento, pulverização ou injeção – dependerá das características

tipológicas do material e de seu estado de conservação. De um modo geral, para

objetos úmidos ou molhados devem ser utilizados consolidantes à base de água,

como o PVA42 e o Primal B-60A, e para peças secas consolidantes à base de

emulsões não aquosas, como o Paraloid B72 e o Acryloid B72 (LACAYO, 2001).

A consolidação dos materiais arqueológicos in situ possui caráter provisório,

sendo continuada e finalizada em laboratório (GARCÍA & FLOS, 2008). Por esse

motivo, as intervenções devem ser pontuais e, até certo ponto, reversíveis43. Outro

fator importante diz respeito às análises: nenhum consolidante deve ser aplicado em

objetos que serão submetidas a exames, pois os adesivos irão contaminar a

amostra e impossibilitar a realização dos mesmos (SEASE, 1994).

No Totó, a consolidação foi realizada apenas em materiais cerâmicos e

ósseos que apresentassem rachaduras e/ou que necessitassem de intervenção para

serem resgatados em sua integridade física. Foram utilizados como consolidantes o

Paraloid B72 em concentração 5%44, para materiais secos (fig. 12), e o Primal B-

60A em concentração 10%45, para materiais úmidos (fig. 13). Os materiais foram

consolidados por impregnação, através do uso de instrumento conta-gotas.

Alguns materiais cerâmicos foram reintegrados ainda in situ (fig. 14). Para a

colagem de fragmentos, foi utilizado também o Paraloid, porém em concentração

de 20%, a fim de conferir maior estabilidade à reintegração. Materiais ósseos que se

encontravam em avançado estado de degradação tiveram que ser consolidados

antes mesmo do resgate, sendo somente retirados do solo após a secagem do

consolidante (fig. 15).

de uma substância adesiva dissolvida em meio aquoso ou não aquoso (CALVO, 1997; GARCIA & FLOS, 2008).

42 Adesivo consolidante e ligante à base de acetato de polivinila (BURGI, MENDES E

BAPTISTA, 1990). 43

O conceito de reversibilidade na Conservação e Restauro vem sendo discutido e revisto, uma vez percebido que, embora alguns produtos sejam removíveis, acabam por deixar traços de sua utilização nos objetos.

44 Diluído em acetona.

45 Diluído em água destilada.

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57

Figura 12: Consolidação de material ósseo úmido.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

Figura 13: Consolidação de material ósseo seco.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

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Figura 14: Reintegração de fragmentos cerâmicos.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

Figura 15: Material ósseo consolidado antes do resgate.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

2.2.6 Acondicionamento e transporte

Após o término do trabalho de campo, os objetos resgatados devem ser

transferidos para o laboratório de modo adequado, para que não ocorram alterações

em sua constituição (GARCÍA & FLOS, 2008). As embalagens devem ser

confeccionadas em materiais inertes, e apresentar características proporcionais a

cada objeto, como dimensões, volume, peso, estado de conservação, etc. Além

Page 59: TCC_Conservação Arqueológica

59

disso, o acondicionamento deve garantir a estabilidade climática, através de

materiais que controlem a temperatura e a umidade relativa.

O polietileno é, por excelência, o material mais adequado para a confecção

de embalagens para materiais arqueológicos, em função de sua estabilidade. No

caso da utilização de caixas, estas devem forradas com material acolchoado, como

espuma de polietileno, para amortecer e proteger o objeto de eventuais choques ou

vibrações no momento do transporte (fig. 16 e fig. 17). Os objetos devem ser

acondicionados individualmente, ou, caso não seja possível, em grupos de acordo

com a tipologia (LORÊDO, 1994).

Figura 16: Imagem ilustrativa de embalagem de acondicionamento.

Fonte: SEASE, 1994, p. 37.

Figura 17: Imagem ilustrativa de acondicionamento para transporte.

Fonte: SEASE, 1994, p. 40.

Sacos de polietileno também são recomendados para o acondicionamento

dos objetos (fig. 18), atentando, porém, para a formação de condensação dentro da

embalagem. Peças que foram consolidadas devem receber atenção especial, pois

Page 60: TCC_Conservação Arqueológica

60

muitos produtos consolidantes não são compatíveis com materiais de embalagem

nem com altas temperaturas (SEASE, 1994).

Figura 18: Embalagem de polietileno com fecho hermético.

Fonte: INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991, p. 12.

Os materiais cerâmicos consolidados e resgatados em bloco foram

embalados em filme plástico (fig. 19). Os fragmentos cerâmicos e ósseos foram

acondicionados em sacos plásticos perfurados, e as etiquetas de identificação das

peças, inicialmente colocadas dentro da embalagem, foram colocadas em pequenos

sacos plásticos e amarradas pelo lado de fora (fig. 20). Estes procedimentos visaram

evitar a condensação dentro dos materiais de acondicionamento. Os materiais

líticos, por sua vez, foram acondicionados em embalagens confeccionadas com

plástico-bolha46 (fig. 21) e posteriormente, na falta deste material, em papel alumínio,

material com os quais também foram embaladas as amostras de carvão47.

Após o acondicionamento, em um primeiro momento, os materiais foram

armazenados em baldes plásticos, até que fosse realizado o transporte para o

laboratório. Para uma melhor organização, posteriormente as peças foram

separadas por proveniência de quadricula e tipologia, sendo então colocadas dentro

46

Os materiais líticos receberam diferente acondicionamento, pois qualquer lascamento indevido pode prejudicar a análise desta tipologia material.

47 Conforme visto em estágio curricular realizado pela autora, para o processo de datação

por termoluminescência, por exemplo, é imprescindível que os vestígios a serem analisados recebam o mínimo possível de luminosidade, sendo o papel alumínio um dos materiais indicados para a vedação.

Page 61: TCC_Conservação Arqueológica

61

de sacos plásticos maiores. É importante ressaltar que estas embalagens não foram

perfuradas, facilitando uma provável condensação.

Figura 19: Acondicionamento de fragmentos cerâmicos em bloco.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

Figura 20: Acondicionamento de fragmentos cerâmicos.

Autor: Mara Vasconcelos, 2010.

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62

Figura 21: Acondicionamento de fragmentos líticos.

Autor: Mara Vasconcelos, 2010.

2.2.7 Registro e documentação

A documentação dos processos de conservação in situ é primordial e

indispensável. Uma vez que os tratamentos serão continuados em laboratório, toda

informação a respeito dos mesmos deve ser produzida e registrada, para que se

possa ter acesso a dados como o contexto em que o objeto foi encontrado, o estado

de conservação, o método de resgate utilizado, os produtos aplicados na

consolidação, etc. Além disso, a documentação referente à conservação é parte da

vida do objeto, tornando-se também fundamental para uma posterior musealização

das coleções.

A documentação escrita pode estar acompanhada de registros gráficos e

fotográficos, mapas, plantas, dentre outros (GARCÍA & FLOS, 2008). No caso das

intervenções de conservação a campo, a utilização de uma ficha de preenchimento

simplificado agiliza a organização da informação e otimiza o trabalho de

documentação. Cada etapa ou tratamento deve ser rigorosamente registrado,

atentando para a descrição de todos os detalhes de cada processo.

De este modo, tanto los procesos de conservación-restauración de un bien arqueológico son realizados por una misma persona o por personas distintas, sin interrupción o en distintas etapas, se asegura la continuidad del proceso y se impide la pérdida de la mas mínima información sobre su secuencia (GARCÍA & FLOS, 2008, p. 143).

Page 63: TCC_Conservação Arqueológica

63

No sítio Totó, todos os procedimentos de conservação foram registrados em

fichas de intervenção e nos cadernos de campo (fig. 22 e fig. 23). Após a verificação

das necessidades acerca da conservação que a prática arqueológica trazia, o grupo

elaborou um protocolo de conservação in situ que resultou na ficha de intervenção

(ver anexo A), a fim de otimizar e documentar a aplicação dos métodos de

higienização e consolidação dos objetos. Na ficha, eram descritos os objetos

encontrados, sua tipologia, quadrícula de origem, nível de localização e

procedimentos e produtos utilizados.

Após a elaboração do protocolo, foi criada um livro-diário para descrição

pormenorizada dos procedimentos de conservação, uma vez que no protocolo não

havia local para detalhamento das informações. O preenchimento do livro,

entretanto, foi abolido a certa altura do trabalho, por estar tornando lento o ritmo da

escavação e o processo de conservação dos materiais resgatados.

Figura 22: Fichas e livro-diário em laboratório de campo.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

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64

Figura 23: Documentação dos procedimentos in situ.

Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.

2.3 Análises em laboratório

A fim de verificar a influência das intervenções de conservação in situ

realizadas no sítio PS-03 Totó, foram analisadas, no laboratório onde se encontram

em fase de processamento, algumas das peças tratadas. A escolha para análise foi

aleatória, não obedecendo a nenhum critério pré-estabelecido, e de caráter

ilustrativo, ou seja, teve como objetivo apenas a demonstração da validade dos

métodos, e não o exame dos todos os materiais que sofreram intervenção.

2.3.1 Materiais cerâmicos

Dentre os vestígios arqueológicos, a cerâmica se constitui como um dos

grupos mais importantes, devido a sua abundância nas escavações (SANZ

NAJERA, 1988). Na campanha de resgate arqueológico do sitio Totó em 2010 não

foi diferente: os fragmentos cerâmicos formaram a maior parte dos achados –

aproximadamente 52% do total de vestígios.

Conforme abordado no capítulo 1, as cerâmicas se configuram como um dos

materiais arqueológicos mais resistentes e estáveis, mas podem apresentar

problemas de deterioração, em função de seu material de constituição e das

características do ambiente. No sítio Totó, os fragmentos cerâmicos se encontravam

Page 65: TCC_Conservação Arqueológica

65

em bom estado de conservação. Isso se deve ao fato de a cerâmica ser um material

resistente e estável, características resultantes de seu processo de elaboração

(SANZ NAJERA, 1988).

Foram analisadas posteriormente em laboratório três peças de material

cerâmico que sofreram intervenção de conservação in situ – peças de numeração

10, 15 e 34. Além da realização de registro fotográfico, foram observados o aspecto

e estado de conservação dos fragmentos, sendo estes então analisados em relação

ao tipo de tratamento efetuado.

A peça de número 10 foi reintegrada in situ, conforme procedimento

demonstrado no item 2.2.3 deste capítulo. O estado atual de conservação do objeto

é bom: a peça se encontra consolidada e estável, porém com aspecto

esbranquiçado, este já observado após a secagem do material em campo (fig. 24).

Através do uso da lupa estereoscópica, pode-se visualizar que o adesivo

consolidante não penetrou no material, ficando aderido somente à superfície. Neste

caso, a alta concentração do consolidante acarretou a rápida evaporação do

solvente, no caso a acetona, e o adesivo acabou por secar antes de penetrar no

material48. O mesmo aconteceu com a peça n 34, que também recebeu tratamento

de consolidação em campo (fig. 25).

De acordo com Sease (1994), em climas quentes e secos a acetona evapora

com rapidez, e deve ser substituída por solventes menos voláteis, como o tolueno.

Caso isso não seja possível, a autora recomenda que consolidação deve ser feita

em períodos do dia mais frescos, como pela manhã; outra solução é embalar o

objeto em folha de alumínio após a aplicação do consolidante, procedimento que

auxilia na diminuição da velocidade de evaporação da acetona.

48 Sease (1994) recomenda que, no caso de objetos secos, a concentração do consolidante

deve ser, nas primeiras camadas, baixa, entre 3 e 4%, aumentando para entre 7 e 10% nas camadas

posteriores.

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66

Figura 24: Peça n 10 após intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

Figura 25: Peça n 34 após intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

A peça número 15 (fig. 26), dois fragmentos, apresenta ótimo estado de

conservação, sem a presença de manchas e bem consolidada. O tipo de

consolidante, no entanto, não foi informado na ficha de intervenção nem na etiqueta

que acompanha o objeto, o que não tornou possível a análise dos resultados do

tratamento.

Page 67: TCC_Conservação Arqueológica

67

Figura 26: Peça n 15 após intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

2.3.2 Materiais ósseos

O estado de conservação dos ossos está diretamente relacionado às

características do solo no qual se encontram enterrados (CAMPILLO, 1987; PORTO

TENREIRO, 2000; BOUZAS & LABORDE, 2003). No sítio Totó, as análises de pH

indicaram um meio ligeiramente ácido que, combinado ao clima úmido característico

da região, tornam o solo prejudicial aos materiais orgânicos, especialmente os

ossos. Solos ácidos atacam o componente mineral dos materiais ósseos,

provocando a perda da rigidez; locais com excesso de umidade, por sua vez,

decompõe a parte orgânica, acarretando em sua decomposição49.

De acordo com Sanz Najera (1988, p. 70), “la conservación de huesos

pasara casi siempre por la necesaria impregnación con consolidantes reversibles”.

No Totó, optou-se pela realização da consolidação in situ devido à fragilidade e

avançada deterioração de alguns materiais. Metodologias referentes ao resgate e

acondicionamento também fizeram com que estes chegassem ao laboratório

estabilizados e em bom estado, em comparação a materiais ósseos que não

sofreram intervenção.

49

Os ossos são constituídos basicamente por um componente orgânico, a osseína, e por um componente inorgânico, composto por fosfato de cálcio, carbonato de cálcio e fluoreto de cálcio (PORTO, 2000).

Page 68: TCC_Conservação Arqueológica

68

Foram analisadas em laboratório seis peças de material arqueofaunístico:

cinco que foram consolidadas in situ e uma que não sofreu intervenção. As peças n

59, n 64, n 78, n 82 e n 90, consolidadas com Primal a 10% - com exceção da

peça n 64, na qual o consolidante não foi informado na etiqueta e ficha de

conservação – e acondicionadas em sedimento, encontravam-se em ótimo estado

de conservação, apresentando estabilidade e resistência (fig. 27 a fig. 32). A peça n

20, que não foi consolidada in situ, encontrava-se quebradiça e pulverulenta (fig. 33).

Figura 27: Peça n 59 após intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

Figura 28: Peça n 64 após intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

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Figura 29: Peça n 78 após intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

Figura 30: Peça n 82 após intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

Page 70: TCC_Conservação Arqueológica

70

Figura 31: Peça n 90 após intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

Figura 32: Peça n 82 acondicionada em sedimento acompanhada da etiqueta de

identificação.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

Page 71: TCC_Conservação Arqueológica

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Figura 33: Peça n 30, sem intervenção in situ.

Autor: Mara Vasconcelos, 2011.

2.3.3 Documentação

Juntamente com a análise dos objetos, foram revisadas as fichas de

intervenção in situ e o livro diário. De um total de 96 fichas, houve o extravio de 47,

nomeadamente as fichas de n 1 a 27, de n 33 a 52 e de n 71, 86. As fichas n 59,

69 e 86 não indicavam o número do objeto que sofreu intervenção. Nas fichas n 62,

63 e 80 não foi registrado o tratamento dispensado ao material. Todas as fichas

foram digitalizadas e irão integrar o banco de dados do Sítio Totó.

Page 72: TCC_Conservação Arqueológica

CAPÍTULO 3. A CONSERVAÇÃO IN SITU COMO ESTRATÉGIA PARA A

GESTÃO DOS ACERVOS ARQUEOLÓGICOS

No sistema de gestão dos acervos, todos os profissionais devem estar

envolvidos para alcançar o objetivo maior: a preservação dos bens culturais.

Gerenciar um acervo pressupõe uma série de práticas diversas, mas

interdependentes, que em suas especificidades devem refletir o todo, neste caso a

instituição de salvaguarda.

Partindo desses pressupostos, cada equipe responsável pelo gerenciamento de coleções deve produzir um trabalho constante de planejamento, por meio de projetos específicos, visando buscar recursos que viabilizem o trabalho de preservação de seu acervo (FRONER & SOUZA, 2008, p. 13).

Neste ponto, a gestão dos acervos de origem arqueológica não é diferente:

possui caráter interdisciplinar, necessitando do diálogo entre diferentes áreas para

que seja efetiva. Entretanto, as características dos acervos arqueológicos os tornam

um caso à parte, pois, além de estes incluírem não somente os artefatos, mas

também outros materiais e informações associadas, se caracterizam pela fragilidade

e acelerada degradação das coleções, causadas pela brusca mudança ambiental no

momento do resgate.

Como aponta Swain (2007), o desafio em gerenciar estas complexas

coleções abrange não somente a necessidade de metodologias específicas para

materiais específicos, mas também a de manter a relação entre os diferentes

elementos. Além disso, diferentemente de outras tipologias de coleções, os acervos

arqueológicos possuem a particularidade de se formarem ainda em campo. No

momento em que um objeto de origem arqueológica é selecionado e coletado, é

automaticamente patrimonializado, o que implica na obrigatoriedade, por lei, de sua

preservação.

Conforme referido no capítulo 1, grande parte dos acervos arqueológicos

têm sofrido as consequências do descaso e da desinformação a respeito das

práticas de preservação. Os materiais arqueológicos tem se degradado nas reservas

Page 73: TCC_Conservação Arqueológica

73

técnicas antes mesmo de cumprirem seus objetivos de pesquisa e divulgação.

Devido ao quadro atual, a necessidade de intervenções de conservação tem sido

cada vez mais sentida pelos profissionais da Arqueologia, e a presença do

conservador, consequentemente, cada vez mais requisitada.

Assim como cada vez mais os arqueólogos estão desenvolvendo uma abordagem de conservação integrada em suas pesquisas de campo, [...], o mesmo começa a ocorrer em relação à conservação preventiva em „depósitos‟ e reservas técnicas. Pressão de múltiplas naturezas – interna e externas à disciplina – deverão colocá-la, em futuro próximo, na condição de prioridade máxima da investigação arqueológica, em todas as suas etapas, do campo à exibição ao público. (LIMA & RABELLO, 2007, p.248).

Conforme afirma Alves (2010, p. 66) existe uma “latente necessidade de

conservação dos materiais arqueológicos, desde sua retirada do contexto

arqueológico”. Muitos profissionais da área, entretanto, não estão aptos a tratar dos

materiais de forma a evitar sua degradação. Lima e Rabello (2007) apontam que os

arqueólogos não possuem em sua formação aprendizados básicos sobre

conservação:

[...] por puro desconhecimento, dispensamos tratamento inadequado a materiais sensíveis e armazenamos de forma incorreta as coleções sob nossa responsabilidade, contribuindo – sem querer e sem saber – para acelerar sua deterioração (LIMA & RABELLO, 2007, p. 246).

A participação do conservador, assim, tem sido buscada por muitos

arqueólogos e pesquisadores, que veem na figura do profissional da Conservação

mais um gestor deste patrimônio. A atuação deste profissional inicia ainda na

planificação do trabalho de campo: é neste momento que são definidas as

metodologias que serão aplicadas e os materiais que serão utilizados, em função da

tipologia do sítio e dos prováveis vestígios a serem resgatados.

No caso do sítio PS-03 Totó, a equipe de conservadores não participou de

forma efetiva na planificação da escavação. Este fato implicou em um despreparo da

equipe para a realização das ações de conservação. As tipologias e quantidade de

materiais a serem resgatados não puderam ser calculadas e, como consequência,

os produtos e instrumentos necessários não puderam pensados com antecedência,

sendo adquiridos no decorrer do trabalho de campo.

Outra questão importante referente à planificação e também à conservação

diz respeito aos critérios de coleta dos materiais. No sítio Totó, em função dos

Page 74: TCC_Conservação Arqueológica

74

objetivos da pesquisa do arqueólogo Aluísio Alves, a escavação foi de ampla

superfície, e praticamente todos os vestígios encontrados foram coletados. Esta

prática, entretanto, vai de encontro à recente perspectiva que instituições e

profissionais da área começam a compartilhar: a tendência de diminuição dos

materiais resgatados, a fim de evitar o número excessivo de objetos que vem

superlotando os espaços de salvaguarda dos bens arqueológicos.

Atualmente, a arqueologia tem procurado diminuir os procedimentos exaustivos de escavação, levando-se em conta um grande número de fragmentos e objetos “perdidos” em reservas ou salas, sem nenhum tipo de estudo (FRONER & SOUZA, 2008, p. 4).

Por outro lado, preservar parte do sítio é uma estratégia importante para

possibilitar futuros estudos com eventuais técnicas analíticas mais avançadas e

menos destrutivas. Este é um dos motivos pelo qual a carta de Lausanne sugere,

como descrito no capítulo 1, que em um trabalho de campo sejam preservados

setores sem intervenção ou alteração.

Cabe ao arqueólogo determinar critérios de seleção e descarte para os

objetos encontrados, em função do projeto e objetivos, ainda na etapa de

planejamento do trabalho de campo. Assim como os profissionais da Arqueologia,

também as instituições de salvaguarda devem definir quais são os critérios para

aquisição destes acervos, devendo levar em consideração fatores como

identificação com a política institucional, tipologia e potencial informativo do objeto,

sua procedência e estado de conservação (VEGA et al, 2008).

Não é possível fugir da atribuição de valores no momento de priorizar esta ou aquela obra, este ou aquele artefato a ser preservado, esta ou aquela coleção a ser organizada. [...] Quando falamos de uma política de preservação, estamos colocando no centro do problema as decisões tomadas por pessoas e instituições: são estas decisões que determinam quais são os bens materiais culturais que devem ser preservados ou não, a quem interessam estes bens, qual o sentido deles para a cultura ou a história da humanidade (FRONER & SOUZA, 2008, p.3-4).

Lima e Rabello (2007, p. 249) relembram que é dever ético dos profissionais

da Arqueologia assegurar a preservação dos acervos arqueológicos, em especial

“das coleções por eles produzidas ou que estão sob sua responsabilidade”. Neste

âmbito, é importante lembrar que esta obrigatoriedade diz respeito também aos

aspectos legais do fazer arqueológico. Desta forma, é fundamental para a gestão de

Page 75: TCC_Conservação Arqueológica

75

preservação dos acervos arqueológicos que as condições de conservação e

salvaguarda dos materiais resgatados sejam asseguradas ainda na fase do

planejamento.

Apesar não ter participado da etapa da planificação, o fato da equipe de

conservação ter atuado no sítio Totó ativamente desde o início do trabalho de

campo, possibilitou o aprendizado das técnicas de escavação, e, em um âmbito

maior, o conhecimento das necessidades e objetivos da práxis arqueológica. Para o

profissional da Conservação que deseja se especializar na área de conservação

arqueológica, os conhecimentos básicos a respeito da prática do arqueólogo são

indispensáveis, pois é a partir desta que o conservador poderá pensar a intervenção

in situ como um fator complementar ao trabalho de campo, que contribua e não

interfira no fazer arqueológico.

O profissional que vem surgindo deste contexto pode se configurar na figura

do conservador especializado em Arqueologia bem como na do arqueólogo

especializado em Conservação, que assim, como o conservador, deve se buscar o

aprendizado teórico e prático da área na qual esta se inserindo. A compreensão de

que o conservador não intervém somente no laboratório e de que o arqueólogo não

atua unicamente no campo torna ainda mais conveniente a união destes perfis em

um só profissional (RODGERS, 2004).

As ações de conservação in situ no sítio Totó também demonstraram a

importância dos testes e análises prévias antes de qualquer intervenção. Através

dos testes de consolidação, puderam ser escolhidos os produtos e técnicas mais

adequados a cada tipologia material. A análise do pH do solo, entretanto, deveria ter

sido executada anteriormente ao início das intervenções, pois a caracterização do

solo como meio ácido é uma informação importante para a escolha dos tratamentos

e das formas de acondicionamento e armazenagem.

As intervenções de consolidação in situ foram mais bem sucedidas nos

materiais ósseos do que nos cerâmicos, nos quais ocorreu o problema da não

penetração do consolidante em algumas peças, em função do clima e da

consequente evaporação quase que imediata do solvente, o que resultou na

ocorrência de manchas na superfície dos materiais (tab. 1).

Page 76: TCC_Conservação Arqueológica

76

A escolha do produto consolidante e de sua concentração, neste caso, não

foi adequada para as características ambientais do sítio Totó. Percebe-se aí a

problemática da utilização de bibliografia estrangeira, em grande parte europeia e

norte-americana, em função da parca bibliografia brasileira a respeito do tema, e que

muitas vezes não é condizente com os fatores ambientais que encontramos no país

ou, mais especificamente, em nossa região.

[...] os critérios da Conservação Preventiva têm sofrido uma série de ajustes, em função das especificidades dos materiais existentes nos bens patrimoniais, móveis e imóveis, e das áreas nas quais estes objetos encontram-se lotados. Assim, os critérios adotados em países de clima tropical não devem ser os mesmos daqueles adotados em clima temperado: a realidade é distinta; os parâmetros são distintos; os mecanismos são distintos, portanto, a maneira de controlar cada contexto também é diferente (FRONER et al, 1997, p. 194).

Os produtos e materiais indicados pelos autores, por sua vez, nem sempre

estão disponíveis no mercado brasileiro, e quando se encontram disponíveis

possuem um alto custo. Como demonstrado na lista de materiais do anexo B, é

extenso e diversificado o rol de itens demandado pelas práticas de conservação

arqueológica. Quanto maior a heterogeneidade de tipologias, característica inata aos

Tabela 1 – Análise dos materiais cerâmicos

PEÇA

ANÁLISE PEÇA N 10 PEÇA N 15 PEÇA N 34

N DE FRAGMENTOS 2 2 2

TRATAMENTO IN SITU

REINTEGRAÇÃO CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO

PRODUTOS UTILIZADOS

PARALOID 20%

NÃO INFORMADO

PARALOID 10% E 20%

ACONDICIONAMENTO EM SACO PLÁSTICO

EM SACO PLÁSTICO

EM SACO PLÁSTICO

ESTADO DE CONSERVAÇÃO

BOM, COM MANCHAS

BOM, COM MANCHAS

BOM, COM MANCHAS

Page 77: TCC_Conservação Arqueológica

77

acervos arqueológicos, maiores e mais diversos serão ainda os insumos

necessários à intervenção in situ. Neste sentido, o planejamento auxilia na questão

da captação e organização dos recursos, sejam estes humanos ou financeiros.

Ainda assim, conforme as análises posteriores em laboratório, as peças

consolidadas in situ se encontravam, de modo geral, estabilizadas e em bom estado

de conservação. Os materiais ósseos que sofreram intervenção, por exemplo,

estavam em melhor estado que o material que não foi consolidado, como pode ser

observado na tabela 2.

Page 78: TCC_Conservação Arqueológica

Tabela 2 – Análise dos materiais ósseos

PEÇA ANÁLISE

PEÇA N 30

PEÇA N 59 PEÇA N 64 PEÇA N 78 PEÇA N 82 PEÇA N 90

N DE FRAGMENTOS

1 6 2 3 3 1

TRATAMENTO IN SITU

NENHUM CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO

PRODUTOS UTILIZADOS

- PRIMAL 10% NÃO

INFORMADO PRIMAL 10% PRIMAL 10% PRIMAL 10%

ACONDICIONA-MENTO

EM SACO PLÁSTICO

EM SEDIMENTO EM SEDIMENTO EM SEDIMENTO EM SEDIMENTO EM SEDIMENTO

ESTADO DE CONSERVAÇÃO

REGULAR ÓTIMO ÓTIMO ÓTIMO ÓTIMO ÓTIMO

Page 79: TCC_Conservação Arqueológica

Ainda a respeito da consolidação, é importante atentar para o fato que

algumas análises, como exames microscópicos, testes de datação, dentre outros,

são impossibilitadas pela aplicação dos produtos consolidantes (CAMPILLO, 1987).

Neste caso – no qual se percebe mais uma vez a importância da planificação

conjunta – conservador e arqueólogo devem decidir previamente que tipos de

análises serão efetuadas, para que sejam aplicados os protocolos de conservação

que atendam aos parâmetros necessários.

Além dos procedimentos de consolidação in situ, o acondicionamento e

transporte adequados dos materiais resgatados em campo garantem a estabilidade

destes até a chegada e processamento em laboratório. Segundo Lacayo (2001), o

objetivo de um bom acondicionamento é proporcionar a proteção adequada em três

níveis: físico, químico e biológico, devendo ser preferida a utilização de suportes

inertes, que evitem ao máximo as variações climáticas e a manipulação direta dos

objetos.

As embalagens plásticas utilizadas no sítio Totó, apesar de não serem do

material ideal indicado pela bibliografia consultada50, aparentemente, não afetaram a

estabilidade dos objetos. Medidas alternativas simples, como a perfuração dos

sacos para evitar a condensação interna, substituíram soluções que não estavam

disponíveis, como o acondicionamento com sílica gel. O acondicionamento em

sedimento dos materiais ósseos minimizou a variação climática causada pelo

resgate, auxiliando na conservação dos objetos.

No referente à documentação, a elaboração da ficha de intervenção também

não pode ser planejada, de forma que acabou por ser elaborada concomitantemente

ao trabalho de campo. Este fato resultou no “atraso” da aplicação das fichas em

campo, o que pode explicar o desaparecimento das fichas iniciais, que podem, ao

invés de terem sido extraviadas, não terem sido preenchidas. O extravio das outras

fichas se deve, provavelmente, à dificuldade de organizar e sistematizar os

documentos ainda em campo, lembrando que outras fichas e protocolos referentes à

pesquisa arqueológica também são parte da documentação, e tornam este

contingente ainda maior.

50

Sacos de polietileno com fechos herméticos (INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991; SEASE, 1994; LORÊDO, 1994; ANTONIO J. WARING, JR. ARCHAEOLOGICAL LABORATORY, 2010; dentre outros).

Page 80: TCC_Conservação Arqueológica

80

Ainda assim, a criação da ficha de intervenção uniformizou e organizou o

trabalho. O estabelecimento de um protocolo de conservação – neste caso, a

determinação dos produtos e técnicas aplicados a cada tipologia material - e a

elaboração de um diário de campo para a descrição das intervenções foram

importantes para a comunicação entre a equipe de conservação, uma vez que

diferentes equipes iam a campo em dias alternados.

Outra questão importante referente à documentação diz respeito ao registro

fotográfico. No sítio Totó, muitas das peças que sofreram intervenção não foram

fotografadas antes de serem submetidas ao tratamento in situ. Isto dificulta a análise

posterior em laboratório, pois impossibilita a comparação dos materiais antes e

depois da intervenção.

La fotografía de registro es indispensable en el proceso de documentación de bienes patrimoniales para su identificación y reconocimiento en caso de pérdida. Además, permite examinar los objetos fuera de su ambiente controlado, aporta en el conocimiento de la historia de su alteración en el plano material y estético y en un nivel de mayor especialización, sirve con propósitos de publicación (ROUBILLARD ESCUDERO In: NAGEL VEGA et al, 2008, p. 30).

Ainda segundo a autora, o registro fotográfico tem como objetivo

Permitir la identificación, obteniendo un registro tan preciso como sea posible en cuanto a textura, color, brillo/opacidad/transparencia, descripción morfológica, etc. Por tanto, en ellas lo importante no es la estética de la toma, sino que proporcione una descripción exhaustiva y sistemática del objeto, donde no se altere la descripción de sus materiales, proporción, estado de conservación y marcas de identificación (ROUBILLARD ESCUDERO op. cit., 2008, p. 30).

Percebeu-se também, neste caso, a dificuldade da realização de registro

fotográfico adequado em campo, pois este necessita de uma mínima estrutura –

base para apoio do objeto, tripé, escala de cores, fundo monocromático – para que

seja efetuado de forma correta.

Ainda que alguns procedimentos, como a escolha e aplicação dos

consolidantes e a organização da documentação, tenham que ser reavaliados, a

intervenção in situ no sítio Totó foi, de certa forma, bem sucedida. Os materiais que

sofreram intervenção chegaram ao laboratório estabilizados e em bom estado de

conservação, oferecendo ao pesquisador um tempo maior para o processamento

dos dados, sem que ocorra a deterioração dos objetos. Além disso, no futuro, a

Page 81: TCC_Conservação Arqueológica

81

preservação destes acervos permitirá que os dados sejam novamente examinados e

reinterpretados, na medida em que novos conhecimentos sejam construídos e novas

questões sejam elaboradas pelos pesquisadores (RODGERS, 2004).

Outro aspecto observado na prática realizada no sítio Totó foi a importância

da participação do museólogo a campo. Na medida em que este atua, assim como o

conservador, em todas as etapas do projeto arqueológico, obtém informações e

subsídios fundamentais à incorporação dos objetos ao acervo da instituição de

salvaguarda e à elaboração de uma exposição contextualizada.

A intervenção in situ no sítio Totó se configurou como uma iniciativa, inédita

na região e talvez no país, de aproximação entre as áreas da Conservação,

Museologia e Arqueologia, e, consequentemente, entre seus atores. Mais do que

isso, trouxe discussões que somente vêm à tona dentro do contexto da prática

conjunta, e que, de certo modo, podem ser resumidas no seguinte questionamento:

como integrar, de forma efetiva, participativa e produtiva, as atuações destas áreas?

Segundo Fagan (2003), as respostas envolvem ações diretamente ligadas

ao meio acadêmico: renovação da prática arqueológica básica, tornando a

Conservação como estratégia central das pesquisas; desenvolvimento de novos

métodos não invasivos, que minimizem a ocorrência de escavações; publicações a

respeito do tema em todos os níveis acadêmicos, inclusive antes da realização dos

trabalhos de campos, indicando estratégias de preservação dos vestígios

resgatados e dos registros associados.

Lidando com dois conceitos – Arqueologia e Preservação – que se sustentam na existência de produtos humanos em grande parte materiais ou registrados por meios materiais, o resultado é uma necessária atitude em relação às responsabilidades sobre este enorme acervo resultante dos trabalhos de Arqueologia, se os quisermos perceber sob uma ótica patrimonial (FORTUNA, POZZI & CÂNDIDO, 2001, p. 2).

Como demonstrado, as práticas de conservação in situ auxiliam diretamente

na gestão dos acervos arqueológicos, não somente em relação à preservação dos

vestígios, mas também nas questões referentes às etapas de aquisição e

documentação destes acervos. Em função do panorama atual destes acervos, a

presença do profissional da conservação também tem se tornado fundamental nas

reservas técnicas de laboratórios e museus de Arqueologia. O conservador vem se

configurando, portanto, como mais um gestor destes bens, em uma atuação que,

Page 82: TCC_Conservação Arqueológica

82

cada vez mais, se torna indispensável ao gerenciamento do patrimônio

arqueológico.

Page 83: TCC_Conservação Arqueológica

83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estado atual de degradação de grande parte dos acervos arqueológicos,

em decorrência da complexidade e variedade tipológica destes materiais, da

intensificação das pesquisas em função dos trabalhos de arqueologia de salvamento

e das más condições das reservas técnicas de museus e laboratórios, tem

comprometido as pesquisas e a salvaguarda destes bens. Por esse motivo, a

Conservação tem, cada vez mais, figurado como protagonista no sistema de gestão

destes acervos.

Apesar de leis, cartas patrimoniais e outros documentos afins já

expressarem, há muito, a preocupação com o patrimônio arqueológico e com as

práticas de preservação destes acervos, a situação real vai de encontro a estas

formulações. As condições de salvaguarda dos acervos arqueológicos configuram-

se realmente, como tem chamado alguns pesquisadores, como uma crise, no

sentido grave e aflitivo expressado por esta palavra.

Esta conjuntura tem levado os profissionais envolvidos na preservação deste

patrimônio a desenvolver uma nova visão a respeito da gestão dos acervos

originados pelas pesquisas arqueológicas. É crescente, ainda que em pequena

escala, a busca por novas formas e sentidos nos fazeres arqueológicos,

principalmente pela interdisciplinaridade, tão incentivada na teoria mas pouco

executada na prática. O trabalho desenvolvido no sítio Guarani PS-03 Totó é um dos

exemplos destas incipientes iniciativas.

No sítio Totó, percebeu-se a importância da participação dos profissionais da

Conservação nos trabalhos de arqueologia. Entretanto, para que esta aconteça de

forma efetiva, é necessário que seja compreendida como parte do projeto

arqueológico, sendo incluída em todas as suas etapas, desde o planejamento do

trabalho de resgate até a publicação dos resultados da pesquisa. Além disso,

através do projeto, compreendeu-se a relevância da colaboração entre as outras

áreas participantes, como a Museologia, a Geografia, a História, a Antropologia e a

Biologia, para a gestão dos acervos arqueológicos.

A experiência de intervenção in situ demonstrou a importância do

estabelecimento de protocolos de conservação para as distintas tipologias materiais.

Após a descrição dos procedimentos e análise dos materiais em laboratório, foi visto

que as questões referentes à planificação do trabalho de campo, à documentação

Page 84: TCC_Conservação Arqueológica

84

dos procedimentos e à organização da informação se configuram como os principais

pontos a serem melhor elaborados e desenvolvidos.

No referente ao planejamento, percebeu-se o quão fundamental é a inclusão

do profissional da Conservação nesta etapa do projeto arqueológico. A exclusão do

conservador nesta fase influenciará diretamente todas as etapas conseguintes da

preservação dos acervos, como em um efeito cascata. Faltarão recursos para a

intervenção in situ, o que acarretará no aceleramento dos processos de deterioração

em determinados materiais, fato que futuramente ocasionará a destruição total de

alguns objetos e a consequente perda do potencial informativo e expositivo dos

artefatos.

As atribuições do conservador arqueológico, assim, não se restringem aos

trabalhos de campo e laboratório. Este profissional deve participar de forma ativa

das discussões e decisões prévias à definição do projeto de resgate arqueológico.

Em realidade, todos os integrantes da equipe, incluído o conservador, devem refletir

sobre as distintas atividades alternativas à escavação, e dar prioridade à

manutenção dos materiais arqueológicos no seu local de enterramento, ou seja, à

conservação do sítio.

A importância da documentação também foi demonstrada por esta pesquisa.

Através da descrição dos procedimentos executados no sítio Totó, viu-se a

dificuldade de organização da informação originada a campo: fichas de intervenção

foram extraviadas, fato que, não fosse a elaboração do livro-diário, incorreria na

inexistência de dados a respeito de diversas intervenções in situ.

O estudo de caso demonstrou que a prática inter e multidisciplinar apresenta

algumas dificuldades, que devem ser debatidas e resolvidas de forma conjunta: cada

área cientifica possui problemáticas, metodologias e objetivos específicos e distintos,

que devem ser conciliados. Ainda assim, estas práticas devem ser incentivadas,

pois, ao proporcionar a oportunidade de diálogo entre diferentes disciplinas, este tipo

de iniciativa somente acrescenta à experiência acadêmica e profissional dos

participantes.

A realização deste trabalho também indicou que a conservação arqueológica

é uma área em plena expansão. Nos currículos dos cursos de graduação em

arqueologia começam a aparecer, ainda que timidamente, disciplinas relativas à

preservação do patrimônio arqueológico e à conservação e restauro dos vestígios,

Page 85: TCC_Conservação Arqueológica

85

dentre outros temas afins. Da fusão destas áreas do conhecimento, surge um novo

profissional, o conservador-arqueólogo ou o arqueólogo-conservador.

Como observado no estudo de caso do sítio Totó, técnicas recomendadas

pela bibliografia estrangeira de referência não se mostraram eficazes nas

intervenções realizadas a campo. Assim, para que a conservação arqueológica e a

figura deste novo profissional se consolidem no Brasil, é necessário que os

profissionais interessados na área se especializem e deem especial atenção à

pesquisa de novos métodos e, principalmente, à adaptação de procedimentos à

realidade local.

Este trabalho, assim, cumpriu seus objetivos de realização de estudo de

caso a respeito do sítio Guarani PS-03 Totó e de caracterização das intervenções de

conservação in situ. A pesquisa a respeito da conservação arqueológica, entretanto,

segue sendo objeto de estudo da autora, pois se percebeu que ainda há muito o que

discutir, refletir e propor, em termos de teoria e prática, quando o assunto é a gestão

e preservação dos acervos arqueológicos.

Page 86: TCC_Conservação Arqueológica

86

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Page 93: TCC_Conservação Arqueológica

ANEXOS

Page 94: TCC_Conservação Arqueológica

94

ANEXO A – Ficha de intervenção in situ do sítio PS-03 Totó

Page 95: TCC_Conservação Arqueológica

95

ANEXO B – Lista de materiais para a conservação arqueológica

MATERIAIS ESPECIFICAÇÃO

DOCUMENTAÇÃO

Lápis preto/ 2B

Caneta permanente (ponta fina) preto/ nº 1

Marcadores indeléveis (ponta de feltro) preto/

Marcadores indeléveis (ponta de feltro) azul/

Marcadores indeléveis (ponta de feltro) vermelho

Borracha macia

Régua 30cm

Bloco de anotações branco/médio s/espiral

Caderno pautado/pequeno

Livro de registros pautado/grande

Papel poliéster (para as etiquetas) folha

Prancheta madeira

QUÍMICOS

Detergente neutro

Água deionozida ou desmineralizada 5000ml

Água destilada 5000ml

Primal B-60/A 1000ml

Gesso 1000gr

Paraloid B-72 1380 G

Cera microcristalina 250g

Benzotriazol (BTA)

Acetona. 1000ml

Toluelo (toluol) 1000ml

Xilol 1000ml

Varsol 1000ml

Álcool etílico 1000ml

Acido cítrico

(Bi)carbonato de sódio 1000gr

PVA neutro 900ml

ACONDICIONAMENTO/TRANSPORTE

Dissecador de sílica gel 4

Page 96: TCC_Conservação Arqueológica

96

Vaselina p/ lubrificar dissecador de sílica gel Pasta

Sílica gel c/ indicador de saturação (“art-sorb”)

Sílica gel c/ indicador de saturação (“art gels”)

Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 9cmx12cm/pacote 1000un

Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 10cmx20cm/pacote

1000un

Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 20cmx30cm/pacote

1000un

Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 15cmx30cm/pacote

1000un

Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 10cmx9cm/pacote 1000un

Papel c/ reserva alcalina ou neutro Folha

Cartão c/ reserva alcalina ou neutro Folha

Recipientes plásticos redondos (misturas) comum

Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética – empilhável 30cmx20cmx10cm

Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética – empilhável 15cmx13cmx6cm

Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética – empilhável 15cmx10cmx05cm

Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética (materiais

químicos)

Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética (soluções)

Engradado plástico (transporte)

Caixas de cartão c/ reserva alcalina 23cmx33cmx12cm

Caixas de cartão c/ reserva alcalina 15x30x12cm

Caixas de cartão c/ reserva alcalina 25x30x28cm

Espuma de polietileno flocos

Papel de seda desacidificado ou c/ reserva alcalina.

Saquinhos de papel desacidificado c/ reserva alcalina 8cmx9cm

Folha de alumínio bobina

Gaze metro

Bandagem de algodão atadura/metro

Espuma de poliuretano spray

Espuma de polietileno flocos

Filme PVC bobina

Plástico “bolha” bobina

LIMPEZA

Hastes de madeira Palitos de

Page 97: TCC_Conservação Arqueológica

97

churrasco/pacote

Algodão hidrófilo pacote

INFRA-ESTRUTURA

Toldo 10mx6m

Lonil

Corda metro

Bancos desmontáveis acampamento

Mesas desmontáveis acampamento

EQUIPAMENTOS

Máquina fotográfica digital

Cartão de memória p/digital

Maleta de ferramenta grande

Martelo vidraceiro

Alicate padrão

Alicate corte

Alicate ponta fina

Jogo de chaves fenda

Jogo de chaves Philips

Jogo de chaves precisão

Fita métrica rolo regulável

Balança portátil/digital/500gr

Balança portátil/digital/5kg

Balança precisão

INSTRUMENTOS/EQUIPAMENTOS

Tesoura pequena

Tesoura média

Tesoura grande

Estiletes grande

Lupa de mão média

Cabo de bisturi nº3

Cabo de bisturi nº4

Lâmina de bisturi nº10/cx

Lâmina de bisturi nº12/cx

Lâmina de bisturi nº22/cx

Lâmina de bisturi nº24/cx

Sonda odontológicas metálica

Espátula metálica

Page 98: TCC_Conservação Arqueológica

98

Pincéis fibras naturais nº2

Pincéis fibras naturais nº6

Pincéis fibras naturais nº8

Pincéis fibras naturais nº12

Pincéis fibras naturais nº24

Trincha nº

Trincha nº

Trincha nº

Escova de cerdas macias dentes

Espátula madeira

Secador de cabelos

UTILITÁRIOS

Grau de silicone para pesagem médio

Seringa 1ml/cx

Seringa 5ml/cx

Seringa 10ml/cx

Vidro c/ tampa (de laboratório) 100ml

Tampa conta-gotas (de laboratório) bocal igual do vidro de

100ml

Balão volumétrico 100ml

Balão volumétrico 200ml

Balão volumétrico 500ml

Balão volumétrico 1000ml

Fita Ph c/indicador cx

Becker 200ml

Bastão de vidro

Pêra p/ pipeta

Pipeta 10ml

Placa de madeira ou acrílico ?

Pulverizador produtos agrícolas/500ml

SEGURANÇA

Caixa de primeiros socorros pequena

Termômetro 1

Algodão hidrófilo caixa

Band-aid caixa

Micropore 2cm largura

Gaze atadura/pacote

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Álcool gel 1000ml

Analgésico comprimidos/cx

Antitérmico comprimidos/cx

Água boricada 3% 100ml

Água oxigenada vol.10 100ml

Luvas descartáveis cirúrgica/pequena

Luvas descartáveis cirúrgica/média

Luvas descartáveis cirúrgica/grande

Máscara descartável cirúrgica

OUTROS

Sacos de lixo 30l/pacote

Sacos de lixo 100l/pacote

Panos de algodão pacote

Papel absorvente bobina

Barbante de algodão bobina

Fita crepe 2cm largura

Fita crepe 5cm largura

Fita adesiva (durex) 1cm largura

Fita adesiva (durex) 5cm largura

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