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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes Bacharel em Letras Ingls - Estudos Literrios

THE BOOK IS NOT ON THE TABLE: LETRAS DE MSICAS ESCRITAS EM INGLS POR BRASILEIROS

CURITIBA 2011

LUIZ ROBERTO SEMAN CUFLAT

THE BOOK IS NOT ON THE TABLE: LETRAS DE MSICAS ESCRITAS EM INGLS POR BRASILEIROS

Monografia apresentada como requisito parcial obteno de grau de Bacharel em Letras Ingls com nfase em Estudos Literrios, ao Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paran.

Prof. Orientadora: Dr. Luci Collin

CURITIBA 2011

Dedicado a Mel Torm, Glenn Hughes, Elton John, Greg Lake, B. J. Thomas, Klaus Meine, Stevie Wonder, Orlando Silva, Jamelo e Carlos Gardel, meus dolos vocais.

A Harold Arlen, Hoagy Carmichael, Bernie Taupin, Assis Valente, Lcio Cardim, Alfredo Le Pera e muitos outros que escreveram letras que meus dolos vocais cantaram, e que eu canto.

A Joo Motta, Maurcio Leite, Ney Haddad, Paulo P.A. Pagni, Fernando Costa, Tuco Marcondes, Hugo Hori, Paulo Zinner, Valdir Ribeiro, Mauro Braga, Ruba Pasinato, Lourival Sartori, Johhny Dionysio, Toni Rocha, Gustavo de Castro, Juliano de Castro, aos bateristas Ricarjones, Tiquinho e Juca (todos in memoriam o cu de Curitiba est cheio de estrelas barulhentas...), Beto Blues, Fabietz, Fbio Hess, Reamir Scarante, Fernando Montanari, Jos Boldrini, Rogrio Leitum e demais msicos com os quais tive a honra de dividir algum palco, em algum lugar, em algum momento mgico.

A Thiago Seman e Lucas Seman, meus filhos, msicos a quem dedico (e transmito) meu amor msica e um amor maior que a vida.

Agradecimentos

Olga Klukevicz Seman e Pedro Seman, pela vida. Monica de Castro, pelo amor. Thiago Seman e Lucas Seman, pela ajuda no 4 Movimento desta pesquisa. Selma Baptista, chanteuse extraordinaire, pela ajuda com a angstia da influncia. Prof. Dr. Luci Collin, pelo apoio e entusiasmo. A todos os mestres do Curso de Letras da UFPR, e especialmente: Prof. Dr. Lgia Negri, Prof. Dr. Mrcio Renato Guimares, Prof. Dr. Eva Cristina Dalmolin, Prof. Dr. Maria Jos Gnatta Dalcuche Foltran, Prof. Dr. Milena Ribeiro Martins, Prof Renata Praa de Souza Telles, Prof. Dr. Max Guimares, Prof. Dr. Valtencir Oliveira e Prof. Otto Winck, pelas aulas, correspondncias, papos, cobranas e inspiraes.

Aos colegas de turma de 2006 do Curso de Letras da UFPR, pela injeo de juventude e pelo respeito ao colega ancio.

RESUMO

As msicas com letras em ingls, compostas por brasileiros, e publicadas pela indstria fonogrfica nacional, tiveram seu boom produtivo no incio da dcada de 1970, at alcanar, no final dos anos de 1980, sucesso mundial com as bandas do estilo thrash metal.

Nesta pesquisa, sero abordados os aspectos contextuais dessa produo, situandoa no panorama social e poltico do Brasil nas dcadas de 1970 e 1990.

A partir da traduo de todas as letras comentadas, alm da anlise de aspectos poticos (ritmo, voz, entoao, figuras poticas, etc.), temticos e fonticos, procura-se demonstrar que essa produo foi e feita baseada principalmente em uma reproduo artificial da lngua na consulta a dicionrios e na apropriao estilstica de compositores estrangeiros.

Palavras-chave: Literatura e Msica, MPB, letras de msicas, traduo, ingls traduzido.

V

Music is your own experience, your own thoughts, your wisdom. If you dont live it, it wont come out of your horn. They teach you theres a boundary line to music. But, man, theres no boundary line to art.

Msica sua prpria experincia, seus prprios pensamentos, sua sabedoria. Se voc no a vive, ela no sair de seu instrumento. Eles te ensinam que h uma fronteira que limita a msica. Mas, cara, no h fronteira para a arte. Charlie Parker

Without music life would be a mistake.

Sem msica a vida seria um erro. Friedrich Nietzsche

Music expresses that which cannot be put into words, but that cannot remain silent.

Msica expressa aquilo que no pode ser colocado em palavras, mas que no pode ser mantido em silncio. Victor Hugo

Where words fail, music speaks.

Onde palavras falham, a msica fala. Hans Christian Andersen

"I sing my heart out to the wide open spaces I sing my heart out to the infinite sea I sing my vision to the sky-high mountains I sing my song to the free." Song is Over

"Eu canto com todo o corao imensido dos espaos abertos Eu canto com todo o corao ao mar infinito Canto minha viso s montanhas altas como o cu Canto minha cano aos livres." Acabou a msica Pete Townshend

SUMRIO

Resumo ......................................................................................................................... V 1 Movimento Let me sing... ..................................................................................... 8 2 Movimento Nothing more than feelings .............................................................. 27 3 Movimento Assaltaram a gramtica .................................................................... 31 3 Movimento Roots, bloody roots... ....................................................................... 33 4 Movimento Right now ........................................................................................... 43 Concluso ..................................................................................................................... 47 Anexos .......................................................................................................................... 51 Referncias bibliogrficas ........................................................................................... 71

7

1 Movimento Let me sing...

O incio da dcada de 1970 no Brasil marcado pelo chamado "milagre econmico" brasileiro. Com emprstimos e investimentos estrangeiros, a economia entra num perodo de crescimento surpreendente, com a criao de empregos em massa e a manuteno da inflao sob controle. No campo poltico, porm, o pas vive o clmax da intolerncia, com censura imprensa e atos violentos contra a oposio. O presidente general Emlio Garrastazu Mdici comanda uma poltica determinada a exterminar os grupos de esquerda, criando ncleos regionais de represso vinculados ao Exrcito e abrigados sob a sigla DOI-Codi (Destacamento de Operaes de Informaes e Centro de Operaes de Defesa Interna). Entra em operao ainda a Oban (Operao Bandeirantes), organizao paramilitar financiada por empresrios e composta por integrantes das Foras Armadas, Polcia Federal e polcias estaduais. Seus objetivos: a priso, tortura e assassinato dos ativistas de esquerda.

Enquanto Carlos Alberto Torres, capito da seleo brasileira de futebol levanta a Taa Jules Rimet no Mxico, um outro capito, Carlos Lamarca, monta guarda no Vale do Ribeira (So Paulo), para articular com jovens esquerdistas uma guerrilha contra o governo Mdici e os militares. Lamarca seria morto pela represso em 1971.

Trs diplomatas so seqestrados em 1970. O cnsul japons Nobuo Okuchi, o embaixador alemo Ehrenfried von Holleben e o embaixador suo Giovanni Enrico Bucher. Os trs so devolvidos com vida em troca da libertao de opositores mantidos no crcere pelo regime militar. Uma vez em liberdade, os ativistas tm de exilar-se no exterior.1

1

http://veja.abril.com.br/idade/Copa70/imagens/painel_bpolitica.htm

8

O clima da poca estava retratado nos versos proibidssimos - de Chico Buarque de Holanda na msica Apesar de voc: A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro cho, viu... (...) enquanto isso, a dupla Don e Ravel cantava aquela msica que tocava em todo canto, bem ao gosto do ufanismo verde-amarelo do regime militar: Eu te amo, meu Brasil, eu te amo, meu corao verde, amarelo, branco, azul, anil eu te amo, meu Brasil, eu te amo, ningum segura a juventude do Brasil. A retrica de ento, autoritria e militarista, estava estampada na frase (copiada dos EUA) que os outdoors exibiam em letras garrafais: Brasil, ame-o ou deixe-o (no original, USA, love it or leave it). A que o deboche 3 popular acrescentara: ...o ltimo a sair apague a luz.2

Esse era o panorama, resumido, do contexto histrico da primeira poca de foco deste trabalho. Para iniciarmos uma anlise do fato de que msicos brasileiros compuseram (na dcada de 1970) e continuaram compondo (na dcada de 1990 e nos dias atuais) letras de msica na lngua inglesa, faremos um breve resgate da trajetria da influncia estrangeira (principalmente norte-americana) na cultura popular brasileira.

Tal influncia iniciou-se de forma mais intensa a partir da entrada do Brasil na II Guerra Mundial (em apoio aos pases ento denominados Aliados). A partir dos interesses estratgicos dos EUA na no proliferao do comunismo no continente, a cultura norte-americana (e tambm dos pases Aliados) foi-se infiltrando em nosso imaginrio, tornando-se matria de consumo em larga escala. No cabe aqui detalhar outras reas de influncia do American way of life (indstria, comrcio, bens de consumo, tecnologia, etc.) na vida brasileira, por todos sabida como vasta e profunda. Mas o conhecimento da existncia de um programa em particular nos ajuda a elaborar sobre a fora dessa influncia.

2 3

Tambm gravada pelo grupo Os Incrveis. HABERT, pp. 7 e 8.

9

Durante a dcada de 1960, foi criado pelo governo dos EUA um programa com o objetivo de promover o desenvolvimento econmico mediante a colaborao financeira e tcnica em toda a Amrica Latina, a fim de evitar o surgimento de outro pas com tendncias aos ideais comunistas, como Cuba. Este plano ficou conhecido como Aliana para o Progresso (Alianza para el Progreso), e foi posto em prtica entre 1961 e 1970.

A Aliana para o Progresso duraria dez anos, projetando-se um investimento de 20 bilhes de dlares, principalmente da responsabilidade dos EUA mas tambm de diversas organizaes internacionais, pases europeus e empresas privadas. A proposta foi depois pormenorizada na reunio ocorrida em Punta del Este, Uruguai, de 5 a 17 de Agosto de 1961, no Conselho Interamericano Economico e Social (CIES) da OEA. A Declarao e Carta de Punta del Este foram aprovadas por todos os pases presentes.

No Brasil, vrias misses americanas aportaram no litoral brasileiro na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, que recebeu visitas do navio Hope, que distribua leite em p para a populao local. Na mesma cidade, foi fundado um bairro chamado Cidade da Esperana, alm da Escola Estadual Presidente Kennedy, inaugurada na ocasio de visita do senador americano Robert Kennedy Natal.

Destaca-se tambm o conhecido acordo do grupo Time/Life com a Rede Globo (detalhado nos Anexos I e II desta pesquisa), que exerceu influncia no apenas na qualidade tcnica da comunicao brasileira, mas sobretudo em sua orientao ideolgica e na montagem da grade de programao televisiva.

A produo televisiva norte-americana criava, ento, os heris de toda uma gerao brasileira que, grudada em frente telinha, assistia um desfile de atraes com costumes estranhos ao nosso cotidiano. Sanduches de manteiga de10

amendoim com gelia eram consumidos por famlias anglo-saxs; empregadas domsticas assistiam a seus televisores coloridos (cenas que assistamos em nossos televisores preto e branco); enfermeiras negras (divorciadas!) iam para o trabalho em carros luxuosos; meninos criavam ursos em seus quintais... Aparte as excelentes dublagens (por sinal, feitas pelos grandes astros do rdio, TV e cinema nacionais), nosso rico imaginrio cultural dos tipos locais e de tantas personagens ricas, contava (apenas?) com a literatura para sobreviver. Por mais que, atravs da literatura, nossa identidade cultural sobrevivesse, quando chegavam em casa (da escola, onde... liam!) as crianas eram bombardeadas pelos raios catdicos dos tubos de imagem, giravam freneticamente os seletores manuais de canais com seus plec-plec caractersticos, e somente desviavam seu olhar da telinha pela obrigao na vigilncia do nvel dos reguladores de voltagem dos televisores. Conforme Featherstone4:O processo de homogeneizao da cultura, o projeto de criao de uma cultura comum, deve ser entendido como um processo [...] da necessidade de ignorar ou, na melhor das hipteses, de refinar, sintetizar e misturar diferentes locais. [...] O fundamento no a eliminao das diferenas, os vestgios do regional e das afiliaes tnicas locais, mas a percepo do direito do Estado agir assim, o fato de que tais laos so retrgrados, desviantes e precisam ser neutralizados atravs da educao e dos processos civilizatrios.

No caso da produo cinematogrfica, o Brasil j tivera uma indstria poderosa. A Companhia Cinematogrfica Vera Cruz nasceu em Novembro de 1949, na cidade de So Bernardo do Campo SP, numa rea de mais de cem mil metros quadrados, com estdio prprio, material tcnico do mais avanado poca, e com profissionais brasileiros e estrangeiros da melhor qualidade. Nessa empresa brasileira foram produzidos filmes como O Cangaceiro de 1953, que representou o Brasil no Festival de Cinema de Cannes; Sinh Moa, que faturou o Leo de Bronze em Veneza, alm de outros. Em 1954, a Companhia entrou em declnio, tendo que repassar seu acervo a outros distribuidores. A Companhia perdeu quase

4

FEATHERSTONE, Mike. "Cultura global". In: Mike Featherstone (org.). op. cit., p. 142.

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de 60% de sua arrecadao5; alm disso, havia muita dificuldade de colocao dos filmes brasileiros no mercado internacional. Mesmo dentro do prprio territrio brasileiro a concorrncia era bastante desigual em relao aos filmes estrangeiros.

Outro grande salto de desenvolvimento do cinema brasileiro ocorreu na dcada de 1960. Com o conhecido Cinema Novo, vrios filmes ganharam destaque nos cenrios nacional e internacional. O filme O Pagador de Promessas, escrito e dirigido por Anselmo Duarte, foi premiado com a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes.

Com o lema uma cmera na mo e uma ideia na cabea, outros diretores impulsionam o Cinema Novo. Os filmes deste perodo comeam a retratar a vida real, mostrando a pobreza, a misria e os problemas sociais, dentro de uma perspectiva crtica, contestadora e cultural. Neste contexto, aparecerem filmes como Deus e o diabo na terra do Sol e Terra em transe, ambos do diretor Glauber Rocha. Outro cineasta que tambm merece destaque neste perodo Carlos Diegues, autor de Ganga Zumba.

As dcadas de 1970 e 1980 representam um perodo de crise para o cinema nacional. A crtica e os grandes problemas nacionais saem de cena para dar espao para filmes de consumo fcil, com temticas simples e de carter sexual, muitas vezes de mau gosto as pornochanchadas.

A partir desse contexto de nossa histria, o cinema nacional minguava. Uma indstria que havia sido artstica e comercialmente poderosa, rica, com autores, diretores e atores brilhantes, havia sido anulada e substituda por obras de apelo fcil, e pelas latas dos filmes estrangeiros que chegavam em malotes de avies, direto de Hollywood para as cinelndias brasileiras.5

Na dcada de 1980, os irmos Walter Hugo e William Khouri conseguiram adquirir as aes remanescentes da Cia. vera Cruz, o que possibilitou manter o acervo de filmes da empresa.

12

A Aliana para o Progresso foi extinta em 1969 por Richard Nixon, e o acordo Time/Life com a Rede Globo acabou em 1971. Mas, j era tarde demais; a influncia estrangeira grassava.

Na dcada de 1960, a msica jovem (leia-se, para adequao ao recorte, rock) brasileira era composta no incio por canes estrangeiras com verses para a lngua portuguesa (principalmente no fenmeno Jovem Guarda), sendo depois substitudas por canes com letras originais em portugus, mas com ritmo e instrumentao tpicas do rock ingls e norte-americano. ntida a presena de blocos de pensamento estrangeiro nas verses, e algumas tentativas de nacionalizao desses mesmos blocos (v. verso da msica Splish Splash no Anexo III desta pesquisa).6

Paralelo a isso, o regime poltico vigente estabelecia pesada censura no mbito criativo musical. Conforme destaca CAROCHA em seu ensaio A CENSURA MUSICAL DURANTE O REGIME MILITAR (1964-1985):

A popularizao da televiso levou consigo a msica, ao lado das telenovelas, um de seus principais produtos. Este fenmeno atingiu diretamente o mercado fonogrfico brasileiro. Paralelamente, o panorama fonogrfico brasileiro sofreu uma grande mudana institucional e de mercado, ao longo dos anos 1960. Em 1965, as gravadoras formaram a ABPD (Associao Brasileira de Produtores de Disco), visando uma atuao corporativa junto ao poder pblico. As duas conseqncias imediatas foram: a Lei de incentivos fiscais de 1967 (que permitiu aplicar o ICM devido pelos discos internacionais em discos nacionais) e a nova Lei de Direitos Autorais (em 1979), que permitiu, por exemplo, a no numerao de discos produzidos. Paralelamente a estas mudanas institucionais, ocorreu uma profunda mudana na estrutura do mercado: em 1959, em cada 10 ttulos comprados 7 eram estrangeiros.6

Enquanto isso, a MPB reagia. Cita-se a cano Baby, de Caetano Veloso, gravada por Gal Costa: Voc / precisa aprender ingls / precisa aprender o que eu sei / e o que eu no sei mais ... No sei / leia na minha camisa / Baby, baby / I love you.

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Em 1969, esta relao se inverte nas mesmas propores. Como podemos verificar pela relao de ttulos comprados na dcada de 1959 e 1969, houve um ntido processo de substituio de importaes, o mercado brasileiro passou a consumir canes compostas, interpretadas e

produzidas no prprio pas. Se o LP foi o suporte tcnico que permitiu consolidar um elenco fixo de compositores e intrpretes (cuja realizao comercial era mais garantida do que a antiga fragmentao de intrpretes dependentes de compositores), os programas musicais da TV e, sobretudo, os festivais da cano veiculados pela TV foram os veculos apropriados para apresentar novos artistas e obras perante um pblico amplo e heterogneo. No final de 1968 e incio de 1969 esse panorama sofreu uma nova transformao, quando a indstria do disco j possua capital institucional suficientemente grande para iniciar um processo de ocupao do lugar da televiso na definio dos rumos do panorama de consumo musical. A indstria do disco caminhava para uma nova racionalidade produtiva, em direo a um maior planejamento e estandardizao de seus produtos, caractersticas de uma indstria cultural j consolidada, processo que s em meados dos anos 1970 seria acompanhado pela televiso.

Nesse perodo, anterior ao nosso recorte, o pblico que seria o consumidor na dcada posterior de 1970 das canes compostas em lngua inglesa por brasileiros nascia e passava a infncia.

Conforme adolesciam, os (agora) jovens brasileiros da dcada de 1970 passavam a ter outro tipo de interesse, inerente a essa fase de crescimento humano. Os bailinhos substituam o acompanhar das sries enlatadas da televiso. Da trilha hipnotizante dos raios catdicos do aparelho de TV, o jovem voltava sua ateno para a trilha sonora, atravs das ondas do rdio.

As estaes de rdio j transmitiam msica estrangeira desde a dcada de 1930; porm, neste recorte (incio da dcada de 1970) iniciaram a transmisso de programas dedicados exclusivamente msica para jovens, em modelo inspirado nas rdios norte-americanas que transmitiam sucessos das paradas musicais14

listados em edies impressas, como a revista Billboard nos EUA. Em So Paulo, as rdios Difusora e Excelsior, e no Rio de Janeiro a Rdio Mundial (todas transmitindo ento na frequncia AM), desfilavam durante sua programao os sucessos da msica pop, numa proporo de 90% para msica estrangeira e 10% de msica popular brasileira (geralmente transmitidas durante a madrugada). Na msica estrangeira, a proporo era de 70% de msicas cantadas em ingls e os 30% restantes dividiam-se, basicamente, entre msicas italianas e francesas.

Essa influncia, principalmente a norte-americana, no imaginrio musical popular criou, nas gravadoras nacionais (que, alis, eram todas de matrizes estrangeiras - leia-se EUA), uma enorme demanda por materiais fonogrficos inditos. Por sua vez, os artistas brasileiros que, ento, pretendiam alcanar sucesso, atravs da gravao de um lbum em alguma gravadora major, se viam diante de um dilema: msica brasileira no vende, msica em ingls estoura nas paradas. Por isso, intrpretes e autores brasileiros optaram pela composio de letras de msicas em idiomas estrangeiros francs, italiano e principalrmente o ingls, que era a lngua das grandes campes nas paradas de sucesso.

Esse encadeamento de fatos acabou por criar uma nova entidade artstica: msicos brasileiros, falantes nativos do portugus, compondo, cantando e gravando na lngua inglesa. Eram em sua maioria msicos oriundos das bandas que animavam os bailes e domingueiras de clubes na dcada de 1970, interpretando sucessos internacionais.

Listamos, agora, alguns artistas brasileiros que utilizaram o ingls em suas composies. Daremos destaque a dois exemplos: o grupo Os Pholhas, que foi o primeiro a alcanar sucesso nacional, e o cantor Morris Albert, que foi o primeiro autor/intrprete a alcanar sucesso mundial em grande escala. Desses dois exemplos, faremos a anlise de uma letra de cano, bem como traaremos um

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panorama mais detalhado da carreira artstica e histria dentro do recorte desta pesquisa.

Em abril de 1972, a gravadora Copacabana lanou o disco Tell Me Once Again com um novo grupo chamado Light Reflections, que tinha a seguinte formao: B. Anderson (Guitarras e Vocais), Marc Mane (rgo e Guitarra), Billy Rogers (Bateria) e Ricky Taylor (Baixo, Piano, Sintetizador Moog) - todos brasileiros. "Tell Me Once Again" (traduzida no Anexo IV desta pesquisa) estourou dentro e fora do pas, e a banda gravou oito compactos e dois LPs em apenas cinco meses no ano de 1972. Vendeu 1 milho de cpias e fez shows em toda a Amrica Latina.

Thomas William Standen (8 de maio de 1947 23 de setembro de 1998), filho de ingleses nascido em So Paulo, comeou a cantar ainda nos anos 60 em portugus. Em 1972 adotou o pseudnimo Terry Winter. Fez grande sucesso interpretando "Summer Holiday" (traduzida no Anexo V desta pesquisa).

Dave Maclean Jos Carlos Gonsales, paulistano do bairro do Ipiranga, que comeou sua carreira em 1965 no conjunto The Snakes, que mais tarde passaria a se chamar The Buttons.7 Dave emplacou vrios hits como "Me and you", tema da novela Os Ossos do Baro, e "We said goodbye", que recebeu disco de ouro no Brasil e no Mxico.

Mark Davis comeou na msica tocando com os irmos em grupos como Os Colegiais, Os Namorados, Bossa 4 e Arco-ris e, mais tarde (em 1971), se lanou em carreira solo gravando canes em ingls (com pseudnimos como Uncle Jack e Mark Davis), sendo que como o ltimo obteve um hit com a msica "Dont Let Me Cry", em 1973. Mark Davis voltou, posteriormente, a adotar seu nome artstico original: Fbio Jnior.7

O grupo tocou em minha formatura no ento Curso Ginasial, em 1973.

16

Em 1973, quando Tarcsio Meira aparecia nas cenas romnticas da novela Cavalo de Ao ao lado de Glria Menezes, uma cano com letra em ingls servia como fundo para os dilogos: Dont Say Goodbye (traduzida no Anexo VI desta pesquisa). A msica ficou 19 semanas em 1. lugar nas paradas mas, apesar desse enorme sucesso, Chrystian ainda passava dificuldades na casa humilde da Vila Gustavo em So Paulo. Hoje, divide os palcos dos shows de msica sertaneja com seu irmo, formando a dupla Chrystian e Ralf (que tambm gravou em ingls usando o pseudnimo Don Elliot).

Em geral, os artistas aprendiam a pronunciar palavra por palavra das letras em sesses de gravao que duravam at quinze horas. "As letras eram compostas por quem no sabia nada de ingls e corrigidas por quem tinha alguma noo", diz Hlio Costa Manso, ou melhor, Steve MacLean, que fez sucesso numa carreira-solo e como integrante do conjunto Sunday.8

Ivanlton de Souza Lima comps uma balada em ingls chamada My Life (traduzida no Anexo VII desta pesquisa). Na hora de lanar o lbum pela gravadora Top Tape, teve de escolher um nome internacional. Abriu a lista telefnica de Nova Iorque e escolheu Michael Sullivan.

If you could remember foi outro grande sucesso dessa poca, na voz de Tony Stevens, pseudnimo do cantor brasileiro Jess, eleito, em 1980, melhor intrprete no Festival MPB Shell da Rede Globo com a msica "Porto Solido" (Zeca Bahia/ Ginko).

Daremos destaque agora ao primeiro grupo brasileiro a fazer sucesso significativo na dcada de 1970, com canes gravadas em ingls: o conjunto

8

MARTINS, Srgio. Revista Veja. Matria Os falsos gringos. Edio 1.621 - 27/10/1999, pp. 186/187

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musical paulistano Os Pholhas. Na pgina da banda na Internet, a histria resumida desse grupo contada assim:

No final de 1968 na cidade de So Paulo, trs rapazes: Paulo Fernandes, Oswaldo Malagutti e Helio Santisteban, haviam acabado de deixar a banda Wander Mass Group e pretendiam montar outro grupo que tivesse mais a ver com sua personalidade musical... Pouco tempo depois um grande amigo dos rapazes que estava sempre presente aos ensaios - Marco Aurlio o Lelo, sugeriu o nome PHOLHAS, que grafado com PH ficava bem original e foi logo aceito com entusiasmo por todos sem restries. Em maio daquele mesmo ano a banda fez sua estria tocando em bailes e rapidamente fixou-se como uma das melhores de So Paulo conquistando cada vez mais seguidores fiis nas suas apresentaes. Com essa crescente popularidade era inevitvel que o caminho natural das coisas fosse a gravao do 1o disco, o que tornou-se realidade em 1972 quando dois diretores da gravadora RCA Victor foram a um ensaio dos rapazes ficando impressionados com a qualidade instrumental-vocal e as composies da prpria banda, que havia optado por cantar e compor em ingls, at porque na poca a maioria da programao das rdios e TVs era de sucessos internacionais e a MPB no tinha a mesma fora como atualmente. Em setembro de 1972 os PHOLHAS lanam seu 1 LP: Dead Faces do qual foi extraido um compacto duplo com as canes My Mistake, Pope, Shadow of love e My first girl, que chegou ao 1o lugar das paradas em apenas 3 meses aps o lanamento, vendendo a fabulosa quantia de 450.000 cpias! Isso lhes rendeu o primeiro disco de ouro da carreira. O grande pblico chegou at a pensar que os PHOLHAS fossem um grupo estrangeiro, mas sempre fizeram questo de explicar que eram apenas 4 msicos brasileiros cantando em ingls com o objetivo de internacionalizar seu trabalho. A seguir vieram as canes She Made Me Cry, I Never Did Before e Forever, todas com vendagem superior a 300.000 cpias, firmando os PHOLHAS como um dos maiores fenmenos musicais brasileiros o que levou a RCA em 1975 a lanar o LP Dead Faces na Espanha e em toda

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Amrica do Sul com o ttulo HOJAS dando mais um disco de ouro ao grupo.9

Conforme verbete do Dicionrio Cravo Albin da Msica Popular Brasileira:O grupo surgiu em 1968 com trs componentes. Em 1969, com a entrada de um quarto integrante, passou a adotar o nome "Pholhas". O primeiro nome do grupo foi Atlntico, logo mudado para o definitivo. Seu repertrio consistia basicamente em baladas de rock cantadas em ingls. Assinaram, em 1972, com a RCA Victor, permanecendo no selo por dez anos. Nesse perodo lanaram apenas um disco em portugus: o LP "Pholhas", de 1976. Seu ltimo LP foi editado pela PolyGram em 1985. Os maiores sucessos do grupo foram "My mistake", "She made me cry" e "Forever". Em 2001, participou de show no Boulevar em Nova Parnamirim no Rio Grande do Norte juntamente com as bandas The Fevers, Renato e Seus Blue Caps e Os Incrveis relembrando antigos sucesso da jovem Guarda.10

Em entrevista ao site www.whiplash.net, o fundador do grupo, Oswaldo Malagutti, conta a passagem do grupo de banda cover (intrprete de canes alheias) a grupo autoral:A proposta inicial era fazer covers de grupos ingleses e norteamericanos, mantendo as letras em ingls, certo? A cena da poca privilegiava os vocais em ingls? Parece que o pblico chegava a pensar que a banda era estrangeira... Oswaldo: Formamos a banda com a inteno de tocar o que a gente gostava na poca que era Beatles, Stones, The Who, mas para poder sobreviver tnhamos que fazer os "bailes", e da tinha que tocar de tudo, inclusive samba e s vezes no final "Carnaval". Ficamos nessa de 1968 at 1972, quando fomos convidados para gravar um disco na RCA. Quando e por que vocs decidiram compor material prprio?

9

MALAGUTTI, Oswaldo [pgina da Internet] www.pholhas.com.br/historia [24 Jul 2007; acessado em 20 de Abril de 2011]. Disponvel em: http://www.pholhas.com.br/ 10 ALBIN, Cravo. Dicionrio Cravo Albin da Msica Popular Brasileira. http://www.dicionariompb.com.br/pholhas/dados-artisticos

19

Oswaldo: Tnhamos vrias composies prprias na poca, todas com influncias dessas bandas. Quando fizemos o teste para gravar na RCA, eles escolheram as msicas nossas. Voc poderia nos falar um pouco sobre os LPs iniciais, cantados em ingls? As altas vendas chegaram a surpreender (positivamente)? Oswaldo: Primeiro, foi lanado o LP Dead Faces, que gerou um compacto duplo; logo em seguida, saiu o compacto simples de My Mistake, que vendeu na poca mais de 1 milho de discos.11

Sobre o processo de composio do grupo:Os Pholhas tinham um mtodo original de compor. Eles tiravam os versos de suas canes de um livro dos anos 30 chamado Ingls Como Se Fala. "A gente achava uma frase legal, copiava e depois tentava emendar com outras do mesmo livro", confessa Oswaldo Malagutti, ex-baixista do grupo.12

Transcrevemos e traduzimos a seguir a letra da cano de maior sucesso do grupo, intitulada My mistake. A msica foi lanada em setembro de 1972, primeiro como faixa do LP Dead Faces (RCA Victor), do qual foi extrado um compacto duplo com as canes My Mistake, Pope, Shadow of love e My first girl.

A descrio do processo de composio explica as principais caractersticas do poema. O uso de expresses inexistentes na lngua inglesa, e da apropriao equivocada de termos no contexto da letra (que esto em itlico na traduo abaixo, e sero explicadas em detalhe adiante) devida em grande parte a um mtodo de construo que parte de uma concepo narrativa de um falante da Lngua portuguesa, que traduz quase que literalmente um raciocnio que lhe natural, mas utilizando um artifcio o qual no domina. Observa-se no processo criativo o confronto entre blocos de pensamento versus blocos meldico-musicais.11 12

Entrevista de Oswaldo Malagutti em http://whiplash.net/materias/musicalbox/070914-casadasmaquinas.html. MARTINS, Srgio. Revista Veja. Matria Os falsos gringos. Edio 1.621 - 27/10/1999, pp. 186/187.

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Iniciamos com a anlise da letra e, na sequncia, discutiremos aspectos e implicaes ideolgicas no contedo da letra.

A letra formada por trs estrofes de quatro versos cada uma, sendo que a primeira e a terceira estrofes tm uma palavra final que deveria servir como fechamento, mas que pelo uso inadequado ao contexto (principalmente ao final da 1 estrofe), soa mais como um preenchimento de uma ponte musical que no poderia ficar sem melodia.

Como se trata de uma letra de msica, a acentuao silbica se impe muito mais pela estrutura harmnica e meldica da cano, no sendo digna de nota ao analisarmos isoladamente a letra como texto artstico.

21

A diviso silbica irregular, pois a maioria dos versos conta com sete slabas poticas, mas h uma variao deste nmero no decorrer da letra. Nota-se na escanso: There / was / a / place / that I / li / ved

No aspecto sinttico, h, neste verso, uma dicotomia. Quando praticada apenas a audio da msica, sugere-se um movimento (to leave, deixar); mas ao tomar contato com a letra escrita, v-se que o verbo utilizado foi to live (morar). Logo, percebe-se que um lugar onde o eu-lrico viveu, ou seja, o correto seria a troca do pronome that pelo indicativo where, ficando a frase da seguinte forma:

There was a place where I lived

No h um esquema rmico definido, nem assonncias que poderiam auxiliar na ligao dos versos e na fluncia rtmica.

No segundo verso, a palavra fair foi traduzida como linda, pois a pesquisa pelo termo em dicionrio da dcada de 1970 (provavelmente contemporneo ao utilizado pelos autores) encontrou a seguinte descrio em verbete:

fair: 6 esp. old use (for a woman) beautiful (LONGMAN, p.363)

Conforme o processo de composio descrito pelo autor da letra, faz sentido que a opo tenha sido pelo uso de um termo antigo neste verso.

22

A ltima palavra da primeira estrofe, everywhere, aparece completamente deslocada da coeso da letra. Com muito boa vontade, pode-se elaborar que o eulrico jamais se esqueceria das coisas que viu na vida, no importa para onde fosse; mesmo assim, sugere-se como mais efetivo o uso do termo anywhere (qualquer lugar).

No ltimo verso da segunda estrofe (refro), o eu-lrico perde a cabea e atira na mulher que o traiu. No caso, a perda da conscincia em situao de extrema emoo poderia, quando muito, ser escrita como I lost my mind. I lost my head quando minha cabea decepada; o verso traduzido Eu perdi minha cabea e atirei nela conta com a boa vontade do ouvinte/leitor.

A terceira e ltima estrofe segue com as mesmas caractersticas das anteriores, quais sejam a ausncia de rima, a irregularidade da diviso silbica e o uso peculiar de certos termos:

This was my story in the past And Ill go to reform myself I am paying for my mistake I will never be the same man again anyway

Essa foi minha histria no passado E eu irei melhorar estou pagando por meu erro eu nunca mais serei o mesmo homem outra vez de jeito nenhum

No segundo verso, o termo reform foi usado para explicitar a inteno do eulrico em corrigir-se aps o crime cometido. Mas o uso do verso to go nos parece equivocado; se fosse suprimido, a letra ganharia em acuidade. Para isso, proporamos:23

And I will reform myself

A ltima palavra, anyway, indicaria um reforo idia do penltimo verso, mas nos parece simplesmente deslocada e com a mesma inteno de preencher uma ponte musical que no poderia ficar sem melodia (como na ltima palavra da primeira estrofe).

Para ilustrar o contexto ideolgico relativo a toda produo de letras em ingls aqui pesquisada, vale citar um caso narrado por CAROCHA in A censura musical durante o regime militar (1964-1985):

Antonio Lauro, repentista cearense, enviou duas letras de sua autoria para a DCDP porque, segundo ele, queria cant-las na Feira de Santana. Mas os censores foram unnimes em declarar suas msicas de pssima qualidade musical e repletas de erros gramaticais crassos e por isso opinamos pela sua no liberao. Em casos como este, os censores acabaram atuando como crticos musicais, alm de sua funo primeira, que era a de censurar. (CAROCHA, p. 207)

As msicas compostas por brasileiros no idioma de Shakespeare na dcada de 1970 no contaram com a vigilncia sinttico/gramatical dos censores de planto, nem com a censura temtica, j que eram, em sua quase que absoluta maioria (conforme poderemos observar ao longo desta pesquisa), canes que tratavam de amores perdidos ou conquistados. Eram trabalhos produzidos por artistas que ansiavam sua insero no mercado fonogrfico de larga escala e que, portanto, no arriscavam nenhuma linha de protesto ou crtica ao regime ditatorial ento vigente, alm de cumprir uma funo alienante que era cara ao mecanismo de represso.

24

Os compositores populares de lngua portuguesa, e de reconhecido sucesso de pblico e crtica, tambm produziram canes em ingls, mas sem deixar de registrar seu protesto contra o estado de coisas da poca.

Como exemplo, nos Anexos VIII e IX desta pesquisa, traduzimos para a lngua portuguesa a cano London, London, escrita e gravada no exlio por Caetano Veloso em 1969. Vagando, sem ter aonde ir, resta ao eu-lrico procurar discos voadores nos cus de Londres... No Anexo VIII apresentamos a traduo da letra, e no Anexo IX propomos uma verso, que respeita a diviso musical e, tambm, o esquema rmico da letra original.

Na maioria dos casos, a qualidade musical das bandas brasileiras que gravaram em ingls nessa poca era baixa. A m qualidade dos equipamentos utilizados, aliados ao desconhecimento dos tcnicos de estdios fonogrficos quanto s particularidades da msica pop (como distoro [neste caso, caracterstica positiva] das guitarras, afinao dos tambores das baterias, equalizao dos timbres dos teclados eletrnicos, etc.), levava a resultados tcnicos geralmente pfios.

A sonoridade dos instrumentos era baseada na imitao das bandas internacionais, assim como o timbre de voz de alguns cantores, que em muitos casos tentavam emular os cantores estrangeiros. No caso de My mistake, por exemplo, o vocalista tentava reproduzir o timbre de voz de Robin Gibb, cantor da banda australiana Bee Gees, que gravara em setembro de 1968 a cano I started a joke. My mistake, por sinal, claramente baseada nessa cano do grupo australiano.

Vale aqui citar um artigo que trata sobre a angstia da influncia que, mesmo tratando-se de uma anlise da msica clssica, deve servir para contextualizar o uso de influncias sobre os autores presentes neste trabalho:25

O uso partilhado ou comum de materiais musicais era permitido, at mesmo encorajado, e correspondia a muitas atitudes contemporneas em relao composio musical. (.) Estas prticas [imitao do estilo de outro compositor, uso ou recomposio de melodias ou estruturas musicais j existentes] eram uma maneira aceite de modelar a prpria msica a partir da msica de um mestre do passado. Corelli adaptou para as suas sonatas temas das peras de Lully; Bach usou temas de Vivaldi, Albinoni, Corelli e Legrenzi. Estes casos no eram excepcionais.

Este uso pragmtico de material musical alheio mostra que, o conceito de originalidade tal como o concebemos hoje, no existia da mesma forma. Ele prprio histrico, s se tornou operativo num dado momento.13

A originalidade no se fazia presente nas obras analisadas neste trabalho, quer seja nos temas, no estilo e na linguagem. As obras eram uma tentativa contrria ao confronto, ao combate criativo no qual o compositor posterior realiza em obra uma resposta ao seu antecessor influente. Citando VARGAS: Nesta perspectiva entre os artistas criadores e os seus antecessores seria estabelecida, antes de mais nada esta a posio de T.S. Elliot uma relao de admirao. O que ser muitas vezes o caso.14

No final da dcada de 1970, passada a onda de sucesso, Os Pholhas voltaram sua condio de banda de baile, interpretando seus antigos sucessos em shows bastante solicitados, o que continua ocorrendo at os dias de hoje.

13

in GOEHR, Lydia, The Imaginary Museum of Musical Works, an essay in the philosophy of music, 1992, citado em: VARGAS, A. Pinho. A angstia da influncia. Artigos Meloteca, pp. 4 e 5. Portugal, 2009. 14 VARGAS, op. cit., p. 2).

26

2 Movimento Nothing more than feelings

O sonho do reconhecimento mundial foi alcanado por apenas um brasileiro: Maurcio Alberto Kaiserman, com o pseudnimo de Morris Albert, escreveu e gravou o maior sucesso brasileiro composto na Lngua Inglesa: a balada romntica Feelings.

Feelings, cano que Morris Albert comps e gravou em 1973, est entre as msicas mais executadas em todos os tempos. Chegou a ganhar verses de Frank Sinatra e Julio Iglesias. Recentemente o grupo americano Offspring, apreciado pela moada que mal tirou o aparelho ortodntico, fez uma releitura satrica do hit. A carreira de Morris Albert declinou ainda nos anos 70. Nenhuma das msicas que ele comps depois de Feelings emplacou. Mas o pior estava por vir. Nos anos 80, o compositor francs Lou Lou Gast processou Morris Albert por plgio, alegando que Feelings seria cpia de uma composio sua, Pour Toi. Morris perdeu a causa e teve de entregar 3 milhes de dlares a Gast. Nunca mais se recuperou do baque. Hoje, ele vive em Toronto, no Canad, onde dirige um estdio de gravao.15

Vale destacar que, aps o processo judicial, a autoria da cano oficialmente compartilhada com o autor francs citado acima.

Transcrevemos e traduzimos a seguir a letra da cano. A msica foi lanada como faixa do LP Feelings (Gravadora Copacabana / Beverly. R. de Janeiro, 1973).

15

MARTINS, Srgio. Revista Veja. Matria Os falsos gringos. Edio 1.621 - 27/10/1999, pp. 186/187.

27

A letra formada por trs estrofes de quatro versos cada uma (e um refro com trs versos), sendo o primeiro verso de todas as estrofes repetido o ttulo da cano, (exceto na segunda estrofe, na qual o ttulo substitudo pela palavra teardrops. A escolha desta palavra refora a assonncia da palavra face com o ttulo da cano; alm de nos querer parecer uma escolha tomada aps a deciso do autor sobre descrever as lgrimas que lhe corriam pela face.

28

A diviso silbica irregular, pois a maioria dos versos conta com cinco slabas poticas (acento na 5 slaba), mas h uma variao deste nmero no decorrer da letra.

No / thing /more / than / fee / lings

A presena majoritria de versos com cinco slabas poticas deve-se diviso musical do tema (4/4); essa diviso se encaixa bem em termos de harmonia neste tipo de diviso musical, demonstrao de que, neste caso, o autor tem maior conhecimento musical.

Observa-se, tambm neste exemplar, o confronto entre blocos de pensamento versus blocos meldico-musicais. Aqui, tambm, a acentuao silbica se impe muito mais pela estrutura harmnica e meldica da cano, no sendo digna de nota ao analisarmos isoladamente o poema como texto artstico. No h um esquema rmico definido, mas farto o uso de assonncias que auxiliam na ligao dos versos e na fluncia rtmica. O som da fricativa f, presente no ttulo, fartamente utilizado.

O uso da onomatopia wo-wo (em portugus, uou uou), to comumente utilizada em composies de diversos estilos, preenche um hiato meldico e facilita a cantabilidade da cano pelo no falante da lngua inglesa. Citando:

A letra de msica pede muitas vezes essas onomatopias musicais, esses sons que nada querem dizer e que em contrapartida nos dizem tanta coisa. Dizem pela nudez sonora desses fonemas, despidos do seu verniz dicionrio, que retornam funo primitiva de sons que so apenas sons. Quem lhes confere sentido no uma carga simblica consensualmente prefixada, mas a emoo nua e crua da voz que os entoa. Coloquei a

29

palavra primitiva de propsito, com seu duplo sentido de rudimentar e de essencial, bsico, comum a todos.16

O termo onomatopia musical aqui utilizado com licena, pois a verdadeira onomatopia musical trata da imitao de sons da natureza por instrumentos musicais, conforme definio de Raymond Monelle.17

Conforme j observamos no decorrer desta pesquisa, a temtica escolhida pelo autor da cano o amor perdido, com o forte acento romntico traduzido pelo amor que, alm de perdido, jamais ser reconquistado (como explicita o terceiro verso da quarta estrofe), que mesmo assim ser sentido por toda a vida do eu-lrico, e que ainda reforado pela negao ao reconhecimento da perda:

Feelings, Feelings like Ive never lost you And feelings like Ill never have you Again in my heart.

Com o surgimento da musica estilo discotheque no final da dcada de 1970, as composies em lngua inglesa por falantes nativos de portugus terminaram. Muitos desses msicos encontraram diferentes funes, principalmente no mercado musical como produtores, ou seguiram suas carreiras compondo e cantando em sua lngua nativa.

16 17

TAVARES, Brulio http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id=504 MONELLE, Raymond. Musical uniqueness as a function of the text. in Applied Semiotics/Smiotique applique, ed. Pascal G. Michelucci & Peter G. Marteinson; no. 4: 'Semiotics of Music/Smiotique musicale', University of Toronto, 2005, pp. 4968

30

3 Movimento Assaltaram a gramtica

O prximo movimento musical abordado em nosso recorte reconhece o estabelecimento de um fortssimo e rico repertrio de canes compostas e interpretadas em portugus, com elementos da musicalidade brasileira, ainda que com temticas e ritmos importados. O rock brasileiro comeava a parir, finalmente, seus filhos (quase) legtimos. A seguir, destacamos um breve relato da produo musical popular brasileira (leia-se rock) na dcada de 1980.

O comeo dos anos 80 no foi nada propcio para o rock. O que dominava era a MPB de FM, e apesar da relativa abertura poltica, a sombra da represso e a censura desanimavam os que tentavam ser mais ousados. A rapaziada queria que temas como amor, diverso, trabalho e famlia fossem tratados de forma mais clara. Com o rock bsico e os cabelos curtos e espetados da new wave, o rock brasileirol comea a se renovar no incio da dcada. Ligado nas novidades, o jornalista e discotecrio Jlio Barroso fundou a Gang 90 & As Absurdetes, no Rio de Janeiro. O estouro aconteceu no Festival Shell de MPB de 1981, quando tocaram "Perdidos na Selva", um reggae que fala de um acidente de avio com final feliz. Era s uma mostra do que estaria por vir nos prximos anos. Seguindo os mesmo passos da Gang 90, o integrante do grupo de teatro carioca Asbrbal Trouxe o Trombone (e a irreverncia), Evandro Mesquita, junto com o baterista Lobo, tiveram a idia de montar uma banda de rock teatral. O nome da banda foi dado por Lobo: Blitz, j que eles sempre eram parados pelas batidas policiais. A banda trouxe junto ao humor praieiro do grupo Asdrbal um rock bsico e uma dupla de belas vocalistas, Mrcia Bulco e Fernanda Abreu. No vero de 1982 abriu na praia do Arpoador um espao para shows: o Circo Voador, aonde a banda se apresentou inmeras vezes. Em junho do mesmo ano, a Blitz gravou um compacto com a msica "Voc No Soube Me Amar", que vendeu 100 mil cpias em 3 meses. Em setembro foi lanado o disco "As Aventuras da Blitz", o que transformou a banda em fenmeno nacional, mas um pouco depois do lanamento do disco, Lobo deixa a banda para lanar seu primeiro disco solo, "Cena de Cinema", com o qual comeou uma das mais importantes carreiras do rock brasileiro. Ainda em 1982 apareceriam outros artistas de relevncia, como Eduardo Dusek com seu disco "Cantando no Banheiro".

31

No mesmo ano ainda surgiria Lulu Santos, Baro Vermelho (que no foi to bem acolhido na poca) e a Rdio Fluminense, grande divulgadora das fitas K-7 e dos discos dos artistas do rock nacional. Paralelamente, em So Paulo, ocorria o festival "O Comeo do Fim do Mundo", com bandas punk como Inocentes, Ratos de Poro, Clera e Olho Seco.18

A partir de 1983, o rock ganha seu espao na Msica Popular Brasileira, fazendo com que as gravadoras perdessem o medo de contratar bandas deste gnero.19 Surgiram, ento, no mercado, bandas como Kid Abelha e Seus Abboras Selvagens, Os Paralamas do Sucesso, Ritchie, Tits, Magazine, Ultraje a Rigor, Lobo e outros. No final da dcada de 1980, o clima era de luto: em 7 julho de 1989, Cazuza havia morrido, e em 21 de agosto do mesmo ano, morreria Raul Seixas. Era o fim de uma rica, farta e monumental era do rock brasileiro.

Paralelo a todo esse movimento da produo ltero-musical em lngua portuguesa, foi-se desenvolvendo um novo estilo musical e de expresso que, por sua vez, determinou importante recorte na produo citada: o thrash metal.

Neste mesmo ano de 1989, em que fechou-se um ciclo na msica jovem nacional, uma banda de brasileiros, residentes em Minas Gerais, de um estilo musical completamente fora do mainstream do rock brasileiro assinaria um contrato com uma gravadora multinacional para distribuio de seus lbuns, com msicas compostas na lngua inglesa.

18

Texto extrado de http://www.bandas80.hpg.ig.com.br/corp.htm, com adaptaes necessrias fluncia da narrativa. 19 Na segunda metade da dcada de 1970 at o comeo da dcada de 1980, a maioria das grandes gravadoras brasileiras no contratava bandas de rock por no acreditar que houvesse procura para este estilo musical com letras em portugus no mercado; alm disso, sofriam presso de suas matrizes multinacionais para divulgar e comercializar lbuns de bandas estrangeiras do estilo. Somente gravadoras independentes publicavam e distribuam lbuns de bandas de rock brasileiras, com letras tanto em portugus quanto em ingls.

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4 Movimento Roots, bloody roots

Surgida em Belo Horizonte, no ano de 1983, a banda Sepultura nasceu quando os irmos Max e Igor Cavalera decidiram chamar seus amigos de colgio Paulo Junior e Jairo Guedz para montar uma banda. Um ano depois, num festival de bandas em Belo Horizonte, a gravadora brasileira Cogumelo Records contrata a banda. O grupo grava o lbum Bestial Devastation, gravado em apenas dois dias, e que seria lanado apenas em 1985. J em 1986, gravado o LP Morbid Visions, ainda pela Cogumelo Records. Pouco depois, o guitarrista Jairo Guedz sai da banda, sendo substitudo por Andreas Kisser. No ano seguinte, lanado o lbum Schizophrenia.

Em 1989, o Sepultura20 assinou um contrato de sete anos com a gravadora holandesa Roadrunner Records. lanado o lbum Beneath the Remains , que foi gravado em nove dias. Este LP comparado aos melhores lbuns do gnero thrash metal gravados at ento. Em 1991, a banda se apresenta no festival Rock in Rio II diante de um pblico de mais de 50 mil pessoas. So lanados ainda os lbuns Arise (1991), o EP21 Third World Posse (1992), Chaos AD (1993) e o EP Refuse/Resist (1994). Neste ano, a banda a primeira atrao do terceiro mundo a apresentar-se no prestigiado festival intinerrio Donington Monsters of Rock, mais uma vez para um pblico de mais de 50 mil pessoas. Em 1996, lanado o single Roots Bloody Roots. Mais tarde, no mesmo ano, a banda lana o lbum intitulado Roots.

Como grandes influncias no som da banda mineira, citamos as bandas Metallica, Exodus e Slayer. Por ser esta ltima uma grande influncia no som do20 21

O artigo masculino utilizado pelos prprios membros da banda. Extended play (EP) uma gravao em vinil ou CD que longa demais para ser considerada um compacto (single), e muito curta para ser classificada como lbum. Um EP tem entre duas e oito faixas e durao de 03 a 40 minutos.

33

Sepultura, inclumos a traduo da letra da msica The antichrist no Anexo X desta pesquisa. Essas bandas que influenciaram o Sepultura nasceram nos arredores de San Francisco (Califrnia, EUA), numa regio chamada Bay Area, que se tornou bero das grandes referncias da msica thrash metal.

No incio dos anos 80, a atitude urbana e a no preocupao com o visual eram diferentes em relao a tudo que acontecia em Los Angeles. As bandas de thrash metal da Bay Area subiam ao palco com roupas que no diferenciavam msicos de fs. (...) Musicalmente, a rea da baa de So Francisco e o estilo nico com que tocavam os grupos locais originaram o fenmeno do Thrash Metal da Bay Area. Andamento acelerado, agressividade e riffs para bater a cabea serviam de base para letras que vinham com tpicos tipicamente urbanos, (...) as bandas da Bay Area cantavam sobre a violncia, a vida na estrada (...) A primeira composio do Metallica, Hit the lights, exprime um pouco este costume: No h vida antes do couro / Vamos chutar alguns traseiros essa noite / Ficamos com a loucura do metal / Quando nossos fs comeam a gritar / Est claro, bem claro / Quando comeamos a agitar / No queremos nunca mais parar. (No original, em ingls: No life till leather / We are gonna kick some ass tonight / We got the metal madness / When our fans start screaming / Its right well alright / When we start to rock / We never want to stop again).22

Transcrevemos e traduzimos a seguir a letra da cano Beneath the remains, faixa do lbum homnimo do Sepultura, gravado e lanado em 1989.

22

BATALHA, Ricardo, p. 10.

34

35

Conforme definio dos prprios adeptos do estilo, o thrash metal porrada. Os maiores sucessos dos grupos do estilo so definidos como petardos. poca do lanamento de Beneath the remains, um dos elogios mais frequentes estava no uso da expresso tosco. Uma banda com um som tosco, no jargo dos fs do estilo na poca, era uma banda original, autntica. Com a evoluo tcnica (dos estdios e dos msicos), esse termo caiu em desuso.

Mas, voltando poca do lanamento, o som do lbum Beneath the remains , definitivamente, tosco (sem aspas). A mixagem bem definida, porm incompleta: so audveis apenas as guitarras (ou uma guitarra), a caixa da bateria e os vocais, estes praticamente ininteligveis sem a leitura da letra; o som do baixo ausente. As palavras so emitidas em som gutural, no havendo uma linha meldica definida. Tudo adequado ao estilo.

A letra tem dez estrofes, com diferentes quantidades de versos. A irregularidade do nmero de versos nas estrofes respeita quase que

matematicamente a diviso musical.

No h um esquema rmico definido. Aqui, tambm, a acentuao silbica se impe muito mais pela estrutura harmnica e meldica da cano, no sendo digna de nota ao analisarmos isoladamente a letra como texto artstico.

A letra estudada apresenta uma caracterstica gramatical comum a quase a totalidade da produo de letras do estilo thrash metal: a parataxe.23 Conforme destacado por MARTINS, esta qualidade gramtica auxilia no desenvolvimento do cantar da letra thrash metal, pois nesta formatao, as frases podem ser emitidas23

MARTINS, op. cit., pp. 7 e 8. Podemos concluir, portanto, que parataxe separa aquilo que a subordinao e a coordenao unem, transformando as proposies, usando os termos de Morier, em construes paralelas, independentes ou justapostas. Enfim, esta construo consiste num processo de ligao que encadeia frases, termos, sem explicitar por meio de partculas coordenativas e subordinativas a relao de dependncia ou independncia existente entre elas.

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dentro das caractersticas meldicas do estilo: rapidez, simplicidade (no desenho meldico) e fora de emisso vocal.

Para auxiliar na compreenso do conceito de fora de emisso vocal acima apresentado, destacam-se os aspectos fonticos na emisso dos sons pelo vocalista. farto o uso de fricativas, mormente a partir das velares at as glotais. Nas vogais, o som do schwa no se evidencia (mesmo em palavras nas quais seu uso seria natural), devido ao provvel posicionamento da lngua do agente emissor, que poderia ser definido como permanentemente glotal, e tambm sua condio de falante de lngua com predomnio de vogais abertas; por aproximao (nesta emisso em particular), praticamente todas as vogais soam glotais. Os sons fricativos adquirem, tambm, essa caracterstica glotal. O som do th no se evidencia, hora transformado em f, hora em t, dependendo da vogal sucessiva ou precedente por aproximao. Pelo posicionamento lingual e, talvez (tambm) pela qualidade da gravao, o som das plosivas neste exemplo tbio.

A emisso da voz chamada de gutural, pois pretende imitar uma voz demonaca, apesar do estilo thrash metal no tratar de temas demonacos. Aqui, trata-se de herana dos movimentos heavy metal, que traziam temas satnicos em suas letras24.

Nos deteremos, agora, analise da letra da cano. O

tema

segue

os

canones do estilo. Destruio da vida urbana (geralmente por desastres nucleares ou pelo fogo purificador), mortalidade, ignorncia provocada pela segregao e descaso, guerras, devastao, deslocamento do eu-lrico (contra sua vontade) a um estado de solido e violncia. Destacam-se tambm aspectos premonitrios da degradao humana e urbana, mas com falta de poder para alterar um destino que no traado por nenhuma entidade superior, mas pela ignorncia das consequncias de atos coletivos.24

Como exceo, citamos a letra de The Antichrist, traduzida no Anexo X desta pesquisa, que, apesar de pertencer ao estilo thrash metal, tem temtica satnica.

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Quanto ao contedo abordado na letra de Beneath the remains, h um interessante paralelo com outras produes textuais que tratam do mesmo tema a guerra. Destacamos a abordagem deste tema proposta por Carlos Drummond de Andrade, cotejando a letra da msica com o poema Carta a Stalingrado (in A Rosa do Povo):

Em Carta a Stalingrado:Stalingrado... Depois de Madri e de Londres, ainda h grandes cidades! O mundo no acabou, pois que entre as runas outros homens surgem, a face negra de p e de plvora...

Em Beneath the remains:Cidades em runas corpos empilhados em campos minados jogo neurtico de vida e morte agora posso sentir o fim...

Na letra da cano, a guerra um fato prximo, causado por outra pessoa que no o narrador/eu-lrico. Este, inserido na situao de conflito, narra uma histria da qual pode ser o protagonista, mas no o agente causador. No poema de Drummond, o narrador est distncia, longe dos fatos narrados, mas inserido em um contexto de destruio ao qual no pode reagir seno atravs da lamentao, e do contraste a vida continua para o indivduo, apesar de estar acabando para o coletivo.

Em Beneath the remains:No meio de uma guerra que no foi iniciada por mim depresso profunda dos destroos nucleares eu nunca pensei nisso, eu nunca pensei nisso acontecendo comigo

38

Em Carta a Stalingrado:Saber que resistes. Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.

Enquanto a persona lrica de Drummond trava uma batalha entre o eu e o coletivo uma guerra intelectual entre a paixo e o racional, numa tentativa de reconstruo da dignidade atravs da recusa a sucumbir barbrie do conflito, transformando o eu em ns o narrador da cano se afasta do coletivo e no se insere no contexto. Seu protesto exclusivo, pessoal e intransfervel. Seu encontro com o conflito se d no plano individual; ele se abstm de culpa:Mortalidade, insanidade, fatalidade voc nunca vai querer sentir o que senti mediocridade, brutalidade e falsidade apenas um mundo contra mim.

Como em T. S. Eliot, a persona lrica da cano narra um acontecimento inevitvel, como que comparecendo a um encontro marcado por algum que ele no conhece/reconhece:

A Note on War Poetry T. S. Eliot Not the expression of collective emotion Imperfectly reflected in the daily papers. Where is the point at which the merely individual Explosion breaks In the path of an action merely typical To create the universal, originate a symbol Out of the impact -- This is a meeting On which we attend Of forces beyond control by experiment -Of Nature and the Spirit. Mostly the individual Experience is too large, or too small. Our emotions Are only incidents In the effort to keep day and night together. It seems just possible that a poem might happen

39

To a very young man : but a poem is not poetry -That is a life. War is not a life : it is a situation ; One which may neither be ignored nor accepted, A problem to be met with ambush and stratagem, Enveloped or scattered.

Uma nota sobre poesia de guerra Traduo: Luiz Seman No a expresso de emoo coletiva imperfeitamente refletida nos jornais dirios, onde est o ponto no qual a meramente individual exploso se d No caminho da ao meramente tpica para criar o universal, originar um smbolo fora do impacto este um encontro ao qual comparecemos De foras alm do controle por experimentao da Natureza e do Esprito. Na maioria das vezes a experincia individual muito grande, ou muito pequena. Nossas emoes so apenas Incidentes. No esforo de manter dia e noite juntos parece apenas possvel que um poema possa acontecer para um homem muito jovem: mas um poema no poesia uma vida . A guerra no uma vida: uma situao; daquelas que no podem ser ignoradas ou aceitas, um problema a ser encarado com emboscadas e estratagemas, que nos cerca ou se espalha.

Em dezembro de 1996 Max Cavalera deixa a banda, sendo substitudo pelo vocalista norte-americano Derrick Leon Green. Mais tarde, sai da banda o baterista Igor Cavalera, sendo substitudo por Jean Dolabela. A banda continua em atividade, apresentando-se ao redor do mundo. Vrias bandas brasileiras seguiram, na esteira do Sepultura, uma trilha de sucesso internacional no cenrio do estilo thrash metal.

40

No Anexo XI desta pesquisa, traduzimos a letra de uma delas, a competente banda gacha Krisiun25.

O estilo thrash metal , nos dias de hoje, a vertente musical que mais apresenta letras de msicas compostas na lngua inglesa por nativos falantes do Portugus. Centenas de bandas compem e interpretam canes exclusivamente em ingls, sendo que a produo de letras em lngua portuguesa de pequena monta. Como exemplo de produo de letras thrash metal em portugus destacamos aquele que foi o primeiro trabalho nacional deste estilo, que trazia composies na lngua portuguesa escritas por brasileiros: o lbum Stress I, lanado em Agosto de 1982 pela banda pernambucana Stress. Outro exemplo a banda Holocausto, que produziu letras exclusivamente em portugus seus primeiros lbuns, gravados na primeira metade da dcada de 1980.

Outra caracterstica dessa produo o fato de que a mesma recorre, via de regra, ao sistema produtivo tradicional (qual seja: gravao em estdio profissional, assinatura de contrato com gravadora, gravao de mdia fsica [CD] e distribuio em lojas de discos), ao invs de seguir o caminho em direo ao ncleo produtivo virtual (produo em computadores e distribuio pela internet).

Houve tambm, na primeira metade da dcada de 1990, dois movimentos musicais em So Paulo que proporcionaram a produo de letras musicais em lngua inglesa, compostas por brasileiros.

Primeiro, uma onda de obras do estilo rock progressivo, com bandas que haviam alcanado sucesso no Brasil e exterior, ainda que em pequena escala.

25

Em muitas publicaes musicais especializadas, a banda Krisiun classificada dentro do estilo death metal. Porm a temtica de suas canes se aproxima muito quelas abordadas no estilo thrash metal. A principal diferena entre os estilos est, principalmente, na parte musical e no na temtica das letras.

41

Um exemplo a banda paulistana Quantum, que havia gravado um lbum instrumental em 1982 e que, em 1993, lanou um lbum com msicas cantadas e instrumentais.

No Anexo XII, inserimos uma letra de nossa autoria, The sword, que est presente no lbum Quantum II, de rock progressivo, lanado pela Record Runner em 1993. Este lbum foi distribudo no Brasil e em pases da Amrica Latina, Europa e sia, tendo repercutido positivamente, principalmente na Itlia, Frana e Japo, pases reconhecidamente consumidores do estilo.

Outra produo razoavelmente presente nessa mesma poca foi no estilo musical blues. O mercado teve um boom de artistas estrangeiros (principalmente dos EUA) apresentando-se no pas no comeo da dcada de 1990. Vrios festivais de blues foram patrocinados por grandes empresas e aconteceram em diversas cidades do Brasil, inclusive fora do eixo das capitais. Devido a isso, criou-se uma demanda por bandas que tocassem blues no Brasil.

Vrias bandas brasileiras comearam, ento, a compor seus prprios blues. Uma parte dessa produo foi feita em Portugus, destacando-se os artistas Blues Etlicos (do Rio de Janeiro) e Andr Christovam (de So Paulo). Mas mesmo estes renderam-se s demandas do pblico e s orientaes artsticas das gravadoras, passando a produzir na lngua inglesa. Outro destaque o msico angolano Nuno Mindelis, que gravou no Brasil farta obra no estilo blues com letras em ingls, obtendo reconhecimento e sucesso internacionais.

No Anexo XIII, inserimos mais uma letra, de nossa autoria, que se insere neste recorte. A cano Deep Blues est presente no lbum Deep Blue, do estilo blues fusion, lanado pela Castle Records em 1994.

42

5 Movimento Right now

O acesso ao conhecimento da lngua inglesa por brasileiros hoje um fator social. Isso se d atravs da proliferao do uso dessa lngua entre falantes nativos do portugus seja por reflexos da influncia cultural anteriormente citada (que por si j serviria para aambarcar a possibilidade de outras anlises), seja pela necessidade de adaptao a um ambiente social que utiliza fartamente nomes grafados na lngua inglesa, seja por fatores profissionais que impem o conhecimento de uma segunda lngua (e que essa seja, invariavelmente, a lngua inglesa, o que contribui para que esta seja formalizada como segundo idioma nacional).

Atualmente, a produo de msicas na lngua inglesa por falantes nativos brasileiros est presente, seja no underground, seja no mercado mainstream. Mas a pulverizao deste mercado, devida principalmente aos novos meios de distribuio de material cultural (seja literrio, musical, imagtico, etc.), faz com que as gravadoras no tenham mais a mesma fora notada nos Movimentos anteriores desta pesquisa.

Essa disperso de ncleos produtivos (na produo, distribuio e consumo de obra fonogrfica) marca a produo atual. As bandas no precisam mais assinar (contratos) com uma grande gravadora; basta publicar suas canes em algum website de relacionamento ou de msica (Facebook, MySpace, etc.), e sua produo instantaneamente distribuda para qualquer lugar do mundo, em tempo real.

Outro facilitador no processo de produo a proliferao de selos independentes, que dispensam contratos longos com os artistas e barateiam a produo de CDs.43

A grande surpresa dos ltimos tempos foi em 2006 com a banda brasileira Cansei de Ser Sexy, que saiu dos pores paulistanos e foi parar na gravadora Sub Pop a mesma que trouxe ao mundo o Nirvana. Em 2006, o Cansei de Ser Sexy conseguiu conquistar toda a crtica inglesa especializada com seu lbum de estrias, alm de ter feito aquilo que toda banda brasileira sonha: entrar na lista dos 10 melhores discos de 2006, segundo a revista New Musical Express. Na lista dos melhores lbuns, percebe-se que eles conseguiram ficar na frente dos Strokes, conquistando o quinto lugar.26

Nos Anexo XIV, inserimos a traduo da letra da cano AlaAla, da banda Cansei de Ser Sexy. Uma das letras da banda CSS a sucesso, por 34 versos, da expresso: CSS suxxx, ou CSS sucks (trad.: Cansei de Ser Sexy ruim).

Na contramo dos mtodos alternativos de produo e distribuio, um msico brasileiro retoma, na atualidade, o movimento experimentado na dcada de 1970, e compe em ingls para o mercado nacional atravs de uma gravadora major.

Tiago Iorc nasceu em Braslia, mas com apenas 10 meses, mudou-se com a famlia para a Inglaterra, e morou l por quatro anos. Passou pelo Rio Grande do Sul e Estados Unidos, mas foi em Curitiba que participou de uma banda pela primeira vez, alm de ter cursado Msica na UFPR (que acabou trancando) e Publicidade e Propaganda na PUC/PR.

26

VINIL. op. cit., p. 238.

44

Minha msica reflexo da minha vida. Gosto de compor em ingls e no vejo problemas nisso. Na verdade, para mim soa mais natural, mais sincero.27

Segue-se trecho de entrevista concedida pelo msico ao website Hagah:

As composies do lbum so todas em ingls. Por que a escolha da lngua inglesa em suas msicas? Tiago Iorc: Meu contato com a lngua inglesa comeou desde pequeno. Alm de gostar da lngua, descobri que consigo me expressar escrevendo em ingls. As letras fluem naturalmente e soam mais sinceras.

Quais temas so abordados em suas composies? Quando componho, busco primeiro tentar absorver o que os elementos musicais esto querendo dizer, o que a msica est querendo transmitir. A partir disso, comeo a escrever a letra que melhor representa aquela msica. Minhas letras refletem minhas prprias experincias e meus pontos de vista. Conceitualmente, gosto de fazer isso com um pouco de subjetividade para abrir espao interpretao e reflexo individual.

Como foi ter duas msicas escolhidas para trilhas de novelas? Como surgiu essa oportunidade? No dia em que compus o primeiro esboo do que viria a ser a msica Nothing But a Song, aproveitei para fazer uma gravao caseira do trecho que j estava pronto e enviar para alguns amigos para ver qual seria a reao deles. Com o tempo, a msica foi sendo repassada para outras pessoas e em 2007, acabou chegando aos ouvidos do pessoal da Som Livre. A gravadora despertou interesse pela msica e entrou em contato comigo. Na poca, eles estavam esboando um projeto para um novo selo, o Som Livre Apresenta, que teria como principal objetivo promover artistas novos. Como a seleo de trilhas para as novelas da Rede Globo feita pela Som Livre, eles indicaram a minha msica para entrar como tema de27

Depoimento de Tiago Iorc em http://www.faclubetiagoiorc.com.br/iorc.html

45

Malhao. Os produtores da novela gostaram e logo chegou a notcia de que minha msica tinha sido aprovada para a trilha internacional e de que eles iriam precisar da msica gravada em estdio para ontem. A msica ainda estava inacabada e, por isso, passei a noite toda terminando a letra e uma nova parte da melodia. No dia seguinte, fui para o estdio e gravei a msica em voz e violo e enviei para a gravadora. Em Novembro de 2007, a msica estreou na novela como tema do casal protagonista, e a repercusso foi imediata no Brasil todo. Com o sucesso de Nothing But a Song em Malhao, percebi um grande interesse pelo meu trabalho, e no comeo de 2008, a msica Scared foi aprovada para a trilha internacional da novela Duas Caras. Duas msicas em novelas ajudaram muito a divulgar meu trabalho nacionalmente.

A primeira banda em que voc participou como vocalista foi aqui em Curitiba. Como foi essa experincia? Como voc considera a produo musical da cidade? Curitiba possui um cenrio musical muito interessante, com excelentes msicos e bandas de diversos estilos. Mas, ao mesmo tempo, existe uma forte resistncia ao consumo da msica local.28

No Anexo XV, traduzimos a letra de "Nothing But a Song", de Tiago Iorc.

Vrias bandas brasileiras continuam produzindo letras na lngua inglesa, principalmente no estilo thrash metal. Produes de vrios estilos proliferam, inclusive de msica eletrnica (esta, sem a presena de letra).

No Anexo XVI, inserimos a traduo de outra letra de nossa autoria, composta em 2011. A msica You and me in CWB indita, mas vem sendo apresentada em shows que semanalmente fao em casas noturnas de Curitiba.

28

Entrevista concedida por Tiago Iorc em http://wp.hagah.com.br/meuhcuritiba/2008/07/11/tiago-iorc/

46

Concluso

O objetivo desta pesquisa foi analisar a produo musical feita por brasileiros em lngua inglesa. O recorte do presente trabalho abrange essa produo a partir de uma onda criativa (e de sucesso) experimentada internamente no incio da dcada de 1970, passando pelo xito mundial dessa produo (j na mesma dcada e, posteriormente, na dcada de 1990), at o status atual dessa produo.

Baseamo-nos em depoimentos pessoais dos autores (quando disponveis), e na percepo baseada em nosso prprio conhecimento da lngua inglesa, para afirmar que essa produo foi gerada por falantes nativos do Portugus, com diferentes nveis de domnio da lngua inglesa.29 No h registros confiveis da participao e/ou auxlio de falantes nativos da lngua inglesa nessa produo.

O estudo de aspectos pouco utilizados nos meios acadmicos visa enriquecer a pesquisa com a experincia do autor desta pesquisa como compositor de canes na lngua inglesa.

No presente estudo (a partir de uma anlise de linguagem e estilo musicais, alm de estudos nas reas de Literatura e Lingustica), encontram-se dois padres distintos da produo (em todos os contextos cronolgicos abordados).

Um padro que chamaremos de artificial, que aproxima essa produo dos modelos importados incorporados, destes servindo-se: Das linhas harmnica e meldica das composies; Dos timbres e tipos de instrumentos utilizados nas gravaes;

29

Exceto como visto na p. 14 desta pesquisa. Thomas William Standen (vulgo Terry Winter) filho de ingleses; logo, supe-se que se expressava com fluncia na lngua inglesa.

47

Da imitao da concepo e execuo instrumentais; Da semelhana da entoao e vocalizao das melodias; Da busca de emisso vocal semelhante ao original; Da temtica da maioria das composies amor e relaes amorosas; Do modelo produtivo (gravadora/estdio/distribuio).

Outro padro que consideraremos natural, o qual afasta essa produo dos modelos importados: Na utilizao de artifcio desconhecido pelo agente (No caso, a lngua inglesa), tanto na escrita quanto na fala (ou na reproduo voclica das letras das canes o cantar); Na qualidade dos instrumentos utilizados nas gravaes; Nas deficincias da concepo e execuo instrumentais; Na no familiaridade do processo de produo (no caso, dos estdios de gravao) ao estilo proposto pelas obras.

Vale citar que, na dcada de 1990 e no contexto atual, os trs ltimos aspectos do padro natural foram quase que totalmente incorporados pelos modelos produtivos. Mas persiste e predomina o primeiro aspecto do padro citado, conforme anlise e traduo de material escrito (apresentada nos anexos) salvo em excees produzidas por agentes que, segundo confirmaes levantadas durante a pesquisa, dominam a lngua inglesa.

A pesquisa confirma, conforme anteriormente citado30, um claro uso pragmtico de material musical alheio que revela no uma angstia da influncia, mas sim uma profunda relao de admirao pelo objeto influenciador e de um contexto histrico e social favorvel a essa influncia.

30

VARGAS (v. nota 11 deste trabalho)

48

Levando-se em considerao o que foi estudado ao longo do trabalho, e o resultado da anlise, pertinente afirmar que, alm da ligao (e identificao) esttica e estilstica anteriormente descrita, o contexto do primeiro recorte dessa produo aqui analisada (o Brasil da dcada de 1970) fator preponderante na anlise, sobretudo, da quantidade dessa produo.

O momento vivido pelo pas; as presses scio-culturais e polticas (de cunho estratgico) vividas no Brasil h, ento, algumas dcadas (leia-se desde a Segunda Guerra Mundial), emergem e se transformam em presso mercadolgica, o que se reflete na produo musical brasileira da dcada de 1950 (tendo a Bossa Nova como smbolo, que utilizava a influncia musical norte-americana em suas harmonias sobretudo do estilo jazz), da dcada de 1960 (no fenmeno Jovem Guarda, no qual destacavam-se verses de rocks norte-americanos) e culminam na dcada de 1970, levando uma parcela significativa da ento fora intelectual e musical a produzir em um idioma, na maioria dos casos, alheio ao conhecimento do agente produtor (msico/compositor) e ao agente receptor (pblico ouvinte e consumidor), mas comuns a ambos no imaginrio e no aspecto de aceitao (para ser aceito, o msico compe num estilo e numa linguagem que no compreendida em sua plenitude, mas que amplamente aceita no aspectos cultural e mercadolgico, tanto pelas gravadoras quanto pelo pblico consumidor, atravs dos meios de comunicao).

Nesse sentido, o movimento musical seguinte, da dcada de 1980, pode ser visto (e ouvido) como representao de uma reao poltica e intelectual experimentada (e, em certo grau, provocada) pelo conjunto da sociedade brasileira (abertura poltica, volta dos exilados, movimento Diretas J), explicitada na negao da influncia estrangeira no campo artstico, apesar de ainda preservar a influncia estrangeira no aspecto musical (estilos, linhas temticas, ritmo, harmonias). Esta pode ser a causa do fato que, a produo em lngua inglesa por brasileiros desta poca, somente alcanou reconhecimento tanto no Brasil como no exterior ao final dessa dcada, e atravs da (nova) expresso em lngua inglesa por brasileiros,49

que utilizaram como veculo um estilo musical alternativo e mais afeito ao underground do mercado fonogrfico o thrash metal para prosseguir na manuteno do ingls como idioma musical oficial do rock.

No que se trata da produo atual, esta fundamentalmente marcada pela disperso dos meios do processo produtivo e de distribuio. A facilidade de acesso, principalmente, a meios de divulgao de material artstico (massmedia), e a popularizao dos meios produtivos digitais, tornam imediatas a gravao, divulgao e execuo de peas musicais, ouvidas e distribudas quase que em tempo real.

O uso, no passado, da lngua inglesa na msica popular brasileira, bem como a manuteno de seu uso nos dias de hoje, enquanto idioma oficial do rock, aponta para a continuao de seu uso no futuro.

50

ANEXO I

REDE GLOBO 1962 - 1971 - O caso Time-Life

Fonte: [pgina da Internet] www.globo.com [20; acessado em 21 http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,5270-p-21890,00.html

de

Abril

de

2011].

Disponvel

em:

A inaugurao da TV Globo ocorreu em 26 de abril de 1965. Dois meses depois, Carlos Lacerda denunciaria como ilegais as relaes da emissora com o grupo Time-Life. Segundo o ento governador da Guanabara, os acordos firmados pela Globo com a empresa norte-americana feriam o 31 Artigo 160 da Constituio Brasileira , que proibia a participao de capital estrangeiro na gesto ou propriedade de empresas de comunicao. Desencadeou-se, ento, uma campanha contra a Globo, que contou com a adeso do deputado Joo Calmon, presidente da ABERT (Associao Brasileira de Empresas de Rdio e Televiso) e um dos condminos-proprietrios dos Dirios e Emissoras Associados, um dos principais grupos de comunicao da poca, do qual fazia parte a TV Tupi. A questo foi levada ao conhecimento do Contel (Conselho Nacional de Telecomunicaes), que em junho de 1965 abriu um processo para investigar o caso. Paralelamente, em outubro do mesmo ano, o deputado Eurico de Oliveira apresentou um requerimento Cmara pedindo a instaurao de uma Comisso Parlamentar de Inqurito. No dia 20 de abril de 1966, o prprio Roberto Marinho deps na CPI . Em seu depoimento, o presidente das Organizaes Globo afirmou que sempre respeitou a proibio de que estrangeiros fossem proprietrios ou participassem da gesto de meios de comunicao. Ele explicou aos congressistas que dois contratos haviam sido firmados com o Time-Life, um contrato de assistncia tcnica e uma conta de participao: Sr. Presidente, em meados de 1961 a TV Globo estava em seus primrdios, a TV Globo nesta poca ainda pertencia Rdio Globo, que obtivera a concesso. Ns j tnhamos um terreno, na Rua Von Martius, na Gvea, lugar considerado pelos tcnicos como ideal para a instalao de um estdio de televiso. J tnhamos um projeto do eminente patrcio Henrique Mindlin e j dvamos incio s escavaes para as fundaes. J tnhamos pago quase totalmente os equipamentos eletrnicos, bastantes para uma emissora de televiso. J tnhamos comeado a organizar os nossos planos de trabalho, j que ns tnhamos um pouco de experincia jornalstica e de radiodifuso, mas nenhuma de televiso. Foi neste momento que duas organizaes americanas, a NBC e a Time-Life, nos procuraram para participarem conosco do empreendimento que amos levar a efeito. Embora os dois grupos tivessem chegado quase simultaneamente, as nossas preferncias se voltaram para a organizao do Time-Life, no s porque se tratava de uma grande organizao jornalstica como porque essa organizao se lanara h alguns anos, com grande xito, na televiso, passando o seu Departamento de Televiso a ser talvez o mais importante departamento daquela grande organizao internacional. Estudamos o assunto detidamente com os nossos advogados, j que o Art. 160 da Constituio veda a propriedade e a direo das empresas jornalsticas e de radiodifuso, o que se pode entender, por analogia, televiso, a estrangeiros. A propriedade e a direo das empresas jornalsticas, de rdio e televiso s podem ser exercidas por brasileiros natos. Estudamos, como31

V. nota 24

51

disse, detidamente, e chegamos concluso de que poderamos assinar dois contratos com o Time Life. Um de assistncia tcnica, nos moldes de numerosos, de centenas, de milhares de contratos de assistncia tcnica que so estabelecidos com empresas brasileiras, at mesmo com empresas vedadas, como a Petrobrs, a qualquer capital estrangeiro. O outro contrato que achamos poder estabelecer foi uma conta de participao joint venture, que, como V. Ex.s sabem, um contrato de financiamento aleatrio, uma vez que no d nenhum direito de direo ou de propriedade a uma empresa, apenas participando o financiador dessa empresa dos seus lucros e prejuzos. Em sua definio jurdica, uma joint venture uma associao de empresas no definitiva, criada para explorar determinado negcio. um empreendimento conjunto, no qual nenhuma das partes perde sua personalidade jurdica. Difere da sociedade comercial porque se relaciona a um nico projeto e porque a associao dissolvida automaticamente aps o seu trmino. No seu depoimento CPI, Roberto Marinho esclareceu que na ocasio da assinatura dos contratos entre TV Globo e Time-Life, em 24 de julho de 1962, o grupo norte-americano repassou, por adiantamento, a quantia de 300 milhes de cruzeiros mediante a assinatura de uma promissria. Mas o presidente das empresas Globo explicou que o contrato de participao nunca chegou a entrar em vigor: com o vulto que tomou a TV Globo, com a ampliao dos nossos projetos iniciais e como conseqncia da inflao, ns tivemos de obter maiores recursos. O Time-Life exigiu que ns lhe vendssemos o edifcio de nossa propriedade, o edifcio da TV Globo. Roberto Marinho leu a carta enviada pelo presidente da Time-Life, Weston C. Pullen Jr., em que ele reitera que, com a concluso da venda do imvel da TV Globo, o contrato de participao, chamado de contrato principal, embora nunca tenha entrado em vigor, ficava cancelado para efeito de registro. Roberto Marinho chamou ateno para o fato de que o contrato principal, por nunca ter entrado em vigor, desobrigava-o de apresent-lo s autoridades brasileiras, mas acrescentou: Dado o rumo tomado pelos acontecimentos em virtude dessa sucesso de denncias ruidosas e escandalosas, eu resolvi fornecer aos rgos que me pediram e, com muito maior razo, forneo neste momento Cmara este contrato de conta de participao, que muito importante, porque mostra desde logo em que condies foi iniciado este negcio. Em seguida, Roberto Marinho fez um resumo do contrato de participao e destacou o cuidado que a TV Globo teve em circunscrever o acordo realizado ao mbito estritamente financeiro. A clusula 5 explicitava que a contribuio financeira no dava ao Time-Life o direito de possuir aes de capital da TV Globo nem qualquer direitos que as leis brasileiras atribuam s aes de capital. Dizia mais esta clusula que ficava tambm expressamente entendido que Time no ter qualquer interferncia direta ou indireta na direo ou administrao da TV Globo. Recorrendo clusula 11, Roberto Marinho enfatizou a questo: As partes concordam em que a responsabilidade, conforme o disposto nesse contrato, pelas atividades de transmisso, bem como pelo procedimento intelectual e comercial da TV Globo, recair exclusivamente sobre os acionistas da TV Globo e Marinho se compromete a assegurar que todas as aes da TV Globo sero sempre pertencentes a brasileiros natos. Quanto ao contrato de assistncia tcnica, que efetivamente vigorou, Roberto Marinho explicou que a empresa Time-Life se comprometia a enviar TV Globo, na qualidade de assessor da diretoria, pessoa capacitada no campo da contabilidade. A empresa norte-americana assegurava tambm o treinamento da equipe da TV Globo nas especialidades necessrias para a operao tcnica. Um dos pontos mais polmicos da CPI foi a anlise das funes na TV Globo do assessor enviado pelo Time-Life, o Joe Wallach. Os parlamentares queriam saber se havia ingerncia de Wallach que era funcionrio do grupo norte-americano na emissora brasileira e se ele participava das decises sobre questes financeiras. No seu depoimento, Joe Wallach afirmou que era apenas um consultor, que dava idias gerais de promoo, de assistncia tcnica e de compra de mercadorias. Ele disse no ter nenhuma responsabilidade sobre a parte financeira e nem sobre a programao da emissora.

52

Os trabalhos da Comisso Parlamentar de Inqurito que foi presidida pelo ento deputado Roberto Saturnino Braga e teve como relator o deputado Djalma Marinho terminaram em setembro de 1966, com um parecer desfavorvel Globo. Os parlamentares consideraram que os contratos firmados com o Time-Life feriam a Constituio, alegando que a empresa norte-americana estaria participando da orientao intelectual e administrativa da emissora. Em fevereiro de 1967, o governo federal mudou a legislao sobre concesses de telecomunicaes, criando efetivas restries aos emprstimos de origem externa e contratao de assistncia tcnica do exterior. Contudo, tratava-se de um dispositivo legal sem efeito retroativo, e os contratos do TimeLife com a TV Globo eram de 1962 e 1965. Em outubro de 1967, o consultor-geral da Repblica Adroaldo Mesquita da Costa emitiu um parecer sobre o caso Globo/Time-Life. Ele considerou que no havia uma sociedade entre as duas empresas. A modalidade jurdica adotada no atribua ao grupo norte-americano qualquer interferncia na gesto da emissora e era legal na poca da sua assinatura. Com o parecer, a situao da TV Globo ficou oficialmente legalizada. Mesmo assim, Roberto Marinho resolveu encerrar o contrato de assistncia tcnica com o Time-Life e ressarciu o grupo americano do dinheiro desembolsado. Atravs de emprstimos, tomados em bancos nacionais, e empenhando todos os seus bens pessoais, ps fim ao acordo com o Time-Life em julho de 1971.

53

ANEXO II

Time-life/Globo/SIC: um caso de reexportao do modelo americano de televiso?Helena Sousa - Universidade do Minho.

Este artigo uma verso resumida e adaptada de uma comunicao apresentada na Conferncia Cientfica da International Association for Mass Communication Research, Glasgow, 25-30 de Julho de 1998.

Captulo 2 - A Time-Life na Globo Sem o apoio, durante dcadas, da elite econmica e poltica, a rede Globo no se te-ria transformado numa verdadeira excepo, no contexto televisivo brasileiro. Mas, independentemente deste apoio, a Globo contou -desde a primeira hora - com um aliado crucial: o grupo multimedia americano Time-Life. Em apenas cinco anos, desde a fundao da Globo no dia 28 de Junho de 1962 at 1967 quando as aces da Time-Life foram compradas por Roberto Marinho, a Globo transformou-se numa empresa de televiso de grande capacidade tcnica e profissional. Roberto Marinho conseguiu a primeira licena para operar uma estao de rdio, em 1957, durante a presidncia de Juscelino Kubitscheck. No entanto, a televiso parecia merecer ja sua ateno e alguns factos sugerem que, nos finais dos anos 70, Roberto Marinho tinha j contactos com a TimeLife. De Fevereiro a Maio de 1959, o jornal O Globo deu grande ateno carreira diplomtica de Claire Luce, a esposa de Henry Luce, o presidente da Time-Life (v.Hertz,1991:97-100). A simptica cobertura da actividade diplomtica de Claire Luce foi entendida como demonstrativa do interesse da Globo em desenvolver contactos e estreitar relaes com grupo americano na rea televisiva. A Time-Life havia j feito, no Brasil, alguns contactos no sentido de estabelecer parcerias. O Estado de So Paulo, por exemplo, no mostrou interesse em desenvolver esta relao. Efectivamente, a Constituio brasileira proibia grupos estrangeiros de comprar ou de participar na administrao ou 32 orientao intelectual de empresas de comunicao nacionais. No entanto, tal no foi entrave para o desenvolvimento da parceria entre a Globo e o grupo Time-Life. Apesar do texto da Constituio, o governo entendeu que havia todo o interesse na criao de uma rede televisiva que pudesse ser utilizada para unir o pas em volta das pretendidas reformas econmicas e industriais. ATime-Life procurava uma forma de entrar no mercado e a Globo queria dinheiro e conhecimento prtico: estes eram os ingredientes para um guio perfeito, escrito por um baro local e financiado por uma multinacional, sob o olhar dos militares que convenientemente ignoraram a natureza inconstitucional do acordo (Mader, 1993 citada em Mayblin, 1996:12). Assim, no dia 24 de Julho de 1962, a recentemente criada Globo TV Lda assinou, em Nova Iorque, dois contratos com a Time-Life. Os aspectos genricos do acordo ficaram definidos no Contrato Principal e os aspectos tcnicos e de carcter mais especficos foram apresentados no Acordo de Assistncia Tcnica. Estes dois acordos32

vedada a propriedade de empresas jornalsticas, sejam polticas ou simplesmente noticiosas, assim como a de radiodifuso, a sociedades annimas por aes ao portador e aos estrangeiros. Nem esses, nem pessoas jurdicas, excetuados os partidos polticos nacionais, podero ser acionistas de sociedades annimas proprietrias dessas empresas. A brasileiros caber, exclusivamente, a responsabilidade principal delas e a sua orientao intelectual e administrativa. (Art.160 da Constituio Brasileira de 1946, ento vigente).

54

foram preparados por Luis Gonzaga do Nascimento Silva, um acrrimo defensor dos interesses da Globo que tinha tambm uma relao privilegiada com o embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Roberto Campos. De acordo com Herz (1991), mesmo antes da assinatura destes contratos, a Globo recebeu 1,5 milhes de dlares da Time-Life, Inc.

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ANEXO III

SPLISH SPLASH (B. DARIN)

Splish Splash (Verso: Erasmo Carlos)

SPLISH SPLISH, I WAS TAKIN' A BATH LONG ABOUT A SATURDAY NIGHT A RUB-A-DUB, JUST RELAXIN' IN THE TUB THINKIN' EVERYTHING WAS ALRIGHT WELL, I STEPPED OUT THE TUB, PUT MY FEET ON THE FLOOR I WRAPPED THE TOWEL AROUND ME AND I OPENED THE DOOR, AND THEN I SPLISH, SPLASH... I JUMPED BACK IN THE BATH. WELL HOW WAS I TO KNOW THERE WAS A PARTY GOING ON? THEY WAS A-SPLISHIN' AND A'SPLASHIN' REELIN' WITH THE FEELIN', MOVIN' AND A'GROOVIN' ROCKIN' AND A'ROLLIN', YEAH BING BANG, I SAW THE WHOLE GANG DANCIN' ON MY LIVING ROOM RUG, YEAH! FLIP FLOP, THEY WAS DONIN' THE BOP ALL THE TEENS HAD THE DANCIN' BUT THERE WAS LOLLIPOP WITH A PEGGY SUE GOOD GOLLY, MISS MALLY WAS-A EVEN THERE, TOO! A- WELL-A, SPLISH SPLASH, I FORGOT ABOUT THE BATH I WENT AND PUT MY DANCIN' SHOES ON, YAY...

Splish Splash! Fez o beijo que eu dei Ne