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0 UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Direito NEUZA PEREIRA A INCONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL LINS – SP 2015

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UNISALESIANO

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

Curso de Direito

NEUZA PEREIRA

A INCONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

LINS – SP

2015

1

NEUZA PEREIRA

A INCONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, sob orientação do Professor Me. Raphael Hernandes Parra Filho.

LINS – SP

2015

2

Pereira, Neuza

A inconstitucionalidade da Redução da Maioridade Penal / Neuza Pereira. – – Lins, 2015.

109p. 31 cm.

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UNISALESIANO, Lins-SP, para graduação em Direito, 2015.

Orientador: Raphael Hernandes Parra Filho

1. Adolescente. 2. Constitucionalidade. 3. Criança. 4. Dignidade da Pessoa Humana. 5. Inimputabilidade. I Título.

CDU 34

P493i

3

NEUZA PEREIRA

A INCONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE

PENAL

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano

Auxilium, para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: 10/12/2015

Banca Examinadora:

Prof. Orientador: Me. Raphael Hernandes Parra Filho

Titulação: Mestre

Assinatura: ________________________________

Relator: Me. Claudio Thiago Vieira Matta

Titulação: Mestre

Assinatura: ________________________________

Debatedor: Me. Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira

Titulação: Mestre

Assinatura: ________________________________

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da vida, por ser o bálsamo e o conforto

espiritual nos momentos de insegurança e desânimo.

Aos meus pais Manoel e Jesuina que envoltos na mais sublime

simplicidade me ensinaram preciosos valores que tesouro algum jamais poderá

comprá-los. Especialmente que o estudo é o primeiro passo para todas as

conquistas.

A minha irmã Neide pelo apoio e incentivo em todos os momentos.

Principalmente pelo encorajamento nas circunstâncias mais adversas.

Aos meus avós paternos e maternos que mesmo não estando mais

presentes sempre me incentivaram a estudar e acredito que onde quer que

estejam, festejam comigo essa conquista. Aos tios e tias pelas orações e o

desejo de que tudo desse certo.

Ao Elson Fernando Negrisoli que insistiu incansavelmente e com sua

teimosia desafiou-me a tentar mais uma vez realizar meu sonho. Se não fosse

o seu encorajamento diário não teria iniciado a faculdade, e por isso,

simplesmente não tenho palavras para expressar minha gratidão.

A Pastoral da Juventude que me ensinou a amar as pessoas como elas

são e não como eu gostaria que fossem.

Ao Júlio que com seu jeito meigo e discreto sempre me surpreende.

Além disso, é a pessoa que mais me incentiva em seguir em frente, já que não

me oferece somente seu amor, mas o encorajamento quando fraquejo, e

principalmente por acreditar em mim quando eu mesma não confio.

Aos colegas do Ministério Público de Lins pela possibilidade do

aprendizado e da amizade. Ao Dr. Gilberto Marques pelos livros emprestados e

pelo conhecimento transmitido, muitas vezes através das brincadeiras e das

perguntas surpresas. Ao Dr. Haroldo Pansardi Giavarina pelos livros

emprestados e pela visita nas unidades da Fundação Casa em Lins. E

5

especialmente a Dra. Ana Carolina Macri Morais Ribas pelo incentivo, pela

orientação para estudar cotidianamente, pelos livros emprestados e postos a

disposição e pela partilha dos conhecimentos, estando sempre disposta a

ensinar quantas vezes fosse preciso por mais absurda que fosse a pergunta.

Ainda pelo cuidado e carinho dispensado aos estagiários, mostrando a nós a

melhor maneira de percorrer o caminho, colocando em nossas mãos as

melhores de todas as ferramentas: o conhecimento e o estudo diário.

Aos colegas de turma pelos inúmeros dias que juntos passamos, pela

troca de experiências. Pela oportunidade de sermos a primeira turma e juntos

desbravarmos todas as adversidades e obstáculos, que, aliás, ainda se fazem

presente... e pelas surpresas na maioria das vezes às vésperas ou minutos

antes dos fatos. Faltam alguns dias, mas já há saudade.

A todos os professores que ao seu modo não mediram esforços para

transmitir a nós um pouco de seu conhecimento. Vocês foram mestres em

transmitir o Direito como a mais nobre das artes e ciências.

Aos membros da banca de qualificação e defesa, professores Adriano e

Cláudio. Professor Adriano sou grata pelo apoio, e por ser um exemplo de

dedicação e persistência a ser seguido. Professor Cláudio obrigada pelas aulas

cujo conteúdo maçante foi ensinado de maneira simples e divertida, onde os

exemplos foram essenciais para que pudesse compreender a matéria em sua

essência. E pelas arguições na banca de qualificação, as quais foram

fundamentais para finalização deste trabalho.

Ao Professor Raphael que por ser meu orientador tive a oportunidade de

estreitar nossa amizade. Apaixonado pela docência, leciona com maestria e faz

das aulas uma biblioteca, já que com algumas brincadeiras, imitações, estórias

e um dom especial, próprio e único, transforma os conteúdos mais chatos e

difíceis em algo compreensível. Agradeço pelas vezes que sonhei alto demais

e você com seu jeito poeta aparou minhas asas fazendo com que voltasse para

a realidade e pela confiança depositada em mim quando eu mesma não confie.

A todos vocês muito obrigada!

6

DEDICATÓRIA

A minha persistência em sonhar e acreditar que

tudo é possível, ainda que o universo inteiro conspire

contra.

7

EPÍGRAFE

“Eu vejo que a juventude tem muito amor.

Carrega esperança viva no seu cantar.

Conhece caminhos novos não tem segredos.

Anseia pela justiça e deseja a paz.

Hei juventude – rosto do mundo.

Teu dinamismo logo encanta quem te vê.

A liberdade aposta tudo, não perde nada.

Na certeza de vencer”.

(Jorge Trevisol).

8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC - Código Civil

CCJ - Comissão de Constituição e Justiça

CP - Código Penal

CPC - Código de Processo Civil

CPP - Código de Processo Penal

CRFB - Constituição da República Federativa do Brasil

DC - Direito Civil

DP - Direito Penal

DPC - Direito Processual Civil

DPP - Direito Processual Penal

DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

EJUVE - Estatuto da Juventude

FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

NCPC - Novo Código de Processo Civil

OIT - Organização Internacional do Trabalho

ONU - Organização das Nações Unidas

PEC - Proposta de Emenda Constitucional

SAM - Serviços de Assistência a Menores

SNJ - Secretaria Nacional da Juventude

9

SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................................... 11

ABSTRACT ....................................................................................................... 12

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 ..................................................................................................... 15

PRINCÍPIOS BASILARES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE ............................................................................................... 15

CAPÍTULO 2 ..................................................................................................... 26

O DIREITO E A INFÂNCIA E JUVENTUDE ..................................................... 26

2.1. Definição de Direito, Direito Penal e Pena ...................................... 26

2.2. Diferenças e semelhanças: Crime x Ato Infracional. O Maior e o

Menor ..................................................................................................... 29

2.3. O Direito Penal no Código de Hamurabi ......................................... 31

2.4. Dispositivos legais pertinente: ......................................................... 32

2.4.1. Evoluções no decorrer da história brasileira ................................. 32

2.4.2. Código de Menores ou Código Mello Mattos de 1927 .................. 34

2.4.3. As inovações no ano de 1941: Serviços de Assistência a Menores

– Decreto Lei nº. 3.799 e Alterações do Código de Menores de 1927 –

Decretos Lei nº. 3.914 e nº. 6.026 .......................................................... 36

2.4.4. Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e Código de Menores

de 1979 .................................................................................................. 36

2.4.5. Documentos de proteção da criança e do adolescente adotados

ou ratificados pelo Brasil ........................................................................ 37

2.5. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069/1990 ........... 39

2.6. Inimputabilidade infantojuvenil: o viés cronológico .......................... 41

2.6.1. Sob os olhos do Direito Civil ......................................................... 42

2.6.2. Critérios Biológicos ....................................................................... 42

2.6.3. Critérios Psicológicos e Critérios Biopsicológicos ........................ 44

10

2.6.4. A imputabilidade penal e a inimputabilidade da criança e do

adolescente ............................................................................................ 44

2.7. A proposta de emenda constitucional – PEC 171/1993 e o

ordenamento jurídico brasileiro .............................................................. 47

2.7.1. A Proposta de Emenda Constitucional – PEC 171/1993 .............. 50

2.7.2. O Ordenamento Jurídico Brasileiro .............................................. 55

2.7.2.1. O Código Penal ......................................................................... 55

2.7.2.2. O Estatuto da Juventude ........................................................... 56

2.7.2.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente ................................... 58

CAPÍTULO 3 ..................................................................................................... 63

A SOLUÇÃO ESTÁ NOS ESTATUTOS: À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

.......................................................................................................................... 63

3.1. O princípio da dignidade da pessoa humana .................................. 63

3.2. O Princípio da Vedação do Retrocesso de Garantias Fundamentais

............................................................................................................... 68

3.3. A Constituição da República Federativa do Brasil ........................... 69

3.4. Declarações Internacionais de Direito Humanos em face da

legislação brasileira ................................................................................ 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 77

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 80

ANEXOS ........................................................................................................... 85

A. ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB ................ 85

B. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB ......... 86

C. CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS – CONIC .................. 89

D. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA – CFP .................................. 92

E. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF ............................................. 95

F. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB ................................ 102

G. ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU .............................. 104

11

RESUMO

Busca-se saber se a inimputabilidade infantojuvenil, estipulada a partir do critério biológico é constitucional. Para isso analisaram-se os princípios basilares que regem o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da vedação do retrocesso de garantias fundamentais, que juntos asseguram às crianças e aos adolescentes os direitos individuais da pessoa humana. A Constituição da República Federativa do Brasil, além de dedicar um artigo aos direitos e garantias fundamentais das pessoas, trouxe em seu texto outras possibilidades destes direitos essenciais. Isso significa dizer, que ainda dispostos em outros artigos diferentes do rol taxativo, tais garantias compõe as cláusulas pétreas. Assim, a proposta de emenda constitucional – PEC 171/93 é inconstitucional por violar os direitos individuais fundamentais das crianças e adolescentes. Portanto, a inimputabilidade infantojuvenil é constitucional por amparar e proteger as crianças e adolescentes não somente pelos direitos, mas essencialmente por se tratarem de seres em desenvolvimento.

Palavras chave: Adolescente. Constitucionalidade. Criança. Dignidade da Pessoa Humana. Inimputabilidade.

12

ABSTRACT

Seeks to know whether the Children and Youth unimputability stipulated from the biological criteria is constitutional. For this, the basic principles were analyzed governing the Statute of Children and Adolescents, and the principle of human dignity and the principle of sealing of the fundamental guarantees setback, which together ensure that children and adolescents individual rights human person. The Constitution of the Federative Republic of Brazil, in addition to devote an article to fundamental rights and guarantees of the people, brought in its text other possibilities these essential rights. This means that still arranged in other different items exhaustive list, these guarantees comprise the immutable clauses. As, the proposed constitutional amendment - PEC 171/93 is unconstitutional for violating the fundamental individual rights of children and adolescents. Therefore, the Children's unaccountability is constitutional for support and protect children and adolescents not only rights, but essentially because they are beings in development.

Keywords: Adolescent. Constitutionality. Child. Dignity of human person. Nonimputability.

13

INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso surgiu a partir da polêmica

redução da maioridade penal, que até o presente momento não encontrou o

ponto de equilíbrio, haja vista que cada um dos grupos (os favoráveis e os

contrários) alimentam os pratos da balança com o intuito de conquistar a justiça

plena.

As principais razões de escolha deste assunto se deram pelas atividades

desenvolvidas em grupos de jovens da Pastoral da Juventude. Bem como da

motivação pela oportunidade de estagiar na 3ª. Promotoria de Justiça de Lins

como estagiária do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Trata-se da inimputabilidade infantojuvenil como uma questão de

constitucionalidade.

Diante da amplitude do tema redução da maioridade penal, foi

necessário delimitá-lo a partir da escolha de material e das pesquisas

bibliográficas realizadas.

O primeiro capítulo consiste nos princípios basilares que regem a

legislação especial, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O segundo capítulo estabelece o paralelo entre direito e infância e

juventude, discorrendo sobre Direito, Direito Penal e Pena. Em seguida mostra-

se as diferenças e semelhanças entre crime, ato infracional, o maior e o menor,

bem como o Direito Penal no Código de Hamurabi e as legislações pertinentes

da história nacional. Apresenta-se ainda o viés cronológico a partir do Direito

Civil e dos critérios adotados pela lei brasileira, comparando a proposta de

emenda constitucional – PEC 171/93 a algumas leis, tais como Direito Penal,

Estatuto da Juventude e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

No terceiro capítulo abordam-se os dois principais princípios, que são: o

princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da vedação do

retrocesso de garantias fundamentais, haja vista serem eles as principais

ferramentas de proteção da pessoa humana, possibilitando sempre a inclusão

de novas garantias, jamais a ruptura ou cessação dos direitos já conquistados.

Neste contexto, aponta-se a Constituição da República Federativa do

Brasil como uma Constituição Cidadã e o posicionamento do Brasil em relação

aos tratados internacionais de direitos humanos.

14

Por fim, o assunto abordado, além de ser a questão discutida pela

sociedade atual, considera diversos fatores como: os fatos ocorridos, o medo

em decorrência da violência que assombra as pessoas, a prática reiterada de

atos infracionais pelos adolescentes e jovens, a maneira como a mídia informa

e divulga os acontecimentos e a possibilidade de mais uma legislação

simbólica.

Assim, pretende verificar se a proposta de emenda constitucional – PEC

171/93 é ou não constitucional diante do ordenamento jurídico brasileiro e da

condição do Brasil ser signatário de diversos tratados internacionais de direitos

humanos.

E como informações complementares acrescenta-se no anexo vários

textos elaborados pelas instituições, associações, órgãos, entidades, entre

outros que se manifestaram em relação à redução da maioridade penal.

15

CAPÍTULO 1

PRINCÍPIOS BASILARES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

Neste capítulo serão abordados os principais princípios que regem a

legislação especial (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990) que cuida das

crianças e dos adolescentes, e são eles: princípio da proteção integral,

princípio da absoluta prioridade ou do superior interesse, princípio da

humanidade, princípio da legalidade, princípio da estrita observância pelo

Poder Judiciário, princípio da jurisdicionalidade, princípio do contraditório,

princípio da inviolabilidade de defesa, princípio da impugnação, princípio da

legalidade do procedimento, princípio da publicidade do processo e o princípio

da celeridade processual.

Contudo, é necessário salientar que os dois princípios essenciais,

clássicos, quais sejam: o princípio da dignidade da pessoa humana e o

princípio da vedação do retrocesso serão abordados no terceiro capítulo.

Primeiramente é viável diferenciar lei geral de lei especial.

Lei quer dizer aquilo que está escrito, positivado e imposto pelo

legislador. Breve conceito dado por Silva (2009, p.826):

No conceito jurídico, dentro de seu sentido originário, é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato, que lhe é outorgado pelo povo.

Assim, trata-se de algo que deve ser cumprido por todos. E são elas que

compõem o ordenamento jurídico de um país.

Lei geral é a lei comum, ou seja, aquela lei criada para atingir e abranger

todas as pessoas em qualquer caso. “São as leis comuns, instituídas em

caráter universal ou de generalidade” (SILVA, 2009, p.831).

E por sua vez, lei especial consiste em uma lei própria para um assunto

específico, determinado, ou ainda para um grupo de pessoas. Outra vez

descreve-se aqui o conceito escrito por Silva (2009, p.830) “são as que indicam

concessões ou vêm estabelecer princípios de exceção acerca de certos fatos

ou de certas pessoas”.

16

Dessa forma, a legislação aqui abordada é a lei especial, é aquela

apropriada para a infância e a juventude.

E se porventura houver conflito entre a lei geral e a especial, o princípio

da especialidade existe para sanar o problema, pois assegura que a lei

especial sempre predomina sobre a lei geral. Ideia esta afirmada por Capez,

(2011, p.90) “a lei especial prevalece sobre a geral, a qual deixa de incidir

sobre aquela hipótese”.

Feitos os esclarecimentos essenciais, passa-se a abordagem dos

princípios.

De forma geral princípios são normas de grande importância para o

ordenamento jurídico, já que pode norteá-lo, direcionando-o não apenas o

direito material, mas também o direito processual. Considera-se a base, aquilo

que estrutura o Direito como um todo.

Conforme se observa em (SILVA, 2009, p.1090):

Princípios notadamente no plural, significa as normas elementares, ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreende, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmariam as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio Direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a prática do Direito e a proteção aos Direitos.

Diante do entendimento de que princípios são ferramentas essenciais do

Direito, ou seja, eles o compõem dando-lhe vida, direcionando-o a qual

caminho seguir, e partir desta escolha seguem modelando-o até a obtenção do

resultado desejado.

É ainda um instrumento que possibilita o Direito ir mais além daquilo que

realmente é, já que ele pode ser utilizado no início das demandas, como forma

17

de garantir a pretensão desejada. Durante o desenvolvimento dos atos

processuais para assegurar o bom andamento processual e no final, se

necessário, para rever as decisões, sendo que estas também são proferidas

valendo-se deles.

De acordo com Nucci (2010, p.35):

Os princípios são normas com elevado grau de generalidades, passível de envolver várias situações e resolver diversos problemas, no tocante à aplicação de normas de alcance limitado ou estreito. [...] Inegavelmente, o sistema normativo carece de otimização, algo que pode ser realizado pela priorização dos princípios, ainda que em detrimento de normas específicas. Tal assertiva não significa a eleição dos princípios como as únicas normas a serem aplicadas e respeitadas; seu valor emerge justamente da coexistência com o corpo legislativo existente, regendo e integrando as normas vocacionadas a solucionar determinados assuntos, conferindo consistência ao ordenamento como um todo.

Os princípios são peças essenciais do ordenamento jurídico brasileiro,

pois é algo abrangente, de integração entre as diversas normas em todas as

áreas jurídicas.

Ressalta-se que os princípios integram e dão total sustentabilidade aos

direitos e garantias fundamentais individuais das pessoas.

Nesta acepção Nucci (2010, p.36) cristalinamente enfatizou:

Sob outro aspecto, os princípios não afrontam direitos e garantias fundamentais; com eles sintonizam-se na essência. Aliás, como regra, os princípios protegem os direitos fundamentais e servem de estrutura para as garantias fundamentais.

Deste modo, os princípios são garantias de que os direitos das pessoas,

amplamente defendido pelos idealistas dos Direitos Humanos, serão

efetivamente valorizados, respeitados e, por conseguinte acontecerão.

Em sequência, passa-se ao estudo de alguns dos princípios visando à

melhor compreensão do assunto discutido.

Optou-se por um rol sucinto, todavia, muito bem distribuído e abordado

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

18

Princípio da proteção integral nada mais é que uma reafirmação de

todos os direitos proporcionados a todas as pessoas, porém dando garantias

de que a estes grupos, os direitos e garantias constitucionais verdadeiramente

serão assegurados em razão de estarem em processo de desenvolvimento.

É por isso que Nucci (2014, p.6) disserta:

O princípio da proteção integral, abarcado no artigo 1º do ECA, significa que, além de todos os direitos assegurados aos adultos, afora todas as garantias colocadas à disposição dos maiores de 18 anos, as crianças e os adolescentes disporão de um plus, simbolizado pela completa e indisponível tutela estatal para lhes afirmar a vida digna e próspera, ao menos durante a fase de amadurecimento.

O referido artigo é a abrangência legal a todos os seres humanos que se

encontram na infância ou juventude, desta forma lhes é garantido os seus

direitos e caso haja qualquer desrespeito o Estado tem o dever de ampará-los.

Este princípio abarca os subprincípios: brevidade, excepcionalidade e

respeito. Todavia eles somente são utilizados para o adolescente infrator

quando lhe é aplicado medida privativa de liberdade.

Acompanhando o anterior o princípio da absoluta prioridade ou do

superior interesse diz que além das crianças e adolescentes terem direitos e

garantias, eles têm prioridade por estarem em plena formação.

Outra vez Nucci (2014, p.8) afirma:

Neste princípio à frente dos adultos, estão as crianças e adolescentes. Todos temos direito à vida, à integridade física, à saúde, à segurança etc., mas os infantes e jovens precisam ser tratados em primeiríssimo lugar (seria em primeiro lugar, fosse apenas prioridade; porém, a absoluta prioridade é uma ênfase), em todos os aspectos.

Vale dizer que tal princípio não se confunde com outros. Já que consiste

apenas em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Ante as

diferenças de condições de crianças e adolescentes e demais pessoas buscou-

se na desigualdade a única possibilidade de igualá-los.

Este princípio é tratado no artigo 4º do Estatuto da Criança e do

Adolescente, que o apresentou no Livro I, Título Das Disposições, ele

recomenda os direitos das crianças e adolescentes instituídos pelo legislador.

19

Neste contexto a lei impõe que cada um faça sua parte, exercendo

verdadeiramente seu papel, assim a família se responsabiliza pela parte

psicológica, a formação moral e quando preciso abstém de algumas coisas em

prol da prole. A sociedade se encarrega de observar as questões e situações

que os colocam em risco e ainda, reivindica do poder público as medidas

adequadas. Este por sua vez, abrange o judiciário, o legislativo e o executivo

assegurando a teoria que estabelece os direitos destes grupos.

Para alguns pode até parecer exagero, mas não é, trata-se apenas de

efetivamente garantir às crianças e aos adolescentes a possibilidade de pleno

desenvolvimento e serem adultos diferentes no futuro.

A previsão deste princípio, que, num passar de olhos, pode aparentar desconcerto e irrazoabilidade, nada mais é do que a expressão de um lema nacional, há décadas difundido: “o país do futuro”. E este, por sua vez, condiciona seu progresso ao sadio desenvolvimento físico e mental das crianças (FERRANDIN, 2009, p.101).

E somente a partir desta garantia plena que os indivíduos que estão na

infância e juventude podem desenvolver-se psicologicamente e socialmente.

O princípio da humanidade corresponde à responsabilidade social do

Estado em garantir métodos de ressocialização à criança e ao adolescente,

impedindo a aplicação de medidas cruéis e degradantes. O Estado é

responsável em proteger a infância e juventude, e quando a criança ou

adolescente cometem algum ato infracional, devem ser responsabilizados na

fração adequada. Por isso, as medidas sócioeducativas devem ser

proporcionais a infração por ele praticada, sem ir além ou ficar aquém.

Corroborando a versão apresentada Ferreira (2008, p.15), disse:

Princípio da humanidade: é a responsabilidade social do Estado e na obrigação de assistência à ressocialização, proibida a aplicação de penas cruéis e degradantes, sendo visível sua característica nos artigos 15, 16, 17 e 19.

Os artigos 15, 16 e 17 estão no capítulo II que trata do Direito à

Liberdade, ao Respeito e à Dignidade, enquanto o artigo 19 encontra-se no

capítulo III que se refere do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, todos

do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sem sombras de dúvidas a criança e

o adolescente são pessoa humana e tem resguardado seus direitos, onde por

20

primeiro a família tem o dever de cuidado para com eles e caso não cumpra, o

Estado deve supri-la.

O princípio da legalidade está disposto no artigo 5º, inciso II da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Significa dizer que a punição só pode existir quando estiver devidamente

prevista em lei anterior ao fato praticado.

Em relação aos direitos da infância e juventude a regra é a mesma da

transcrita acima. Portanto a criança ou adolescente que praticar uma conduta

só será responsabilizado se o ato infracional estiver devidamente tipificado em

lei anterior.

Ferreira (2008, p.16), dispôs:

Princípio da legalidade: refere-se à proibição de existência de delito e pena sem a pré existência de lei anterior. Consagra o brocardo jurídico nullum crimen, nulla peona sine lege. E está contido nos artigos 103, 108 e 110.

Os referidos artigos encontram-se no Título III Da Prática do Ato

Infracional, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que o artigo 103

está no Capítulo I que aborda as Disposições Gerais, o artigo 108 no Capítulo

II que trata Dos Direitos Individuais e o artigo 110 por sua vez, está inserido no

Capítulo III que cuida Das Garantias Processuais. Assim sendo, o princípio

supra fundamenta-se na própria ordem jurídica, estando de acordo com as

regras previstas em leis já existentes.

Princípio da estrita observância pelo Poder Judiciário constitui a base

dos direitos da infância e juventude. E quando a família, a sociedade e o

Estado não proporcionam a eles seus direitos, compete ao judiciário fazer, e

assim Nucci (2014, p.10) determina:

Não somente por se tratar de um princípio constitucional expresso, mas sobretudo por constituir o alicerce do Direito Infantojuvenil, deve o superior interesse da criança e do adolescente ser fielmente cumprido pelo Judiciário. Quando outros Poderes do Estado não o fizerem, a última esperança concentra-se no magistrado. Por isso, aguarda-se deste o exemplo, cumprindo rigorosamente os prazos previstos neste Estatuto, enfocando cada infante e cada jovem em seu caso concreto e fazendo valer, acima de tudo, o interesse aos menores de 18 anos.

21

Ênfase importante ao juiz que é o operador do Direito. É ele quem fará

com que a legislação vigente seja cumprida efetivamente, e acompanhando

este princípio observa-se outro fator importante, o da jurisdição, pois mesmo

que um juiz queira exercer sua atividade atendendo este princípio ele só pode

fazê-lo em área de sua competência.

Princípio da jurisdicionalidade retrata a extensão, o limite do poder de

julgar do juiz natural naquela determinada jurisdição.

Assim se observa em Ferreira (2008, p.16):

Princípio da jurisdicionalidade: consiste na existência dos requisitos necessários da jurisdição, qual seja, juiz natural, independência e imparcialidade do órgão, devidamente expresso no artigo 111.

O mencionado artigo está no Estatuto da Criança e do Adolescente,

Título III Da Prática do Ato Infracional, Capítulo III que cuida Das Garantias

Processuais. Vale dizer que as mesmas proteções do processo penal em geral

são estendidas as crianças e adolescentes.

Por sua vez o princípio do contraditório rege o mesmo tratamento para

todas as partes envolvidas, em se tratando do Estatuto da Criança e do

Adolescente, é a possibilidade da paridade de armas para o juiz, o promotor e

o advogado, que devem sempre assegurar a criança e ao adolescente a

proteção de seus direitos.

É por isso que Ferreira (2008, p.16), assim o retratou:

Princípio do contraditório: pressupõe uma clara definição dos papéis processuais pelas partes envolvidas no procedimento, ou seja, o Juiz, Ministério Público e o Defensor, com igualdade de tratamento. Este princípio, que não era contemplado no Código de Menores, passou a ser estabelecido nos artigos 110 e 111.

Os artigos 110 e 111 já foram abordados e esclarecidos nos princípios

acima.

O princípio da inviolabilidade de defesa acompanhando o princípio

anterior garante a criança e ao adolescente a presença de um defensor em

todos os atos processuais. Em nenhum momento pode lhe ser negado tal

direito, pois se assim for, trata-se de abuso da autoridade e flagrante

desrespeito à própria lei.

22

Outra vez Ferreira (2008, p.16), se manifestou:

Princípio da inviolabilidade de defesa: prevê a presença de defensor em todos os atos processuais, desde o momento em que se imputa o cometimento de uma infração; o já mencionado artigo 111, em seu inciso III, o prevê, bem como nos artigos 124, III e 206.

Lembrando que o artigo 111 do Estatuto da Criança e do Adolescente já

foi explicado, transcreve-se aqui somente o inciso III, em que o legislador de

forma expressa trouxe a garantia de: “defesa técnica por advogado”.

Os demais artigos 124, III e 206 apesar de estarem em capítulos

diferentes, quais sejam, Título III Da Prática de Ato Infracional, Seção VII Da

Internação e Título VI Do acesso à Justiça, Capítulo VI Do Advogado,

respectivamente, abordam a mesma a ideia, ou seja, o adolescente ou a

família deve ter total acesso à pessoa do advogado, sendo ainda garantido que

a conversa aconteça de maneira reservada.

Princípio da impugnação é a possibilidade de interposição de recursos.

Quer dizer que a partir de uma decisão, qualquer das partes pode recorrer a

um órgão superior, desde que admissível pela legislação.

Novamente Ferreira (2008, p.16), se posiciona:

Princípio da impugnação: assenta-se na possibilidade de se recorrer a um órgão superior. Esta possibilidade foi trazida nos artigos 137 e 198, assim há previsão expressa quanto à possibilidade dos recursos.

Este princípio é garantido pelo princípio do duplo grau de jurisdição que

se originou no Código de Processo Civil (Lei nº. 5.869 de 11 de janeiro de

1973) em seu artigo 475. Contudo o princípio em questão abrange todas as

outras áreas do Direito.

O Novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105 de 16 de março de

2015) que ainda se encontra durante o período de vacatio legis, manteve o

mesmo entendimento no artigo 496.

Por isso é também utilizado pelo Direito da Infância e Juventude, que

em seu estatuto próprio admitiu esta possibilidade no artigo 137 que está

inserido no Título V Do Conselho Tutelar, Capítulo III Das Atribuições do

Conselho. E no artigo 198 que está localizado no Título VI Do Acesso à Justiça,

23

Capítulo VI Dos Recursos, ressalta-se a importância do princípio em comento,

onde o legislador preocupou-se em escrever um capítulo próprio do assunto.

O princípio da legalidade do procedimento incide sobre qual tipo de

procedimento deve ser seguido de acordo com a lei. Porém, é permitida a

exceção prevista no artigo 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em

que o juiz pode de ofício tomar as medidas necessárias ainda que não prevista

no mencionado estatuto.

Neste sentido Ferreira (2008, p.16) exatamente escreveu:

Princípio de legalidade do procedimento: o tipo de procedimento a ser seguido deve estar previsto em lei, não podendo vincular as partes à discricionariedade do órgão jurisdicional. O devido processo legal está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 110. Com relação a este princípio, existe a exceção estabelecida no artigo 153 do Estatuto, que faculta à autoridade judiciária investigar fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, quando a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente ou em outra lei. Mas, nesse caso, estabelece a oitiva do Ministério Público e, sempre que possível, do advogado, quando se fizer presente no procedimento. Essa investigação tem caráter administrativo.

Esclarece novamente que o artigo 110 já foi abordado anteriormente. O

artigo 153 por sua vez está no Título VI Do Acesso à Justiça, Capítulo III Dos

procedimentos, que concede ao juiz a faculdade em não sendo o caso de

adotar o procedimento próprio do Estatuto da Criança e do Adolescente, poder

valer-se de outra previsão legal desde que ouça o Promotor de Justiça e

sempre que possível o advogado.

O princípio da publicidade do processo resguarda o equilíbrio entre o

acesso a todos os atos processuais por todas as partes envolvidas naquele

contexto, enquanto garante a identidade da criança ou do adolescente.

Acertadamente Ferreira (2008, p.16-7), relatou:

Princípio da publicidade do processo: assegura a possibilidade aos sujeitos processuais, de ter acesso aos autos do processo e, ao mesmo tempo, a conveniência de se proteger a identidade da criança e do adolescente como forma de evitar a estigmatização (artigo 143).

A publicidade em questão aqui não significa que será público para toda e

qualquer pessoa. Trata-se de uma publicidade restrita, ou seja, tem acesso aos

24

autos do processo somente os sujeitos processuais do caso em concreto, e é

claro os serventuários da justiça.

E por fim o princípio da celeridade processual que assegura a rapidez

durante o curso do processo. Isto é possível pela determinação imposta pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 4º e 235.

A brevidade exigida pode ser observada através dos prazos curtos, estipulados pelo ECA de intervenção provisória, designação de audiência, apresentação do apreendido à autoridade competente, reavaliação da medida sócioeducativa imposta, etc., bem como pelas punições às inobservâncias de tais prazos. [...] Assim, é admissível que o processo, num prazo razoável, tenha duração (que deverá variar a cada caso particular), porém esta não poderá ocasionar prorrogação indevida e exagerada que enseje prejuízos ao adolescente (FERRANDIN, 2009, p.99-100).

Nota-se que este princípio sem sombras de dúvidas unido aos demais já

descritos formam uma rede protetora aos adolescentes, garantindo-lhes as

primazias essências ao desenvolvimento pleno e desejado.

Um princípio não depende do outro para ser executado. E mesmo que

falte algum deles os grupos em questão não serão prejudicados.

O pensamento do legislador ao criá-los era garantir todas as

possibilidades possíveis de proteção e amparo aos adolescentes.

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi elaborado com base na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e reafirmou que as

crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, e têm a todos os seus direitos

a salvo, simplesmente por serem pessoas humanas, as quais possuem

dignidade.

Além de consignar, expressamente, diversos direitos e garantias insculpidos na Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao atribuir ao adolescente conflitante com a lei a condição de sujeito de direitos (art. 15), conferiu-lhe, instantaneamente, toda a gama de preceitos observados no art. 5º daquela, possibilitando-lhe o gozo de todos os direitos compatíveis com sua peculiar situação de desenvolvimento (FERRANDIN, 2009, p.91).

O conjunto de princípios faz com que o Estatuto da Criança e do

Adolescente seja realmente cumprido e assegure aos adolescentes seus

direitos e garantias individuais.

25

Há diversos princípios no Direito, mas como já fora dito, no presente

trabalho o objeto de estudo foi apenas um apontamento dos principais

princípios adotados pela legislação especial que aborda os temas próprios da

infância e juventude.

Tendo em vista que o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe

expressamente em seus artigos os princípios e reafirmou o artigo 227 da

Constituição da República Federativa do Brasil é necessário saber como se

deu este processo. E para isso foi preciso pesquisar o conteúdo evolutivo

desde a antiguidade até os dias atuais.

26

CAPÍTULO 2

O DIREITO E A INFÂNCIA E JUVENTUDE

Far-se-á um breve retrato histórico, conceituando o que é Direito, Direito

Penal e Pena, diferenciando crime e ato infracional, o maior, o menor, e suas

semelhanças e como era o Direito Penal no Código de Hamurabi. Também se

observou as principais declarações ocorridas na história brasileira

compreendida desde o Código de Menores que entrou em vigor em 1927 até o

surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.

Além disso, a personalidade e a capacidade foram trazidas à baila, cujo

intuito foi demonstrar que os indivíduos que não completaram dezoito anos

ainda estão em pleno desenvolvimento, e que não têm maturidade suficiente

para responder por seus atos. Para isso foi preciso enxergar com os olhos do

Direito Civil e através dos critérios biológicos, psicológicos e biopsicológicos.

A partir desta ótica analisou-se a imputabilidade penal enfocando

principalmente à inimputabilidade da criança e do adolescente.

Buscou-se ainda uma breve exposição da proposta de emenda

constitucional que aborda a possibilidade de redução da maioridade penal, e

ficou conhecida como PEC 171/93.

A partir desta vertente apresentou-se o entendimento do ordenamento

jurídico brasileiro que abordam este assunto: Código Penal, o Estatuto da

Juventude e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

2.1. Definição de Direito, Direito Penal e Pena

Para melhor compreensão do assunto abordado no presente trabalho, é

primordial a descrição de algumas palavras e expressões, visando sempre

familiarizar o leitor com os jargões jurídicos.

A palavra direito pode ser compreendida de diversas maneiras, mas aqui

serão demonstrados somente os sentidos objetivo e subjetivo.

Assim, Silva (2009, p.465-6), conceitua direito:

27

Em seu sentido objetivo, propriamente derivado do directum latino, o Direito, a que se diz de norma agendi, apresenta-se como um complexo orgânico, cujo conteúdo é constituído pela soma de preceitos, regras e leis, com as respectivas sansões, que regem as relações do homem, vivendo-se em sociedade. A característica dominante do Direito no seu sentido objetivo, está, portanto na coação social, meio de que se utiliza a própria sociedade para fazer respeitar os deveres jurídicos, que ela mesma instituiu, a fim de manter a harmonia dos interesses gerais e implantar a ordem jurídica. [...] E, com razão, a Filosofia o coloca entre os ramos da Sociologia, porque não se admite o Direito sem a existência do homem, vivendo em sociedade. Onde quer que haja homens reunidos, pois, há necessariamente o Direito, manifestado seja sob que forma for. Não se compreende sociedade sem ele: Ubi societas, ibi jus. Não há direito sem sociedade, nem sociedade sem direito. No sentido subjetivo (facultas agendi), mostra-se o direito uma faculdade ou uma prerrogativa outorgada à pessoa (sujeito ativo do direito), em virtude da qual a cada um se atribui o que é seu (suum cuique tribuere), não se permitindo que outrem venha prejudicá-lo em seu interesse (neminem laedere) porque a lei (norma agendi), representando a coação social, protege-o em toda a sua amplitude.

A partir desta definição faz-se necessário por primeiro conceituar Direito

Penal e posteriormente Pena.

Direito Penal é um ramo do direito público interno que visa proteger os

interesses públicos de determinado grupo. Mas, nem sempre foi assim, pois

cada grupo social e em sua época tratava o desvio de conduta de seus

integrantes de uma maneira, e as penas impostas a aqueles eram as mais

adequadas no entendimento daquele período.

Neste sentido retratou Silva (2009, p.479):

Direito Penal geralmente é compreendido com o complexo de regras e princípios que, definindo e classificando os crimes ou delitos, assinala as penas, fixando a sua justa aplicação, de modo a tornar efetiva a punição das pessoas a quem se imputa a ação ou omissão, de que resultou o crime nele qualificado.

Este emaranhado de princípios e regras juntos são a força que rege um

grupo, uma comunidade, uma nação. Todavia não é o suficiente já que tal ramo

do direito ainda é uma ciência cultural, normativa, sancionadora, valorativa e

finalista.

28

O Direito Penal é uma ciência cultural porque indica o dever ser, transpondo regras de conduta que devem ser observadas por todos os indivíduos. E também uma ciência normativa, pois o seu objetivo é o estudo da Lei, da Norma, do Direito Positivo, este a que se deve obedecer e cumprir por todos os integrantes do grupo social, pois, prevê as consequências e sanções aos que violem seus preceitos. Além de ser sancionador, é valorativo e finalista. É valorativo porque tutela os valores mais elevados da sociedade, dispondo-os em uma escala hierárquica e valorando os fatos de acordo com a sua gravidade. É finalista, pois visa à proteção de bens e interesses jurídicos que só podem ser eficazmente protegidos pela ameaça legal de aplicação de sanções de poder intimidativo maior, como a pena (CAVAGNINI, 2013, p.31-2).

As informações acima descritas são um auto-retrato de cada grupo

social, pois é a partir da vivência de seu povo que vai se formando os

costumes, as tradições, as regras, as condutas morais, a própria legislação. O

direito anda atrás das mudanças sociais, conforme a sociedade muda, o direito

adquire novas formas e se amolda como se pode para solucionar os conflitos

que surgirem, e é a partir das experiências vivenciadas que vai se

transformando num modelo padrão a ser seguido dali em diante,

automaticamente transformando-se em regras.

E é por isso, que o homem com o passar do tempo e a cada nova

descoberta, percebeu que era preciso viver em sociedade e para que essa

convivência fosse ideal, necessitavam de algo que pudesse ser igual para

todos os membros e que fosse por eles respeitado. Surgiu-se o direito como lei,

ou seja, aquilo que manteria a ordem dentro dos pequenos grupos e entre as

sociedades.

Todavia, sempre existiram membros que descumpriam as regras

estabelecidas em seu pequeno grupo, sendo, portanto, preciso estabelecer

sanções para aqueles indivíduos que descumprissem as condutas

estabelecidas.

É a partir deste contexto que surgiu a pena. Que nada mais é que uma

correção, uma punição pelo não cumprimento de uma ordem pré-determinada.

Para Mirabete (2010, p.231) “Desde a origem até hoje, porém, a pena

sempre teve o caráter predominantemente de retribuição, de castigo,

acrescentando-se a ela uma finalidade de prevenção e ressocialização do

criminoso”.

29

Este conceito é o que melhor define o mau comportamento do indivíduo

que transgride as leis de seu grupo de convivência. E como método de

correção, é uma alternativa para que ele não mais pratique o ato, lhe sendo

imposta uma pena, um castigo adequado para sua transgressão.

2.2. Diferenças e semelhanças: Crime x Ato Infracional. O Maior e o

Menor

Sucintamente analisa-se a contenda entre crime e ato infracional.

Enquanto o primeiro é ação ou omissão cometida por uma pessoa adulta, que

conscientemente pratica algo contra as normas de boa de conduta e as leis

vigentes, e assim define Capez (2011, p.134) “é fato típico e ilícito ou

antijurídico”.

No presente estudo não será abordado às considerações em relação ao

conceito de crime, ou seja, fato típico.

Mas sim o ato infracional, que por sua vez, é igual às considerações de

crime (fato típico).

Contudo, trata-se de gênero que contempla os crimes e as

contravenções penais, todavia é praticado por pessoa que ainda não tem os

dezoitos anos completos. E o Estatuto da Criança e do Adolescente assim

estabeleceu no artigo 103 “a conduta descrita como crime ou contravenção

penal”.

Além do mais mudou apenas a nomenclatura de crime para ato

infracional, com o intuito de tão somente diferenciar o agente que o pratica.

Deste modo quem pratica crime é uma pessoa capaz, com mais de dezoitos

anos e aquela que pratica ato infracional trata-se do sujeito que ainda não

completou dezoito anos, ou seja, o menor de idade, e como foi abordado pela

legislação guardiã da infância e juventude, criança e adolescente.

Consideram-se elementos do ato infracional: o entendimento e o querer.

Sendo que o primeiro é a faculdade do indivíduo em compreender e saber o

que está fazendo. Enquanto o outro se trata daquilo que a pessoa tem como

intenção ou vontade, é aquilo que deseja.

30

Haja vista que o legislador de 1940 quando elaborou o Código Penal,

achava que a pessoa que ainda não tinha os dezoitos anos completos não

entendia e nem podia querer algo, pois sua capacidade era limitada a idade.

É notório que maior é qualquer pessoa a partir do momento em que

completa dezoito anos, adquirindo os elementos do entendimento e do querer.

E menor é o indivíduo que ainda não possui dezoito anos completos, ou

seja, é aquele que tem dezessete anos, onze meses e vinte e nove dias.

Muitos estudiosos do Direito da Infância e Juventude têm criticado o uso do termo menor para designar crianças e adolescentes, na atualidade. [...] A palavra menor; em regra, sempre foi objeto de estigmatização, de rotulagem, significando o “filho dos outros”. O Código de Menores, a rigor, não passava de um Código Penal do Menor e rotulavam todos como: “menor”, “menor abandonado”, “menor delinquente” e “ele é de menor”. [...] O legislador constitucional, tratou-os como crianças e adolescentes dando-lhes o status de seres humanos (NUCCI, 2014, p.12-3).

Corroborando esta disposição as legislações vigentes são unânimes em

trazer expressamente que os menores de dezoito anos são inimputáveis.

Assim se observa no artigo 27 do Código Penal e neste mesmo sentido a

legislação especial, Estatuto da Criança e do Adolescente, que seguindo

categoricamente o princípio da especialidade (a lei especial prevalece sobre a

lei geral) taxativamente previu em seu artigo segundo:

Considera-se criança, para efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único: nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Para melhor compreensão destas semelhanças e diferenças entre o

maior e o menor de idade é essencial a observação histórica do país, bem

como as considerações abarcadas pelo Direito Civil que serão estudadas em

subtítulo próprio.

Antes, porém, é primordial abordar o direito penal na era de Talião, pois

foi neste período que surgiu o brocardo difundido no direito como “sangue por

sangue, olho por olho e dente por dente”. E das diversas legislações vigentes

no Brasil desde o período colonial até os dias atuais.

31

2.3. O Direito Penal no Código de Hamurabi

Este Código vigorou no século 18 A.C, cujo Rei da Babilônia

Khammurabi, foi quem ordenou a escrita de 21 colunas, perfazendo 282

cláusulas que se transformaram no código supra dito. Este Rei governou por

muito tempo e conquistou amplo território. Para ele, a sociedade de seu reino

pertencia a três distintas classes: a maior delas considerada de “filho do

homem, a mediana dos cidadãos livres e a inferior composta de escravos”.

Eram comuns as penas cruéis e sangrentas, já que a idéia primordial

prevalecia em os fortes vencerem os fracos e sobre estes predominarem. A

religião pregava que o bem já seria realizado na Terra e por isso aqueles que

faziam algum crime deveriam ser banidos.

As penas iam da mutilação à morte de fogueira, por afogamento, de

empalação e na forca.

Neste período verificava-se por primeiro quem era a vitima e quem era o

réu, já que existia uma grande diferença entre escravos, escravos da corte,

escravos dos livres, pessoas livres e a própria corte.

Conforme o crime cometido era a pena aplicada. Entretanto mesmo

entre os escravos que era a menor classe social daquele período, havia a

desigualdade nas penas aplicadas, ou seja, os escravos da corte e dos livres

valiam mais, assim, se eles fossem vítimas de algum escravo, a pena aplicada

a esta pessoa era mais rigorosa.

Se o delito praticado fosse de um escravo contra alguém da corte ou

alguém livre, sua pena era ainda mais severa.

Acreditava-se que Deus libertaria os inocentes. Por exemplo, se uma

pessoa praticasse um crime de falso testemunho e não provasse, deveria

jogar-se no rio, se o rio a trouxesse de volta era inocente, caso contrário foi

mais um bem realizado àquela nação.

Não havia distinção de idade já que todos respondiam por seus atos e a

pena passava da pessoa do condenado atingido à sua família, seus filhos, ali

imperava a lei do mais forte.

A mencionada legislação em um único ordenamento tratava todos os

ramos de direito, ou seja, o direito civil em suas divisões de direito de família,

comercial, contratos e obrigações, o direito penal e suas sanções.

32

Portanto, não havia uma lei igual para todos, considerava-se quem

praticou o delito e quem foi a vítima, e somente a partir destas circunstâncias é

que se aplicava a pena. Apesar de que a punição era severa, por primeiro

observa-se as partes e posteriormente aplicava-se a pena. É por isso que tal

período ficou conhecido como a era do “sangue por sangue, olho por olho,

dente por dente”.

Esta famosa frase significa que de acordo com o crime praticado e quem

era o agente é que a pena seria imposta. Existiam sim, as regras a serem

seguidas, no entanto quanto menor a classe maior a punição, tudo em nome da

divindade sagrada que dissera que o bem se começa na Terra.

2.4. Dispositivos legais pertinente:

2.4.1. Evoluções no decorrer da história brasileira

O descobrimento do Brasil em 1500 pelos portugueses, fez com que

aqui vigorasse as leis lá vigentes. Ocorre que Dom João I, Rei de Portugal,

determinou que todas as leis esparsas vigentes naquela época fossem

compiladas em um único volume. Compilações estas que receberam diversos

nomes como Ordenações Afonsinas, Manuelinas. Porém aqui foram o Código

ou Ordenações Filipinas que vigoraram até 1830.

Nas citadas ordenações o Direito Penal era aplicado como na época

medieval, cujas atrocidades eram comuns, sendo a tortura utilizada

praticamente em todos os crimes.

Cavagnini descreveu objetivamente os tipos de penas utilizados:

A pena de morte natural (através de enforcamento no pelourinho, seguindo-se de sepultamento); morte natural cruelmente (esta dependia da imaginação do executor e do arbítrio dos juízes); morte natural pelo fogo (queima do réu vivo, passando primeiro pelo garrote); morte natural para sempre (através de enforcamento, deixando o cadáver pendente até o estado de putrefação). Previam-se ainda penas como mutilações, difamação, confisco de bens e degredo, penas que dependiam da condição dos réus, e o sentido geral dessa legislação era o da intimidação feroz. Empregava-se amplamente a tortura, sem haver proporção entre as penas e os delitos, confundindo-se os interesses do Estado com os da religião (2013, p.33).

33

Havia uma mistura ou até mesmo um conflito entre os interesses do

Estado com os da religião, já que neste período a religião influenciou o

desenvolvimento do Estado, pois em nome de Deus ele agia coercitivamente.

Todos os mecanismos legislativos simplesmente dedicaram-se a cuidar

das classes menos favorecidas, em especial os menores.

As Constituições do Império e da República não abordaram o tema, mas

os Códigos Penais elaborados em suas vigências descreveram a

responsabilidade penal dos menores de vinte e um anos.

Neste sentido, o Código Penal de 1830 previa que os menores de

catorze anos eram inimputáveis, exceto se tivessem discernimento de seus

atos criminosos. E aqueles que assim fossem considerados eram recolhidos às

Casas de Correção, lá permanecendo até os dezesseis anos. Para àqueles

que tinham entre catorze e dezessete anos era aplicada as chamadas "penas

de cumplicidade", ou seja, imposição de 2/3 da pena de um adulto. Os maiores

de dezessete e menores de vinte e um anos, usufruíam da atenuante da

maioridade.

O Código Penal da República de 1890 foi mais severo já que considerou

inimputável os menores de nove anos de idade, e àqueles que tinham entre

nove e catorze anos que precisavam de discernimento, assim previa o artigo 27

do referido Código: “não serão criminosos: os menores de nove anos

completos; os maiores de nove anos e menores de quatorze que obrarem com

discernimento”.

É possível notar que somente os menores de nove anos eram

considerados inimputáveis enquanto aqueles que estavam na faixa etária de

nove a catorze anos competia ao juiz decidir se ele tinha ou não capacidade de

discernimento entre o bem e o mal.

Na República, o Código Penal de 1890 não trouxe modificações substanciais frente ao proposto. Neste, consideravam-se os limites de nove e 14 anos. Até os nove anos eram incontestável a irresponsabilidade do menor infrator. Entre os nove e os 14 anos, deveria o juiz verificar, a propósito de acusação de crime, se o menor havia procedido com discernimento, ou seja, sua aptidão para distinguir o bem e o mal. Entre 14 e 17 anos, aplicava-se a pena de cumplicidade. Entre os 17 e 21 anos, aplicava-se a pena atenuada (CAVAGNINI, 2013, p.40-1).

34

Apesar dessas considerações percebia-se a necessidade um

ordenamento próprio para as crianças e jovens retirando-os do Código Penal.

Sendo que esta idéia foi amadurecendo e em 1927 criou-se o Código de

Menores.

No entanto é imprescindível considerar que neste intervalo de anos,

houve uma significativa mudança no ordenamento jurídico vigente, a

promulgação do Código Civil em 1916, que foi catedrático ao definir quais

pessoas tinham ou não discernimento dos atos praticados.

Naquele ano com a entrada em vigor do Código Civil (Lei n.º 3.071 de 1º

de janeiro de 1916) que distinguiu os absolutamente e os relativamente

incapazes de exercerem direitos, considerando cessada a menoridade civil aos

vinte e um anos, é que o Código Penal da República foi alterado, entretanto só

isentou de responsabilidade penal o menor de catorze anos.

2.4.2. Código de Menores ou Código Mello Mattos de 1927

Em 1927 através do Decreto 17.943-A, foi elaborado o Código de

Menores, também conhecido como “Código Mello Mattos” que dividiu os

menores em dois grandes grupos: “o dos abandonados e o dos delinquentes”.

O artigo 26 tratava dos infantes abandonados que eram os bebês, as

crianças e os adolescentes, ou seja, aqueles menores de dezoito anos,

abandonados por sua família. Estes abandonados eram divididos em faixas

etárias que se resumia em:

Aqueles que tinha até sete anos eram chamados de “expostos” (art. 14), eram recolhidos em abrigos, onde o sigilo sobre as crianças e as famílias deveria ser mantido (art. 16), sob pena de multa e de cometer o delito previsto no artigo 129 do Código Penal vigente à época (art. 19); aqueles que possuíam idade inferior a 18 anos, eram chamados de “abandonados” (FERRANDIN, 2009,p.39).

Nota-se que naquele período os pequenos eram tratados com toda a

indiferença possível, já que se não fossem amparados no presente eles eram

considerados os infratores do amanhã, assim todos eram classificados

igualmente, não havia nenhuma possibilidade de algum se destacar,

sobressair, pois, não lhes era dada qualquer oportunidade por mais

35

insignificante que fosse. Eram realmente rotulados como os delinquentes do

futuro.

O referido artigo trazia um rol extremamente taxativo de quem era

tratado como abandonados.

O segundo grupo estava elencado nos artigos 68 e 69 que previam as

ações cometidas e as medidas para os adolescentes delinquentes, palavra

esta que expressava autoria ou participação em crime ou contravenção.

O artigo 68 tratou dos adolescentes menores de 14 anos e quando

cometiam algum delito era registrado não só o delito praticado, mas sua

condição psíquica, a situação social, moral e econômica de seus responsáveis,

e como na época do Código de Hamurabi era a partir destas características

que seria aplicada a pena.

O artigo posterior dispôs sobre os delinquentes maiores de 14 anos e

menores de 18 anos, porém o tratamento era o mesmo aplicado aos menores

de catorze anos, diferenciando-se apenas que a pena aplicada a estes era

muito mais severa, qual seja, eram recolhidos na escola de reforma pelo

período de um a cinco anos ou de três a sete anos, conforme cada situação.

Apesar das penas serem realmente em forma de castigo, o referido

diploma conferiu tratamento diferenciado na execução penal, garantindo que os

delinquentes deveriam cumprir a pena em estabelecimento diferente dos

adultos.

Para melhor acompanhamento e fiscalização foi criado no Distrito

Federal um Juízo de Menores, seguindo a disposição do artigo 146, que rezava

a assistência, proteção e defesa dos menores.

Ressalta-se que o Código também ficou conhecido como Código Mello

Mattos pela dedicação e entrega do juiz José Candido Albuquerque Mello

Mattos que não mediu esforços à área infantojuvenil, querendo ele próprio

preencher as lacunas existentes em vinte anos de lei. Tanto que criou

estabelecimentos e sua esposa era a diretora, visando sempre amparar os

deliquentes, e além do código até mesmo o jurista foi apelidado

carinhosamente de “Mellinho das crianças”.

Decorridos alguns anos os legisladores brasileiros perceberam que os

menores necessitavam de outros benefícios, todavia não estavam dispostos no

código, assim elaboraram algumas inovações.

36

2.4.3. As inovações no ano de 1941: Serviços de Assistência a Menores

– Decreto Lei nº. 3.799 e Alterações do Código de Menores de 1927 –

Decretos Lei nº. 3.914 e nº. 6.026

Durante o período chamado de Estado Novo (1937-1945) através do

decreto Lei n.º 3.799/41, foi criado o Serviço de Assistência a Menores – SAM,

que trouxe benefícios assistencialistas aos menores, cujo artigo 2º assim

previa:

a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares; b) preceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos e delinquentes; c) abrigar os menores, à disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal; d) recolher os menores em estabelecimentos adequados, a fim de ministrar-lhes educação, instrução e tratamento somato-psíquico, até o seu desligamento; e) estudar as causas do abandono e da delinquência infantil para a orientação dos poderes públicos; f) promover a publicação periódica dos resultados de pesquisa, estudos e estatísticas.

O objetivo principal era proporcionar aos delinquentes tratamento

psicológico, abrigo e oportunidade de estudar. E buscando solucionar os

conflitos promoveram estudos das causas que os atingiam, como o abandono e

inserção em meio aos delinquentes.

Os Decretos n.º 3.914 e n.º 6.026 de 1943, em suma modificaram a

regulamentação dos procedimentos, inserindo um critério de análise à situação

do delinquente. Verificada a periculosidade do menor, tal condição legitimava o

juiz, a interná-lo. Sendo que se tivesse menos de dezoito anos, era remetido a

um estabelecimento prisional. Se persistisse a periculosidade após os vinte e

um anos era enviado a uma colônia penal agrícola.

2.4.4. Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e Código de Menores

de 1979

Diante de resultados não satisfatórios do SAM, em 1964, criou-se a

Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM. Sua política de

37

atendimento era na esfera federal, ramificando por todo o país, já que

objetivava solucionar os conflitos e agregar os menores abandonados em uma

família.

É interessante transcrever na integra o artigo sexto desta lei:

I – Assegurar prioridade aos programas que visem à integração do menor na comunidade, através de assistência na própria família e da colocação familiar em lares substitutos; II – Incrementar a criação de instituições para menores que possuam características aprimoradas das que informam a vida familiar, e, bem assim, a adaptação esse objetivo, das entidades existentes de modo que somente do menor à falta de instituições desse tipo ou por determinação judicial. Nenhum internamento se fará sem observância rigorosa da escala de prioridade fixada em preceito regimental do Conselho Nacional; III – Respeitando atendimento às necessidades de cada região do País, as suas peculariedades, incentivando as iniciativas locais, públicas ou privadas, e atuando como fator positivo na dinamização e autopromoção dessas comunidades.

Apesar desta previsão legal e da suposta boa vontade do Estado, outra

vez o desempenho esperado foi insatisfatório e após quinze anos o Código de

Menores foi revogado.

O novo Código de Menores (1979) foi uma revisão do anterior, e mesmo

numa roupagem nova manteve a arbitrariedade e a repressão.

É primordial apontar que o Brasil adota e é signatário de diversas

declarações elaboradas no âmbito internacional.

2.4.5. Documentos de proteção da criança e do adolescente adotados

ou ratificados pelo Brasil

Em 06 de novembro de 1992 através do Decreto 678 o Brasil ratificou a

convenção americana sobre direitos humanos – Pacto San José da Costa Rica

que havia sido adota e aberta a votação em 22/11/1969 durante a Conferência

Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos realizada em San José

da Costa Rica e consiste em evidenciar os direitos humanos como um regime

de liberdade pessoal e de justiça social, sempre respeitando os direitos do

homem. E assim, os países que o ratifica deve seguir tais preceitos.

38

A Convenção sobre os Direitos das Crianças foi aprovada na

Assembleia das Nações Unidas em 20/11/1989, sendo adotada pelo Brasil

através do Decreto 99.710 datado de 21/09/1990 após ter sido ratificado pelo

Congresso Nacional e trata dos direitos básicos da criança e que são

universalmente reconhecidos. Portanto, cada Estado-membro além de proteger

suas crianças deve tomar medidas cabíveis para promover os direitos das

crianças em outros Estados.

A Assembleia Geral das Nações Unidas de 10/12/1948 proclamou a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, garantindo a todas as pessoas,

inclusive as crianças os direitos fundamentais, tendo sido ratificada pelo Brasil.

A Liga das Nações, atualmente Organização das Nações Unidas

inspirada na Declaração de Genebra aprovou em 20/11/1924 a Declaração dos

Direitos da Criança que lhes concediam em dez princípios todos os direitos. O

Brasil é um dos setenta e oito países signatários.

Em Nova Iorque, sede das Organizações das Nações Unidas, foi o palco

do Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, que em 30/09/1990 entregou a

Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento

das Crianças nos anos 90 cujos propósitos são reduzir a mortalidade infantil,

fornecer água limpa, tomar medidas para erradicar a fome, desnutrição, etc.

As Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência

juvenil – Diretrizes de Riad ainda que estabelecidas no Oitavo Congresso das

Nações Unidas em 14/12/1990, não tem força normativa no país, todavia serviu

como base para o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Oitavo Congresso das Nações Unidas ainda estabeleceu mediante a

Resolução 45/113 a prisão do adolescente infrator como medida excepcional e

no menor tempo possível.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 16/12/1966

reforçou a ideia das garantias propostas pela Declaração dos Direitos da

Criança.

A Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/1985 elaborou regras

mínimas para a administração da justiça da infância e juventude – Regras

mínimas de Beijing. Elas são divididas em seis partes: princípios gerais,

investigação e processamento, decisão judicial e medidas, tratamento em meio

39

aberto, tratamento institucional e pesquisa, planejamento e formulação de

políticas e avaliação, que também foram adotadas pelo Brasil.

E por fim os chefes de Estado e governo dos países Íbero-americanos

reuniram-se na cidade do Panamá entre os dias 17 e 18/11/2000 e elaboraram

a Declaração do Panamá onde a prioridade é possibilitar o acesso à educação

infantil e ao ensino fundamental gratuito e obrigatório também validado pelo

Brasil.

Diante deste contexto e principalmente pela expansão dos direitos

humanos para todos os cidadãos, o legislador brasileiro percebeu a

necessidade de elaborar um documento nacional e específico para cuidar das

crianças e adolescentes.

2.5. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069/1990

Na década de 80, os movimentos de democratização e de defesa dos

Direitos Humanos foram fundamentais para a inserção do artigo 227 na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que disciplina os

direitos da criança e do adolescente.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de

40

veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.

No artigo acima o legislador adotou sem sombra de dúvidas o princípio

da dignidade da pessoa humana, portanto crianças e adolescentes passaram a

ter garantidos seus direitos fundamentais, como qualquer outro cidadão.

Outra vez o já mencionado princípio da especialidade vem à tona, uma

vez que a partir de 13 de julho de 1990 com a Lei nº. 8069 (Estatuto da Criança

e do Adolescente) é que a população infantojuvenil teve uma política de

atendimento próprio, que regulamentou seus direitos e deveres.

41

Essa população passou a ser tratada como um ser em desenvolvimento

que merece atenção, cuidado, e deste modo, precisamente assim encontra-se

em Veronese, op cit, Ferrandin, (2009, p.14-5):

A criança e o adolescente são merecedores de direitos, de garantias, por serem seres humanos, e mais, num processo singular de desenvolvimento que os conduz a algumas necessidades específicas, as quais devem estar estruturadas em um explícito valor: o amor. Crianças e adolescentes gritam a necessidade de serem amados e por isso, alimentados, educados, crescerem em ambiente de solidariedade; de compromisso com a humanidade.

O legislador garantiu as crianças e aos adolescentes prioridade

absoluta, portanto seus direitos prevalecem quando os demais estão em

conflitos. Essa garantia está resguardada no artigo 6.° do referido estatuto.

Nota-se também, que o legislador foi categórico ao dizer que a criança e

o adolescente são pessoa em desenvolvimento.

Quanto aos princípios adotados pelo referido estatuto já foram objeto de

estudo em capítulo próprio.

Entretanto, vale ressaltar que tais princípios formam um todo, coeso,

garantidor e defensor nato dos direitos do grupo em questão, já que até essa

data eles eram tratados de maneira indiferente, como se não fossem pessoas

dignas de direitos.

No mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda está ligado a

diversos ramos do Direito. Isso faz com que outros princípios diferentes dos já

abordados, mas que são amplamente utilizados e difundidos em suas áreas se

enquadra perfeitamente nesta em específico.

Apresentadas as diversas legislações o foco é analisar se o adolescente

é ou não imputável. E para isso far-se-á por primeiro menção do entendimento

na esfera civil.

2.6. Inimputabilidade infantojuvenil: o viés cronológico

Considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente adotou

mesmo sem mencionar expressamente, o critério biológico, em conformidade

com o Código Penal. Apresentou-se os critérios: biológico, psicológico e

42

biopsicológico, para melhor compreensão. O estatuto apenas seguiu o artigo

227 da Carta Magna e o parâmetro adotado pela Convenção das Nações

Unidas sobre Crianças e Adolescentes, todavia na prática vale-se do critério

biológico.

Tais critérios serão abordados de maneira sucinta, antes, porém

apresenta-se o entendimento abrangido pelo Direito Civil.

2.6.1. Sob os olhos do Direito Civil

O Direito Civil por sua vez tratou as pessoas como seres dotados de

personalidade, ou seja, aqueles que podem figurar numa relação jurídica.

E a pessoa ao nascer já adquire a capacidade de direito, mas a

capacidade de fato ou de exercício só é adquirida a partir do momento que o

indivíduo completa dezoito anos.

O referido diploma dividiu a incapacidade em relativa e absoluta.

Sendo que a incapacidade absoluta trata dos menores de dezesseis

anos, dos privados de necessário discernimento por enfermidade ou deficiência

mental e aqueles que mesmo por causa transitória não puderem exprimir sua

vontade.

Já a incapacidade relativa abrigou os maiores de dezesseis anos e

menores de dezoito, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, deficientes

mentais de discernimento reduzido, os excepcionais sem desenvolvimento

mental completo, os pródigos e os índios.

Mais precisamente tratou no artigo quinto, caput, a cessação da

incapacidade, onde disse cristalinamente que a menoridade cessa aos dezoitos

anos completos.

Ressalta-se que mais uma legislação segue a idade como marco de

referência, adotando claramente o critério biológico.

2.6.2. Critérios Biológicos

Trata da ausência de maturidade da pessoa menor de dezoito anos.

Considera-se o quesito idade e não o local, cultura e influências em que o

adolescente está inserido. Em relação à menoridade penal, a legislação

43

brasileira adota este critério, como se observa no artigo 228 da Constituição da

República Federativa do Brasil, no artigo 27 do Código Penal e no artigo 5º do

Código Civil. Este critério é objetivo e não admite ponderações, tal maneira

também é facilmente encontrada nas doutrinas civilistas.

O Código Civil antecipa a maioridade para 18 anos, com isso os jovens passarão a ter responsabilidades perante terceiros pelos danos que lhes causarem, além de poderem, por si sós, praticar validamente atos da vida civil, sem qualquer assistência do representante legal. Tal se deu diante da presunção de que, pelas condições do mundo moderno e pelos avanços tecnológicos dos meios de comunicação e da informática, a pessoa já tem, ao completar aquela idade, experiência de vida, em razão da aquisição de uma maior formação cultural, responsável pela celeridade, pela precocidade de seu desenvolvimento físico-mental, trazendo, com isso, o discernimento necessário para efetivação de atos negociais (DINIZ, 2012, p.217).

Uma das doutrinadoras da atualidade como se pode observar escreve

de maneira clara e objetiva que o indivíduo mesmo influenciado pelo mundo

atual e pela tecnologia somente tem o real discernimento de seus atos a partir

dos dezoitos anos completos.

No mesmo sentido:

A maioridade começa aos 18 anos completos, tornando-se a pessoa apta para as atividades da vida civil que não exigirem limite especial. [...] O critério é unicamente etário: leva-se em conta somente a idade, mesmo havendo, em determinados casos, maturidade precoce. Não há diferença de tratamento em relação ao sexo, aplicando-se o mesmo limite ao homem e à mulher (GONÇALVES, 2013, p.133).

Observa-se que o quesito principal a ser considerado é a idade, pouco

importando a condição social, o acesso a tecnologia, o meio no qual está

inserido e o grau de maturidade do adolescente.

Desta forma Cavagnini (2014, p.64), catedraticamente escreveu:

O legislador nacional, adotou o critério biológico para demarcar a esfera da inimputabilidade, visto que levou em conta, exclusivamente, o fator idade, não considerando, para tanto, o caráter psicológico, ou seja, o menor de 18 anos será sempre inimputável, por absoluta presunção legal, mesmo que tenha discernimento sobre a conduta ilícita praticada.

44

Considerando que este é o critério utilizado na legislação brasileira em

se tratando da redução da maioridade penal, apenas se mencionará os critérios

psicológicos e biopsicológicos.

2.6.3. Critérios Psicológicos e Critérios Biopsicológicos

Critérios psicológicos estabelecem a inimputabilidade do agente

conforme suas condições psíquicas no momento da prática do delito.

Aqui prevalece a possibilidade psicológica do adolescente no momento

em que exerce a atividade infratora, observando se ele tinha ou não o real

discernimento que aquela conduta por ele realizada era ou não legal.

E por sua vez, o critério biopsicológico é junção dos anteriores, por isso

é o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, salvo no caso da menoridade

penal. Neste sentido observa-se:

Com a junção dos dois critérios afasta-se a visão causalista que reduzia o crime a consequência da anormalidade mental, e por outro limita-se o amplo arbítrio judicial, com a exigência de uma base biológica no reconhecimento da inimputabilidade. (REALE JÚNIOR, apud SILVA, 2011, p.35).

Diante destas considerações é muito mais fácil defender o menor de

idade do que um deficiente mental, já que para se comprovar tal condição este

é submetido a diversos exames periciais e acompanhamento de uma equipe

multiprofissional, para saber se na data do fato ele tinha ou não conhecimento

da ilicitude do fato.

Ao passo que ao adolescente o critério utilizado é o biológico, ou seja,

antes de completar dezoito anos ele não tem discernimento do que é certo ou

errado.

E é por este motivo cronológico que o adolescente é inimputável, ou

seja, não se pode punir quem ainda não se desenvolveu o suficiente para

entender e compreender suas atitudes.

2.6.4. A imputabilidade penal e a inimputabilidade da criança e do

adolescente

45

Imputabilidade penal é quando o agente tem capacidade de

entendimento do fato típico e pode livremente exercer sua vontade. Assim, em

regra, todo agente é imputável, ou seja, pode ser punido pelos atos praticados.

Para melhor compreensão observa-se o conceito trazido por (SILVA,

2009, p.719).

Derivado de imputar, do latim imputare (levar em conta, atribuir, aplicar), exprime a qualidade do que é imputável. [...]. A imputabilidade, portanto, antecede à responsabilidade. Por ela, então, é que se chega à conclusão da responsabilidade, para aplicação da pena ou imposição da obrigação.

Desta forma toda pessoa que praticar uma ação ou omissão de maneira

ilícita será automaticamente responsabilizada por sua conduta.

Inimputabilidade por sua vez é a possibilidade da não atribuição de

pena, aplicação de castigo. Diversos ordenamentos jurídicos brasileiros

adotaram o critério biológico, ou seja, considera-se a idade da criança e do

adolescente e não o ato infracional por ele praticado.

São consideradas inimputáveis aquelas pessoas que ainda não

completaram dezoito anos, já que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o

critério biológico quando se trata da maioridade penal, pois considera que a

criança e o adolescente se encontram com o desenvolvimento mental

incompleto.

Assim dispõe Silva (2011, p.68-9):

No Brasil, o menor de 18 anos é considerado inimputável, antes mesmo de consagração legal, por consagração constitucional. Outrossim, ainda que a menoridade penal seja subespécie de gênero desenvolvimento mental incompleto, segue o critério biológico, não se enquadrando, assim, por evidente, nas hipóteses do art. 26 do CP, e sim no art. 27, sendo a inimputabilidade presumida júris et de jure.

No mesmo sentido:

Assim, a inimputabilidade do menor de 18 anos no Direito pátrio não decorre da ausência ou da diminuição da inteligência e vontade, pelo contrário, pode até possuí-la; mas sim de uma presunção absoluta, que não admite prova em contrário, de que o menor infrator não detém capacidade penal para suportar a pena.

46

O fato da criança e do adolescente ser inimputável não significa dizer

que eles não responsabilizados por seus atos, ou ainda, que são beneficiados

pela impunidade.

Pelo contrário para as crianças que cometem ato infracional são

aplicadas medidas próprias de proteção, de caráter educativo, buscando

sempre a melhor alternativa de inserção dela na família e na sociedade,

conforme cada caso em específico, portanto elas respondem por suas atitudes,

muito bem elaborado pelo legislador no artigo 101 do Estatuto da Criança e do

Adolescente.

E o adolescente que pratica o ato infracional, recebe medidas

sócioeducativas que consistem em corrigi-lo e devolvê-lo a sociedade com

nova postura, assim previsto no artigo 112 do referido estatuto.

O Estatuto da Criança e do Adolescente retrata as medidas específicas

de proteção e as medidas sócioeducativas em seu livro II Parte Especial, e não

serão aqui esclarecidas já que o objetivo do presente trabalho não consiste

nelas, mas apenas em dizer que as crianças e os adolescentes são

responsabilizados por seu atos.

É mentirosa a visão de que os adolescentes autores de infrações penais não respondem pelo ato que praticam. Respondem sim, e o fazem segundo as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente/ Lei 8.069/90 – ECA, sendo submetidos a julgamentos, dentro do devido processo legal (GOIÁS, 2001, p.124).

É primordial ressaltar, por exemplo, que se comparar a execução das

medidas aplicadas a população infantojuvenil pela prática ato infracional (roubo

com uso de arma de fogo), à pena aplicada a um adulto que praticou um roubo

a mão armada, é totalmente desproporcional já que pelas as medidas

sócioeducativas o adolescente ficará três anos internados, enquanto o adulto

cumprirá somente pena de dois anos em regime aberto.

Na esteira da Constituição Federal o ECA impõe a responsabilização do infrator, sujeitando-se à privação de liberdade. O período de internamento, no módulo máximo de três anos, considera a condição de pessoa em desenvolvimento do adolescente e o próprio período de metamorfose que caracteriza esta fase. Após esse período, o adolescente estará apto, se adequadamente trabalhado, para a reinserção na sociedade. Num paralelo com o sistema aplicável

47

ao adulto, se ele praticou um roubo a mão armada, a pena que receber, como regra, deverá se situar ao redor de 5 anos e 4 meses de reclusão, observados os critérios do Código Penal. Desta pena, vai cumprir preso apenas um terço dela, ou seja, mais ou menos 2 anos, dada a sistemática da Lei de Execuções Penais. Estes dois anos são em presídios ou em celas de delegacias, sem o mínimo de condições para adequado acompanhamento pedagógico, terapêutico e psicoterapêutico, na companhia de outros piores adultos, com um histórico de vida de criminalidade. Já pelo ECA, se um adolescente praticar o mesmo ato, sujeita-se a uma internação, em medida sócio-educativa, cumprida entre iguais de até três anos. A questão não é reduzir a idade de responsabilidade penal, mas de cumprimento, em todo o país, das medidas que o ECA prevê (GOIÁS, 2001, p.125-6).

Assim, as medidas sócioeducativas são mais eficientes, e realmente

são cumpridas, já que tem função pedagógica, visando proteger e ressocializar

o adolescente. Portanto, não há o que se falar que esta parcela da população

não é punida.

Observando que a inimputabilidade é uma questão cronológica convém

informar que a proposta de emenda constitucional neste sentido contradiz a

legislação brasileira como melhor se analisará adiante.

2.7. A proposta de emenda constitucional – PEC 171/1993 e o

ordenamento jurídico brasileiro

A sociedade brasileira de modo contínuo vem sendo bombardeada pelos

noticiários de que a criminalidade avança de forma rápida e que os agentes em

sua grande maioria são adolescentes e jovens, e que estes vivem a mercê da

impunidade.

Como sempre ocorreu com o passar do tempo e em todas as

civilizações, a população grita e almeja uma solução imediata,

independentemente de saber se ela será ou não eficaz, desejando que ela

apenas exista.

48

Para ilustrar, achou-se por bem apresentar a legislação álibi ou o direito

penal simbólico1. Estes dois conceitos é a última moda no campo legislativo

brasileiro.

Que na verdade consistem em criar normas de forma rápida, sem muito,

ou melhor, sem nenhum estudo, problematização do caso em questão. Busca-

se instituir leis e mais leis para cada problema que surgir dando a sociedade a

resposta de que as legislações existem para punir aqueles que a

descumprirem, contudo essas leis efetivamente não servem para nada, pois

não resolvem os conflitos existentes.

Elas não verificam a causa do problema, são elaboradas para dizer que

existem, ou como se diz popularmente “para inglês ver”. Assim jamais se

resolverá as consequências, surgirão outros conflitos que desencadearão seu

esquecimento e ineficácia.

A legislação álibi é qualquer lei criada para solucionar um problema. E

por sua vez, o direito penal simbólico comunga a mesma ideia, mas está

concentrado na esfera penal.

Este método utilizado pelos legisladores traz à baila duas

possibilidades.

A primeira é a oportunidade dos políticos abraçarem inúmeras causas,

sendo que muitas delas servem apenas para a conquista de votos e manterem

seus mandatos, pois sua essência é inviável, mas no calor dos acontecimentos

e na maneira como a mídia transmite e repercute a notícia elas são a melhor

solução encontrada para aquele fato.

A sociedade amedrontada, e necessitada de soluções urgentes ainda

que ineficazes ou maléficas, vêem nelas a reposta perfeita para os conflitos.

Igualmente, a outra é que o Direito Penal que deveria ser a ultima ratio

(ser utilizado quando todas as outras legislações falharam) pode ter se

transformado na primeira e mais cômoda alternativa.

Corroborando o acima Lenza, (2012) opinou:

1 O legislador moderno, na ânsia de dar resposta imediata às mazelas sociais, tem o

hábito de se utilizar, muitas vezes, do Direito Penal, de maneira simbólica e desmedida, produzindo novas incriminações, sem o cuidado de observar que existem outros meios de controle social capazes de dar uma dimensão adequada e proporcional ao conflito. (LENZA, 2012, p.107)

49

O Direito Penal deve ser a última fronteira no controle social, uma vez que seus métodos são os que atingem de maneira mais intensa a liberdade individual. O Estado, portanto, sempre que dispuser de meios menos lesivos para assegurar o convívio e a paz social, deve deles se utilizar, evitando o emprego da pena criminal. O Direito Penal deve ser a ultima ratio e jamais a prima ratio. Os vários ramos jurídicos dão respostas satisfatórias a diversos conflitos cotidianos, sem a necessidade de intervenção do Direito Penal.

No mesmo sentido Souza (2015) escreveu:

As legislações simbólicas surgem de uma resposta rápida exigida pela Sociedade ou ainda por um determinado grupo social. Isto baseada na falsa ideia de que a criação de leis trará a repreensão daquele conflito que ora desponta como insolúvel. Porém, ao se criar tal legislação, não se atém às consequências as quais esta legislação emergente trará. Observa-se, contudo, especificamente no âmbito da legislação penal, efeito mais gravoso e consequências mais danosas quando isso ocorre, partindo do pressuposto de que o critério ultima ratio deve nortear a utilização do Direito Penal.

E a partir desta observação é plenamente possível entender porque no

país há inúmeras leis criadas do dia para a noite, beneficiando alguns grupos

ou favorecendo algumas categorias, como exemplo mais recente aconteceu

com a elaboração da lei referente aos crimes cibernéticos, que após o

vazamento de fotos íntimas da atriz Carolina Diekmann, foi aprovada

rapidamente, principalmente pela divulgação sensacionalista da mídia.

Na mesma proporção é que surgiram as propostas de emendas

constitucionais visando reduzir a idade penal e solucionar a questão de

segurança pública do país. Fato este que nem mesmo o Estado com todos os

seus tentáculos conseguiu solucionar, como se observa em Matos (2013, p.45):

Reduzir a maioridade penal não solucionará a problemática da violência e, consequentemente da criminalidade por se tratar, essa medida, de uma posição imediatista e oportunista, cujo objetivo é dar uma resposta à sociedade, inquieta com o problema da insegurança no País. O envolvimento de adolescentes em atos infracionais vai além dessa discussão, carecendo os mesmos de tratamento especializado, em virtude de o menor infrator apresentar perturbações de várias naturezas entre elas, sociológicas e psicológicas, que a legislação penal, por si só, não tem condições de resolver. Ressalve-se que o sistema atual não dá conta nem dos adultos.

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Contudo a proposta é encabeçada por parlamentares que a partir do

apoio e dos votos querem criar mais uma lei no país e assim elaboraram a

proposta de emenda constitucional – PEC 171/1993.

2.7.1. A Proposta de Emenda Constitucional – PEC 171/1993

Esta proposta de emenda constitucional, mais conhecida como a PEC

171/93, tramita pelo Congresso Nacional há vinte e dois anos, pois em 19 de

agosto de 1993 o então do Deputado Benedito Domingos e outros a

apresentou ao plenário.

Ela consiste em alterar a redação do artigo 228 da Constituição da

República Federativa do Brasil elaborado pelo legislador constituinte que diz:

“são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas

da legislação especial”, para a proposta que foi aprovada recentemente pela

Câmara dos Deputados.

Durante estas duas décadas outras propostas de conteúdo idêntico

foram apensadas a PEC 171/93.

Ocorre que ela foi arquivada e desarquivada inúmeras vezes, fato este

que movimentou os deputados durante todo esse tempo, onde cada um, cada

grupo apresentaram suas ideias e também levaram diversas pessoas ligadas a

movimentos sociais, instituições filantrópicas, órgãos institucionais entre outros

a expor seus pontos de vista, favoráveis ou não ao assunto.

E no dia 19 de agosto de 2015, exatamente na data de aniversário do

vigésimo segundo ano da apresentação ao Plenário, os 473 deputados, sendo

que destes, houve uma abstenção e 152 votos contrários, a proposta de

emenda constitucional denominada de 171/1993 foi aprovada por 320 e vinte

votos favoráveis com o seguinte texto:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial, ressalvados os maiores de dezesseis anos, observando-se o cumprimento da pena em estabelecimento separado dos maiores de dezoito anos e dos menores inimputáveis, em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

51

O texto aprovado pelos deputados foi encaminhado no dia 21 de agosto

de 2015 para o Senado Federal que deverá analisar o projeto, votá-lo ou

devolver à Casa anterior como novas propostas.

Os parlamentares basearam-se no parágrafo 3º, artigo 60 da

Constituição da República Federativa do Brasil que versa sobre a possibilidade

de emendas constitucionais desde que promulgadas pelas mesas da Câmara

dos Deputados e dos Senadores, com os respectivos números de ordem.

Ponderando que a PEC 171/93 se embasa no artigo supra dito, aqueles

que a defendem, valem-se deste contexto para dizer que ela é constitucional.

Como se pode observar os textos elaborados pelas pessoas favoráveis,

por primeiro elas mencionam que a partir do momento que a proposta passou

pela Comissão de Constituição e Justiça – CCJ ela é constitucional, ou seja,

não contraria as cláusulas pétreas e nem mesmo direitos e garantias

fundamentais que estariam dispostos em outros artigos da Carta Magna.

Em seguida dizem que se o jovem a partir dos dezesseis anos pode

votar, ser ouvido como testemunha em juízo, ser emancipado ainda que sem o

consentimento dos pais quando possuem renda própria, pode muito bem

assumir seus atos na esfera penal.

Por que, então a redução para 16 anos? A partir dos 16 anos o jovem vota se quiser, seu testamento é aceito em juízo e pode ser emancipado, inclusive sem consentimento dos pais, se tiver economia própria. O Direito brasileiro reconhece, assim, que a partir dos 16 anos o adolescente tem condições de assumir a responsabilidade pelos seus atos. Por isso é legítimo o debate que se abre agora: redução pura e simples da idade-limite para a aplicação da lei penal para os 16 anos (nos termos da proposta da Câmara dos Deputados) ou a redução da maioridade penal apenas em casos excepcional gravidade (FERREIRA, 2015).

Também acreditam que o jovem possui condições suficientes para

distinguir entre o que é certo e o que é errado. Entendem que os jovens

conseguem muito mais facilmente compreender o que é um crime como, por

exemplo, um homicídio do que um contrato civil. Neste sentido, o direito penal

está atrasado em relação ao direito civil que em 2002 atualizou a maioridade

civil de vinte e um anos (Código Civil de 1916) para dezoitos anos.

Comungou esta ideia Netto (2015) ao escrever:

52

A redução da maioridade é uma exigência do próprio sistema: o Código Civil reduziu sua maioridade de 21 anos (Código de 1916), para 18 anos, segundo o novo Código Civil de 2002. Isto significa dizer que a legislação civil se atualizou à nova realidade. O Código Penal precisa também se adequar à nossa realidade. A CF/88, em seu art. 14, prevê que um adolescente com 16 anos pode participar do futuro político do nosso país, exercendo o direito de voto, escolhendo os seus mandatários políticos. Pode também votar em plebiscitos, referendos e participar da iniciativa popular, dispor dos próprios bens por meio de testamentos (art. 1860 do CC/02), podendo ser mandatário nos termos do art. 666 do CC/02. Porém, este mesmo jovem não pode ser punido através do Código Penal? O Código Penal não pode ter maioridade igual à do Direito Civil, porque o fato criminoso é muito mais compreensível e inteligível do que fatos do direito não penal (seara civil). Quero dizer que é muito mais fácil saber, ter noção, do que é um homicídio (ramos do direito penal) do que entender um contrato de locação, ou um contrato de compra e venda, por exemplo, que são ramos do direito civil. Tanto que é essa uma das razões para, historicamente, termos a idade da maioridade civil superior à maioridade penal.

Em relação às problemáticas que podem surgir como os criminosos

passarem a recrutar adolescentes com idade inferior aos dezesseis anos,

superlotação nas penitenciárias, desrespeito aos direitos e garantias

fundamentais entre outros, argumentam que atualmente os adolescentes

precocemente já estão inseridos na criminalidade e não somente aqueles que

têm entre dezesseis e dezoito anos.

Quanto à superlotação acreditam que não irá acontecer, pois os

adolescentes que cometerem um ato infracional e forem verdadeiramente

punidos devem ser colocados em locais próprios para eles, como já acontece

nos dias de hoje, e lá permaneceriam por tempo superior aos três anos atuais.

Ainda seria possível aplicar a eles a progressão de regime e utilizar o método

da lei de execuções penais.

E não há que se falar em desrespeito a dignidade humana já que esta

há muito tempo não é valorizada no país. Bem como a desvalorização da

vítima e suas famílias que sofrem sozinhas e arcam com os prejuízos.

Netto (2015) acertadamente disse:

Levantamentos que dizem que os crimes praticados por menores de 18 anos representam baixo percentual, não elide que adolescentes em conflito com a lei não possam ter punição

53

compatível e proporcional com a gravidade do fato praticado, pois as vítimas não podem estar sendo expostas a tais riscos. Não seria importante é minimizar a possibilidade de surgir uma nova vítima? O argumento de que, com a redução, os maiores, que se aproveitariam de jovens menores de 18 anos em crimes, sobretudo no tráfico de drogas, iriam reduzir a faixa etária do aliciamento, passando a recrutar crianças mais jovens, é falacioso, pois jovens com 15, 16 ou 17 anos têm mais estrutura física e mental para tal prática. Um suposto aumento da população carcerária, caso fosse aprovada a redução da maioridade penal, não ocorreria caso aos jovens em conflito com a lei continua nas unidades de internação, por um período maior e depois, por exemplo, progrediria para regime semi-aberto ou aberto, conforme a lei de execução penal, sempre separados dos adultos. Dizer que seriam atingidos pela redução da maioridade penal só os menores carentes e abandonados, não podem deixar encobrir o conflituoso que mata, aleija, estupra ou ofende a integridade, com a gravidade de pessoas inocentes e trabalhadoras.

No mesmo sentido Aquino (2015) ressaltou:

E por não saberem o que fazem, não podem ser presos, mesmo quando matam a tiros por motivo torpe, por um celular, um par de tênis, uma bicicleta, uma bolsa ou um carro. Eles sabem manejar uma arma, sabem dirigir, podem votar, transam, fazem filhos, não são se sentem mais na obrigação de obedecer aos pais. Mas não sabem que tirar uma vida deixa crianças órfãs e pais destruídos. [...] Pela lei brasileira, eles são inimputáveis. Mesmo após um crime hediondo, os menores não podem ser responsabilizados pela Justiça. Sua ficha policial continua em branco. Alguns irão para um reformatório e logo serão soltos. [...] Sou a favor da redução da maioridade penal para 16 anos. Por uma razão de senso comum, nada a ver com ideologia ou “vingança”: não enxergo os de 16 a 18 anos como adolescentes. Não vem ao caso se são pobres ou ricos, se foram à escola ou não, eles são jovens adultos e devem pagar por seus atos como os maiores. [...] Os presídios deveriam se transformar em centros de ressocialização para qualquer idade. Deveriam mostrar que o crime não compensa e que o conhecimento e o trabalho enobrecem. Os reformatórios juvenis brasileiros talvez sejam, em muitos aspectos, piores que as prisões.

No mais, não foi trazido à baila outros questionamentos se ela, tal

proposta, será realmente eficaz no controle da criminalidade e violência no

país.

54

Ante a problemática do assunto, na maneira como foi abordado e pelas

influências momentâneas que ocorreram dias antes a votação (quatro

adolescentes de um estado brasileiro que foram agredidas, estupradas e

amarradas por quatro adolescentes e um adulto), motivaram os deputados a se

livrarem do assunto e na ânsia desesperadora de dar uma resposta à

sociedade e “dizer” que se preocupam com segurança pública aprovaram o

projeto, sem ao menos debruçarem-se mais sobre o tema.

Como já fora dito se comprova que a partir da influência dos meios de

comunicação, do clamor social por solução imediatista é que o legislador cria

as leis, e neste caso, mais uma lei na área do direito penal simbólico, a

legislação álibi da redução da maioridade penal.

Pensa-se que reduzindo a idade penal, solucionará a criminalidade e a

violência no país, uma verdadeira hipocrisia idealizada pelos políticos, imposta

a sociedade que mais uma vez vê se cala com a publicação da nova norma,

sonhando ser a solução do problema.

Comungando este ideal Silva (2015) escreveu o texto a seguir:

Mas é fundamental que essa PEC não represente uma legislação álibi, servindo apenas para manipular a sociedade, desviando o foco das verdadeiras causas da violência, introduzindo a sensação de que a redução da maioridade para 16 anos, per si, resolverá o problema da criminalidade envolvendo jovens. É imprescindível que à família, à sociedade e o Estado unam esforços para fazer os direitos constitucionais garantidos à criança, ao adolescente e ao jovem, a exemplo do direito à vida, à educação, à profissionalização, à dignidade, lazer, e etc., livrando-os de toda forma de negligência, exploração e violência. Enfim, o sentimento de insegurança que acomete a população brasileira por conta da violência faz com que se pense que enclausurar é a única solução viável. Aprovada a PEC 171/93, aliada a punição do infrator a partir dos 16 anos com mais rigor, é fundamental ademais que sejam implementadas políticas públicas sólidas que assegurem os direitos constitucionalmente previsto em favor das crianças, dos adolescentes e jovens, pois estas medidas, sim, poderão de fato mudar a realidade dos jovens infratores no Brasil.

E partir desta superficialidade é que será demonstrado o entendimento

das legislações vigentes, culminando na inconstitucionalidade da emenda.

55

2.7.2. O Ordenamento Jurídico Brasileiro

Em se tratando da proposta de redução da maioridade penal, a

legislação penal brasileira, acompanhada das leis especiais, todas à luz da

Constituição da República Federativa do Brasil, por unanimidade retratam que

a idade penal mínima é de dezoito anos, adotando o critério biológico e assim

demonstram em seus textos.

2.7.2.1. O Código Penal

O Código Penal apesar de estar datado de 1940, traz em seu bojo que

os adolescentes somente poderão ser apenados a partir do momento em que

verdadeiramente forem considerados imputáveis, já que a inimputabilidade é

absoluta.

É por isso que a supra dita legislação em seu artigo 27 estabeleceu que:

“os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando

sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

De acordo com Masson (2014, p.1157):

Tais pessoas, independentemente da inteligência, da perspicácia e do desenvolvimento mental, são tratadas como inimputáveis. Podem, inclusive, ter concluído uma faculdade ou já trabalharem com anotação em carteira de trabalho e previdência social. A presunção de inimputabilidade é absoluta (iuris et de iure), decorrente do art. 228 da CF e do art. 27 do CP, e não admite prova em sentido contrário. Nos termos da Súmula 74 do STJ, a prova da menoridade deve ser feita por documento hábil (certidão de nascimento, certidão de batismo, carteira escolar etc.). Menor de 18 anos de idade e a emancipação civil: O menor de 18 anos civilmente emancipado continua, no campo penal, inimputável. A capacidade ou incapacidade civil não se confunde com a imputabilidade penal.

Ainda assim o referido Código esclareceu que os adolescentes que

praticaram algum ato infracional serão submetidos à legislação especial, ou

seja, ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que será abordado no decorrer

deste subtítulo.

Há pouco tempo os jovens foram agraciados com um diploma próprio

para eles. Tal dispositivo veio afirmando os direitos e garantias já previamente

56

estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, mencionando

expressamente quem são, quais os cuidados que merecem e quais as

instituições que tem o dever de cuidado.

2.7.2.2. O Estatuto da Juventude

Esta lei também considerada especial e mais recente que o Estatuto da

Criança e do Adolescente, em seu primeiro artigo cristalinamente informou:

Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. § 1o Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade. § 2o Aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos aplica-se a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, e, excepcionalmente, este Estatuto, quando não conflitar com as normas de proteção integral do adolescente.

Contudo, o Estatuto da Juventude em seus diversos artigos menciona

que jovem é a pessoa que já completou dezoitos anos, outra vez reafirma que

os adolescentes são seres em desenvolvimento já que sua capacidade

psiquica não está totalmente formada.

O artigo 2º tratou especificamente dos princípios. Apesar de todos serem

essenciais, cabe aqui enforcar o inciso IV que confere a eles o devido

reconhecimento como sujeitos de direitos.

De acordo com Rossato; Lépore; Sanches (2014, p.105):

Em razão da atual redação, o dever jurídico da família, sociedade e do Estado de fazer cumprir os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes foi estendido aos jovens, que passam a ser detentores de prestações positivas, as quais devem ser tomadas com prioridade absoluta. Direitos fundamentais assegurados: os jovens possuem todos os direitos fundamentais dos adultos e outros mais.

Mesmo a Constituição da República Federativa do Brasil já tendo

abrangido os jovens em seus artigos garantistas, o Estatuto da Criança e do

Adolescente também afirmado, isso não foi o suficiente e não bastou.

57

Já que recentemente foi preciso que o legislador elaborrasse um

estatuto próprio para a juventude, pois os jovens não têm seus direitos

respeitados e não são tratados como pessoa humana.

Tal situação demonstra que a juventude brasileira vem sendo

exterminada de diversas formas. Não apenas como vítimas da violência, mas

principalmente quando têm seus direitos fundamentais esmagados.

Os adolescentes e jovens, no Brasil, são mais vítimas do que algozes da violência. Ora, há quem argumente que justamente por isso, os infratores deveriam ser encarcerados, mas não podemos endurecer regras penais, baseando-nos em exceções. Portanto, se é pensando na minoria dos adolescentes, que cometem crimes ou infrações, é que surgem as propostas de redução da idade penal, precisamos nos conscientizar de que essa exceção não pode pautar a elaboração de políticas criminais ou de segurança pública, nem tampouco pautar a elaboração de leis (MALHEIROS, 2014, p.32).

Dentre a comunidade juvenil atualmente as maiores vítimas são os

jovens negros. Fator tão importante e de grande comoção que fez com que a

Secretaria Nacional da Juventude – SNJ elaborasse planos para rever este

quadro. Este órgão inclusive mantém em seu site uma chamada pública para

que as instituições incentivem e atraiam os jovens para seus projetos, visando

assim, que eles passem menos tempo expostos à violência.

De acordo com o Mapa da Violência 2015, quem mais sofre vítima das agressões e mortes no Brasil são os jovens negros. A partir dessa premissa, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) abre chamada pública voltada a instituições com propostas de ações para jovens em situação de vulnerabilidade social, em especial jovens oriundos do Sistema Socioeducativo e dos Territórios do Plano Juventude Viva. O Plano Juventude Viva, encabeçado pela SNJ e Secretaria de Políticas Pela Igualdade Racial (Seppir), reúne medidas de prevenção no intuito de reduzir a vulnerabilidade de jovens negros a situações de violência física e simbólica, a partir da criação de oportunidades de inclusão social e autonomia para os jovens (Ascom SNJ).

Verifica-se que a juventude tem seus direitos e garantias ulttrajados pela

violência, sendo ela a maior vítima e não os autores da crimilidade.

Muitos de seus direitos que lhe são garantidos constitucionalmemte na

primeira parte do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil

58

que menciona: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza”, tal expressão é mais que suficiente para resguardar qualquer

pessoa das atrocidades e da perda de seus direitos.

Todavia, nem sempre é assim intrepretada a lei, o que fez com que o os

legisladores do poder constituinte originário elaborassem um capítulo próprio

onde detalharam pormenorizadamente todos os direitos e garantias dos

diversos membros de uma sociedade: a família, a criança, o adolescente, o

jovem e o idoso.

E com o pensamento evoluído, futurista, ainda naquela época, já

prevendo qualquer possibilidade de rompimento destas garantias foi além ao

expressar no artigo 60, § 4º, IV, que estes direitos mesmo não estando no rol

taxativo de direitos e garantias fundamentais, são abarcados pelas claúsulas

pétreas, assim sendo, são imutáveis.

O legislador atual ao criar o Estatuto da Juventude apenas quis

relembrar que os jovens são pessoas humanas, e que seus direitos devem ser

resgatados e não ultrajados.

Ainda entre as leis especiais que abordam o assunto, o referido estatuto

fez menção ao Estatuto da Criança e do Adolescente e categoricamente

afirmou que este é quem prevalece em se tratando dos adolescentes.

2.7.2.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente

Este ordenamento jurídico é por si só a viga mestra que auxilia a

Constituição da República Federativa do Brasil. No entanto ressalvam-se

alguns artigos para melhor compreensão do assunto abordado.

Especialmente o que traz o artigo 2º disciplinando o assunto:

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente quando elaborado trouxe

mudanças significativas, pois rompia a ideia das atrocidades permitidas pelo

Código de Menores, dando nova expressão a legislação brasileira que se

59

baseava na Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela

Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 20 de novembro de 1959.

Este estatuto reforçou a preferência da Constituição da República

Federativa do Brasil que já havia feito sua opção pela dignidade da pessoa

humana e assim incluiu as crianças e os adolescentes como cidadãos.

A primeira mudança é que o documento foi chamado de estatuto, que

quer dizer, corporação, conjunto de regras reguladoras e não mais código

como outrora.

O termo pejorativo “menores” que fazia menção de discriminação, ou

ainda de grupo menos favorecido foi substituído por crianças e adolescentes,

igualando todos os indivíduos desta faixa etária como pessoas iguais, dignas

de direito e deveres, pouco importando se a referência é de um indivíduo filho

de nobres ou daquele abandonado e desamparado. Pela primeira vez a norma

constitucional passava a ser validada como devia, qual seja, todos são iguais.

Neste sentido Nucci (2014, p.13):

Sem dúvida, com o passar do tempo, o desgaste do termo menor tornou-se visível, por variadas razões. [...] O Estatuto da criança e do adolescente, por certo, trouxe modernidade ao direito infantojuvenil e, somente por isso, deve prevalecer, na maioria das citações, a terminologia adequada à novel legislação.

Todas estas mudanças para propagar que as crianças e os

adolescentes merecem cuidados específicos, tratamentos diferenciados,

visando sua proteção integral. E é por isso que toda a sociedade é responsável

por eles.

Ainda que já fora escrito em artigo próprio, a legislação em comento é

taxativamente protecionista, isso significa dizer que o adolescente enquanto

não completa dezoito anos é imaturo ante o desenvolvimento se encontrar em

formação.

Como embasamento do acima disposto o próprio estatuto em seus

artigos seguintes assegura a proteção integral, como se pode observar:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e

60

facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Tratou aqui o legislador de condicionar a criança e o adolescente como

verdadeiros sujeitos de direitos, passando a serem os protagonistas da lei em

testilha e não apenas objetos que ela fala. Mais uma vez reafirma o artigo 5º

da Constituição da República Federativa do Brasil que considera todas

as pessoas em igualdade de direitos sem distinguir homens, mulheres ou

ainda maiores e menores de idade.

Rossato; Lépore; Sanches, (2014, p.92) apresentaram essa posição com

toda maestria quando assim escreveram:

Com a edição do Estatuto passa-se a considerar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos a não como objetos. Apesar da ausência da plena capacidade civil, as pessoas em desenvolvimento têm o poder de ostentarem, como titulares, prerrogativas inerentes ao exercício de direitos fundamentais. Poderão, pois, exercer livremente os direitos humanos reconhecidos internamente que, positivados, passam a ostentar o status de fundamentais. [...] Ademais, o art. 5º do Estatuto repele qualquer forma de exploração, violência, crueldade e opressão, ou seja, veda-se o abuso em face de crianças e adolescentes seja qual for a sua forma de expressão.

Garantidos estão todos os direitos essências daqueles que se

encontram nas faixas etárias englobadas pela infância e juventude. No mais,

há ainda outro artigo que os resguardam de qualquer violência.

O estatuto da infância e da juventude tratou seus destinatários com

prioridade absoluta.

Art. 4º É dever a família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

61

destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Isso lhes garante total prioridade. Se as crianças e adolescentes têm a

preferência em direitos e garantias individuais essenciais, prioritariamente terão

na oportunidade para melhor se desenvolverem e para isso compete às

famílias o dever de cuidado e caso não consigam sozinhas realizá-lo deve a

sociedade e o Estado intervir, auxiliando-a.

E confirmando que crianças e adolescentes são sujeitos de direito, têm

prioridade absoluta, há também o respeito a sua condição de pessoa em

desenvolvimento.

Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Ainda que os componentes da infância e juventude possuam direitos e

deveres como os demais membros da sociedade brasileira, eles devem ser

amparados, e ter protegidos seus direitos e deveres de forma especializada,

diferente e integral já que sua condição é específica de seres humanos em

plena formação.

O Estatuto não é diploma de simples regulamentação das relações jurídicas e sociais, que envolvem crianças e adolescentes, mas sim um arcabouço legal que trata da proteção à infância e juventude, disciplinando regras que visam à colocação da pessoa em desenvolvimento em posição privilegiada na sociedade brasileira, inclusive com destinação prioritária de receitas para a consecução de políticas públicas (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2014, p. 100).

Notadamente o estatuto assegura e põe a salvo esta parcela da

população brasileira.

Cabe ainda informar que ela não tem somente direitos, mas também

deveres, como bem explicado no artigo acima. Eles passaram de menores

abandonados e delinquentes para cidadãos brasileiros.

E por este motivo ainda que outros dispositivos legais já apresentaram

taxativamente em seu corpo que os menores de dezoito anos são inimputáveis

o presente diploma no artigo 104 outra vez expressamente determinou:

62

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

Considerando que a lei especial prevalece sobre a lei geral não há o que

se discutir em relação à constitucionalidade deste artigo. Portanto, a proposta

de emenda constitucional 171/93 é inadequada ante a carência de

constitucionalidade.

Visando demonstrar que a proposta de emenda constitucional – PEC

171/93 caminha na contramão das conquistas obtidas ao longo da história pela

infância e juventude, analisará os princípios dignidade da pessoa humana e

vedação do retrocesso, bem como a classificação da Constituição da República

Federativa do Brasil elaborada pelo legislador constituinte. E complementando

esta os tratados que dispõem sobre os direitos e garantias das crianças e

adolescentes, os quais o Brasil é signatário.

63

CAPÍTULO 3

A SOLUÇÃO ESTÁ NOS ESTATUTOS: À LUZ DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

Este capítulo tem por objeto retratar os dois principais princípios que

regulamentam e estruturam os estatutos.

Por primeiro será abordado o princípio da dignidade da pessoa humana,

que é comumente utilizado em todos os ramos do direito, especialmente nas

áreas do Direito Penal e Direito Processual Penal, contudo é também pilar

basilar no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto da Juventude

não quando se trata da aplicação de medidas sócioeducativas para àqueles

adolescentes e jovens em conflito com a lei, mas primordialmente para

garantir-lhes a condição de pessoas em pleno desenvolvimento.

Outrossim, passa-se ao princípio da vedação do retrocesso que garante

que os direitos adquiridos não podem retroceder. E uma vez que foram

efetivados devem ser acrescidos de outras garantias e jamais serem retirados

do ordenamento jurídico.

Estes princípios paralelos aos demais que já foram descritos no capítulo

primeiro, formam um todo coeso, sendo plenamente possível assegurar que os

mencionados estatutos se forem verdadeiramente cumpridos, por todos os

responsáveis, partindo da família, da sociedade, dos órgãos responsáveis e do

Estado não há que se falar em redução da idade penal, mas na plena

efetivação dos estatutos já vigentes.

Abordou-se a Constituição da República Federativa do Brasil, onde o

legislador constituinte disse expressamente que as propostas de emendas

constitucionais que atentassem contra direitos e garantias fundamentais não

iriam ser observadas.

E finalmente os tratados de direitos humanos, os quais o Brasil adota e é

co-responsável junto aos demais atores da comunidade internacional.

3.1. O princípio da dignidade da pessoa humana

64

Antes, porém de adentrar propriamente no mérito deste princípio é

primordial retratar como ele surgiu.

Por primeiro apresenta-se o Direito Humano e que não há uma base

própria de como ele nasceu. Contudo, há diversas teorias que vão desde as

primeiras comunidades, passando pelas religiões, pelo berço da filosofia, das

revoluções, surgimento das organizações internacionais até os dias atuais.

Rapidamente compreende-se que os direitos ainda que não declarados

de forma expressa, eram mantidos nas tradições e culturas dos povos antigos.

O Código de Hamurabi previa o direito a vida, da propriedade e da honra. Os

judeus seguiram a mesma linha de pensamento ao elaborar os Dez

Mandamentos. Durante o domínio dos Romanos a Lei das Doze Tábuas

igualmente garantiu a eles a posse das propriedades e a igualdade. Por sua

vez Buda também assegurou o direito de igualdade.

Mesmo assim tais direitos eram assegurados somente aos povos em

suas localidades, não se estendendo aos estrangeiros. Desta forma, enquanto

os cristãos propagavam o Cristianismo como religião libertadora em que Jesus

Cristo veio ao mundo igualmente para todos, de modo especial, para os mais

necessitados, indiretamente protegia os direitos humanos para todas as

pessoas.

Apontar a origem da dignidade da pessoa humana, como um valor a ser respeitado por todos, não é tarefa das mais fáceis. Analisando a história, contudo, podemos dizer que uma de suas raízes encontra-se no cristianismo. A ideia, por exemplo, de igualdade e respeito entre homens e mulheres, livres ou escravos, ou mandamentos como o amor e a compaixão para com o próximo, demonstram que o verdadeiro cristianismo, aquele personificado na pessoa de Jesus, é um dos alicerces desse complexo edifício da dignidade da pessoa humana. [...] Embora suas origens remontem à Antiguidade, o princípio da dignidade da pessoa humana é, basicamente, fruto da evolução filosófica ocidental, fundamentada na individualização, na singularidade existencial, na liberdade e no respeito à vida, tendo como função precípua, portanto, a valorização do homem, em si mesmo considerado. Pode-se afirmar que essa evolução se deveu mais à cultura e à filosofia ocidentais em virtude da supremacia do homem, individualmente considerado, sobre o todo social, ao contrário do que ocorre, como regra, nos países orientais, onde o coletivo prevalece sobre o individual (GRECO, 2011, p.95-6).

65

A Magna Carta promulgada pelo Rei João Sem Terra, na Inglaterra em

1215, também os garantiu.

A Revolução Francesa com seus três fundamentos: Liberdade,

Igualdade e Fraternidade foi um verdadeiro marco na história, sendo tão forte e

primordial que se espalhou mundialmente, ficando conhecido como “direitos de

liberdade”.

Os países começaram a se preocupar com as catástrofes da guerra,

momento em que surgiu o Direito Humanitário. Logo após o término da 1ª

Guerra Mundial formam-se as primeiras organizações internacionais de

proteção às pessoas, destaque para a Organização Internacional do Trabalho –

OIT.

Após o término da 2ª Guerra Mundial ante a barbárie, o holocausto

causado, a sociedade internacional criou a Organização das Nações Unidas –

ONU (1945) e em 1948 proclamam definitivamente a Declaração Universal dos

Direitos Humanos – DUDH, que consiste em garantir a qualquer pessoa em

todos os recantos do planeta que são livres e iguais, sem qualquer distinção.

Neste contexto encontra-se a dignidade da pessoa humana, ou seja,

alguém só tem resguardado os direitos humanos se este compreender todas as

possibilidades da dignidade da pessoa humana.

Assim afirmado por Tavares (2014):

O principio do respeito à dignidade da pessoa humana norteia a compreensão dos direitos fundamentais. [...] O Texto Constitucional promoveu verdadeiro alargamento do conjunto de direitos e garantias, para incluir no rol dos direitos fundamentais do homem tanto direitos tanto direitos civis como direitos políticos e sócias. Para além disso, consagrou os denominados direitos e interesses coletivos e difusos.

Por fim, dignidade da pessoa humana é a possibilidade de qualquer

pessoa gozar de todos os direitos que lhe são possíveis, independentemente

de cor, raça, sexo, língua, entre tantas outras características.

Segundo a afirmação de Novelino (2010, p. 339-340):

Dignidade da Pessoa Humana é o valor constitucional supremo que irá informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional, sobretudo, o sistema de direitos fundamentais. [...] A dignidade em si não é um direito,

66

mas um atributo inerente a todo ser humano, independentemente de sua origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outro requisito. O ordenamento jurídico não confere dignidade a ninguém, mas tem a função de proteger e promover este valor. O reconhecimento da dignidade como fundamento impõe aos poderes públicos o dever de respeito, proteção e promoção dos meios necessários a uma vida digna.

Até aqui se retratou a dignidade da pessoa humana de modo amplo e

geral. Entretanto é conveniente abordá-la para os grupos estudados: crianças,

adolescentes e jovens.

Ainda que eles também são pessoas e tem garantido seus direitos como

pessoas humanas, é mister dizer que por sua condição de alguém que está em

formação, ainda não possui o desenvolvimento completo carecem de cuidados

próprios, específicos e diferenciados.

As crianças são titulares de direitos humanos, como quaisquer outras pessoas. Aliás, em razão de sua condição de pessoa em desenvolvimento, fazem jus a um tratamento diferenciado, sendo correto afirmar, então, que são possuidoras de mais direitos que os próprios adultos. Essa é a atual compreensão da comunidade internacional sobre os direitos humanos de crianças, comprovada principalmente após vários documentos, entre Declarações e Convenções, surgidas no século XX, que passam a reconhecer a criança como objeto de proteção (Declaração de Genebra) ou sujeito de direitos (Declaração de Direitos e Convenções sobre os Direitos), tal como todos os seres humanos. Além disso, as crianças passam a ser merecedoras de total atenção em temas específicos, em decorrência de graves ofensas que não se encontram adstritas aos limites dos territórios nacionais, como ocorre com a venda, a pornografia e a exploração infantil (ROSSATO; LÉPORE e SANCHES, 2014, p. 49).

Apenas como apontamentos de que as crianças, adolescentes e jovens

tiveram seus direitos protegidos, a sociedade internacional elaborou diversas

declarações e o Brasil por sua vez, é um dos países que as ratificou. São elas:

a Declaração de Genebra (1924), a Declaração dos Direitos da Criança (1959),

o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966),

as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da

Infância e da Juventude (1985) e a Convenção sobre os Direitos da Criança

(1989).

67

Tal princípio é o mais conhecido e divulgado em todos os âmbitos

jurídicos. E essa afirmativa não é errada já que ele pode ser considerado o

primeiro e o mais importante de todos.

A Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 1º, inciso

III, trouxe-o como fundamento, que significa dizer que a constituição que o

adota ela garante força protetiva a todas as pessoas.

Tal afirmação se encontra em Nery (2012, p.179):

A proteção da dignidade humana constitui dever fundamental do Estado Constitucional, mais precisamente, um dever jurídico-fundamental. A soberania popular possui na dignidade humana seu último e primeiro fundamento. [...] A dignidade humana possui uma dupla direção protetiva. Isso significa que “ela é um direito público subjetivo, direito fundamental do indivíduo contra o Estado (e contra a sociedade) e ela é, ao mesmo tempo, um encargo constitucional endereçado ao estado, no sentido de um dever de proteger o individuo em sua dignidade humana em face da sociedade (ou de seus grupos).

É cristalino esse direito, que protege todas as pessoas sem qualquer

distinção desde o nascimento até sua morte independente de qual seja o rincão

em que ela se encontra neste país.

Conceituar dignidade da pessoa humana, já no século XXI, ainda continua a ser um enorme desafio. Isso porque tal conceito encontra-se no rol daqueles considerados vagos e imprecisos. É um conceito, na verdade, que, desde a sua origem, encontra-se em um processo de construção. Não podemos, de modo nenhum, edificar um muro com a finalidade de dar contornos precisos a ele, justamente por ser um conceito aberto (GRECO, 2011, p. 98).

Portanto, tal princípio a cada dia é construído, acrescenta-se a ele outros

e novos direitos, embasados nas necessidades das pessoas.

Todavia, esse princípio foi mais uma vez adotado e imortalizado no Novo

Código de Processo Civil, que como já fora dito ainda está em seu período de

vacatio legis, precisamente em seu artigo primeiro. Considerando que o

processo civil é a base estruturante de todos os outros processos e o legislador

o elaborou, afirmando que o mais novo diploma deverá preservar e atender o

princípio em comento, mais do que nunca a legislação brasileira deve estar à

luz da Constituição da República Federativa do Brasil que por sua vez

assegura primordialmente a dignidade da pessoa humana.

68

Portanto, a dignidade da criança e do adolescente deve ser protegida e

considerada como algo sagrado, aquilo que deve respeitado, garantindo a esta

parcela da população a efetividade plena de seus direitos constitucionais.

Neste contexto, a dignidade do adolescente infrator deve ser ainda mais

respeitada. O simples fato dele ser internado em um instituição já se têm

motivos suficientes de abalo de seu contexto, contudo as medidas

socioeducativas têm função pedagógica e de ressocialização.

Mesmo sendo necessária a aplicação de tais medidas, elas devem ser

aplicadas de maneira que garanta ao adolescente infrator a não violação de

seus direitos fundamentais. E em alguns casos a medida de internação é

primordial para afastar o adolescente de riscos ainda maiores.

Ainda que este princípio fale por si só, vale a pena retratar que há outro

tão importante quanto este, que assegura sua plena efetividade.

3.2. O Princípio da Vedação do Retrocesso de Garantias

Fundamentais

Este princípio fundamenta-se na exigência obrigatória da proteção

jurídica da pessoa humana. Ele pode ser acrescido, jamais reduzido. É por isso

que também é conhecido como “efeito cliquet” ou “ampliativo”.

O entendimento doutrinário é que ele se aplica essencialmente aos

direitos sociais, todavia não o impede de ser estendido às garantias individuais.

Assim se observa:

Com efeito, em matéria de direitos humanos, vigora o princípio da proibição do retrocesso, pelo qual uma norma de direitos humanos já positivada só pode ser substituída por outra mais protetiva da dignidade humana (PORTELA, 2015, p. 803).

No mesmo sentido Paulo e Alexandrino (2013, p. 258-9):

Esse princípio da vedação de retrocesso (também conhecido pela expressão francesa effet cliquet) visa a impedir que o legislador venha a desconstituir pura e simplesmente o grau de concretização que ele próprio havia dado às normas da Constituição, especialmente quando se cuida de normas constitucionais que, em maior ou menor escala, acabam por depender dessas normas infraconstitucionais para alcançarem sua plena eficácia e efetividade. [...] por fim, é relevante

69

observar que os autores que propõem a necessidade de observância do princípio da vedação do retrocesso social enfatizam estar também a ele adstrito o legislador constituinte derivado (na elaboração de emendas à Constituição), e não apenas o legislador infraconstitucional (na elaboração das leis).

Vislumbra-se que este princípio é próprio dos direitos sociais. Contudo,

os direitos sociais são classificados como direitos e garantias de segunda

geração/dimensão e são amplamente amparados.

Nada impede que os direitos fundamentais de primeira

geração/dimensão não sejam também abrangidos por ele.

O legislador, ao regulamentar os direitos, deve respeitar o seu núcleo essencial, dando as condições para a implementação dos direitos constitucionalmente assegurados. Ainda, dentro desse contexto, deve ser observado o princípio da vedação ao retrocesso, isso quer dizer, uma vez concretizado o direito, ele não poderia ser diminuído ou esvaziado, consagrando aquilo que a doutrina francesa chamou de effet cliquet. Entendemos que nem a lei poderá retroceder, como, em igual medida, o poder de reforma, já que a emenda à Constituição deve resguardar os direitos sociais já consagrados (LENZA, 2012, p. 1089).

Portanto, este dispositivo vem em complementação aos outros

princípios, unicamente garantindo-lhes sua efetiva aplicação. Serve ainda como

um lembrete para o legislador em não alterar aquilo que já está positivado.

Neste contexto, os estatutos que estão vigentes devem ser aplicados

buscando-se sempre sua plena concretização alicerçadas impreterivelmente na

Constituição da República Federativa do Brasil, que além de ser a constituição

cidadã é a viga mestra do ordenamento jurídico brasileiro, sendo

complementada pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil.

3.3. A Constituição da República Federativa do Brasil

É mister descrever brevemente como foi elaborada a atual Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988.

A população em geral, especialmente os estudantes, manifestavam-se

constantemente nas ruas, pleiteando os direitos essenciais que haviam sido

banidos pela Ditadura. O primordial deles a ser pleiteado era o direito ao voto

70

direto, onde os (as) brasileiros (as) pudessem escolher através do sufrágio

direto seus representantes.

Já que os militares dominavam o país desde o Golpe Militar aplicado em

1964. Ocorre que em 1987 o então Presidente José Sarney eleito

indiretamente enviou ao Congresso Nacional uma proposta de emenda a

constituição vigente que resultou na Convocação de uma Assembleia

Constituinte, sendo esta composta pelos senadores e deputados federais da

época.

Assim, no dia 1º de fevereiro de 1987 aconteceu a Instalação da

Assembleia Nacional Constituinte, sendo composta pelos parlamentares que

ficaram conhecidos como legisladores do Poder Constituinte Originário. Eles

trabalharam na elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil

durante um pouco mais de um ano e em 05 de outubro de 1988 ela foi

promulgada, sendo também chamada de “Constituição Cidadã”.

Conforme os ensinamentos doutrinários poder constituinte consiste em:

O poder constituinte pode ser conceituado como o poder de elaborar (e neste caso será originário) ou atualizar uma Constituição, mediante supressão, modificação ou acréscimo de normas constitucionais (sendo nesta última situação derivado do originário) (LENZA, 2012, p. 183).

Para Paulo e Alexandrino (2013, p. 79-80) “O poder constituinte é o

poder que cria a Constituição. Os poderes constituídos são o resultado dessa

criação, isto é, são os poderes estabelecidos pela constituição”.

No mesmo sentido:

O poder constituinte é o responsável pela escolha e formalização do conteúdo das normas constitucionais. [...] Trata-se de um poder político, supremo e originário, encarregado de elaborar a primeira Constituição de um Estado (poder constituinte histórico) ou criar uma nova Constituição, seja em decorrência de revolução (poder constituinte revolucionário), seja de transição constitucional (poder constituinte transicional) (NOVELINO, 2010. p.71).

Ainda para Morais (2010, p.26-7):

O Poder Constituinte é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.

71

A doutrina aponta a contemporaneidade da ideia de Poder Constituinte com a do surgimento de Constituições escritas, visando à limitação do poder estatal e à preservação dos direitos e garantias individuais. O Poder Constituinte originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. Tanto haverá Poder Constituinte no surgimento de uma primeira Constituição, quanto na elaboração de qualquer Constituição posterior. A ideia da existência de um Poder Constituinte é o suporte lógico de uma Constituição superior ao restante do ordenamento jurídico e que, em regra, não poderá ser modificada pelos poderes constituídos. É, pois, esse Poder Constituinte, distinto, anterior e fonte da autoridade dos poderes constituídos, com eles não se confundindo.

Como se observa, todos os autores mencionados são unânimes,

categóricos, em dizer que originário é aquele em que o legislador escreve,

elabora a Constituição e que e quando outros legisladores fazem qualquer

alteração, surge o poder constituinte derivado, ou seja, foi permitido pelo

originário.

Os parlamentares do Poder Constituinte Originário, estabeleceram que

os futuros legisladores poderiam fazer alterações na Constituição, desde que

seguissem as determinações por eles elaboradas e ainda, que tais mudanças

não ocorressem nas cláusulas pétreas que tratam dos direitos e garantias

fundamentais.

Essa previsão se observa no artigo 60 da Carta Magna:

Art.60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II – do Presidente da República; III – de mais da metade das Assembléias legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º. A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º. A emenda à Constituição será promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

72

§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais. § 5º. A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

E afinal de contas o que são cláusulas pétreas? São os trechos da

Constituição da República Federativa do Brasil que não podem ser alterados,

pois consistem em garantias fundamentais e da dignidade da pessoa humana,

além de alterar a classificação da constituição.

Poder-se-ia alegar que as cláusulas pétreas são restrições impostas pelo poder constituinte originário ao poder reformador e que, do ponto de vista lógico, seria incompreensível um poder impor a si próprio uma restrição inafastável (NOVELINO, 2010, p.382).

As constituições são rotuladas por diversas classificações, deste modo a

Constituição da República Federativa do Brasil é classificada quanto a sua

origem que é a democrática (populares, promulgadas), expressa de forma

escrita, sua elaboração é dogmática, com conteúdo formal, de estabilidade

rígida, em relação à correspondência com a realidade é normativa, quanto a

extensão é analítica (prolixa) e em relação a finalidade é dirigente

(programática).

E assim ante esta classificação, não se permite alterar muito artigos, em

especial aqueles que consistem em garantir a dignidade da pessoa humana.

Mais uma vez a doutrina ensina que:

Na vigente Constituição, estão previstas no art. 60, § 4º. segundo o qual “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais”. São essas as “cláusulas pétreas expressas”. As limitações materiais implícitas concernem a matérias que, apesar de não mencionadas expressamente no texto constitucional como insuprimíveis, estão implicitamente fora do alcance do poder de reforma, sob pena de ruptura da ordem constitucional. Isso porque, caso pudessem ser modificadas pelo poder constituinte derivado, de nada adiantaria a previsão

73

expressa das demais limitações. São apontadas pela doutrina três importantes limitações materiais implícitas, a saber: a titularidade do poder constituinte originário, pois uma reforma constitucional, obra do poder constituído, não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador (a criatura não pode retirar do criador essa qualidade); a titularidade do poder constituinte derivado, pois quem a estabelece é o poder constituinte originário, único poder legitimado para determinar quem tem competência para alterar a Constituição (e o processo mediante o qual isso pode ser feito); um poder constituído não pode autorizar a modificação da Constituição por outro poder constituído; o próprio processo de modificação da constituição (revisão e emenda), bem como os artigos que estabelecem todas as limitações explícitas impostas pelo constituinte originário, pois, caso contrário, o poder constituinte derivado poderia alargar indefinidamente sua esfera de atuação (poderia até mesmo transformar a Constituição rígida em flexível, eliminando, assim, a própria distinção entre poder constituinte originário e derivado) (PAULO e ALEXANDRINO, 2013, p. 609-10).

E para Morais (2013, p.455-6):

Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente, ou seja, fora do rol do art. 5.º, que é meramente exemplificativo. Importante ressaltar que as normas constitucionais cuja natureza jurídica configure-se como direito ou garantia individual, mesmo não estando descritas no rol do art. 5.º da Carta Magna, são imodificáveis, pois serão inadmissíveis emendas tendentes a suprimi-las, total ou parcialmente, por tratar-se de cláusula pétreas (CF, art. 60, § 4º, IV).

E é por isso que apesar do artigo 228 não estar elencado no rol taxativo

do artigo 5.º da Constituição da República Federativa do Brasil, ele trata dos

direito e garantias fundamentais da criança e do adolescente, ou seja, protege

a dignidade da pessoa humana, não pode ser alterado pelo legislador atual,

pois consiste em limitação material implícita.

O artigo supra dito é muito claro ao dizer: “São penalmente inimputáveis

os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Como

se observa:

É garantido à inimputabilidade aos menores de dezoito anos, assegurando, aos adolescentes, o direito de serem submetidos a um tribunal especial, regido por uma legislação especial e

74

presidido por um juiz especial, o Juiz da Infância e da Juventude, [...] o referido artigo é um direito individual, concretizado no principio da dignidade da pessoa humana. É uma liberdade negativa face ao Estado, e, portanto, uma cláusula pétrea, cuja redução não pode operar por meio de Emenda à Constituição (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2014, p. 326-7).

O trecho por ora apresentado demonstra cristalinamente que os

adolescentes e jovens são inimputáveis e carecem de todo um tratamento

próprio.

Os autores constitucionais também retratam o assunto. Visando melhor

explanação é interessante abordá-los aqui.

Os autores Paulo e Alexandrino (2013, p.1074) em seu último capítulo

abordaram a Ordem Social e no item 8 trataram da Proteção à família, à

criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso e assim categoricamente

relataram: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos

às normas da legislação especial”.

No mesmo sentido Morais (2010, p.856) também escreveu: “são

penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da

legislação especial”.

Corroborando este entendimento o mesmo autor, mas em sua obra

clássica escreveu que os menores de dezoito anos são inimputáveis.

A Constituição Federal de 1988, expressamente em seu art. 228, previu, entre os vários direitos e garantias específicos das crianças e dos adolescentes, a seguinte regra: são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Essa previsão transforma em especialíssimo o tratamento dado ao menor de 18 anos em relação à lei penal. Dessa forma, impossível a legislação ordinária prever responsabilidade penal aos menores de 18 anos. A questão, todavia, deve ser analisada em seu aspecto mais complexo, qual seja, a possibilidade de alteração constitucional que possibilitasse uma redução de idade geradora da imputabilidade penal. Seria possível uma emenda constitucional, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, para alteração do art. 228? Entende-se impossível essa hipótese, por tratar-se a inimputabilidade penal, prevista no art. 228 da Constituição Federal, de verdadeira garantia individual da criança e do adolescente em não serem submetidos à persecução penal em Juízo, tampouco poderem ser responsabilizados criminalmente, com conseqüente aplicação de sanção penal. Lembremo-nos,

75

pois, de que essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em juízo. Assim, o art. 228 da Constituição Federal encerraria a hipótese de garantia individual prevista fora do role exemplificativo do art. 5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao art. 150, III, b (Adin nº. 939-7/DF), e, consequentemente, autêntica cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4º, IV (“não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais”) (MORAES, 2013, p. 2076).

Considerando que a Constituição Federal é a maior legislação vigente

em uma nação, não há o que se falar em redução da maioridade penal no

Brasil, pois os menores de dezoito anos são inimputáveis, conforme se observa

na previsão legal editada pelo legislador constituinte.

E reafirmando que a inimputabilidade não é impunidade, apresentou-se

os dois princípios estruturantes dos estatutos, tanto o da criança e do

adolescente como o da juventude, demonstrando que se eles forem seguidos a

risca não haverá criança, adolescente e jovem com tempo ocioso para

enveredar-se pelo crime.

Estes princípios além de ser criação do legislador do poder constituinte

foram ratificados pelo Brasil ao assinar os tratados internacionais que os

prevêem.

Portanto, é essencial retratar as principais declarações vigentes no

mundo que foram adotadas pelo Brasil e abordam a necessidade e atenção

especial as crianças e adolescentes.

3.4. Declarações Internacionais de Direito Humanos em face da

legislação brasileira

O Brasil é um dos signatários das declarações internacionais que

cuidam, protegem e defendem os direitos fundamentais das crianças e dos

adolescentes.

Ele pode ou não ratificar os tratados internacionais que dizem respeito

aos direitos humanos.

Se quiser ratificá-los deverá seguir a disposição da emenda

constitucional – EC 45/2004 que consiste em: “os tratados e convenções

76

internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos

membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Se não fizer, estas declarações também são válidas, não como lei

nacional, mas como obrigação de proteção e cuidado às pessoas, pelo simples

fato do Brasil ser um dos membros da Sociedade Internacional, ou seja, sendo

um país signatário deve cumpri-las perante os outros Estados, caso as ignore

estará violando uma das regras da Comunidade Internacional.

Neste sentido Piovesan (2015) afirma:

Esse esforço se conjuga com o objetivo de compor uma imagem mais positiva do Estado brasileiro no contexto internacional, como país respeitador e garantidor dos direitos humanos.

Se a proposta de emenda constitucional – PEC 171/93 for aprovada, ela

será inconstitucional em decorrência do artigo 60, § 4º, inciso, IV, da

Constituição da República Federativa do Brasil e violará os tratados

internacionais em que o Brasil é signatário.

Vindo ao encontro dessa ideia o Ministério Público Federal emitiu uma

nota técnica (anexo E), que retrata a inconstitucionalidade da proposta de

emenda constitucional 171/93.

Com igual objetivo diversas instituições posicionaram-se contrárias a

redução da maioridade penal, como se pode observar no anexo.

77

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizada a presente pesquisa é possível observar que não se trata

apenas de elaboração de nova lei, e automaticamente ocorrem as mudanças e

transformações desejadas pela população, mas há diversos fatores que podem

contribuir ou não para esta eficácia.

Durante a pesquisa compreendeu-se que os princípios protegem o

Estatuto da Criança e do Adolescente, possibilitando uma aplicação mais

abrangente para cada um dos adolescentes, proporcionando-lhes

integralmente os direitos e garantias fundamentais de pessoa humana.

Deste modo, apresentou-se vários conceitos do que é princípios e

considerando que diversos deles asseguram a plena eficácia do mencionado

estatuto, abordaram-se tão somente aqueles considerados como fundamentais

pelas doutrinas utilizadas que os classificam em: princípio da proteção integral,

princípio da absoluta prioridade ou do superior interesse, princípio da

humanidade, princípio da legalidade, princípio da estrita observância pelo

Poder Judiciário, princípio da jurisdicionalidade, princípio do contraditório,

princípio da inviolabilidade de defesa, princípio da impugnação, princípio da

legalidade do procedimento, princípio da publicidade do processo e o princípio

da celeridade processual.

Neste rol há também o princípio da dignidade da pessoa humana e o

princípio da vedação do retrocesso de garantias fundamentais que

propositalmente foram deslocados para o último capítulo.

O segundo capítulo abordou um panorama evolutivo, que consistiu em

definir Direito, Direito Penal, Pena, o Direito Penal no Código de Hamurabi, as

diferenças e semelhanças entre crime e ato infracional e maior e menor. E

após estas definições retratou as principais legislações que tratam de crianças

e adolescentes.

Retrata-se a inimputabilidade infantojuvenil a partir da cronologia que

demonstra ainda, como o direito civil olha as crianças e adolescentes, sendo

estes classificados em dois grupos: absolutamente e relativamente incapazes.

Os critérios biológicos, psicológicos e biopsicológicos foram estudados à

luz da legislação brasileira, apontando a exceção em relação à maioridade

penal.

78

Tais apontamentos possibilitaram a diferença entre imputabilidade penal

e a inimputabilidade da criança e do adolescente. Que por sua vez culminou na

proposta de emenda constitucional, a chamada PEC 171/1993 contraposta ao

ordenamento jurídico brasileiro.

Em se tratando especificamente da redução da maioridade penal o

critério adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro é o biológico, já que ele

protege integralmente a criança e o adolescente durante seu processo de

amadurecimento, independentemente do conhecimento, do acesso a

tecnologia ou do local onde se encontre estas pessoas.

E por isso o Código Penal, o Estatuto da Juventude e o Estatuto da

Criança e do Adolescente taxativamente trouxeram em seus textos a

inimputabilidade dos menores de dezoito anos, salvo às condições da

legislação especial.

A partir da pesquisa destes dispositivos legais, se conclui que a

atualidade é o melhor período para as crianças e adolescentes, simplesmente

pela oportunidade de serem considerados pessoas especiais que necessitam

de carinho, afeto, proteção ante seu desenvolvimento incompleto.

Visando saber se a proposta de emenda constitucional – PEC 171/93 é

ou não constitucional, apresentou-se no terceiro capítulo os princípios

norteadores do assunto em comento: a dignidade da pessoa humana e o

princípio da vedação do retrocesso de garantias fundamentais, corroborados

pela Constituição da República Federativa do Brasil e dos tratados

internacionais sobre direitos humanos, os quais o Brasil adota perante a

comunidade internacional.

Para melhor compreensão do princípio da dignidade da pessoa humana,

descreve-se desde o seu surgimento até os dias atuais, considerando a

inclusão de novos direitos que possam surgir, já que se trata de um princípio

aberto.

Ele consiste em um princípio fundamental e de possibilidade. É

fundamental já que sem ele, as crianças e os adolescentes não podem usufruir

livremente de todos os outros direitos e garantias fundamentais. E a

possibilidade se encontra na necessidade deste princípio da dignidade da

pessoa humana ser o primeiro direito do cidadão em ter todos os demais

direitos e garantias fundamentais.

79

Por sua vez o princípio da vedação do retrocesso de garantias

fundamentais é próprio dos direitos sociais, contudo serve como base para

todos os outros. Em especial para o princípio da dignidade da pessoa humana,

pois ele impossibilita a perda desta garantia individual fundamental.

A Constituição da República Federativa do Brasil é soberana e rege

todas as demais legislações.

É garantista e defensora nata dos direitos abrangidos pelo princípio da

dignidade da pessoa humana, que pode ser chamado de princípio matriz já que

dele surgem todos os outros, uma vez que o mencionou um de seus

fundamentos.

Além disso, o legislador constituinte originário quando a elaborou

classificou como uma constituição de estabilidade rígida e estabeleceu

cláusulas pétreas que são imodificáveis através de proposta de emenda

constitucional.

Ela é ainda, corroborada pelas declarações e tratados internacionais, os

quais o Brasil é signatário.

Deste modo, entende-se que a proposta de emenda constitucional é

contrária a legislação brasileira, pois diante dos assuntos pesquisados ela é

inconstitucional por ferir as garantias individuais das crianças e adolescentes,

maculando o princípio da dignidade da pessoa humana.

E ainda que o artigo objeto da mudança se encontre fora do rol taxativo

do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, ele é

amplamente protegido pela disposição do artigo 60, § 4°, inciso IV do mesmo

diploma.

No mais, se a redução da maioridade penal for aprovada o Brasil violará

o acordo firmado de proteção e cuidado com os adolescentes perante a

comunidade internacional quando assinou os tratados de direitos humanos.

80

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85

ANEXOS

A. ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) considera grave o

procedimento adotado pela Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (2), ao

levar para nova votação emenda aglutinativa idêntica à proposta reprovada

pelo Plenário da Casa na noite de terça-feira.

Além da constitucionalidade material da PEC 171/1993 ser alvo de

questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), a medida adotada

pela Câmara fere o regimento interno e representa inconstitucionalidade formal

à proposta.

Para a entidade, não se pode alterar o que está estabelecido pelo artigo

228 da Constituição Federal; e o artigo 60, que trata de emenda à Constituição,

veda a deliberação sobre matéria que tente abolir direito ou garantia individual.

Esse é mais um retrocesso para a democracia brasileira. O sentimento

de todos os operadores do sistema de infância e juventude hoje é de

indignação. Buscar a redução da maioridade penal como solução para

diminuição da violência juvenil, sem o profundo e importante debate, trará

intangíveis danos à sociedade.

João Ricardo Costa

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.

86

B. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil divulgou uma nota sobre a

redução da maioridade penal, na quinta-feira, 16 de maio, durante coletiva de

imprensa, que apresentou o balanço da reunião do Conselho Episcopal

Pastoral (CONESP). A CNBB “reafirma que a redução da maioridade não é a

solução para o fim da violência”. Assim, a “Igreja no Brasil continua acreditando

na capacidade de regeneração do adolescente quando favorecido em seus

direitos básicos e pelas oportunidades de formação integral nos valores que

dignificam o ser humano”.

“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados

filhos de Deus” (Mt 5,9)

Nota da CNBB sobre a redução da maioridade penal

O debate sobre a redução da maioridade penal, colocado em evidência

mais uma vez pela comoção provocada por crimes bárbaros cometidos por

adolescentes, conclama-nos a uma profunda reflexão sobre nossa

responsabilidade no combate à violência, na promoção da cultura da vida e da

paz e no cuidado e proteção das novas gerações de nosso país.

A delinquência juvenil é, antes de tudo, um aviso de que o Estado, a

Sociedade e a Família não têm cumprido adequadamente seu dever de

assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança e do adolescente,

conforme estabelece o artigo 227 da Constituição Federal. Criminalizar o

adolescente com penalidades no âmbito carcerário seria maquiar a verdadeira

causa do problema, desviando a atenção com respostas simplórias,

inconsequentes e desastrosas para a sociedade.

87

A campanha sistemática de vários meios de comunicação a favor da

redução da maioridade penal violenta a imagem dos adolescentes

esquecendo-se de que eles são também vítimas da realidade injusta em que

vivem. Eles não são os principais responsáveis pelo aumento da violência que

nos assusta a todos, especialmente pelos crimes de homicídio. De acordo com

a ONG Conectas Direitos Humanos, a maioria dos adolescentes internados na

Fundação Casa, em São Paulo, foi detida por roubo (44,1%) e tráfico de drogas

(41,8%). Já o crime de latrocínio atinge 0,9% e o de homicídio, 0,6%. É,

portanto, imoral querer induzir a sociedade a olhar para o adolescente como se

fosse o principal responsável pela onda de violência no país.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao contrário do que se

propaga injustamente, é exigente com o adolescente em conflito com a lei e

não compactua com a impunidade. Ele reconhece a responsabilização do

adolescente autor de ato infracional, mas acredita na sua recuperação, por isso

propõe a aplicação das medidas socioeducativas que valorizam a pessoa e lhe

favoreçam condições de autossuperação para retornar a sua vida normal na

sociedade. À sociedade cabe exigir do Estado não só a efetiva implementação

das medidas socioeducativas, mas também o investimento para uma educação

de qualidade, além de políticas públicas que eliminem as desigualdades

sociais. Junta-se a isto a necessidade de se combater corajosamente a praga

das drogas e da complexa estrutura que a sustenta, causadora de inúmeras

situações que levam os adolescentes à violência.

Adotada em 42 países de 54 pesquisados pela UNICEF, a maioridade

penal aos 18 anos “decorre das recomendações internacionais que sugerem a

existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e

responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos” (UNICEF). Reduzi-la

seria “ignorar o contexto da cláusula pétrea constitucional – Constituição

Federal, art. 228 –, além de confrontar a Convenção dos Direitos da Criança e

do Adolescente, as regras Mínimas de Beijing, as Diretrizes para Prevenção da

Delinquência Juvenil, as Regras Mínimas para Proteção dos Menores Privados

de Liberdade (Regras de Riad), o Pacto de San José da Costa Rica e o

Estatuto da Criança e do Adolescente” (cf. Declaração da CNBB contra a

redução da maioridade penal – 24.04.2009).

88

O Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil (CNBB), reunido em Brasília, nos dias 14 a 16 de maio, reafirma que a

redução da maioridade não é a solução para o fim da violência. Ela é a

negação da Doutrina da Proteção Integral que fundamenta o tratamento

jurídico dispensado às crianças e adolescentes pelo Direito Brasileiro. A Igreja

no Brasil continua acreditando na capacidade de regeneração do adolescente

quando favorecido em seus direitos básicos e pelas oportunidades de formação

integral nos valores que dignificam o ser humano.

Não nos cansemos de combater a violência que é contrária ao Reino de

Deus; ela “nunca está a serviço da humanidade, mas a desumaniza”, como nos

recordava o papa Bento XVI (Angelus, 11 de março de 2012). Deus nos

conceda a todos um coração materno que pulse com misericórdia e

responsabilidade pela pessoa violentada em sua adolescência. Nossa Senhora

Aparecida proteja nossos adolescentes e nos auxilie na defesa da família.

Brasília, 16 de maio de 2013.

Dom José Belisário da Silva Arcebispo de São Luís do Maranhão

Presidente da CNBB em exercício

Dom Sergio Arthur Braschi Bispo de Ponta Grossa

Vice-Presidente da CNBB em exercício

Dom Leonardo Ulrich Steiner Bispo Auxiliar de Brasília Secretário Geral da CNBB

89

C. CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS – CONIC

O Que Deus exige de nós? (Mq 6. 6-8)

A partir da pergunta do lema bíblico da Semana de Oração pela Unidade

dos (as) Cristãos (ãs) convidamos as igrejas, para refletir sobre as Propostas

de Emenda à Constituição que tramitam na Comissão de Constituição e Justiça

e que pretendem mudar a Constituição e as leis infra-constituicionais com o

objetivo de reduzir a maioridade penal.

Os argumentos utilizados são vários. O mais difundido justifica a

redução da maioridade penal afirmando que, em função da proteção garantida

pela Constituição Federal, pelo Código Penal e pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente aos menores, adultos se aproveitariam de jovens adolescentes

para cometer crime. Outro argumento é que o Brasil estaria se diferenciando de

outros países que consideram a idade de responsabilidade penal abaixo dos 18

anos. Por fim, somam-se a estes argumentos a ampla campanha midiática que

reserva espaço considerável nos telejornais para consolidar, de forma

sensacionalista, a imagem que o número de crimes hediondos praticados por

menores teria crescido.

Projetos de Leis que atingem os direitos conquistados pela sociedade

civil, nestes curtos anos de experiência democrática, têm sido frequentes.

Chamamos a atenção para um viés autoritário presente em algumas destas

propostas que, coincidentemente ou não, têm recebido uma atenção e

tentativas de aceleração com vistas á realização dos eventos esportivos

internacionais que acontecerão em nosso país. Neste contexto, é preciso,

portanto, jogar nossas “imperfeições” sociais de baixo do tapete.

Lamentamos que esta questão esteja em discussão. A Maioridade

Penal, na forma como hoje se apresenta na Constituição, é uma conquista da

sociedade civil organizada, que têm realizado a duras penas, trabalhos em

defesa dos direitos das crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA é a expressão máxima deste trabalho.

Reduzir a maioridade penal não irá resolver o problema da criminalidade

em nosso país. É necessário olhar com seriedade para os problemas

estruturais de nossa sociedade. Entre eles, a desigualdade social. Inúmeras

90

pesquisas apontam que a enorme diferença entre ricos e pobres é um dos

fatores que contribui para o aumento da criminalidade.

A precariedade do sistema nacional de educação é outro fator que

influencia positivamente para que jovens cometam atos infracionais.

Adicionam-se a isso, o fortalecimento de processos culturais como o

individualismo, consumismo e hedonismo. A ineficácia de políticas públicas que

deveriam contribuir para a reintegração de jovens que cometeram crimes é

outra questão a ser considerada. Não são poucos os relatórios que relatam

casos de agressão sofridos por jovens em instituições que deveriam

ressocializar estes jovens.

Por fim, o argumento de que haveria uma tendência de aumento do

número de crimes praticados por jovens é enfraquecido pelos dados de

pesquisas internacionais. Segundo levantamento do Instituto Latino-americano

das Nações Unidas, entre 2000 - 2001, dos 2.100 adolescentes acusados de

atos infracionais, 58,7% estavam envolvidos em furtos, roubos e porte de

armas. O crime de homicídio respondia a 2% dos atos praticados por

adolescentes, o que equivale a 1,4% dos casos.

Dados atualizados indicam que dos 9.016 internos da Fundação Casa,

83 infratores cumprem medidas socioeducativa por terem cometido latrocínio,

isto equivale a menos de 1% dos jovens internos.

A redução da maioridade penal coloca o Brasil no caminho do

retrocesso, uma vez que a maioria dos países que consideram a maioridade

penal abaixo dos 18 anos está revendo sua legislação e alterando a idade

penal para 18 ou 20 anos.

A redução da maioridade penal é inconstitucional. A idade penal de 18

anos integra a cláusula pétrea da Constituição Federal.

Não queremos que esta medida seja mais uma das que contribui para

reforçar a imagem do Brasil como um país que não cumpre os compromissos

internacionais assumidos.

Enquanto nação, nosso país comprometeu-se com a ratificação da

Convenção Internacional dos direitos da Criança e do Adolescente da ONU. A

redução da maioridade penal contraria as principais tendências de

administração da justiça da infância e da adolescência no mundo.

91

Esta medida representa ainda um indicador negativo na avaliação do

processo civilizatório e de desenvolvimento.

Diante dos retrocessos significativos ocorridos na garantia dos Direitos

Humanos em nosso país, juntamos nossa voz ás demais organizações de

defesa dos direitos da criança e dos adolescentes e nos posicionamos

contrários á aprovação desta medida.

O Estado brasileiro não deveria penalizar quem já é vítima de um

sistema desigual e injusto como o brasileiro.

92

D. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA – CFP

Entidades da Psicologia em campanha: 10 razões da Psicologia contra a

redução da maioridade penal

Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou

antes; e o que vejo é o que sobrou de tudo o que lhe foi tirado.

Herbert de Souza (Betinho)

Com intensa mobilização contra a redução da maioridade penal no

Brasil, diversas entidades que compõem o Fórum de Entidades da Psicologia

Brasileira, o FENPB, lançam neste mês a campanha "Entidades da Psicologia

em campanha contra a redução da maioridade penal!". Resgatando o

pensamento do sociólogo falecido em 1997, Herbert de Souza, o Betinho, do

Instituto Ibase – "Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a

violentou antes; e o que vejo é o que sobrou de tudo o que lhe foi tirado" – as

entidades deflagraram a campanha contra a redução da maioridade penal.

1. A adolescência é uma das fases do desenvolvimento dos indivíduos e,

por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada pela

perspectiva educativa. O desafio da sociedade é educar seus jovens,

permitindo um desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e

social quanto físico;

2. É urgente garantir o tempo social de infância e juventude, com escola

de qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e vivência de

cidadania, que permitirão a construção dos papéis sociais para a constituição

da própria sociedade;

3. A adolescência é momento de passagem da infância para a vida

adulta. A inserção do jovem no mundo adulto prevê, em nossa sociedade,

ações que assegurem este ingresso, de modo a oferecer – lhe as condições

sociais e legais, bem como as capacidades educacionais e emocionais

necessárias. É preciso garantir essas condições para todos os adolescentes;

4. A adolescência é momento importante na construção de um projeto

de vida adulta. Toda atuação da sociedade voltada para esta fase deve ser

93

guiada pela perspectiva de orientação. Um projeto de vida não se constrói com

segregação e, sim, pela orientação escolar e profissional ao longo da vida no

sistema de educação e trabalho;

5. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe

responsabilização do adolescente que comete ato infracional com aplicação de

medidas socioeducativas. O ECA não propõe impunidade. É adequado, do

ponto de vista da Psicologia, uma sociedade buscar corrigir a conduta dos seus

cidadãos a partir de uma perspectiva educacional, principalmente em se

tratando de adolescentes;

6. O critério de fixação da maioridade penal é social, cultural e político,

sendo expressão da forma como uma sociedade lida com os conflitos e

questões que caracterizam a juventude; implica a eleição de uma lógica que

pode ser repressiva ou educativa. Os psicólogos sabem que a repressão não é

uma forma adequada de conduta para a constituição de sujeitos sadios.

Reduzir a idade penal reduz a igualdade social e não a violência - ameaça, não

previne, e punição não corrige;

7. As decisões da sociedade, em todos os âmbitos, não devem jamais

desviar a atenção, daqueles que nela vivem, das causas reais de seus

problemas. Uma das causas da violência está na imensa desigualdade social

e, conseqüentemente, nas péssimas condições de vida a que estão

submetidos alguns cidadãos. O debate sobre a redução da maioridade penal é

um recorte dos problemas sociais brasileiros que reduz e simplifica a questão;

8. A violência não é solucionada pela culpabilização e pela punição,

antes pela ação nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que a

produzem. Agir punindo e sem se preocupar em revelar os mecanismos

produtores e mantenedores de violência tem como um de seus efeitos

principais aumentar a violência;

9. Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa. É

encarcerar mais cedo a população pobre jovem, apostando que ela não tem

outro destino ou possibilidade;

10. Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a

construção de políticas educativas e de atenção para com a juventude. Nossa

posição é de reforço a políticas públicas que tenham uma adolescência sadia

como meta.

94

Assinam a campanha contra a redução da maioridade de penal as

seguintes entidades da Psicologia brasileira:

ABEP - Associação Brasileira de Ensino de Psicologia

ABOP - Associação Brasileira de Orientação Profissional

ABPMC - Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental

ABPP - Associação Brasileira de Psicologia Política

ABRANEP - Associação Brasileira de Neuropsicologia

ABRAP - Associação Brasileira de Psicoterapia

ABRAPEE - Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional

ABRAPESP - Associação Brasileira de Psicologia do Esporte

ABRAPSO - Associação Brasileira de Psicologia Social

ANPEPP - Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia

CFP - Conselho Federal de Psicologia

CONEP - Coordenação Nacional dos Estudantes de Psicologia

FENAPSI - Federação Nacional dos Psicólogos

IBAP - Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica

SBPD - Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento

SBPH - Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar

SBPOT - Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho

SOBRAPA - Sociedade Brasileira de Psicologia e Acupuntura

[Fonte: Psicologia On-line - 20/07/2007]

95

E. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO

Nota Técnica PFDC/MPF

Tema: Direito à Prioridade Absoluta. Adolescente em Conflito com a Lei. Redução da Maioridade Penal.

Ementa: Análise e manifestação a sobre Proposição Legislativa 347/11, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências para tratar dos casos de aplicação da medida de internação. (PL Apensados: 1052/11; 1895/11; 3503/12.

Brasília, 03 de julho de 2013.

“A forma como o Estado e o Direito tratam suas crianças e adolescentes é um indicador infalível na avaliação do processo civilizatório e de desenvolvimento”

2.

1. Trata-se de mais uma, dentre várias proposições legislativas que tramitam na Câmara e no Senado Federal, com vistas a alterar a Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, no que tange à aplicação de medidas socioeducativas aos adolescentes autores de atos infracionais, propondo, entre as alterações, a redução da idade penal.

2. A redução da idade penal – no Brasil, estabelecida em 18 anos – é questão polêmica e tem estado, de forma recorrente, em debate no Congresso Nacional, geralmente quando da ocorrência de crime de grande comoção envolvendo a participação de adolescente.

3. Alguns setores da sociedade – em parte por desinformação acerca das medidas socioeducativas a que são submetidos adolescentes infratores, e também correspondendo ao destaque que a mídia dá aos crimes que envolvem adolescentes – leva muitos cidadãos a julgarem, erroneamente, que a redução da maioridade penal seria a solução para diminuir a violência no País.

4. Ressalte-se que, a partir do ECA, todas as crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos, rompendo com o paradigma e estigma do “menor” e da “situação irregular”, passando a infância e adolescência a serem consideradas como Prioridade Absoluta no orçamento e nas políticas públicas, além de se encontrarem sob a égide da Doutrina da Proteção Integral.

2 Relatório UNICEF: Porque dizer não à redução da idade penal. 2007

96

5. O estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), intitulado “Por que dizer não à redução da maioridade penal”, divulgou que, dentre 53 países, sem contar o Brasil, 42 (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação adotada pela maioria decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Ainda segundo o estudo, a redução da maioridade penal não resultou em diminuição da violência entre crianças e adolescentes em 54 países pesquisados no ano de 2007 que, a exemplo dos Estados Unidos, adotaram a medida.

6. Dados da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, no texto intitulado “Por que precisamos de uma política socioeducativa?” revelam que, entre 1998 e 2006, houve um aumento de 320% de adolescentes internados. Infere-se que essa medida deixou de atender os princípios de brevidade e excepcionalidade preconizados no ECA.

7. No mesmo sentido, o levantamento “Panorama Nacional: a execução de medidas socioeducativas de internação”, realizado pelo Programa Justiça ao Jovem, vinculado ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça, demonstrou que o Brasil possuía, entre julho de 2010 e outubro de 2011, 17.502 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Revelou ainda que os atos infracionais mais cometidos por adolescentes são correspondentes a crimes contra patrimônio. Tal informação confirma-se pelo Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), instituído pela Resolução nº 77 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 26 de maio de 2009, e que reúne informações sobre Varas de Infância e Juventude de todo o País sobre os adolescentes em conflito com a lei. Assim, revelam os dados em pauta que crimes como estupro, furto, lesão corporal e roubo seguido de morte são minoria.

8. Percebe-se que a lógica da punição sobressai à da educação e ressocialização do adolescente infrator. A medida de internação é empregada com caráter punitivo em detrimento do modelo socioeducativo, desrespeitando, muitas vezes, o caráter de brevidade e excepcionalidade previstos pelo ECA em seu artigo 121:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

9. Vale destacar que, segundo o Mapa da Violência3, as mortes por assassinato entre os jovens negros no País são, proporcionalmente, duas vezes e meia maior do que entre os jovens brancos. Em 2010, o índice de mortes violentas de jovens negros foi de 72 para cada 100 mil habitantes – o dobro da taxa de homicídio da população negra em geral. Entre jovens brancos, o índice foi de 28,3 por 100 mil habitantes. A partir desses dados é possível observar que o perfil dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação é composto, majoritariamente, por jovens negros e de baixa renda.

10. Outro ponto a assinalar é a idade das vítimas: “entre os negros, é marcadamente mais elevado: entre os 12 e os 21 anos de idade as taxas brancas passam de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil, aumenta 29 vezes. Já as taxas negras passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando de 46 vezes”.

3Waiselfisz, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil / Julio Jacobo Waiselfisz – Rio de Janeiro: CEBELA, FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012.

97

11. O Conselho Federal de Psicologia – CFP publicou documento intitulado “10 razões da Psicologia contra a redução da maioridade penal”, as quais destaco:

Nº 9. Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa. É encarcerar mais cedo a população pobre jovem, apostando que ela não tem outro destino ou possibilidade;

Nº 10. Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a construção de políticas educativas e de atenção para com a juventude. Nossa posição é de reforço a políticas públicas que tenham uma adolescência sadia como meta.

12. A Constituição Federal Brasileira de 1988 – CR/88, em seu artigo 228, estabelece que:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

13. O que significa dizer que o adolescente não responde criminalmente quando comete atos infracionais - crimes ou contravenções, porém responde conforme a legislação específica, neste caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme dispõe o art. 112 do ECA:

Estatuto da Criança e do Adolescente

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

14. Todavia, ao responder por prática de ato infracional, deve-se garantir todos os direitos do adolescente privado de liberdade, de acordo com o art. 124 do ECA:

Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: (...) V - ser tratado com respeito e dignidade; VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; (...) X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarização e profissionalização; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer.

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15. Vale ressaltar, também, que a CR/88, em seu art. 60, § 4, 4, dispõe que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. Assim, não há como alterá-la por projeto de lei, somente a realização de Constituinte poderia fazê-lo.

16. De igual modo, no plano internacional, tem-se inúmeras normas que demandam a necessidade de proteção e da atenção especial aos infratores com menos de 18 anos, dentre as quais destacam-se:

Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas – ONU que visa à proteção de crianças e adolescentes de todo o mundo, aprovada por meio da Resolução n. 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.

Art. 40 1. Os Estados Partes reconhecem à criança suspeita, acusada ou que se reconheceu ter infringido a lei penal o direito a um tratamento capaz de favorecer o seu sentido de dignidade e valor, reforçar o seu respeito pelos direitos do homem e as liberdades fundamentais de terceiros e que tenha em conta a sua idade e a necessidade de facilitar a sua reintegração social e o assumir de um papel construtivo no seio da sociedade.

Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Infância e da Juventude – Regras de Beijing.

7. Direitos dos jovens 7.1 Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser informado das acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação ante uma autoridade superior.

Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade.

12. A privação da liberdade deverá ser efetuada em condições e circunstâncias que garantam o respeito aos direitos humanos dos jovens. Deverá ser garantido, aos jovens reclusos em centros, o direito a desfrutar de atividades e programas úteis que sirvam para fomentar e garantir seu são desenvolvimento e sua dignidade, promover seu sentido de responsabilidade e fomentar, neles, atitudes e conhecimentos que ajudem a desenvolver suas possibilidades como membros da sociedade.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica.

5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.

6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

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17. Desta forma, depreende-se que, além de violar cláusula pétrea constitucional, a proposta de redução da maioridade penal afronta também parâmetros e diplomas internacionais de proteção dos direitos humanos que o Estado Brasileiro comprometeu-se a cumprir.

18. Defendidos a partir da lógica da Doutrina da Proteção Integral e compreendidos como pessoas em desenvolvimento biopsicossocial e sujeitos de direitos, os adolescentes que cometem atos infracionais são punidos por tais práticas. Como pessoa em desenvolvimento, deve ser levada em consideração que não está totalmente formado e maduro, numa perspectiva psicossocial. Por isso, a importância de serem tratados com dignidade, acreditando e promovendo meios para uma efetiva e real ressocialização desses jovens, respeitando seus direitos previstos no ECA e em diplomas internacionais já internalizados no Brasil.

19. Cumpre informar que há legislação4 regulamentando a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Trata-se da Lei 12.594/12 que institui o Sistema Nacional Socioeducativo - SINASE:

20. Segundo a referida lei, a definição do SINASE é o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei.

21. Dentre as principais diretrizes do SINASE, destacam-se:

• Reordenamento das unidades mediante parâmetros pedagógicos e arquitetônicos.

• Primazia das medidas socioeducativas em meio aberto.

• Política socioeducativa como uma articulação em rede e de integração de políticas intersetoriais: educação, saúde, assistência social, trabalho/emprego, previdência social, cultura, esporte e lazer, segurança pública.

• Natureza pedagógica da medida socioeducativa.

• Ênfase na descentralização, o que implica tanto na regionalização das unidades de privação de liberdade, quanto na municipalização das medidas de meio aberto.

• Articulação com os três níveis de governo e diálogo direto com Poder Judiciário e Ministério Público.

22. É oportuno observar que esse sistema é resultado de uma construção coletiva que envolveu diversos atores do Sistema de Garantia de Direitos – SGD, composto por representantes governamentais e não-governamentais. O referido sistema defende, sobretudo, a importante natureza pedagógica da medida socioeducativa, priorizando as medidas em meio aberto como: (i) a liberdade assistida e (ii) a prestação de serviços à comunidade. 23. Deste modo, o desafio que se coloca é a urgente necessidade da implementação do SINASE, como modelo prático, dentre outros, das obrigações das unidades de internação, dispostos no art. 94 do ECA.

4Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

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24. Eis que investir em medidas em meio aberto, oferecer atividades educacionais, esportivas, culturais e profissionais, manter um intercâmbio com a comunidade local, oferecer um programa de apoio aos egressos e suas famílias são algumas das ações que devem ser colocadas em prática visando, entre outros, o bem estar físico, mental e social desses adolescentes que têm seu futuro encoberto por um véu de desrespeito, violações de direitos, falta de oportunidades, violência institucional, exclusão social e um sentimento de injustiça.

25. O adolescente infrator nada mais é do que o reflexo da falência das políticas sociais básicas e das políticas especializadas. Muitos adolescentes que cometem ato infracional tiveram vários de seus direitos violados anteriormente ao ato praticado.

26. Importante ressaltar que a aplicação de medida socioeducativa possui um caráter punitivo e, desta forma, há realmente a responsabilização do adolescente autor de ato infracional. Contudo, a medida aplicada deve priorizar o aspecto educativo em detrimento ao coercitivo.

27. Dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias/InfoPen/Depen/MJ45 revelam que há mais meio milhão de pessoas (549.577) presas no Brasil. Esse dado nos leva a refletir se o sistema penitenciário brasileiro possui condições de acolher adolescentes entre 16 e 18 anos de idade, propiciando a esses jovens um ambiente capaz de promover sua ressocialização.

28. O atual Procurador-Geral da República, em reportagem6 publicada no portal G1, afirmou que reduzir a maioridade penal não resolve a criminalidade. Disse também que “o aumento de representações do Ministério Público contra menores infratores, apesar de indicar que menores estão cometendo mais crimes graves, não deve ser usado para embasar uma discussão sobre redução da maioridade penal”.

29. Por fim, vale destacar fragmento da entrevista da subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko, concedida ao sítio de notícias Viomundo7, sobre seu posicionamento acerca da redução da maioridade penal:

“O critério estabelecido pela Constituição é o mais adequado, considerando a média dos jovens. Sempre haverá exceções, mas a política penal deve atentar para as estatísticas e para os estudos da psicologia do desenvolvimento. Observo que menores de 18 anos são processados e cumprem pena. Fala-se em apreensão em lugar de prisão, de medida socioeducativa no lugar de pena, em infração análoga à crime. Na prática, porém, a atuação do sistema de justiça não difere daquela realizada para os maiores de 18 anos”.

30. Portanto, reduzir a maioridade penal representa um enorme retrocesso na defesa, promoção e garantia dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes no Brasil. 31. Ante o exposto, determino:

5Disponível em http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896}&Team=&params=itemID={C37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C};&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}. Acessado em 28.06.13, às12h37min. 6Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/06/reducao-da-maioridade-penal-nao-resolve-

criminalidadeafirma-gurgel.html. Acesso no dia 27.06.13, às 12h17min. 7Disponível em: http://www.viomundo.com.br/politica/ela-wiecko.html. Acesso no dia 28.06.13, às 13h.

101

I) que seja encaminhada cópia desta Nota Técnica à Assessoria de Articulação Parlamentar - Assart/PGR como subsídios para PL 347/2011 e seus apensos, assim como para todas as proposições legislativas em tramitação no Congresso que se referem à redução da maioridade penal e alteração do ECA, ressaltando que aposição da PFDC é expressamente contrária à redução da maioridade penal, pois tal medida representa um retrocesso na garantia de direitos humanos de crianças e adolescentes.

AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS Procurador Federal dos Direitos do Cidadão

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F. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB

A OAB Nacional, reafirmando o entendimento histórico do seu Conselho

Pleno, de março de 2007, manifesta sua contrariedade à decisão da Comissão

de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que aprovou nesta terça-

feira (31) a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.

A criminalidade envolvendo crianças e adolescentes requer atenção

especial das autoridades e de toda a sociedade, mas não se deve deixar que a

comoção leve a caminhos que não irão resolver o problema, mas apenas

agravá-lo. A Constituição fixa a maioridade penal em 18 anos. Para a Ordem,

esta é uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada. Além disso, há

dados que mostram que essa medida seria inócua.

Segundo dados divulgados recentemente pela imprensa, somente em

São Paulo o número de crianças e adolescentes internados por crimes e

contravenções cresceu 67% nos últimos dez anos, registrando 40 casos por dia

que chegam às Varas da Infância e Juventude.

Ao mesmo tempo, um levantamento do Conselho Nacional de Justiça

aponta que 47% dos internos em centros de reabilitação têm entre 16 a 17

anos e 42%, de 14 a 15 anos. Os crimes que eles cometem são praticamente

do mesmo tipo. Portanto, apenas baixar a idade penal para 16 anos não

resolverá completamente o problema.

O entendimento da OAB é de que o Estado brasileiro deve primeiro

cumprir suas funções sociais antes de remeter a culpa pela falta de segurança

ao sistema de maioridade penal.

O simples aumento do número de encarcerados, e a consequente

ampliação da lotação dos presídios, em nada irá diminuir a violência. A OAB

não descarta ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, caso a

proposta prospere no Congresso Nacional.

O que precisa ser feito por todos, Legislativo, Executivo e Judiciário, e

por toda a sociedade civil organizada, é buscar meios de melhorar as

condições de vida dos adolescentes, principalmente os mais pobres. Se eles

não têm escola, não têm educação profissionalizante, não têm esporte, não

são acolhidos pelo Estado, podem ser atraídos para o tráfico, além do

estabelecimento de um sistema de internação que efetivamente ressocialize.

103

É fato que toda a sociedade brasileira quer um país mais justo e com

menos criminalidade, mas a redução pura e simples da maioridade penal não

vai trazer os benefícios esperados pela sociedade. Sem receberem o

tratamento adequado, esses seres humanos acabam virando peças

vulneráveis para o cometimento de infrações e sentem-se acolhidos nas

instituições criminosas.

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G. ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU

Nações Unidas no Brasil se posicionam contra a redução da maioridade

penal

Por Claudio Tognolli | Claudio Tognolli – seg, 11 de mai de 2015

Segundo a ONU, se as infrações cometidas por adolescentes e jovens

forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não

como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania

e a justiça, “o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves

consequências no presente e futuro”.

O Sistema ONU no Brasil divulgou nesta segunda-feira (11) uma nota

em que demonstra “preocupação” com a tramitação, no Congresso Nacional,

de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993) que prevê a

redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade e o debate nacional

sobre o tema.

Segundo a ONU, se as infrações cometidas por adolescentes e jovens

forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não

como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania

105

e a justiça, “o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves

consequências no presente e futuro”.

NOTA DO SISTEMA ONU NO BRASIL SOBRE A PROPOSTA DE

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

As Nações Unidas destacam, entre outras informações, que as

estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a

negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no País. “Essa

situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto de

homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria”, afirma a nota, lembrando quem,

dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeu

atos contra a vida. “Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de

violência”, diz a ONU no Brasil.

O Sistema ONU no Brasil acompanha com preocupação a tramitação,

no Congresso Nacional, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC

171/1993) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de

idade e o debate nacional sobre o tema.

O Sistema ONU condena qualquer forma de violência, incluindo aquela

praticada por adolescentes e jovens. No entanto, é com grande inquietação

que se constata que os adolescentes vêm sendo publicamente apontados

como responsáveis pelas alarmantes estatísticas de violência no País, em um

ciclo de sucessivas violações de direitos.

Dados oficiais mostram que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem

no Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida . Os adolescentes são

muito mais vítimas do que autores de violência. Estatísticas mostram que a

população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre, está sendo

assassinada de forma sistemática no País. Essa situação coloca o Brasil em

segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes,

atrás da Nigéria.

Os homicídios já são a causa de 36,5% das mortes de adolescentes por

causas não naturais, enquanto, para a população em geral, esse tipo de morte

representa 4,8% do total. Somente entre 2006 e 2012, pelo menos 33 mil

adolescentes entre 12 e 18 anos foram assassinados no Brasil. Na grande

106

maioria dos casos, as vítimas são adolescentes que vivem em condições de

pobreza na periferia das grandes cidades.

O Sistema ONU alerta que, se as infrações cometidas por adolescentes

e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança

pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos

fundamentais, a cidadania e a justiça, o problema da violência no Brasil poderá

ser agravado, com graves consequências no presente e futuro.

O sistema penitenciário brasileiro já enfrenta enormes desafios para

reinserir adultos na sociedade. Encarcerar adolescentes jovens de 16 e 17

anos em presídios superlotados será expô-los à influência direta de facções do

crime organizado. Uma solução efetiva para os atos de violência cometidos por

adolescentes e jovens passa necessariamente pela análise das causas e pela

adoção de uma abordagem integral em relação ao problema da violência.

Investir na população de adolescentes e jovens é a chave para o

desenvolvimento. Dificilmente progressos sociais e econômicos poderão ser

alcançados nos próximos anos sem os investimentos certos nesta que é a

maior população jovem da história: no mundo, são mais de 1,8 bilhão de

adolescentes e jovens (10 a 24 anos), e no Brasil esse número ultrapassa 51

milhões. Essa quantidade sem precedentes de adolescentes e jovens no Brasil

e no mundo – propiciada pelo chamado “bônus demográfico” – constitui uma

oportunidade única para que a consecução do desenvolvimento em todas as

suas dimensões seja sustentável. Para isso, Estados e sociedades devem

reconhecer o potencial desses adolescentes e jovens e assegurar os meios

para que as contribuições presentes e futuras desses segmentos tenham

impactos positivos para suas trajetórias, suas famílias, comunidades e países.

Há inúmeras evidências de que as raízes da criminalidade grave na

adolescência e juventude no Brasil se desenvolvem a partir de situações

anteriores de violência e negligência social. Essas situações são muitas vezes

agravadas pela ausência do apoio às famílias e pela falta de acesso destas aos

benefícios das políticas públicas de educação, trabalho e emprego, saúde,

habitação, assistência social, lazer, cultura, cidadania e acesso à justiça que,

potencialmente, deveriam estar disponíveis a todo e qualquer cidadão, em

todas as fases do ciclo de vida.

107

Várias evidências apontam que o encarceramento de pessoas, em geral,

agrava sua situação de saúde e o seu isolamento, representando uma grande

barreira ao desenvolvimento de suas habilidades para a vida. A redução da

maioridade penal e o consequente encarceramento de adolescentes de 16 e 17

anos poderia acentuar ainda mais as vulnerabilidades dessa faixa da

população à violência e ao crime.

No Brasil, adolescentes a partir de 12 anos já são responsabilizados por

atos cometidos contra a lei, a partir do sistema especializado de

responsabilização, por meio de medidas socioeducativas, incluindo a medida

de privação de liberdade, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA).

Se tal sistema não tem conseguido dar respostas efetivas, é preciso

aperfeiçoá-lo de acordo com o modelo especializado de justiça juvenil,

harmonizado com os padrões internacionais já incorporados à Constituição

Federal de 1988.

Além de estar na contramão das medidas mais efetivas de

enfrentamento da violência, a redução da maioridade penal agrava contextos

de vulnerabilidade, reforça o racismo e a discriminação racial e social, e fere

acordos de direitos humanos e compromissos internacionais historicamente

assumidos pelo Estado brasileiro.

Um dos compromissos fundamentais que o Brasil assume ao ratificar um

tratado internacional é o de adequar sua legislação interna aos preceitos desse

tratado, tal como assinala a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

Assim, a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), ratificada pelo Estado

brasileiro no dia 24 de setembro de 1990, reconhece as crianças e os

adolescentes como sujeitos e titulares de direitos, estabelecendo em seu artigo

primeiro que criança é “todo ser humano com menos de dezoito anos de

idade”.

Em relação às responsabilidades das pessoas menores de 18 anos, a

CDC estabelece claramente, em seus artigos 1, 37 e 40, que: (i) nenhuma

pessoa menor de 18 anos de idade pode ser julgada como um adulto; (ii) deve

se estabelecer uma idade mínima na qual o Estado renuncia a qualquer tipo de

responsabilização penal; (iii) seja implementado no País um sistema de

responsabilização específico para os menores de idade em relação à idade

108

penal, garantindo a presunção de inocência e o devido processo legal, e

estabelecendo penas diferenciadas, onde a privação da liberdade seja utilizada

tão só como medida de último recurso.

O Sistema das Nações Unidas no Brasil reconhece a importância do

debate sobre o tema da violência e espera que o Brasil continue sendo uma

forte liderança regional e global ao buscar respostas que assegurem os direitos

humanos e ampliem o sistema de proteção social e de segurança cidadã a

todos e todas.

O Sistema ONU no Brasil reitera seu compromisso de apoiar o trabalho

do País em favor da garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens e

convoca todos os atores sociais a continuar dialogando e construindo,

conjuntamente, as melhores alternativas para aprimorar o atual sistema de

responsabilização de adolescentes e jovens a quem se atribui a prática de

delitos.

Brasília, 11 de maio de 2015.