TCC

O JOGO POLIFNICO NOS JINGLES DO PT: UM RECURSO DE SEDUO POLTICA DURANTE A ELEIO E REELEIO DO PRESIDENCIVEL LUIZ INCIO LULA DA SILVA.

Renato Rodrigues de Oliveira.

RESUMO: Este artigo visa evidenciar como o recurso miditico Jingle foi utilizado como mecanismo de seduo poltica atravs da polifonia, para que o sujeito Luiz Incio Lula da Silva se constitusse como alternativa de liderana poltica durante a campanha presidencial de 2002, e como os jingles e suas inerentes estratgias foram deslocados durante campanha eleitoral de 2006, agora com a inteno maior de serem elementos catalisadores da manuteno do presidencivel no poder. A partir da noo de discurso, analisaremos os fatores de natureza intra e extradiscursivos como elementos fomentadores da constituio de tal sujeito durante este perodo. Utilizaremos - como elemento desencadeador desta anlise - msicas utilizadas como jingles e jingles - propriamente ditos - produzidos pela agncia publicitria responsvel pela campanha de Lus Incio Lula Da Silva, nos anos de 2002 e 2006. Da campanha eleitoral de 2002, sero tomados como objeto de estudo as msicas Meu pas de Zez Di Camargo e Luciano, Amanh de Guilherme Arantes e os jingles Agora Lula de Gilberto Gil, Pri e Duda Mendona, e Bote f e diga Lula de Pri e Duda Mendona. Da campanha de eleitoral de 2006, enfocaremos nosso olhar analtico sobre os jingles Lula de novo com a fora do povo de Joo Santana e Capenga, e Deixa o homem trabalhar de Lzaro do Piau. Atravs das j referidas msicas, acreditamos ser possvel perceber a polifonia sendo erigida como matriz de catarse e seduo, to imprescindveis ao discurso poltico. PALAVRAS-CHAVE: discurso poltico, polifonia, interdiscursividade, seduo, Lula, sujeito.

1. INTRODUOEste artigo busca, sob as luzes da Anlise do Discurso de Linha Francesa, demonstrar como a polifonia existente nos mecanismos miditicos - em especial os jingles foram utilizados como mecanismo de constituio do sujeito discursivo Lus Incio Lula da Silva como alternativa de liderana poltica durante as eleies de 2002, bem como estabelecer como estes recursos udios-visuais foram utilizados durante a campanha eleitoral de 2006 para a manuteno do presidencivel no poder.

O artigo em questo possui sua justificativa centrada na importncia de se investigar como o discurso poltico em comunho com o discurso literrio perpassando determinada materialidade lingstica, podem representar uma estratgia de seduo persuasiva extremamente eficaz na misso de se conseguir e/ou manter o maior posto no terreno do poder executivo brasileiro.

Sero utilizados como corpus analtico - primeiramente - as msicas Meu pas de Zez Di Camargo e Luciano, Amanh de Guilherme Arantes (utilizadas como jingles) e os jingles Bote f e diga Lula de Pri e Duda Mendona e Agora Lula de Gilberto Gil, Pri e Duda Mendona.Os jingles anteriormente citados serviram como uma espcie de elementos reforadores da viso salvadora que se pretendia atribuir ao presidencivel Luiz Incio Lula da Silva durante a campanha de 2002. Posteriormente, sero analisados os jingles da campanha eleitoral de 2006: Lula de novo com a fora do povo de Joo Santana e Capenga, e Deixa o homem trabalhar de Lzaro do Piau. Os dois ltimos jingles foram enaltecedores e reveladores do momento histrico-social em que o presidencivel se inscrevia, ocasio essa em que se pretendia propagar a idia da importncia do sujeito discursivo Lus Incio Lula da Silva no poder. Em tais circunstncias, os jingles da campanha eleitoral do sujeito discursivo em 2006 foram direcionados neste sentido.

Para tanto, estabelecer - se -o quais foram os fatores externos, de ordem social, histrica e cultural para ento se levantar as vozes que compem a polifonia (a heterogeneidade) dos textos tomados como corpus, de modo a revelar a inteno que aqui se pretende defender. Este artigo ser iluminado luz arcabouo terico sobressalente da base terica da Anlise do Discurso de Linha Francesa e possuir como alicerce as postulaes da teoria polifnica de Bakhtin, a teoria da heterogeneidade enunciativa de Authier-Revuz, bem como os de conceitos de discurso poltico, literrio, formao discursiva, memria discursiva, interdiscurso, trabalhados por Pcheux, Foucault, Backtin, Maingueneau, Fernandes entre outros.

O homem um ser social. E no interior destas prticas, utiliza diversos adventos para se tornarem relevantes: a linguagem, a f, as instituies, a poltica etc. Dessa forma, quando analisamos criticamente esses elementos que so inerentes s prticas humanas dentro do seio da sociedade, estamos fazendo uma investigao prospectiva acerca de nossa verdadeira essncia. Analisar o discurso interessante e desafiador, na medida em que ao imergirmos na questo do discurso como local de manifestao do saber e do poder, estaremos concomitantemente - lanando um olhar analtico sobre os artifcios da linguagem utilizados como elemento catalisador do poder, evidenciando a natureza controlada, selecionada, organizada e redistribuda da produo do discurso, vista como entidade capaz de rechaar qualquer ameaa ao poder j conquistado.

2. SOBRE A ANLISE DO DISCURSO.

A anlise do Discurso disciplina que surgiu na Frana como mecanismo para sanar as incoerncias da Lingstica Textual - rene reflexes sobre o texto e a histria, resultando da uma anlise textual que envolve a Lingstica, o Marxismo e a Psicanlise. Saussure-Marx-Freud so os trs vrtices da proposta de Pcheux, situando a Anlise do Discurso em trs regies do conhecimento: Na Lingstica com a problematizao do corte saussureano - teoria lingstica. No Materialismo Histrico - por meio da releitura althusseriana de Marx - teoria da sociedade; Na Psicanlise por meio da releitura lacaniana de Freud - teoria do inconsciente. Existe uma falsa percepo na maioria das pessoas de que o Discurso aqui entendido como aquilo que existe de poltico, histrico e ideolgico nas palavras quando estas so pronunciadas lngua, fala. Na verdade trata-se de um ledo engano. O Discurso usa a materialidade lingstica para poder aparecer, mas no pode ser confundido com esta materialidade.

Pcheux fez importantes consideraes acerca da lngua e discurso.Segundo ele, o objeto de estudo da AD no a lngua, uma vez que esta a mesma para todas as pessoas. A AD vai se preocupar com o discurso que sofre um processo de variabilidade dependendo do posicionamento poltico - ideolgico de onde o sujeito se revela. Em suas palavras:a lngua , de fato, o mesmo para o materialista e para o idealista, para o revolucionrio e para o reacionrio, para aquele que dispe de um conhecimento dado e aquele que no dispe desse conhecimento ( ... ) a lngua se apresenta assim como base comum dos processos discursivos diferenciados, que esto compreendidos nela na medida em que ( ... ) os processos ideolgicos simulam os processos cientficos. (PCHEUX 1997:91)

O discurso no lngua, so as possibilidades de sentido que so disseminadas a partir da interao entre o sujeito, a lngua e a histria. pode-se por assim dizer - fruto desta trade.

Seguindo esta mesma linha de raciocnio, Fernandes (2004:03) corrobora os pressupostos de Pcheux quando afirma que discurso no:

(...) a lngua nem fala, mas, como uma exterioridade, implica-as para a sua existncia material; realiza-se por meio da materialidade lingstica, cuja possibilidade firma-se em um ou vrios sistemas estruturados.Foucault (1987) tambm nos oferece pareceres elucidativos acerca da concepo de Discurso. Para ele, o discurso deve ser concebido como uma unidade do plano de contedo que precisa se unir a um plano de expresso para se manifestar e tem a sua identidade definida a partir de outro discurso.

Arrematando estas afirmaes, Foucault considera o discurso como:

um conjunto de enunciados que derivam de uma mesma formao discursiva, ou seja , ele constitudo por uma srie de enunciados para os quais podem se definir um conjunto de condies de existncia ( ...) O discurso tem a regularidade de uma prtica que deve ser apreendida de um sistema de formao. (FOUCAULT 1969:135)

Michel Foucault filsofo, intelectual e polmico, militante das causas das minorias, problematiza sobre a cincia histrica, suas descontinuidades, sua disperso, que resultar na abertura do conceito de formao discursiva, na discusso entre os saberes e os (micros) poderes, na preocupao com a questo da leitura, da interpretao, da memria. Somente mais tarde, Mikahil Bakhtin (Rssia, 1895-1975) nos d a idia da heterogeneidade, do dialogismo, da inscrio da discursividade em um conjunto de traos scio-histricos, em relao ao qual todo sujeito obrigado a se situar.

Mikhail Bakhtin amparado nos estudos que realizara no princpio do sculo XX concebe e atribui ao fenmeno discursivo uma caracterstica constitutiva imprescindvel: o dialogismo. Assim, as palavras se inter relacionam e estabelecem vnculo com o dito de outra pessoa. Noutras palavras, existe uma relao necessria entre o discurso presente e outros pr existentes; os discursos no se constituem do nada. Tudo que hoje dito, j foi dito por outra pessoa numa outra poca. Assim, o sujeito discursivo, oriundo de uma determinada formao discursiva crivado, polifnico, constitudo de outras vozes que o constituem. O discurso tomado como elemento de produo de sentido, no existe sem levar em considerao a pessoa a quem destinado, logo a viso do receptor fundamental nesse processo de elaborao de significados. Em tais circunstancias, Bakhtin aduz que a palavra tem a proficincia de tornar cristalinos os valores conflitantes dentro da estrutura social. Dessa forma, o contexto de imerso de uma palavra que revelar os possveis significados dele pontificados, revelando assim - os sujeitos e suas nuanas ideolgicas. Por outros termos, a linguagem s se realiza e faz sentido se inserida em uns contextos sociais, histricos e culturais.Authier-Revuz ancorada nos pressupostos da teoria de Bakhtin e na abordagem lacaniana (releitura das postulaes Freudianas) estrutura as colunas da heterogeneidade da enunciao, estabelecendo uma ciso entre aquilo que marcado ou constitutivo no discurso, sendo que heterogeneidade constitutiva deve ser concebida no nvel do interdiscurso e do inconsciente, uma vez que no possui marcas explcitas. Estas marcas que so percebidas ou visualizadas se do no discurso para e por sujeitos, assim como o discurso se d na lngua e pela lngua.Dessa forma, no h que se falar em discurso e deixar de lado o conceito de sujeito, de formao discursiva e de ideologia, uma vez que todo uso efetivo da lngua perpassado pelas condies de produo ou seja dado um objeto para anlise deve se considerar os conhecimentos de mundo a respeito do sujeito, da poca e da formao ideolgica ao qual o discurso pertencente.

A noo de ideologia to reforada aqui - lana suas bases nos pressupostos Bakhtinianos. Para Bakhtin (1992), a palavra o lugar privilegiado da ideologia, pois produto da interao social e meio para retratar a realidade. Dessa forma, o sujeito (locutor) aquele que dar expresso palavra, refletindo a ideologia e o meio social em que vive. Nesse sentido, Bakhtin (1992) afirma que o enunciado, seu estilo e sua composio so determinados pelo objeto do sentido e pela expressividade, ou seja, pela relao de valor que o locutor estabelece com o enunciado. tomando como sustentao as idias dos autores da corrente francesa e estudiosos contemporneos que corroboram e aprofundam as postulaes da referida corrente que discorremos a cerca de algumas definies que se fazem necessrias para o entendimento da anlise aqui proposta .

2.1 . A polifoniaComo j foi mencionado anteriormente, Bakhtin v a linguagem como um fenmeno social histrico, que visa comunicao entre os indivduos. Assim, para o filsofo, a palavra possui como caracterstica, o dialogismo. As palavras so usadas a partir de um efeito de sentido que o sujeito pretende alcanar no momento da enunciao (que jamais se repete), ou seja, no momento do uso concreto da lngua.De acordo com Bakhtin, o dialogismo caracterstica essencial da linguagem:

O enunciado vivo, surgido pensadamente num determinado momento histrico e num meio social determinado, no pode deixar de tocar milhares de fios vivos e dialgicos, tecidos pela conscincia social-ideolgica em torno de um objeto dado de enunciao, no pode deixar de tornar-se um participante ativo do dilogo social. (BAKHTIN, 1992, p. 93).

Ainda sobre esta temtica o autor esclarece: O fato de ser ouvido, por si s, estabelece uma relao dialgica. A palavra quer ser ouvida, compreendida, respondida e quer, por sua vez, responder a resposta, e assim ad infinitum. Ela entra num dilogo em que o sentido no tem fim. (BAKHTIN, 1992, p.357).

Assim, as palavras no so propriedade privada de um nico enunciador. Elas so sempre escolhidas, levando-se em considerao as palavras de um outro. So palavras que j foram ditas em algum lugar da histria e, por isso, impregnadas de valores ideolgicos, modificando-se o sentido em funo do momento em que a usamos.

Baseado nesses pressupostos, que Bakhtin elabora a sua teoria polifnica, afirmando a existncia de uma pluralidade de vozes que constituem um discurso. Noutras palavras, o sujeito no uno, mas sim constitudo de outras vozes que o constitui. Essa considerao importante, na medida em que a maioria das pessoas possui a falsa sensao de que so donas de seu discurso. Apoiada na teoria polifnica de Bakhtin e na abordagem do sujeito e de sua relao com a linguagem permitida por Freud e sua releitura por Lacan, Authier-Revuz (1990) distingue a polifonia sob a forma de heterogeneidade mostrada e de heterogeneidade constitutiva.

2.2. A heterogeneidade mostrada e constitutiva. Sobre esta ciso dentro da atmosfera da polifonia (heterogeneidade mostrada e constitutiva) Maingueneau (1997, p.75) entende que:a primeira incide sobre as manifestaes explicitas, recuperveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciao, enquanto a segunda aborda uma heterogeneidade que no marcada em superfcie, mas que a AD pode definir, formulando hipteses, atravs do interdiscurso, a propsito da constituio de uma formao discursiva. Authier-Revuz (1990) estabelece o conceito da heterogeneidade para dizer que em todo dizer tem necessariamente a existncia do outro. Segundo a autora, existem duas formas de heterogeneidade no discurso. Dentre elas, destaca-se aquela que aparece marcadamente no discurso (heterogeneidade marcada) e aquela que percebida no discurso, mas destituda de marcas explcitas (heterogeneidade constitutiva).

Como heterogeneidade mostrada, a autora entende que o conjunto de elementos marcados, atravs dos quais o outro aparece no discurso de outrem, por meio do discurso direto, das aspas, notas explicativas etc.

Frente polifonia constitutiva do sujeito, Fernandes (2005, p.44) corrobora as postulaes de Authier - Revuz, ao estabelecer a heterogeneidade do sujeito como:

formas de presena no discurso das diferentes vozes constitutivas do sujeito. Heterogeneidade constitutiva (presena implcita, no mostrada, na voz do sujeito) e heterogeneidade mostrada (presena explicita, marcada na voz do sujeito).

De acordo com Authier-Revuz (1990), existe uma polifonia no intencional de todo discurso, que vem do inconsciente. Esta concepo do discurso perpassado pelo inconsciente se articula quela do sujeito que no uma entidade homognea exterior linguagem. O sujeito descentrado, dividido, clivado, barrado entre o consciente e o inconsciente.

A essas inapelveis contingncias, deve - se acrescentar que o inconsciente pode ser resgatado ou reestruturado, tendo como base os traos deixados pelo apagamento que sofrera. nas brechas do discurso que o inconsciente se materializa. Nessa perspectiva, as palavras so carregadas de indcios do inconsciente e na relao com o que exterior ao sujeito, que as palavras fazem sentido, uma vez que j fizeram sentido em algum lugar do passado. Ao serem esquecidas no inconsciente, posteriormente so apreendidas por uma outra voz e passam a fazer sentido em outras vozes em funo de sua escolha no momento da enunciao, do uso.

Por outros termos, no sujeito e no seu discurso est presente o outro. E sobre esta premissa, Authier-Revuz esclarece:

O que, de fato Freud coloca que no h centro para o sujeito fora da iluso e do fantasmagrico, mas que funo desta instncia do sujeito que o eu ser portadora desta iluso necessria. a tal posio, a da funo do desconhecimento do eu que, no imaginrio do sujeito dividido, reconstri a imagem do sujeito autnomo, apagando a diviso [...]. (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 28).

Assim, a heterogeneidade constitutiva aquela no localizvel, na qual a presena do outro no percebida com marcas explicitas; no entanto a lngua atravessada pelo inconsciente e pelo interdiscurso, e assim, essas marcas se tornam perceptveis e o significado se estabelece.

necessrio, assim, a partir deste momento, tecer algumas consideraes acerca do que formao discursiva, memria discursiva e interdiscurso.

2.3 A formao discursiva, a memria discursiva e interdiscurso.

fundamental, nesse momento remeter a um outro conceito importante: o de formao discursiva. Segundo Cardoso,Formaes discursivas so as grandes unidades histricas que os enunciados constituem. Exemplos: a medicina, a gramtica [...] as formaes discursivas so constitudas por prticas discursivas que determinam os objetos, as modalidades de enunciao dos sujeitos [...] todo discurso deve ser remetido formao discursiva a que pertence. (CARDOSO, 2003, p. 35)

O homem, como sujeito da linguagem, materializa a realidade a partir de um lugar social, de uma identidade ideolgica e histrica. Assim, a Anlise do Discurso considera, como elemento essencial na construo dos sentidos, as condies de produo, o que se diz, para quem se diz e o que se pode dizer.

A partir do tema, do assunto, do tipo de enunciao que a Anlise do Discurso distinguir uma formao discursiva. Nesse sentido, Pcheux apresenta o conceito de Formao Discursiva em sua correspondncia com as Formaes Ideolgicas:

As palavras, expresses, proposies, etc., mudam de sentido segundo as posies sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referncia s formaes ideolgicas [...] nas quais essas posies se inscrevem. Chamaremos, ento, formao discursiva aquilo que, numa formao ideolgica dada, isto , a partir de uma posio dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito [...]. (PCHEUX, 1975/1988, p. 160 apud FRITAS, 2000, p. 23).

J foi mencionado anteriormente que os discursos so construdos por elementos externos voz do sujeito discursivo. Outras vozes, advindas do inconsciente e da memria, so inseridas no interior de um discurso, isto , se constri novos sentidos por meio de outras palavras j proferidas por algum, em algum lugar e tempo da histria. Orlandi (2001) denomina essa lembrana como memria discursiva, e a define como o saber discursivo que torna possvel todo dizer e que retorna sob a forma do pr-constitudo.

Ainda segundo Orlandi (2001), a memria, quando encarada como entidade que existe em funo de um discurso, tratada como memria discursiva, ou seja, como interdiscurso. De acordo com a autora, o interdiscurso todo o conjunto de formulaes feitas e que j foram esquecidas e que no entanto - determinam o que dizemos. Para que nossas palavras tenham sentido preciso que elas j faam sentido. Por outros termos, um dito s faz sentido sob a condio de j ter sido proferido anteriormente.

J que as palavras no so monoplio de ningum, elas so perpassadas pela Histria e podem ser constitudas por outras vozes, inconscientemente, quando um discurso elaborado.

Cabe, assim, ao sujeito a escolha de formulaes que se tornaro parte de seu discurso, na misso maior de construir sentidos, levando-se em considerao as condies de produo.

dessa forma que no se pode distanciar o sujeito da Histria e da Ideologia, bem como da relao que ele mantm com a lngua. Em tais circunstncias, o homem, como sujeito organizador do discurso, est inserido em um contexto histrico, social e ideolgico. Assim, necessrio se estabelecer a relao entre o sujeito, a linguagem e a ideologia. 2.4. Linguagem, sujeito e ideologia.

Conforme foi explicitado anteriormente, sob o prisma da Anlise do Discurso de linha francesa, o homem, como sujeito organizador do discurso, est inserido em um contexto histrico, social e ideolgico. Assim, necessrio se estabelecer a relao entre o sujeito, a linguagem e a ideologia.

Linguagem e sujeito.

A interao social, por intermdio da lngua, que proporcionar a organizao de um discurso, identificando, assim, a formao discursiva a que o sujeito pertence. Para Bakhtin (1992), o processo de interao verbal uma realidade fundamental da lngua. Dessa forma, o filsofo v a lngua como um fato social, concreto, como expresso individual que se realiza por meio das necessidades de comunicao. Por meio do emprego da linguagem, o sujeito exprime sua capacidade de criao, sua expressividade.

Segundo Bakhtin (1992), a lngua se deduz da necessidade do homem de expressar-se, de exteriorizar-se. A essncia da lngua, de uma forma ou de outra, resume-se criatividade espiritual do indivduo.

O homem, quando emprega sua lngua socialmente, o faz orientado pelo contexto social presente, buscando sempre se adaptar ao contexto imediato da fala.

Brando (1998) apresenta ainda, como outras abordagens a respeito do sujeito, aquelas que o concebem como essencialmente histrico. Isso porque sua fala um recorte das representaes de uma poca histrica e de um lugar social. Essa concepo articula-se com a noo de sujeito ideolgico.

Assim, estando o sujeito inscrito num espao e num tempo, e sua fala sendo orientada para o social, ele planeja e situa seu discurso em relao aos discursos do outro, bem como, pela memria discursiva, apropria-se de outros discursos j constitudos na histria. Conforme j foi exposto no subttulo Polifonia: na fala de um sujeito, outras vozes tambm falam; o discurso polifnico.

nessa perspectiva dialgica, na qual existe a preocupao com o Outro, que as condies de produo ganham maior importncia. Os fatores histrico e ideolgico incorporam-se noo de sujeito, medida que a linguagem se materializa em funo dos discursos.

A linguagem , pois, o local de conflito, de confronto ideolgico. Enquanto instrumento de interao revela o sujeito e a ideologia, materializando-os.

Sujeito e ideologiaConforme explicitado anteriormente, no processo de elaborao do discurso esto envolvidos a memria discursiva e o contexto ao qual ele est vinculado. esse contexto que determinar como dever ser organizado esse discurso.

Uma sociedade organizada de acordo com uma hierarquia. Existe aquele que domina e aquele que dominado. Assim, em uma formao social existem classes sociais.

Pcheux (1975) apud Brando (1998), a partir do trabalho de Althusser sobre as ideologias, afirma que devido o processo de assujeitamento do sujeito, as pessoas assumem determinadas posies e lugares dentro da estrutura social, sem que tenham conscincia disso, com a impresso de que agem por vontade prpria.

Cada classe social mantm relaes reproduzidas e garantidas por instituies, como a religio, a escola, a famlia, o Direito, a poltica, nomeadas por Althusser como aparelhos ideolgicos.

Tais relaes podem se caracterizar pelo afrontamento de posies polticas e ideolgicas. O modo de organizao de posies polticas e ideolgicas que constitui a formao ideolgica.

Segundo Brando (1998), a formao ideolgica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou vrias formaes discursivas interligadas. Isso significa que os discursos so governados por formaes ideolgicas.

Os discursos poltico, religioso, jurdico, entre outros, cada qual far um recorte da realidade. Eles podem, assim, omitir, atenuar ou mesmo falsear dados, pois estaro promovendo seus discursos de acordo com formaes discursivas diferentes.

Na viso de Marx e Engels, no existe a separao entre a produo de idias e as condies sociais e histricas. De acordo com a concepo marxista de ideologia, o termo, daquela forma conceituado, est reduzido a um escamoteamento da realidade, em que a classe dominante faz de suas idias um instrumento de dominao, em razo do sistema capitalista vigente.

Baseada na concepo marxista que Chau atribui o seu conceito ideologia:

Os homens produzem idias ou representaes pelas quais procuram explicar e compreender sua prpria vida individual, social, suas relaes com a natureza e com o sobrenatural. Essas idias ou representaes, no entanto, tendero a esconder dos homens o modo real como suas relaes sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de explorao econmica e dominao poltica. Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia. Por seu intermdio, os homens legitimam as condies sociais de explorao e de dominao, fazendo com que paream verdadeiras e justas. (CHAU, 1996, p. 21).

A ideologia dominante, portanto, por meio das formaes discursivas, nortear o sujeito na produo de seu discurso. A liberdade de criao de um sujeito est presa s determinaes impostas pelas formaes discursivas, e a ideologia o principal instrumento de dominao, que, por meio da linguagem, diferencia as formaes ideolgicas na sociedade, invertendo ou modificando a realidade.

2.5 O discurso e sua face necessria: o poderGeralmente se confunde a poltica que adjunta condio humana - com poltica partidria, na grande maioria das vezes, associada a uma entidade nefasta dada promessa e ao logro. E estas noes povoam o inconsciente coletivo.Sobre esta questo, Menezes (2004:114) apud Peixoto (2006: 29) afirma que:existe uma proposio geralmente aceita de que o discurso poltico se apresenta como um discurso relacionado ao poder . O problema surge quando vai precisar o que vem ser o poder e como se d esta relao com o discurso poltico e constata-se que, em determinadas pesquisas, o poder est localizado no aparelho estatal. Isto significa realar o discurso poltico como uma manifestao do profissional da poltica, numa tradio que vem de Plato, em Poltico, e recebe um reforo recente em Bourdieu ( 2001).Em outros casos, tudo poder e , por extenso, tudo poltica e todo discurso polticoAntes de se falar em discurso poltico, necessrio no o confundirmos com a materialidade lingstica de que se vale o discurso para poder se mostrar, o discurso antes de tudo so as ideologias e marcas notadamente histricas impressas no plano de expresso sensvel aos nossos sentidos.

Isso implica dizer que todos ns somos polticos, na medida em que todas as nossas relaes estabelecidas no mbito social, em suas diversas esferas e instncias, so entremeadas, marcadas por uma relao de poder, uma vez que no discurso somos todos ideologicamente marcados. Assim, impossvel negar nossa essncia crivada pela poltica que nos constitui.

Dessa forma, deve-se rechaar a idia de que o poder pertence unicamente ao poder estatal, est em todas as relaes humanas no mago da sociedade.

O prprio Menezes (2004: 115) apud Peixoto (2006: 29) redefine a questo poltica, estabelecendo novos contornos para esta concepo: a formulao de que todo discurso poltico acha-se articulada noo de que tudo poltica e tem relao contempornea com a perspectiva terica aberta p M. Foucault, em sua pesquisa sobre a genealogia do poder. Ao colocar no centro da elaborao a idia de que as relaes de poder no se passam fundamentalmente no espao do Estado, das suas instituies jurdicas e pelo uso da violncia, este deixa de ser visto ento como o rgo central e mesmo o nico do poder. O poder plural e encontra-se espalhado por todo o tecido social. Ele est em todo lugar, em todos os espaos sociais. O poder no visto como uma coisa, mas uma prtica social. No um instrumento especfico do Estado.

A conceituao que Pcheux (1997:02) apud Courtine (1981:02) d ao discurso poltico uma noo que imprescindvel para este artigo na medida em que estes afirmam que:(...) no se trata de intervenes puramente tcnicas: uma certa maneira de tratar os textos est inextricavelmente misturada com uma certa maneira de fazer poltica (...) no se pode pretender falar do discurso poltico sem simultaneamente tomar posio nas lutas de classe.Dessa forma, em todo discurso poltico, vemos as classes se digladiando com a misso maior que conquistar o poder que o elemento que permeia o j referido discurso e se torna o elemento do desejo. O discurso poltico se apresenta como manifestao de sujeitos os quais pontificam dos espaos de poder e vinculado a uma problemtica que se refere ao convvio social em uma dada formao social especfica.

Menezes (2004:116) apud Peixoto (2006: 35) conceitua de forma ampla o discurso de natureza poltica, uma vez que este pode ser entendido de forma conveniente viso que se tem da noo de discurso poltico:O discurso poltico pode ser entendido de trs formas: (i) com a posio centrada na produo o discurso poltico aquele que fala de poltica;(ii) discurso poltico aquele que lido (escutado) como poltico; (iii) trata-se de um discurso referente aos assuntos da cidade [quer dizer, que possam ter uma dimenso pblica] de acordo representaes dos sujeitos numa dada situao. Ou seja, no nos parece ser apenas um discurso que se apia em rituais e representaes determinados a priori, pois nem tudo que poltico para uma instncia pode ser , necessariamente , para a outra

Sendo o discurso uma entidade que se d e se constitui no seio da sociedade, lmpido e cristalino que as estratgias no discurso poltico so engendradas para ativar a memria social, coletiva, inconsciente para endossar a viso que se pretende convencer.

Neste artigo, entendemos discurso poltico como o discurso prprio do profissional da poltica. O discurso poltico o discurso cujas marcas tcitas so mais propcias para uma anlise ideolgica que entre outras coisas a razo propulsora deste trabalho.

O discurso poltico marcado, crivado, perpassado, e por isso um passaporte para que mergulhemos em nossa condio poltica, possibilitada pelo recurso da linguagem e da retrica.

Postas estas consideraes de natureza terica, ancorados nas postulaes outrora disseminadas, catalisaremos a anlise dos jingles, aqui tomados como objeto de estudo.3. ESTUDO DO CORPUS: ANLISE DOS JINGLES.

Jingle 01Meu pas

(Zez di Camargo e Luciano)

1 estrofe: Aqui no falta sol/ Aqui no falta chuva/ A Terra faz brotar qualquer semente/ Se a mo de Deus protege e molha o nosso cho/ Por que ser que t faltando po?

2 estrofe: Se a natureza nunca reclamou da gente/ Do corte do machado, a foice, o fogo ardente/ Se nessa Terra tudo que se planta d/ Que que h, meu pas?/ O que que h?

3 estrofe: Tem algum levando lucro/ Tem algum colhendo o fruto/ Sem saber o que plantar/ T faltando conscincia/ T sobrando pacincia/ T faltando algum gritar

4 estrofe: Feito um trem desgovernado/ Quem trabalha t ferrado/ Nas mos de quem s engana/ Feito mal que no tem cura/ Esto levando loucura /O pas que a gente ama/ O Brasil que a gente ama.

Jingle 02

Amanh. (Guilherme Arantes) 1 estrofe: Amanh ser um lindo dia, da mais louca alegria/ Que se possa imaginar /amanh redobrada a fora / Pra cima que no cessa, h de vingar/ Amanh mais nenhum mistrio, acima do ilusrio / O astro rei vai brilhar, amanh a luminosidade/ Alheia a qualquer vontade,/ h de imperar, h de imperar.2 estrofe: Amanh est toda a esperana por menor que parea/ O que existe pra festejar/, amanh apesar de hoje/ Ser a estrada que surge, pra de se trilhar/ Amanh mesmo que uns no queiram ser de outros que esperam ver o dia raiar/, amanh dios aplacados temores abrandados ser pleno.Jingle 03Bote f e diga Lula!

(Pri e Duda Mendona) 1 estrofe: No d pra apagar o sol/ No d pra parar o tempo/ No d contar as estrelas/ Que brilham no firmamento/ No d pra parar o rio/ Quando ele corre pro mar/ No d pra calar um Brasil/ Quando ele quer mudar.2 estrofe: Bote esta estrela no peito/ No tenha medo ou pudor/ Agora eu quero voc/ Te ver torcendo a favor.

3 estrofe: A favor do que direito/ Da decncia que restou/ A favor de um povo pobre,

Mas nobre e trabalhador/ o desejo dessa gente/ Querer um Brasil mais decente/ Ter direito esperana/ E a uma vida diferente

Coro

s voc querer/ s voc querer/ E amanh, assim ser/ Bote f e diga Lula/ Bote f e diga Lula/ Eu quero Lula.

Jingle 04

Agora Lula.

(Gilberto Gil, Pri e Duda Mendona)1 estrofe: Chegou a hora Brasil/ Que voc tanto esperou/ Mande a tristeza embora/ Que a mudana comeou.2 estrofe: Agora Vem!/ Vem mudar a sua sorte/ Nada pode ser mais forte/ Que a vontade de mudar

3 estrofe: Vem!/ Ser feliz seu direito/ Solte este grito do peito/ Ningum vai te segurar

4 estrofe: Vem!/ O Brasil est unido/ Jamais ser vencido/ Nossa estrela vai brilhar.5 estrofe: Vem! / Que a estrela da esperana/ Do emprego e da mudana/ Mora do lado de c!

Coro: Agora Lula/ Falta pouco quase nada/ Nossa ptria to amada/ J no quer mais esperar/ Agora Lula/ Por um Brasil diferente/ Vem entrar nessa corrente/ Aqui o seu lugar.Jingle 05

Lula de novo com a fora do povo

(Joo Santana/ Capenga)1 estrofe: Do meu futuro eu no abro mo/ O que certo eu no largo no/ Eu quero paz, o que me faz ter esperana/ O meu corao no cansa/ De lhe chamar pra razo.2 estrofe: Eu quero seguir em paz/ No rumo certo no andar para trs/ Eu quero mais daquilo que me traz respeito/ E o orgulho do meu peito/ Me d fora pra cantar.

3 estrofe: Eu quero Lula de novo/ Com a fora do povo/ Eu quero Lula novamente/E o Brasil seguindo em frente/ Eu quero Lula presidente.

Jingle 06

Deixa o homem trabalhar

(Lzaro do Piau)1 estrofe: A voz de Deus voz do povo/ Olha o Lula a de novo/ O Lula um grande presidente/ E vai continuar com a gente.2 estrofe: No troque o certo pelo duvidoso/ Eu quero Lula de novo/ Nosso Brasil no rumo certo/ Deixa o homem trabalhar/ O futuro no incerto/ Deixa o homem trabalhar/ Nosso povo agora quem decide/ Lula vai continuar/ Eu quero Lula l.

3 estrofe: Eu quero Lula l/ Deixa o homem trabalhar/ T tudo andando direitinho/ Deixa o homem trabalhar/ Ele trata o povo com carinho/ Eu quero Lula l/ E a gente no tem por que mudar.

Luiz Incio Lula da Silva foi um menino pobre, filho de lavradores, nascido em Garanhuns, interior de Pernambuco, fez de tudo para sobreviver. Mudou-se ainda criana para So Paulo, numa viagem com a me e os irmos em um caminho pau de arara. Foi vendedor ambulante, engraxate, teve seu primeiro emprego fixo numa tinturaria, perdeu o dedo mnimo da mo esquerda numa fbrica no ABCD, aos 19 anos, andou pelas filas do desemprego na recesso de 1965 at entrar para a as Indstrias Villares como torneiro mecnico, profisso que aprendeu como aluno do Senai. Lula foi trabalhador metalrgico e foi no meio do trabalho com o ao que erigiu o sindicalista forte, decisivo e capaz de mover multides. Nascia no meio do povo, da massa um lder poltico que posteriormente formou o PT (partido dos Trabalhadores) que passou a representar uma veemente alternativa poltica de esquerda que atacava os organismos supracionais e agiotagem internacional de que o Brasil era vtima. Seu discurso assustava os investidores internacionais e o topo da pirmide social brasileira. A despeito das adversidades, Lula se consolidou como uma fora poltica que crescia gradativamente.

Foi derrotado por Collor em 89 e por Fernando Henrique no primeiro turno nas eleies de 94 e 98, sendo que nestas duas campanhas o partido se posicionou contra o Plano Real por considerar que a estabilidade monetria obtida por ele era apenas eleitoral e provisria. O PT de 2002 se apresenta agora com um Lula diferente. O discurso do candidato mudou e j no prega ostensivamente os valores das eleies passadas. A idia de um Brasil socialista foi abandonada como projeto imediato. A promessa agora de um governo libertrio para combater a misria, melhorar a educao do povo e organizar um sistema educacional e produtivo que proporcione oportunidades a todos de acordo com as capacidades e habilidades de cada um. Aos que ainda temem um governo radical e de ruptura, Lula aponta as administraes petistas estaduais e municipais como exemplo e diz que se preocuparam em cuidar honestamente dos recursos pblicos e em atender prioritariamente as demandas populares. O povo brasileiro no perodo de 2002 dava demonstrativos explcitos de cansao com a inoperncia da poltica brasileira. O PT passou na ocasio por uma srie de mudanas estruturais e o prprio presidencivel buscou estratgias para suavizar o seu discurso tido como subversivo e, concomitantemente, a campanha do presidencivel passou a mostrar um Lula no seio de sua famlia, abraando a mulher e os filhos, no dia - a - dia, alegre, sorridente, numa tentativa de desconstruir a imagem sisuda, descuidada, subvertora, anarquista, comunista, que este possua no passado. Assim, os jingles da campanha do Lula buscaram reconstruir a imagem do presidencivel, apontar uma suposta situao de descalabro social pela qual o Brasil passava, enaltecer a necessidade de mudana e apontar uma alternativa poltica capaz de erigir um manancial de transformaes na estrutura da sociedade, desenvolvendo polticas pblicas amplas que atingissem os vrios setores da sociedade brasileira, mas com um diferencial: um olhar especial para os pobres, os necessitados, sempre renegados e aviltados pela insensibilidade das gestes governamentais anteriores , que agora se corporificavam nas figuras de seu opositor , Jos Serra , e seu respectivo partido , o PSDB.

Em tais circunstncias, o horrio poltico da campanha do presidencivel Lus Incio Lula da Silva passou a mostrar que Lula, j no era mais o mesmo do passado, e agora - possua apoio de todos os setores da sociedade. Num dos primeiros programas da campanha de Lula, em 2002, j era perceptvel esta preocupao. Ao lado da imagem do candidato, apareciam personalidades de outros campos sociais, como do mundo empresarial, artstico e acadmico do pas. As imagens se sucediam sem cortes, destacando

um imenso salo repleto de mesas onde as pessoas destacavam-se em diferentes atividades,

figurativizando uma equipe em plena atividade, utilizando computadores, blocos de anotaes, telefones, entre outros instrumentos prprios dos ambientes de trabalho. Para Fausto Neto (2002, p.74) a estratgia servia para testemunhar que Lula no estava numaaventura. Em sua anlise sobre os cenrios comuns s campanhas eleitorais, Albuquerque

(1999, p.97) diz que este o tpico ambiente em que a atividade produtiva empresta um

carter de seriedade e sugere o compromisso do candidato com questes muito concretas,

relativas organizao e produo do trabalho. Os efeitos de sentido, lgicos e subjetivos favoreciam o esprito de coeso entre parceiros e acrescentavam outros significados candidatura de Lula, como os de autoridade do candidato e de vitalidade do futuro governo.

Para construir o diferencial de sua candidatura em relao a Jos Serra, Lula centrou-se na caracterizao do Brasil como um pas marcado pelas desigualdades, valorizando suas

proposies para a super-las, sobretudo com as alternativas apresentadas para a gerao de

emprego e renda. Sob o signo da mudana, inscrio permanente em vinhetas e quadros

visuais que serviam para separar o programa em unidades temticas, a candidatura de Lula era euforicamente relacionada a um futuro melhor, dissociando sua imagem da realidade retratada e dos gestores da nao que deveriam, por conseguinte, serem rejeitados pelo eleitor. Tinha-se, por efeito da construo discursiva, uma qualificao explcita candidato do PT e uma caracterizao social negativa do governo de ento.

Assim sendo, os jingles da campanha de 2002 reforavam essa aura de esperana atribuda a Lus Incio Lula da Silva, algum que esperou, lutou contra as adversidades, mas nunca perdeu a esperana de dias melhores. assim, ativando a memria coletiva, imbuindo seu discurso de uma ideologia marxista, ainda que moderada e subliminar, se apropriando dos dizeres do povo que passam a entrecortar o seu discurso atravs de ditos populares, e revelando o deslocamento de todos os segmentos da sociedade, inclusive os adversrios, em favor de sua candidatura, que Lula passou a consolidar a imagem de liderana alternativa e vivel em 2002.

A imagem da esperana aparecesse de forma evidente, num dos primeiros jingles da campanha de Lus Incio Lula da Silva, a msica Amanh de Guilherme Arantes. O jingle foi utilizado para convencer as massas de que apesar das adversidades, o conforto e a bonana esto no amanh. De acordo com o jingle utilizado como recurso de persuaso Amanh ser outro dia/ , da mais louca alegria/ que se possa imaginar/ Amanh redobrada a fora/ pra cima que no cessa, h de vingar. Estas palavras reforam a esperana, na medida em que deixam entrever que a despeito de todo o sacrifcio, no final, a semente vingar. O termo vingar neste contexto nos arremete o significado de lograr bom xito, ou seja, a recompensa pela luta, o fruto que se colhe depois de um tempo de suor derramado. Amanh possui um apelo retrico-persuasivo muito significativo para a campanha de Lula, uma vez - em seu corpus - se utiliza uma metfora para reforar a importncia de Lula e a certeza de sua vitria. Em dado trecho da cano aparecem os versos Amanh mais nenhum mistrio, acima do ilusrio /o astro rei vai brilhar /amanh a luminosidade alheia a qualquer vontade / h de imperar /Amanh mesmo que uns no queiram ser de outros que esperam ver o dia raiar. O sujeito discursivo - neste excerto - comparado ao astro rei, o sol, que - independentemente de nossa vontade aparece; pode ser ofuscado por nuvens, mas nunca apagado. Quando se pensa em sol, automaticamente, pensamos na luz que a fora propulsora da vida e dissipa as trevas, aniquila a escurido e nos proporciona a viso de longos horizontes e a certeza de que chegaremos no local at onde nossos olhos alcanam. assim que o sujeito discursivo aparece, como o sol, uma fora que a despeito de a oposio no querer, vai raiar para proporcionar a luz, na vida daqueles que souberam esperar pelo momento certo para fazer a histria mudar: o povo. Noutras palavras, quem espera, sempre alcana . Percebemos a voz do povo, atravs de um dito popular tcito, entrecortando os dizeres da cano. O sujeito discursivo se comporta como algum que soube esperar, que no se abateu com as derrotas e espera que, com a ajuda do povo , juntos, possam transformar o futuro ( amanh) em presente. O discurso social aqui presente , perpassado por outro religioso que subliminarmente nos remete a Salmo 30:05 O choro pode durar uma noite, mas a alegria, vm pela manha. Afinal, Jesus veio para os pobres.Desse modo, a estratgia persuasiva consistia naquele momento em delegar ao povo o poder da deciso, ou seja, buscou se mecanismos que despertassem nas massas um processo de catarse e identificao para construir o eleitor como aliado na eleio . Com essa inteno, nas inseres que antecederam a propaganda eleitoral gratuita em 2002, a campanha petista buscava fortalecer a sigla do PT e fomentar uma imagem mais suave e positiva para neutralizar as resistncias ideolgicas ao perfil partidrio reconhecido ao longo dos tempos como radical. Composta por uma srie de jingles, a campanha de Lula era sustentada pelo slogan Se voc no concorda com tudo isso, voc tambm um pouco PT e construda a partir de referncias a situaes scio-econmicas reconhecidas como crticas pela maioria dos brasileiros: crianas infratoras nas ruas; pessoas desabrigadas, desempregadas, sem solo para plantar, etc... Desse jeito, a estratgia instigativa buscou criar uma associao de valores entre o partido do PT e o povo, com o intuito de promover laos de verossimilhana. O uso do voc como colocao pronominal singular individualiza o eleitor e cria um efeito de sentido de proximidade entre o enunciador e o enunciatrio do discurso. Com outro slogan Se o brasileiro no muda, o Brasil tambm no muda uma coao, subjacente no discurso, posta para desfragmentar as resistncias do eleitorado a um projeto de um partido declarado culturalmente e marcado no imaginrio popular como de esquerda e portanto subversivo. Em tais circunstncias, a campanha enaltecia o discurso de superao ao medo de um petista na presidncia, e delegou s massas o poder de mudar a situao em que o Brasil se encontrava.

O povo possui poderes imensurveis como uma verdadeira fora da natureza. O povo na viso do jingle Bote f e diga Lula uma verdadeira fora da natureza que tudo pode, sem encontrar obstculos. Nos dizeres do jingle, No d pra apagar o sol/ No d pra parar o tempo/ No d contar as estrelas/ Que brilham no firmamento/ No d pra parar o rio/ Quando ele corre pro mar/ No d pra calar um Brasil/ Quando ele que mudar. Nas palavras do povo gua mole em pedra dura, tanto bate at que fura. Lula no desistiu. O povo no devia nas mesmas propores desistir , pois ele tem o poder . essa fora da natureza, incontrolvel, que deve aderir causa, aceitar o PT, sem receio do histrico e da imagem que criaram para o partido ao longo de sua histria, como est no jingle :Bote esta estrela no peito No tenha medo ou pudor /Agora eu quero voc/ Te ver torcendo a favor. E ao aderir ao PT, o povo ter uma vida diferente, estar restituindo a honra, a decncia, os valores cristos, de honestidade e trabalho que foram ceifados pela gesto do PSDB. Aceitar o PT ir a favor do que direito/ da decncia que restou/ a favor de um povo pobre/ mas nobre e trabalhador / o desejo dessa gente /querer um Brasil mais decente / ter direito esperana / e a uma vida diferente.

Passado este trecho, o sujeito faz erigir um discurso Marxista (ainda que suavizado) na medida em que afirma que o poder e est com o povo e este capaz de fazer a revoluo atravs da ao e da f, elementos que nos fazem enxergar novamente um jogo polifnico, visto que percebemos um discurso literrio, o jingle (cano) perpassado por um discurso poltico e entrecortado por outro de natureza religiosa, uma vez que a palavra f, reconhecidamente, nos remete a religiosidade, como colocado na ltima estrofe do jingle: s voc querer/ s voc querer/ E amanh, assim ser / Bote f e diga Lula. / Bote f e diga Lula/ Eu quero Lula. Por outros termos, Tudo possvel ao que cr (Marcos 9.23). O ltimo verso do Jingle interessante, pois ao se remeter a cada eleitor, induz se a uma aceitao do sujeito discursivo e d aval para que ele esteja l no Planalto Central representando o povo (Eu quero Lula: Eu quero Lula l). E isto percebido ao se transformar a ltima slaba da palavra Lula em tnica, no jingle j referido.

Essa aura marxista mais subliminar tambm aparece na msica Meu pas de Zez Di Camargo e Luciano, utilizada como jingle na campanha de Lula em 2002. No jingle em questo, o sujeito discursivo ativa a memria discursiva do interlocutor para dizer que a tempos existem pessoas que lucram, exploram , enriquecem `as custas do povo brasileiro, sem se quer nunca ter colocado a mo no batente, assim como a massa faz . Quando em determinada parte da cano o sujeito discursivo afirma que tem algum levando lucro/ tem algum colhendo o fruto/ Sem saber o que plantar, percebe-se o discurso marxista se materializando e evidenciando e rechaando a questo da mais valia. Aps remontar Marx, atravs da heterogeneidade constitutiva, o sujeito discursivo alerta que falta conscincia nas pessoas que sempre so morosas e coniventes com esta situao de explorao. Na viso do sujeito discursivo, t faltando conscincia/ t sobrando pacincia/ t faltando algum gritar, ou seja, necessrio que algum puxe o coro da revoluo, da mudana para um Brasil abenoado por Deus, sob todos os aspectos: extenso territorial, recursos hdricos, clima favorvel agricultura e um povo com vocao para o trabalho. Segundo o sujeito discursivo, Aqui no falta sol /Aqui no falta chuva /A Terra faz brotar qualquer semente/ Se a mo de Deus / Protege e molha o nosso cho /Por que ser que t faltando po?.

Nesse excerto, o sujeito discursivo tece uma polifonia interessante, atravs da heterogeneidade constitutiva, uma vez que o trecho estabelece uma ligao com hino nacional brasileiro que enaltece as belezas e condies naturais do Brasil: Do que a terra, mais garrida, /Teus risonhos, lindos campos tm mais flores; / Nossos bosques tm mais vida , / Nossa vida no teu seio mais amores. Este senso de brasilidade aparece em outro trecho do jingle, atravs do qual o sujeito coloca que Se a natureza nunca reclamou da gente/ Do corte do machado, a foice, o fogo ardente/ Se nessa terra tudo que se planta d / Que que h, meu pas? / O que que h?. Cabe colocar que o sujeito discursivo aduz sobre a coragem e a disposio que o povo brasileiro tem para o trabalho, e para reforar este sentido, personifica - se a natureza, afirmando-se que esta nunca reclamara do trabalho do homem que em seu seio acontece. Novamente, ocorre outro jogo polifnico, j que Se nessa Terra tudo que se planta d, faz referncia carta do descobrimento, atravs da qual Caminha se refere terra brasileira, dizendo que aqui em se plantando tudo d. As perguntas (Que que h, meu pas? / O que que h?) servem como suporte para se retomar a pergunta da estrofe anterior (Por que ser que est faltando po?) e sugerir ao interlocutor um processo de reflexo e de ao ( revoluo eleitoral). O motivo para tudo isso, porque o Brasil um pas desgovernado. Sem freio ladeira abaixo. interessante colocar que, no momento em que - no jingle - aparecem os dizeres que o Brasil feito um trem desgovernado, surgem vrias manchetes de jornais que revelam que o Brasil est entregue ao capital estrangeiro, enquanto Quem trabalha t ferrado /Nas mos de quem s engana. As manchetes aparecem gradativamente, esmaecidas numa fuso de trabalhadores brasileiros trabalhando em vrios segmentos da economia: agricultura, indstria, comrcio. Segundo as manchetes, nova plataforma da Petrobrs montada em Cingapura, Brasil cria empregos no exterior. No decorrer da msica, aparecem tambm esmaecidas as palavras conscincia, gritar, desgovernado, ferrado, engana, loucura, sincronicamente apario desses verbetes na cano, com a inteno de reafirmar que o Brasil est sendo mal gerido e o PSDB est favorecendo os estrangeiros, em detrimento do povo brasileiro que carece de trabalho para sustentar as suas famlias. O sujeito discursivo chega a classificar o partido tucano como um mal que no tem cura que est levando a loucura o pas que a gente ama. Noutras palavras, a direita um cncer que destri o pas que o PT e o povo brasileiro amam, e se o PT ama o Brasil, conseqentemente, a direita odeia.

O jingle Agora Lula, utilizado no segundo turno da campanha de Lula, segue a mesma linha persuasiva dos outros jingles aqui expostos e utilizados na campanha do presidencivel durante o primeiro turno das eleies de 2002, a necessidade da mudana (Chegou a hora Brasil /Que voc tanto esperou /Mande a tristeza embora/ Que a mudana comeou), a importncia de se deixar de temer o PT ( Vem mudar a sua sorte./Nada pode ser mais forte/ Que a vontade de mudar), o poder que emana do povo (Ningum vai te segurar / O Brasil est unido / Jamais ser vencido ) e a certeza da vitria (Agora Lula /Falta pouco quase nada). Novamente se percebe uma polifonia, outras vozes que se materializam na fala do sujeito discursivo. H um discurso poltico de natureza marxista perpassando o discurso literrio, sendo inversamente entrecortado por um discurso de aspecto religioso. A questo da religiosidade se revela, quando o sujeito discursivo aduz que Que a estrela da esperana/ Do emprego e da mudana/ Mora do lado de c!.O smbolo da estrela do PT foi algo enaltecido em todos os jingles da campanha de Lula. A estrela vermelha no aquela mais vinculada subverso, mas aquela que se incumbe de trazer boas novas e a esperana, e claramente, percebemos uma referncia a uma outra estrela que anunciou a esperana a um povo: a estrela que anunciou a chegada de Cristo aos trs reis magos. Assim, como a estrela bblica anunciou a chegada do salvador, a estrela do PT tambm se reveste desta misso. Em outros jingles como Bote f e diga Lula, percebemos o discurso religioso quando a estrela do PT mostrada com pessoas de diversas localidades do Brasil: So Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Rio grande do Sul etc. a estrela petista entrecortando o pas para anunciar a chegada daquele que vem salvar o pas de uma situao de penria. Chama a ateno que no jingle tambm existe um simulacro da campanha de Jos Serra quando este afirmou que a bandeira do Brasil verde e amarela e no vermelha. O sujeito discursivo aqui investigado contra - argumenta que Que a estrela da esperana/ Do emprego e da mudana/ Mora do lado de c. O jogo polifnico no jingle Agora Lula no se restringe apenas a estes j mencionados. Em determinado trecho da cano, o sujeito discursivo nos remete a um discurso j pr-construdo, o do Hino Nacional Brasileiro quando afirma que Nossa ptria to amada /J no quer mais esperar. Cabe mencionar que no jingle Agora Lula ocorre a presena de deslocamentos de sujeitos, uma vez que aparece o verbo imperativo Vem de forma recorrente, revelando os adversrios de Lula no primeiro turno - agora aliados - convidando com gestos os eleitores a mudarem de lado. Desse modo, quando Ciro Gomes, Antony Garotinho, Roseana Sarney (acamada num hospital), convocam o Brasil a mudar de lado, percebemos um discurso que reside no imaginrio popular e norteia a aliana poltica que a base de sustentao de toda e qualquer prtica de poltica partidria. Em ditos populares: No se pode venc-los, junte-se a eles. Este tipo de aliana de segundo turno tpico da poltica brasileira; os polticos na verdade barganham apoios em troca de cadeiras e cargos na futura gesto do vencedor do pleito.

A campanha do presidencivel Lus Incio Lula da Silva foi arquitetada de forma a - ideologicamente apresentar vozes com as quais o povo pudesse se identificar. Ao povo foi dado o poder. O povo foi cativado para ser aliado, e foi. Lula foi eleito em segundo turno com quase 53 milhes de votos. O primeiro mandato do governo Lula foi marcado por avanos nas reas sociais (bolsa renda, bolsa escola, primeiro emprego, prouni), por maior autonomia frente s potncias capitalistas e pela no criminalizao dos movimentos populares. Alm disso, houve uma reestruturao da economia com a diminuio da dvida externa e do risco-pas, aumento das exportaes, do supervit primrio e do produto interno bruto.

Tudo parecia trilhar o caminho certo da reeleio, quando o governo Lula foi balanado por denncias de corrupo poltica. A direita se armou para a eleio de 2006 com argumentaes crivadas de ataques referentes corrupo, e o governo Lula se posicionou com a preocupao de enaltecer os avanos principalmente os sociais conseguidos pela primeira gesto de Lula, o que se pode perceber no jingle Lula de novo com a fora do povo quando em determinado trecho o sujeito discursivo revestido de uma suposta voz popular considera que no abrir mo do futuro , tampouco daquilo que certo ( as conquistas sociais, por exemplo ) .

Assim, o sujeito discursivo se desloca da posio em que afirmava que o Brasil no avanou com o PSDB e passa a defender a posio de que o Brasil avanava com o PT, e esse ciclo de prosperidade no poderia ser ameaado pela eventual troca de governo. Essa defesa aparece nos dizeres Eu quero seguir em paz/ No rumo certo/ No andar para trs. Noutras palavras, h um deslocamento do sujeito discursivo, visto que antes este pregava a mudana do poder e agora ele defende a manuteno do poder. Em tais circunstncias, havia a necessidade de se manter o presidencivel no poder e para isso novamente seria necessria a fora que emana do povo. O resgate desse tipo de discurso nos faz perceber - atravs do interdiscurso e das diversas vozes quem compem o sujeito discursivo o surgimento de uma voz marxista e rousseauniana nos ditos da cano: Eu quero Lula de novo/ Com a fora do povo/ Eu quero Lula novamente/ E o Brasil seguindo em frente / Eu quero Lula presidente. A inteno aqui ressaltar a noo de cidadania enquanto participao cvica da populao nos negcios pblicos, como momento de deliberao das questes que dizem respeito a toda coletividade.

Em Deixa o homem trabalhar, ltimo jingle neste trabalho visto pelo crivo da AD, tambm h um jogo polifnico, na medida em que o discurso literrio perpassado por um discurso poltico que inicialmente nos remete a questo da teoria da legitimidade do poder poltico como sendo um direito dado por Deus. Quando o sujeito discursivo afirma que A voz de Deus voz do povo podemos pressupor que se a voz popular e a divina se confundem. Se o povo aliado na vitria de Lula, significa que Deus est ao lado de Lula. Conseqentemente, esse poder no pode ser ameaado, uma vez que desgnios de Deus so incontestveis.

As concepes de que o Brasil evoluiu e de que eleger o PSDB significar retroceder, ameaando as conquistas petistas so reforadas e explicitas quando o sujeito deixa entrever que T tudo andando direitinho/ Eu quero Lula l/ E a gente no tem por que mudar. Por outros termos, Em time que est ganhando, no se mexe; s deixar o homem trabalhar em prol do povo. Assim, buscou-se na voz do prprio povo pode - se por assim dizer - um argumento do senso comum para embasar a viso defendida pelo PT.Estas estratgias polifnicas - que entrecortam o discurso de um sujeito que no uno, mas mltiplo surtiram efeito: Lula foi eleito em 2006 com 58 milhes de votos. A estratgia utilizada foi ativar a memria coletiva popular para que estes se lembrassem dos avanos, subliminar os erros, e reforar que tudo devia continuar em seus respectivos lugares. Ao se analisar o discurso de Lus Incio Lula da Silva, atravs dos jingles, percebe-se que no mundo da poltica, os discursos so construdos, desconstrudos, deslocados, crivados, heterogneos. O que importa a persuaso. 4. CONCLUSO

O jogo poltico extremamente complexo. As estratgias persuasivas devem ser milimetricamente calculadas, uma vez que se busca atravs de diversos recursos inclusive os miditicos despertar nos eleitores a identificao que catalisada por um discurso de catarse e seduo.

Com essa inteno, os jingles da campanha do presidencivel Lus Incio Lula da Silva apresentam um carter interdiscursivo, polifnico, na medida em que na voz do sujeito discursivo aparecem outras vozes, que o constitui para inicialmente - o apresentar como uma liderana poltica vivel e necessria, para reverter a conjuntura social, poltica e econmica em que o Brasil se encontrava em 2002. Dessa forma, percebemos vozes marxistas, religiosas, de personagens histricas, de ditos populares que constitui o sujeito, o que comprova a polifonia que aqui se intencionou investigar. Por outros termos, o discurso literrio (a cano utilizada como jingle) perpassado por outros discursos, ora polticos, ora religiosos, ora sociais. E essa mescla discursiva busca inegavelmente a seduo sendo respaldada por aquilo que tem relevncia dentro da estrutura social e importa ao povo. Explorando a idia de que era necessria uma mudana no cenrio poltico nacional em 2002, atribuindo o poder ao povo e conquistando o eleitor como aliado , Luis Incio Lula da Silva se sagrou vitorioso no pleito supracitado.

Seu primeiro mandato foi marcado por conquistas sociais e reestruturao da economia e da imagem do Brasil no exterior.

As denncias de corrupo poltica, num primeiro momento abalaram, a pretenso de reeleio do presidencivel para o pleito de 2006. Todavia, a direita no contava com o alto ndice de popularidade de Lula, boa parte dele conquistado com os programas sociais. E foram justamente as conquistas sociais que deram respaldo argumentativo para que nas eleies de 2006, se usasse a argumentao de que Lula deveria ser mantido no poder, para no se colocar em risco a prosperidade do Brasil, num eventual retorno de uma gesto tucana.

Novamente, so perceptveis outras vozes - marxistas, religiosas, rousseaunianas, ditos populares compondo - atravs da heterogeneidade constitutiva - a voz do sujeito discursivo, provando que este no uno, mas polifnico, mltiplo, crivado, ideologicamente e historicamente marcado. E a esta polifonia, deve-se acrescentar o deslocamento do sujeito que defendia em 2002 a mudana poltica para subir ao poder e em 2006, a manuteno poltica para continuar no maior posto do poder executivo brasileiro. Esse deslocamento possvel na trajetria poltica de Lula, porque o sujeito se encontra em momentos histricos diferentes e inscritos em condies de produo distintas e isso inerente essncia do discurso.

O discurso assim: misterioso. E quando mergulhamos numa anlise dessa natureza, descobrimos ou redescobrimos nossa condio humana dentro das prxis sociais, de onde pontifica a nossa condio poltica. Somos todos polticos, isso no h como negar, e a seduo contedo concernente em qualquer discurso, especialmente no poltico, nesse trabalho dissecado pelo crivo da AD.5. BIBLIOGRAFIA

AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidades enunciativas. Cadernos de Estudos Lingsticos, Revista do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, Campinas, n. 19, p. 25-42, jul./dez. 1990.

ALBUQUERQUE. Afonso de. Aqui voc v a verdade na tev: a propaganda poltica na televiso. Dissertao (Mestrado em Comunicao, Imagem e Informao),Niteri: Universidade federal Fluminense, 1999.

BAKHTIN, Mikhail. Esttica da criao verbal. So Paulo: Martins Fontes, 1992.

BRANDO, Helena H. Nagamine. Introduo Anlise do Discurso. 7. ed. So Paulo: Editora da Unicamp, 1998.

CARDOSO, Slvia Helena Barbi. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autntica, 2003.

CHAU, Marilena. O que Ideologia. 39. ed. So Paulo: Brasiliense, 1996.

COURTINE, Jean Jacques. Anlise do discurso poltico: a propsito do discurso comunista dirigido aos cristos. Revista Langages (traduo provisria Srio Possenti).FAUSTO NETO, Antnio. O presidente da televiso: a construo do sujeito e do discursopoltico no guia eleitoral. In: Comunicao e Poltica. Rio de Janeiro: Cebela, p. 7-27,1990.

FERNANDES, Cleudemar. Anlise do discurso: reflexes introdutrias. Goinia: Trilhas Urbanas, 2005.

____________. Anlise do discurso. Unidade e Disperso. Uberlndia: Entremeios, 2004.FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Trad. Lus Felipe Baeta. Petrpolis: 1969-1987.

FRITAS, Aridne Castilho de. O canto polifnico da seduo no discurso poltico. Taubat. Dissertao (Mestrado em Lingstica Aplicada) Departamento de Cincias Sociais e Letras, Universidade de Taubat, 2000.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendncias em anlise do discurso. (trad. de Freda Indursky). Campinas, SP: Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 3 ed. 1997.ORLANDI, Eni Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento: As formas do discurso. 4 ed 2 reimpresso. Campinas, SP: Pontes, 2001.

PCHEUX, M. Anlise do discurso Trs pocas. In. Gadet, Franoise & HAK, Tony. Por uma anlise automtica do discurso: Uma introduo obra de Michel Pcheux. 1997

MENEZES, William Augusto. Evento, jogo e virtude nas eleies para a presidncia do Brasil. 1994/ 1998. Fale/ UFMG. Tese de Doutorado, 2004.

PEIXOTO, Ana Cristina Santos. Discurso poltico: a constituio do presidencivel Luiz Incio Lula da Silva como sujeito discursivo. Dissertao de Mestrado. UFU. 2006.FAUSTO NETO, Antnio. O presidente da televiso: a construo do sujeito e do discursopoltico no guia eleitoral. In: Comunicao e Poltica. Rio de Janeiro: Cebela, p. 7-

27, 1990.