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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
Felipe Schulz Praia
Nuestra lucha es por la historia: um estudo comparativo sobre memria e
identidade entre o EZLN do Mxico e o EGTK da Bolvia
Trabalho de Concluso de Cursoapresentado ao Departamento de
Histria da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul, comorequisito parcial pra obteno dograu de Licenciado em Histria.
Orientador: Prof. Dr. MathiasSeibel Luce
PORTO ALEGRE
2013
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Felipe Schulz Praia
Nuestra lucha es por la historia: um estudo comparativo sobre memria e
identidade entre o EZLN do Mxico e o EGTK da Bolvia (dcada de 1990)
Trabalho de Concluso de Cursoapresentado ao Departamento deHistria da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul, comorequisito parcial pra obteno dograu de Licenciado em Histria.
Orientador: Prof. Dr. MathiasSeibel Luce
Aprovado em:
Conceito:
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Cludia Wasserman
(UFRGS)
______________________________________________________________________
Prof. Me. Edson Antoni
(UFRGS)
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Mathias Seibel Luce (Orientador)
(UFRGS)
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeo minha famlia pelo amor que me deram, e em
especial a meus pais Rosane Marta Schulz Praia e Lus Marcelo Bastos Praia por
sempre me darem apoio e incentivo nas minhas inciativas e no se preocuparem com a
questo financeira em funo da profisso que escolhi. Fao meno tambm minha
tia, Rosngela Marione Schulz, que, gostando ela ou no, influenciou diretamente no
caminho que tomei em direo graduao em Histria.
Agradeo tambm ao ex-professor e agora amigo e companheiro de luta Rafael
Balardin, que me convenceu, atravs dos debates em sala de aula no ensino mdio, que
deveria prestar vestibular para o curso de Histria e que, mais tarde, me ajudou a eleger
a licenciatura como rumo. minha namorada, Isadora Lunardi Diehl, brilhante
historiadora, que me deu apoio nos momentos difceis da produo dessa pesquisa -
tendo pacincia para ouvir meus reclames e sugerir acrscimos importantes para o
trabalho -, bem como nas situaes em que era preciso dar um tempo na monografia e
aproveitar o dia de outra maneira.
Presto minhas homenagens tambm a todos os meus amigos que contriburam
intelectualmente para minha formao, mas que tambm tiveram participao no atraso
de inmeros trabalhos ao fim de cada semestre do curso, dos quais destaco Felipe
Bondan, Lucas Dutra e Marcos Bohrer. Impossvel mencionar todos os amigos que fiz
nesse curso e que me ajudaram a concluir a graduao, mas no posso deixar de citar os
companheiros que sempre estiveram ao meu lado durante esse perodo: Antnio Melo,
Luiz Felipe Lied, Leonardo Lara e Guilherme Nunes. Sou grato tambm ao CHIST quesempre lutou e, que sempre lutar em defesa dos estudantes e, ao mesmo tempo, (por
que no?) por um mundo mais justo no s para os historiadores.
Por fim, agradeo aos professores Luiz Dario Teixeira, Cludia Wasserman,
Enrique Padrs e Eduardo Neumann por me auxiliarem durante a graduao e a meu
orientador Mathias Luce. Aproveito o espao para manifestar meu sincero desejo de que
a UFRGS permanea (e avance) como uma universidade pblica, gratuita e de
qualidade, e demonstrar minha gratido pelo amparo desta instituio.
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RESUMO
Este trabalho busca compreender a construo da memria e da identidade de dois
movimentos indgenas armados que se insurgem no incio dos anos 1990 na Amrica
Latina, quais sejam, o Exrcito Zapatista de Libertao Nacional (surgido no Mxico,
em 1994) e o Exrcito Guerrilheiro Tupak Katari (surgido na Bolvia, tendo uma curta
durao 1986 a 1992). A anlise parte da referncia que ambos fazem s figuras
histricas que carregam em seus nomes, levando em conta tambm outros elementos
memorialsticos de relevncia para a elaborao da identidade presentes nos discursos
do EZLN e do EGTK. Assim, a pesquisa pretende responder a seguinte questo: De que
forma os movimentos utilizam as figuras de Zapata (no caso do EZLN) e de Tupak
Katari (no caso do EGTK) para reforar uma identidade que permita a mobilizao para
a luta contra o que consideram opresso?
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RESUMEN
Este trabajo intenta comprender la construccin de la memoria y de la identidad de dos
movimientos indgenas armados que se insurgen en los aos 1990 en Amrica Latina,
cuales sean, el Ejrcito Zapatista de Liberacin Nacional (surgido en Mxico, en 1994)
y el Ejrcito Guerrillero Tupak Katari (surgido en Bolivia, con una corta existencia
1986 a 1992). El anlisis parte de la referencia que ambos hacen a las figuras histricas
que llevan en los nombres, llevando se en cuenta tambin otros elementos de la
memoria que son relevantes para la elaboracin de la identidad presentes en los
discursos del EZLN y del EGKT. As, la pesquisa pretende responder a la siguiente
cuestin: De que manera los movimientos utilizan las figuras de Zapata (en el caso del
EZLN) e de Tupak Katari (en el caso del EGTK) para reforzar una identidad que
permite la movilizacin para la lucha contra lo que consideran opresin?
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LISTA DE SIGLAS
COB = Central Obrera Boliviana
CSUTCB = Confederacin Sindical nica de Trabajadores Campesinos de Bolivia
EZLN = Exrcito Zapatista de Libertao Nacional
EGTK = Exrcito Guerrilheiro Tupak Katari
FSUTCLP Tupak Katari = Federacin Sindical nica de Trabajadores Campesinos de
LaPaz Tupak Katari
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SUMRIO
INTRODUO...........................................................................................8
CAPTULO 1: Porque comparar o EZLN e o EGTK a partir da relao entrememria e identidade?.................................................................................16
1.1. Teoria e Metodologia...............................................................................16
1.2. Semelhanas e diferenas entre o Exrcito Zapatista de Libertao Nacional e oExrcito Guerrilheiro Tupak Katari................................................................21
CAPTULO 2: Memria...............................................................................29
2.1. Expresses................................................................................................37
2.2. Herana de opresso e herana de luta.....................................................38
2.3. O uso da Histria..................................................................................... 39
2.4. Disputa de memria..................................................................................43
CAPTULO 3: Identidade.............................................................................50
CONCLUSO.................................................................................................58
REFERNCIAS..............................................................................................60
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INTRODUO
O presente trabalho analisa a questo da memria e da identidade em dois
movimentos indgenas armados da Amrica Latina que se insurgem no inicio dos anos 1990,quais sejam, o Exrcito Zapatista de Libertao Nacional (surgido no Mxico, em 1994) e o
Exrcito Guerrilheiro Tupak Katari (surgido na Bolvia, tendo uma curta durao 1986 a
1992). Ambos carregam nos nomes referncias a personagens relevantes da histria de seus
pases. Assim, no mbito mais especfico, a pesquisa trata do seguinte problema: De que
forma os movimentos utilizam as figuras de Zapata (no caso do EZLN) e de Tupak Katari
(no caso do EGTK) para reforar uma identidade que permita a mobilizao para a luta
contra o que consideram opresso?
Quando em 1994 o Exrcito Zapatista de Libertao Nacional se pronunciou
oficialmente pela primeira vez atravs da Primeira Declarao da Selva Lacandona, o seu
grito de Basta! carregava em seu significado no s o questionamento situao de
descaso do Estado mexicano com os indgenas da regio de Chiapas, mas tambm a
excluso da sociedade neoliberal a todos os grupos oprimidos. Ao mesmo tempo, a
declarao afirma que os mexicanos so o produto de 500 anos de lutas, inscrevendo assim
as origens e objetivos do movimento numa perspectiva temporal de larga durao 1. Essa
viso exposta nas ideias do movimento zapatista instiga a prestar ateno em outras
realidades semelhantes.
Alguns anos antes se formava na Bolvia o Exrcito Guerrilheiro Tupak Katari, que
conjugava dois grupos militantes distintos: um formado por camponeses aimras e quchuas
e outro por jovens mestios de classe mdia e trabalhadores. A inteno da organizao era
agregar o proletariado, mais especificamente o mineiro, ao campesinato indgena na luta
contra a opresso e explorao desses setores. Como aponta Fabola Escrzaga2, esse
movimento de grande importncia para constituio dos aimras e quchuas como agentes
autnomos no cenrio poltico boliviano. Em suas palavras:
La insurgencia indgena del EGTK es solo un episodio significativo de unlargo proceso acumulativo prvio y coadjuvante de processos polticos y
1 ROJAS, Carlos Antonio Aguirre; ECHEVERRA, Bolvar: MONTEMAYOR, Carlos e WALLERSTEIN,Immanuel. Chiapas en perspectiva histrica.El Viejo Topo, 2001.2 ESCRZAGA, Fabola.El Ejrcito Guerrillero Tupak Katari (EGTK), la insurgncia aymara em Bolivia.Disponvel em: www.pacarinadelsur.com/home/oleajes/441-el-ejercito-guerrillero-tupak-katari-egtk-la-insurgencia-aymara-en-bolivia. Acesso: 25/06/12 s 01h43min.
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sociales posteriores, ocurridos en la base ndia de la sociedad boliviana.(...) Lo que prevalece de la experiencia, a pesar de la pronta desarticulacindel grupo es la capacidad de accin autnoma de masas campesinasaymaras y quchuas y su acumulada capacidad organizativa y de definicinde un proyecto radical de transformacin politica prprio3.
Tupak Katari foi um indgena aimra que nasceu aproximadamente em 1751 numa
regio entre Oruro e La Paz na Bolvia. No ano de 1781, ele liderou o cerco estratgica
cidade colonial de La Paz, fundada por espanhis. O seu programa social reivindicava,
basicamente, a promoo dos valores autctones e a eliminao dos abusos cometidos pela
administrao colonial sobre os indgenas. Em 1782, Tupak Katari preso e morto pelas
autoridades espanholas.
Emiliano Zapata nasceu no ano de 1879 em Anenecuilco, na regio de Morelos,
Mxico. Durante a Revoluo Mexicana, iniciada em 1910, Zapata defendeu a
implementao da reforma agrria, inclusive acusando Francisco Madero tambm
participante da revoluo de traio, quando esse assume a presidncia do pas e nega a
aplicao de mudanas no que tange a propriedade de terras, que estava nas mos de uma
elite agrria. Zapata liderou camponeses do sul do Mxico (grande parte indgenas) em
busca da expropriao de terras dos que se diziam contra a revoluo para logo aps dividi-
las entre os camponeses e promover o reconhecimento de terras que foram tomadas decamponeses (dos quais muitos era indgenas). O que fica patente na luta de Zapata o ideal
de justia social, buscado tanto pela via armada, quando pelo apelo ao cumprimento da lei,
como ser visto adiante. Em 1919, assassinado em Morelos.
No Mxico, as medidas neoliberais passam a ser implementadas pelo presidente
Carlos Salinas Gortari (1988 1994), empossado aps uma eleio com muitas
contestaes, em funo da forte suspeita de fraude. Gortari tinha como tarefa combater a
grave crise econmica que assolou o pas a partir dos anos 1980, com o governo de Miguel
de la Madrid Hurtado (19821988). Cludia Wasserman informa como a crise se originou:
o desequilbrio oramentrio dos sucessivos governantes do PRI [PartidoRevolucionario Institucional] e a queda dos preos do petrleo no decnioanterior levaram a uma inflao de quase 100% ao ano, ao desempregoentre 20 e 25% e a desvalorizao do peso em relao ao dlar4
3 Ibidem,p. 14 WASSERMAN, Claudia.Entre a Revoluo Mexicana e o Movimento de Chiapas: a tese da hegemonia
burguesa no Mxico ou por que voltar ao Mxico 100 anos depois. In: Cadernos IHU ideias, ano 9, n.152, 2011, p. 14
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Como caminho para sair da crise, Gortari optou por seguir os conselhos que o Consenso de
Washington (1989) dava aos pases latino-americanos, que, em linhas gerais, consistiam na
reduo de gastos pblicos; na abertura aos investimentos estrangeiros, acabando com as
restries ao mesmo; e na privatizao de empresas estatais. Dessa forma, Salinas Gortari
provocou a deteriorao de uma srie de servios pblicos essenciais, promoveu a
privatizao de diversas empresas estatais e assinou um acordo de comrcio com os Estados
Unidos, conhecido como NAFTA (Tratado Norte-americano de livre comrcio). Essas
medidas acentuaram a pobreza das populaes no favorecidas. A crise econmica, bem
como as consequncias das determinaes de Gortari so sentidas com mais intensidade na
regio sul do Mxico, onde mesmo as conquistas da Revoluo Mexicana (a reforma
agrria, as nacionalizaes e o aumento da participao poltica por parte da populao) no
so efetivados. O sul mexicano mantm uma estrutura socioeconomicamente arcaica e uma
poltica de cunho autoritrio e racista. Assim, essa regio no chega a ter as mesmas
reformas modernizantes por que passam o norte e o centro do Mxico5.
A Bolvia em que emerge o EGTK encontra-se sob a presidncia de Victor Paz
Estensorro, que ocupava o cargo pela terceira vez, assumindo aps Hernn Suazo (1982
1985). O pas ainda enfrentava o problema da hiperinflao, do dficit fiscat e do
enfraquecimento das empresas estatais, consequncias de uma m administrao e de uma
conjuntura internacional pouco favorvel para a exportao de estanho durante os governos
militares (1964 1982). A alternativa encontrada por Estenssoro para frear a derrocada da
economia boliviana foi a aplicao de uma srie de medidas liberalizantes no campo
econmico atravs da chamada Nova Poltica Econmica (NPE). As consequncias dessas
medidas foram a diminuio do papel do Estado na economia e a abertura ao capital externo.
A privatizao da Comibol (Corporacin Minera de Bolivia) um duro golpe na
organizao sindical, levando ao desemprego 23 mil mineiros que passam a se dedicar ao
mercado informal e atividade cocalera. Nesse perodo h um processo de migrao interna
que aumenta o nmero das periferias dos centros urbanos, com destaque para o rpido
crescimento populacional de El Alto, cidade-dormitrio de La Paz. Resulta desse processo o
fim do modelo de Estado construdo a partir da Revoluo de 1952 pelo MNR (Movimento
Nacionalista Revolucionrio) partido de Estenssoro, sendo esse presidente entre 1952 e
1956 e contribuidor para a construo de tal modelo estatal que nos anos 1980 ajudara a
5 Essa noo desenvolvida por ROJAS, C. Aguirre. Chiapa, Planeta Tierra. Mxico: EditorialContrahistorias, 2006.
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destruir, no qual ocorreu uma ampla reforma agrria e a nacionalizao da atividade
mineradora.
Como demonstra Jos DAssuno Barros6
ao comentar a obraReis Taumaturgos deMarc Bloch, a comparao por meio do mtodo especfico da Histria Comparada de
dois casos sincrnicos pode contribuir, de alguma forma, para a compreenso mais plena do
espao amplo em que elas esto inseridas. No caso dessa pesquisa, a anlise comparada da
referncia a Emiliano Zapata feita pelo movimento zapatista do Mxico com a referncia a
Tupak Katari feita pelo EGTK da Bolvia, a partir da relao existente entre memria e
identidade, permite entender de forma mais completa a Amrica Latina e a situao de
povos indgenas num contexto de neoliberalismo, bastante evidente durante as dcadas de
1980, 1990 e 2000.
O perodo a ser analisado no caso do EGTK de 1986 a 1992. A dificuldade em
acessar a documentao produzida pelo grupo boliviano no permitiu a anlise de um
nmero extenso de fontes7. Ainda assim, foi possvel estabelecer um estudo consistente
atravs do exame do livro de Felipe Quispe8intitulado Tupak Katari vuelve... carajo9, que
tido como o texto fundador do grupo. Nele esto contidos, alm de um breve resumo da
rebelio de Tupak Katari, a defesa promovida por Quispe e outros indgenas, atravs deteses apresentadas em organizaes sindicais bolivianas da luta armada como forma de
chegar ao poder. Consultou-se, tambm, o comunicado Qu busca el EGTK?, no qual esto
contidos os principais objetivos do grupo armado boliviano10. J para o caso do EZLN, deu-
se preferncia utilizao das declaraes e comunicados oficias produzidos entre 1994 e
2001. O ano de 2001 emblemtico, pois quando ocorre a Marcha Zapatista em direo
Cidade do Mxico visando conseguir o reconhecimento constitucional dos direitos
indgenas. A Marcha passa por lugares que Emiliano Zapata travou algumas de suasprincipais batalhas. Deve-se sublinhar que os documentos analisados so os que evidenciam
de forma mais clara a meno aos nomes de Tupak Katari e Emiliano Zapata. As
6 BARROS, Jos DAssuno. Histria Comparada da contribuio de Marc Bloch constituio de ummoderno campo historiogrfico. In:Histria Social (Revista da Unicamp).vol.13, 2007, 7-21. Disponvel em:www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/download/207/199 . Acesso em 26/06/2012, s 16h07min.7 Diferentemente das fontes produzidas pelo EZLN, os textos do EGTK no se encontram disponveis nainternet, exceo do comunicado Qu busca el EGTK?8 Principal idealizador do Exrcito Guerrilheiro Tupak Katari.9 QUISPE, Felipe. Tupak Katari vuelve...carajo. Ediciones Ofensiva Roja, La Paz, 1988.10 EGTK, Qu busca el EGTK? Citado por:
SALOMN, Jaime Iturri. EGTK: La guerrilla aymara enBolivia.Ediciones Vaca Sagrada, 1992, La paz, Bolivia. E disponvel em:http://www.cedema.org/ver.php?id=1245. Acesso em: 17/06/2013, s 12h24min.
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caractersticas mais especficas das fontes bem como suas diferenas entre si sero tratadas
no captulo 1.
A construo do problema de pesquisa se deu atravs da leitura da bibliografiaexistente sobre os dois movimentos aqui tratados e, a partir disso, da percepo da
possibilidade, ainda no contemplada, de uma anlise comparada entre o EZLN e o EGTK
no que tange questo da memria e identidade. Em 2001, Carlos Aguirre Rojas na
introduo de Chiapas en perspectiva histrica11chamou ateno para a falta de trabalhos
de histria sobre o Exrcito Zapatista de Libertao Nacional. Ainda que tenham sido feitos
muitos esforos explicativos por socilogos a respeito desse tema, Aguirre Rojas afirma que
esses estudos tendem, mesmo sem querer, a ficar slo dentro de la deteccin e
identificacin de los procesos y de las causas ms inmediatas del conflito12. Esse
imediatismo acaba por gerar algumas perdas importantes na anlise como esquecer a
densidade histrica profunda que h nos acontecimentos ocorridos e o prejuzo de no contar
com a oportunidade de inscrever esses fatos numa perspectiva de maior alcance temporal,
que seja mais atenta s principais lies da histria.
J antes do apelo de Aguirre Rojas, alguns trabalhos incluam o movimento chiapaneco
numa perspectiva histrica. o caso da contribuio de Juan Gonzlez Esponda e ElizabethPlito Barrios13que estudam a formao histrica de Chiapas desde sua incorporao ao
Mxico (em 1824) para entender o problema agrrio da regio e as motivaes que levaram
criao do EZLN. Em 2005, Emlio Gennari14 remontou os passos da rebeldia do
movimento atravs de uma narrativa romantizada e militante. Pablo Gonzles Casanova15
identificou as causas da rebelio em um artigo publicado em 2006. Armando Bartra e
Gerardi Otero16tambm comentam a histria dos povos indgenas no Mxico ps-colonial
para, logo aps, discutirem conceitos que ajudam a entender a formao do EZLN.
11 ROJAS, C. Aguirre [et. al.]. Chiapas en perspectiva histrica. El Viejo Topo, 2001.12 Ibidem,p. 913 ESPONDA, Juan Gonzlez e BARRIOS, Elizabeth Plito. Notas para comprender el orgen de la rebelin
zapatista. In: Revista Chiapas, Mxico, Ediciones Era, n. 1, 1994. Disponvel em:http://www.revistachiapas.org/No1/ch1gonzalez-polito.html. Acesso em 28/06/2012 s 23h55min.
14 GENNARI, Emilio.EZLN: passos de uma rebeldia. So Paulo: Expresso Popular, 2005.15 CASANOVA, Pablo Gonzles. Causas da rebelio em Chiapas.In: Revista O Olho da Histria, Salvador,
n. 3, dez. 2006. Disponvel em: http://www.oolhodahistoria.ufba.br/03casano.html. Acesso em:29/06/2012, s 0h38min.
16 BARTRA, Armando e OTERO, Gerardo. Movimientos campesinos em Mxico: la lucha por la tierra, laautonomia y la democracia. In: MOYO, Sam e YERO, Paris (coord.). Recuperando la tierra, el
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Pesquisas que contm uma anlise historiogrfica mais profunda sobre a temtica ainda
so incipientes. Carlos Barros17 um dos contribuidores nesse sentido, tendo escrito um
artigo que ressalta a importncia de Chiapas para a historiografia. O prprio trabalho de
Carlos Aguirre Rojas em conjunto com Bolvar Echeverra, Carlos Montemayor e Immanuel
Wallerstein, j citado anteriormente, pode ser includo nessa perspectiva. No Brasil,
recentemente Claudia Wasserman18escreveu um artigo buscando interpretar o movimento
chiapaneco atravs da viso de longa durao dos acontecimentos advogada por Aguirre
Rojas. Alm desse trabalho, podemos citar a dissertao de mestrado de Edson Antoni19que
analisa o EZLN e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra brasileiro a partir do
conceito de novo movimento social. No mbito mais especfico de estudos que versem sobre
a questo da memria e identidade no EZLN, Carlos Aguirre Rojas figura, mais uma vez,
entre os autores com o texto Mitos y olvidos en la histria oficial de Mxico20. Sofa Rojo
Arias21disserta sobre os usos da histria e da memria por parte do grupo guerrilheiro de
Chiapas, bem como Daniela Albarrn22 que debate tambm o conflito existente entre o
EZLN e o Estado Mexicano pela memria de Emiliano Zapata.
Sobre o Exrcito Guerrilheiro Tupak Katari encontrou-se poucos estudos. O artigo de
Fabola Escrzaga23 reconstri a trajetria do grupo e avalia a sua importncia para a
organizao dos povos aimras e quchuas na Bolvia. A autora faz isso baseada em
documentos confeccionados pelo movimento e entrevistas com ex-membros como Felipe
Quispe (indgena aimra e principal idelogo do EGTK), Raquel Gutirrez e lvaro Garcia
resurgimiento de movimientos ruarales em Mxico, Asia y Amrica Latina. Buenos Aires: CLACSO, pp.
401-128.17 BARROS, Carlos. Chiapas y la escritura de la historia. In: Revista Clio y Asociados, n. 5, 2000.
Disponvel em:http://bibliotecavirtual.unl.edu.ar:8180/publicaciones/bitstream/1/2467/1/CLIO_5_2000_pag_58_75.pdf.Acesso em: 29/06/2012, s 01h08min.
18 WASSERMAN, Claudia. Op. Cit.19 ANTONI, Edson. Os novos movimentos sociais latino-americanos: o Exrcito Zapatista de Libertao
Nacional e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.
20 ROJAS, Carlos Aguirre. Mitos y olvidos en la histria oficial del Mxico.Mxico D.F., Ediciones Era,2004.
21 ARIAS, Sofa Rojas.Los usos de la histria: memoria y olvido en los comunicados del EZLN. In: PerfilesLatinoamericanos, ano 5, n. 9, 1997. Disponvel em:http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=11500910. Acesso em: 29/06/2012, s02h32min.
22 ALBARRN, D. Op. Cit.23 ESCRZAGA, Fabola. Op. Cit.
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Linera. Jaime Iturri Salmn24 e Ayar Quispe25 tambm publicaram livros sobre o
movimento26. No entanto, um trabalho de cunho historiogrfico que analise a questo da
memria e da identidade no movimento boliviano ainda no existe.
Com o intuito de contribuir para a historiografia que pensa os movimentos indgenas na
Amrica Latina, remete-se, novamente, a algumas observaes pertinentes da Histria
Comparada para justificar tanto a viabilidade quanto a validade da anlise procedida. Jos
DAssuno Barros afirma, ao falar sobre os objetos a serem comparados, que a variao na
escala de comparao permite estudar inclusive grupos tnicos e identitrios. Assim, com
um foco menos abrangente da metodologia descrita, analisando objetos como sujeitos que se
sentem pertencentes a uma organizao especfica, pode-se destrinchar as relaes tnicas e
identitrias estabelecidas por esses, que de uma escala nacional, por exemplo, seriam
imperceptveis. Fernando Devoto e Boris Fausto em seu livro Argentina Brasil: 1850
2000: un ensayo de Historia Comparada27 advogam a favor de um estudo comparativo a
partir de uma escala mais restrita ao dizer que una historia verdaderamente social solo es
factible en la escala pequea, es ah donde pueden indagarse especficamente los hombres en
sus acciones, creencias, comportamientos concretos28. Por isso afirmam que seu livro (uma
anlise a nvel nacional de duas situaes) um incentivo, um ponto de partida da Histria
Comparada e no um ponto de chegada.
Nesse sentido, acredita-se que um estudo histrico que compare os casos do EZLN e do
EGTK atravs da questo da memria e identidade necessrio pela contribuio
historiografia latino-americana dos movimentos indgenas e vivel, pois, se ver mais
tarde, que o mtodo da Histria Comparada auxilia no estudo de objetos como os deste
trabalho. Alm disso, parece importante prestar a ateno no que Carlos Barros chamou de o
ressurgimento do sujeito social na historiografia, segundo ele o movimento de Chiapasmarca esse fenmeno, pois a partir dos anos 1990 houve um maior interesse dos estudiosos
acadmicos para com a anlise de conflitos, revolues e revoltas sociais 29. Em minha
24 SALMN, Jaime Iturri.EGTK: la guerrilla aymara em Bolivia. La Paz, Bolivia: Ediciones Vaca Sagrada,1992.
25 QUISPE, Ayar.Los tupakataristas revolucionrios. Editorial Wilka, 2005.26 Infelizmente, esses dois livros no puderam ser acessados, pois no foram publicados no Brasil e no foi
possvel traz-los da Bolvia.27 DEVOTO, Fernando e FAUSTO, Boris. Argentina Brasil: 1850 2000: un ensayo de Historia
Comparada. 1 ed., Buenos Aires: Sudarmericana, 2008.28 Ibidem,p. 10.29 BARROS, Carlos. Op. Cit.
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opinio, o movimento indgena campons mexicano, assim como o EGTK e tantos outros,
marca no somente a volta do sujeito social historiografia, mas tambm a capacidade de
expresso e organizao de grupos que historicamente foram despossudos de espaos para
expor seus pensamentos. O que se destaca nessa pesquisa o papel de protagonistas
assumido pelas populaes autctones da Amrica Latina durante o neoliberalismo. Como
defende Fabola Ezcrzaga, as transformaes produtivas que ocorreram entre os anos 1980
e 1990 geram uma demanda cada vez maior por recursos naturais e a incorporao de
territrios antes no centrais para o mercado mundial. Dessa forma,
Las poblaciones indgenas antes olvidadas, particularmente las asentadas
en los territorios selvticos [...] se convirtieron as en un actor relevante
para el sistema internacional, en tanto que los recursos naturales de los quehan sido depositrios durante siglos, adquirieron un valor considerable parael mercado internacional y se volvieron condiciados, por ejemplo, loshidrocarburos y otros minerales, el agua, la biodiversidade, el oxignio,etc.30
Esse processo tem como resultado, entre outras consequncias, a entrada de novos
sujeitos na luta contra o capitalismo (como os movimentos de indgenas, mulheres e jovens,
entre outros), substituindo o protagonismo que tiveram a classe trabalhadora e os setores
mdios na conquista de mudanas importantes numa etapa anterior. nesse sentido que
Franois Hartog e Jacques Revel apontam a importncia social que os usos polticos do
passado tm no cenrio atual:
Los usos polticos del pasado han permitido la reapropriacin de lahistoria a grupos que han sido [...] en particular [...] tradicionalmentedeposedos de la capacidad de expresarse. De tal manera que hoy lespermite participar en la elaboracin de su propria historia31
A pesquisa est composta por trs captulos. No captulo 1 apresenta-se os conceitos
tericos de memria e identidade apropriados das formulaes de Michael Pollak,
descrevendo-se que elementos devem ser levados em conta no processo de construo das
memrias, principalmente quando se tratam das de carter coletivo (como as constitudas
pelo EZLN e pelo EGTK). Ainda exposta a metodologia da Histria Comparada que
empregada na anlise a fim de demonstrar quais so os objetos de estudo que podem ser
comparados e de que forma eles devem ser analisados, partindo das perguntas propostas por
Jos D'Assuno de Barros: o que comparar? E como comparar? Alm disso, num segundo
30 ESCRZAGA, Fabola. La emergencia indgena contra el neoliberalismo. In: Poltica y Cultura, otoo2004, nm. 22, pp. 101-102.
31 HARTOG, Franois e REVEL, Jacques , 2001 apud. ALBARRN, Daniela, Op. Cit.
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momento do captulo 1, so abordadas as semelhanas e diferenas mais patentes entre os
dois movimentos para justificar a viabilidade de uma pesquisa que compare a relao entre
memria e identidade, a partir da referncia a dois personagens histricos, presente no
EZLN e no EGTK.
O segundo captulo foca-se na anlise da construo das memrias de cada um dos
movimentos, apresentando quais dos elementos pensados por Pollak para a construo da
memria demostram semelhanas e quais demonstram diferenas entre os grupos. Sem
perder de vista a centralidade das figuras histricas de Emiliano Zapata (para o caso do
EZLN) e Tupak Katari (para o caso do EGTK), analisa-se as referncias ao passado e as
formas de articulao dessa memria com as demandas que os grupos apresentam como seus
objetivos de luta, bem como as disputas existentes em torno dessas memrias.
No terceiro captulo, trata-se de entender como esses elementos de memria so
trabalhados pelo EZLN e pelo EGKT no que Pollak chamou de enquadramento da
memria com o objetivo de compreender quais identidades so criadas e reforadas no
intuito de manter os seus componentes agregados para a luta.
Por fim, a concluso da pesquisa traz os resultados da anlise, em que possvel
perceber o modo com que o EZLN e o EGTK utilizam-se das figuras histricas que inspiram
seus movimentos para criarem e manterem uma identidade de carter combativo,
observando-se, tambm, de que maneira essa compreenso pode contribuir para os estudos
dos movimentos indgenas na Amrica Latina.
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CAPTULO 1: Porque comparar o EZLN e o EGTK a partir da relao entre
memria e identidade?
1.1 Teoria e Metodologia
A anlise dos usos do passado atravs de personagens histricos feito pelos movimentos
indgenas EZLN e EGTK realizou-se a partir de dois conceitos: memria e identidade.
Ambos foram retirados da teorizao de Michael Pollak contida no artigo Memria e
Identidade social32. A opo por um estudo comparativo levou ao estudo das formulaes
metodolgicas da Histria Comparada. Utilizou-se, principalmente, do j citado artigo de
Jos DAssuno de Barros intituladoHistria comparadada contribuio de Marc Bloch
construo de um moderno campo historiogrfico33.
A memria, pensada por Pollak, deve ser entendida no somente como um fenmeno
individual. O autor mostra que j nos anos 1920-1930 Maurice Halbwachs34 havia
demonstrado que a memria tambm um fenmeno construdo coletivamente e que est
sujeito a mudanas e transformaes (ainda que ressalte que uma parte da memria quase
irredutvel, pois nesse ponto o processo de estruturao acontece mais fortemente). Essas
mudanas se do devido s necessidades apresentadas pelo presente. Ao investigar os usos
da histria e do passado feitos pelo EZLN e pelo Estado mexicano, Daniela Albarrn35
esclarece o modo como a Histria oficial forjou a figura de Zapata para justificar a nao e
as instituies nacionais, resgatando-o como heri de um movimento que finalmente
transform a Mxico hacia las intituiciones democrticas 36e deixando de lado seu lado
rebelde e suas intenes de transformao radical. Esses ltimos aspectos so justamente os
que sero apropriados pelo movimento zapatista surgido em 1994, acentuado pontos do
programa social idealizado por Emiliano Zapata, como a reforma agrria. Esse uso da
memria de Zapata visa criar uma identidade que articule para a luta em busca de direitos
indgenas e da concretizao de reivindicaes dos camponeses mexicanos. Assim, pode-se
perceber claramente nesse conflito entre o EZLN e o Estado mexicano as flutuaes que
sofre a memria em decorrncia das demandas que apresentam o presente, levando-se
32 POLLAK, Michael.Memria e Identidade social. In: Revista Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 5,n. 10, 1992, p. 200-212
33 BARROS, J. Op. Cit.34 HALBWACHS, Maurice.A memria coletiva. So Paulo, 2 ed. : Centauro, 200635 ALBARRN, Daniela. Los usos de la memoria y de la historia del zapatismo en un conflicto actual:
origen y surgimiento del EZLN 1994. Disponvel em: http://nuevomundo.revues.org/30312. Acesso em:26/06/2012, s 14h58min.
36 Ibidem, p. 5
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tambm em conta os objetivos a serem alcanados pelos sujeitos que se apropriam do
personagem histrico, nesse caso.
O embate apresentado por Albarrn leva a pensar em outra considerao importantefeita por Pollak. A memria um campo de disputa. A luta em torno do que ser lembrado,
comemorado e estruturado na memria de uma sociedade sempre um ponto que deve ser
levado em conta, quando se trata dessa temtica. Assim, deve-se entender a memria como
lugar e objeto de disputa nas relaes de poder em confronto na realidade social 37. Esse
carter conflitivo perpassa a anlise feita nessa pesquisa, j que tanto o caso da EZLN
quanto do EGTK podem ser entendidos a partir do conceito de memrias subterrneas
teorizado por Pollak, que identifica uma oposio entre essas e a memria oficial:
Ao privilegiar a anlise dos excludos, dos marginalizados e das minorias, ahistria oral ressaltou a importncia de memrias subterrneas que, comoparte integrante das culturas minoritrias e dominadas, se opem Memria oficial, no caso a memria nacional. Num primeiro momento,essa abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados umaregra metodolgica e reabilita a periferia e a marginalidade. [...] Elaacentua o carter destruidor, uniformizador e opressor da memria coletivanacional. Por outro lado, essas memrias subterrneas que prosseguem seutrabalho de subverso no silncio e de maneira quase imperceptvel afloramem momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados. A memria
entra em disputa. Os objetos de pesquisa so escolhidos de prefernciaonde existe conflito e competio entre memrias concorrentes. 38
Pollak ainda nos traz os elementos que considera constitutivos da memria tanto
individual quanto coletiva. Primeiramente, os acontecimentos vividos pessoalmente. Em
segundo lugar, os acontecimentos vividos indiretamente, ou seja, acontecimentos vividos
pela coletividade do grupo a que a pessoa pertence ou at mesmo fatos que situam-se em
outro espao-tempo, sendo
perfeitamente possvel que, por meio da socializao poltica, ou dasocializao histrica, ocorra um fenmeno de projeo ou de identificaocom determinado passado, to forte que podemos falar numa memriaquase herdada39.
Esse aspecto, juntamente com o terceiro aspecto que vem a seguir, de alta relevncia para
entender a formao de uma identidade de luta nos movimentos analisados na pesquisa.
37 PADRS, Enrique Serra [et. all] (orgs.).A Ditadura de Segurana Nacional no Rio Grande do Sul (1964-1985): histria e memria. Porto Alegre: Corag, 2010. - v.2
38 POLLAK, Michael. Memria, Esquecimento e Silncio. In: Revista Estudos Histricos, Rio de Janeiro,vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.
39 POLLAK, Michael. Op. Cit., 1992
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Tanto a memria de Emiliano Zapata no Mxico quanto a de Tupak Katari na Bolvia so,
de certa forma, memrias herdadas pelos componentes dos grupos. Em terceiro lugar, fazem
parte da constituio da memria pessoas, personagens. A mesma situao do segundo
elemento pode ser apresentada aqui, pois essas pessoas e personagens no necessariamente
so contemporneas do indivduo ou grupo que constri sua identidade em referncia a eles.
Por ltimo, Pollak afirma que os lugares tambm so importantes componentes. So locais
ligados a uma memria. O estado de Morelos, no Mxico, onde Zapata nasceu e de onde
liderou os camponeses da regio pode ser um exemplo no caso do EZLN, assim como o
estado de Aguascalientes, onde, no ano de 1914, ocorre a Conveno Nacional
Revolucionaria que reunira as foras insurgentes da Revoluo Mexicana e que, mais tarde,
empresta seu nome para o EZLN intitular os espaos de discusso por ele criados em
Chiapas. A cidade de La Paz (cercada por Katari durante sua rebelio), na Bolvia e a de El
Alto (regio de onde Katari comandou o cerco a La Paz) so os exemplos mais patentes para
o caso do EGTK.
Quando tratamos de uma memria herdada pode-se dizer que h uma ligao muito
mais prxima dessa com o sentimento de identidade. Para entender essa relao necessrio
ter em mente que a identidade
o sentido da imagem de si, para si, e para os outros. Isto , a imagem queuma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela prpria, a imagem queela constri e apresenta aos outros e a si prpria, para acreditar na suaprpria representao, mas tambm para ser percebida da maneira comoquer ser percebida pelos outros 40.
Nesse sentido, Pollak elenca trs elementos essenciais na construo da identidade. O
primeiro deles a unidade fsica, que, em outras palavras, a percepo de ter fronteiras
fsicas. Aqui nos interessa o sentido coletivo desse elemento, que a noo de
pertencimento a um grupo. Em segundo lugar, h a continuidade do tempo e em terceiro, o
sentimento de coerncia que a impresso de que os componentes que constituem o
indivduo esto fortemente unificados. Os trs elementos descritos acentuam o forte papel da
memria como fator de suma importncia para a construo da identidade, j que ela
influencia fortemente no sentimento de continuidade e de coerncia.
Em funo da abrangncia de elementos que Pollak elenca para constituio de uma
identidade, a pesquisa foca-se no somente em referncias diretas s figuras de Emiliano
40 Ibidem,p. 5
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Zapata (no caso do EZLN) e de Tupak Katari (no caso do EGTK) nas documentaes.
necessrio prestar ateno em elementos citados pelos componentes dos movimentos que
tem relao com a memria e que, de alguma maneira, reforam as identidades indgenas
baseadas nos personagens histricos em questo.
Conforme j colocado, a metodologia empregada na pesquisa provm do campo da
Histria Comparada. Para que a utilizao desse mtodo seja satisfatria, antes de qualquer
coisa deve-se estabelecer a diferena entre Histria Comparada e o simples comparativismo
histrico. Jos DAssuno de Barros claro ao explicar essa distino:
Comparar, elencar semelhanas e diferenas e estabelecer analogiasso naturalmente aes to familiares ao historiado como contextualizar osacontecimentos ou dialogar com suas fontes. Mas para falarmos em ummtodo comparativo preciso (...) ultrapassar aquele uso mais prximoda intuio e da utilizao cotidiana da comparao para alcanar um nvelde observao e anlise mais profundo e sistematizado, para o qual o quese pode comparar e o como se compara tornam-se questes relevantes,fundadoras de um gesto metodolgico 41.
Entendida essa diferena, devemos pensar em O que se pode comparar?. Para
estabelecer os objetos a serem observados a partir de um estudo comparativo, Barros recorre
a alguns requisitos elencados por Marc Bloch para a constituio de uma Histria
Comparada que faa sentido. Dois aspectos irredutveis devem ser levados em conta: deve
haver certa similaridade nos fatos e tambm certa dessemelhana nos ambientes em que
ocorrem esses fatos. Os motivos pelos quais os objetos de estudo aqui escolhidos podem ser
analisados atravs da Histria Comparada sero tratados mais adiante no texto.
O como comparar? pode ser respondido a partir de dois caminhos, tambm
proposto por Marc Bloch, que podem ser seguidos pelos historiadores dispostos a utilizar o
mtodo da Histria Comparada. O primeiro deles a anlise comparativa entre sociedades
distantes no tempo e espao; o segundo a comparao entre sociedades com certa
contiguidade no tempo e no espao (a qual apresenta o conjunto de procedimentos adequado
para estudar o problema de pesquisa em questo). Escolhido um desses caminhos, se deve
ter em mente as formas de percorr-lo. Em primeiro lugar, pode-se iluminar uma situao
em parte desconhecida atravs de uma realidade melhor estudada, fazendo analogias e
percebendo diferenas e semelhanas entre elas. Em segundo lugar, pode ser realizada a
iluminao recproca em que se esclarecem duas realidades desconhecidas de modo a que
41 BARROS, J. Op. Cit., p. 12
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os traos fundamentais de um ponham em relevo os aspectos do outro 42. Pode-se, por
ltimo, analisar dois objetos dinmicos em transformao, percebendo como os elementos
sofrem mudanas a fim de achar um padro de variao. O estudo comparativo realizado
nessa monografia feito atravs da primeira possibilidade exposta, j que o movimento dos
indgenas mexicanos conta com uma ateno muito maior dos estudiosos do que a guerrilha
boliviana inspirada em Tupak Katari. No entanto, ainda que tenhamos alguns trabalhos que
analisam a apropriao feita pelo EZLN da figura de Zapata, essa temtica da relao entre
memria e identidade no muito aprofundada tanto para o caso mexicano quanto para o
caso boliviano, o que permite afirmar que a iluminao recproca de que fala Barros,
tambm fornece elementos importantes para essa anlise.
Por fim, cabe ressaltar que um bom estudo de Histria Comparada deve contar com
um problema, sem isso ela no passar de um simples comparativismo histrico. Jos
DAssuno de Barros justifica essa afirmao demonstrando que a Histria Comparada
consiste
na possibilidade de se examinar sistematicamente como um mesmoproblema atravessa duas ou mais realidades histrico-sociais distintas, duasestruturas situadas no espao e no tempo, dois repertrios de
representaes, duas prticas sociais, duas histrias de vida, duasmentalidades, e assim por diante. Faz-se por mtua iluminao de doisfocos distintos de luz, e no por mera superposio de peas 43.
1.2 Semelhanas e diferenas entre o Exrcito Zapatista de Libertao Nacional e o
Exrcito Guerrilheiro Tupak Katari
Seguindo as diretrizes propostas por Barros, necessrio estabelecer quais so as
semelhanas e diferenas entre o EZLN e o EGTK observados a partir da tica da Histria
Comparada, a fim de justificar a escolha dos dois movimentos como objetos de estudo para
essa pesquisa.
As semelhanas entre os dois movimentos podem ser percebidas claramente.
Primeiramente, devemos sublinhar que ambos so de carter indgena. Essa caracterstica
aparece tanto na composio do movimento como tambm nas reivindicaes expostas na
documentao produzida por ambos. Ainda que a luta seja voltada para a mudana na
situao dos povos autctones dos dois pases, tanto o EZLN como a luta armada dos
42 Ibidem,p. 1043Ibidem,p. 17
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insurgentes bolivianos tem em sua constituio a presena de no indgenas (referidos como
mestios na bibliografia consultada). No caso dos zapatistas, a origem da guerrilha se
encontra numa parcela de jovens que participavam de protestos estudantis no Mxico ao
final dos anos 1960. Aps os conflitos entre o governo e os estudantes ocorridos na Praa
das Trs Culturas da Cidade do Mxico em 1968 - resultando em morte de alguns
militantes, h uma diviso nas lideranas estudantis. Segundo Emilio Gennari, alguns se
integram ao sistema, outros se engajam em movimentos sociais e uma terceira parte passa a
ter como opo de luta a guerrilha. Desses ltimos, uma parcela de guerrilheiros estabelece
que sua luta no visa uma ao rpida que busca tomar o poder, mas sim agir de acordo
com as pretenses do povo, sem se importar o quanto isso demore44. Dessa forma, em
novembro de 1983, cinco guerrilheiros chegam selva de Chiapas, dispostos a aprender a
viver num ambiente montanhoso e hostil e a contatar as comunidades indgenas locais. A
partir desse contato paulatinamente se estabelece um acordo entre as duas partes, no qual os
guerrilheiros iro treinar os jovens dos povoados para defender-se das aes de alguns
proprietrios rurais da regio e os indgenas fornecem suprimentos para a manuteno da
vida na selva. Assim,
pouco a pouco, os indgenas se tornam maioria no interior do EZLN e isso
comea a influenciar a sua vida interna. Na medida em que os contatosexigem que se aprenda a lngua das vrias etnias, os smbolos e os sentidosque estes tm na comunicao, os guerrilheiros percebem a necessidade deestabelecer um dilogo com as comunidades, com suas culturas milenares,suas formas de luta e sua organizao comunitria45.
J para o caso do EGTK, percebe-se o encontro de dois grupos distintos, mas j
previamente organizados para promover a luta armada. O primeiro grupoe que acaba por
ser mais influente no movimento de ncleo indgena, composto por camponeses aimras
e quchuas, no qual se destaca a figura de Felipe Quispe como idealizador da luta armada
indgena boliviana. O segundo grupo era composto por mestios, jovens bolivianos que
estudavam no Mxico e foram influenciados pelas revolues em curso na Amrica Central
(El Salvador, Guatemala e Nicargua). A presena de alguns revolucionrios salvadorenhos
na Universidade Nacional Autnoma do Mxicoonde muitos desses bolivianos estudavam
ajuda na formao poltica dos que iriam compor a vanguarda mestia do EGTK. O grupo
era integrado por lvaro e Ral Garcia Linera, Juan Carlos Pinto Quintanilla, Carlos Lara
Ugarte, Raquel Gutirrez e Fiorela Caldern (as duas ltimas de nacionalidade mexicana).
44 GENNARI, Emilio. Op Cit, 2005, p.2045 Ibidem, p.22
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Fbiola Ezcrzaga descreve o incio da atividade poltica desses jovens e suas influncias
tericas:
Los jvenes iniciaron su actividad poltica cada uno por su cuenta endiversas celulas salvadoreas que trabajaban em Mxico (...). Durante elao 1983 de manera paralela a su participacin con distintos grupossalvadorenhos crearon um crculo de estudios marxistas con otrosbolivianos, salvadoreos y argentinos. Su preparacin terico-polticaconsisti em la lectura de Marx y Lenin, el estudio de la historia bolivianay el seguimento de los acontecimentos de su pas en la prensa. Suacercamento a la problemtica indgena andina la hicieron a travs de lalectura de Maritegui, segn Raquel Gutirrez; y de Wankar, segn lvaroGarca46
Entre os anos de 1983 e 1984, esses estudantes desembarcam na Bolvia e criam sua prpria
organizao, chamada de Clulas Mineras de Base, voltada para discusses sobre a condio
poltica do pas e para a preparao da luta armada.
Em julho de 1985, a vanguarda mestia apresentada por um indgena chamado
Juan Rodrguez Guagamas a um grupo de aimras e quchuas que tem como inteno
iniciar a luta armada de carter tnico a partir das organizaes sindicais bolivianas. Esse
grupo se intitulava Ayllus Rojos e inspirava-se no pensamento indianista47. A principal
liderana dentro do Ayllus Rojos era Felipe Quispe, sua proposta recuperava a figura de
Tupak Katari, e sua rebelio entre os anos 1781 e 1783 para, a partir disso, formular uma
estratgia de guerrilha em que a comunidade indgena protagonista. Forma-se, a partir
desse encontro, o Exrcito Guerrilheiro Tupak Katari, em que h uma clara diviso de
trabalho: a vanguarda mestia seria responsvel por recrutar os trabalhadores das minas e
das regies urbanas, enquanto a vanguarda indgena tinha a misso de organizar e preparar
as comunidades de indgenas rurais, atravs, principalmente, das organizaes sindicais de
camponeses bolivianos.
Em 29 de agosto de 1985, um episdio ir marcar uma mudana dentro do EGTK.
Nesse dia o presidente Victor Paz Estensoro
lanza en su tercer perodo de gobierno el Decreto Supremo 21060 queprivatiza la mineria del estao y relocaliza (despide) a 23 mil mineros de la
46 ESCRZAGA, Fabola. El Ejrcito Guerrillero Tupak Katari (EGTK), la insurgncia aymara en Bolivia ,p.5
47 O pensamento indianista surge com as ideias de Fausto Reinaga e a grosso modo afirma que ascategorias de classes ocidentalizadas (burguesia, proletariado e campesinato) no servem para explicar arealidade boliviana. Os que trabalham nas minas, nas fbricas, no campo so ndios e eles no lutam porsalrios e muito menos por sua assimilao sociedade branca e, sim, pela justia racial, por sua liberdade.
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Corporacin Minera Boliviana (Comibol) la empresa estatal construida apartir de la nacionalizacin48
A partir desse decreto, o proletariado mineiro se dissipa e ir dedicar-se a outras atividades
econmicas (como a plantao de coca e o comrcio informal na cidade de La Paz).Portanto, a medida de Paz Estensoro tem uma consequncia direta nos planos do EGTK: o
fim do trabalho de conscientizao e preparao para a luta armada que a vanguarda mestia
fez com os mineiros bolivianos. O programa do movimento passa a voltar-se mais
especificamente para a organizao das comunidades indgenas com a inteno de promover
a autodeterminao dos povos autctones. De certa forma, a vanguarda mestia
subordinada vanguarda indgena e, como afirma Escrzaga,
era sobre todo la oportunidad de reconstruir una identidad indgenadesenterrando su proporia versin de la historia, reinvindicando su herenciaradical, afirmando su identidade indgena y organizacin comunal, sucultura y formulando a partir de estos elementos un proyecto futuro49.
Ao tomar conhecimento da constituio das duas organizaes guerrilheiras50, pode-
se notar a semelhana na sua composio (a presena de indgenas e no indgenas) e a
semelhana na via escolhida para atingir seus objetivos (a luta armada). Ao mesmo tempo,
observam-se tambm diferenas na maneira como se originam: o EZLN construdo
lentamente atravs de uma ao conjunta entre dois grupos ainda no organizados para a lutaarmada, enquanto que o EGTK tem sua formao no encontro de dois coletivos com certa
organizao prvia e com caminhos distintos para se chegar ao objetivo da tomada de poder
(a vanguarda mestia apostando no trabalho com o proletariado urbano e mineiro, e a
vanguarda indgena na preparao dos camponeses que compunham os sindicatos), mas que
entendem que uma aliana entre suas correntes pode dar bons frutos ao processo
revolucionrio na Bolvia.
necessrio sublinhar outra diferena importante entre os objetivos e mtodos de
luta dos dois movimentos. Como j visto, as reivindicaes de ambos so direcionadas, de
modo geral, ao fim da opresso imposta aos indgenas do Mxico e da Bolvia. No entanto, o
objetivo final do EGTK difere-se do que o EZLN toma como um resultado satisfatrio da
48ESCRZAGA, F.El Ejrcito Guerrillero Tupak Katari (EGTK), la insurgncia aymara en Bolivia,p. 649Ibidem,p. 750Para saber mais sobre a formao do EGTK consulte ESCRZAGA, F. El Ejrcito Guerrillero Tupak
Katari (EGTK), la insurgncia aymara en Bolivia. Disponvel em:www.pacarinadelsur.com/home/oleajes/441-el-ejercito-guerrillero-tupak-katari-egtk-la-insurgencia-aymara-en-
bolivia. Uma noo mais ampla da montagem e manuteno do EZLN pode ser encontrada em GENNARI,Emilio.Op. Cit., 2005.
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sua mobilizao. O grupo armado mexicano deixa claro desde sua primeira manifestao
pblica51 que a guerra que declaram contra o governo em funo da necessidade das
comunidades indgenas manterem sua existncia e impedir el saqueo de nuestras [de suas]
riquezas naturales en los lugares controlados por el EZLN52. Alm disso, o que os rebeldes
mexicanos desejam obter em ltima instncia o reconhecimento do direito de ser
indgena, entendido como a possibilidade de que os povos autctones possam ter uma
organizao diferenciada na qual seja possvel decidirem por si mesmos os rumos que
devem tomar, de acordo com as tradies e formas de sociabilidade presente nas suas
comunidades ancestrais. Para isso, pedem a insero do direito autodeterminao na
Constituio Poltica dos Estados Unidos Mexicanos e abrem dilogo com a sociedade civil
e o governo em diversos momentos. Essa perspectiva fica clara em alguns trechos de
documentos do movimento, como na Cuarta Declaracin de La Selva Lacandona: la nica
forma de incorporar, con justicia y dignidade, a los indgenas a la Nacin, es reconociendo
las caractersticas prprias en su organizacin social, cultural y poltica53. E na Quinta
Declaracin de la Selva Lacandona:
[...] hoy volvemos a poner en primer lugar, por encima de nuestrosufrimiento, por encima de nuestros problemas, por encima de lasdificultades, la exigencia de que reconozcan los derechos de los indgenascon um cambio en la Constituicin Poltica de los Estados UnidosMexicanos que les asegure a todos el respeto y la posibilidad de luchar porlo que les pertenece: la tierra, el techo, el trabajo, el pan, la medicina, laeducacin, la democracia, la justicia, la libertad, la independencia nacionaly la paz digna54.
O EGTK luta tambm pelo direito de autodeterminao dos povos indgenas
bolivianos, mas a diferena bsica em relao ao caso do EZLN de que os guerrilheiros do
pas andino no mostram a tentativa de abrir dilogo com o governo para alcanar esse fim,
muito pelo contrrio, sua inteno promover uma mudana estrutural, em que os indgenas
iro estabelecer as novas leis da Bolvia. Felipe Quispe demonstra essa inteno em Tupak
Katari vuelve...carajo:
Nosostros los nuevos Aymaras, Qhiswas [quchuas], Tupiwarines y otrosnaciones autctonas del Qullasuyu[55] vamos a tomar el poder poltico, con
51 EZLN,Primera Declaracin de la Selva Lacandona, janeiro de 1994.52 Ibidem,p.253 EZLN, Cuarta Declaracin de la Selva Lacandona,janeiro de 1996, p. 354 EZLN, Quinta Declaracin de la Selva Lacandona,julho de 1998, p.755 Marcelo Grondin define o Qullasuyu como o territrio dos collas [aymars] conquistada pelos incas
(GRONDIN, p.16). J para Felipe Quispe o Qullasuyu a ptria indgena tomada pelos colonizadoresespanhis e denominada pelos no ndios de Bolvia.
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la fuerza de las armas; a nuestros opressores les tocar obedecerrnos anuestras leyes naturales [...]. Nuestras leyes no sern para esclavizar a losblancos, mestizos europeizados [...]. Pondremos la ley de igualdad dederechos para todos los que viven y trabajen en nuestra ptria Qullasuyu(Bolivia)56
Portanto, o EGTK encara a luta armada como uma forma de tomada do poder,
enquanto o EZLN mantm a luta armada como autodefesa para a conquista do direito
existncia dos indgenas, ainda que o dilogo e a negociao assumam o papel central no
modo de ao do grupo mexicano.
A ltima semelhana a ser considerada e tambm a mais relevante para os propsitos
do trabalho aqui desenvolvido, a de referncia que as duas organizaes fazem a
personagens histricos. Emiliano Zapata e seus ideais de justia social so recuperados e
atualizados pelo EZLN de forma a a partir de uma perspectiva de continuidade histrica
justificar a sua luta e reforar a identidade do grupo. Da mesma maneira, ocorre a
apropriao por parte do EGTK do personagem Tupak Katari, indgena aymara que
apresenta posicionamentos radicais no programa social de sua rebelio, da qual o resultado
principal seria a retomada do poder por parte dos povos autctones e a eliminao das
estruturas colonizadoras espanholas. atravs do uso do passado desses dois lderes de
movimentos populares que os guerrilheiros mexicanos e bolivianos podem colocar osindgenas, assim como outros grupos oprimidos, na posio de sujeitos da histria e articular
elementos de identidade, reforando-a para mobilizar o grupo para a luta armada.
Cabe ainda neste espao algumas ponderaes em relao s fontes utilizadas. Os
documentos consultados apresentam, da mesma maneira que os prprios movimentos,
algumas diferenas entre si, bem como algumas semelhanas. De modo geral, necessrio
ressaltar que a anlise se baseou em comunicados e declaraes oficiais, ou seja, em
discursos escolhidos dentro da organizao dos grupos guerrilheiros como os discursos que
viriam a pblico para mostrar suas intenes. O limite imposto pelo carter dessas fontes
impede perceber os conflitos em torno da construo dos discursos que iro ser publicados
representando a voz do EZLN e a voz do EGTK. No entanto, os pronunciamentos oficiais
indicam qual a imagem que esses movimentos querem construir de si em relao aos outros,
tornando-se importantes fontes para os problemas que envolvem memria e identidade.
56 QUISPE, Felipe. Guerra Revolucionaria de Ayllus (1781-1783). In: Tupak Katari vuelve...carajo. EdicionesOfensiva Roja, 1988, pp. 151-152
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As declaraes da Selva Lacandona entre os anos de 1994 e 200157 de autoria da
organizao inspirada em Emiliano Zapata serviram como fontes para a pesquisa, bem como
um comunicado do dia 6 de maro de 200158, lido em pblico na cidade de Cuernavaca na
provncia de Morelos, Mxico importante local de ao de Emiliano Zapata durante a
Revoluo Mexicana. Todos esses textos apresentam um discurso bem estruturado e em
sintonia com os apelos da sociedade civil. Essa caracterstica ressaltada por Carlos
Monsivais, que explica o impacto do surgimento do EZLN no Mxico:
El Primer Manifiesto de la Selva Lacandona es dogmtico a la antigua y noconvence a nadie del atractivo de la via armada ni de sus posibilidadessiquiera remotas. Pero al difundirse los hechos se genera en Mxico unacorriente de comprensin. Es evidente la miseria totalizadora de los indios
de Chiapas y del pas entero.59
Quando Carlos Salinas de Gortari (presidente mexicano em 1994) demostra sua
inteno de aniquilar os zapatistas, muitas pessoas saem s ruas no dia 8 de janeiro de 1994
para protestar e defender o dilogo do governo com o EZLN. Os rebeldes identificam nessa
situao a oportunidade de fortalecer-se enquanto movimento, no abrindo mo da
perspectiva de dilogo com o povo mexicano:
Es en la SOCIEDAD CIVIL, en quien reside nuestra soberana, es el
pueblo quien puede, en todo tiempo, alterar o modificar nuestra forma degobierno y lo ha asumido ya. Es a l a quien hacemos un llamado en estaSEGUNDA DECLARACIN DE LA SELVA LACANDONA [...]60
A acessibilidade a essa documentao facilitada, pois o EZLN disponibiliza todas
as suas declaraes e seus comunicados voltados ao pblico na internet. Assim, a palavra
dos zapatistas pode chegar a qualquer lugar do mundo, tornando muito mais vivel o
trabalho de pesquisadores que tem como objeto de estudo esse movimento e permitindo que
qualquer um conhea as causas pelas quais lutam no Mxico.
O contrrio se observa para o EGTK no que tange ao acesso de informaes. Textos
e artigos que versem sobre a luta armada boliviana foram encontrados de forma esparsa e em
57 Foram consultadas da primeira quinta declarao da Selva Lacandona, bem como o documento alabrasdel EZLN, el da 6 de marzo de 2001 en Cuernavaca, Morelos, todos disponveis em: www.palabra.ezln.org.mx58 EZLN, Palabras del EZLN, el da 6 de marzo de 2001 en Cuernavaca, Morelos., 2001 Disponvel em:
www.palabra.ezln.org.mx59MOSIVAIS, Carlos. La protesta popular en el Mxico del neoliberalismo. In: MAYA, Margarita Lpez(editora). Lucha popular, democracia., neoliberalismo: protesta popular en Amrica Latina em los aos deajuste. Editorial Nueva Sociedad, 1999, pp.160-16160 EZLN,Segunda Declaracin de la Selva Lacandona, junho de 1994 p. 2.
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pouca quantidade. Em relao documentao, encontrou-se somente um comunicado desse
grupo disponvel na internet, intitulado Qu busca el EGTK?61. Essa dificuldade no acesso
se explica tambm pelo fato de que a internet s passa ser acessvel universalmente a partir
da segunda metade da dcada de 1990 e o movimento boliviano desbaratado em 1992. O
livro Tupak Katari vuelve...carajo62 de Felipe Quispe que considerado o documento de
fundao do EGTK serviu como principal fonte sobre o grupo boliviano na pesquisa63. O
livro est composto por quatro partes: a primeira intitula-se Guerra Revolucionaria de
Ayllus, 1781-1783e uma exposio do levante de Tupak Katari, chamando a ateno s
tticas de combate implementadas pelos indgenas participantes desse episdio; a segunda
parte contem uma srie de documentos e propostas polticas que a vanguarda indianista do
EGTK apresentou nos congressos sindicais da FSUTCLP-TUPAK KATARI64e CSUTCB65,
alm do voto resolutivo aprovado na COB66 que reconhece o direito dos indgenas de
criarem um Estado prprio, separado do Estado boliviano; a terceira parte traz a exposio
de alguns princpios da filosofia e da religio csmica aimra; finalmente, a quarta parte
composta por dois textos de preparao sindical: Viva al Glorioso Tupakatarismo
Revolucionario!eBoletn de Sindicalismo de Pakajaqis. importante notar que o livro de
Quispe traz a viso da vanguarda indianista do EGTK, no sendo abarcadas nesse texto as
formas de atuao da parte mestia. Por outro lado, nesses escritos aparecem fortesreferncias a Tupak Katari que so articuladas de maneira a fortalecer a identidade indgena
e que, portanto, servem aos propsitos estabelecidos por essa pesquisa.
Nesse primeiro captulo, tratou-se de expor os conceitos tericos de memria e
identidade formulados por Michael Pollak e que foram aplicados na anlise para entender a
forma de utilizao das figuras histricas de Emiliano Zapata e Tupak Katari por EZLN e
EGTK, respectivamente, para fortalecer uma identidade que permita a mobilizao para a
luta. Alm disso, a metodologia da Histria Comparada que fora empregada na monografia
teve alguns de seus aspectos descritos com base no texto de Jos Assuno de Barros, como
61 EGTK, Qu busca el EGTK? Citado por: SALOMN, Jaime Iturri. EGTK: La guerrilla aymara enBolivia.Ediciones Vaca Sagrada, 1992, La paz, Bolivia. E disponvel em:http://www.cedema.org/ver.php?id=1245. Acesso em: 17/06/2013, s 12h24min.
62 QUISPE, Felipe. Op. Cit.63 Aps diversas tentativas sem sucesso de acesso a documentos do EGTK atravs de contato por e-mail com
Felipe Quispe, o livro s pode ser consultado graas a colaborao de Fabola Escrzaga que digitalizou eenviou por e-mail esse documento.
64 Federacin Sindical nica de Trabajadores Campesinos de LaPaz Tupak Katari 65 Confederacin Sindical nica de Trabajadores Campesinos de Bolivia66 Central Obrera Boliviana
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quais so os pr requisitos que devem ser cumpridos pelos objetos de estudo para que esse
mtodo tenha resultados satisfatrios. Justamente em funo desses pr requisitos se fez
necessrio instituir algumas semelhanas e diferenas entre os dois movimentos a fim de
justificar a viabilidade de comparao dos dois objetos. Por ltimo, uma pequena
explanao sobre o carter das fontes utilizadas, tambm apresentando as analogias e
dessemelhanas entre elas, para entendermos os limites e possibilidades que a documentao
confere pesquisa.
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CAPTULO 2: Memria
Entender como as figuras histricas de Emiliano Zapata e Tupak Katari so
apropriadas pelo EZLN e o EGTK, respectivamente, para estabelecer uma identidade quepermita a mobilizao para a luta armada implica pensarmos em quais so os referenciais
ligados memria desses dois personagens que os combatentes iro se remeter para atingir
esse objetivo. Ainda que se possa perceber na documentao as referncias diretas
memria de Zapata e memria de Katari que os colocam como pontos de partida para a
construo das identidades dos dois grupos (afinal de contas, os dois personagens
emprestam seus nomes aos movimentos), no se pode ignorar a presena de elementos
secundrios de memria que ajudaro a constituir a imagem das organizaes para si e para
os outros.
Ao teorizar sobre o conceito de memria, Pollak demonstra que ela deve ser
entendida no s como um fenmeno individual, mas como um fenmeno construdo de
forma coletiva e passvel de sofrer alteraes constantes67. Em funo dos objetos de
pesquisa (o EZLN e o EGTK), esse aspecto coletivo e social o mais relevante para
compreendermos a recuperao de elementos da memria e suas reinterpretaes para
servirem como base das identidades forjadas pelos grupos guerrilheiros. Nesse sentido,dentre os elementos que Pollak considera constituintes da memria (acontecimentos vividos
individualmente, acontecimentos vividos por tabela, personagens e lugares), o que assume
papel de destaque maior o dos acontecimentos vividos por tabela, ou seja, aqueles fatos
que so experienciados pelo grupo ou pela coletividade e que a eles vem a somar-se
inclusive os episdios que se situam fora do espao-tempo da pessoa ou do grupo. Segundo
Pollak, atravs da socializao tanto poltica quanto histrica a identificao de um grupo
com certo passado se torna muito forte, resultando no que ele mesmo chamou de umamemria quase que herdada68. Ao analisarmos os documentos produzidos tanto por EZLN
quanto pelo EGTK se percebem aspectos que iro ao encontro da noo de que um passado
distante pode marcar profundamente a identidade dos grupos.
O primeiro elemento a ser destacado nesse sentido a inteno que ambos
movimentos tem de se afirmarem como os verdadeiros herdeiros de Zapata e de Tupak
67 A teorizao de Michael Pollak sobre os conceitos de memria e identidade fora descrita na parte 1.1 docaptulo 1 dessa monografia. Para uma noo mais ampla desses conceitos ver: POLLAK, Michael. Op.Cit., 1992, p. 200-212
68 POLLAK, M. Op. Cit., 1992, p. 2
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Katari. A expresso mais clara da tentativa aparece na recuperao dos ideais desses dois
personagens nas declaraes de cada um dos grupos guerrilheiros. O EZLN insiste em pedir
ao final de muitas de suas declaraes democracia, libertad y justicia69, demandas essas
que guardam uma semelhana muito grande com as trs palavras que aparecem ao final do
Plan de Ayala70: Libertad, justicia y ley. Essas expresses remetem-se a ideia de justia
social presente no pensamento de Zapata e justamente esse aspecto destacado pelo
movimento mexicano dos anos 90. Zapata e seus companheiros de luta exigem no Plan de
Ayala o cumprimento da promessa que Francisco Madero havia feito de restituio de
terras tomadas dos camponeses (em sua maioria indgenas) durante o governo de Porfrio
Diaz (1884-1911). Francisco Madero era, poca da publicao do Plan de Ayala, o
presidente do Mxico, empossado pela chamada revoluo antirreeleicionista que havia
dado fim a uma longa ditadura comandada por Daz e fora liderada pelo prprio Madero. A
promessa era parte integrante do chamado Plan de San Lus Potos71 um manifesto
escrito por Madero antes de chegar ao poder e publicado em 5 de outubro de 1910
convocando o levante em armas e definindo as principais medidas a serem tomadas aps o
fim do porfiriato. Portanto a ideia presente no documento assinado por Emiliano Zapata
de que se faa justia cumprindo uma das premissas que Madero idealizou para o Mxico
aps a vitria de sua revoluo. A justificativa para a indignao e o levante de EmilianoZapata e seus companheiros est justamente no fato da promessa no cumprida. O Plan de
Ayala afirma em seu quarto artigo:
La Junta Revolucionaria del E. de Morelos manifiesta a la nacin bajoformal protesta: que hace suyo el plan de San Luis Potos con las adicionesque a continuacin se expresan en beneficio de los pueblos oprimidos y sehar defensora de los principios que defiende hasta vencer o morir72.
Salvador Rueda Smithers corrobora essa ideia em sua anlise do Plan de Ayala
afirmando que os zapatistas se
descubrieran en realidad como cuerpo poltico preocupado por cuidar delorden social y, de hecho, promotores de la justicia como propsito de la
69 Essas trs palavras de ordem fecham a Segunda, a Terceira e a Quinta Declarao da Selva Lacandona (dasrie de documentos consultados na pesquisa)
70 O Plan de Ayala publicado em 25 de novembro de 1911 e tem sua autoria atribuda a Emiliano Zapata.O texto completo desse documento pode ser consultado em: WOMACK JR., John.Zapata y la Revolucin
Mexicana. Havana, Cuba: Editorial Ciencias Sociales, 2002, pp. 376-381.
71 O texto integral desse manifesto pode ser consultado em: www.bibliotecas.tv/zapata/1910/z05oct10.html.Acesso em: 14/06/2013, s 15h40min.
72 WOMACK JR., John. Op. Cit.,p. 378
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Revolucin. () La bsqueda por la justicia por medio de la obediencia a
la ley fue el extrao destino de los zapatistas73
Ao tornar pblica sua existncia em 1994, o EZLN recorre a um princpio
previamente estabelecido pela Constituio dos Estados Unidos Mexicanos para justificarseu levante, destacando o artigo 39 dessa Carta Magna:
La soberana nacional reside esencial y originariamente en el pueblo. Todoel poder pblico dimana del pueblo y se instituye para beneficio de ste. Elpueblo tiene, en todo tiempo, el inalienable derecho de alterar o modificarla forma de su gobierno74.
Com isso, o grupo guerrilheiro mexicano invoca o mesmo ideal de justia social
presente no Plan de Ayala que Emiliano Zapata assina em 1911: a prpria lei justifica a
rebelio do grupo. O EZLN abre dilogo com o governo e a sociedade para atingir seu
objetivo de luta: o reconhecimento do direito autodeterminao dos povos indgenas. Para
obter esse reconhecimento, coloca-se em relevo outro aspecto que Emiliano Zapata destaca
em seus ideais, o princpio de que no s com disparos de armas de fogo feito o combate.
A Segunda Declaracin de la Selva Lacandona exprime essa ideia citando o prprio Zapata:
'... no son nicamente los que portan espadas que chorrean sangre ydespiden rayos fugaces de gloria militar, los escogidos a designar el
personal del gobierno de un pueblo que quiere democratizarse; ese derecholo tienen tambin los ciudadanos que han luchado en la prensa y en latribuna, que estn identificados con los ideales de la Revolucin y hancombatido al despotismo que barrena nuestras leyes; porque no es slodisparando proyectiles en los campos de batalla como se barren las tiranas;tambin lanzando ideas de redencin, frases de libertad y anatemas terriblescontra los verdugos del pueblo, se derrumban dictaduras, se derrumbanimperios'75.
O EZLN baseia-se nessa passagem de um escrito de Zapata para justificar perante o
pblico a possibilidade de luta tambm no campo das ideias, no somente atravs da ao
armada. Como j visto anteriormente, o EZLN recebe o apoio da populao mexicana quesai s ruas no dia 8 de janeiro de 1994, defendendo que o presidente Carlos Salinas Gortari
dialogue com o EZLN, apoio esse que leva os zapatistas de Chiapas a fortalecerem-se
enquanto movimento assumindo a sua disponibilidade de travar uma conversa com o
73 SMITHERS R., Salvador. Hacia la relectura del Plan de Ayala. In: ZAPATA, dgard C. e GMEZ P.Francisco (compiladores).A cien aos del Plan de Ayala. Mxico: Ediciones Era, 2013, pp. 31-32
74 Citado por EZLN emPrimera Declaracin de la Selva Lacandona, janeiro de 1994 p. 175 Emiliano Zapata na voz de Paulino Martnez, Aguascalientes, Mxico, 27 de octubre de 1914 citado por:
EZLN, Segunda Declaracin de la Selva Lacandona,junho de 1994,p.1
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governo e justificando-a com base nas ideias de Emiliano Zapata. Na Segunda Declaracin
de la Selva Lacandona essa perspectiva fica clara:
El sectario supone, errneamente, que el solo accionar de los fusiles podrabrir el amanecer que nuestro pueblo espera desde que la noche se cerr,con las muertes de Villa y Zapata, sobre el suelo mexicano76
Observa-se, portanto, a apropriao por parte do EZLN dos ideais de Emiliano
Zapata para fundamentar sua luta. importante sublinhar que essa retomada uma
reinterpretao e atualizao, pois, apesar de terem elementos muito semelhantes, servem a
objetivos distintos dos que pretendiam ser alcanados por Zapata e seus companheiros. Ao
mesmo tempo, est expressa a caracterstica comentada anteriormente de flutuao/mudana
que a memria pode apresentar em funo de demandas do tempo presente: o EZLN chega adeclarar guerra contra o Estado mexicano em sua Primera Declaracin de la Selva
Lacandona (publicada em janeiro de 1994) baseando-se na justia social e na luta armada de
Zapata para justificar sua rebeldia, no entanto a partir da Segunda Declaracin de la Selva
Lacandona (em junho de 1994) percebe-se a relegao da luta atravs das armas como uma
defesa e a perspectiva do dilogo vem tona, a fundamentao dessa mudana de posio
tambm atravs do ideal de Zapata de que o combate feito atravs de ideias,
caracterizando uma alterao tambm na forma de apropriao da memria.
O EGTK, por sua vez, utiliza-se de referncias a Tupak Katari para construir a
memria de seu grupo guerrilheiro na Bolvia. Essa construo passa, da mesma forma que
se observa para o EZLN, pela reinterpretao e atualizao dos ideais de Katari para
servirem a seus objetivos. No entanto, a apropriao pelos rebeldes bolivianos parece ter
uma ligao muito mais estreita com o programa social estabelecido pelo indgena que se
insurgiu entre 1780 e 1783.
Segundo Marcelo Grondin77, Tupak Katari no deixara um texto que defina de forma
sistemtica o seu programa social, mas, ainda assim, possvel estabelecer atravs de
correspondncias enviadas pelo indgena ao comandante espanhol Segurola, guardio da
cidade de La Pazcinco pontos que guiaram suas aes durante o levante. O primeiro deles
a demanda de supresso dos abusos cometidos pelas autoridades coloniais espanholas
sobre os indgenas. Em linhas gerais, reivindicava-se o fim da explorao dos ndios. Essa
76 EZLN, Segunda Declaracin de la Selva Lacondona, junho de 1994, p.577 GRONDIN, Marcelo.A rebelio camponesa na Bolvia. Coleo Tudo Histria, So Paulo: Brasiliense,
1984.
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mesma demanda aparece no texto Tupak Katari vive y vuelve... carajode Felipe Quispe para
justificar a necessidade de uma luta de carter autctone: a opresso se mantm desde a
poca colonial, no mais pelas mos dos colonizadores espanhis, mas pelas mos de seus
descendentes:
[] pero sus ideas y su pensamiento [de Tupak Katari] de la lucha armadade los pobres, no habia muerto descuartizado, sino que ha perdurado engeneraciones y generaciones en nuestra sociedad Aymara de donde hoyarranca y brota nuevamente el Aymarismo Rebelde de los oprimidos,explotados, discriminados racial, cultural, social, espiritual econmica ypoliticamente por unos cuantos descendientes de los vice-godos, que sehacen los dueos de todo el poder poltico econmico de nuestro pas78.
Os descendentes desses europeus so descritos como os q'aras79 burgueses,
identificados como os continuadores da explorao sobre os indgenas. Essa perspectiva fica
clara ao observarmos um dos apelos que o EGTK faz aos que esto dispostos a lutar:
Reemplacemos las autoridades caducas, racistas y opresoras de los q'ara-burgueses, por el
poder y las autoridades nombradas por la comunidad80. O segundo ponto se refere forma
de governo que Katari pretendia instituir. Grondin demonstra que a inteno era a criao de
um Estado dirigido pelos indgenas, recriando, em certos aspectos, o Qullasuyu. Katari
inclusive se autoproclama vice-rei (ou como prefere Quispe, Mallku81) e subverte a
ordem colonial estabelecida. A construo de um Estado sob o comando indgena tambm
um objetivo presente nas reivindicaes do EGTK, o grupo entende que somente assim pode
ter fim a dominao e explorao sofrida pelos povos autctones bolivianos:
Nosotros los nuevos Aymaras, Qhiswas, Tupiwaranies y otros nacionesautctonas del Qullasuyu vamos a tomar el poder poltico, con la fuerza delas armas; a nuestros opresores les tocar obedecernos a nuestras leyesnaturales que vamos a dictar los motejados despectivamente indios [].Nuestras leyes no sern para esclavizar a los blancos, mestizoseuropeizados, como ellos produjeron las leyes para esclavizarnosinhumanamente, sino que nosotros lo pondremos la ley de igualdad dederechos para todos los que viven y trabajen en nuestra patria Qullasuyu(Bolivia)82.
78 QUISPE, Felipe. Guerra Revolucionaria de Ayllus (1781-1783). In: Op. Cit, pp. 41-4279 Q'ara - uma palavra de origem aimra que, segundo Quispe, usada para se referir, de forma
depreciativa, pessoa branca.80 EGTK, Qu busca el EGTK?Citado por: SALOMN, Jaime Iturri.EGTK: La guerrilla aymara en
Bolivia.Ediciones Vaca Sagrada, 1992, La paz, Bolivia. Disponvel em:http://www.cedema.org/ver.php?id=1245. Acesso em: 17/06/2013, s 12h24min.81 Segundo o prprio Felipe Quispe: Mallku jefe aymara que gobierna una nacin (QUISPE, 1988, p. 14)82 QUISPE, Felipe. Guerra Revolucionaria de Ayllus Rojos (1781-1783). In: Op Cit,pp. 151-52
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Como terceiro ponto do programa social de Katari, Grondin cita a eliminao dos
no ndios, porm essa eliminao no se produziria atravs somente da morte daqueles que
no pertenciam aos povos originrios. Marcelo Grondin explica que Tupac Katari
proclamou o desterro de todos os espanhis, ou sua morte no caso de se oporem a isso, e a
morte para os maus crioulos e mestios83. Esse aspecto no posto em relevo pelo EGTK.
Apesar de serem os q'aras burgueses (descendentes dos espanhis) identificados como seus
principais inimigos, como visto na citao acima, o grupo boliviano no pretende proceder a
morte dos no indgenas e nem a sua expulso do pas84. Esta passagem coloca em evidncia
as transformaes que a memria pode sofrer em funo de imperativos do presente: o
EGTK nem cogita a possibilidade de executar a expulso e/ou morte dos no indgenas no
contexto de sua luta, portanto no se inclui nas suas reivindicaes esse carter do programa
de Tupak Katari, mostrando que a construo da memria do movimento em torno do lder
aimra que se rebelara no perodo colonial passa por uma reinterpretao e uma atualizao
de seus ideais. O quarto fator elencado por Grondin como guia das aes de Katari a
promoo dos valores autctones, o exemplo claro que Katari implementou a lngua
aimra como obrigatria nas regies onde seu poder se fortaleceu 85. Essa caracterstica est
presente em praticamente todos os escritos do grupo guerrilheiro boliviano do final da
dcada de 80, a valorizao da cultura indgena se faz de forma acentuada em vriassituaes. Um exemplo claro uma das palavras de ordem presente no documento Qu
busca el EGTK?: Reemplacemos en cada comunidad la educacin de los q'ara-burgueses,
la cultura de los q'aras y la historia de los q'aras, por una educacin al servicio de la
comunidad86. Esse ponto especfico muito relevante para o EGTK, pois a ideia de criar
um movimento que destaque a capacidade de ao dos indgenas bolivianos muito patente,
ainda que seja inevitvel a influncia do marxismo pela presena da vanguarda mestia que,
como vimos, baseou seus estudos nos escritos de Marx, Lenin, entre outros e pela prpriaexperincia de Felipe Quispe que recebeu treinamento militar em Cuba durante um ano,
aps ter sido obrigado a sair da Bolvia em 1980 em funo da represso do governo
ditatorial de Luis Garca Meza Tejada87. Nesse sentido, no que tange forma de luta de
83 GRONDIN, Marcelo. Op. Cit, p. 7284 Essa inteno tambm no expressa no documento Qu busca el EGTK?85 GRONDIN, Marcelo. Op. Cit., p.7386 EGTK, Op. Cit87 ESCRZAGA, Fabola. El Ejrcito Guerrillero Tupak Katari (EGTK), la insurgncia aymara em Bolivia,
p. 4
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Katari, Felipe Quispe trata de valorizar o fato de que essa sai das mentes dos ndios aimras
e no uma cpia de formas de luta ocidentalizadas:
[] s el mismo camino de las armas que tom resueltamente Katari, quees una fuente de inspiracin que se transform en un pensamiento de laviolencia revolucionaria Comunaria desde nuestras comunidades hacia lasciudades: esta lucha armada Aymara no es importada, no es fornea, essalida de la mente luminosa de nuestros grandes Awawt'as estrategosmilitares88
justamente essa estratgia revolucionria que Quispe e os indgenas do EGKT afirmam
que deve ser recuperada pelo grupo guerrilheiro: [] marchemos a las ciudades a destruir
los ricos, a quemar sus proriedades y a tomar en nuestras callosas manos, la conduccin del
pas tal como haba sido el sueo de nuestros mrtires!89
. As comunidades autctones sovalorizadas tambm por sua sociedade pr conquista espanhola, em que, segundo a
vanguarda indgena do EGKT, havia mais igualdade e a opresso ainda no existia:
En essa poca cuando en nuestras ancestrales Comunidades Aymares [sic],el hombre y la mujer vivian en un brillante sistema comunitario de'AYLLUS' felices y contentos, porque no habia el hambre, ni la miseria. NILA DISCRIMINACION RACIAL: TODOS TENIAN LAS MISMASCONDICIONES DE VIDA [...]90
O quinto e ltimo aspecto do programa social de Katari que recuperado pelo EGTK
liga-se questo religiosa. Grondin afirma que Katari no pretendia extinguir a religio
catlica, mas que foi severo ao julgar sacerdotes que colaboram para a explorao de
indgenas, condenando diversos deles morte. O EGTK no coloca a supresso da religio
catlica como um objetivo do movimento, porm observa-se uma oposio ao que Grondin
nos informa em seus escritos, pois Felipe Quispe, ao explicar o programa de governo
lanado pela revolta de 1781, coloca a proibio ao culto cristo como uma das medidas a
ser tomada por Katari: Prohibir el juramento cristiano y forneo, por ser este el culto vil a
la hipocresia, introducido por el enemigo invasor a sangre y fuego, con la cruz y la espada a
nuestra patria ancestral y milenaria91. Deve-se entender essa passagem luz da inteno de
Quispe e da vanguarda indgena de dar ao movimento um carter exclusivamente indgena,
valorizando a noo de que as formas de organizao e de atuao do EGTK tm origem na
teorizao autctone, sem influncia ocidental. Como visto acima, essa verso se torna
88 QUISPE, Felipe. Guerra Revolucionaria de Ayllus (1781-1783). In: Op. Cit.,p. 589 QUISPE, Felipe. Propuesta de Tesis Politica al III Congreso de la C.S.U.T.C.B.. In: Op. Cit., 1988, p. 23290 QUISPE, Felipe. Propuesta de Tesis Politica al V Congreso de la F.D.U.T.C.L.P. Tupak Katari. In: Op.
Cit., 1998, p. 24791 QUISPE, Felipe. Guerra Revolucionaria de Ayllus (1781-1783). In: Op. Cit, 1988, p. 38
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praticamente insustentvel se levamos em conta a participao da vanguarda mestia no
movimento, ainda que esse exrcito guerrilheiro ponha em relevo o protagonismo dos povos
autctones como atuantes na construo de um projeto diferente de nao. Essa utilizao da
memria expressiva da sua construo, que como j salientado anteriormente, sofre
alteraes, flutuaes em funo da demanda do movimento, por isso a disparidade entre a
verso apresentada pelo estudioso Marcelo Grondin e pelo idelogo do EGTK, Felipe
Quispe.
As referncias que ambos os movimentos fazem a esses acontecimentos fora de seu
espao-tempo assumem um sentido maior quando percebemos que tanto EZLN quanto o
EGTK inserem suas lutas numa perspectiva temporal de continuidade, tornando esse
passado distante um pouco mais prximo de seus componentes e justificando, a partir
dele, as suas reivindicaes. So trs as formas em que se manifesta essa inteno dos
grupos nas documentaes consultadas: 1) expresses utilizadas pelos movimentos; 2) a
autoproclamao como herdeiros dos oprimidos; e 3) o uso da Histria.
2.1 Expresses
Em relao as expresses, observa-se a semelhana entre os dois movimentos ao
referir-se em que momento se inicia a opresso e explorao dos povos autctones em cada
um de seus pases. Em sua Cuarta Declaracin de la Selva Lacandona, o EZLN utiliza-se
da expresso la larga noche de los 500 aos:
Techo, tierra, trabajo, pan, salud, educacin, independencia, democracia,libertad, justicia y paz. Estas fueron nuestras banderas en la madrugada de1994. Estas fueron nuestras demandas en la larga noche de los 500 aos.Estas son, hoy, nuestras exigencias92.
O EGTK, por sua vez, fala de 500 aos de esclavitud sofridos pelos indgenas bolivianos:
[] desde hace 500 aos, hemos servido de 4 patas, como animales decarga; 500 aos han estado cabalgando sobre nuestros lomos; 500 aoshemos trabajado em los trabajos ms forzados, hemos sido sumisos a susleyes, hemos obedecido humildemente a su sistema capitalista sojuzgador ydiscriminador al indio93.
A inteno dos grupos guerrilheiros destacar que a explorao da qual ainda so vtimas
comea h quinhentos anos, quando da chegada do colonizado