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CAIO TEIXEIRA BRANDO

O TRABALHADOR ENQUANTO NADA:UMA ANLISE DA REPRESENTAO SOCIAL DO DESEMPREGO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPO GRANDE/MS 20091

CAIO TEIXEIRA BRANDO

O TRABALHADOR ENQUANTO NADA:UMA ANLISE DA REPRESENTAO SOCIAL DO DESEMPREGOTrabalho de Concluso do Curso de Psicologia Formao de Psiclogo, do Centro de Cincias Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, elaborado sob a orientao da Prof. Dr. Inara Barbosa Leo.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPO GRANDE/MS 20092

A monografia intitulada O TRABALHADOR ENQUANTO NADA: UMA ANLISE DA REPRESENTAO SOCIAL DO DESEMPREGO apresentada por CAIO TEIXEIRA BRANDO, como exigncia parcial para aprovao no curso de Psicologia Formao de Psiclogo Banca Examinadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), obteve conceito A e nota 10 para aprovao.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Orientadora Dr. Inara Barbosa Leo (UFMS)

Prof. Dr. Snia Cunha Urt (UFMS/Convidado)

Prof. Lvia Gomes dos Santos (UFMS/Convidado)

Campo Grande-MS, 17 de junho de 2009.

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Dedico este trabalho J. C. P. S. e aos demais trabalhadores que sentem na pele o desemprego.

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Agradecimentos

Agradeo primeiramente aos meus pais, Luiz Carlos e Conceio, pois apesar da saudade que relatam, possibilitaram a realizao do curso de Psicologia em Campo Grande; minha orientadora Prof. Dr. Inara Barbosa Leo, que acreditou no adolescente que ingressava na universidade e permitiu, a partir de suas lies, a transformao dele em um profissional; minha namorada, Milleny, que acompanhou todo o processo de realizao deste trabalho, me apoiando e me incentivando a continuar, mesmo nos momentos em que pensei em desistir; minha sogra, Terezinha, por todas as vezes que me convidou para almoar, nos dias em que no tive tempo ou disposio para cozinhar; ao meu cachorro Milo, com o qual no pude passear o suficiente e nem oferecer a ateno que ele merece; e a todas as pessoas que tornaram a construo deste trabalho possvel.

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Resumo

O presente trabalho tem por objetivo apreender a Representao Social do Desemprego e suas caractersticas a partir da aplicao da tcnica da Anlise Grfica do Discurso, em sua forma simplificada, a uma entrevista realizada com um trabalhador desempregado pela pesquisa As Implicaes Psicossociais do Desemprego para a Conscincia Individual: Manifestaes no Pensamento e Emoo coordenada pela Prof. Dr. Inara Barbosa Leo. O desemprego, caracterizado como a ausncia de atividade produtiva, se apresenta como uma conseqncia histrica do modo de produo capitalista, que por meio das inovaes tecnolgicas, como o uso da informtica e da robtica, dispensa a mo-de-obra humana e restringe o acesso dos trabalhadores ao emprego, forma institucionalizada do trabalho e principal meio para a aquisio dos bens necessrios subsistncia. Tendo em vista a importncia do trabalho na construo da subjetividade humana, necessrio investigar as consequncias do desemprego para a conscincia individual, pois as alteraes das condies materiais ocasionam mudanas nas relaes interpessoais e nas representaes utilizadas pelos sujeitos para explicao da realidade. A utilizao da tcnica da Anlise Grfica do Discurso em sua forma simplificada ocorre devido ao fato de que esta permite, a partir da identificao dos ncleos de pensamento sobre os quais o discurso elaborado, a apreenso dos sentidos e significados presentes no movimento da conscincia individual durante a entrevista, ilustrado pela configurao do grfico. A anlise dos ncleos de pensamento obtidos pelo grfico feita por meio dos pressupostos da Teoria das Representaes Sociais, pois esta possui como objeto de estudo a modalidade de conhecimento especfico denominada de senso comum, no qual estabelecida a linguagem social, elemento responsvel pela criao e transmisso dos significados sociais e pela construo dos sentidos individuais. A representao social do desemprego descrita neste trabalho se caracteriza pela perda da identidade social conferida ao indivduo pela atividade produtiva realizada, e o sofrimento decorrente dela, pois o trabalhador desempregado se percebe enquanto nada, um objeto intil de nenhum valor. Essa percepo resulta da ideologia presente no discurso dominante capitalista de que necessrio trabalhar para ser til sociedade e assim merecer viver, propagada pela mdia e por outros meios de manipulao social. Espera-se que este trabalho venha a contribuir no estudo do fenmeno do desemprego e sirva de apoio para aqueles que tenham interesse em aprofundar sua pesquisa, no intuito de apreender sua estrutura e transform-lo, gerando melhores condies de vida para os trabalhadores.

Palavras-chave: trabalho, desemprego, representao social, anlise grfica do discurso.

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Sumrio

RESUMO 1 INTRODUO ......................................................................................................... 09 2 SOBRE A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS .................................... 13 2.1 PERCURSO HISTRICO E ORIGEM DA TEORIA ............................................... 13 2.2 DELIMITAO E CONCEITUAO DO FENMENO ...................................... 19 2.3 MECANISMOS FORMADORES DAS REPRESENTAES: ANCORAGEM E OBJETIVAO ............................................................................... 22 2.4 METODOLOGIA .................................................................................................... 26 3 TRABALHO, EMPREGO E DESEMPREGO ........................................................ 29 3.1 PERCURSO HISTRICO DO TRABALHO ........................................................... 29 3.2 DEFINIO DO DESEMPREGO NA ATUALIDADE .......................................... 38 4 ANLISE DA REPRESENTAO SOCIAL NO DISCURSO DE UM DESEMPREGADO ..................................................................................................... 42 4.1 FUNDAMENTOS TERICOS DA ANLISE GRFICA DO DISCURSO ............ 42 4.2 PROCEDIMENTOS PARA A ULTILIZAO DA TCNICA ................................ 45 4.3 A REPRESENTAO SOCIAL DO DESEMPREGO ............................................. 46 5 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 56 REFERNCIAS ........................................................................................................... 59

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Introduo

Este trabalho se prope a apreender a Representao Social do Desemprego a partir da anlise do discurso de um trabalhador desempregado. Esse estudo se faz necessrio devido configurao atual do fenmeno do desemprego, que promove uma nova forma de estruturao da subjetividade dos trabalhadores. A atual forma como o desemprego se configura decorrente das mudanas do sistema capitalista a partir da implantao do modelo econmico neoliberal. Com a presena das novas tecnologias de produo, como a informtica e a robtica, h uma diminuio da necessidade de fora de trabalho e os indivduos so descartados pelo modo de produo. Partindo do pressuposto materialista-dialtico que o trabalho o meio pelo qual o homem constri sua subjetividade, a partir da transformao da natureza e de si mesmo, a Psicologia Social se volta para a investigao das consequncias do fenmeno do desemprego para a conscincia dos trabalhadores que se encontram impossibilitados de exercer um emprego, a atividade produtiva em sua forma institucionalizada. A respeito desse contexto Imbrizi (2005) afirma:A contradio que se instaura que, cada vez mais, o trabalho valorizado pela sociedade por meio de vertentes ideolgicas nas quais os discursos polticos no se cansam de prometer mais empregos para a populao e, ao mesmo tempo, desvalorizado pelas relaes de produo ao ser substitudo pelas mquinas e pelo capital financeiro. (IMBRIZI, 2005, pg. 92)

Alguns autores consideram que a ocupao socialmente imposta aos trabalhadores a de solicitantes de emprego (Forrester, 1997, pg.43), caracterizada por uma rotina de busca diria nas agncias responsveis pela divulgao das vagas de emprego disponveis. Mas poucos desses trabalhadores so efetivamente admitidos, e estes esto sujeitos precarizao dos empregos, fator comum no atual modelo econmico. Sobre isso Forrester (1997) complementa:Os empregadores (os quais, na verdade, no tm a funo de ser sociais) s concordam em fazer alguns esforos preguiosos para contratar ou para no demitir trabalhadores se estes estiverem em condies de aceitar qualquer coisa. O que,

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alis, no to difcil: dado o estado em que j se encontram, e o estado com o qual so ameaados, eles no esto em condies de bancar os enjoados. (FORRESTER, 1997, pg. 94)

A compreenso da forma como o desemprego modifica as condies materiais e psicolgicas dos trabalhadores o objetivo da pesquisa As Implicaes Psicossociais do Desemprego para a Conscincia Individual: manifestao no pensamento e emoo, coordenada pela Professora Doutora Inara Barbosa Leo, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, da qual participo desde 2006. Essa pesquisa orientada pelos pressupostos da Psicologia Scio-Histrica e da Teoria da Atividade de Alexei Leontiev e busca aprofundar o conhecimento acerca da situao dos trabalhadores desempregados, dando suporte a projetos sociais e polticas pblicas que possam lhes auxiliar na obteno de novos meios para a subsistncia. O presente Trabalho de Concluso de Curso utiliza a tcnica da Anlise Grfica do Discurso em sua forma simplificada, criada por Lane (2000), para apreender os sentidos e significados presentes na conscincia de um trabalhador desempregado e assim construir a Representao Social do Desemprego. De acordo com Leo (2007, p. 10) os significados e sentidos se estabelecem mediante seu uso socialmente coordenado, [...] a partir da linguagem socialmente dada, a partir da linguagem de uso pblico, imbricada em formas de vida que se constri a subjetividade. na linguagem de uso pblico ou no conhecimento do senso comum que se encontram os significados sociais, por meio dos quais os indivduos podem se comunicar, apresentar sua opinio, ou investigar a realidade social. A entrevista utilizada neste trabalho foi delimitada, dentre a amostra da pesquisa acima citada, devido sua relevncia para ilustrao do fenmeno estudado, e a escolha da Teoria das Representaes Sociais para a anlise dos dados se deu pela sua capacidade de apreender as estruturas cognitivas que orientam o conhecimento popular, ou senso comum. A apreenso dessas estruturas possvel pela utilizao da Anlise Grfica do Discurso, pois:Os relatos de histrias de vida, nos quais o discurso livre reflete as representaes conscientes que o indivduo faz de si e do mundo que o cerca, constituem o dado emprico a partir do qual podemos detectar os componentes ideolgicos, emocionais, as contradies e o prprio movimento do pensamento que engendra o discurso. (LANE, apud LEO 2007, p. 09).

A associao da Psicologia Social Laneana com a Teoria da Representao Social de Moscovici possvel devido ao fato de que a concepo de sujeito presente nas duas teorias a mesma, o homem enquanto ser histrico, dinmico e em constante transformao. Ambas as9

teorias atribuem funo primordial a linguagem, principalmente de senso comum, na construo da conscincia dos indivduos. Lane (1996) relata na continuidade das investigaes da funo da linguagem e na criao da tcnica da anlise do discurso, a contribuio dos estudos de Moscovici, e apresenta sua prpria definio das representaes sociais como sendo a verbalizao de concepes que algum tem a respeito do mundo que o rodeia [...], e nessas podemos detectar valores, ideologias, atravs das contradies (LANE, 1996, p. 59). As representaes sociais so utilizadas pela teoria Psicolgica Scio-Histrica enquanto mediadoras entre a atividade e a conscincia, que possibilitam captar o processo da construo da conscincia dos indivduos, porque se encontram no nvel emprico. As representaes sociais veiculadas pela linguagem, so dados empricos e portanto so o ponto de partida para a anlise da conscincia (BOCK, 1993, p. 282). Porm as representaes sociais no podem ser reduzidas apenas verbalizao das concepes, pois so os prprios sistemas de interpretao que regem a relao do indivduo com o mundo e com os outros. De acordo com S (1996) na anlise das representaes sociais,Cabe teoria penetrar nas representaes (...) a fim de descobrir sua estrutura e seus mecanismos internos. No se trata, obviamente, de uma descoberta, mas da proposio de uma estrutura hipottica e de um modelo de relaes dinmicas que se mostrem compatveis com as caractersticas sistematicamente evidenciadas do fenmeno. (S, 1996, pg. 45)

a partir desta premissa que o presente trabalho busca produzir conhecimento acerca do desemprego e da representao social relacionada a ele, que permita Psicologia Social lidar com a situao dos trabalhadores desempregados considerando as conseqncias do fenmeno para esses indivduos. O primeiro captulo enfoca a Teoria das Representaes Sociais, sua origem e seus fundamentos tericos, nos escritos de Moscovici (2007). O fenmeno da representao social delimitado e apresentada a conceituao proposta por Jodelet (2001), mais aceita entre os estudiosos da teoria. Em seguida so feitas consideraes acerca da metodologia utilizada para investigao das representaes sociais. No segundo captulo realizado um percurso histrico do trabalho, a delimitao da atividade produtiva enquanto emprego e o surgimento do fenmeno do desemprego. So apresentadas as diversas concepes utilizadas pelas instituies que realizam as pesquisas oficiais no Brasil e a definio do desemprego na atualidade.10

O terceiro captulo apresenta a tcnica da Anlise Grfica do Discurso, seus fundamentos terico-metodolgicos e os procedimentos para sua utilizao. Posteriormente so apresentados o processo e os resultados da aplicao da tcnica em sua forma simplificada ao discurso de um trabalhador desempregado, a anlise da representao social do desemprego e suas caractersticas. Este trabalho no se prope a esgotar o assunto e sim trazer contribuies acerca da temtica das conseqncias do fenmeno social do desemprego para a conscincia individual, no intuito de possibilitar a apreenso dos aspectos que geram o sofrimento dos trabalhadores desempregados.

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2 Sobre a Teoria das Representaes Sociais

2.1 Contexto histrico e origem da teoria Na dcada de 1950 a cincia se consolidou como um conhecimento de ordem superior, para as diversas teorias existentes o papel da cincia poderia ser considerado o de se encarregar de eliminar do senso comum as irracionalidades ideolgicas e [...] ilustrar o vulgar, eliminar a ignorncia 1 (BANCHS, 2002, p.45). Moscovici (2007) expressa o posicionamento cientificista da poca da seguinte forma:O conhecimento e o pensamento cientfico dispersam a ignorncia, os preconceitos ou os erros do conhecimento no cientfico, atravs da comunicao e da educao. Assim de certo modo, seu objetivo era transformar todos os seres humanos em cientistas, faz-los pensar racionalmente. (MOSCOVICI, 2007, p. 310)

Apesar de esse discurso apresentar como objetivo a transmisso do conhecimento cientfico para todos os seres humanos, um paradoxo da surgia:Todos consideravam a difuso do conhecimento cientfico entre as pessoas, a cincia popular [...] como uma desvalorizao, ou uma deformao, ou ambas, do conhecimento cientfico. Em outras palavras, quando a cincia se espalha pela rea social, ela se torna algo impuro e degradado, supostamente porque as pessoas so incapazes de assimil-la, como fazem os cientistas (MOSCOVICI, 2007, p. 310).

Tendo em vista a contradio presente no discurso cientfico, pois apesar da cincia possibilitar o esclarecimento dos indivduos a respeito das irracionalidades ideolgicas da sociedade, somente os cientistas seriam capazes de assimilar suas propostas, Moscovici (2007) relata que se ops a essa proposio:Eu reagi de certo modo a esse ponto de vista e tentei reabilitar o conhecimento comum, que est fundamentado na nossa experincia do dia a dia, na linguagem e nas prticas cotidianas. Mas bem l no fundo, reagi contra a idia subjacente que me preocupou a certo momento, isto , a idia de que o povo no pensa, que as pessoas so incapazes de pensar racionalmente, apenas os intelectuais so capazes disso. Eu cresci em um tempo em que reinava o fascismo, de tal modo que se1

Traduo do autor do original em espanhol: encargarse de eliminar del sentido comn las irracionalidades ideolgicas y [...] ilustrar al vulgo, eliminar la ignorancia (BANCHS, 2002, p.45)

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poderia dizer que, pelo contrrio, so os intelectuais que no so capazes de pensar racionalmente, pois na metade do sculo vinte eles produziram teorias to irracionais, como o racismo e o nazismo. Pode crer, a primeira violncia anti-semita aconteceu nos colgios e universidades, no nas ruas. (MOSCOVICI, 2007, p. 310)

Essa atitude poltica do autor resultaria na pesquisa sobre a propagao da Psicanlise na sociedade parisiense, que em 1961 geraria a publicao A Psicanlise: Sua imagem e seu pblico2

(MOSCOVICI, 2007, p. 9), considerada marco inaugural da Teoria das

Representaes Sociais. A Teoria das Representaes Sociais surgiu como uma tentativa de resgate do conhecimento do senso comum, que orienta a ao e comunicao dos seres humanos, por meio do processo de construo social de representaes que buscam familiarizar o sujeito com os objetos da realidade. Dessa forma, a finalidade de todas as representaes tornar familiar algo no familiar, ou a prpria no familiaridade (MOSCOVICI, 2007, p. 54). As representaes sociais so produzidas ou construdas por um determinado grupo ou pela sociedade como um todo, tendo por objetivo convencionar e prescrever formas de reao, comunicao e interao com a realidade concreta. Assim, as representaes sociais devem ser vistas como uma maneira especfica de compreender e comunicar o que ns j sabemos (MOSCOVICI, 2007, p. 46). O conceito ao qual Moscovici (2001) se remete para formular suas proposies tericas tem origem nos estudos sociolgicos de Durkheim (1960) sobre as representaes coletivas e sua separao das representaes individuais:As representaes coletivas se separam das representaes individuais, como o conceito das percepes ou das imagens. Essas ltimas, prprias a cada indivduo, so variveis e trazidas numa onda ininterrupta. O conceito universal, fora do vira-ser, e impessoal. Em seguida, as representaes individuais tm por substrato a conscincia de cada um; as representaes coletivas a sociedade em sua totalidade. Assim, estas no so o denominador comum daquelas, mas antes sua origem (MOSCOVICI, 2001, p. 47)

As representaes individuais tm sua origem nas representaes coletivas, estas ltimas sendo a maneira pela qual esse ser especial, que a sociedade, pensa as coisas de sua prpria experincia (DURKHEIM, apud MOSCOVICI, 2001, p. 47). Sobre a representao coletiva, esclarece Moscovici (2001):Compreende-se que tal representao seja homognea e vivida por todos os membros de um grupo, da mesma forma que partilham uma lngua. Ela tem por funo preservar o vnculo entre eles, prepar-los para pensar e agir de modo uniforme. Ela coletiva por isso e tambm porque perdura pelas geraes e exerce2

Traduo do autor do original em francs: La Psicanalyse: Son image et son public (MOSCOVICI, 2007, p. 9)

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uma coero sobre os indivduos, trao comum a todos os fatos sociais. (MOSCOVICI, 2001, p. 47)

A partir desse entendimento da representao coletiva enquanto fato social compete elucidar o conceito e suas caractersticas fundamentais. Para Durkheim (1960) os fatos sociais:constituem coisas ao mesmo ttulo que as coisas materiais, embora de maneira diferente... coisa todo objeto do conhecimento que a inteligncia no penetra de maneira natural, tudo aquilo de que no podemos formular uma noo adequada por simples processo de anlise mental, tudo o que o esprito no pode chegar a compreender seno sob condio de sair de si mesmo, por meio da observao e da experimentao, passando progressivamente dos caracteres mais exteriores e mais imediatamente acessveis para os menos visveis e mais profundos. Tratar fatos de uma certa ordem como coisas no , pois, classific-los nesta ou naquela categoria do real; observar, com relao a eles, certa atitude mental. Seu estudo deve ser abordado a partir do princpio de que se ignora completamente o que so, e de que suas propriedades caractersticas, assim como as causas desconhecidas de que estas dependem, no podem ser descobertas nem mesmo pela mais atenta das introspeces. (DURKHEIM, 1960, p. 18)

A anlise dos fatos sociais, ento, s possvel a partir da utilizao da observao e da experimentao cientfica, devido sua condio de exterioridade aos indivduos:Tais fatos so, pois, nesse sentido, exteriores s conscincias individuais, consideradas como tais, do mesmo modo que os caracteres distintivos da vida so exteriores s substncias minerais que compem o ser vivo. No possvel reduzilos a seus elementos sem entrar em contradio, uma vez que, por definio, neles est pressuposto algo mais do que os elementos que contm. (DURKHEIM, 1960, p.21)

Os fatos sociais devem ser considerados em sua totalidade, no podendo ser reduzidos apenas a soma dos elementos que contm, pois:no diferem dos fatos psquicos apenas em qualidade: apresentam um substrato diferente, no evoluem no mesmo meio, no dependem das mesmas condies. O que no quer dizer que no sejam, tambm, de certa maneira, psquicos, uma vez que todos eles consistem em maneiras de pensar e de agir. Mas os estados da conscincia coletiva so de natureza diferente dos estados da conscincia individual; so representaes de outra espcie. A mentalidade dos grupos no a mesma dos particulares; tem suas leis prprias. Desse modo, sejam quais forem as relaes que possam existir entre elas, so ambas as cincias to nitidamente distintas quanto possvel que o sejam. (DURKHEIM, 1960, p. 21)

possvel perceber que as representaes coletivas, enquanto fatos sociais, no deixam de ser fatos psquicos, na medida em que exercem coero sobre os indivduos, prescrevendo maneiras de pensar e agir, ou seja, o que as representaes coletivas traduzem maneira pela qual o grupo enxerga a si mesmo nas relaes com os objetos que o afetam.

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As representaes coletivas so criadas pelos grupos, e diferem de acordo com a sociedade em que nascem e so moldadas. Portanto, cada tipo de mentalidade distinta e corresponde a um tipo de sociedade, s instituies e s prticas que lhe so prprias. O conceito de representao coletiva refere-se a fenmenos particulares e inerentes a cada sociedade, possuidores de certa estabilidade, reproduzidos e transmitidos pelos indivduos durante vrias geraes sem sofrer modificaes (MOSCOVICI, 2001). As representaes coletivas referem-se a entidades explicativas que no eram capazes de acompanhar a velocidade das transformaes na sociedade contempornea, principalmente com as novas tecnologias de comunicao de massa, como a televiso, da a necessidade da formulao de um novo conceito, o das representaes sociais. Sobre as principais diferenas entre as representaes coletivas e as representaes sociais, S (1993) escreve:Em primeiro lugar, o conceito durkheimiano abrangia uma gama muito ampla e heterognea de formas de conhecimento, supondo-se estar nelas concentrada uma grande parte da histria intelectual da humanidade. Em Moscovici, considerando seu objetivo de estabelecer uma psicossociologia do conhecimento, as representaes sociais deveriam ser reduzidas a uma modalidade especfica de conhecimento que tem por funo a elaborao de comportamentos e a comunicao entre indivduos, no quadro da vida cotidiana. Em segundo lugar, a concepo de Durkheim era bastante esttica, o que possivelmente correspondia estabilidade dos fenmenos para cuja explicao havia sido proposta, mas no plasticidade, mobilidade e circulao das representaes contemporneas emergentes. Em terceiro lugar, as representaes coletivas eram vistas, na sociologia durkheimiana, como dados, como entidades explicativas absolutas, irredutveis por qualquer anlise posterior, e no como fenmenos que devessem ser eles prprios explicados. psicologia social, pelo contrrio, segundo Moscovici, caberia penetrar nas representaes para descobrir a sua estrutura e os seus mecanismos internos. (S, 1993, p. 23)

Confirma-se nos enunciados de S (1993) aquela que considerada como uma das principais diferenas entre a noo de representao coletiva e a de representao social, o fato de que a ltima denota uma estrutura cognitiva especfica, e no uma vasta classe de idias ou de conhecimentos de origem coletiva. Sobre a necessidade de modificao da noo das representaes coletivas para as representaes sociais, Moscovici (2001) escreve:A prpria noo mudou, com as representaes coletivas cedendo lugar s representaes sociais. V-se facilmente o porqu. De um lado, era preciso considerar uma certa diversidade de origem, tanto nos indivduos quanto nos grupos. De outro, era necessrio deslocar a nfase sobre a comunicao que permite aos sentimentos e aos indivduos convergirem; de modo que algo individual pode tornarse social ou vice-versa. Reconhecendo-se que as representaes so, ao mesmo tempo, construdas e adquiridas, tira-se-lhes esse lado preestabelecido, esttico, que as caracterizava na viso clssica. No so os substratos, mas as interaes que contam. (MOSCOVICI, 2001, p. 62)

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E complementa:A necessidade de fazer da representao uma passarela entre os mundos individual e social, de associ-la, em seguida, perspectiva de uma sociedade em transformao, estimula a modificao em questo. Trata-se de compreender no mais a tradio, mas a inovao; no mais uma vida social j feita, mas uma vida social em via de se fazer (MOSCOVICI, 2001, p. 62).

Ao contrrio do contexto para o qual o fenmeno das representaes coletivas foi pesquisado e proposto, a Europa do sculo XVIII, as representaes sociais se referem a um momento histrico de grande efervescncia do conhecimento, da cincia e da tecnologia, de forma que os indivduos so bombardeados diariamente por novos conceitos e objetos. A nofamiliaridade se faz presente a todo o momento, criando representaes dinmicas que se modificam conforme a necessidade social. No atual contexto histrico, o fenmeno denominado representao social tem um carter moderno pelo fato de que, em nossa sociedade, substitui mitos, lendas e formas mentais correntes tradicionais: sendo seu substituto e seu equivalente, herda, simultaneamente, certos traos e poderes (MOSCOVICI, 2001, p. 63). Alm do estudo da noo de representao coletiva nos escritos de Durkheim (1960), Moscovici (2001) tambm ressalta a contribuio das obras de Lvy-Bruhl, de Piaget e de Freud na formulao da teoria das representaes sociais. Sobre os estudos do terico francs Lvy-Bruhl acerca das representaes coletivas produzidas pelas sociedades primitivas, Moscovici (2001) afirma que:de um modo que lhe prprio, revela uma outra faceta, a saber: a sociedade se representa a si mesma naquilo que tem de distinto, de prprio. Alm disso, fornece algumas demonstraes sobre as bases psquicas desse simbolismo. Erroneamente ou no, a busca desses fundamentos na mente se torna uma perspectiva estimulante e virtualmente fecunda. Assim, entramos numa segunda fase do estudo da noo de representao coletiva. Diria que a nfase se desloca do adjetivo para o substantivo. Resumindo, a dinmica da representao conta mais que seu carter coletivo. (MOSCOVICI, 2001, p. 52)

A partir da inaugurao dessa segunda fase do estudo da noo de representao coletiva, os tericos das Cincias Humanas, inclusive da psicologia, passam a se dedicar ao esclarecimento da dinmica psquica das representaes coletivas. De acordo com Moscovici (2001) as caractersticas encontradas por Lvy-Bruhl em sua anlise de documentos escritos, sobre os processos de pensamento presente nas representaes coletivas das sociedades primitivas e das sociedades civilizadas, animismo, artificialismo, realismo e outras fuses no-lgicas entre os aspectos do meio e seus prprios

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processos de pensamento (MOSCOVICI, 2001, p.53), Piaget tambm apreendeu nas escolas, no seu estudo sobre a representao do mundo na criana. A partir do estudo das representaes do mundo na criana, Piaget, nas consideraes de Moscovici (2001):lega-nos uma anlise que estabelece a especificidade das representaes em termos psquicos. Inicialmente, esboa as grandes formas que assumem os modos de raciocnio (classificar, explicar etc.), para associar entre eles as diferentes atividades do real. Em seguida, busca a especificidade que, aqum do conceito e alm da participao, assegura a coerncia da viso do mundo na criana. Ele a determina por meio de um modelo de pensamento que se traduz por operaes concretas, formadoras de um conjunto. (MOSCOVICI, 2001, p. 54)

Nos seus estudos empricos realizados com crianas em idade escolar, Piaget, foi a primeiro a esclarecer os processos psicolgicos presentes nas representaes coletivas. Alm disso, demonstrou que esses processos presentes nas crianas no so os mesmos do pensamento dos adultos. Dessa forma, segundo Moscovici (2001), Piaget:derruba um dos pressupostos comuns a Durkheim e Lvy-Bruhl, ou seja, a homogeneidade das representaes transmitidas ao longo das geraes no seio de uma coletividade. Por outro lado, o grande psiclogo suo se defrontou com o difcil problema da natureza psquica das representaes. Devemos a ele o desvelamento do modelo social e a descoberta dos mecanismos psquicos do fenmeno que nos interessa... Em seguida, Piaget abandonou esse filo de pensamento, para se dedicar mais aos aspectos lgicos e biolgicos do desenvolvimento infantil. O social perde, assim, seu poder de explicar e de inspirar uma teoria, cada vez mais limitada ao individual. (MOSCOVICI, 2001, p. 54)

Apesar das contribuies no campo de estudo das representaes sociais, so atribudas a Piaget na Psicologia do Desenvolvimento, a formulao e estruturao das estruturas da inteligncia, um conjunto de etapas caractersticas, chamadas estdios (DOLLE, 1978, p. 52). Nos quatro estdios delimitados pelo autor, sensrio-motor, properatrio, operatrio concreto e operatrio formal esto presentes suas descobertas sobre as caractersticas e os processos que compem o pensamento da criana, a partir da utilizao de seu Mtodo Clnico. Moscovici (2001) atribui a Freud, nas conseqncias de seus estudos sobre a sexualidade humana, algumas contribuies para o estudo das representaes sociais, na medida em que:desvela o trabalho de interiorizao que transforma o resultado coletivo em dado individual e marca o carter da pessoa. Em outras palavras, mostra-nos por qual processo, ignorado at ento, as representaes passam da vida de todos para a de cada um, do nvel consciente ao inconsciente. (MOSCOVICI, 2001, p. 58)

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Essa descoberta sobre o processo de introjeo das representaes possibilita a investigao das transformaes pelas quais o conhecimento produzido pela sociedade sofre no momento em que passa a ser parte dos indivduos, e como o no-familiar se torna familiar na histria particular desses sujeitos. Moscovici (2001) assim apresenta as contribuies de Piaget e Freud, de forma sintetizada:o primeiro esclareceu a composio psquica das representaes, referente s relaes sociais. O segundo no-las mostrou sob um outro ngulo, sadas de um processo de transformao dos saberes, e explicitou a maneira como so interiorizadas. (MOSCOVICI, 2001, p. 59)

A partir do contexto histrico no qual se inseriu a pesquisa de Moscovici acerca da Representao Social da Psicanlise (2007) e o percurso do estudo da noo de representaes coletivas, foi possvel apreender a origem e os fundamentos da Teoria das Representaes Sociais.

2.2 Delimitao e conceituao do fenmeno

A conceituao do fenmeno das Representaes Sociais uma tarefa difcil, tendo em vista que Moscovici sempre resistiu a apresentar uma definio precisa das representaes sociais, por entender que uma tentativa neste sentido poderia acabar resultando na reduo do seu alcance conceitual (S, 1996, p. 39). A primeira definio, apresentada na obra inaugural da teoria, a responsvel pela distino do fenmeno como uma modalidade de conhecimento particular que tem por funo a elaborao de comportamentos e a comunicao entre indivduos (MOSCOVICI, apud S, 1993, p. 31). Essa definio do autor tem por funo distinguir o fenmeno da Representao Social de outras formas de conhecimento socialmente partilhado como a cincia e a ideologia. Ao longo de seus estudos, Moscovici apresentou diversas caracterizaes da categoria Representao Social, porm a primeira com a qual os diversos estudiosos esto de acordo a proposta por Jodelet (2001): uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prtico, e que contribui para a construo de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingnuo, natural, esta forma diferenciada, entre outras, do conhecimento cientfico. (JODELET, 2001, p. 22)

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Entretanto, a mesma autora confirma a preocupao com o reducionismo conceitual, quando adverte dos possveis riscos de efetuar uma definio do fenmeno:O fato de que se trate de uma forma de conhecimento acarreta o risco de reduzi-la a um evento intra-individual, onde o social intervm apenas secundariamente, o fato de se tratar de uma forma de pensamento social acarreta o risco de dilu-la nos fenmenos culturais ou ideolgicos (JODELET, apud S, 1993. p. 24)

Jodelet (2001) remete a importncia das representaes sociais no cotidiano ao fato de que elas nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diria, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decises e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva (JODELET, 2001, p. 17). As representaes sociais surgem do esforo de um grupo ou sociedade para compreender os objetos e conceitos que lhe so desconhecidos, com os quais no sabem interagir pela falta de nomeao, de classificao em alguma categoria previamente produzida. Moscovici (apud S, 1993) quando se refere a como a no-familiaridade se faz presente na sociedade atual, escreve:o estranho atrai, intriga e perturba as pessoas e as comunidades, provocando nelas o medo da perda dos referenciais habituais, do senso de continuidade e de compreenso mtua. Mas, ao tornar o estranho familiar, ele tornado ao mesmo tempo menos extraordinrio e mais interessante. (MOSCOVICI, apud S, 1993, p. 37)

Jodelet (2001), quando se refere ao aparecimento da AIDS nos anos 80, elucida a forma como a no-familiaridade promove o surgimento das representaes sociais, na medida em que esse fato deu origem a concepes que focavam dois aspectos principais: o moral e o biolgico. O exemplo de Jodelet (2001) mostra que o desconhecido ou no-familiar:mobiliza medo, ateno e uma atividade cognitiva para compreend-lo, domin-lo e dele se defender. A falta de informao e a incerteza da cincia favorecem o surgimento de representaes que vo circular de boca em boca ou pular de um veculo de comunicao a outro. (JODELET, 2001, p. 22)

As representaes so produzidas nas interaes, nas trocas cotidianas entre os indivduos de um mesmo grupo, e consequentemente expressam as particularidades daqueles que as forjam e estabelecem um consenso entre os membros a respeito do objeto representado. Os meios de comunicao desempenham um importante papel na veiculao do conhecimento e das representaes, sejam elas oriundas da cincia ou do senso comum, devido sua capacidade de influncia e de manipulao social.19

As representaes sociais so sistemas de interpretao, na medida em que regem nossa relao com o mundo e com os outros, e fenmenos cognitivos, pois promovem a interiorizao de prticas, modelos de conduta e de pensamento, inculcados ou transmitidos pela comunicao (JODELET, 2001). Segundo Moscovici (2007), as representaes sociais possuem precisamente duas funes. Quanto primeira, explica ele que:Elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram. Elas lhe do uma forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria e gradualmente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupo de pessoas. Todos os novos elementos se juntam a esse modelo e se sintetizam nele (...) Mesmo quando uma pessoa ou objeto no se adequam exatamente ao modelo, ns o foramos a assumir uma determinada forma, entrar em determinada categoria, na realidade, a se tornar idntico aos outros, sob pena de no ser nem compreendido, nem decodificado. (MOSCOVICI, 2007, p. 34)

Assim, essas convenes permitem denominar, identificar os objetos e torn-los cognoscveis percepo. A partir da categoria na qual so enquadrados, esses objetos adquirem significado e se diferenciam dos demais. Em relao segunda funo, afirma Moscovici (2007):Representaes so prescritivas, isto , elas se impem sobre ns com uma fora irresistvel. Essa fora uma combinao de uma estrutura que est presente antes mesmo que ns comecemos a pensar e de uma tradio que decreta o que deve ser pensado. (MOSCOVICI, 2007, p. 36)

Os indivduos encontram nas representaes um conjunto de explicaes prontas, de forma que reproduzem pela linguagem essas idias que so o resultado de experincias de sucessivas geraes. Conforme Moscovici (2007):Todos os sistemas de classificao, todas as imagens e todas as descries que circulam dentro de uma sociedade, mesmo as descries cientficas, implicam um elo de prvios sistemas e imagens, uma estratificao na memria coletiva e uma reproduo na linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento anterior e que quebra as amarras da informao presente. (MOSCOVICI, 2007, p. 37)

A partir da linguagem, as representaes so re-pensadas, re-citadas e reproduzidas, permitindo a cada indivduo no decorrer das trocas cotidianas reenvi-las ao grupo com as significaes baseadas na sua experincia. As representaes so dinmicas, fenmeno e processo, em constante construo e transformao. As representaes sociais so abordadas:como produto e processo de uma atividade de apropriao da realidade exterior ao pensamento e de elaborao psicolgica e social dessa realidade. Isto quer dizer que nos interessamos por uma modalidade de pensamento, sob seu aspecto constituinte os processos e constitudo os produtos ou contedos. Modalidade de pensamento cuja especificidade vem de seu carter social. (JODELET, 2001, p.22)

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Representar um ato de pensamento pelo qual o sujeito se reporta ao objeto representado, e essa uma das caractersticas do fenmeno, a necessidade do objeto, material ou imaginrio. Esse ato se diferencia de outras formas de pensamento por suas caractersticas especficas j elucidadas acima. A abordagem psicolgica do fenmeno decorre do fato de que a representao :o representante do objeto que ela restitui simbolicamente. Alm disso, contedo concreto do ato de pensamento, a representao mental traz a marca do sujeito e de sua atividade. Este ltimo aspecto remete s caractersticas de construo, criatividade e autonomia da representao, que comportam uma parte de reconstruo, de interpretao do objeto e de expresso do sujeito. (JODELET, 2001, p.23)

2.3 Mecanismos formadores das representaes: Ancoragem e Objetivao

Na transformao do no-familiar em familiar, so postos em funcionamento os dois mecanismos formadores das representaes sociais, a ancoragem e a objetivao. O primeiro mecanismo tenta ancorar idias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns, coloc-las em um contexto familiar (MOSCOVICI, 2007, p. 60). O segundo mecanismo visa transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que est na mente em algo que exista no mundo fsico (...). Um ente imaginrio comea a assumir a realidade de algo visto, algo tangvel (MOSCOVICI, 2007, p. 61). Esses dois mecanismos, em conjunto, so responsveis por enquadrar e classificar o objeto desconhecido em uma categoria j existente, para que seja possvel compar-lo e interpret-lo, e posteriormente dar a ele concretude e objetividade, para que se torne previsvel e controlvel. Para Moscovici (2007):Ancorar , pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que no so classificadas e que no possuem nome so estranhas, no existentes e ao mesmo tempo ameaadoras. Ns experimentamos uma resistncia, um distanciamento, quando no somos capazes de avaliar algo, de descrev-lo a ns mesmos ou a outras pessoas. O primeiro passo para superar essa resistncia, em direo conciliao de um objeto ou pessoa, acontece quando ns somos capazes de colocar esse objeto ou pessoa em uma determinada categoria, de rotul-lo com um nome conhecido. No momento em que ns podemos falar sobre algo, avali-lo e ento comunic-lo (...) ento ns podemos representar o no-usual em nosso mundo familiar, reproduzi-lo como uma rplica de um modelo familiar. Pela classificao do que inclassificvel, pelo fato de se dar um nome ao que no tinha nome, ns somos capazes de imaginlo, de represent-lo. De fato, representao , fundamentalmente, um sistema de classificao e de denotao, de alocao de categorias e nomes. A neutralidade proibida, pela lgica mesma do sistema, onde cada objeto e ser devem possuir um valor positivo ou negativo e assumir um determinado lugar em uma clara escala hierrquica. (MOSCOVICI, 2007, pp. 61-62)

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A ancoragem permite que o objeto seja enquadrado em um modelo ou prottipo para o qual existem uma srie de regras e comportamentos prescritos pela sociedade, alm da possibilidade de comunic-lo a outros indivduos. Esse mecanismo composto por duas atividades, classificao e denominao. O prottipo de classificao suscita uma srie de paradigmas, imagens e reaes afetivas estocados em nossa memria, que permitem estabelecer uma relao positiva ou negativa com o objeto A partir desses paradigmas, o objeto recebe todas as caractersticas do prottipo. Algumas caractersticas do objeto podem ser exageradas e particularizadas para que dem origem a uma nova categoria, ou uma pode ser escolhida aleatoriamente e estendida aos demais objetos que correspondem categoria em questo. Essa relao de classificao implica a prioridade do veredicto sobre o julgamento e do predicado sobre o sujeito (MOSCOVICI, 2007, p. 64). As caractersticas atribudas ao objeto, quando positivas, estabelecem a aceitao deste; quando negativas, sua rejeio. Para Moscovici (2007) a tendncia para classificar:reflete uma atitude especfica para com o objeto, um desejo de defini-lo como normal ou aberrante. isso que est em jogo em todas as classificaes de coisas no-familiares a necessidade de defini-las como conformes, ou divergentes, da norma. (MOSCOVICI, 2007, p. 65)

O autor relata que os preconceitos tm origem na classificao e atribuio de caractersticas negativas a uma categoria, e que uma estratgia para super-los a modificao das representaes sociais da cultura e dos aspectos que permeiam o esteretipo da categoria. Paralelamente atividade de classificao se encontra a denominao, tambm presente na ancoragem. Afirma Moscovici (2007):Dar nome a uma pessoa ou coisa precipit-la (como uma soluo qumica precipitada) e que as consequncias da resultantes so trplices: a) uma vez nomeada, a pessoa ou coisa pode ser descrita e adquire certas caractersticas, tendncias etc.; b) a pessoa, ou coisa, torna-se distinta de outras pessoas ou objetos, atravs dessas caractersticas e tendncias; c) a pessoa ou coisa torna-se o objeto de uma conveno entre os que adotam e partilham a mesma conveno. (MOSCOVICI, 2007, p. 66)

Quando um objeto ou coisa nomeado, possvel aos membros do grupo comuniclo, inferir sobre suas caractersticas, enquadr-lo nas representaes j existentes e produzir novas representaes sobre ele. Interagir com o objeto faz com que ele deixe de ser incmodo. A denominao a forma pela qual todas as manifestaes normais e divergentes da22

existncia social so rotuladas indivduos e grupos so estigmatizados, seja psicolgica, seja politicamente (MOSCOVICI, 2007, p.68). O mecanismo de ancoragem traz duas consequncias para a concepo de representao social. A primeira a de que no existe pensamento ou percepo que no tenha sido ancorado, de forma que as divergncias entre os grupos na sociedade devem ser entendidas como diferena de perspectiva. Um grupo no pode afirmar que seu pensamento a norma, ou a verdade absoluta, pois diferentes condies sociais do origens s mais diversas representaes entre os grupos. A segunda conseqncia que os sistemas de classificao e denominao possuem como objetivo principal facilitar a interpretao de caractersticas, a compreenso de intenes e motivos subjacentes s aes das pessoas, na realidade, formar opinies (MOSCOVICI, 2007, p. 70). Essas opinies sero transmitidas aos demais membros do grupo, no intuito de promover uma atitude consensual em relao ao objeto. A objetivao consiste em tornar concreto, dar materialidade a algo abstrato. Por meio desse mecanismo, uma idia ou conceito adquire estatuto de realidade e, a partir de imagens, passa a ser identificado pelos indivduos como tal.Objetivar descobrir a qualidade icnica de uma idia, ou ser impreciso; reproduzir um conceito em uma imagem. Comparar j representar, encher o que est naturalmente vazio, com substncia. Temos apenas de comparar Deus com um pai e o que era invisvel, instantaneamente se torna visvel em nossas mentes, como uma pessoa a quem ns podemos responder como tal. Um enorme estoque de palavras, que se referem a objetos especficos, est em circulao em toda sociedade e ns estamos sob constante presso para prov-los com sentidos concretos equivalentes. Desde que suponhamos que as palavras no falam sobre nada, somos obrigados a lig-las a algo, a encontrar equivalentes no-verbais para elas (MOSCOVICI, 2007, p. 72).

Esse mecanismo responde a uma necessidade de atribuir imagens s palavras, dandolhes concretude. Logo, a comunicao desses objetos facilitada e seu uso se torna mais freqente. Porm, nem todas as palavras podem ser representadas, porque no existem imagens acessveis, ou porque as imagens relacionadas so consideradas tabus pela sociedade. A escolha dessas baseada nas crenas e no estoque de imagens preexistentes. As imagens selecionadas, devido sua capacidade de ser representadas, se mesclam, ou melhor, so integradas no que eu chamei de um padro de ncleo figurativo, um complexo de imagens que reproduzem visivelmente um complexo de idias (MOSCOVICI, 2007, p. 72). Mudanas graduais podem ocorrer no ncleo figurativo, desde que sejam aceitas pela sociedade. As palavras que se referem a esse ncleo so usadas com mais freqncia, e consequentemente se tornam parte dele.23

O ncleo figurativo passa a ser utilizado como um meio de compreender outros e a si mesmo, de escolher e decidir (MOSCOVICI, 2007, p. 73). As palavras so dissociadas do seu contexto original e adquirem independncia, tornando-se um fenmeno natural, uma realidade convencional. Em um segundo momento, resultado do mecanismo de objetivao, as imagens tomam o lugar dos conceitos e se tornam essenciais para o pensamento e a comunicao. Sobre imagem e sua representao afirma Moscovici (2007):Se as imagens devem ter uma realidade, ns encontramos uma para elas, seja qual for. Ento, como por uma espcie de imperativo lgico, as imagens se tornam elementos da realidade, em vez de elementos do pensamento. A defasagem entre a representao e o que ela representa preenchida, as peculiaridades da rplica do conceito tornam-se peculiaridades dos fenmenos, ou do ambiente ao qual eles se referem, tornam-se a referncia real do conceito. (MOSCOVICI, 2007, p. 74)

A partir da objetivao, a sociedade ou o grupo apropriam-se dos conceitos, e passam a lidar com estes de maneira mais prxima, dando-lhes a forma que mais lhes apraz. A origem, a criao das idias esquecida, e elas passam a pertencer ao grupo como um todo. possvel observar na sociedade atual uma tendncia objetivao, presente principalmente na gramtica. Os verbos e adjetivos, que se referem respectivamente a aes e caractersticas, so transformados em substantivos, que denominam seres e coisas. De acordo com Moscovici (2007),Os nomes, pois, que inventamos e criamos para dar forma abstrata a substncias ou fenmenos complexos, tornam-se a substncia ou o fenmeno e isso que ns nunca paramos de fazer. Toda verdade auto-evidente, toda taxonomia, toda referncia dentro do mundo, representa um conjunto cristalizado de significncias e tacitamente aceita nomes: seu silncio precisamente o que garante sua importante funo representativa: expressar primeiro a imagem e depois o conceito, como realidade. (MOSCOVICI, 2007, p. 77)

A objetivao transforma o conceito em coisa, e posteriormente em imagem, promovendo uma forma especfica de relao dos indivduos com uma realidade de aparncia, mediada pelas representaes sociais. Essas representaes so calcadas na experincia e na memria, de onde so extradas as imagens e as palavras necessrias para os processos de ancoragem e objetivao. Sobre a memria e os mecanismos formadores, Moscovici (2007) afirma que:Ancoragem e objetivao so, pois, maneiras de lidar com a memria. A primeira mantm a memria em movimento e a memria dirigida para dentro, est sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira da conceitos e imagens para junt-los e

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reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que j conhecido. (MOSCOVICI, 2007, p. 78)

2.4 Metodologia

A noo de representao social prev uma perspectiva multidisciplinar, sendo utilizada por diversos pesquisadores de vrias reas das Cincias Humanas, como a antropologia e a psicologia, provavelmente devido ao fato de que o fenmeno rompe com a dicotomia entre indivduo e sociedade. possvel que o alcance da noo de representao seja responsvel pela falta de uma definio especfica de metodologia, assim como sua conceituao. No h uma concordncia quanto ao mtodo e tcnica que devem ser utilizados na investigao do fenmeno. Para Jodelet (2003):as representaes sociais devem ser estudadas articulando-se elementos afetivos, mentais e sociais e integrando ao lado da cognio, da linguagem e da comunicao a considerao das relaes sociais que afetam as representaes e a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas tm de intervir. (JODELET, 2003, p. 26)

O fenmeno da representao constitui um objeto de estudo que pode ser abordado de diversas formas, porm, certas caractersticas so mantidas: a noo se refere a uma modalidade de conhecimento prtico, que orienta a ao do sujeito sobre o mundo, a partir do estabelecimento de representaes dos objetos da realidade concreta. A pesquisa no mbito das representaes sociais parte do pressuposto de que o fenmeno pode ser entendido em duas perspectivas: enquanto produto ou enquanto processo. O estudo das representaes enquanto produto compreende o fenmeno como sendo uma forma de conhecimento estruturado, e busca apreender os elementos constitutivos das representaes, as idias e os contedos ancorados na representao. Entretanto, consenso entre os pesquisadores da rea que as Representaes Sociais, enquanto produtos sociais tm que ser sempre referidas s condies de sua produo (SPINK, 1993, p.90). As representaes, enquanto processo, so entendidas como pensamento constituinte, fenmeno sujeito transformao, decorrente das modificaes das determinaes sociais. A pesquisa, nessa perspectiva, caracteriza-se pelo estudo de dois aspectos, os mecanismos que interferem na elaborao cognitiva das representaes e as propriedades25

estruturais das representaes. Porm, essa distino das representaes enquanto produto e processo, segundo Spink (1993):corre o risco de introduzir no debate mais uma falsa dicotomia: produto e processos constitutivos, conhecimento e suas funes sociais esto inevitavelmente imbricados. Dessa forma, grande parte das pesquisas... de estudos das representaes como produto, examinaram, tambm, os mecanismos que intervm na elaborao cognitiva. Para que isso seja possvel, faz-se necessrio analisar os processos constitutivos, ou seja, a operao da ancoragem e objetivao da elaborao das representaes. (SPINK, 1993, p. 92)

No mbito da representao social a pesquisa necessita abordar o fenmeno de forma integral, considerando as condies que deram origem representao e forma como esta est estruturada, a partir dos mecanismos de ancoragem e objetivao. Os estudos empricos que consideram o contexto de produo e de circulao das representaes ocorrem a partir da investigao de situaes sociais, instituies e comunidades, ou de grupos especficos de indivduos, como profisses e associaes. Perspectivamente diversos mtodos e tcnicas so utilizados, como a entrevista, a experimentao em laboratrio e a associao livre, mas o mais eficiente a observao sistemtica, pois esta permite participar do contexto onde ocorre a gnese e a transmisso das representaes, aproximando o pesquisador da realidade do grupo em questo (SPINK, 1993). Algumas pesquisas utilizam diversos mtodos para a investigao das representaes:na possibilidade de combinar procedimentos voltados ao estudo dos dois aspectos centrais das Representaes Sociais: o conhecimento que as constitui e as atividades atravs das quais elas so produzidas, circuladas e aplicadas; acessando, assim o conhecimento subjetivo o sentido pessoal que este conhecimento assume e as interaes sociais, ou seja, a produo e os efeitos das Representaes Sociais (SPINK, 1993, p. 106).

Independentemente do mtodo e das tcnicas utilizadas nos estudos empricos das representaes sociais, a objetividade na produo do conhecimento cientfico respeitada, pois se acredita que ela o elemento de sustentao da atividade cientfica (SPINK, 1993, p. 104). Logo, ser objetivo, em essncia, implica assumir o risco intelectual do erro. Postura esta que remete aceitao de que h uma realidade emprica passvel de ser decifrada por meio da reflexo e da pesquisa. Embora a representao, enquanto modalidade especfica de conhecimento prtico se diferencie do conhecimento cientfico, seu estudo emprico partilha das mesmas caractersticas das demais cincias, objetividade, validade e fidedignidade. Esses aspectos

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devem ser considerados na realizao de qualquer atividade cientfica, seja ela terica ou emprica.

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3 Trabalho, Emprego e Desemprego

3.1 Percurso histrico do Trabalho

Antes de iniciar a discusso sobre o fenmeno do desemprego, necessrio fazer a distino entre trabalho e emprego, a partir da contextualizao dos principais momentos do processo histrico no qual se inserem essas duas categorias. Na perspectiva do materialismo histrico- dialtico, o trabalho :Um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua prpria ao, impulsiona, regula e controla seu intercmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas foras. Pe em movimento as foras naturais de seu corpo, braos e pernas, cabea e mos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma til vida humana. Atuando assim sobre a natureza e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua prpria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domnio o jogo das foras naturais. (MARX, 1994, pg. 202)

A categoria do trabalho na perspectiva da teoria Psicolgica Socio-histrica considerada como sendo uma forma especfica de atividade humana, caracterizada pelo seu objetivo de transformao da natureza em prol da sobrevivncia. Essa atividade est presente desde as primeiras formas de organizao social dos homens, como na chamada diviso natural do trabalho, na qual as funes eram atribudas aos indivduos de acordo com sua capacidade fsica. Os principais fatores de diferenciao entre os indivduos eram a faixa etria e o sexo, aspectos determinantes da diviso do trabalho. Aos homens cabia a caa, a confeco de instrumentos e a domesticao de animais, por serem tarefas que exigiam fora. As mulheres eram responsveis pela agricultura e criao dos filhos, devido restrio de mobilidade e a necessidade de maiores cuidados que possuam durante e logo aps o perodo de gravidez. As crianas eram ensinadas desde cedo as atividades que deveriam exercer enquanto adultos e os idosos eram retirados de suas funes, devido debilidade causada pela idade, embora a expectativa de vida dos indivduos fosse bastante reduzida.28

Com os avanos tcnicos proporcionados pela criao de instrumentos e pela agricultura, os seres humanos passaram a estocar alimentos e acumular riquezas, o que promoveu a origem da propriedade privada e posteriormente da famlia (ENGELS, 2009). A diviso do trabalho passou por algumas alteraes durante a antiguidade clssica, como a substituio das famlias enquanto agentes produtores das riquezas e a predominncia do regime de escravatura enquanto principal fonte de manuteno da economia das cidades. Essa diviso do trabalho foi mantida durante sculos, apesar das melhorias causadas pela criao de novos instrumentos, como o arado, que facilitaram o plantio e o cultivo da terra:Antes de mais nada, encontramos aqui pela primeira vez o arado de ferro puxado por animais, o que torna possvel a prtica da agricultura em grandes extenses, o cultivo dos campos. Com isso, para as condies ento existentes, gerou um aumento praticamente ilimitado dos meios de subsistncia. Em relao ainda com isso, pode-se observar a derrubada das matas e sua transformao em pastagens e terras cultivveis, coisa que continuava impossvel em escala maior, sem a p e o machado de ferro. Tudo isso acarretou um rpido aumento da populao e o denso povoamento em pequenas reas. Antes do cultivo dos campos somente em circunstncias excepcionais teriam podido reunir meio milho de homens sob uma nica direo central (ENGELS, 2009, p. 34).

O comrcio esteve presente em diversos momentos histricos, porm, durante os sculos em que o feudalismo foi o principal modelo econmico europeu, essa atividade sofreu uma grande retrao, devido s dificuldades de transporte e comunicao entre os feudos pela falta de estradas. Com a decadncia do sistema feudal, o comrcio voltou a florescer e em volta dos castelos, nos burgos, uma classe comeou a se estabelecer. Esses comerciantes faziam as trocas de mercadorias entre os feudos e aos poucos acumulavam riquezas. O fortalecimento dessa classe, posteriormente denominada de burguesia, promoveu as navegaes para os outros continentes, o conseqente surgimento do mercantilismo, a diviso internacional do trabalho e as grandes revolues em toda Europa que acabaram por depor a aristocracia e instituir a mudana do sistema econmico e poltico. Todas essas mudanas econmicas acabaram por ocasionar o surgimento de novas tcnicas de produo, como a subdiviso do trabalho no processo manufatureiro, que preparou a produo mecanizada ao reduzir o trabalho a uma srie de operaes simples e repetitivas, que facilitaram a inveno de instrumentos mecnicos de trabalho (GEPAPET, 2008, p. 17). Com o advento da manufatura, os trabalhadores, desprovidos dos instrumentos e o conhecimento necessrio para a produo das mercadorias, passaram a vender sua fora de29

trabalho, recebendo em troca o mnimo necessrio para sua sobrevivncia, remunerao esta caracterizada como salrio. Essas so as caractersticas do trabalho em sua forma institucionalizada, o emprego:Quem detm, portanto, os meios de produo o capitalista. O indivduo desprovido destes meios no tem como reproduzir sua existncia. Essa situao, que pe de um lado o dono do capital e de outro os possuidores da fora de trabalho, no um fato natural, mas resultado de um processo histrico anterior. esta condio livre e desprovida dos meios de produo do trabalhador que proporciona a venda da fora de trabalho como uma mercadoria a nica que o trabalhador possui (BORGES; YAMAMOTO, 2004, p. 29).

A expanso da comercializao e o aumento da demanda por produtos manufaturados promoveram a inveno das mquinas a vapor e consequentemente a criao das indstrias, o que caracteriza a primeira revoluo industrial. Sobre as mudanas ocorridas no contexto mundial:A Primeira Revoluo Industrial teve a sua maturao no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX e a Inglaterra foi o seu centro ao difundir novas tcnicas, produtos, equipamentos, organizao da produo e gesto de recursos humanos. As transformaes na base tcnica e produtiva eram relativamente simples, embora o padro de uso e remunerao da fora de trabalho sofresse profundas alteraes, concentradas fundamentalmente no setor secundrio a produo de bens fsicos por meio da transformao de matria-prima, a Indstria. No setor primrio obteno de bens no transformados, agropecuria, extrativismo, caa e pesca, as mudanas foram ocasionadas por fatores diferentes, tais como as alteraes na estrutura fundiria e as polticas de abertura comercial, que estimularam a queda da renda agrcola e a acelerao da proletarizao de grandes massas de camponeses. Com o excedente de mo-de-obra, o padro de uso e remunerao da fora de trabalho na indstria caracterizou-se por extensas jornadas de trabalho, contratos individuais e de adeso, uso intensivo do trabalho feminino e infantil, baixos salrios, etc. (GEPAPET, 2008, p. 22)

Essa revoluo ocasionou a migrao dos camponeses, em busca de trabalho nas indstrias em crescimento, circunstncia que causou a transformao das cidades em grandes centros urbanos, embora em condies precrias de saneamento e moradia. A indstria englobava todos, sem distino de idade e sexo, devido grande necessidade de mo-de-obra para a utilizao das mquinas. Esses instrumentos exigiam muito esforo em seu manejo e com freqncia causavam acidentes com danos severos aos seus operadores. A mquina possibilita a reduo do tempo de trabalho necessrio para a elaborao das mercadorias, (...) incrementa a produtividade do trabalho e baixa o custo da mercadoria (GEPAPET, 2008, p. 17). Embora permitisse a reduo das jornadas de trabalho, a mquina era posta a servio do capitalista:

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como meio de prolongar as jornadas de trabalho, porque quanto mais prolongado seja o seu funcionamento til durante a jornada de trabalho, mais cedo ela se paga; quanto mais longa seja a jornada de trabalho e melhor se utilize a mquina, menor ser o perigo de que envelheam tecnicamente e que outros industriais introduzam em suas empresas equipamentos melhores ou mais baratos, que lhes permitam produzir em condies mais favorveis para seus interesses (GEPAPET, 2008, p. 17).

Os homens se tornaram dispensveis, as mquinas diminuram a necessidade de mode-obra e o nmero de trabalhadores sem emprego nas cidades aumentou drasticamente. A utilizao do maquinrio tambm promoveu o aumento da oposio entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Os especialistas e tcnicos que criavam a tecnologia detinham o conhecimento, enquanto os operrios desempenhavam atividades simples e repetitivas. Os operrios, ao contrrio dos artesos, no detinham o conhecimento, nem os instrumentos, o que os colocava a merc dos detentores dos meios de produo:Como nos demais perodos, os instrumentos facilitaram o trabalho de produzir o que necessrio para a vida dos homens, mas tambm dispensaram este mesmo trabalho humano em quantidades cada vez maiores e, no capitalismo industrial, o que se v um dos perodos em que este fenmeno se acentua. (GEPAPET, 2008, p. 18)

Nesse contexto histrico, estabelecido o exrcito industrial de reserva, uma parcela da populao que serve para assegurar a mo-de-obra necessria nas indstrias e impossibilitar a articulao dos trabalhadores enquanto movimento social. Marx (1994) j se refere a esses trabalhadores do exrcito industrial de reserva como desempregados:Marx (1980) afirma que faz parte desse exrcito todo trabalhador durante o tempo em que est desempregado ou parcialmente empregado. E classifica-o em trs variaes: flutuante, latente e estagnado. A primeira variao refere-se queles trabalhadores ora repelidos, ora atrados pela indstria, ou seja, por aqueles temporariamente desempregados. A segunda, refere-se populao trabalhadora rural sempre na iminncia de transferir-se para a rea urbana, medida que a produo capitalista se apodera da agricultura. A terceira, parte da populao de ocupao irregular que tem uma das principais configuraes o trabalho domiciliar (MARX apud BORGES; YAMAMOTO, 2004, p. 33).

Essa parcela da populao remete ao operrio sua condio de dispensvel, de substituvel. Esses trabalhadores so ininterruptamente repelidos e atrados, jogados de um lado para outro variando constantemente o recrutamento deles em relao ao sexo, idade e habilidade (MARX, 1994, p. 520). Durante os perodos anteriores industrializao, a organizao social propiciava trabalho maior parte da populao e a concepo dominante era de que a permanncia na

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condio de desemprego resultava de uma deciso eminentemente pessoal e em decorrncia disto o indivduo desempregado era visto como preguioso, vagabundo e doente. Baseado nos pressupostos da crescente produo e criao de novos postos de trabalho, Malthus (1996) observa a grande massa desempregada no momento de efervescncia industrial e conclui que o desemprego voluntrio, no levando em considerao que tal concepo uma construo histrica, pois em determinadas condies, como no caso da nobreza, os indivduos que no trabalhavam no eram considerados desempregados. possvel delimitar as conseqncias do processo de industrializao da seguinte forma:Tendo por base o desenvolvimento da indstria mecanizada se opera o processo da socializao do trabalho pelo capital, favorecido pelos seguintes fatos: (a) Como a mquina em si requer o trabalho conjunto de muitas pessoas, a produo industrial concentra-se cada vez mais em grandes empresas; (b) o avano da diviso social do trabalho aumenta o nmero de ramos da indstria e da agricultura, acentuando a interdependncia entre os seus diferentes ramos e empresas; (c) as pequenas unidades econmicas, prprias da economia natural, e os pequenos mercados se fundem, formando mercados nacionais e mundiais; (d) a tcnica baseada nas mquinas elimina as formas de dependncia pessoal do trabalhador. O trabalho voluntrio assalariado agora a base da produo e se cria uma populao flutuante, que assegura uma afluncia de mo-de-obra para os diferentes ramos da indstria; a expanso da produo mecanizada promove o nascimento de centros industriais e de grandes cidades. (GEPAPET, 2008, p. 18)

Essas conseqncias da industrializao promoveram a transformao da diviso internacional do trabalho, que passou a atribuir a cada parte do globo um papel bem definido: a produo agrcola com diferentes tecnologias e a produo industrial (POCHMANN, 2002, p. 19). A produo de matria-prima se tornou atribuio das colnias e a industrializao desses produtos funo das metrpoles. A explorao das colnias gerou a acumulao de riquezas nas metrpoles e o constante aumento das desigualdades entre os pases ricos e os pobres. A Inglaterra se tornou o principal centro industrial, devido seu poderio militar e martimo que propiciou sua condio de detentor de capital, isto porque importava matriaprima e exportava produtos manufaturados, influenciando os demais pases para que estabelecessem o livre mercado de trocas, abrindo seus portos para os produtos ingleses. Conforme Pochmann (2002):A dicotomia entre os produtos manufaturados do centro e os produtos primrios da periferia demarcou a primeira Diviso Internacional do Trabalho. Enquanto o setor

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agrcola era o grande empregador nos pases perifricos, o setor urbano, especialmente a indstria, destacou-se no emprego da maior parte da mo-de-obra nas economias centrais. (POCHMANN, 2002, p. 22)

Lentamente, outros pases, como Alemanha, EUA, Frana, Japo e Rssia, conseguiram desenvolver a tecnologia necessria para empreender a industrializao, comercializando seus produtos manufaturados com as colnias. Nesse contexto da crescente industrializao de diversos pases:O crescimento das fbricas e o aumento acelerado da produo exigem novos sistemas de trabalho e de organizao que permitam aos empresrios satisfazer a grande demanda de produtos e impedir a competio sem freios. Comea ento a chamada Segunda Revoluo Industrial, sob o signo da formao de poderosos grupos econmicos nacionais e internacionais. (GEPAPET, 2008, p. 19)

No final do sculo XIX a acumulao de riquezas, o crescimento e a internacionalizao das empresas possibilitaram a Segunda Revoluo Industrial,

caracterizada pela utilizao de novas formas de energia, como a eletricidade e o petrleo. A utilizao da cincia aplicada industrializao se tornou ainda mais freqente, diversos pesquisadores se dedicaram ao estudo dos fenmenos presentes no processo de produo:Este conjunto de conhecimentos, chamado de Racionalizao do Trabalho, um dos aspectos dos esforos para ordenar a nova maneira de produzir mediante a organizao cientfica do trabalho, cuja maior manifestao vai ser o Taylorismo. Os estudos de Taylor se caracterizaram pela preocupao com as questes da aplicao da metalurgia e da mecnica, como tambm acrescentaram dados cientficos seleo dos trabalhadores, seus movimentos e estmulos psicolgicos, suas iniciativas, sua fadiga e os tempos realmente necessrios para se efetuar uma operao. Ou seja, exploraram os problemas que correspondem fisiologia e a psicologia do trabalho. (GEPAPET, 2008, p. 19)

Os estudos de Taylor geraram uma srie de modificaes no trabalho industrial como o aumento da especializao dos trabalhadores em determinadas atividades e a diminuio do tempo necessrio para a realizao da atividade. No era necessrio apenas executar o trabalho, mas faz-lo de forma rpida e eficiente, eliminando os comportamentos desnecessrios no processo de produo, como as conversas entre os operrios. O processo de industrializao continuou por aumentar as desigualdades entre a burguesia e a classe trabalhadora:No campo, o progresso tcnico acelerou a expulso da populao rural, ao mesmo tempo em que os setores da indstria e dos servios geraram muitos empregos, no entanto insuficientes para assegurar a plena absoro da oferta de mo-de-obra. A desocupao e os fortes contrastes socioeconmicos transformaram-se em caractersticas marcantes das sociedades industrializadas do sculo XIX e incio do sculo XX. No perodo inicial da Segunda Revoluo Industrial, as polticas de trabalho e de garantia de renda se mostraram relativamente limitadas e pouco eficazes para o enfrentamento dos problemas do livre mercado de trabalho. Mesmo

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com a expanso industrial, com a reorganizao da grande empresa e com a generalizao dos sindicatos, permanecia praticamente intacto o modo de vida cultural, econmico e poltico da classe trabalhadora, marcada pelo antagonismo social. (GEPAPET, 2008, p. 22).

A luta dos trabalhadores contra a explorao dos capitalistas resultou na sua mobilizao e criao dos sindicatos. Suas principais reinvidicaes eram por melhores condies e menores jornadas de trabalho. Aps diversas dcadas de luta, os sindicatos conseguiram a regulamentao do trabalho fabril, na delimitao da sua jornada e na sua legislao. Essas conquistas consistiram em estabelecer o mnimo de condies favorveis para o desempenho das atividades nas indstrias. Apesar da conquista de melhorias nas relaes de trabalho, as lutas sindicais no alteraram as formas estruturais dessas relaes, que se caracterizam pela necessidade de obteno do lucro pelo capitalista (GEPAPET, 2008, p. 20) que ocorre pela apropriao do trabalho no-pago, denominado mais-valia, e que se origina de um excedente quantitativo de trabalho, da durao prolongada do mesmo processo de trabalho (MARX, 1989, p. 222). A burguesia perpetua sua dominao econmica e ideolgica, inculcando nos trabalhadores sua filosofia individualista, calcada na propriedade privada e na liberdade formal, promovendo a culpabilizao daqueles indivduos que se encontravam sem trabalho, fora das fbricas. Os idelogos burgueses formulavam explicaes para as relaes de produo:Uma tentativa de levar ao conformismo os trabalhadores que cresciam numericamente e lutavam para atenuar a explorao que sofriam. Desde o momento em que nascem as relaes capitalistas de produo comea a luta de classes entre os trabalhadores assalariados e os patres. (GEPAPET, 2008, p. 19)

Com o desenvolvimento da tecnologia de produo, a necessidade de mo-de-obra nas indstrias diminuiu, embora a migrao da populao rural para as metrpoles continuasse. Esse pode ser considerado um dos primeiros momentos nos quais a falta de trabalho, ou o desemprego, se tornou aspecto determinante do modelo econmico. Aps a crise econmica que se iniciou em 1929, acentua-se a noo de desemprego involuntrio j enunciado por Marx, pois passa a ser percebido pelos autores (principalmente Keynes) como conseqncia das contradies do modo capitalista de produo e da conjuntura mundial que afeta a vida dos trabalhadores. O crescimento das grandes empresas e a concentrao da produo d incio formao dos monoplios, caracterstica do modelo econmico a partir do final da Segunda Revoluo Industrial:34

Os monoplios utilizam os progressos da tcnica para aumentar seus ganhos, elevando o grau de explorao dos trabalhadores mediante complicados sistemas de organizao e pagamento de salrios que lhes asseguram uma maior intensidade do trabalho nas empresas intensificao que ocasiona o desemprego em uma escala maior que todas as anteriores. Tambm se aprofunda a diferena entre o salrio que recebe o trabalhador e o valor de sua fora de trabalho; mas, a maior explorao se manifesta na circunstncia de que os trabalhadores nas condies de consumidor adquirem as mercadorias pagando preos mais elevados, o que possibilitado pelo fato de serem produzidas por poucos ou por um nico monoplio (GEPAPET, 2008, p. 20).

Os monoplios promovem a reorganizao da diviso internacional do trabalho, repartem o territrio mundial a partir da formao de blocos econmicos, e iniciam a disputa pela recolonizao dos pases perifricos. Aps a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se estabilizam enquanto potncia econmica e iniciam a propagao do seu modelo de industrializao. Dessa forma, os pases pobres, com o financiamento dos monoplios, iniciam sua industrializao tardia. Os pases perifricos que conseguem se industrializar, alm de exportar matria-prima, iniciam o processamento e o escoamento dos produtos manufaturados. Eles passam a ser denominados de pases em desenvolvimento, por possurem condies econmicas diferenciadas das demais naes. Sobre esse contexto, a explicao que:O surgimento desse bloco de pases semiperifricos se deu a partir da combinao do forte esforo das elites internas com a oportunidade de ter o espao geogrfico nacional transformado pela concorrncia das grandes empresas transnacionais, especialmente durante a fase de bipolaridade das relaes internacionais. A periferizao da indstria ocorreu, em grande medida, sob a liderana do Estado, por meio da expanso e da proteo do mercado interno, o que permitiu a rpida passagem da fase agrria-exportadora para a de desenvolvimento industrial. (POCHMANN, 2002, p. 24)

A insero desses pases semi-perifricos, como o Brasil e a China, no comrcio mundial, provoca a reestruturao das relaes econmicas, ampliando a negociao dos produtos industrializados. Todas essas modificaes no cenrio econmico mundial criaram as bases para o estabelecimento de uma nova Diviso Internacional do Trabalho, fundamentada no capitalismo financeiro e no processo de globalizao. O capitalismo financeiro permitiu as trocas e negociaes entre as grandes empresas sem mobilizar a produo de moeda e a globalizao foi responsvel pela transposio e eliminao de barreiras e fronteiras que possam impedir a competio. Em decorrncia surgem medidas de liberalizao e desregulamentao econmicas que levam transformao do mundo num s e nico mercado. (GEPAPET, 2008, p. 21).35

A partir da globalizao, as grandes empresas se consolidaram em corporaes multinacionais e transnacionais, estabelecendo filiais ao redor do globo. Esse processo s possvel devido o desenvolvimento tecnolgico e cientfico que caracteriza a Terceira Revoluo Industrial. O surgimento dos meios de comunicao instantneos como a televiso e a internet, e a robotizao da produo permitem a implantao do capitalismo globalizado. A comunicao instantnea permite que o mercado financeiro mundial gire 24 horas por dia e que os recursos financeiros sejam transferidos para e de qualquer lugar do mundo imediatamente (GEPAPET, 2008, p. 21). A tecnologia tambm permite s grandes corporaes transferir as fbricas para os pases perifricos, que ofeream menor custo de mo-de-obra e incentivos fiscais. Essa reorganizao da produo em diversos pases ocasiona a estruturao de uma nova Diviso Internacional do Trabalho. De acordo com Pochmann (2002):A nova Diviso Internacional do Trabalho parece referir-se mais polarizao entre a produo de manufatura, em parte dos pases semiperifricos, e a produo de bens industriais de informao e comunicao sofisticados e de servios de apoio produo gerada no centro do capitalismo. Nas economias semiperifricas, a especializao em torno das atividades da indstria de transformao resulta, cada vez mais, da migrao proveniente da produo de menor valor agregado e baixo coeficiente tecnolgico do centro capitalista, que requer a utilizao de mo-de-obra o mais barata possvel, alm do uso extensivo de matria-prima e de energia, em grande parte sustentada em atividades insalubres e poluidoras do ambiente, no mais aceitas nos pases ricos. (POCHMANN, 2002, p. 34)

Essas so as caractersticas do modelo econmico global, no qual o Brasil manteve seu papel de exportador de matria-prima, embora tenha iniciado sua industrializao na dcada de 1950, e tenha apresentado um grande crescimento econmico at os anos 80. A partir da dcada de 1980, o pas apresentou um aumento significativo nos ndices de desemprego, devido queda no crescimento econmico e o deslocamento da populao para as grandes metrpoles:Diante da difuso de uma nova Diviso Internacional do Trabalho nas duas ltimas dcadas, o Brasil experimenta uma situao de retrocesso. A economia nacional perdeu sua tradicional dinmica de alto crescimento econmico sustentado na ampla gerao de vagas, restando atualmente a medocre variao da renda nacional, com a insuficiente criao de postos de trabalho na maioria das vezes, de baixa qualificao para todos que desejam trabalhar. Os empregos qualificados foram reduzidos, em parte, pela ampliao das importaes, pela ausncia de novos investimentos e pela reformulao do setor pblico, alm de pelas baixas taxas de expanso do produto. (POCHAMNN, 2002, p. 40)

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Tal configurao do mercado de trabalho no Brasil, na qual ocorre o aumento ndice de desemprego e as ocupaes formais do lugar ao trabalho informal, torna a criao de novos postos de trabalho apenas uma promessa eleitoral. Pois as pessoas ainda constituem uma massa de eleitores e consumidores (FORRESTER, 2007). Nessa perspectiva histrica do trabalho, o fenmeno do desemprego no pode ser encarado como uma novidade, pois, resultante da forma de produo do sistema capitalista, a qual estabelece um mercado que regula a ocupao ou no da populao economicamente ativa. Este mercado demanda mo-de-obra conforme sua necessidade. Como os meios tecnolgicos tm avanado com o propsito de diminuir a poro humana na produo, o emprego vai se tornando cada vez mais raro. (GEPAPET, 2008, p.25)

possvel concluir que o desemprego um fenmeno intrinsecamente ligado ao capitalismo, e a forma como se caracteriza determinada pelas transformaes econmicas ocorridas ao longo da histria.

3.2 Definio do desemprego na atualidade

O momento histrico atual se caracteriza pela existncia de grandes monoplios econmicos, pela aplicao da informtica, da robtica e de outras inovaes tecnolgicas na produo capitalista. Os monoplios promovem uma descentralizao da produo, com a transferncia das fbricas para os pases pobres, em busca de mo-de-obra barata e da falta de regulamentao do trabalho, que permite uma explorao ainda maior dos trabalhadores. A qualificao apresentada como principal determinante para insero dos indivduos no mercado de trabalho, e as ocupaes de maior remunerao so destinadas a especialistas e tcnicos, responsveis pela criao e planejamento dos produtos, nas sedes das grandes corporaes nos pases centrais. Nesse contexto, o emprego se apresenta como sendo:o meio de se realizar um trabalho, geralmente sob domnio de uma organizao privada ou pblica, atendendo necessidades individuais, mas, sobretudo coletivas e estruturais, sem, contudo, dispor do produto final, do que foi realizado, nem tampouco, entender como seu o resultado do seu labor. (SILVA, 2006, p.13)

Na sociedade capitalista, o emprego se apresenta como nico meio para aquisio dos bens necessrios subsistncia, o que torna o fenmeno do desemprego ainda mais alarmante.37

De acordo com essa concepo, os trabalhadores sem emprego estariam privados das condies necessrias para sua sobrevivncia. Conforme Forrester (1997, p. 113) o trabalho continua necessrio (...) no mais sociedade, nem mesmo produo, mas, precisamente, sobrevivncia daqueles que no trabalham, no podem mais trabalhar, e para os quais o trabalho seria a nica salvao. No h um consenso quanto conceituao do fenmeno do desemprego e a metodologia utilizada para sua mensurao, apesar dos esforos de padronizao de algumas instituies como a Organizao Internacional do Trabalho (OIT). O conceito oficial utilizado pela OIT de que o desemprego se refere ao nmero de pessoas acima de uma determinada idade (no Brasil, dezoito anos) que esto sem trabalho, procurando emprego e disponveis para trabalhar em determinado perodo de tempo (GEPAPET, 2008, p. 12). Para que um trabalhador seja considerado desempregado preciso que atenda a esses trs requisitos. A partir da causa que estabelece o fenmeno do desemprego, ele pode ser classificado em trs modalidades: desemprego friccional, conjuntural e estrutural. De acordo com Pochmann (2002):Entende-se por desemprego friccional a mobilidade ocupacional e de insero na ocupao; por desemprego conjuntural a ociosidade da mo-de-obra decorrente da insuficincia no nvel de atividade econmica ou sazonalidade da produo; e por desemprego estrutural o desajuste entre a mo-de-obra demandada pelo processo de acumulao de capital e a mo-de-obra disponvel no mercado de trabalho. (POCHMANN, 2002, p.89)

Dentre essas modalidades a que mais recebe destaque o Desemprego Estrutural, pois consequncia dos ajustes e mudanas na economia, geralmente associados ao desenvolvimento tecnolgico e industrial. Este tipo de desemprego est diretamente relacionado aplicao de novas tecnologias no setor produtivo, que ocasiona a reduo dos postos de trabalho, que tende a acompanhar a necessidade cada vez menor de mo-de-obra. No caso do Brasil, h divergncias quanto classificao do fenmeno do desemprego entre os dois rgos que realizam as pesquisas oficiais, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e o Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Socioeconmicos (DIEESE). Conforme o IBGE, o desempregado aquela pessoa que se encontra acima dos 16 anos de idade, e que esteve procurando emprego durante a semana em que se realizou a pesquisa, ou mesmo na anterior.

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Esses critrios adotados pelo instituto na Pesquisa Mensal de Emprego (IBGE, 2007) resultam em uma estimativa parcial da populao desempregada, pois consideram um perodo de referncia curto, apenas duas semanas, e no incluem os trabalhadores que desistiram de procurar emprego, que caracterizam uma das modalidades de desemprego, que ser abordada posteriormente. Para o DIEESE, os desempregados so indivduos que se encontram numa situao involuntria de no-trabalho, por falta de oportunidade de trabalho, ou que exercem ocupaes irregulares com desejo de mudana. Esses indivduos so agrupados em trs modalidades de desemprego: aberto, oculto pelo trabalho precrio e oculto pelo desalento. O desemprego aberto consiste das pessoas que procuraram emprego nos 30 dias anteriores realizao da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) e no exerceram nenhum trabalho nos sete ltimos dias. As pessoas que realizaram trabalhos precrios, como os bicos, ou que realizaram trabalho no-remunerado e voluntrio, em ajuda a negcios de parentes, que procuraram uma ocupao formal nos 30 dias anteriores ao da entrevista da pesquisa, ou que no tendo procurado neste perodo, o fizeram sem xito at 12 meses atrs, se enquadram no desemprego oculto pelo trabalho precrio. A caracterizao do desemprego oculto pelo desalento ocorre daqueles indivduos que no trabalharam e nem procuraram emprego nos 30 dias anteriores ao da entrevista da pesquisa, por desestmulos do mercado de trabalho ou por circunstncias fortuitas, mas que procuraram trabalho nos ltimos 12 meses. A PED realizada pelo DIEESE em parceria com a fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados (SEADE) e foi iniciada em 1984 na regio metropolitana de So Paulo. A pesquisa foi gradativamente ampliada para as regies do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e Belm. A pesquisa consiste em um levantamento domiciliar contnuo, realizado mensalmente, para obter o ndice da Populao em Idade Ativa (PIA), que compreende todos os indivduos que esto aptos a realizar alguma atividade produtiva. A parcela desses indivduos que se encontra ocupada ou desocupada, com a qual pode contar o setor produtivo, denominada de Populao Economicamente Ativa (PEA). Recentemente, a instituio realizou uma reviso dos critrios utilizados na PED, a ausncia de trabalho, a procura e disponibilidade para trabalhar, devido s limitaes impostas

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pelo uso dos conceitos mais tradicionais s anlises sobre o mercado de trabalho brasileiro (DIEESE, 2009). A reviso do critrio de ausncia de trabalho ocorreu devido ao fato de que na falta de mecanismos amplos de apoio aos desempregados, estes realizam atividades informais e descontnuas, os bicos, paralelamente procura nas agncias de emprego. Tambm foi considerada a possibilidade de alguns desempregados no realizarem a procura por trabalho no perodo de referncia da pesquisa, por acreditarem no haver oportunidades para eles. Uma das alteraes decorrentes da reviso dos critrios adotados o aumento do perodo de referncia da procura por trabalho para trinta dias anteriores data da entrevista, devido s interrupes que podem ocorrer nas tentativas individuais, por motivos de espera de resposta, doena ou falta de recursos (DIEESE, 2009). Outra modificao a incluso das crianas de 10 a 14 anos na Populao em Idade Ativa (PIA), pois apesar da ilegalidade do trabalho infantil, este ainda presente em diversas regies do pas. De acordo com o DIEESE e com o IBGE, a metodologia e os critrios utilizados pelas pesquisas tm por objetivo construir indicadores mais adequados situao nacional. possvel perceber que nenhuma das modalidades de desemprego podem ser atribudas falta de vontade ou interesse dos indivduos, pois acompanham as transformaes econmicas mundiais, contexto no qual o pas est inserido. Uma das conseqncias diretas do fenmeno do desemprego o aumento dos custos sociais e individuais. Os custos sociais se refletem nos gastos com Seguro Desemprego, bem como com programas sociais compensatrios, tais como Bolsa Famlia, Vale Gs e outros (GEPAPET, 2008, p. 26). O papel do Estado nesse contexto tem sido o de mantenedor da subsistncia dos trabalhadores desempregados, ainda que as polticas sociais sejam uma soluo paliativa ao fenmeno do desemprego. Outro aspecto a ser levado em considerao nesta discusso sobre o desemprego a ideologia de que necessrio trabalhar e produzir para ser til sociedade e assim merecer viver. Esta ideologia, da obrigatoriedade de ser produtivo, no pode mais existir em uma sociedade onde a perspectiva de que no haja mais emprego.

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4 Anlise da Representao Social no discurso de um desempregado

4.1 Fundamentos tericos da Anlise Grfica do Discurso

Na dcada de 1980, com os estudos de Lane (1994), surgiu no Brasil uma nova perspectiva dentro da Psicologia Social, a partir da utilizao do mtodo do Materialismo Histrico-Dialtico para se apreender o indivduo enquanto ser concreto, manifestao da totalidade histrico-social. A Psicologia Social Laneana ou a Escola de So Paulo, como denominada, baseia-se na pesquisa emprica e terica acerca do processo pelo qual ocorre a construo da subjetividade humana a partir da atividade, principalmente o trabalho. De acordo com Sawaia (apud LEO, 2007):seu trabalho caracterizado como uma teoria crtica que explicita a sua intencionalidade de interpretar o mundo para transform-lo, o que significa que ela defendia: a indissociabilidade entre teoria, metodologia, prtica, pressupostos epistemolgicos e ticos. (SAWAIA apud LEO, 2007, p.5)

Essa teoria se apresenta como tentativa de criao de uma Psicologia Social brasileira, que possibilite o entendimento das especificidades e transformaes do contexto histricoeconmico local. A principal categoria analtica desta teoria a atividade, que pode ser compreendida como uma forma de mediao entre o homem e a realidade, pois uma caracterstica essencial na vida do sujeito e refere-se a tudo aquilo que desencadeia aes geradas por uma necessidade (GEPAPET, 2008, p. 27). A constituio do homem se d pela atividade, visto que ela se caracteriza pela transformao do meio natural e social, propiciando a produo de conhecimento e a criao da subjetividade. A atividade do homem sobre o mundo mediada pelos instrumentos, fsicos ou psicolgicos, e no caso dos ltimos, constituem aquilo que denominamos de Funes41

Psicolgicas Superiores (FPS), e so meios estruturados que promovem o funcionamento psicolgico humano e surgem a partir das relaes estabelecidas em sociedade. A linguagem o principal instrumento de medi