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Universidade Presbiteriana Mackenzie 1 ÁREAS DE VÁRZEA: FRAGILIDADES NATURAIS E OCUPAÇÃO URBANA SUSTENTÁVEL Tainá de Assumpção Andrade Silva (IC) e Monica Machado Stuermer (Orientadora) Apoio: PIBIC Mackenzie Resumo O presente trabalho trata das regiões de fundo de vale e suas atribuições naturais, que lhe conferem uma condição frágil e ao mesmo tempo de suma importância na manutenção dos ecossistemas terrestres. Em ambientes urbanos, com destaque sobre a cidade de São Paulo, as várzeas assumem papel decisivo na acomodação dos picos de chuva. Apesar disso, estas áreas vêm sofrendo contínua degradação e descaracterização, o que traz conseqüências devastadoras sobre a cidade, suas estruturas e população. As fragilidades naturais das áreas de várzea, as conseqüências de sua ocupação inadequada e algumas ferramentas capazes de lidar com esta situação estão exemplificadas num Estudo de Caso, realizado no bairro de União de Vila Nova Pantanal, na zona leste da cidade de São Paulo. Palavras-chave: água, várzea, ocupação urbana, União de Vila Nova Pantanal, sustentabilidade. Abstract The present work is about the wetlands and its natural attributions, which confer them a fragile conditions and, at the same time, a great importance in terms of the good functioning of earth ecosystems. In urban environments, especially in São Paulo, the wetlands have been suffering continuous degradation and identity loss, what results in serious and damaging problems to the city, its structures and population. Natural fragilities in the wetlands, the consequences of its inappropriate occupation and some of the useful tools to dealing with this situation are shown in a Case Study, in the União de Vila Nova Pantanal neighborhood, in the east zone of São Paulo. Key-words: water, wetlands, urban settlements, União de Vila Nova Pantanal, sustainability.

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Em parceria com a Professora Helena Abascal, publicamos os relatórios das pesquisas realizados por alunos da fau-Mackenzie, bolsistas PIBIC e PIVIC. O Projeto ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA difunde trabalhos e os modos de produção científica no Mackenzie, visando fortalecer a cultura da pesquisa acadêmica. Assim é justo parabenizar os professores e colegas envolvidos e permitir que mais alunos vejam o que já se produziu e as muitas portas que ainda estão adiante no mundo da ciência, para os alunos da Arquitetura - mostrando que ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA.

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

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ÁREAS DE VÁRZEA: FRAGILIDADES NATURAIS E OCUPAÇÃO URBANA SUSTENTÁVEL

Tainá de Assumpção Andrade Silva (IC) e Monica Machado Stuermer (Orientadora)

Apoio: PIBIC Mackenzie

Resumo

O presente trabalho trata das regiões de fundo de vale e suas atribuições naturais, que lhe conferem uma condição frágil e ao mesmo tempo de suma importância na manutenção dos ecossistemas terrestres. Em ambientes urbanos, com destaque sobre a cidade de São Paulo, as várzeas assumem papel decisivo na acomodação dos picos de chuva. Apesar disso, estas áreas vêm sofrendo contínua degradação e descaracterização, o que traz conseqüências devastadoras sobre a cidade, suas estruturas e população. As fragilidades naturais das áreas de várzea, as conseqüências de sua ocupação inadequada e algumas ferramentas capazes de lidar com esta situação estão exemplificadas num Estudo de Caso, realizado no bairro de União de Vila Nova Pantanal, na zona leste da cidade de São Paulo.

Palavras-chave: água, várzea, ocupação urbana, União de Vila Nova Pantanal, sustentabilidade.

Abstract

The present work is about the wetlands and its natural attributions, which confer them a fragile conditions and, at the same time, a great importance in terms of the good functioning of earth ecosystems. In urban environments, especially in São Paulo, the wetlands have been suffering continuous degradation and identity loss, what results in serious and damaging problems to the city, its structures and population. Natural fragilities in the wetlands, the consequences of its inappropriate occupation and some of the useful tools to dealing with this situation are shown in a Case Study, in the União de Vila Nova Pantanal neighborhood, in the east zone of São Paulo.

Key-words: water, wetlands, urban settlements, União de Vila Nova Pantanal, sustainability.

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Introdução

A sustentabilidade é a capacidade dos diversos sistemas da Terra, incluindo as economias e

os sistemas culturais humanos, de sobreviverem e se adaptarem às condições ambientais

em mudança. A primeira etapa para o alcance desta condição é a conservação do capital

natural da terra – os recursos e serviços naturais que mantém a nossa e outras espécies

vivas e que dão suporte às nossas economias. A segunda etapa se constitui em reconhecer

que são muitas e muito diversas as atividades humanas capazes de degradar o capital

natural, ao usarem recursos normalmente renováveis mais rapidamente do que a natureza é

capaz renová-los. A terceira etapa se dá na busca por soluções dos problemas gerados a

partir da degradação, o que muitas vezes envolve conflitos cuja resolução demanda

compromissos e ajustes. Indivíduos que se envolvem neste processo de tomada de decisão

e envolvimento em compromissos, seja politicamente ou socialmente, são os atores da

implantação da sustentabilidade em última instância (MILLER JR., 2006).

Sociedades sustentáveis do ponto de vista ambiental são aquelas em que se busca atender

as necessidades básicas do povo (alimentação, água e ar limpos, abrigo) sem degradar ou

exaurir o capital natural que fornece estes recursos, conforme definido no documento

“Nosso Futuro Comum”, de 1987, da ONU, também conhecido como Relatório Brundtland.

O termo “Desenvolvimento Sustentável” foi definido oficialmente pela Comissão Mundial de

Desenvolvimento e Meio Ambiente (CMMAD), no Relatório Brundtland, também conhecido

como “Nosso Futuro Comum”. O desenvolvimento sustentável acontece em âmbito

econômico, social e político, de forma a assegurar a satisfação das necessidades do

presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras de darem resposta às

suas próprias necessidades (CDMA,1987 apud SARAIVA, 1999).

De acordo com Brocanelli (2007), a busca pelo desenvolvimento sustentável deve acontecer

em três dimensões da sustentabilidade: ambiental, sócio-cultural e econômica. O capital é

então tratado em três condições distintas: o capital artificial, expresso naquilo que foi

edificado por seres humanos como edifícios, pontes, enfim, as cidades em geral; o capital

humano, exemplificado pela ciência, conhecimento e técnicas; e o capital natural, traduzido

pelo Meio Ambiente e representado, dentre outros, pela água e ar puros e pela diversidade

biológica.

Coimbra (2002) insere a categoria “capital artificial” numa classificação distinta do termo

Meio Ambiente, ao apresentar uma visão integradora e de caráter predominante urbano

quando trata do espaço físico que envolve as comunidades humanas. Ele classifica aquilo

que o homem constrói para organizar sua convivência e trabalho, desde a sua morada até

os grandes aglomerados urbanos, também como uma espécie de Meio Ambiente, que

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cresce e se espalha quase incontrolavelmente, pressionada por fatores como o crescimento

demográfico.

O conceito de capital natural engloba o binômio recursos e serviços naturais, aos quais se

pode atribuir valor econômico, social e ambiental (MILLER JR., 2006). O tema da

sustentabilidade e suas implicações práticas têm sido assunto recorrente nas discussões de

diversas das grandes áreas de conhecimento, por ser um conceito de caráter sistêmico, que

abrange disciplinas socioeconômicas, ambientais, tecnológicas e políticas em seus planos

de atuação. Preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, assim como promover

desenvolvimento humano através da manutenção adequada dos recursos naturais é

fundamental para o cumprimento desta nova concepção, que vem ganhando espaço no

meio empresarial e acadêmico.

A estrutura das cidades, que, segundo Borinelli e Lanza podem ser consideradas

ecossistemas artificiais, criados visando o atendimento das necessidades humanas, se

configurou, no entanto, em grande parte das vezes, de forma genérica; sem planejamento

prévio e ignorando as condicionantes e potencialidades do território natural (FRANCO,

2008). O resultado foram cidades caóticas, desprovidas de qualidade urbana e sufocadas

por problemas ambientais de diversas ordens e tipologias.

Às populações mais marginalizadas em termos de renda e escolaridade são relegadas as

áreas ambientalmente mais frágeis e inadequadas para a ocupação nas cidades (MARTINS,

2006). Tal situação é comum no cenário urbano brasileiro e de outras nações em

desenvolvimento, e se coloca paradoxalmente à idéia de sustentabilidade urbano-ambiental,

já que resulta em segregação física e social, péssimas condições de vida urbana e inevitável

agressão a sistemas fundamentais para sustentação inclusive da vida urbana.

A cidade contemporânea deve apresentar soluções sustentáveis para os assentamentos

humanos altamente adensados. A abordagem do Ecourbanismo, por exemplo, sugere que a

urbanização respeite o suporte físico. O Ecourbanismo define o desenvolvimento de

comunidades humanas multidimensionais sustentáveis através de entornos edificados

harmônicos e sustentáveis. Esta nova concepção de estruturação das cidades

contemporâneas está se convertendo rapidamente em um conceito básico, essencial para

todo o planejamento urbano realmente consciente dos problemas sociais e ambientais que

enfrentam as cidades neste início de século. Trata-se é uma disciplina capaz de articular as

múltiplas e complexas variáveis envolvidas na conversão e superação da mentalidade

compartimentada do urbanismo convencional, em uma estrutura que aproxima o desenho

urbano de questões socioambientais de modo sistêmico e integrado (RUANO, 1999).

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É fato que as comunidades humanas só serão sustentáveis quando, além da efetivação de

instrumentos do planejamento ambiental, os empreendimentos arquitetônicos forem

planejados de maneira harmônica com o meio ambiente, promovendo transformação do

cenário urbano a partir do princípio da sustentabilidade, da preocupação com as futuras

gerações e do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade. Desta

forma, as preocupações com a qualidade ambiental no planejamento das cidades, assim

como as responsabilidades social e política com o desenvolvimento de metas de

desenvolvimento social, cultural e econômico estarão alinhadas aos princípios da

preservação, recuperação e equilíbrio ambiental. De modo a consumar este ciclo, os

recursos naturais e as funções ecossistêmicas poderão encontrar o equilíbrio necessário

para a auto-regeneração constante (BROCANELLI, 2007).

Oferecer alternativas de moradia popular formal, inseridas na cidade e atendidas pelos

serviços básicos de infra-estrutura pública é a forma sustentável capaz de defender esta

população desfavorecida – repetidamente às margens da noção de cidadania – assim como

as áreas ambientalmente frágeis em meio urbano. Há uma parcela de população urbana

que já ocupou estas áreas; é preciso, portanto buscar ferramentas urbanísticas, jurídicas e

ambientais que possibilitem a reversão deste cenário e que combinem direitos humanos e

proteção ambiental, através da formação e atuação de profissionais de diferentes áreas

técnicas: Urbanismo, Direito, Gestão Ambiental, Saneamento e Administração Pública

(MARTINS, 2006).

O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo – elaborado para o período de 2002

a 2012 – desponta como um instrumento eficaz de intervenção urbana, ao tratar a questão

ambiental como um aspecto importante do desenvolvimento urbano. Discorre sobre ações

visando a proteção, conservação e recuperação do meio ambiente e da paisagem urbana,

além do controle da poluição, da necessidade de políticas de educação ambiental e

produção de informação e conhecimento sobre o Meio Ambiente. Trata-se do terceiro plano

de orientação urbana do município de São Paulo e foi pioneiramente elaborado, debatido e

aprovado democraticamente. O plano é também um exemplo formal de preocupação com a

complexidade desafiadora do manejo das águas urbanas, e coloca em seus artigos diversas

recomendações sobre ocupação e cuidados com este valioso recurso. O PDE dispõe sobre

a criação de uma macrozona de proteção ambiental, dentro da qual traz algumas propostas

de soluções inovadoras para as questões pertinentes à água e ao problema de prevenção e

redução de inundações. Ao apresentar as enchentes urbanas como fruto de um conjunto de

fatores – como insuficiência da capacidade da rede de drenagem devido à crescente

impermeabilização do solo; muitas vezes devido à ocupação intensiva das construções em

favelas e loteamentos populares, o assoreamento e poluição dos cursos d’ água, entre

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outros – revela algumas possibilidades de ação, amparadas em suas disposições

ambientais, para a recuperação deste recurso (PDE, 2002).

As AIUs – áreas de intervenção urbana – também citadas pelo PDE visam à reestruturação

dos espaços urbanizados, de modo a proporcionar maiores áreas para circulação e

transporte, bem como espaços abertos, vegetados e permeáveis, como parques e praças.

Dentro desta categoria de projetos estão propostas de ampliação do sistema de áreas

verdes através, por exemplo, da implantação de Parques Lineares de Fundo de Vale, como

elementos estratégicos de recuperação da rede hídrica estrutural, medida de desestímulo a

ocupações inadequadas com conseqüente e esperada melhoria dos problemas de

enchentes. A observação de algumas diretrizes básicas se faz necessária neste tipo de

projeto, para que sejam preservados os cursos d’água e as áreas verdes ao longo dos

fundos de vale do município. Genericamente, o plano estabelece a existência de uma faixa

não edificada de 15 metros ao logo de cada uma das margens do corpo d’água (área non

aedificandi), que, juntamente com a planície aluvial, (esta, quando existir, é determinada por

meio dos registros dentro do prazo de recorrência de chuvas e inundações de vinte anos,

também considerada área non aedificandi) e as áreas de vegetação significativa do

município irão constituir os parques lineares.

Dado que a planície aluvial paulistana chega a atingir, em alguns pontos, quilômetros de

extensão, tal proposição genérica chega a parecer absurda, inadequada e insustentável.

Entretanto, visto que algumas áreas de várzea figuram hoje como áreas urbanas

consolidadas e formalmente estabelecidas, sendo efetivamente impossível restaurar sua

condição anterior, torna-se compreensível a intenção organizadora passível de efetivação

do PDE e suas prescrições.

Figura 1: Exemplo hipotético de projeto de intervenção em Parque Linear. Fonte: PDE, 2002, pág. 150.

É neste contexto então que se focaliza a água, tanto como recurso básico à sobrevivência

das populações urbanas quanto como elemento de leitura do território e importante

ferramenta de percepção dos processos ecossistêmicos. Torna-se assim necessária a

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visualização e a valorização dos rios, lagos e córregos da cidade, pois o ressurgimento do

espaço das águas na paisagem da cidade de São Paulo é fator fundamental para o alcance

do desenvolvimento sustentável (KAHTOUNI, 2004)

O presente trabalho busca então estudar as fragilidades das áreas de várzea e as formas de

ocupação das mesmas, analisando o histórico de sua ocupação na cidade de São Paulo e

seus conflitos ambientais. O objetivo específico deste estudo é analisar soluções existentes

para a ocupação destas áreas, através de um estudo de caso de área localizada no

município de São Paulo, buscando assim contribuir com a paisagem da cidade sustentável.

Referencial Teórico

A problemática das enchentes está intimamente associada ao processo natural e contínuo

descrito pelo ciclo hidrológico. Nele, massas de água circulam ininterruptamente entre os

diversos compartimentos terrestres, renovando assim este recurso através da força motriz

do Sol e da gravidade. A atmosfera, a hidrosfera e a litosfera – esta última caracterizada

pela particularidade marcante de constituir a superfície dos terrenos e receber sobre estas

superfícies a cobertura vegetal, além de comportar o subsolo, os aqüíferos e corpos d’água

superficiais – são as esferas participantes do ciclo hidrológico.

Sabe-se que a urbanização tem influência significativa sobre o ciclo hidrológico, já que

alterações sobre a superfície terrestre afetam, direta ou indiretamente, as diferentes esferas

participantes do processo. Conseqüências disso são menores taxas de infiltração e

evapotranspiração, já que a substituição da cobertura vegetal por superfícies

impermeabilizadas é marcante quando tratamos da ocupação urbana. Alterações climáticas

e sobre o regime de escoamento e armazenamento de água no solo, assim como a redução

da qualidade das águas superficiais e subterrâneas são evidências do impacto da

urbanização sobre o ciclo hidrológico. É válido destacar aqui a etapa do ciclo em que as

águas se deslocam sobre a superfície e escoam pelos rios ou se depositam em lagos, após

serem precipitadas. A região em que se localiza a cidade de São Paulo sofre em grande

intensidade, a dinâmica destas águas.

O principal elemento estruturador do território paulistano foi o vale do Tietê. Os

colonizadores, vindos do litoral pela Serra do Mar, seguiam o curso do Rio Tamanduateí,

logo atingindo o Porto Geral e o Colégio Jesuíta, ou, rumando para o rio Tietê, continuavam

a interiorização. Não foi à toa que o principal núcleo urbano da Vila concentrou-se por três

séculos na colina histórica da cidade, elevada sobre os rios Tamanduateí e Anhangabaú.

A água e o solo são recursos naturais considerados limitantes à expansão territorial das

cidades e importantes por seu valor econômico e por sua capacidade de controle térmico e

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da qualidade do ar, pois, juntamente com as massas vegetais, umidificam e purificam o ar. A

movimentação das massas de ar é responsável pelo controle das chuvas, que promove a

manutenção do ciclo hidrológico e da qualidade do ar nas cidades. Apesar disso, a cidade

de São Paulo se desenvolveu em um processo historicamente caracterizado pela liberação

das várzeas de inundação – importantes sistemas de manutenção das águas, do solo e da

vegetação – para atividades urbanas. As planícies de inundação paulistanas são delimitadas

por terraços aluviais de ocorrência irregular ao longo da calha fluvial, e são formadas por

dois patamares rebaixados: as porções alagadiças – sujeitas a cheias anuais – e os terrenos

mais elevados, enxutos, sujeitos a alagamentos esporádicos (MATTES, 2001). A

abundância de água no território, quando da fundação da cidade, determinava presença de

grandes destas áreas úmidas, que deveriam ter sido preservadas pelos muitos e diversos

processos e urbanísticos, já que são responsáveis pela retenção e amortecimento dos picos

de cheia, que, se não contidos, acabam por, obviamente, causar danos ao patrimônio

construído e humano da cidade.

Figura 2: Rio Tamanduateí em São Paulo, na década de 1870. Fonte: Toledo, 2007, página 63.

Estas áreas foram, no entanto – durante os primeiros surtos de expansão da cidade –

contaminadas por efluentes domésticos e industriais. As políticas sanitaristas estabeleceram

então os projetos viários nos fundos de vale: avenidas foram construídas sobre os espaços

de várzea, após obras de canalização de cursos d’água. Este tipo de intervenção começou a

ser implantado a partir da metade do século, com o Plano de Avenidas de Prestes Maia,

favorecendo o quase completo extermínio das áreas úmidas da cidade. Com a destinação

de diversas áreas de fundo de vale da cidade de São Paulo ao uso urbano, fazendo com

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que espaços outrora naturalmente destinados ao escoamento e acomodação das águas

fossem suprimidos, houve significativo agravamento de enchentes (MATTES, 2001).

Em meio a este cenário de ocupação, acabamos finalmente sendo confrontados com a

dúvida óbvia: como trabalhar os recursos hídricos numa cidade como São Paulo, onde a

natureza foi forçada a recuar bruscamente durante a expansão da cidade? Inicialmente, é

necessário que haja ferramentas de legislação e fiscalização eficientes para viabilizar a

reestruturação ecológica. Reaver informações necessárias à restauração da relação homem

– natureza a partir dos conceitos de equilíbrio ambiental, conservação da natureza,

harmonia da paisagem e qualidade de vida, pode ser considerado como um ponto de

partida.

O sítio urbano da Região Metropolitana de São Paulo está localizado em sua maior parte no

Planalto Paulistano, e ocupa uma área de aproximadamente 5.000 km². O Município

apresenta configuração geográfica suave, com altitudes que variam entre 719 metros de

altitude nas planícies aluviais (várzeas) do Rio Tietê e seus afluentes, a 900 metros de

altitude nas áreas de contato com as bordas cristalinas das serras da Cantareira, ao norte, e

do Mar, ao sul (AB’SABER, 2007). A área do município praticamente se confunde com a

bacia do Alto Tietê, pois este se ergue sobre uma extensa região que, em última análise,

sofre drenagem direcionada quase que completamente para o rio Tietê. As várzeas dos rios

paulistanos são enormes: a várzea do Tietê, na região da confluência com o Tamanduateí,

tem quase dez quilômetros de largura, dimensão esta não mais observada ao longo do Rio

Tietê até sua foz, e somente encontrada em rios de grande porte, como o Paraná. As

várzeas são também notavelmente extensas até acima de Mogi das Cruzes, porém

desaparecem bruscamente logo depois da confluência dos rios Tietê e Pinheiros, logo

abaixo do Cebolão.

Vaz (2005,) coloca que a formação das várzeas paulistanas, tão extensas, se deve a uma

camada de rocha muito dura, conhecida em geologia como "soleira", e que dificilmente se

desgasta. Esta soleira ocorre ao longo do rio, desde as proximidades do Cebolão até

próximo de Barueri, e foi capaz de impedir que o Tietê aprofundasse naturalmente a sua

calha, represando suas águas. Os rios Tietê e Pinheiros são rios tipicamente meândricos e

de baixa declividade, mas que têm como afluentes rios e córregos com alta declividade e

maior velocidade de escoamento de águas, como o Tamanduateí, o Pirajussara e o

Aricanduva. Esta condição contribui para a ocorrência de enchentes freqüentes.

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Figura 3: Altimetria da região metropolitana de São Paulo. Fonte: PDE, 2002, pág. 62.

As áreas de várzea são definidas como aquelas correspondentes ao leito maior de um rio e

se enquadram, ainda que parcialmente, dentro de áreas de preservação permanente

(APPs), que apresentam uma série de restrições de uso impostas por distintas legislações

Código Florestal (1965), Resoluções CONAMA 302 e 303 (2002), Lei Lehman (1979),

além de regulamentações específicas de uso e ocupação do solo municipais.

O uso adequado das APPs pode promover, além da preservação de recursos naturais, a

melhoria da qualidade de vida dos habitantes da cidade. Melhorias ambientais advindas do

manejo adequado destas áreas se expressam pelo controle climático; capaz de amenizar

temperaturas e propiciar a melhoria da qualidade do ar e redução de ruídos. Evitar perdas

materiais e humanas em função das enchentes, além de proporcionar abrigo para a

avifauna e disponibilizar espaços de lazer e cultura, sempre privilegiando o aspecto estético

da paisagem, são também resultados da otimização do uso e ocupação das APPs.

Apesar de reconhecidas por suas qualidades e funções ambientais, e de estarem protegidas

pela legislação federal, as áreas de APP continuam sofrendo contínua degradação por

ações antrópicas de diferentes origens e ordens: obras de infra-estrutura, tais como

ampliação do

sistema viário e sistemas de drenagem com canalização de córregos; ocupações precárias

e assentamentos ilegais;

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Figura 4: Relevo e Geologia. Fonte: Atlas Ambiental do Município de São Paulo.

ocupações de alta densidade sem respeito às fragilidades geológicas e à posição elevada

do lençol freático; depósitos clandestinos de lixo, dentre outras agressões ao meio.

Em função do alto grau de ocupação e alterações realizadas nas margens e nos próprios

cursos d’água urbanos, não se justifica classificar a forma de proteção e preservação das

áreas de várzea urbana como de natureza intocada, mas sim como partes integrantes e

fundamentais para a qualificação do espaço no qual vive o homem.

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As planícies de inundação são delimitadas pelos terrenos aluviais de ocorrência irregular e

são formadas por dois patamares de terrenos rebaixados dispostos ao longo da calha fluvial:

as porções alagadiças, submetidas à cheias anuais, e os terrenos um pouco mais elevados,

enxutos e sujeitos a transbordamentos esporádicos. As águas podem, eventualmente,

extrapolar o leito maior, ocupando parcelas dos terraços aluvionares. (MATTES, 2001) As

funções primárias de um curso d'água e de sua várzea são a coleta, armazenamento e

veiculação das vazões de cheias. As várzeas são áreas naturais de enchente dos rios nos

períodos de chuva, responsáveis por acomodar as águas não infiltradas. A várzea, em sua

condição natural, ou seja, livre da ação antrópica, funciona como uma “esponja”, capaz de

enxugar o excesso das águas pluviais, sendo que sua mata ciliar lindeira funciona como

uma “esponja biológica” para o rio. O solo é responsável por reter as águas e as armazená-

las durante a estação úmida, liberando-as nas épocas de estiagem para alimentação dos

córregos. Este processo ocorre de forma lenta, em função do relevo suave e da baixa

permeabilidade dos solos. (STUERMER, 2008)

Quando não impermeabilizado e revestido de cobertura arbórea, o solo é capaz de reter até

90% das águas das chuvas, reduzindo assim os picos de vazão superficial. No entanto, com

a massiva impermeabilização dos solos e retirada da vegetação em centros urbanos, a água

das chuvas flui diretamente para os rios, pois a capacidade de infiltração é praticamente

reduzida à zero na maior parte da área urbanizada. Sem a presença da vegetação ciliar, o

escoamento superficial é potencializado, fazendo com que sedimentos, entulho e lixo sejam

carregados para o rio de forma mais intensa, causando a poluição das águas e inundações,

com conseqüentes perdas materiais e humanas, revelando um comportamento não

sustentável de ocupação humana e apropriação do território.

Tratar da urbanização paulistana no século XX significa descrever um processo insistente

de degradação das águas, várzeas e áreas verdes originais do território, através de

intervenções diversas sobre os cursos d’água, mas, principalmente, do apagamento de

memórias relacionadas à presença da água nas atividades de lazer e convivência que tanto

fizeram parte do cotidiano da cidade nos séculos anteriores. Os rios Anhangabaú,

Tamanduateí, Pinheiros e Tietê, hoje sufocados e escondidos ora sob grandes avenidas de

fundo de vale ora ladeando vias de trânsito rápido, outrora figuraram como elementos

fundamentais de estruturação do espaço, compondo o topo da hierarquia hídrica local

(Corrêa & Alvim, 1999).

Inicialmente, o processo de expansão urbana na cidade de São Paulo evitou ocupar as

várzeas dos principais rios que cortavam o núcleo urbano em desenvolvimento, uma vez

que saneá-las implicava em investimentos e empreendimentos adicionais. As várzeas

começaram a ser alteradas e ocupadas de fato a partir das obras associadas à instalação

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de infra-estruturas regionais e urbanas: o sistema ferroviário e o sistema de vias, associados

à retificação dos rios Tamanduateí (1849 a 1916), Tietê (1842 a 1938) e posteriormente do

rio Pinheiros (após 1927). Os rios foram canalizados por razões sanitárias, mas também por

razões financeiras – de ganho de território e especulação imobiliária.

A valorização diferenciada dos terrenos e o nascimento de um mercado imobiliário

altamente lucrativo, imerso num mar de conflitos para demarcação de limites entre terras

públicas e privadas, marcam o período. A cidade se dilatou apresentando um padrão que

intercalava áreas densamente povoadas com áreas de grandes vazios urbanos,

característica esta forçada inicialmente pelas condicionantes naturais do território (várzeas e

etc.) e, posteriormente, devido à atividade especuladora intensa do mercado imobiliário. As

áreas de moradia privilegiada localizavam-se nos pontos mais elevados da cidade, enquanto

que as ferrovias corriam pelos fundos de vale, e as indústrias, instaladas também nos

terrenos baixos, mais baratos, estimularam a ocupação pelos operários destes territórios de

várzea. Com a marcante explosão demográfica do final do século XVIII veio o aumento

significativo da mancha urbana e, consequentemente, das demandas por moradia. Bairros

foram então criados para assentar a população crescente, expandindo os limites geográficos

e loteando chácaras urbanas.

As cheias sempre constituíram um fenômeno marcante no contexto paulistano e, no período

em questão, a região da Várzea do Carmo, correspondente à seção inundável do rio Tietê,

causava grandes preocupações, principalmente quanto aos seus efeitos sanitários, fazendo

com que diversas medidas legislativas fossem lançadas de modo a domar o rio, sua calha e

sua várzea. A eliminação das águas paradas ou represadas foi estabelecida como uma

meta de proteção à saúde pública, baseada na idéia de afastamento destas águas da

população, e não o contrário!

Algumas medidas urbanísticas como o alargamento das ruas, a eliminação de bairros

insalubres, o desenho de um traçado viário associado à infra-estrutura sanitária e a

drenagem na concepção higienista (secar a várzea para incorporá-la à cidade), através de

obras de retificação e canalização foram implantadas visando uma melhor qualidade de vida

e prevenção de doenças na cidade.

Em se tratando do rio Tietê e sua várzea, diversos foram os planos elaborados com relação

ao equacionamento da retificação do rio. O primeiro projeto de retificação, datado de 1887,

previa a retificação conjunta dos rios Tietê e Tamanduateí. No ano de 1892, a Comissão de

Saneamento do Estado faz levantamentos dos terrenos marginais entre os dois rios e lança

as primeiras propostas de intervenção sobre o regime fluvial dos dois rios. Entre 1892 e

1898 são realizadas as primeiras intervenções sobre os rios: a Ilha de Inhumas é suprimida,

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é construído o Canal de Osasco e é feita a desobstrução da curva do rio entre os

quilômetros 16 e 18 da estrada de ferro Sorocabana. Já em 1921, é criada uma comissão

para estudar a execução de obras de retificação a partir da ampliação da embocadura tanto

do Tietê como do Tamanduateí.

Três grandes projetos de retificação foram elaborados a partir da década de 20, o projeto de

Fonseca Rodrigues, o Projeto de Ulhôa Cintra e o Projeto de Saturnino de Brito.

O projeto de Saturnino de Brito, talvez o mais importante por sua qualidade técnica e

ambiental, data de 1924. O plano tinha como objetivos a ocupação das várzeas de

inundação com usos urbanos, dada a sua proximidade com o centro da cidade e a

necessidade de se implantar vias de circulação e promover o saneamento dos terrenos

inundados. O projeto previa, no entanto, o aproveitamento das águas do Tietê em termos

ambientais e urbanos. Saturnino baseou-se na necessidade de preservação das matas na

regularização das vazões do Tietê, para que se mantivesse, à montante da cidade, o regime

de inundações de suas várzeas. A vegetação nas margens do Tietê era predominante

rasteira e as várzeas eram ocupadas em escala muito pequena; eram poucos os que se

aventuravam à moradia em terrenos freqüentemente inundáveis, e Saturnino pretendia

retornar definitivamente ao rio a várzea de expansão de suas águas, pois sabia que

estabelecer usos urbanos comuns significaria estabelecer definitivamente o problema das

inundações. Saturnino contabilizou que, durante o período de cheias, as águas subiam 5

metros acima dos níveis de estiagem e de 2 a 3 metros acima das margens do rio,

enchendo os terrenos marginais cobertos de vegetação rasteira e enchendo cavas de areia,

pedregulho e barro. As obras de retificação seriam então justificadas pela valorização das

terras ao longo das várzeas de inundação, através da possibilidade de utilização destes

terrenos para usos industriais e para a implantação de armazéns associados às ferrovias.

Sua proposta continha então duas seções que acompanhavam o curso natural do Tietê,

eliminando apenas as sinuosidades mais acentuadas e respeitando trechos já retificados:

canais tipo A e B. Contemplava ainda um aumento da seção de vazão. O aterramento das

porções mais baixas permitiu recuperar 25 km² de várzeas inundáveis. A escavação de dois

lagos com 1,2 km² forneceu os materiais a serem utilizados no aterramento, áreas para o

aformoseamento urbano e para prática de esportes na cidade. A proposta retirava parcelas

significativas das planícies de inundação (espaços das águas), embora demonstrasse uma

preocupação em preservá-las enquanto reservatórios naturais de regularização do rio. Em

resumo, ele aterrou as partes mais baixas da várzea, manteve maiores larguras para o

escoamento das águas, conservou margens com avenidas e parques, assegurou a

navegação do Tietê e implantou dois lagos. Infelizmente, o plano do engenheiro Saturnino

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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011

14

de Brito não saiu do papel, sendo revisado e substituído por um plano lançado em 1929, que

reduziu fortemente a faixa reservada para as águas.

A etapa seguinte – no que se refere ao tratamento das áreas de várzea dentro contexto

histórico da ocupação urbana paulistana – é chamada de etapa das enchentes e perdurou

do final da década de 20 até o início dos anos 90. Foi um período significativamente

marcado por enchentes catastróficas, de grandes dimensões, que afetaram grandemente a

cidade, resultados das intervenções anteriormente implantadas nos cursos d’água, mediante

a construção de canais artificiais que apenas transferiram as inundações, causando

impactos à jusante. Um crescimento urbano sem precedentes marcou o período, trazendo

mudanças sociais, econômicas e urbanísticas à cidade.

Figura 5: Vale do Anhangabaú alagado em 1967. Fonte: http://theurbanearth.wordpress.com/category/urbanismo/. Acesso em 05/04/2010.

Observa-se um aumento expressivo no número de automóveis, além do aumento do

número de moradias, demandando grandes obras viárias, dentre as quais vale destacar o

Plano de avenidas de Prestes Maia. O Plano de Avenidas de Prestes Maia (1929) trouxe a

concepção do sistema de saneamento e ocupação das várzeas com sistema viário de fundo

de vale. Desde então, predomina a concepção da ocupação das várzeas como espaço

preferencial para a circulação, apesar das conseqüências que tal decisão pudesse (e pôde)

acarretar.

A etapa final, em que a cidade se insere atualmente, trata das questões de drenagem

urbana a partir de um novo conceito, basicamente baseado em soluções estruturais. O

modelo, que prevê, dentre outras medidas, a implantação de reservatórios de detenção para

minimizar as áreas sujeitas às enchentes, continua causando impactos à jusante. À medida

que uma cidade se urbaniza, há um aumento tanto das vazões máximas como da produção

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

15

de sedimentos, o que dificulta o escoamento superficial, causando enchentes indesejadas.

Os impactos gerados pela instalação desorganizada de infra-estrutura geram a redução da

seção de escoamento, expressa, por exemplo, por canalizações, retificações,

tamponamento de corpos d’água e projetos de drenagem inadequados. Mesmo assim, as

ações públicas para mitigação de enchentes hoje são genericamente as soluções

estruturais, em que o homem modifica o rio com obras hidráulicas como barragens, diques e

canalizações. (As medidas de controle não-estrutural, em que o homem convive com o rio,

são medidas preventivas, projetadas para garantir proteção completa e de custo geralmente

inferior ao das medidas estruturais. São exemplos de medidas estruturais a elevação das

estruturas existentes, a construção de novas estruturas sobre pilotis, a regulamentação da

ocupação da área de inundação por cercamento, o zoneamento de áreas de inundação, a

regulamentação do loteamento pelo código de construção, o seguro de inundação, uma

previsão regulamentar de cheias e respectivos planos de evacuação, além de incentivos

fiscais para uso prudente da área de inundação e políticas de desenvolvimento adequado ao

município, evitando os prejuízos das inundações.)

Figura 6: Equipamento de canalização pertencente ao projeto da SEHAB. Fonte: arquivo pessoal

Em resumo, pode-se concluir que, apesar de a cidade de São Paulo ter-se desenvolvido às

margens do rio Tietê e de seus principais afluentes, como os rios Pinheiros e Tamanduateí,

além de inúmeros córregos que formam sub-bacias, o mau gerenciamento dos recursos

hídricos e de seus ciclos naturais, somado à ocupação irracional das várzeas – loteamentos

muitas vezes irregulares e clandestinos – além da violenta remoção de cobertura vegetal

das margens e seu entorno, dando lugar à grandes vias de trânsito e ao loteamento urbano,

culminaram num crescimento do tecido urbano paulistano segundo conceitos e estruturas

genéricas.

As enchentes urbanas constituem, portanto, uma problemática de dimensões

metropolitanas, pois, além de causarem transtorno ao trânsito de veículos, inundação e

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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011

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desabamento de edificações, também são ocasiões propícias à proliferação de muitas

doenças, como a leptospirose e a hepatite, despertando assim à atenção dos órgãos de

saúde pública. Outro problema decorrente da ocupação desordenada em áreas frágeis é a

poluição dos rios, devido ao despejo de esgoto químico - muitas vezes não tratado – de

indústrias. A falta de controle também sobre a contaminação dos rios por esgoto doméstico

revela a carência de infra-estrutura sanitária que atinge os bairros irregulares da cidade. Um

trabalho de destinação de lixo e campanhas de educação ambiental para evitar que a

população jogue lixo nas ruas e córregos seria uma medida não-estrutural absolutamente

simples e fundamental para reverter este quadro.

No entanto, as colocações do Plano Diretor não são contempladas quando se propõe, por

exemplo, uma taxa de permeabilidade de 20% generalizada para os terrenos e, em área de

várzea, uma permeabilidade de 30%. Estes valores genéricos não contemplam as

características do subsolo, a extensão dos solos aluvionares, suas características

relacionadas à capacidade de infiltração, revelando total falta de preocupação com os solos

de várzea e a linha de inundação. Os trinta metros que devem ser mantidos intactos junto às

margens do corpo d’água são estabelecidos pelo Código Florestal e encontram-se

altamente fora de contexto na maior parte das áreas urbanas. A capacidade de infiltração do

solo é função da granulometria do mesmo, de seu grau de saturação e de compactação.

Além disso, a taxa de infiltração de água no solo é função também do regime de chuvas, do

relevo, da cobertura vegetal e da profundidade do lençol freático. Por essas razões, não se

deve definir a Taxa de Permeabilidade do lote simplesmente como a relação entre a parte

permeável, que permite a infiltração de água no solo, livre de qualquer edificação, e a área

do lote, como faz o Plano Direto Estratégico do Município de São Paulo vigente.

As Operações Urbanas são, em igual medida, típicos exemplos do descaso com as várzeas,

pois raramente respeitam os solos frágeis ou as cotas de inundação dos rios e córregos. O

adensando em excesso é feito visando à obtenção de Cepac’s, de forma homogênea em

todo o território por ela delimitado. Aqui vale ressaltar que não é apenas a classe

desfavorecida que “invade a várzea” com ocupações: a diferença é que as classes

abastadas o fazem de forma legalizada. No entanto, o impacto causado é em igual medida

preocupante, o que deve despertar a atenção tanto da sociedade civil como do poder

público, para revisão da efetividade das leis urbano-ambientais de zoneamento urbano e da

fiscalização quanto ao seu cumprimento.

A deficiente drenagem natural é característica dominante dos solos de várzea, devido à sua

topografia predominantemente plana e às suas características físicas; tais como: alta

densidade, baixa porosidade, baixa capacidade de armazenamento de água, reduzida

condutividade hidráulica, baixa velocidade de infiltração e consistência desfavorável. As

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17

zonas que margeiam os cursos d’água, ainda que estes não estejam canalizados, podem

absorver uma quantidade muito pequena de água, por compactação ou saturação do solo,

ou ainda pela inexistência de vegetação. A planície sedimentar possui lençol freático alto e

capacidade de absorção baixa, já que o solo se satura rapidamente.

A destinação das águas pluviais em grandes cidades é uma problemática complexa e que

demanda esforços das autoridades públicas. Sua função, tendo em vista a preservação do

patrimônio urbano construído, assim como o alcance de condições sanitárias adequadas, é

propor soluções em larga escala para o controle das enchentes, assim como para o

armazenamento de água para abastecimento. Segundo FENDRICH e OLIYNIK (2002), todo

o excesso das águas pluviais não contidas pelo reservatório de armazenamento deveria ser

infiltrado no solo, evitando-se ao máximo seu despejo nas galerias de águas pluviais. A

coleta, seguida do armazenamento e reutilização de águas pluviais resultaria na prevenção

de enchentes e no restabelecimento da circulação de águas subterrâneas, mantendo-se

assim o equilíbrio hídrico da região.

Grandes centros urbanos de todo o mundo e seus administradores e planejadores encaram

inevitavelmente o desafio imposto pelas questões de drenagem urbana. Dentro deste

contexto é que foi elaborado o Plano de Macrodrenagem do município de São Paulo, por

parte do Departamento de Água e Energia Elétrica do município (DAEE-SP), cuja meta

diretriz de trabalho – visando elaborar soluções técnicas ambientalmente coerentes,

eficientes e o menos onerosas possível – é justamente o controle de inundações na bacia

do Alto Tietê, onde se localiza toda a Região Metropolitana de São Paulo.

O controle de cheias de caráter cíclico e a busca por medidas de aproveitamento múltiplo na

Bacia do Alto Tietê se fazem altamente necessários, devido às grandes dificuldades de

drenagem que enfrenta este conjunto hidrográfico, hoje profundamente influenciado pela

ação antrópica da urbanização.

O Plano atua de forma setorial, por sub-bacia. Cada módulo de ação é efetivado por etapas,

privilegiando-se assim, em curto prazo, a construção de reservatórios de contenção de picos

de enchentes, em áreas urbanizadas. Este tipo de solução, implantado em terrenos urbanos

desocupados, visa contribuir para a sua preservação, impedindo sua invasão e ocupação.

As áreas lindeiras aos rios Tietê e Tamanduateí já haviam sido objeto de estudos do

governo estadual na década de 90 do século XIX, graças ao reconhecimento da

necessidade de obras de saneamento nas várzeas daqueles rios, após a epidemia de febre

amarela em 1889. Diversos estudos e planos foram elaborados a partir daquele momento,

sempre com o objetivo de realizar revisões das vazões de projeto. O projeto do engenheiro

Saturnino de Brito para o Tietê, por exemplo, aumentou a vazão de projeto do rio, que

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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011

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passou de 174 m3/s (1894) para 400 m3/s (1925), após algumas intervenções em seu leito.

No entanto, mesmo com as diversas obras realizadas na calha do Tietê, ainda se observa

uma defasagem – com tendência crescente – entre capacidades e demandas hidrológicas

deste e de outros rios paulistanos.

Figura 7: Bacia Hidrográfica do alto Tietê. Fonte: DAEE-SP.

Em termos gerais, o Plano Diretor de Macrodrenagem visa diagnosticar os problemas

existentes e aqueles previstos no horizonte do projeto (2020) e então, através de uma

abordagem técnico-econômica e ambiental, elaborar soluções, realizar cálculos de pré-

dimensionamento e esquemas de hierarquização.

O Plano Diretor de Macrodrenagem contempla soluções outras que não constituem apenas

obras de engenharia. São soluções abrangentes que envolvem também soluções não-

estruturais, como recomendações de gerenciamento de drenagem, disciplinamento do uso e

ocupação do solo e educação ambiental.

Vale citar também a outorga do direito de impermeabilização das áreas em processo de

urbanização das bacias hidrográficas, passível de ser utilizada em todos os casos

envolvendo intervenções no meio urbano, nos quais haja a possibilidade de aumento dos

coeficientes de escoamento superficial direto. Este conceito limitava-se, até recentemente,

aos casos de obras que interferissem fisicamente nos leitos fluviais. Atualmente, ele garante

uma série de ferramentas ao DAEE e às Prefeituras Municipais para atuarem mais

diretamente numa das principais causas do agravamento das inundações: a

impermeabilização não controlada e não outorgada do solo urbano. O Plano de Drenagem

se configura então em um instrumento de planejamento bastante relevante em termos de

aplicação efetiva, dado que busca compreender o problema das enchentes de forma global,

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considerando aspectos ambientais, institucionais e do financiamento das medidas

preconizadas, no âmbito da Bacia Hidrográfica.

A ocupação antrópica de regiões de fundos de vale deve seguir alguns critérios ambientais

de modo a se estabelecer usos e densidades coerentes com a fragilidade natural típica

destas áreas. Sazonalidade e freqüência das inundações devem também ser consideradas,

assim como a ocorrência de um lençol freático raso. A preservação da vegetação ao longo

das margens do rio é de fundamental importância porque, ainda que seja constituída de

espécies rasteiras, têm papel fundamental no ecossistema da várzea, já que promove o

fenômeno da interceptação, através do qual a vegetação recolhe parte da chuva antes da

mesma atingir o solo, que pode evaporar a partir das superfícies dos vegetais; a

minimização das enchentes à jusante através da fricção, efeito esponja e elevadas taxas de

evapotranspiração; o controle do assoreamento por reter sedimentos, tornando o

ecossistema da várzea uma fonte de matéria orgânica para peixes e demais organismos

fluviais e um habitat para espécies significativas (STUERMER, 2008).

Figura 8: Diretriz para ocupação de várzea – possibilidade de zoneamento:

Zona 1 : Leito menor, área de escoamento rápido – deve ser totalmente desimpedida

Zona 2: Leito maior – parcela significativa da vazão - área de alta restrição (parques e construções adequadas)

Zona 3: área de inundação – águas praticamente paradas – construções à prova de inundações

Zona 4: áreas seguras – controle de erosão – reservatórios de controle de cheias – áreas de infiltração

Fonte: Stuermer, 2008.

As várzeas têm a potencialidade de contribuir para a melhoria da qualidade da água e do ar,

a manutenção de espaços abertos e a preservação de ecossistemas importantes. A

alternativa expressa pelo Parque Linear Urbano, implantado respeitando-se os limites

registrados das cheias e, portanto, excedendo os limites geralmente estabelecidos pelos

Planos Diretores parece ser a solução de melhor custo-benefício ambiental e financeiro para

a área das várzeas.

Áreas Inundáveis devem estar contempladas no Plano Diretor Municipal, permitindo ao

Município a viabilização da regularização e um controle efetivo do uso e ocupação do solo,

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em especial nestas áreas, como forma de atribuir a verdadeira vocação para as mesmas,

garantindo a qualidade de vida para o sistema ambiental como um todo.

Em termos gerais, o desenho ambiental da cidade visa colaborar com a coletividade local ao

evidenciar e qualificar áreas públicas, que dentre muitos usos de cunho ecológico, podem

ainda desempenhar funções de lazer e prática de atividade física para a população. Esta

visão ecológica e sustentável de mundo é recente, e cada vez mais impõe suas

necessidades e urgência de ação por parte da sociedade. Foi implantada no pós-segunda

Guerra Mundial, quando a percepção de que a crise ambiental tinha tomado dimensões

planetárias que seriam dificilmente sanadas se não observadas em escala urbana: a cidade

como um ecossistema antrópico capaz de sufocar outros ecossistemas (estes naturais),

responsáveis pela manutenção de ciclos biogeoquímicos e outros serviços ecossistêmicos

fundamentais para a salubridade e qualidade de vida da comunidade biológica da qual

fazem parte os seres humanos. A busca de um novo paradigma de ocupação urbana em

áreas do território com fragilidades, com especial destaque para as áreas de várzea e seu

ecossistema adjacente deve vir acompanhada de um estudo sistêmico de amparo ecológico,

urbanístico, técnico arquitetônico e legal; no qual todos os elementos, inclusive a natureza e

a sociedade humana, interagem numa grande e complexa teia de relações, em que

associações de mútuo benefício devem dirigir todo o processo de planejamento,

implantação e gestão das áreas ocupadas (e a serem ocupadas) e dos elementos que a

compõem.

Método

A busca orientada por informação teórica de cunho técnico, sociológico e ambiental, capaz

de garantir uma sólida base de conhecimento integrado, constituiu a primeira etapa de

trabalho dentro da organização desta pesquisa. Em seguida foi realizado um Estudo de

Caso, com visita a campo, coleta de dados em campo e em órgão público e entrevista. O

subseqüente processo de aplicação do conhecimento adquirido no primeiro momento da

pesquisa nesta segunda etapa resultou na amarração final do trabalho, em que se

apresentam diagnósticos, análises e conclusões.

O trabalho prático, traduzido pelo Estudo de Caso, se desenvolveu a partir de uma

abordagem qualitativa, expressa principalmente em levantamentos fotográficos e

observações em campo. A União de Vila Nova Pantanal (ou Jardim Helena) foi o bairro

escolhido para exemplificar um caso de ocupação inadequada de área de várzea,

claramente exemplificado por meio dos danos catastróficos que sofreu com as fortes chuvas

de verão. Diversas visitas a campo revelaram nitidamente a situação precária e irregular

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com que se deram estas ocupações e a resposta infalível da natureza, com conseqüências

desastrosas sobre as estruturas e a população ali residente. Em visita à subprefeitura de

São Miguel Paulista, na zona leste da cidade, foram recolhidos dados preciosos sobre a

população, o histórico de ocupação, a regularidade dos lotes, os planos e projetos para a

área, dentre outros.

Resultados e discussão

A partir do interesse despertado graças à veiculação de um grande volume de notícias a

respeito das recentes enchentes de verão e do caos por elas gerado na região do Jardim

Helena, optou-se por realizar um estudo de caso na região, caracterizada pela significativa e

inadequada ocupação sobre a APA do Rio Tietê.

O bairro escolhido foi a União de Vila Nova Pantanal, localizado na região leste de São

Paulo e sobre área de Parque, que constitui um típico exemplo de ocupação urbana

inadequada em área inundável, de várzea, em uma tipologia predominantemente de favela.

Enchentes ali são recorrentes, sendo válido ressaltar o conjunto de inundações catastróficas

que abateu a região no início deste ano de 2010. Em áreas ribeirinhas como o Jardim

Pantanal, há, no período de baixas enchentes, uma tendência forte de ocupação urbana,

que acaba por sofrer posteriormente com as alterações no ciclo de cheias: o rio volta

naturalmente a acomodar suas águas no seu leito maior, onde foi feita a urbanização

indevida. A urbanização inadequada ali é também fruto da segregação social sofrida por

populações com dificuldades econômicas, que são forçadas a habitar estas áreas de risco,

pertencentes ao público e desprezadas pelo poder privado (MARTINS, 2006).

Figura 9: Mapa de localização – União de Vila Nova Pantanal. Fonte: Google Maps.

Figura 10: Foto aérea – União de Vila Nova Pantanal. Fonte: Google Maps.

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Em entrevista dirigida ao funcionário responsável pela Coordenadoria de Planejamento

Urbano da Subprefeitura de São Miguel Paulista, Sr. Carlos Seixas, algumas questões

quanto à regularidade da ocupação da área de várzea em que se insere a União de Vila

Nova Pantanal, assim como aspectos sociais, técnicos e ambientais da ocupação foram

discutidas e questionadas.

Figura 11: Destruição causada por enchentes – U.D.V. Pantanal. Fonte: arquivo pessoal.

Figura 12: Pilha de lixo – U.V.N. Pantanal. Fonte: arquivo pessoal.

Em termos da inserção de grande parte da região de São Miguel Paulista em território frágil,

e seu processo de ocupação, foi pontuado que o Jardim Helena, distrito onde se encontra o

Jardim Pantanal, encontra-se fisicamente isolado dos demais por grandes obstáculos: o

norte está o Rio Tietê, ao sul a estrada de ferro da CPTM, a leste o Córrego Três Pontes e a

oeste o Rio Tietê aproxima-se muito da estrada de ferro, tornando difícil o acesso. É por

esse motivo que o Jardim Helena é o distrito onde houve menor desenvolvimento urbano e

econômico: os terrenos tinham portanto preço mais baixo, o que atraiu população de menor

renda. Até o governo da prefeita Luiza Erundina (1989-1992) as ocupações eram discretas,

mas, a partir daí, os movimentos organizados de ocupação ganharam força e pressionaram

as invasões de áreas particulares e da APA em direção ao Rio Tietê. A partir de 2002 as

invasões se intensificaram e, com o apoio dos movimentos organizados, caçambeiros e do

crime organizado, verificou-se o aumento do aterro da várzea e de novas construções.

Estima-se que, atualmente, a área de parcelamento irregular do solo e ocupação no Jardim

Helena seja de 2.000.000 m².

Em 2005 a Subprefeitura São Miguel foi obrigada a se socorrer da ajuda do Ministério

Público e da Justiça a fim de conseguir liminar para a desocupação de grande área que

estava sendo ocupada. A operação de retirada dos invasores contou com o auxílio da

Polícia Militar e foi um sucesso, mas a pressão de ocupação continuou nas áreas próximas.

A ocupação da União de Vila Nova Pantanal, é hoje objeto de urbanização pelo CDHU. A

APA da área de São Miguel é particular, ou seja, embora o Estado tenha declarado a área

como sendo de proteção ambiental, não efetuou a desapropriação. A maioria dos

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proprietários regulares abandonou seus terrenos, devido às sérias restrições à utilização das

áreas. Apenas a fiscalização era incapaz de impedir a forte pressão de invasão face aos

ingredientes supra citados. Foi por este motivo que, a partir de 2008, começou operar na

área do Jardim Helena a Operação Defesa das Águas, um grupo composto por diversos

órgãos municipais e estaduais com o objetivo principal de impedir o despejo de entulhos,

aterro e ocupação da APA. Através de convênio do Estado com a Prefeitura de São Paulo, o

DAEE elaborou o Projeto Parque Várzeas do Tietê, lançado com o objetivo de impedir o

aumento das ocupações e retomar as áreas mais vulneráveis da várzea, dada a cota

altimétrica predominantemente baixa do bairro e sua localização sobre uma área de

preservação.

Figura 13: Sobreposição do bairro de União Vila Nova à área de parque (APA)

Fonte:http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/infocidade/mapas_subs/27_mapa_base_2008_6.pdf

O parque linear Jacu, localizado em União de Vila Nova, foi implantado como compensação

ambiental de outra obra pública e foi incorporado ao Parque Várzeas do Tietê. Após as

inundações ocorridas no Jardim Helena a partir de dezembro de 2009 a março de 2010, já

foram demolidas mais de 1.200 edificações nas áreas de ocupação e o DAEE está

estudando a alteração dos limites do parque inicialmente idealizado. A implantação do

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parque já está ocorrendo com a construção do dique no Jardim Romano. Com a

implantação do dique continuarão as remoções. Em decorrência das inundações ocorridas

no final de 2009 e início de 2010, o prefeito de São Paulo declarou de utilidade pública áreas

para implantação de habitação de interesse social. No entanto, não existem áreas no Jardim

Helena com porte para construção de conjuntos habitacionais, uma vez que boa parte do

distrito está inserido na APA.

Figura 14: Futuro parque Linear Jacu – Jd. Pantanal. Fonte: arquivo pessoal

Finalmente, tratou-se do papel da várzea na acomodação das cheias naturais e levantou-se

a questão da ocupação antrópica destas áreas com a urbanização, em União de Vila Nova e

em diversas outras áreas da cidade. O entrevistado destacou que a ocupação desordenada

da várzea do Tietê poderia ter sido evitada se o Governo do Estado tivesse desapropriado

toda a área que inicialmente estava prevista para a implantação do Parque Ecológico do

Tietê e que incluía a parte da APA existente no Distrito do Jardim Helena. Seixas citou

também o atraso para a implantação da Operação Defesa das Águas, que poderia, se não

evitar, diminuir muito a ocupação. A proposta agora é remanejar a área prevista pelo Projeto

Parque Várzeas do Tietê e pela implantação dos planos de urbanização das ZEIS, de modo

a reduzir as ocupações de potencial degradante e evitar que novas ocupações perturbem

ainda mais o regime de funcionamento do rio e sua várzea.

A observação cuidadosa da situação enfrentada hoje pelo bairro de União de Vila Nova

Pantanal e muitos outros, que insistiram, ainda que muitas vezes por falta de opção, por

ocupar áreas de várzea, permite depreender que os benefícios desta ocupação são

absurdamente inferiores aos seus custos, que transcendem a esfera das perdas materiais e

humanas e tem influência marcante e decisiva sobre toda a dinâmica urbana.

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A ocupação antrópica de regiões de fundos de vale deve seguir alguns critérios ambientais

de modo a se estabelecer usos e densidades coerentes com a fragilidade natural típica

destas áreas. Sazonalidade e freqüência das inundações devem também ser consideradas,

assim como a ocorrência de um lençol freático raso. A preservação da vegetação ao longo

das margens do rio é também de fundamental importância porque, ainda que seja

constituída de espécies rasteiras, têm papel fundamental no ecossistema da várzea, já que

promove o fenômeno da interceptação, através do qual a vegetação recolhe parte da chuva

antes da mesma atingir o solo, que pode evaporar a partir das superfícies dos vegetais; a

minimização das enchentes à jusante através da fricção, efeito esponja e elevadas taxas de

evapotranspiração; o controle do assoreamento por reter sedimentos, tornando o

ecossistema da várzea uma fonte de matéria orgânica para peixes e demais organismos

fluviais e um habitat para espécies significativas (STUERMER, 2008).

A gama de soluções estruturais atualmente muito utilizadas no trato da drenagem urbana

são sob muitos aspectos desfavoráveis e definitivamente incapazes de desempenhar o

papel da várzea, além de dispensarem manutenção periódica, difícil e cara.

Figura 15: Campinho de

futebol e praça – UVNP.

Fonte: arquivo pessoall

Figura 16: Canais com fluxo de alta densidade povoados por

vegetação resistente à poluição e com capacidade limpante, junto à

praça: exemplo de solução estrutural – Jd. Pantanal. Fonte: arquivo

pessoal

Caso se insista na utilização destas soluções (construção de diques e canais para a

acomodação das águas excedentes, por exemplo), deve-se utilizar modelos e dimensões

diversas, capazes de permitir a criação de novas funções. Expandir o canal em um ritmo

alternativo, escolher vegetação e o mobiliário urbano adequado, criando represas, tanques

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de retenção, pequenos parques, áreas de vegetação e canais com fluxo de alta densidade

pode ser boas alternativas (vide figs. 15, 16 e17).

Figura 17: Espaço público + absorção do impacto causado pelas águas de tempestade. Espaço urbano onde convivem pequenos parques de uso comunitário e estruturas drenantes representadas pelos canais com fluxo

de alta densidade. Corte perspectivado. Fonte: arquivo pessoal

Os sistemas viários podem também contar com sistemas de canalização e coleta de água.

Um canal aberto age para coletar e filtrar água servida. Uma tela de vegetação funciona

como barreira visual. Tal sistema é mais fácil de manter do que um tubo subterrâneo, além

de ter maior capacidade e atuar como um elemento urbano. Lajes, por exemplo, são pouco

utilizadas e podem ser transformadas em telhados verdes, que absorvam água,

minimizando enchentes e trazendo conforto térmico para a edificação. Rotas de cultivos

urbanos podem ser implantadas no topo da moradia, despertando o interesse da população

para uma atividade de lazer, preservação sustentável do espaço e subsistência.

Figura 18: Canal de coleta de água paralelo a via. Mini parque linear. Fonte: SEHAB,2008.

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Conclusão

A partir do conhecimento adquirido durante o período de revisão bibliográfica e através das

visitas, da entrevista e de pesquisa em sites de órgãos públicos, pode-se depreender que há

em São Paulo uma tendência repetitiva quanto ao sistema de liberação das várzeas de

inundação para usos urbanos. Seja com o intuito de sanear, seja para oferecer moradia e

serviços próximos ao centro da cidade ou para acomodar a população de baixa renda,

forçada pelas garras da segregação social a residir em áreas de risco, o padrão se repete e,

como num sistema simples de ação e reação, as conseqüências trágicas desta incoerência

são cansativamente reproduzidas, gerando danos que permanecem como cicatrizes

dolorosas na vida da cidade.

O presente trabalho tinha como objetivo principal estudar as fragilidades das áreas de

várzea e rever o processo de ocupação das mesmas, pontuado por diversos conflitos

ambientais. Concluída esta etapa, pretendia-se analisar soluções e ferramentas existentes

para a ocupação destas áreas, através de um estudo de caso paulistano, o que foi feito com

a União de Vila Nova Pantanal, de modo a contribuir com a configuração da sustentabilidade

urbana, mesmo que de forma parcial.

A incorporação do urbanismo sustentável deve se tornar a concepção orientadora do

planejamento das cidades, pois prevê as fragilidades e vocações do território para novas

ocupações e tenta restaurar as áreas de risco ocupadas, tomando o devido cuidado de não

se deixar levar pela idéia simplista de restauro da forma original da paisagem, antes da

existência da cidade, mas sim se adequando e conformando a ela.

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