tabu da filosofia

7

Click here to load reader

Upload: renato-noguera

Post on 02-Jun-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Tabu Da Filosofia

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 17

ETAPA IV

APOIO AO PROFESSOR

I M A G E M S H U T T E R S T O C K

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 27

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 45

O Tabu da Filosofia

Seraacute que natildeo passa de

um dogma essa ideiade que a Filosofianasceu na Greacutecia Eacutemuito suspeita a recusade muitos filoacutesofos efiloacutesofas em enfrentaresta interrogaccedilatildeo

que se soma ao brutaldesconhecimento dostextos egiacutepcios ndash bemanteriores aos gregosndash que tinham comoobjetivo explicar a artede talhar palavras atraveacutes

da medida da verdade

Nos livros didaacuteticos de Filosofia o que

existe de mais comum eacute dizer que opensamento filosoacutefico surgiu na Greacuteciapor volta do seacutec V antes da Era Co-

mum Danilo Marcondes autor de um dos mais ce-lebrados livros de introduccedilatildeo agrave Filosofia diz que umldquodos modos talvez mais simples e menos polecircmicosde se caracterizar a Filosofia eacute atraveacutes de sua Histoacute-ria forma de pensamento que nasce na Greacutecia antigapor volta do seacutec VI aCrdquo Marilena Chauiacute recusa atese do ldquomilagre gregordquo e faz coro com a tradiccedilatildeo aFilosofia nasceu na Greacutecia Um dos livros didaacuteticos

de Filosofia selecionados pelo Programa Nacionaldo Livro Didaacutetico (PNLD) diz ldquoA Filosofia nasceuna Greacutecia haacute mais de 25 seacuteculos e constitui o pontode partida do que se chama pensamento ocidentalrdquoSilvio Gallo provavelmente o autor de um dos tra-balhos merecidamente mais elogiados no campodidaacutetico partilha da opiniatildeo de Marcondes e Chauiacutedizendo que na ldquoGreacutecia antiga em meio agrave intensa

vida cultural poliacutetica e comercial das polis nasce aFilosofia uma forma de pensar conceitualmente omundo e responder a problemasrdquo

R983141983150983137983156983151 N983151983143983157983141983154983137 983273

983152983154983151983142983141983155983155983151983154 983140983151 P983154983151983143983154983137983149983137

983140983141 P983283983155-G983154983137983140983157983137983271983267983151

983141983149 F983145983148983151983155983151983142983145983137 983141 983140983151

D983141983152983137983154983156983137983149983141983150983156983151 983140983141

E983140983157983139983137983271983267983151 983141 S983151983139983145983141983140983137983140983141

983140983137 UFRRJ D983151983157983156983151983154 983141983149

F983145983148983151983155983151983142983145983137 983152983141983148983137 UFRJ

983154983141983155983152983151983150983155983265983158983141983148 983152983141983148983151

G983154983157983152983151 983140983141 P983141983155983153983157983145983155983137

A983142983154983151983152983141983154983155983152983141983139983156983145983158983137983155

S983137983138983141983154983141983155 983141 I983150983156983141983154983155983141983271983285983141983155

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 37

46 bull ciecircnciaampvida

a cumplicidade com a Cartografia impe-rial e com o projeto de colonizaccedilatildeo postoem curso pelo Ocidente Maldonado--orres identifica na leitura do filoacutesofoFrantz Fanon (1925-1961) uma das maiscontundentes criacuteticas agrave mentalidade ra-

cista e colonial que demarca a formaccedilatildeoda maioria das pessoas que se dedicam agraveFilosofia no Ocidente Noacutes estamos deacordo com Maldonado-orres eacute muitosintomaacutetico que a ldquoFilosofiardquo se recusea examinar a interferecircncia do espaccedilo naproduccedilatildeo de conhecimento e o esque-cimento da espacialidade e das disputasgeopoliacuteticas apenas reiteram e reforccedilama Europa como lugar epistecircmico privile-giado Ou seja a Europa e por tabelaa cultura ocidental eacute a referecircncia funda-mental para a produccedilatildeo de conhecimen-to filosoacutefico O racismo eacute um elementoimportante nesse processo De modogeral se por racismo se pode entenderum conjunto de praacuteticas dispositivosideologias que supotildee que a divisatildeo dahumanidade em grupos eacutetnico-raciaisdistintos envolve a desqualificaccedilatildeo dealguns diante de outros os campos de

negaccedilatildeo satildeo variados e recobrem asmais variadas dimensotildees Por exemplose o racismo aos negros em seu aspec-to esteacutetico recusa o glamour e a beleza

de negras e de negros como boas perso-nagens de campanhas publicitaacuterias para

vender perfume margarina carros ebrinquedos o racismo epistecircmico recusaa validade cientiacutefica filosoacutefica e culturaldos discursos de alguns grupos eacutetnico--raciais Ora essa dimensatildeo do racismo

que atravessa a produccedilatildeo filosoacutefica e atese de negaccedilatildeo dos textos da Antigui-dade que natildeo sejam gregos tais como ostextos astecas maias chineses indianose africanos dentre outros eacute denominadaldquoracismo epistecircmicordquo Essa eacute a dimen-satildeo do racismo que recusa a validadeepistemoloacutegica e intelectual do conhe-cimento produzido por alguns povosa saber os natildeo brancos os natildeo ociden-tais Isso estaacute de acordo com aquilo que I M

A G E M S H U T T E R S T O C K

SE AS PESQUISAS FILOSOacuteFICAS DEVEM REUNIR CRIacuteTICA REFLEXAtildeO ARGUMENTACcedilAtildeO E RIGOR COM CONCEITOS ESOBRETUDO PERGUNTAR SEM PUDOR ALGUM PELA

CONSISTEcircNCIA DAS IDEIASPOR QUE NAtildeO DEVERIacuteAMOS INDAGAR SOBRE A ORIGEM GREGA DA FILOSOFIA

caracteriacutestica que natildeo eacute rara da proacutepriaFilosofia Ora se para muita gente quese debruccedila sobre as pesquisas filosoacuteficasnatildeo devemos deixar de reunir criacuteticareflexatildeo argumentaccedilatildeo cuidado e rigorcom conceitos e sobretudo problema-

tizar perguntar sem pudor algum pelaconsistecircncia das ideias por que natildeo de-

veriacuteamos indagar sobre a maternidade e paternidade gregas da Filosofia Poisbem defendemos a hipoacutetese de que setrata de um tabu Ou melhor do maiortabu da Filosofia isto eacute uma proibiccedilatildeouma interdiccedilatildeo que natildeo tem bases bemfundamentadas Afinal um elenco deautoras e autores da Filosofia Histoacuteriae Egiptologia tem apresentado vigorosostrabalhos que atestam justamente que adefesa do berccedilo grego da Filosofia soacute se

justificaria pelo desconhecimento dostextos egiacutepcios anteriores aos gregos

Eacute importante dizer que na atualida-de as diversas maneiras de fazer Filoso-fia natildeo deixam duacutevida do caraacuteter polissecirc-mico do termo Mas sem duacutevida tudoleva a crer que mesmo que filoacutesofas(os)pragmatistas discordem muito de

filoacutesofas(os) continentais que tratamdas mesmas questotildees por vias distintase caminhos especulativos nos dois ca-sos a Filosofia ainda eacute entendida comoatividade exerciacutecio aventura do espiacuteritohumano ou protocolos intelectuais quetecircm origem grega O filoacutesofo porto-ri-quenho Nelson Maldonado-orres nosajuda a entender essa posiccedilatildeo atraveacutes deuma leitura geopoliacutetica em que denuncia

Ptah-Hotep 1ordm vizir do penuacuteltimo Faraoacute Djed-Ka-Raacute Iseacutesi da 5ordfDinastia do Reino Antigo do Alto e Baixo Egito (Kmt ) deixou seusEnsinamentos no Papiro Prisse (Biblioteca Nacional de Paris 183-194)Dizia-se que se ocupava da arte a qual nenhum artista chega agrave destreza perfeita redigindo um conjunto de teacutecnicas de argumentaccedilatildeo diantedos que tecircm uma balanccedila ndash capacidade de medir a verdade ndash tanto supe-rior como igual ou inferior

VERDADE APENAS UMA ILUSAtildeO

Para a maioria das filoacutesofas e dosfiloacutesofos da atualidade a Filosofia natildeo

eacute considerada uma milagrosa invenccedilatildeogrega mas natildeo deixa de ser o resultadode condiccedilotildees histoacutericas sociais e po-liacuteticas exclusivas da Greacutecia antiga AFilosofia teria berccedilo e progenitor gre-go fazendo de sua certidatildeo um ldquodocu-mentordquo grego Pois bem eacute em relaccedilatildeo aessas convergecircncias entre as mais diver-sas formas de fazer e conceber Filosofiaque consideramos pertinente trazer uma

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 47

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 47

o filoacutesofo ganense Kwame Appiah dizldquolsquoFilosofiarsquo eacute o roacutetulo de maior status nohumanismo ocidental Pretender-se comdireito agrave Filosofia eacute reivindicar o que haacutede mais importante mais difiacutecil e maisfundamental na tradiccedilatildeo do OcidenterdquoOra o Ocidente teria a Filosofia comoalgo que o distingue fundamentalmen-te e decisivamente do resto do mundoA Filosofia eacute tomada seja diretamente

explicitamente ou de modo taacutecito sejacomo atividade acadecircmica aventura doespiacuterito exerciacutecio intelectual anaacutelise criacute-tica da Linguagem reflexatildeo sistemaacutetica

visatildeo de mundo produtora de conceitosrigorosos ou modo de problematizar arealidade mais elaborado sofisticadoda humanidade digno dos povos maisldquocivilizadosrdquo Existe um pressuposto em-butido a dominaccedilatildeo poliacutetica econocircmicae social que o Ocidente empreendeu por

meio da invasatildeo colonizaccedilatildeo trocas assi-meacutetricas e assujeitamento dos povos afri-canos ameriacutendios asiaacuteticos e da Oceania

vem sempre articulada com a dominaccedilatildeointelectual com o estabelecimento decacircnones acadecircmicos ocidentais e com arecusa da validade epistecircmica dos povosldquocolonizadosrdquo Por isso a tese de que aFilosofia ndash essa aacuterea tatildeo sofisticada quefunciona como signo do refinamento esuprassumo do humanismo ocidental ndash

poderia ter uma origem fora da Greacutecia eacutetatildeo rechaccedilada O que tambeacutem eacute motivopara reunir as mais diferentes escolas li-nhas e perspectivas (ocidentais) da Filo-sofia numa alianccedila programaacutetica contraa emergecircncia de outras vozes filosoacuteficas

vozes que dizem que a Filosofia natildeo eacuteexclusiva do Ocidente A coalizaccedilatildeo oci-dental usa o epistemiciacutedio isto eacute o assas-sinato das formas de conhecer pensar eagir de outros povos ou ainda a recusasistemaacutetica da validade dos argumentosmesmo que esses sejam consistentes emfavor da blindagem de uma perspectivaintelectual Afinal existe uma contradi-ccedilatildeo no discurso padratildeo da origem gregada Filosofia Como a emergecircncia local searticula com o caraacuteter universal Ora se

diz que a Filosofia nasceu numa regiatildeodo mundo produto de um povo de umacultura e de uma sociedade ainda quesob influecircncia de outras culturas Masressaltando que esse saber trata de ques-totildees universais o mais interessante eacute quea Filosofia seria um caso uacutenico isoladoPor exemplo ningueacutem diria que a Muacute-sica foi inventada por um determinadopovo num determinado momento daHistoacuteria da humanidade No entanto

faz sentido afirmar que o samba nasceuno Brasil e que o primeiro registro do es-tilo foi gravado no iniacutecio do seacuteculo XXOu que a muacutesica de concerto era o gecircne-ro popular da Europa dos seacuteculos XVIIao XIX O problema poreacutem estaacute emconfundir uma maneira de fazer Filoso-fia com todas as possibilidades de exerciacute-cio filosoacutefico A hipoacutetese mais plausiacutevel eacuteque a Filosofia grega na Antiguidade foiuma das formas dentre outras de filoso-

far Um das chaves para essa leitura estaacutena assunccedilatildeo de um modelo explicativoda Histoacuteria da humanidade na Antigui-dade A pluriversalidade eacute um modeloque reconhece a Filosofia como a mul-tiplicidade das Filosofias particulares(em vez de eleger um modelo particularcomo o representante do universal) Afi-nal se a Muacutesica eacute a multiplicidades desons locais de gecircneros subgecircneros rit-mos e estilos que natildeo tecircm uma origemespeciacutefica um local privilegiado porque a Filosofia deveria ter Natildeo seria ocaso de considerarmos que existem ele-mentos geopoliacuteticos que atravessam econstituem os discursos filosoacuteficos eque pretendem manter e reforccedilar umaposiccedilatildeo conservadora Uma postura que

assentada num modelo explicativo aria-no reforccedila o epistemiciacutedio e pretende sus-tentar uma suposta neutralidade que soacutecorrobora para manter o status quo de quena Antiguidade soacute os gregos eram ldquoca-pazesrdquo de fazer Filosofia Ora por vezesos defensores dessa posiccedilatildeo comungamcom uma ingenuidade que isso natildeo temnenhuma consequecircncia negativa alvezseja o caso de tomarmos um primeiropasso enfrentar esse tabu e procurar os

argumentos que nos dizem que a Filoso-fia natildeo nasceu na Greacutecia

CONFRONTODE MODELOS

As narrativas do modelo ariano en-sejaram distorccedilotildees sobre o Egito enalte-cendo a Greacutecia num discurso dogmaacuteti-co numa postura preconceituosa proacutepriada helenofilia sistemaacutetica que tomou boaparte do mundo acadecircmico europeu no

O RACISMO EPISTEcircMICO RECUSA A VALIDADE CIENTIacuteFICA FILOSOacuteFICA E CULTURAL DO CONHECIMENTO PRODUZIDO

POR

ALGUNS

POVOS

A

SABER

OS NAtildeO BRANCOS OS NAtildeO OCIDENTAIS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 57

48 bull ciecircnciaampvida

I M A G E M S H U T T E R S T O C K

piracircmides e aquedutos embalsamarcorpos represar rios criar sistemas so-fisticados de cultivo e agricultura Oraao tratar de Filosofia natildeo poderiacuteamosesperar algo diferente do que a recusaem validar os discursos que dissessemo contraacuterio de modo que parte da fic-ccedilatildeo literaacuteria ocidental dos seacuteculos XIXe XX perguntava se os responsaacuteveis pelodesenvolvimento intelectual cultural ecientiacutefico dos antigos egiacutepcios natildeo teriasido obra de extraterrestres Ora eacute domesmo naipe a definiccedilatildeo do Egito comouma sociedade asiaacutetica por alguns auto-res Sem duacutevida o Egito fica na Aacutefricae aleacutem das informaccedilotildees disponiacuteveis osdados incontestes recolhidos por CheikhAnta Diop (1923-1986) diante dos testes

de melanina feitos em muacutemias pelo fiacutesi-co e historiador senegalecircs natildeo deixammargem para contradiccedilatildeo os egiacutepcioseram negros Em poucas palavras existeum papel nesse aparente ldquoesquecimentordquode que os egiacutepcios eram negros respon-saacuteveis por escolas de Filosofia e autoresconsagrados na Antiguidade que ensi-

naram e foram lidos pelos gregos Ora oque estaacute em jogo eacute a autoridade ocidentalpor classificar alguns discursos comofilosoacuteficos e outros como ldquopensamentordquouma perspectiva poliacutetica de valorizaccedilatildeodos gregos na Antiguidade dando su-

premacia ao Ocidente Existem contra--argumentos que defendem que a Fi-losofia natildeo precisa ser tatildeo valorizada eque natildeo deveriacuteamos nos preocupar emenquadrar um pensamento africano ouasiaacutetico em seu modelo ocidental Orapor que natildeo perguntamos quem auto-rizou o Ocidente a ser a ldquoreacuteguardquo da Fi-losofia Isso natildeo seria resultado de umadisputa geopoliacutetica como nos ensinamFanon e Maldonado-orres Afinal namaior parte das instituiccedilotildees universitaacute-rias e de pesquisa do Brasil e do mundoa aacuterea de Filosofia agrega e reuacutene incen-tivos investimentos reconhecimentopuacuteblico mas a aacuterea ldquoPensamentordquo per-manece livre e fora da disputa dos recur-sos e reconhecimento social A perguntaeacute simples a recusa do caraacuteter filosoacuteficoao pensamento africano assim como atantos outros natildeo faz parte de um pro-

jeto geopoliacutetico de manutenccedilatildeo do statusquo Esse projeto eacute tatildeo bem articuladoque filoacutesofos que discordam em quasetudo convergem quando se trata da pri-mazia grega

Cheikh Diop fez um belo e contun-dente trabalho contra essa perspectivaE ele foi um intelectual africano nasci-do no Senegal que desenvolveu longa-mente a tese de que a Aacutefrica especifi-camente o Egito eacute o berccedilo civilizatoacuterio

da humanidade Na esteira de Diop obritacircnico Martin Bernal (1937-2013)observou que dois modelos explicativosdistintos entraram em conflito e noseacuteculo XIX o modelo ariano se tornoumais influente do que o modelo antigonos meios acadecircmicos ocidentais o quecausou o silenciamento do Egito comocivilizaccedilatildeo que influenciou profunda-mente o mundo helecircnico celebrando aGreacutecia como ldquopurardquo ldquooriginalrdquo e ldquoinven-

seacuteculo XIX Ora diversas vezes o Egi-to antigo aparece imerso em clichecircs osfilmes hollywoodianos trazem muacutemiasfazendo o papel de ldquovilatildesrdquo sendo com-batidas por ldquoheroacuteisrdquo europeus e estadu-nidenses ldquodesvendandordquo os misteacuteriosque devem ser legados para a ldquohumani-daderdquo e que por razotildees desconhecidasestatildeo nas matildeos dos malvados mortos--vivos egiacutepcios Nossa leitura soacute podeestar na contramatildeo dessas imagens queem nada ajudam a elucidar ou ampliarnossa compreensatildeo sobre o Egito prin-cipalmente se quisermos sustentar nossahipoacutetese de que os textos egiacutepcios ante-riores aos gregos jaacute eram filosoacuteficos alcomo nos dizem Cheikh Diop George

James Molefi Asante Maulana Karen-

ga Martin Bernal Teacuteophile ObengaMarimba Ani Nkolo Foeacute MogobeRamose e Joseacute Nunes Carreira o racis-mo contra os negros que questionava osavanccedilos teacutecnicos filosoacuteficos cientiacuteficose culturais do Egito faraocircnico deu ori-gem a discursos que desacreditavam acapacidade dos egiacutepcios de construir

Frantz Fanon (1925-1961) era meacutedico psiquiatra Obteve soacutelidaformaccedilatildeo filosoacutefica e sua tese Pele negra maacutescaras brancas embo-ra tenha virado livro foi recusada pelo mundo acadecircmico Jean-PaulSartre (1905-1980) prefaciou o trabalho e ficou impressionado com ainteligecircncia filosoacutefica de Fanon O martinicano faleceu jovem aos 36anos deixando tambeacutem Os condenados da terra e Sociologia da revoluccedilatildeo

africanaImagens

UMA VIacuteTIMA DOSDOGMAS FILOSOacuteFICOS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 67

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 49

torardquo da Filosofia Mas o modelo antigoreconhece que os gregos natildeo foram osprimeiros Na interpretaccedilatildeo de JamesDiop Asante e Obenga os primeirostextos de Filosofia eram egiacutepcios

Uma constataccedilatildeo importante eacute que

existem pesquisas consistentes que lan-ccedilam muita luz a respeito do assuntoMas os cursos de Filosofia a notar pelosartigos livros monografias disserta-ccedilotildees e teses raramente citam ou se dedi-cam a comentar as teses que apontam osegiacutepcios como autores de textos filosoacutefi-cos que temos registros Em 1954 o ca-ribenho George James publicou o livroStolen Legacy Greek Philosophy Is a Stolen

Egyptian Philosophy [O legado roubadoa Filosofia grega eacute o roubo da Filosofiaegiacutepcia] Mais do que uma provocaccedilatildeo otrabalho ainda sem traduccedilatildeo para a liacuten-gua portuguesa empreende um estudocomparativo que identifica semelhanccedilasentre textos egiacutepcios e gregos Um de-talhe relevante que foi muito bem do-cumentado por Teacuteophile Obenga umdos maiores expoentes contemporacircneosda escola de Egiptologia contemporacirc-

nea inaugurada por Cheik Anta Diopna obra La philosophie africaine de la peacute-

riode pharaonique (2780-330 a C) [AFilosofia africana do periacuteodo faraocircnico(2780-330 aC)] satildeo as datas dos textosObenga nos brinda com material escritoem hieroacuteglifos ou mdt nfr (medet nefer)ndash a liacutengua do Egito antigo ndash bem ante-riores aos textos gregos Ora se algunsdos trabalhos gregos tais como os dePlatatildeo e Aristoacuteteles datam do seacuteculo V

aC osmateriais egiacutepcios de Imhotepdatam de por volta do XXVII a C eos de Ptah-Hotep de XXV aC Ge-orge James por sua vez traz elementoshistoacutericos como a viagem de Pitaacutegoras(570 aC-495 aC) de Samos ao Egitopara estudar na escola de formaccedilatildeo deescribas Ora foi Pitaacutegoras o primeirogrego a empregar o termo ldquoFilosofiardquoObenga sustenta que no Egito jaacute existialdquorekhet rdquo ldquoA palavra rekh (escrita com um

hieroacuteglifo de um homem sentado) sig-nifica lsquohomem saacutebiorsquo isto eacute um homemque permanece aprendendo um erudi-to um filoacutesofo Com efeito o conceitorekhet (escrito com hieroacuteglifos de no-ccedilotildees abstratas) significa lsquoconhecimentorsquolsquoCiecircnciarsquo no sentido de lsquoFilosofiarsquo Ouseja perguntar pela natureza das coisas(khet ) baseado no conhecimento acura-do (rekhet ) e bom (nefer ) discernimento(upi ) A palavra lsquoupi rsquo significa lsquojulgarrsquolsquodiscernirrsquo lsquodissecarrsquo A palavra cognatalsquoupet rsquo significa lsquoespecificaccedilatildeorsquo lsquojulga-mentorsquo e lsquoupsetrsquo quer dizer lsquoespeciacuteficorsquoisto eacute dar os detalhes de algordquo1

Pois bem o modelo antigo de ex-

plicaccedilatildeo da Histoacuteria reconhece esseselementos Mas o modelo ariano quepassou a ganhar mais forccedila a partir doseacuteculo XVIII calou o debate em torno daproduccedilatildeo filosoacutefica egiacutepcia O britacircnicoMartin Bernal escreveu Black Athenas

the Afroasiatic Roots of Classical Civiliza-

tion [Atenas negra as raiacutezes afro-asiaacuteti-cas da civilizaccedilatildeo claacutessica] confrontandoo modelo ariano e revisitando o modeloantigo sustentando que o intercacircmbio

entre os povos que viviam na regiatildeomediterracircnea sempre foi muito intensoe que os continentes africano asiaacutetico eeuropeu sempre trocaram informaccedilotildeesmas para muitos a anterioridade egiacutepciaeacute inegaacutevel A ldquoorigem e o berccedilo da hu-manidade assim como a emergecircncia dacivilizaccedilatildeo do mundo devem ser procu-rados em Aacutefrica O Egito eacute a matildee da ci-

1 OBENGA 2004

vilizaccedilatildeo mundial A civilizaccedilatildeo egiacutepciaeacute especificamente negra Ela evoluiu efloresceu de tal forma que se tornou re-conheciacutevel como a base do humanismode toda Aacutefrica Por conseguinte a Aacutefri-ca natildeo eacute soacute a origem da civilizaccedilatildeo comotambeacutem o berccedilo do desenvolvimento so-cial cultural cientiacutefico e poliacutetico Diopaponta como sendo caracteriacutesticas co-muns de toda Aacutefrica o matriarcado a es-piritualidade o humanismo e o pacifis-mo Estas e outras ideias estatildeo plasmadasno livro Te African Origin of Civilization [A origem africana da civilizaccedilatildeo]rdquo2 Deacordo com a tese de James a Filosofiaseria uma invenccedilatildeo egiacutepcia isto eacute africa-

na contrariando a ideia do berccedilo gregoisto eacute ocidental

EGITO OU GREacuteCIAPois bem em vez de procurarmos

uma origem para a Filosofia estamosde acordo com o raciociacutenio pluriversalproposto pelo filoacutesofo sul-africano Mo-gobe Ramose James faz um belo traba-lho por debater as influecircncias egiacutepciasentre os gregos inclusive expondo que

diversos elementos do pensamento fi-losoacutefico pitagoacuterico trazem agrave cena a for-maccedilatildeo tradicional dos escribas do Egitofaraocircnico Poreacutem existe outro aspectodo problema acerca do nascimento daFilosofia Por que apenas a Filosofiadeveria ter uma ldquonacionalidaderdquo Natildeose fala desta maneira do nascimentoda Religiatildeo ou da Arquitetura como

2 CASIANO 2010

O PROBLEMA ESTAacute EM CONFUNDIR UMA MANEIRA DE FAZER FILOSOFIA COM TODAS AS POSSIBILIDADES DE EXERCIacuteCIO FILOSOacuteFICO

DESSE

MODO

A

FILOSOFIA

GREGA NA A NTIGUIDADE FOI UMA DAS FORMAS DENTRE OUTRAS DE FILOSOFAR

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 77

50 bull ciecircnciaampvida

APPIAH Kwame Anthony Na casa de meupai a Aacutefrica na filosofia da Cultura Trad deVera Ribeiro Satildeo Paulo Editora Contraponto1997 ASANTE Molefi The Egyptian Philosophers Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten Illinois African American Images2000BERNAL Martin Black Athena the AfroasiaticRoots of Classical Civilization tomes I et IINew Brunswick Rutgers University Press1988-1991CARREIRA Joseacute Filosofia antes dos GregosMem Martins Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica1994DIOP Cheikh Anta Anteacuterioriteacute descivilisations negravegres mythe ou veacuteriteacutehistorique Paris Preacutesence Africaine 1967______________ Nations negravegres et cultureParis Preacutesence africaine 1954______________ Parenteacute geacuteneacutetique de

lrsquoeacutegyptien pharaonique et des langues neacutegro-africaines Paris IFANNEA 1977 JAMES George G M Stolen Legacy the GreekPhilosophy Is a Stolen Egyptian Philosophy Drewryville Khalifahrsquos Booksellers amp Associates June 2005OBENGA Theacuteophile Ancient Egypt and Black Africa Chicago IL Karnak House 1992_________________ldquoEgypt Ancient Historyof African Philosophyrdquo In WIREDU Kwasi Acompanion to African Philosophy OxfordBlackwell Publishing 2004 pp 31-49 ________________ La philosophie africainede la peacuteriode pharaonique (2780-330 a C)Paris LrsquoHarmattan 1990

R E F E R Ecirc N C I A S

exclusividade de certo povo Afinal eacutebem razoaacutevel dizer que todos os povosproduzem rituais religiosos ou que asconstruccedilotildees arquitetocircnicas podem usarmateriais variados Como seria susten-tar que entre egiacutepcios maias astecas egregos um povo foi o responsaacutevel pelainvenccedilatildeo da Arquitetura Ora historia-dores da aacuterea dizem que a Arquiteturateria comeccedilado quando os primeiros se-res humanos passaram a construir parase protegerem dos fenocircmenos naturaise de predadores Neste sentido a Ar-quitetura assim como a Religiosidadee a Filosofia seria pluriversal natildeo seriada mesma categoria que o telefone ou oaviatildeo ndash objetos criados inventados numdeterminado momento histoacuterico Por

isso a nossa hipoacutetese eacute de que a Filo-sofia assim como a Arquitetura terianascido em lugares diferentes quandoseres humanos de diversas regiotildees co-meccedilaram a se colocar algumas questotildeesessas questotildees natildeo seriam exclusivas degregos egiacutepcios ou chineses Por que aFilosofia teria que ser grega Um argu-mento eacute que todos os povos tecircm Pensa-mento mas a Filosofia seria um modode pensar exclusivamente grego Ora

por que soacute os gregos teriam feito Filo-sofia Neste ponto voltamos ao que foidito no iniacutecio do artigo O que estaacute em

jogo na ideia de que a Filosofia eacute de ori-gem grega eacute uma posiccedilatildeo poliacutetica umamaneira de esvaziar outras Filosofias enatildeo reconhecer a Filosofia como produ-to da multiplicidade de Filosofias locais

Vale a pena examinar outro contra--argumento a palavra ldquoFilosofiardquo eacutegrega Pois bem em egiacutepcio antigo na

escrita hierogliacutefica existem outras ver-sotildees que divergem da exclusividade dotermo Os egiacutepcios antigos usavam otermo ldquorekhrdquo para designar um ser hu-mano versado naquilo que o filoacutesofoPtah-Hotep chama de arte das artesuma arte cujos limites nunca ldquopodem seralcanccedilados e a destreza de nenhum ar-tista eacute perfeitardquo O que eacute corroborado nas

Inscriccedilotildees de Antef que expotildeem as carac-teriacutesticas de uma pessoa que eacute mais saacutebiaque o saacutebio[ porque traz de si mesma asabedoria Ora natildeo se trata de um saacutebiomas de uma pessoa que nunca chega agraveconclusatildeo daquilo que sabe e por issosabe mais que o saacutebio

A conclusatildeo parcial a que podemoschegar eacute bem simples uma resposta a

respeito da questatildeo que mobilizou ospercursos deste trabalho A Filosofianasceu no Egito ou na Greacutecia Ora natildeonasceu no Egito tampouco na Greacutecia

extos chineses indianos maias aste-cas e ameriacutendios ainda aguardam paraentrar no cenaacuterio acadecircmico A Filoso-fia eacute pluriversal e tal como a Muacutesica ea Arquitetura natildeo nasceu apenas porldquoimposiccedilotildeesrdquo espaciais geograacuteficas eidentificaccedilotildees de gecircnero sexualidade

eacutetnicas e raciais mas de elementos exis-tenciais e em certa medida inerentes agravecondiccedilatildeo humana Por isso eacute estranhodefender somente na Filosofia umaprimazia grega sem fazer disso um temapara a anaacutelise filosoacutefica com uma pos-tura inocente e ateacute ingecircnua diante dascondiccedilotildees poliacuteticas de produccedilatildeo do pen-samento Para interessadas(os) em aderirou recusar os argumentos aqui expostossugiro que os juiacutezos sejam suspensos e

fica o convite adentrar algumas leitu-ras antes de decidir aceitar ou objetar atese de que a Filosofia natildeo tem certidatildeogrega Diop James Obenga BernalAsante Ani Carrera Maldonado-or-res Fanon e sem duacutevida alguns textosegiacutepcios Fica a sugestatildeo para quem qui-ser analisar cuidadosamente e com rigora existecircncia do caraacuteter filosoacutefico dostextos egiacutepcios atraveacutes das traduccedilotildees deEmanoel Arauacutejo que estatildeo disponiacuteveisem Escritos para a eternidade a literatura

no Egito faraocircnico

POR QUE APENAS A FILOSOFIA DEVERIA TER UMA ldquoNACIONALIDADErdquo N AtildeO SE FALA DESTA MANEIRA DO NASCIMENTO DA R ELIGIAtildeO OU DA A RQUITETURA COMO EXCLUSIVIDADE DE DETERMINADO POVO

Page 2: Tabu Da Filosofia

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 27

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 45

O Tabu da Filosofia

Seraacute que natildeo passa de

um dogma essa ideiade que a Filosofianasceu na Greacutecia Eacutemuito suspeita a recusade muitos filoacutesofos efiloacutesofas em enfrentaresta interrogaccedilatildeo

que se soma ao brutaldesconhecimento dostextos egiacutepcios ndash bemanteriores aos gregosndash que tinham comoobjetivo explicar a artede talhar palavras atraveacutes

da medida da verdade

Nos livros didaacuteticos de Filosofia o que

existe de mais comum eacute dizer que opensamento filosoacutefico surgiu na Greacuteciapor volta do seacutec V antes da Era Co-

mum Danilo Marcondes autor de um dos mais ce-lebrados livros de introduccedilatildeo agrave Filosofia diz que umldquodos modos talvez mais simples e menos polecircmicosde se caracterizar a Filosofia eacute atraveacutes de sua Histoacute-ria forma de pensamento que nasce na Greacutecia antigapor volta do seacutec VI aCrdquo Marilena Chauiacute recusa atese do ldquomilagre gregordquo e faz coro com a tradiccedilatildeo aFilosofia nasceu na Greacutecia Um dos livros didaacuteticos

de Filosofia selecionados pelo Programa Nacionaldo Livro Didaacutetico (PNLD) diz ldquoA Filosofia nasceuna Greacutecia haacute mais de 25 seacuteculos e constitui o pontode partida do que se chama pensamento ocidentalrdquoSilvio Gallo provavelmente o autor de um dos tra-balhos merecidamente mais elogiados no campodidaacutetico partilha da opiniatildeo de Marcondes e Chauiacutedizendo que na ldquoGreacutecia antiga em meio agrave intensa

vida cultural poliacutetica e comercial das polis nasce aFilosofia uma forma de pensar conceitualmente omundo e responder a problemasrdquo

R983141983150983137983156983151 N983151983143983157983141983154983137 983273

983152983154983151983142983141983155983155983151983154 983140983151 P983154983151983143983154983137983149983137

983140983141 P983283983155-G983154983137983140983157983137983271983267983151

983141983149 F983145983148983151983155983151983142983145983137 983141 983140983151

D983141983152983137983154983156983137983149983141983150983156983151 983140983141

E983140983157983139983137983271983267983151 983141 S983151983139983145983141983140983137983140983141

983140983137 UFRRJ D983151983157983156983151983154 983141983149

F983145983148983151983155983151983142983145983137 983152983141983148983137 UFRJ

983154983141983155983152983151983150983155983265983158983141983148 983152983141983148983151

G983154983157983152983151 983140983141 P983141983155983153983157983145983155983137

A983142983154983151983152983141983154983155983152983141983139983156983145983158983137983155

S983137983138983141983154983141983155 983141 I983150983156983141983154983155983141983271983285983141983155

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 37

46 bull ciecircnciaampvida

a cumplicidade com a Cartografia impe-rial e com o projeto de colonizaccedilatildeo postoem curso pelo Ocidente Maldonado--orres identifica na leitura do filoacutesofoFrantz Fanon (1925-1961) uma das maiscontundentes criacuteticas agrave mentalidade ra-

cista e colonial que demarca a formaccedilatildeoda maioria das pessoas que se dedicam agraveFilosofia no Ocidente Noacutes estamos deacordo com Maldonado-orres eacute muitosintomaacutetico que a ldquoFilosofiardquo se recusea examinar a interferecircncia do espaccedilo naproduccedilatildeo de conhecimento e o esque-cimento da espacialidade e das disputasgeopoliacuteticas apenas reiteram e reforccedilama Europa como lugar epistecircmico privile-giado Ou seja a Europa e por tabelaa cultura ocidental eacute a referecircncia funda-mental para a produccedilatildeo de conhecimen-to filosoacutefico O racismo eacute um elementoimportante nesse processo De modogeral se por racismo se pode entenderum conjunto de praacuteticas dispositivosideologias que supotildee que a divisatildeo dahumanidade em grupos eacutetnico-raciaisdistintos envolve a desqualificaccedilatildeo dealguns diante de outros os campos de

negaccedilatildeo satildeo variados e recobrem asmais variadas dimensotildees Por exemplose o racismo aos negros em seu aspec-to esteacutetico recusa o glamour e a beleza

de negras e de negros como boas perso-nagens de campanhas publicitaacuterias para

vender perfume margarina carros ebrinquedos o racismo epistecircmico recusaa validade cientiacutefica filosoacutefica e culturaldos discursos de alguns grupos eacutetnico--raciais Ora essa dimensatildeo do racismo

que atravessa a produccedilatildeo filosoacutefica e atese de negaccedilatildeo dos textos da Antigui-dade que natildeo sejam gregos tais como ostextos astecas maias chineses indianose africanos dentre outros eacute denominadaldquoracismo epistecircmicordquo Essa eacute a dimen-satildeo do racismo que recusa a validadeepistemoloacutegica e intelectual do conhe-cimento produzido por alguns povosa saber os natildeo brancos os natildeo ociden-tais Isso estaacute de acordo com aquilo que I M

A G E M S H U T T E R S T O C K

SE AS PESQUISAS FILOSOacuteFICAS DEVEM REUNIR CRIacuteTICA REFLEXAtildeO ARGUMENTACcedilAtildeO E RIGOR COM CONCEITOS ESOBRETUDO PERGUNTAR SEM PUDOR ALGUM PELA

CONSISTEcircNCIA DAS IDEIASPOR QUE NAtildeO DEVERIacuteAMOS INDAGAR SOBRE A ORIGEM GREGA DA FILOSOFIA

caracteriacutestica que natildeo eacute rara da proacutepriaFilosofia Ora se para muita gente quese debruccedila sobre as pesquisas filosoacuteficasnatildeo devemos deixar de reunir criacuteticareflexatildeo argumentaccedilatildeo cuidado e rigorcom conceitos e sobretudo problema-

tizar perguntar sem pudor algum pelaconsistecircncia das ideias por que natildeo de-

veriacuteamos indagar sobre a maternidade e paternidade gregas da Filosofia Poisbem defendemos a hipoacutetese de que setrata de um tabu Ou melhor do maiortabu da Filosofia isto eacute uma proibiccedilatildeouma interdiccedilatildeo que natildeo tem bases bemfundamentadas Afinal um elenco deautoras e autores da Filosofia Histoacuteriae Egiptologia tem apresentado vigorosostrabalhos que atestam justamente que adefesa do berccedilo grego da Filosofia soacute se

justificaria pelo desconhecimento dostextos egiacutepcios anteriores aos gregos

Eacute importante dizer que na atualida-de as diversas maneiras de fazer Filoso-fia natildeo deixam duacutevida do caraacuteter polissecirc-mico do termo Mas sem duacutevida tudoleva a crer que mesmo que filoacutesofas(os)pragmatistas discordem muito de

filoacutesofas(os) continentais que tratamdas mesmas questotildees por vias distintase caminhos especulativos nos dois ca-sos a Filosofia ainda eacute entendida comoatividade exerciacutecio aventura do espiacuteritohumano ou protocolos intelectuais quetecircm origem grega O filoacutesofo porto-ri-quenho Nelson Maldonado-orres nosajuda a entender essa posiccedilatildeo atraveacutes deuma leitura geopoliacutetica em que denuncia

Ptah-Hotep 1ordm vizir do penuacuteltimo Faraoacute Djed-Ka-Raacute Iseacutesi da 5ordfDinastia do Reino Antigo do Alto e Baixo Egito (Kmt ) deixou seusEnsinamentos no Papiro Prisse (Biblioteca Nacional de Paris 183-194)Dizia-se que se ocupava da arte a qual nenhum artista chega agrave destreza perfeita redigindo um conjunto de teacutecnicas de argumentaccedilatildeo diantedos que tecircm uma balanccedila ndash capacidade de medir a verdade ndash tanto supe-rior como igual ou inferior

VERDADE APENAS UMA ILUSAtildeO

Para a maioria das filoacutesofas e dosfiloacutesofos da atualidade a Filosofia natildeo

eacute considerada uma milagrosa invenccedilatildeogrega mas natildeo deixa de ser o resultadode condiccedilotildees histoacutericas sociais e po-liacuteticas exclusivas da Greacutecia antiga AFilosofia teria berccedilo e progenitor gre-go fazendo de sua certidatildeo um ldquodocu-mentordquo grego Pois bem eacute em relaccedilatildeo aessas convergecircncias entre as mais diver-sas formas de fazer e conceber Filosofiaque consideramos pertinente trazer uma

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 47

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 47

o filoacutesofo ganense Kwame Appiah dizldquolsquoFilosofiarsquo eacute o roacutetulo de maior status nohumanismo ocidental Pretender-se comdireito agrave Filosofia eacute reivindicar o que haacutede mais importante mais difiacutecil e maisfundamental na tradiccedilatildeo do OcidenterdquoOra o Ocidente teria a Filosofia comoalgo que o distingue fundamentalmen-te e decisivamente do resto do mundoA Filosofia eacute tomada seja diretamente

explicitamente ou de modo taacutecito sejacomo atividade acadecircmica aventura doespiacuterito exerciacutecio intelectual anaacutelise criacute-tica da Linguagem reflexatildeo sistemaacutetica

visatildeo de mundo produtora de conceitosrigorosos ou modo de problematizar arealidade mais elaborado sofisticadoda humanidade digno dos povos maisldquocivilizadosrdquo Existe um pressuposto em-butido a dominaccedilatildeo poliacutetica econocircmicae social que o Ocidente empreendeu por

meio da invasatildeo colonizaccedilatildeo trocas assi-meacutetricas e assujeitamento dos povos afri-canos ameriacutendios asiaacuteticos e da Oceania

vem sempre articulada com a dominaccedilatildeointelectual com o estabelecimento decacircnones acadecircmicos ocidentais e com arecusa da validade epistecircmica dos povosldquocolonizadosrdquo Por isso a tese de que aFilosofia ndash essa aacuterea tatildeo sofisticada quefunciona como signo do refinamento esuprassumo do humanismo ocidental ndash

poderia ter uma origem fora da Greacutecia eacutetatildeo rechaccedilada O que tambeacutem eacute motivopara reunir as mais diferentes escolas li-nhas e perspectivas (ocidentais) da Filo-sofia numa alianccedila programaacutetica contraa emergecircncia de outras vozes filosoacuteficas

vozes que dizem que a Filosofia natildeo eacuteexclusiva do Ocidente A coalizaccedilatildeo oci-dental usa o epistemiciacutedio isto eacute o assas-sinato das formas de conhecer pensar eagir de outros povos ou ainda a recusasistemaacutetica da validade dos argumentosmesmo que esses sejam consistentes emfavor da blindagem de uma perspectivaintelectual Afinal existe uma contradi-ccedilatildeo no discurso padratildeo da origem gregada Filosofia Como a emergecircncia local searticula com o caraacuteter universal Ora se

diz que a Filosofia nasceu numa regiatildeodo mundo produto de um povo de umacultura e de uma sociedade ainda quesob influecircncia de outras culturas Masressaltando que esse saber trata de ques-totildees universais o mais interessante eacute quea Filosofia seria um caso uacutenico isoladoPor exemplo ningueacutem diria que a Muacute-sica foi inventada por um determinadopovo num determinado momento daHistoacuteria da humanidade No entanto

faz sentido afirmar que o samba nasceuno Brasil e que o primeiro registro do es-tilo foi gravado no iniacutecio do seacuteculo XXOu que a muacutesica de concerto era o gecircne-ro popular da Europa dos seacuteculos XVIIao XIX O problema poreacutem estaacute emconfundir uma maneira de fazer Filoso-fia com todas as possibilidades de exerciacute-cio filosoacutefico A hipoacutetese mais plausiacutevel eacuteque a Filosofia grega na Antiguidade foiuma das formas dentre outras de filoso-

far Um das chaves para essa leitura estaacutena assunccedilatildeo de um modelo explicativoda Histoacuteria da humanidade na Antigui-dade A pluriversalidade eacute um modeloque reconhece a Filosofia como a mul-tiplicidade das Filosofias particulares(em vez de eleger um modelo particularcomo o representante do universal) Afi-nal se a Muacutesica eacute a multiplicidades desons locais de gecircneros subgecircneros rit-mos e estilos que natildeo tecircm uma origemespeciacutefica um local privilegiado porque a Filosofia deveria ter Natildeo seria ocaso de considerarmos que existem ele-mentos geopoliacuteticos que atravessam econstituem os discursos filosoacuteficos eque pretendem manter e reforccedilar umaposiccedilatildeo conservadora Uma postura que

assentada num modelo explicativo aria-no reforccedila o epistemiciacutedio e pretende sus-tentar uma suposta neutralidade que soacutecorrobora para manter o status quo de quena Antiguidade soacute os gregos eram ldquoca-pazesrdquo de fazer Filosofia Ora por vezesos defensores dessa posiccedilatildeo comungamcom uma ingenuidade que isso natildeo temnenhuma consequecircncia negativa alvezseja o caso de tomarmos um primeiropasso enfrentar esse tabu e procurar os

argumentos que nos dizem que a Filoso-fia natildeo nasceu na Greacutecia

CONFRONTODE MODELOS

As narrativas do modelo ariano en-sejaram distorccedilotildees sobre o Egito enalte-cendo a Greacutecia num discurso dogmaacuteti-co numa postura preconceituosa proacutepriada helenofilia sistemaacutetica que tomou boaparte do mundo acadecircmico europeu no

O RACISMO EPISTEcircMICO RECUSA A VALIDADE CIENTIacuteFICA FILOSOacuteFICA E CULTURAL DO CONHECIMENTO PRODUZIDO

POR

ALGUNS

POVOS

A

SABER

OS NAtildeO BRANCOS OS NAtildeO OCIDENTAIS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 57

48 bull ciecircnciaampvida

I M A G E M S H U T T E R S T O C K

piracircmides e aquedutos embalsamarcorpos represar rios criar sistemas so-fisticados de cultivo e agricultura Oraao tratar de Filosofia natildeo poderiacuteamosesperar algo diferente do que a recusaem validar os discursos que dissessemo contraacuterio de modo que parte da fic-ccedilatildeo literaacuteria ocidental dos seacuteculos XIXe XX perguntava se os responsaacuteveis pelodesenvolvimento intelectual cultural ecientiacutefico dos antigos egiacutepcios natildeo teriasido obra de extraterrestres Ora eacute domesmo naipe a definiccedilatildeo do Egito comouma sociedade asiaacutetica por alguns auto-res Sem duacutevida o Egito fica na Aacutefricae aleacutem das informaccedilotildees disponiacuteveis osdados incontestes recolhidos por CheikhAnta Diop (1923-1986) diante dos testes

de melanina feitos em muacutemias pelo fiacutesi-co e historiador senegalecircs natildeo deixammargem para contradiccedilatildeo os egiacutepcioseram negros Em poucas palavras existeum papel nesse aparente ldquoesquecimentordquode que os egiacutepcios eram negros respon-saacuteveis por escolas de Filosofia e autoresconsagrados na Antiguidade que ensi-

naram e foram lidos pelos gregos Ora oque estaacute em jogo eacute a autoridade ocidentalpor classificar alguns discursos comofilosoacuteficos e outros como ldquopensamentordquouma perspectiva poliacutetica de valorizaccedilatildeodos gregos na Antiguidade dando su-

premacia ao Ocidente Existem contra--argumentos que defendem que a Fi-losofia natildeo precisa ser tatildeo valorizada eque natildeo deveriacuteamos nos preocupar emenquadrar um pensamento africano ouasiaacutetico em seu modelo ocidental Orapor que natildeo perguntamos quem auto-rizou o Ocidente a ser a ldquoreacuteguardquo da Fi-losofia Isso natildeo seria resultado de umadisputa geopoliacutetica como nos ensinamFanon e Maldonado-orres Afinal namaior parte das instituiccedilotildees universitaacute-rias e de pesquisa do Brasil e do mundoa aacuterea de Filosofia agrega e reuacutene incen-tivos investimentos reconhecimentopuacuteblico mas a aacuterea ldquoPensamentordquo per-manece livre e fora da disputa dos recur-sos e reconhecimento social A perguntaeacute simples a recusa do caraacuteter filosoacuteficoao pensamento africano assim como atantos outros natildeo faz parte de um pro-

jeto geopoliacutetico de manutenccedilatildeo do statusquo Esse projeto eacute tatildeo bem articuladoque filoacutesofos que discordam em quasetudo convergem quando se trata da pri-mazia grega

Cheikh Diop fez um belo e contun-dente trabalho contra essa perspectivaE ele foi um intelectual africano nasci-do no Senegal que desenvolveu longa-mente a tese de que a Aacutefrica especifi-camente o Egito eacute o berccedilo civilizatoacuterio

da humanidade Na esteira de Diop obritacircnico Martin Bernal (1937-2013)observou que dois modelos explicativosdistintos entraram em conflito e noseacuteculo XIX o modelo ariano se tornoumais influente do que o modelo antigonos meios acadecircmicos ocidentais o quecausou o silenciamento do Egito comocivilizaccedilatildeo que influenciou profunda-mente o mundo helecircnico celebrando aGreacutecia como ldquopurardquo ldquooriginalrdquo e ldquoinven-

seacuteculo XIX Ora diversas vezes o Egi-to antigo aparece imerso em clichecircs osfilmes hollywoodianos trazem muacutemiasfazendo o papel de ldquovilatildesrdquo sendo com-batidas por ldquoheroacuteisrdquo europeus e estadu-nidenses ldquodesvendandordquo os misteacuteriosque devem ser legados para a ldquohumani-daderdquo e que por razotildees desconhecidasestatildeo nas matildeos dos malvados mortos--vivos egiacutepcios Nossa leitura soacute podeestar na contramatildeo dessas imagens queem nada ajudam a elucidar ou ampliarnossa compreensatildeo sobre o Egito prin-cipalmente se quisermos sustentar nossahipoacutetese de que os textos egiacutepcios ante-riores aos gregos jaacute eram filosoacuteficos alcomo nos dizem Cheikh Diop George

James Molefi Asante Maulana Karen-

ga Martin Bernal Teacuteophile ObengaMarimba Ani Nkolo Foeacute MogobeRamose e Joseacute Nunes Carreira o racis-mo contra os negros que questionava osavanccedilos teacutecnicos filosoacuteficos cientiacuteficose culturais do Egito faraocircnico deu ori-gem a discursos que desacreditavam acapacidade dos egiacutepcios de construir

Frantz Fanon (1925-1961) era meacutedico psiquiatra Obteve soacutelidaformaccedilatildeo filosoacutefica e sua tese Pele negra maacutescaras brancas embo-ra tenha virado livro foi recusada pelo mundo acadecircmico Jean-PaulSartre (1905-1980) prefaciou o trabalho e ficou impressionado com ainteligecircncia filosoacutefica de Fanon O martinicano faleceu jovem aos 36anos deixando tambeacutem Os condenados da terra e Sociologia da revoluccedilatildeo

africanaImagens

UMA VIacuteTIMA DOSDOGMAS FILOSOacuteFICOS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 67

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 49

torardquo da Filosofia Mas o modelo antigoreconhece que os gregos natildeo foram osprimeiros Na interpretaccedilatildeo de JamesDiop Asante e Obenga os primeirostextos de Filosofia eram egiacutepcios

Uma constataccedilatildeo importante eacute que

existem pesquisas consistentes que lan-ccedilam muita luz a respeito do assuntoMas os cursos de Filosofia a notar pelosartigos livros monografias disserta-ccedilotildees e teses raramente citam ou se dedi-cam a comentar as teses que apontam osegiacutepcios como autores de textos filosoacutefi-cos que temos registros Em 1954 o ca-ribenho George James publicou o livroStolen Legacy Greek Philosophy Is a Stolen

Egyptian Philosophy [O legado roubadoa Filosofia grega eacute o roubo da Filosofiaegiacutepcia] Mais do que uma provocaccedilatildeo otrabalho ainda sem traduccedilatildeo para a liacuten-gua portuguesa empreende um estudocomparativo que identifica semelhanccedilasentre textos egiacutepcios e gregos Um de-talhe relevante que foi muito bem do-cumentado por Teacuteophile Obenga umdos maiores expoentes contemporacircneosda escola de Egiptologia contemporacirc-

nea inaugurada por Cheik Anta Diopna obra La philosophie africaine de la peacute-

riode pharaonique (2780-330 a C) [AFilosofia africana do periacuteodo faraocircnico(2780-330 aC)] satildeo as datas dos textosObenga nos brinda com material escritoem hieroacuteglifos ou mdt nfr (medet nefer)ndash a liacutengua do Egito antigo ndash bem ante-riores aos textos gregos Ora se algunsdos trabalhos gregos tais como os dePlatatildeo e Aristoacuteteles datam do seacuteculo V

aC osmateriais egiacutepcios de Imhotepdatam de por volta do XXVII a C eos de Ptah-Hotep de XXV aC Ge-orge James por sua vez traz elementoshistoacutericos como a viagem de Pitaacutegoras(570 aC-495 aC) de Samos ao Egitopara estudar na escola de formaccedilatildeo deescribas Ora foi Pitaacutegoras o primeirogrego a empregar o termo ldquoFilosofiardquoObenga sustenta que no Egito jaacute existialdquorekhet rdquo ldquoA palavra rekh (escrita com um

hieroacuteglifo de um homem sentado) sig-nifica lsquohomem saacutebiorsquo isto eacute um homemque permanece aprendendo um erudi-to um filoacutesofo Com efeito o conceitorekhet (escrito com hieroacuteglifos de no-ccedilotildees abstratas) significa lsquoconhecimentorsquolsquoCiecircnciarsquo no sentido de lsquoFilosofiarsquo Ouseja perguntar pela natureza das coisas(khet ) baseado no conhecimento acura-do (rekhet ) e bom (nefer ) discernimento(upi ) A palavra lsquoupi rsquo significa lsquojulgarrsquolsquodiscernirrsquo lsquodissecarrsquo A palavra cognatalsquoupet rsquo significa lsquoespecificaccedilatildeorsquo lsquojulga-mentorsquo e lsquoupsetrsquo quer dizer lsquoespeciacuteficorsquoisto eacute dar os detalhes de algordquo1

Pois bem o modelo antigo de ex-

plicaccedilatildeo da Histoacuteria reconhece esseselementos Mas o modelo ariano quepassou a ganhar mais forccedila a partir doseacuteculo XVIII calou o debate em torno daproduccedilatildeo filosoacutefica egiacutepcia O britacircnicoMartin Bernal escreveu Black Athenas

the Afroasiatic Roots of Classical Civiliza-

tion [Atenas negra as raiacutezes afro-asiaacuteti-cas da civilizaccedilatildeo claacutessica] confrontandoo modelo ariano e revisitando o modeloantigo sustentando que o intercacircmbio

entre os povos que viviam na regiatildeomediterracircnea sempre foi muito intensoe que os continentes africano asiaacutetico eeuropeu sempre trocaram informaccedilotildeesmas para muitos a anterioridade egiacutepciaeacute inegaacutevel A ldquoorigem e o berccedilo da hu-manidade assim como a emergecircncia dacivilizaccedilatildeo do mundo devem ser procu-rados em Aacutefrica O Egito eacute a matildee da ci-

1 OBENGA 2004

vilizaccedilatildeo mundial A civilizaccedilatildeo egiacutepciaeacute especificamente negra Ela evoluiu efloresceu de tal forma que se tornou re-conheciacutevel como a base do humanismode toda Aacutefrica Por conseguinte a Aacutefri-ca natildeo eacute soacute a origem da civilizaccedilatildeo comotambeacutem o berccedilo do desenvolvimento so-cial cultural cientiacutefico e poliacutetico Diopaponta como sendo caracteriacutesticas co-muns de toda Aacutefrica o matriarcado a es-piritualidade o humanismo e o pacifis-mo Estas e outras ideias estatildeo plasmadasno livro Te African Origin of Civilization [A origem africana da civilizaccedilatildeo]rdquo2 Deacordo com a tese de James a Filosofiaseria uma invenccedilatildeo egiacutepcia isto eacute africa-

na contrariando a ideia do berccedilo gregoisto eacute ocidental

EGITO OU GREacuteCIAPois bem em vez de procurarmos

uma origem para a Filosofia estamosde acordo com o raciociacutenio pluriversalproposto pelo filoacutesofo sul-africano Mo-gobe Ramose James faz um belo traba-lho por debater as influecircncias egiacutepciasentre os gregos inclusive expondo que

diversos elementos do pensamento fi-losoacutefico pitagoacuterico trazem agrave cena a for-maccedilatildeo tradicional dos escribas do Egitofaraocircnico Poreacutem existe outro aspectodo problema acerca do nascimento daFilosofia Por que apenas a Filosofiadeveria ter uma ldquonacionalidaderdquo Natildeose fala desta maneira do nascimentoda Religiatildeo ou da Arquitetura como

2 CASIANO 2010

O PROBLEMA ESTAacute EM CONFUNDIR UMA MANEIRA DE FAZER FILOSOFIA COM TODAS AS POSSIBILIDADES DE EXERCIacuteCIO FILOSOacuteFICO

DESSE

MODO

A

FILOSOFIA

GREGA NA A NTIGUIDADE FOI UMA DAS FORMAS DENTRE OUTRAS DE FILOSOFAR

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 77

50 bull ciecircnciaampvida

APPIAH Kwame Anthony Na casa de meupai a Aacutefrica na filosofia da Cultura Trad deVera Ribeiro Satildeo Paulo Editora Contraponto1997 ASANTE Molefi The Egyptian Philosophers Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten Illinois African American Images2000BERNAL Martin Black Athena the AfroasiaticRoots of Classical Civilization tomes I et IINew Brunswick Rutgers University Press1988-1991CARREIRA Joseacute Filosofia antes dos GregosMem Martins Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica1994DIOP Cheikh Anta Anteacuterioriteacute descivilisations negravegres mythe ou veacuteriteacutehistorique Paris Preacutesence Africaine 1967______________ Nations negravegres et cultureParis Preacutesence africaine 1954______________ Parenteacute geacuteneacutetique de

lrsquoeacutegyptien pharaonique et des langues neacutegro-africaines Paris IFANNEA 1977 JAMES George G M Stolen Legacy the GreekPhilosophy Is a Stolen Egyptian Philosophy Drewryville Khalifahrsquos Booksellers amp Associates June 2005OBENGA Theacuteophile Ancient Egypt and Black Africa Chicago IL Karnak House 1992_________________ldquoEgypt Ancient Historyof African Philosophyrdquo In WIREDU Kwasi Acompanion to African Philosophy OxfordBlackwell Publishing 2004 pp 31-49 ________________ La philosophie africainede la peacuteriode pharaonique (2780-330 a C)Paris LrsquoHarmattan 1990

R E F E R Ecirc N C I A S

exclusividade de certo povo Afinal eacutebem razoaacutevel dizer que todos os povosproduzem rituais religiosos ou que asconstruccedilotildees arquitetocircnicas podem usarmateriais variados Como seria susten-tar que entre egiacutepcios maias astecas egregos um povo foi o responsaacutevel pelainvenccedilatildeo da Arquitetura Ora historia-dores da aacuterea dizem que a Arquiteturateria comeccedilado quando os primeiros se-res humanos passaram a construir parase protegerem dos fenocircmenos naturaise de predadores Neste sentido a Ar-quitetura assim como a Religiosidadee a Filosofia seria pluriversal natildeo seriada mesma categoria que o telefone ou oaviatildeo ndash objetos criados inventados numdeterminado momento histoacuterico Por

isso a nossa hipoacutetese eacute de que a Filo-sofia assim como a Arquitetura terianascido em lugares diferentes quandoseres humanos de diversas regiotildees co-meccedilaram a se colocar algumas questotildeesessas questotildees natildeo seriam exclusivas degregos egiacutepcios ou chineses Por que aFilosofia teria que ser grega Um argu-mento eacute que todos os povos tecircm Pensa-mento mas a Filosofia seria um modode pensar exclusivamente grego Ora

por que soacute os gregos teriam feito Filo-sofia Neste ponto voltamos ao que foidito no iniacutecio do artigo O que estaacute em

jogo na ideia de que a Filosofia eacute de ori-gem grega eacute uma posiccedilatildeo poliacutetica umamaneira de esvaziar outras Filosofias enatildeo reconhecer a Filosofia como produ-to da multiplicidade de Filosofias locais

Vale a pena examinar outro contra--argumento a palavra ldquoFilosofiardquo eacutegrega Pois bem em egiacutepcio antigo na

escrita hierogliacutefica existem outras ver-sotildees que divergem da exclusividade dotermo Os egiacutepcios antigos usavam otermo ldquorekhrdquo para designar um ser hu-mano versado naquilo que o filoacutesofoPtah-Hotep chama de arte das artesuma arte cujos limites nunca ldquopodem seralcanccedilados e a destreza de nenhum ar-tista eacute perfeitardquo O que eacute corroborado nas

Inscriccedilotildees de Antef que expotildeem as carac-teriacutesticas de uma pessoa que eacute mais saacutebiaque o saacutebio[ porque traz de si mesma asabedoria Ora natildeo se trata de um saacutebiomas de uma pessoa que nunca chega agraveconclusatildeo daquilo que sabe e por issosabe mais que o saacutebio

A conclusatildeo parcial a que podemoschegar eacute bem simples uma resposta a

respeito da questatildeo que mobilizou ospercursos deste trabalho A Filosofianasceu no Egito ou na Greacutecia Ora natildeonasceu no Egito tampouco na Greacutecia

extos chineses indianos maias aste-cas e ameriacutendios ainda aguardam paraentrar no cenaacuterio acadecircmico A Filoso-fia eacute pluriversal e tal como a Muacutesica ea Arquitetura natildeo nasceu apenas porldquoimposiccedilotildeesrdquo espaciais geograacuteficas eidentificaccedilotildees de gecircnero sexualidade

eacutetnicas e raciais mas de elementos exis-tenciais e em certa medida inerentes agravecondiccedilatildeo humana Por isso eacute estranhodefender somente na Filosofia umaprimazia grega sem fazer disso um temapara a anaacutelise filosoacutefica com uma pos-tura inocente e ateacute ingecircnua diante dascondiccedilotildees poliacuteticas de produccedilatildeo do pen-samento Para interessadas(os) em aderirou recusar os argumentos aqui expostossugiro que os juiacutezos sejam suspensos e

fica o convite adentrar algumas leitu-ras antes de decidir aceitar ou objetar atese de que a Filosofia natildeo tem certidatildeogrega Diop James Obenga BernalAsante Ani Carrera Maldonado-or-res Fanon e sem duacutevida alguns textosegiacutepcios Fica a sugestatildeo para quem qui-ser analisar cuidadosamente e com rigora existecircncia do caraacuteter filosoacutefico dostextos egiacutepcios atraveacutes das traduccedilotildees deEmanoel Arauacutejo que estatildeo disponiacuteveisem Escritos para a eternidade a literatura

no Egito faraocircnico

POR QUE APENAS A FILOSOFIA DEVERIA TER UMA ldquoNACIONALIDADErdquo N AtildeO SE FALA DESTA MANEIRA DO NASCIMENTO DA R ELIGIAtildeO OU DA A RQUITETURA COMO EXCLUSIVIDADE DE DETERMINADO POVO

Page 3: Tabu Da Filosofia

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 37

46 bull ciecircnciaampvida

a cumplicidade com a Cartografia impe-rial e com o projeto de colonizaccedilatildeo postoem curso pelo Ocidente Maldonado--orres identifica na leitura do filoacutesofoFrantz Fanon (1925-1961) uma das maiscontundentes criacuteticas agrave mentalidade ra-

cista e colonial que demarca a formaccedilatildeoda maioria das pessoas que se dedicam agraveFilosofia no Ocidente Noacutes estamos deacordo com Maldonado-orres eacute muitosintomaacutetico que a ldquoFilosofiardquo se recusea examinar a interferecircncia do espaccedilo naproduccedilatildeo de conhecimento e o esque-cimento da espacialidade e das disputasgeopoliacuteticas apenas reiteram e reforccedilama Europa como lugar epistecircmico privile-giado Ou seja a Europa e por tabelaa cultura ocidental eacute a referecircncia funda-mental para a produccedilatildeo de conhecimen-to filosoacutefico O racismo eacute um elementoimportante nesse processo De modogeral se por racismo se pode entenderum conjunto de praacuteticas dispositivosideologias que supotildee que a divisatildeo dahumanidade em grupos eacutetnico-raciaisdistintos envolve a desqualificaccedilatildeo dealguns diante de outros os campos de

negaccedilatildeo satildeo variados e recobrem asmais variadas dimensotildees Por exemplose o racismo aos negros em seu aspec-to esteacutetico recusa o glamour e a beleza

de negras e de negros como boas perso-nagens de campanhas publicitaacuterias para

vender perfume margarina carros ebrinquedos o racismo epistecircmico recusaa validade cientiacutefica filosoacutefica e culturaldos discursos de alguns grupos eacutetnico--raciais Ora essa dimensatildeo do racismo

que atravessa a produccedilatildeo filosoacutefica e atese de negaccedilatildeo dos textos da Antigui-dade que natildeo sejam gregos tais como ostextos astecas maias chineses indianose africanos dentre outros eacute denominadaldquoracismo epistecircmicordquo Essa eacute a dimen-satildeo do racismo que recusa a validadeepistemoloacutegica e intelectual do conhe-cimento produzido por alguns povosa saber os natildeo brancos os natildeo ociden-tais Isso estaacute de acordo com aquilo que I M

A G E M S H U T T E R S T O C K

SE AS PESQUISAS FILOSOacuteFICAS DEVEM REUNIR CRIacuteTICA REFLEXAtildeO ARGUMENTACcedilAtildeO E RIGOR COM CONCEITOS ESOBRETUDO PERGUNTAR SEM PUDOR ALGUM PELA

CONSISTEcircNCIA DAS IDEIASPOR QUE NAtildeO DEVERIacuteAMOS INDAGAR SOBRE A ORIGEM GREGA DA FILOSOFIA

caracteriacutestica que natildeo eacute rara da proacutepriaFilosofia Ora se para muita gente quese debruccedila sobre as pesquisas filosoacuteficasnatildeo devemos deixar de reunir criacuteticareflexatildeo argumentaccedilatildeo cuidado e rigorcom conceitos e sobretudo problema-

tizar perguntar sem pudor algum pelaconsistecircncia das ideias por que natildeo de-

veriacuteamos indagar sobre a maternidade e paternidade gregas da Filosofia Poisbem defendemos a hipoacutetese de que setrata de um tabu Ou melhor do maiortabu da Filosofia isto eacute uma proibiccedilatildeouma interdiccedilatildeo que natildeo tem bases bemfundamentadas Afinal um elenco deautoras e autores da Filosofia Histoacuteriae Egiptologia tem apresentado vigorosostrabalhos que atestam justamente que adefesa do berccedilo grego da Filosofia soacute se

justificaria pelo desconhecimento dostextos egiacutepcios anteriores aos gregos

Eacute importante dizer que na atualida-de as diversas maneiras de fazer Filoso-fia natildeo deixam duacutevida do caraacuteter polissecirc-mico do termo Mas sem duacutevida tudoleva a crer que mesmo que filoacutesofas(os)pragmatistas discordem muito de

filoacutesofas(os) continentais que tratamdas mesmas questotildees por vias distintase caminhos especulativos nos dois ca-sos a Filosofia ainda eacute entendida comoatividade exerciacutecio aventura do espiacuteritohumano ou protocolos intelectuais quetecircm origem grega O filoacutesofo porto-ri-quenho Nelson Maldonado-orres nosajuda a entender essa posiccedilatildeo atraveacutes deuma leitura geopoliacutetica em que denuncia

Ptah-Hotep 1ordm vizir do penuacuteltimo Faraoacute Djed-Ka-Raacute Iseacutesi da 5ordfDinastia do Reino Antigo do Alto e Baixo Egito (Kmt ) deixou seusEnsinamentos no Papiro Prisse (Biblioteca Nacional de Paris 183-194)Dizia-se que se ocupava da arte a qual nenhum artista chega agrave destreza perfeita redigindo um conjunto de teacutecnicas de argumentaccedilatildeo diantedos que tecircm uma balanccedila ndash capacidade de medir a verdade ndash tanto supe-rior como igual ou inferior

VERDADE APENAS UMA ILUSAtildeO

Para a maioria das filoacutesofas e dosfiloacutesofos da atualidade a Filosofia natildeo

eacute considerada uma milagrosa invenccedilatildeogrega mas natildeo deixa de ser o resultadode condiccedilotildees histoacutericas sociais e po-liacuteticas exclusivas da Greacutecia antiga AFilosofia teria berccedilo e progenitor gre-go fazendo de sua certidatildeo um ldquodocu-mentordquo grego Pois bem eacute em relaccedilatildeo aessas convergecircncias entre as mais diver-sas formas de fazer e conceber Filosofiaque consideramos pertinente trazer uma

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 47

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 47

o filoacutesofo ganense Kwame Appiah dizldquolsquoFilosofiarsquo eacute o roacutetulo de maior status nohumanismo ocidental Pretender-se comdireito agrave Filosofia eacute reivindicar o que haacutede mais importante mais difiacutecil e maisfundamental na tradiccedilatildeo do OcidenterdquoOra o Ocidente teria a Filosofia comoalgo que o distingue fundamentalmen-te e decisivamente do resto do mundoA Filosofia eacute tomada seja diretamente

explicitamente ou de modo taacutecito sejacomo atividade acadecircmica aventura doespiacuterito exerciacutecio intelectual anaacutelise criacute-tica da Linguagem reflexatildeo sistemaacutetica

visatildeo de mundo produtora de conceitosrigorosos ou modo de problematizar arealidade mais elaborado sofisticadoda humanidade digno dos povos maisldquocivilizadosrdquo Existe um pressuposto em-butido a dominaccedilatildeo poliacutetica econocircmicae social que o Ocidente empreendeu por

meio da invasatildeo colonizaccedilatildeo trocas assi-meacutetricas e assujeitamento dos povos afri-canos ameriacutendios asiaacuteticos e da Oceania

vem sempre articulada com a dominaccedilatildeointelectual com o estabelecimento decacircnones acadecircmicos ocidentais e com arecusa da validade epistecircmica dos povosldquocolonizadosrdquo Por isso a tese de que aFilosofia ndash essa aacuterea tatildeo sofisticada quefunciona como signo do refinamento esuprassumo do humanismo ocidental ndash

poderia ter uma origem fora da Greacutecia eacutetatildeo rechaccedilada O que tambeacutem eacute motivopara reunir as mais diferentes escolas li-nhas e perspectivas (ocidentais) da Filo-sofia numa alianccedila programaacutetica contraa emergecircncia de outras vozes filosoacuteficas

vozes que dizem que a Filosofia natildeo eacuteexclusiva do Ocidente A coalizaccedilatildeo oci-dental usa o epistemiciacutedio isto eacute o assas-sinato das formas de conhecer pensar eagir de outros povos ou ainda a recusasistemaacutetica da validade dos argumentosmesmo que esses sejam consistentes emfavor da blindagem de uma perspectivaintelectual Afinal existe uma contradi-ccedilatildeo no discurso padratildeo da origem gregada Filosofia Como a emergecircncia local searticula com o caraacuteter universal Ora se

diz que a Filosofia nasceu numa regiatildeodo mundo produto de um povo de umacultura e de uma sociedade ainda quesob influecircncia de outras culturas Masressaltando que esse saber trata de ques-totildees universais o mais interessante eacute quea Filosofia seria um caso uacutenico isoladoPor exemplo ningueacutem diria que a Muacute-sica foi inventada por um determinadopovo num determinado momento daHistoacuteria da humanidade No entanto

faz sentido afirmar que o samba nasceuno Brasil e que o primeiro registro do es-tilo foi gravado no iniacutecio do seacuteculo XXOu que a muacutesica de concerto era o gecircne-ro popular da Europa dos seacuteculos XVIIao XIX O problema poreacutem estaacute emconfundir uma maneira de fazer Filoso-fia com todas as possibilidades de exerciacute-cio filosoacutefico A hipoacutetese mais plausiacutevel eacuteque a Filosofia grega na Antiguidade foiuma das formas dentre outras de filoso-

far Um das chaves para essa leitura estaacutena assunccedilatildeo de um modelo explicativoda Histoacuteria da humanidade na Antigui-dade A pluriversalidade eacute um modeloque reconhece a Filosofia como a mul-tiplicidade das Filosofias particulares(em vez de eleger um modelo particularcomo o representante do universal) Afi-nal se a Muacutesica eacute a multiplicidades desons locais de gecircneros subgecircneros rit-mos e estilos que natildeo tecircm uma origemespeciacutefica um local privilegiado porque a Filosofia deveria ter Natildeo seria ocaso de considerarmos que existem ele-mentos geopoliacuteticos que atravessam econstituem os discursos filosoacuteficos eque pretendem manter e reforccedilar umaposiccedilatildeo conservadora Uma postura que

assentada num modelo explicativo aria-no reforccedila o epistemiciacutedio e pretende sus-tentar uma suposta neutralidade que soacutecorrobora para manter o status quo de quena Antiguidade soacute os gregos eram ldquoca-pazesrdquo de fazer Filosofia Ora por vezesos defensores dessa posiccedilatildeo comungamcom uma ingenuidade que isso natildeo temnenhuma consequecircncia negativa alvezseja o caso de tomarmos um primeiropasso enfrentar esse tabu e procurar os

argumentos que nos dizem que a Filoso-fia natildeo nasceu na Greacutecia

CONFRONTODE MODELOS

As narrativas do modelo ariano en-sejaram distorccedilotildees sobre o Egito enalte-cendo a Greacutecia num discurso dogmaacuteti-co numa postura preconceituosa proacutepriada helenofilia sistemaacutetica que tomou boaparte do mundo acadecircmico europeu no

O RACISMO EPISTEcircMICO RECUSA A VALIDADE CIENTIacuteFICA FILOSOacuteFICA E CULTURAL DO CONHECIMENTO PRODUZIDO

POR

ALGUNS

POVOS

A

SABER

OS NAtildeO BRANCOS OS NAtildeO OCIDENTAIS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 57

48 bull ciecircnciaampvida

I M A G E M S H U T T E R S T O C K

piracircmides e aquedutos embalsamarcorpos represar rios criar sistemas so-fisticados de cultivo e agricultura Oraao tratar de Filosofia natildeo poderiacuteamosesperar algo diferente do que a recusaem validar os discursos que dissessemo contraacuterio de modo que parte da fic-ccedilatildeo literaacuteria ocidental dos seacuteculos XIXe XX perguntava se os responsaacuteveis pelodesenvolvimento intelectual cultural ecientiacutefico dos antigos egiacutepcios natildeo teriasido obra de extraterrestres Ora eacute domesmo naipe a definiccedilatildeo do Egito comouma sociedade asiaacutetica por alguns auto-res Sem duacutevida o Egito fica na Aacutefricae aleacutem das informaccedilotildees disponiacuteveis osdados incontestes recolhidos por CheikhAnta Diop (1923-1986) diante dos testes

de melanina feitos em muacutemias pelo fiacutesi-co e historiador senegalecircs natildeo deixammargem para contradiccedilatildeo os egiacutepcioseram negros Em poucas palavras existeum papel nesse aparente ldquoesquecimentordquode que os egiacutepcios eram negros respon-saacuteveis por escolas de Filosofia e autoresconsagrados na Antiguidade que ensi-

naram e foram lidos pelos gregos Ora oque estaacute em jogo eacute a autoridade ocidentalpor classificar alguns discursos comofilosoacuteficos e outros como ldquopensamentordquouma perspectiva poliacutetica de valorizaccedilatildeodos gregos na Antiguidade dando su-

premacia ao Ocidente Existem contra--argumentos que defendem que a Fi-losofia natildeo precisa ser tatildeo valorizada eque natildeo deveriacuteamos nos preocupar emenquadrar um pensamento africano ouasiaacutetico em seu modelo ocidental Orapor que natildeo perguntamos quem auto-rizou o Ocidente a ser a ldquoreacuteguardquo da Fi-losofia Isso natildeo seria resultado de umadisputa geopoliacutetica como nos ensinamFanon e Maldonado-orres Afinal namaior parte das instituiccedilotildees universitaacute-rias e de pesquisa do Brasil e do mundoa aacuterea de Filosofia agrega e reuacutene incen-tivos investimentos reconhecimentopuacuteblico mas a aacuterea ldquoPensamentordquo per-manece livre e fora da disputa dos recur-sos e reconhecimento social A perguntaeacute simples a recusa do caraacuteter filosoacuteficoao pensamento africano assim como atantos outros natildeo faz parte de um pro-

jeto geopoliacutetico de manutenccedilatildeo do statusquo Esse projeto eacute tatildeo bem articuladoque filoacutesofos que discordam em quasetudo convergem quando se trata da pri-mazia grega

Cheikh Diop fez um belo e contun-dente trabalho contra essa perspectivaE ele foi um intelectual africano nasci-do no Senegal que desenvolveu longa-mente a tese de que a Aacutefrica especifi-camente o Egito eacute o berccedilo civilizatoacuterio

da humanidade Na esteira de Diop obritacircnico Martin Bernal (1937-2013)observou que dois modelos explicativosdistintos entraram em conflito e noseacuteculo XIX o modelo ariano se tornoumais influente do que o modelo antigonos meios acadecircmicos ocidentais o quecausou o silenciamento do Egito comocivilizaccedilatildeo que influenciou profunda-mente o mundo helecircnico celebrando aGreacutecia como ldquopurardquo ldquooriginalrdquo e ldquoinven-

seacuteculo XIX Ora diversas vezes o Egi-to antigo aparece imerso em clichecircs osfilmes hollywoodianos trazem muacutemiasfazendo o papel de ldquovilatildesrdquo sendo com-batidas por ldquoheroacuteisrdquo europeus e estadu-nidenses ldquodesvendandordquo os misteacuteriosque devem ser legados para a ldquohumani-daderdquo e que por razotildees desconhecidasestatildeo nas matildeos dos malvados mortos--vivos egiacutepcios Nossa leitura soacute podeestar na contramatildeo dessas imagens queem nada ajudam a elucidar ou ampliarnossa compreensatildeo sobre o Egito prin-cipalmente se quisermos sustentar nossahipoacutetese de que os textos egiacutepcios ante-riores aos gregos jaacute eram filosoacuteficos alcomo nos dizem Cheikh Diop George

James Molefi Asante Maulana Karen-

ga Martin Bernal Teacuteophile ObengaMarimba Ani Nkolo Foeacute MogobeRamose e Joseacute Nunes Carreira o racis-mo contra os negros que questionava osavanccedilos teacutecnicos filosoacuteficos cientiacuteficose culturais do Egito faraocircnico deu ori-gem a discursos que desacreditavam acapacidade dos egiacutepcios de construir

Frantz Fanon (1925-1961) era meacutedico psiquiatra Obteve soacutelidaformaccedilatildeo filosoacutefica e sua tese Pele negra maacutescaras brancas embo-ra tenha virado livro foi recusada pelo mundo acadecircmico Jean-PaulSartre (1905-1980) prefaciou o trabalho e ficou impressionado com ainteligecircncia filosoacutefica de Fanon O martinicano faleceu jovem aos 36anos deixando tambeacutem Os condenados da terra e Sociologia da revoluccedilatildeo

africanaImagens

UMA VIacuteTIMA DOSDOGMAS FILOSOacuteFICOS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 67

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 49

torardquo da Filosofia Mas o modelo antigoreconhece que os gregos natildeo foram osprimeiros Na interpretaccedilatildeo de JamesDiop Asante e Obenga os primeirostextos de Filosofia eram egiacutepcios

Uma constataccedilatildeo importante eacute que

existem pesquisas consistentes que lan-ccedilam muita luz a respeito do assuntoMas os cursos de Filosofia a notar pelosartigos livros monografias disserta-ccedilotildees e teses raramente citam ou se dedi-cam a comentar as teses que apontam osegiacutepcios como autores de textos filosoacutefi-cos que temos registros Em 1954 o ca-ribenho George James publicou o livroStolen Legacy Greek Philosophy Is a Stolen

Egyptian Philosophy [O legado roubadoa Filosofia grega eacute o roubo da Filosofiaegiacutepcia] Mais do que uma provocaccedilatildeo otrabalho ainda sem traduccedilatildeo para a liacuten-gua portuguesa empreende um estudocomparativo que identifica semelhanccedilasentre textos egiacutepcios e gregos Um de-talhe relevante que foi muito bem do-cumentado por Teacuteophile Obenga umdos maiores expoentes contemporacircneosda escola de Egiptologia contemporacirc-

nea inaugurada por Cheik Anta Diopna obra La philosophie africaine de la peacute-

riode pharaonique (2780-330 a C) [AFilosofia africana do periacuteodo faraocircnico(2780-330 aC)] satildeo as datas dos textosObenga nos brinda com material escritoem hieroacuteglifos ou mdt nfr (medet nefer)ndash a liacutengua do Egito antigo ndash bem ante-riores aos textos gregos Ora se algunsdos trabalhos gregos tais como os dePlatatildeo e Aristoacuteteles datam do seacuteculo V

aC osmateriais egiacutepcios de Imhotepdatam de por volta do XXVII a C eos de Ptah-Hotep de XXV aC Ge-orge James por sua vez traz elementoshistoacutericos como a viagem de Pitaacutegoras(570 aC-495 aC) de Samos ao Egitopara estudar na escola de formaccedilatildeo deescribas Ora foi Pitaacutegoras o primeirogrego a empregar o termo ldquoFilosofiardquoObenga sustenta que no Egito jaacute existialdquorekhet rdquo ldquoA palavra rekh (escrita com um

hieroacuteglifo de um homem sentado) sig-nifica lsquohomem saacutebiorsquo isto eacute um homemque permanece aprendendo um erudi-to um filoacutesofo Com efeito o conceitorekhet (escrito com hieroacuteglifos de no-ccedilotildees abstratas) significa lsquoconhecimentorsquolsquoCiecircnciarsquo no sentido de lsquoFilosofiarsquo Ouseja perguntar pela natureza das coisas(khet ) baseado no conhecimento acura-do (rekhet ) e bom (nefer ) discernimento(upi ) A palavra lsquoupi rsquo significa lsquojulgarrsquolsquodiscernirrsquo lsquodissecarrsquo A palavra cognatalsquoupet rsquo significa lsquoespecificaccedilatildeorsquo lsquojulga-mentorsquo e lsquoupsetrsquo quer dizer lsquoespeciacuteficorsquoisto eacute dar os detalhes de algordquo1

Pois bem o modelo antigo de ex-

plicaccedilatildeo da Histoacuteria reconhece esseselementos Mas o modelo ariano quepassou a ganhar mais forccedila a partir doseacuteculo XVIII calou o debate em torno daproduccedilatildeo filosoacutefica egiacutepcia O britacircnicoMartin Bernal escreveu Black Athenas

the Afroasiatic Roots of Classical Civiliza-

tion [Atenas negra as raiacutezes afro-asiaacuteti-cas da civilizaccedilatildeo claacutessica] confrontandoo modelo ariano e revisitando o modeloantigo sustentando que o intercacircmbio

entre os povos que viviam na regiatildeomediterracircnea sempre foi muito intensoe que os continentes africano asiaacutetico eeuropeu sempre trocaram informaccedilotildeesmas para muitos a anterioridade egiacutepciaeacute inegaacutevel A ldquoorigem e o berccedilo da hu-manidade assim como a emergecircncia dacivilizaccedilatildeo do mundo devem ser procu-rados em Aacutefrica O Egito eacute a matildee da ci-

1 OBENGA 2004

vilizaccedilatildeo mundial A civilizaccedilatildeo egiacutepciaeacute especificamente negra Ela evoluiu efloresceu de tal forma que se tornou re-conheciacutevel como a base do humanismode toda Aacutefrica Por conseguinte a Aacutefri-ca natildeo eacute soacute a origem da civilizaccedilatildeo comotambeacutem o berccedilo do desenvolvimento so-cial cultural cientiacutefico e poliacutetico Diopaponta como sendo caracteriacutesticas co-muns de toda Aacutefrica o matriarcado a es-piritualidade o humanismo e o pacifis-mo Estas e outras ideias estatildeo plasmadasno livro Te African Origin of Civilization [A origem africana da civilizaccedilatildeo]rdquo2 Deacordo com a tese de James a Filosofiaseria uma invenccedilatildeo egiacutepcia isto eacute africa-

na contrariando a ideia do berccedilo gregoisto eacute ocidental

EGITO OU GREacuteCIAPois bem em vez de procurarmos

uma origem para a Filosofia estamosde acordo com o raciociacutenio pluriversalproposto pelo filoacutesofo sul-africano Mo-gobe Ramose James faz um belo traba-lho por debater as influecircncias egiacutepciasentre os gregos inclusive expondo que

diversos elementos do pensamento fi-losoacutefico pitagoacuterico trazem agrave cena a for-maccedilatildeo tradicional dos escribas do Egitofaraocircnico Poreacutem existe outro aspectodo problema acerca do nascimento daFilosofia Por que apenas a Filosofiadeveria ter uma ldquonacionalidaderdquo Natildeose fala desta maneira do nascimentoda Religiatildeo ou da Arquitetura como

2 CASIANO 2010

O PROBLEMA ESTAacute EM CONFUNDIR UMA MANEIRA DE FAZER FILOSOFIA COM TODAS AS POSSIBILIDADES DE EXERCIacuteCIO FILOSOacuteFICO

DESSE

MODO

A

FILOSOFIA

GREGA NA A NTIGUIDADE FOI UMA DAS FORMAS DENTRE OUTRAS DE FILOSOFAR

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 77

50 bull ciecircnciaampvida

APPIAH Kwame Anthony Na casa de meupai a Aacutefrica na filosofia da Cultura Trad deVera Ribeiro Satildeo Paulo Editora Contraponto1997 ASANTE Molefi The Egyptian Philosophers Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten Illinois African American Images2000BERNAL Martin Black Athena the AfroasiaticRoots of Classical Civilization tomes I et IINew Brunswick Rutgers University Press1988-1991CARREIRA Joseacute Filosofia antes dos GregosMem Martins Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica1994DIOP Cheikh Anta Anteacuterioriteacute descivilisations negravegres mythe ou veacuteriteacutehistorique Paris Preacutesence Africaine 1967______________ Nations negravegres et cultureParis Preacutesence africaine 1954______________ Parenteacute geacuteneacutetique de

lrsquoeacutegyptien pharaonique et des langues neacutegro-africaines Paris IFANNEA 1977 JAMES George G M Stolen Legacy the GreekPhilosophy Is a Stolen Egyptian Philosophy Drewryville Khalifahrsquos Booksellers amp Associates June 2005OBENGA Theacuteophile Ancient Egypt and Black Africa Chicago IL Karnak House 1992_________________ldquoEgypt Ancient Historyof African Philosophyrdquo In WIREDU Kwasi Acompanion to African Philosophy OxfordBlackwell Publishing 2004 pp 31-49 ________________ La philosophie africainede la peacuteriode pharaonique (2780-330 a C)Paris LrsquoHarmattan 1990

R E F E R Ecirc N C I A S

exclusividade de certo povo Afinal eacutebem razoaacutevel dizer que todos os povosproduzem rituais religiosos ou que asconstruccedilotildees arquitetocircnicas podem usarmateriais variados Como seria susten-tar que entre egiacutepcios maias astecas egregos um povo foi o responsaacutevel pelainvenccedilatildeo da Arquitetura Ora historia-dores da aacuterea dizem que a Arquiteturateria comeccedilado quando os primeiros se-res humanos passaram a construir parase protegerem dos fenocircmenos naturaise de predadores Neste sentido a Ar-quitetura assim como a Religiosidadee a Filosofia seria pluriversal natildeo seriada mesma categoria que o telefone ou oaviatildeo ndash objetos criados inventados numdeterminado momento histoacuterico Por

isso a nossa hipoacutetese eacute de que a Filo-sofia assim como a Arquitetura terianascido em lugares diferentes quandoseres humanos de diversas regiotildees co-meccedilaram a se colocar algumas questotildeesessas questotildees natildeo seriam exclusivas degregos egiacutepcios ou chineses Por que aFilosofia teria que ser grega Um argu-mento eacute que todos os povos tecircm Pensa-mento mas a Filosofia seria um modode pensar exclusivamente grego Ora

por que soacute os gregos teriam feito Filo-sofia Neste ponto voltamos ao que foidito no iniacutecio do artigo O que estaacute em

jogo na ideia de que a Filosofia eacute de ori-gem grega eacute uma posiccedilatildeo poliacutetica umamaneira de esvaziar outras Filosofias enatildeo reconhecer a Filosofia como produ-to da multiplicidade de Filosofias locais

Vale a pena examinar outro contra--argumento a palavra ldquoFilosofiardquo eacutegrega Pois bem em egiacutepcio antigo na

escrita hierogliacutefica existem outras ver-sotildees que divergem da exclusividade dotermo Os egiacutepcios antigos usavam otermo ldquorekhrdquo para designar um ser hu-mano versado naquilo que o filoacutesofoPtah-Hotep chama de arte das artesuma arte cujos limites nunca ldquopodem seralcanccedilados e a destreza de nenhum ar-tista eacute perfeitardquo O que eacute corroborado nas

Inscriccedilotildees de Antef que expotildeem as carac-teriacutesticas de uma pessoa que eacute mais saacutebiaque o saacutebio[ porque traz de si mesma asabedoria Ora natildeo se trata de um saacutebiomas de uma pessoa que nunca chega agraveconclusatildeo daquilo que sabe e por issosabe mais que o saacutebio

A conclusatildeo parcial a que podemoschegar eacute bem simples uma resposta a

respeito da questatildeo que mobilizou ospercursos deste trabalho A Filosofianasceu no Egito ou na Greacutecia Ora natildeonasceu no Egito tampouco na Greacutecia

extos chineses indianos maias aste-cas e ameriacutendios ainda aguardam paraentrar no cenaacuterio acadecircmico A Filoso-fia eacute pluriversal e tal como a Muacutesica ea Arquitetura natildeo nasceu apenas porldquoimposiccedilotildeesrdquo espaciais geograacuteficas eidentificaccedilotildees de gecircnero sexualidade

eacutetnicas e raciais mas de elementos exis-tenciais e em certa medida inerentes agravecondiccedilatildeo humana Por isso eacute estranhodefender somente na Filosofia umaprimazia grega sem fazer disso um temapara a anaacutelise filosoacutefica com uma pos-tura inocente e ateacute ingecircnua diante dascondiccedilotildees poliacuteticas de produccedilatildeo do pen-samento Para interessadas(os) em aderirou recusar os argumentos aqui expostossugiro que os juiacutezos sejam suspensos e

fica o convite adentrar algumas leitu-ras antes de decidir aceitar ou objetar atese de que a Filosofia natildeo tem certidatildeogrega Diop James Obenga BernalAsante Ani Carrera Maldonado-or-res Fanon e sem duacutevida alguns textosegiacutepcios Fica a sugestatildeo para quem qui-ser analisar cuidadosamente e com rigora existecircncia do caraacuteter filosoacutefico dostextos egiacutepcios atraveacutes das traduccedilotildees deEmanoel Arauacutejo que estatildeo disponiacuteveisem Escritos para a eternidade a literatura

no Egito faraocircnico

POR QUE APENAS A FILOSOFIA DEVERIA TER UMA ldquoNACIONALIDADErdquo N AtildeO SE FALA DESTA MANEIRA DO NASCIMENTO DA R ELIGIAtildeO OU DA A RQUITETURA COMO EXCLUSIVIDADE DE DETERMINADO POVO

Page 4: Tabu Da Filosofia

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 47

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 47

o filoacutesofo ganense Kwame Appiah dizldquolsquoFilosofiarsquo eacute o roacutetulo de maior status nohumanismo ocidental Pretender-se comdireito agrave Filosofia eacute reivindicar o que haacutede mais importante mais difiacutecil e maisfundamental na tradiccedilatildeo do OcidenterdquoOra o Ocidente teria a Filosofia comoalgo que o distingue fundamentalmen-te e decisivamente do resto do mundoA Filosofia eacute tomada seja diretamente

explicitamente ou de modo taacutecito sejacomo atividade acadecircmica aventura doespiacuterito exerciacutecio intelectual anaacutelise criacute-tica da Linguagem reflexatildeo sistemaacutetica

visatildeo de mundo produtora de conceitosrigorosos ou modo de problematizar arealidade mais elaborado sofisticadoda humanidade digno dos povos maisldquocivilizadosrdquo Existe um pressuposto em-butido a dominaccedilatildeo poliacutetica econocircmicae social que o Ocidente empreendeu por

meio da invasatildeo colonizaccedilatildeo trocas assi-meacutetricas e assujeitamento dos povos afri-canos ameriacutendios asiaacuteticos e da Oceania

vem sempre articulada com a dominaccedilatildeointelectual com o estabelecimento decacircnones acadecircmicos ocidentais e com arecusa da validade epistecircmica dos povosldquocolonizadosrdquo Por isso a tese de que aFilosofia ndash essa aacuterea tatildeo sofisticada quefunciona como signo do refinamento esuprassumo do humanismo ocidental ndash

poderia ter uma origem fora da Greacutecia eacutetatildeo rechaccedilada O que tambeacutem eacute motivopara reunir as mais diferentes escolas li-nhas e perspectivas (ocidentais) da Filo-sofia numa alianccedila programaacutetica contraa emergecircncia de outras vozes filosoacuteficas

vozes que dizem que a Filosofia natildeo eacuteexclusiva do Ocidente A coalizaccedilatildeo oci-dental usa o epistemiciacutedio isto eacute o assas-sinato das formas de conhecer pensar eagir de outros povos ou ainda a recusasistemaacutetica da validade dos argumentosmesmo que esses sejam consistentes emfavor da blindagem de uma perspectivaintelectual Afinal existe uma contradi-ccedilatildeo no discurso padratildeo da origem gregada Filosofia Como a emergecircncia local searticula com o caraacuteter universal Ora se

diz que a Filosofia nasceu numa regiatildeodo mundo produto de um povo de umacultura e de uma sociedade ainda quesob influecircncia de outras culturas Masressaltando que esse saber trata de ques-totildees universais o mais interessante eacute quea Filosofia seria um caso uacutenico isoladoPor exemplo ningueacutem diria que a Muacute-sica foi inventada por um determinadopovo num determinado momento daHistoacuteria da humanidade No entanto

faz sentido afirmar que o samba nasceuno Brasil e que o primeiro registro do es-tilo foi gravado no iniacutecio do seacuteculo XXOu que a muacutesica de concerto era o gecircne-ro popular da Europa dos seacuteculos XVIIao XIX O problema poreacutem estaacute emconfundir uma maneira de fazer Filoso-fia com todas as possibilidades de exerciacute-cio filosoacutefico A hipoacutetese mais plausiacutevel eacuteque a Filosofia grega na Antiguidade foiuma das formas dentre outras de filoso-

far Um das chaves para essa leitura estaacutena assunccedilatildeo de um modelo explicativoda Histoacuteria da humanidade na Antigui-dade A pluriversalidade eacute um modeloque reconhece a Filosofia como a mul-tiplicidade das Filosofias particulares(em vez de eleger um modelo particularcomo o representante do universal) Afi-nal se a Muacutesica eacute a multiplicidades desons locais de gecircneros subgecircneros rit-mos e estilos que natildeo tecircm uma origemespeciacutefica um local privilegiado porque a Filosofia deveria ter Natildeo seria ocaso de considerarmos que existem ele-mentos geopoliacuteticos que atravessam econstituem os discursos filosoacuteficos eque pretendem manter e reforccedilar umaposiccedilatildeo conservadora Uma postura que

assentada num modelo explicativo aria-no reforccedila o epistemiciacutedio e pretende sus-tentar uma suposta neutralidade que soacutecorrobora para manter o status quo de quena Antiguidade soacute os gregos eram ldquoca-pazesrdquo de fazer Filosofia Ora por vezesos defensores dessa posiccedilatildeo comungamcom uma ingenuidade que isso natildeo temnenhuma consequecircncia negativa alvezseja o caso de tomarmos um primeiropasso enfrentar esse tabu e procurar os

argumentos que nos dizem que a Filoso-fia natildeo nasceu na Greacutecia

CONFRONTODE MODELOS

As narrativas do modelo ariano en-sejaram distorccedilotildees sobre o Egito enalte-cendo a Greacutecia num discurso dogmaacuteti-co numa postura preconceituosa proacutepriada helenofilia sistemaacutetica que tomou boaparte do mundo acadecircmico europeu no

O RACISMO EPISTEcircMICO RECUSA A VALIDADE CIENTIacuteFICA FILOSOacuteFICA E CULTURAL DO CONHECIMENTO PRODUZIDO

POR

ALGUNS

POVOS

A

SABER

OS NAtildeO BRANCOS OS NAtildeO OCIDENTAIS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 57

48 bull ciecircnciaampvida

I M A G E M S H U T T E R S T O C K

piracircmides e aquedutos embalsamarcorpos represar rios criar sistemas so-fisticados de cultivo e agricultura Oraao tratar de Filosofia natildeo poderiacuteamosesperar algo diferente do que a recusaem validar os discursos que dissessemo contraacuterio de modo que parte da fic-ccedilatildeo literaacuteria ocidental dos seacuteculos XIXe XX perguntava se os responsaacuteveis pelodesenvolvimento intelectual cultural ecientiacutefico dos antigos egiacutepcios natildeo teriasido obra de extraterrestres Ora eacute domesmo naipe a definiccedilatildeo do Egito comouma sociedade asiaacutetica por alguns auto-res Sem duacutevida o Egito fica na Aacutefricae aleacutem das informaccedilotildees disponiacuteveis osdados incontestes recolhidos por CheikhAnta Diop (1923-1986) diante dos testes

de melanina feitos em muacutemias pelo fiacutesi-co e historiador senegalecircs natildeo deixammargem para contradiccedilatildeo os egiacutepcioseram negros Em poucas palavras existeum papel nesse aparente ldquoesquecimentordquode que os egiacutepcios eram negros respon-saacuteveis por escolas de Filosofia e autoresconsagrados na Antiguidade que ensi-

naram e foram lidos pelos gregos Ora oque estaacute em jogo eacute a autoridade ocidentalpor classificar alguns discursos comofilosoacuteficos e outros como ldquopensamentordquouma perspectiva poliacutetica de valorizaccedilatildeodos gregos na Antiguidade dando su-

premacia ao Ocidente Existem contra--argumentos que defendem que a Fi-losofia natildeo precisa ser tatildeo valorizada eque natildeo deveriacuteamos nos preocupar emenquadrar um pensamento africano ouasiaacutetico em seu modelo ocidental Orapor que natildeo perguntamos quem auto-rizou o Ocidente a ser a ldquoreacuteguardquo da Fi-losofia Isso natildeo seria resultado de umadisputa geopoliacutetica como nos ensinamFanon e Maldonado-orres Afinal namaior parte das instituiccedilotildees universitaacute-rias e de pesquisa do Brasil e do mundoa aacuterea de Filosofia agrega e reuacutene incen-tivos investimentos reconhecimentopuacuteblico mas a aacuterea ldquoPensamentordquo per-manece livre e fora da disputa dos recur-sos e reconhecimento social A perguntaeacute simples a recusa do caraacuteter filosoacuteficoao pensamento africano assim como atantos outros natildeo faz parte de um pro-

jeto geopoliacutetico de manutenccedilatildeo do statusquo Esse projeto eacute tatildeo bem articuladoque filoacutesofos que discordam em quasetudo convergem quando se trata da pri-mazia grega

Cheikh Diop fez um belo e contun-dente trabalho contra essa perspectivaE ele foi um intelectual africano nasci-do no Senegal que desenvolveu longa-mente a tese de que a Aacutefrica especifi-camente o Egito eacute o berccedilo civilizatoacuterio

da humanidade Na esteira de Diop obritacircnico Martin Bernal (1937-2013)observou que dois modelos explicativosdistintos entraram em conflito e noseacuteculo XIX o modelo ariano se tornoumais influente do que o modelo antigonos meios acadecircmicos ocidentais o quecausou o silenciamento do Egito comocivilizaccedilatildeo que influenciou profunda-mente o mundo helecircnico celebrando aGreacutecia como ldquopurardquo ldquooriginalrdquo e ldquoinven-

seacuteculo XIX Ora diversas vezes o Egi-to antigo aparece imerso em clichecircs osfilmes hollywoodianos trazem muacutemiasfazendo o papel de ldquovilatildesrdquo sendo com-batidas por ldquoheroacuteisrdquo europeus e estadu-nidenses ldquodesvendandordquo os misteacuteriosque devem ser legados para a ldquohumani-daderdquo e que por razotildees desconhecidasestatildeo nas matildeos dos malvados mortos--vivos egiacutepcios Nossa leitura soacute podeestar na contramatildeo dessas imagens queem nada ajudam a elucidar ou ampliarnossa compreensatildeo sobre o Egito prin-cipalmente se quisermos sustentar nossahipoacutetese de que os textos egiacutepcios ante-riores aos gregos jaacute eram filosoacuteficos alcomo nos dizem Cheikh Diop George

James Molefi Asante Maulana Karen-

ga Martin Bernal Teacuteophile ObengaMarimba Ani Nkolo Foeacute MogobeRamose e Joseacute Nunes Carreira o racis-mo contra os negros que questionava osavanccedilos teacutecnicos filosoacuteficos cientiacuteficose culturais do Egito faraocircnico deu ori-gem a discursos que desacreditavam acapacidade dos egiacutepcios de construir

Frantz Fanon (1925-1961) era meacutedico psiquiatra Obteve soacutelidaformaccedilatildeo filosoacutefica e sua tese Pele negra maacutescaras brancas embo-ra tenha virado livro foi recusada pelo mundo acadecircmico Jean-PaulSartre (1905-1980) prefaciou o trabalho e ficou impressionado com ainteligecircncia filosoacutefica de Fanon O martinicano faleceu jovem aos 36anos deixando tambeacutem Os condenados da terra e Sociologia da revoluccedilatildeo

africanaImagens

UMA VIacuteTIMA DOSDOGMAS FILOSOacuteFICOS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 67

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 49

torardquo da Filosofia Mas o modelo antigoreconhece que os gregos natildeo foram osprimeiros Na interpretaccedilatildeo de JamesDiop Asante e Obenga os primeirostextos de Filosofia eram egiacutepcios

Uma constataccedilatildeo importante eacute que

existem pesquisas consistentes que lan-ccedilam muita luz a respeito do assuntoMas os cursos de Filosofia a notar pelosartigos livros monografias disserta-ccedilotildees e teses raramente citam ou se dedi-cam a comentar as teses que apontam osegiacutepcios como autores de textos filosoacutefi-cos que temos registros Em 1954 o ca-ribenho George James publicou o livroStolen Legacy Greek Philosophy Is a Stolen

Egyptian Philosophy [O legado roubadoa Filosofia grega eacute o roubo da Filosofiaegiacutepcia] Mais do que uma provocaccedilatildeo otrabalho ainda sem traduccedilatildeo para a liacuten-gua portuguesa empreende um estudocomparativo que identifica semelhanccedilasentre textos egiacutepcios e gregos Um de-talhe relevante que foi muito bem do-cumentado por Teacuteophile Obenga umdos maiores expoentes contemporacircneosda escola de Egiptologia contemporacirc-

nea inaugurada por Cheik Anta Diopna obra La philosophie africaine de la peacute-

riode pharaonique (2780-330 a C) [AFilosofia africana do periacuteodo faraocircnico(2780-330 aC)] satildeo as datas dos textosObenga nos brinda com material escritoem hieroacuteglifos ou mdt nfr (medet nefer)ndash a liacutengua do Egito antigo ndash bem ante-riores aos textos gregos Ora se algunsdos trabalhos gregos tais como os dePlatatildeo e Aristoacuteteles datam do seacuteculo V

aC osmateriais egiacutepcios de Imhotepdatam de por volta do XXVII a C eos de Ptah-Hotep de XXV aC Ge-orge James por sua vez traz elementoshistoacutericos como a viagem de Pitaacutegoras(570 aC-495 aC) de Samos ao Egitopara estudar na escola de formaccedilatildeo deescribas Ora foi Pitaacutegoras o primeirogrego a empregar o termo ldquoFilosofiardquoObenga sustenta que no Egito jaacute existialdquorekhet rdquo ldquoA palavra rekh (escrita com um

hieroacuteglifo de um homem sentado) sig-nifica lsquohomem saacutebiorsquo isto eacute um homemque permanece aprendendo um erudi-to um filoacutesofo Com efeito o conceitorekhet (escrito com hieroacuteglifos de no-ccedilotildees abstratas) significa lsquoconhecimentorsquolsquoCiecircnciarsquo no sentido de lsquoFilosofiarsquo Ouseja perguntar pela natureza das coisas(khet ) baseado no conhecimento acura-do (rekhet ) e bom (nefer ) discernimento(upi ) A palavra lsquoupi rsquo significa lsquojulgarrsquolsquodiscernirrsquo lsquodissecarrsquo A palavra cognatalsquoupet rsquo significa lsquoespecificaccedilatildeorsquo lsquojulga-mentorsquo e lsquoupsetrsquo quer dizer lsquoespeciacuteficorsquoisto eacute dar os detalhes de algordquo1

Pois bem o modelo antigo de ex-

plicaccedilatildeo da Histoacuteria reconhece esseselementos Mas o modelo ariano quepassou a ganhar mais forccedila a partir doseacuteculo XVIII calou o debate em torno daproduccedilatildeo filosoacutefica egiacutepcia O britacircnicoMartin Bernal escreveu Black Athenas

the Afroasiatic Roots of Classical Civiliza-

tion [Atenas negra as raiacutezes afro-asiaacuteti-cas da civilizaccedilatildeo claacutessica] confrontandoo modelo ariano e revisitando o modeloantigo sustentando que o intercacircmbio

entre os povos que viviam na regiatildeomediterracircnea sempre foi muito intensoe que os continentes africano asiaacutetico eeuropeu sempre trocaram informaccedilotildeesmas para muitos a anterioridade egiacutepciaeacute inegaacutevel A ldquoorigem e o berccedilo da hu-manidade assim como a emergecircncia dacivilizaccedilatildeo do mundo devem ser procu-rados em Aacutefrica O Egito eacute a matildee da ci-

1 OBENGA 2004

vilizaccedilatildeo mundial A civilizaccedilatildeo egiacutepciaeacute especificamente negra Ela evoluiu efloresceu de tal forma que se tornou re-conheciacutevel como a base do humanismode toda Aacutefrica Por conseguinte a Aacutefri-ca natildeo eacute soacute a origem da civilizaccedilatildeo comotambeacutem o berccedilo do desenvolvimento so-cial cultural cientiacutefico e poliacutetico Diopaponta como sendo caracteriacutesticas co-muns de toda Aacutefrica o matriarcado a es-piritualidade o humanismo e o pacifis-mo Estas e outras ideias estatildeo plasmadasno livro Te African Origin of Civilization [A origem africana da civilizaccedilatildeo]rdquo2 Deacordo com a tese de James a Filosofiaseria uma invenccedilatildeo egiacutepcia isto eacute africa-

na contrariando a ideia do berccedilo gregoisto eacute ocidental

EGITO OU GREacuteCIAPois bem em vez de procurarmos

uma origem para a Filosofia estamosde acordo com o raciociacutenio pluriversalproposto pelo filoacutesofo sul-africano Mo-gobe Ramose James faz um belo traba-lho por debater as influecircncias egiacutepciasentre os gregos inclusive expondo que

diversos elementos do pensamento fi-losoacutefico pitagoacuterico trazem agrave cena a for-maccedilatildeo tradicional dos escribas do Egitofaraocircnico Poreacutem existe outro aspectodo problema acerca do nascimento daFilosofia Por que apenas a Filosofiadeveria ter uma ldquonacionalidaderdquo Natildeose fala desta maneira do nascimentoda Religiatildeo ou da Arquitetura como

2 CASIANO 2010

O PROBLEMA ESTAacute EM CONFUNDIR UMA MANEIRA DE FAZER FILOSOFIA COM TODAS AS POSSIBILIDADES DE EXERCIacuteCIO FILOSOacuteFICO

DESSE

MODO

A

FILOSOFIA

GREGA NA A NTIGUIDADE FOI UMA DAS FORMAS DENTRE OUTRAS DE FILOSOFAR

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 77

50 bull ciecircnciaampvida

APPIAH Kwame Anthony Na casa de meupai a Aacutefrica na filosofia da Cultura Trad deVera Ribeiro Satildeo Paulo Editora Contraponto1997 ASANTE Molefi The Egyptian Philosophers Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten Illinois African American Images2000BERNAL Martin Black Athena the AfroasiaticRoots of Classical Civilization tomes I et IINew Brunswick Rutgers University Press1988-1991CARREIRA Joseacute Filosofia antes dos GregosMem Martins Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica1994DIOP Cheikh Anta Anteacuterioriteacute descivilisations negravegres mythe ou veacuteriteacutehistorique Paris Preacutesence Africaine 1967______________ Nations negravegres et cultureParis Preacutesence africaine 1954______________ Parenteacute geacuteneacutetique de

lrsquoeacutegyptien pharaonique et des langues neacutegro-africaines Paris IFANNEA 1977 JAMES George G M Stolen Legacy the GreekPhilosophy Is a Stolen Egyptian Philosophy Drewryville Khalifahrsquos Booksellers amp Associates June 2005OBENGA Theacuteophile Ancient Egypt and Black Africa Chicago IL Karnak House 1992_________________ldquoEgypt Ancient Historyof African Philosophyrdquo In WIREDU Kwasi Acompanion to African Philosophy OxfordBlackwell Publishing 2004 pp 31-49 ________________ La philosophie africainede la peacuteriode pharaonique (2780-330 a C)Paris LrsquoHarmattan 1990

R E F E R Ecirc N C I A S

exclusividade de certo povo Afinal eacutebem razoaacutevel dizer que todos os povosproduzem rituais religiosos ou que asconstruccedilotildees arquitetocircnicas podem usarmateriais variados Como seria susten-tar que entre egiacutepcios maias astecas egregos um povo foi o responsaacutevel pelainvenccedilatildeo da Arquitetura Ora historia-dores da aacuterea dizem que a Arquiteturateria comeccedilado quando os primeiros se-res humanos passaram a construir parase protegerem dos fenocircmenos naturaise de predadores Neste sentido a Ar-quitetura assim como a Religiosidadee a Filosofia seria pluriversal natildeo seriada mesma categoria que o telefone ou oaviatildeo ndash objetos criados inventados numdeterminado momento histoacuterico Por

isso a nossa hipoacutetese eacute de que a Filo-sofia assim como a Arquitetura terianascido em lugares diferentes quandoseres humanos de diversas regiotildees co-meccedilaram a se colocar algumas questotildeesessas questotildees natildeo seriam exclusivas degregos egiacutepcios ou chineses Por que aFilosofia teria que ser grega Um argu-mento eacute que todos os povos tecircm Pensa-mento mas a Filosofia seria um modode pensar exclusivamente grego Ora

por que soacute os gregos teriam feito Filo-sofia Neste ponto voltamos ao que foidito no iniacutecio do artigo O que estaacute em

jogo na ideia de que a Filosofia eacute de ori-gem grega eacute uma posiccedilatildeo poliacutetica umamaneira de esvaziar outras Filosofias enatildeo reconhecer a Filosofia como produ-to da multiplicidade de Filosofias locais

Vale a pena examinar outro contra--argumento a palavra ldquoFilosofiardquo eacutegrega Pois bem em egiacutepcio antigo na

escrita hierogliacutefica existem outras ver-sotildees que divergem da exclusividade dotermo Os egiacutepcios antigos usavam otermo ldquorekhrdquo para designar um ser hu-mano versado naquilo que o filoacutesofoPtah-Hotep chama de arte das artesuma arte cujos limites nunca ldquopodem seralcanccedilados e a destreza de nenhum ar-tista eacute perfeitardquo O que eacute corroborado nas

Inscriccedilotildees de Antef que expotildeem as carac-teriacutesticas de uma pessoa que eacute mais saacutebiaque o saacutebio[ porque traz de si mesma asabedoria Ora natildeo se trata de um saacutebiomas de uma pessoa que nunca chega agraveconclusatildeo daquilo que sabe e por issosabe mais que o saacutebio

A conclusatildeo parcial a que podemoschegar eacute bem simples uma resposta a

respeito da questatildeo que mobilizou ospercursos deste trabalho A Filosofianasceu no Egito ou na Greacutecia Ora natildeonasceu no Egito tampouco na Greacutecia

extos chineses indianos maias aste-cas e ameriacutendios ainda aguardam paraentrar no cenaacuterio acadecircmico A Filoso-fia eacute pluriversal e tal como a Muacutesica ea Arquitetura natildeo nasceu apenas porldquoimposiccedilotildeesrdquo espaciais geograacuteficas eidentificaccedilotildees de gecircnero sexualidade

eacutetnicas e raciais mas de elementos exis-tenciais e em certa medida inerentes agravecondiccedilatildeo humana Por isso eacute estranhodefender somente na Filosofia umaprimazia grega sem fazer disso um temapara a anaacutelise filosoacutefica com uma pos-tura inocente e ateacute ingecircnua diante dascondiccedilotildees poliacuteticas de produccedilatildeo do pen-samento Para interessadas(os) em aderirou recusar os argumentos aqui expostossugiro que os juiacutezos sejam suspensos e

fica o convite adentrar algumas leitu-ras antes de decidir aceitar ou objetar atese de que a Filosofia natildeo tem certidatildeogrega Diop James Obenga BernalAsante Ani Carrera Maldonado-or-res Fanon e sem duacutevida alguns textosegiacutepcios Fica a sugestatildeo para quem qui-ser analisar cuidadosamente e com rigora existecircncia do caraacuteter filosoacutefico dostextos egiacutepcios atraveacutes das traduccedilotildees deEmanoel Arauacutejo que estatildeo disponiacuteveisem Escritos para a eternidade a literatura

no Egito faraocircnico

POR QUE APENAS A FILOSOFIA DEVERIA TER UMA ldquoNACIONALIDADErdquo N AtildeO SE FALA DESTA MANEIRA DO NASCIMENTO DA R ELIGIAtildeO OU DA A RQUITETURA COMO EXCLUSIVIDADE DE DETERMINADO POVO

Page 5: Tabu Da Filosofia

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 57

48 bull ciecircnciaampvida

I M A G E M S H U T T E R S T O C K

piracircmides e aquedutos embalsamarcorpos represar rios criar sistemas so-fisticados de cultivo e agricultura Oraao tratar de Filosofia natildeo poderiacuteamosesperar algo diferente do que a recusaem validar os discursos que dissessemo contraacuterio de modo que parte da fic-ccedilatildeo literaacuteria ocidental dos seacuteculos XIXe XX perguntava se os responsaacuteveis pelodesenvolvimento intelectual cultural ecientiacutefico dos antigos egiacutepcios natildeo teriasido obra de extraterrestres Ora eacute domesmo naipe a definiccedilatildeo do Egito comouma sociedade asiaacutetica por alguns auto-res Sem duacutevida o Egito fica na Aacutefricae aleacutem das informaccedilotildees disponiacuteveis osdados incontestes recolhidos por CheikhAnta Diop (1923-1986) diante dos testes

de melanina feitos em muacutemias pelo fiacutesi-co e historiador senegalecircs natildeo deixammargem para contradiccedilatildeo os egiacutepcioseram negros Em poucas palavras existeum papel nesse aparente ldquoesquecimentordquode que os egiacutepcios eram negros respon-saacuteveis por escolas de Filosofia e autoresconsagrados na Antiguidade que ensi-

naram e foram lidos pelos gregos Ora oque estaacute em jogo eacute a autoridade ocidentalpor classificar alguns discursos comofilosoacuteficos e outros como ldquopensamentordquouma perspectiva poliacutetica de valorizaccedilatildeodos gregos na Antiguidade dando su-

premacia ao Ocidente Existem contra--argumentos que defendem que a Fi-losofia natildeo precisa ser tatildeo valorizada eque natildeo deveriacuteamos nos preocupar emenquadrar um pensamento africano ouasiaacutetico em seu modelo ocidental Orapor que natildeo perguntamos quem auto-rizou o Ocidente a ser a ldquoreacuteguardquo da Fi-losofia Isso natildeo seria resultado de umadisputa geopoliacutetica como nos ensinamFanon e Maldonado-orres Afinal namaior parte das instituiccedilotildees universitaacute-rias e de pesquisa do Brasil e do mundoa aacuterea de Filosofia agrega e reuacutene incen-tivos investimentos reconhecimentopuacuteblico mas a aacuterea ldquoPensamentordquo per-manece livre e fora da disputa dos recur-sos e reconhecimento social A perguntaeacute simples a recusa do caraacuteter filosoacuteficoao pensamento africano assim como atantos outros natildeo faz parte de um pro-

jeto geopoliacutetico de manutenccedilatildeo do statusquo Esse projeto eacute tatildeo bem articuladoque filoacutesofos que discordam em quasetudo convergem quando se trata da pri-mazia grega

Cheikh Diop fez um belo e contun-dente trabalho contra essa perspectivaE ele foi um intelectual africano nasci-do no Senegal que desenvolveu longa-mente a tese de que a Aacutefrica especifi-camente o Egito eacute o berccedilo civilizatoacuterio

da humanidade Na esteira de Diop obritacircnico Martin Bernal (1937-2013)observou que dois modelos explicativosdistintos entraram em conflito e noseacuteculo XIX o modelo ariano se tornoumais influente do que o modelo antigonos meios acadecircmicos ocidentais o quecausou o silenciamento do Egito comocivilizaccedilatildeo que influenciou profunda-mente o mundo helecircnico celebrando aGreacutecia como ldquopurardquo ldquooriginalrdquo e ldquoinven-

seacuteculo XIX Ora diversas vezes o Egi-to antigo aparece imerso em clichecircs osfilmes hollywoodianos trazem muacutemiasfazendo o papel de ldquovilatildesrdquo sendo com-batidas por ldquoheroacuteisrdquo europeus e estadu-nidenses ldquodesvendandordquo os misteacuteriosque devem ser legados para a ldquohumani-daderdquo e que por razotildees desconhecidasestatildeo nas matildeos dos malvados mortos--vivos egiacutepcios Nossa leitura soacute podeestar na contramatildeo dessas imagens queem nada ajudam a elucidar ou ampliarnossa compreensatildeo sobre o Egito prin-cipalmente se quisermos sustentar nossahipoacutetese de que os textos egiacutepcios ante-riores aos gregos jaacute eram filosoacuteficos alcomo nos dizem Cheikh Diop George

James Molefi Asante Maulana Karen-

ga Martin Bernal Teacuteophile ObengaMarimba Ani Nkolo Foeacute MogobeRamose e Joseacute Nunes Carreira o racis-mo contra os negros que questionava osavanccedilos teacutecnicos filosoacuteficos cientiacuteficose culturais do Egito faraocircnico deu ori-gem a discursos que desacreditavam acapacidade dos egiacutepcios de construir

Frantz Fanon (1925-1961) era meacutedico psiquiatra Obteve soacutelidaformaccedilatildeo filosoacutefica e sua tese Pele negra maacutescaras brancas embo-ra tenha virado livro foi recusada pelo mundo acadecircmico Jean-PaulSartre (1905-1980) prefaciou o trabalho e ficou impressionado com ainteligecircncia filosoacutefica de Fanon O martinicano faleceu jovem aos 36anos deixando tambeacutem Os condenados da terra e Sociologia da revoluccedilatildeo

africanaImagens

UMA VIacuteTIMA DOSDOGMAS FILOSOacuteFICOS

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 67

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 49

torardquo da Filosofia Mas o modelo antigoreconhece que os gregos natildeo foram osprimeiros Na interpretaccedilatildeo de JamesDiop Asante e Obenga os primeirostextos de Filosofia eram egiacutepcios

Uma constataccedilatildeo importante eacute que

existem pesquisas consistentes que lan-ccedilam muita luz a respeito do assuntoMas os cursos de Filosofia a notar pelosartigos livros monografias disserta-ccedilotildees e teses raramente citam ou se dedi-cam a comentar as teses que apontam osegiacutepcios como autores de textos filosoacutefi-cos que temos registros Em 1954 o ca-ribenho George James publicou o livroStolen Legacy Greek Philosophy Is a Stolen

Egyptian Philosophy [O legado roubadoa Filosofia grega eacute o roubo da Filosofiaegiacutepcia] Mais do que uma provocaccedilatildeo otrabalho ainda sem traduccedilatildeo para a liacuten-gua portuguesa empreende um estudocomparativo que identifica semelhanccedilasentre textos egiacutepcios e gregos Um de-talhe relevante que foi muito bem do-cumentado por Teacuteophile Obenga umdos maiores expoentes contemporacircneosda escola de Egiptologia contemporacirc-

nea inaugurada por Cheik Anta Diopna obra La philosophie africaine de la peacute-

riode pharaonique (2780-330 a C) [AFilosofia africana do periacuteodo faraocircnico(2780-330 aC)] satildeo as datas dos textosObenga nos brinda com material escritoem hieroacuteglifos ou mdt nfr (medet nefer)ndash a liacutengua do Egito antigo ndash bem ante-riores aos textos gregos Ora se algunsdos trabalhos gregos tais como os dePlatatildeo e Aristoacuteteles datam do seacuteculo V

aC osmateriais egiacutepcios de Imhotepdatam de por volta do XXVII a C eos de Ptah-Hotep de XXV aC Ge-orge James por sua vez traz elementoshistoacutericos como a viagem de Pitaacutegoras(570 aC-495 aC) de Samos ao Egitopara estudar na escola de formaccedilatildeo deescribas Ora foi Pitaacutegoras o primeirogrego a empregar o termo ldquoFilosofiardquoObenga sustenta que no Egito jaacute existialdquorekhet rdquo ldquoA palavra rekh (escrita com um

hieroacuteglifo de um homem sentado) sig-nifica lsquohomem saacutebiorsquo isto eacute um homemque permanece aprendendo um erudi-to um filoacutesofo Com efeito o conceitorekhet (escrito com hieroacuteglifos de no-ccedilotildees abstratas) significa lsquoconhecimentorsquolsquoCiecircnciarsquo no sentido de lsquoFilosofiarsquo Ouseja perguntar pela natureza das coisas(khet ) baseado no conhecimento acura-do (rekhet ) e bom (nefer ) discernimento(upi ) A palavra lsquoupi rsquo significa lsquojulgarrsquolsquodiscernirrsquo lsquodissecarrsquo A palavra cognatalsquoupet rsquo significa lsquoespecificaccedilatildeorsquo lsquojulga-mentorsquo e lsquoupsetrsquo quer dizer lsquoespeciacuteficorsquoisto eacute dar os detalhes de algordquo1

Pois bem o modelo antigo de ex-

plicaccedilatildeo da Histoacuteria reconhece esseselementos Mas o modelo ariano quepassou a ganhar mais forccedila a partir doseacuteculo XVIII calou o debate em torno daproduccedilatildeo filosoacutefica egiacutepcia O britacircnicoMartin Bernal escreveu Black Athenas

the Afroasiatic Roots of Classical Civiliza-

tion [Atenas negra as raiacutezes afro-asiaacuteti-cas da civilizaccedilatildeo claacutessica] confrontandoo modelo ariano e revisitando o modeloantigo sustentando que o intercacircmbio

entre os povos que viviam na regiatildeomediterracircnea sempre foi muito intensoe que os continentes africano asiaacutetico eeuropeu sempre trocaram informaccedilotildeesmas para muitos a anterioridade egiacutepciaeacute inegaacutevel A ldquoorigem e o berccedilo da hu-manidade assim como a emergecircncia dacivilizaccedilatildeo do mundo devem ser procu-rados em Aacutefrica O Egito eacute a matildee da ci-

1 OBENGA 2004

vilizaccedilatildeo mundial A civilizaccedilatildeo egiacutepciaeacute especificamente negra Ela evoluiu efloresceu de tal forma que se tornou re-conheciacutevel como a base do humanismode toda Aacutefrica Por conseguinte a Aacutefri-ca natildeo eacute soacute a origem da civilizaccedilatildeo comotambeacutem o berccedilo do desenvolvimento so-cial cultural cientiacutefico e poliacutetico Diopaponta como sendo caracteriacutesticas co-muns de toda Aacutefrica o matriarcado a es-piritualidade o humanismo e o pacifis-mo Estas e outras ideias estatildeo plasmadasno livro Te African Origin of Civilization [A origem africana da civilizaccedilatildeo]rdquo2 Deacordo com a tese de James a Filosofiaseria uma invenccedilatildeo egiacutepcia isto eacute africa-

na contrariando a ideia do berccedilo gregoisto eacute ocidental

EGITO OU GREacuteCIAPois bem em vez de procurarmos

uma origem para a Filosofia estamosde acordo com o raciociacutenio pluriversalproposto pelo filoacutesofo sul-africano Mo-gobe Ramose James faz um belo traba-lho por debater as influecircncias egiacutepciasentre os gregos inclusive expondo que

diversos elementos do pensamento fi-losoacutefico pitagoacuterico trazem agrave cena a for-maccedilatildeo tradicional dos escribas do Egitofaraocircnico Poreacutem existe outro aspectodo problema acerca do nascimento daFilosofia Por que apenas a Filosofiadeveria ter uma ldquonacionalidaderdquo Natildeose fala desta maneira do nascimentoda Religiatildeo ou da Arquitetura como

2 CASIANO 2010

O PROBLEMA ESTAacute EM CONFUNDIR UMA MANEIRA DE FAZER FILOSOFIA COM TODAS AS POSSIBILIDADES DE EXERCIacuteCIO FILOSOacuteFICO

DESSE

MODO

A

FILOSOFIA

GREGA NA A NTIGUIDADE FOI UMA DAS FORMAS DENTRE OUTRAS DE FILOSOFAR

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 77

50 bull ciecircnciaampvida

APPIAH Kwame Anthony Na casa de meupai a Aacutefrica na filosofia da Cultura Trad deVera Ribeiro Satildeo Paulo Editora Contraponto1997 ASANTE Molefi The Egyptian Philosophers Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten Illinois African American Images2000BERNAL Martin Black Athena the AfroasiaticRoots of Classical Civilization tomes I et IINew Brunswick Rutgers University Press1988-1991CARREIRA Joseacute Filosofia antes dos GregosMem Martins Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica1994DIOP Cheikh Anta Anteacuterioriteacute descivilisations negravegres mythe ou veacuteriteacutehistorique Paris Preacutesence Africaine 1967______________ Nations negravegres et cultureParis Preacutesence africaine 1954______________ Parenteacute geacuteneacutetique de

lrsquoeacutegyptien pharaonique et des langues neacutegro-africaines Paris IFANNEA 1977 JAMES George G M Stolen Legacy the GreekPhilosophy Is a Stolen Egyptian Philosophy Drewryville Khalifahrsquos Booksellers amp Associates June 2005OBENGA Theacuteophile Ancient Egypt and Black Africa Chicago IL Karnak House 1992_________________ldquoEgypt Ancient Historyof African Philosophyrdquo In WIREDU Kwasi Acompanion to African Philosophy OxfordBlackwell Publishing 2004 pp 31-49 ________________ La philosophie africainede la peacuteriode pharaonique (2780-330 a C)Paris LrsquoHarmattan 1990

R E F E R Ecirc N C I A S

exclusividade de certo povo Afinal eacutebem razoaacutevel dizer que todos os povosproduzem rituais religiosos ou que asconstruccedilotildees arquitetocircnicas podem usarmateriais variados Como seria susten-tar que entre egiacutepcios maias astecas egregos um povo foi o responsaacutevel pelainvenccedilatildeo da Arquitetura Ora historia-dores da aacuterea dizem que a Arquiteturateria comeccedilado quando os primeiros se-res humanos passaram a construir parase protegerem dos fenocircmenos naturaise de predadores Neste sentido a Ar-quitetura assim como a Religiosidadee a Filosofia seria pluriversal natildeo seriada mesma categoria que o telefone ou oaviatildeo ndash objetos criados inventados numdeterminado momento histoacuterico Por

isso a nossa hipoacutetese eacute de que a Filo-sofia assim como a Arquitetura terianascido em lugares diferentes quandoseres humanos de diversas regiotildees co-meccedilaram a se colocar algumas questotildeesessas questotildees natildeo seriam exclusivas degregos egiacutepcios ou chineses Por que aFilosofia teria que ser grega Um argu-mento eacute que todos os povos tecircm Pensa-mento mas a Filosofia seria um modode pensar exclusivamente grego Ora

por que soacute os gregos teriam feito Filo-sofia Neste ponto voltamos ao que foidito no iniacutecio do artigo O que estaacute em

jogo na ideia de que a Filosofia eacute de ori-gem grega eacute uma posiccedilatildeo poliacutetica umamaneira de esvaziar outras Filosofias enatildeo reconhecer a Filosofia como produ-to da multiplicidade de Filosofias locais

Vale a pena examinar outro contra--argumento a palavra ldquoFilosofiardquo eacutegrega Pois bem em egiacutepcio antigo na

escrita hierogliacutefica existem outras ver-sotildees que divergem da exclusividade dotermo Os egiacutepcios antigos usavam otermo ldquorekhrdquo para designar um ser hu-mano versado naquilo que o filoacutesofoPtah-Hotep chama de arte das artesuma arte cujos limites nunca ldquopodem seralcanccedilados e a destreza de nenhum ar-tista eacute perfeitardquo O que eacute corroborado nas

Inscriccedilotildees de Antef que expotildeem as carac-teriacutesticas de uma pessoa que eacute mais saacutebiaque o saacutebio[ porque traz de si mesma asabedoria Ora natildeo se trata de um saacutebiomas de uma pessoa que nunca chega agraveconclusatildeo daquilo que sabe e por issosabe mais que o saacutebio

A conclusatildeo parcial a que podemoschegar eacute bem simples uma resposta a

respeito da questatildeo que mobilizou ospercursos deste trabalho A Filosofianasceu no Egito ou na Greacutecia Ora natildeonasceu no Egito tampouco na Greacutecia

extos chineses indianos maias aste-cas e ameriacutendios ainda aguardam paraentrar no cenaacuterio acadecircmico A Filoso-fia eacute pluriversal e tal como a Muacutesica ea Arquitetura natildeo nasceu apenas porldquoimposiccedilotildeesrdquo espaciais geograacuteficas eidentificaccedilotildees de gecircnero sexualidade

eacutetnicas e raciais mas de elementos exis-tenciais e em certa medida inerentes agravecondiccedilatildeo humana Por isso eacute estranhodefender somente na Filosofia umaprimazia grega sem fazer disso um temapara a anaacutelise filosoacutefica com uma pos-tura inocente e ateacute ingecircnua diante dascondiccedilotildees poliacuteticas de produccedilatildeo do pen-samento Para interessadas(os) em aderirou recusar os argumentos aqui expostossugiro que os juiacutezos sejam suspensos e

fica o convite adentrar algumas leitu-ras antes de decidir aceitar ou objetar atese de que a Filosofia natildeo tem certidatildeogrega Diop James Obenga BernalAsante Ani Carrera Maldonado-or-res Fanon e sem duacutevida alguns textosegiacutepcios Fica a sugestatildeo para quem qui-ser analisar cuidadosamente e com rigora existecircncia do caraacuteter filosoacutefico dostextos egiacutepcios atraveacutes das traduccedilotildees deEmanoel Arauacutejo que estatildeo disponiacuteveisem Escritos para a eternidade a literatura

no Egito faraocircnico

POR QUE APENAS A FILOSOFIA DEVERIA TER UMA ldquoNACIONALIDADErdquo N AtildeO SE FALA DESTA MANEIRA DO NASCIMENTO DA R ELIGIAtildeO OU DA A RQUITETURA COMO EXCLUSIVIDADE DE DETERMINADO POVO

Page 6: Tabu Da Filosofia

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 67

wwwportalcienciaevidacombr bull ciecircnciaampvida bull 49

torardquo da Filosofia Mas o modelo antigoreconhece que os gregos natildeo foram osprimeiros Na interpretaccedilatildeo de JamesDiop Asante e Obenga os primeirostextos de Filosofia eram egiacutepcios

Uma constataccedilatildeo importante eacute que

existem pesquisas consistentes que lan-ccedilam muita luz a respeito do assuntoMas os cursos de Filosofia a notar pelosartigos livros monografias disserta-ccedilotildees e teses raramente citam ou se dedi-cam a comentar as teses que apontam osegiacutepcios como autores de textos filosoacutefi-cos que temos registros Em 1954 o ca-ribenho George James publicou o livroStolen Legacy Greek Philosophy Is a Stolen

Egyptian Philosophy [O legado roubadoa Filosofia grega eacute o roubo da Filosofiaegiacutepcia] Mais do que uma provocaccedilatildeo otrabalho ainda sem traduccedilatildeo para a liacuten-gua portuguesa empreende um estudocomparativo que identifica semelhanccedilasentre textos egiacutepcios e gregos Um de-talhe relevante que foi muito bem do-cumentado por Teacuteophile Obenga umdos maiores expoentes contemporacircneosda escola de Egiptologia contemporacirc-

nea inaugurada por Cheik Anta Diopna obra La philosophie africaine de la peacute-

riode pharaonique (2780-330 a C) [AFilosofia africana do periacuteodo faraocircnico(2780-330 aC)] satildeo as datas dos textosObenga nos brinda com material escritoem hieroacuteglifos ou mdt nfr (medet nefer)ndash a liacutengua do Egito antigo ndash bem ante-riores aos textos gregos Ora se algunsdos trabalhos gregos tais como os dePlatatildeo e Aristoacuteteles datam do seacuteculo V

aC osmateriais egiacutepcios de Imhotepdatam de por volta do XXVII a C eos de Ptah-Hotep de XXV aC Ge-orge James por sua vez traz elementoshistoacutericos como a viagem de Pitaacutegoras(570 aC-495 aC) de Samos ao Egitopara estudar na escola de formaccedilatildeo deescribas Ora foi Pitaacutegoras o primeirogrego a empregar o termo ldquoFilosofiardquoObenga sustenta que no Egito jaacute existialdquorekhet rdquo ldquoA palavra rekh (escrita com um

hieroacuteglifo de um homem sentado) sig-nifica lsquohomem saacutebiorsquo isto eacute um homemque permanece aprendendo um erudi-to um filoacutesofo Com efeito o conceitorekhet (escrito com hieroacuteglifos de no-ccedilotildees abstratas) significa lsquoconhecimentorsquolsquoCiecircnciarsquo no sentido de lsquoFilosofiarsquo Ouseja perguntar pela natureza das coisas(khet ) baseado no conhecimento acura-do (rekhet ) e bom (nefer ) discernimento(upi ) A palavra lsquoupi rsquo significa lsquojulgarrsquolsquodiscernirrsquo lsquodissecarrsquo A palavra cognatalsquoupet rsquo significa lsquoespecificaccedilatildeorsquo lsquojulga-mentorsquo e lsquoupsetrsquo quer dizer lsquoespeciacuteficorsquoisto eacute dar os detalhes de algordquo1

Pois bem o modelo antigo de ex-

plicaccedilatildeo da Histoacuteria reconhece esseselementos Mas o modelo ariano quepassou a ganhar mais forccedila a partir doseacuteculo XVIII calou o debate em torno daproduccedilatildeo filosoacutefica egiacutepcia O britacircnicoMartin Bernal escreveu Black Athenas

the Afroasiatic Roots of Classical Civiliza-

tion [Atenas negra as raiacutezes afro-asiaacuteti-cas da civilizaccedilatildeo claacutessica] confrontandoo modelo ariano e revisitando o modeloantigo sustentando que o intercacircmbio

entre os povos que viviam na regiatildeomediterracircnea sempre foi muito intensoe que os continentes africano asiaacutetico eeuropeu sempre trocaram informaccedilotildeesmas para muitos a anterioridade egiacutepciaeacute inegaacutevel A ldquoorigem e o berccedilo da hu-manidade assim como a emergecircncia dacivilizaccedilatildeo do mundo devem ser procu-rados em Aacutefrica O Egito eacute a matildee da ci-

1 OBENGA 2004

vilizaccedilatildeo mundial A civilizaccedilatildeo egiacutepciaeacute especificamente negra Ela evoluiu efloresceu de tal forma que se tornou re-conheciacutevel como a base do humanismode toda Aacutefrica Por conseguinte a Aacutefri-ca natildeo eacute soacute a origem da civilizaccedilatildeo comotambeacutem o berccedilo do desenvolvimento so-cial cultural cientiacutefico e poliacutetico Diopaponta como sendo caracteriacutesticas co-muns de toda Aacutefrica o matriarcado a es-piritualidade o humanismo e o pacifis-mo Estas e outras ideias estatildeo plasmadasno livro Te African Origin of Civilization [A origem africana da civilizaccedilatildeo]rdquo2 Deacordo com a tese de James a Filosofiaseria uma invenccedilatildeo egiacutepcia isto eacute africa-

na contrariando a ideia do berccedilo gregoisto eacute ocidental

EGITO OU GREacuteCIAPois bem em vez de procurarmos

uma origem para a Filosofia estamosde acordo com o raciociacutenio pluriversalproposto pelo filoacutesofo sul-africano Mo-gobe Ramose James faz um belo traba-lho por debater as influecircncias egiacutepciasentre os gregos inclusive expondo que

diversos elementos do pensamento fi-losoacutefico pitagoacuterico trazem agrave cena a for-maccedilatildeo tradicional dos escribas do Egitofaraocircnico Poreacutem existe outro aspectodo problema acerca do nascimento daFilosofia Por que apenas a Filosofiadeveria ter uma ldquonacionalidaderdquo Natildeose fala desta maneira do nascimentoda Religiatildeo ou da Arquitetura como

2 CASIANO 2010

O PROBLEMA ESTAacute EM CONFUNDIR UMA MANEIRA DE FAZER FILOSOFIA COM TODAS AS POSSIBILIDADES DE EXERCIacuteCIO FILOSOacuteFICO

DESSE

MODO

A

FILOSOFIA

GREGA NA A NTIGUIDADE FOI UMA DAS FORMAS DENTRE OUTRAS DE FILOSOFAR

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 77

50 bull ciecircnciaampvida

APPIAH Kwame Anthony Na casa de meupai a Aacutefrica na filosofia da Cultura Trad deVera Ribeiro Satildeo Paulo Editora Contraponto1997 ASANTE Molefi The Egyptian Philosophers Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten Illinois African American Images2000BERNAL Martin Black Athena the AfroasiaticRoots of Classical Civilization tomes I et IINew Brunswick Rutgers University Press1988-1991CARREIRA Joseacute Filosofia antes dos GregosMem Martins Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica1994DIOP Cheikh Anta Anteacuterioriteacute descivilisations negravegres mythe ou veacuteriteacutehistorique Paris Preacutesence Africaine 1967______________ Nations negravegres et cultureParis Preacutesence africaine 1954______________ Parenteacute geacuteneacutetique de

lrsquoeacutegyptien pharaonique et des langues neacutegro-africaines Paris IFANNEA 1977 JAMES George G M Stolen Legacy the GreekPhilosophy Is a Stolen Egyptian Philosophy Drewryville Khalifahrsquos Booksellers amp Associates June 2005OBENGA Theacuteophile Ancient Egypt and Black Africa Chicago IL Karnak House 1992_________________ldquoEgypt Ancient Historyof African Philosophyrdquo In WIREDU Kwasi Acompanion to African Philosophy OxfordBlackwell Publishing 2004 pp 31-49 ________________ La philosophie africainede la peacuteriode pharaonique (2780-330 a C)Paris LrsquoHarmattan 1990

R E F E R Ecirc N C I A S

exclusividade de certo povo Afinal eacutebem razoaacutevel dizer que todos os povosproduzem rituais religiosos ou que asconstruccedilotildees arquitetocircnicas podem usarmateriais variados Como seria susten-tar que entre egiacutepcios maias astecas egregos um povo foi o responsaacutevel pelainvenccedilatildeo da Arquitetura Ora historia-dores da aacuterea dizem que a Arquiteturateria comeccedilado quando os primeiros se-res humanos passaram a construir parase protegerem dos fenocircmenos naturaise de predadores Neste sentido a Ar-quitetura assim como a Religiosidadee a Filosofia seria pluriversal natildeo seriada mesma categoria que o telefone ou oaviatildeo ndash objetos criados inventados numdeterminado momento histoacuterico Por

isso a nossa hipoacutetese eacute de que a Filo-sofia assim como a Arquitetura terianascido em lugares diferentes quandoseres humanos de diversas regiotildees co-meccedilaram a se colocar algumas questotildeesessas questotildees natildeo seriam exclusivas degregos egiacutepcios ou chineses Por que aFilosofia teria que ser grega Um argu-mento eacute que todos os povos tecircm Pensa-mento mas a Filosofia seria um modode pensar exclusivamente grego Ora

por que soacute os gregos teriam feito Filo-sofia Neste ponto voltamos ao que foidito no iniacutecio do artigo O que estaacute em

jogo na ideia de que a Filosofia eacute de ori-gem grega eacute uma posiccedilatildeo poliacutetica umamaneira de esvaziar outras Filosofias enatildeo reconhecer a Filosofia como produ-to da multiplicidade de Filosofias locais

Vale a pena examinar outro contra--argumento a palavra ldquoFilosofiardquo eacutegrega Pois bem em egiacutepcio antigo na

escrita hierogliacutefica existem outras ver-sotildees que divergem da exclusividade dotermo Os egiacutepcios antigos usavam otermo ldquorekhrdquo para designar um ser hu-mano versado naquilo que o filoacutesofoPtah-Hotep chama de arte das artesuma arte cujos limites nunca ldquopodem seralcanccedilados e a destreza de nenhum ar-tista eacute perfeitardquo O que eacute corroborado nas

Inscriccedilotildees de Antef que expotildeem as carac-teriacutesticas de uma pessoa que eacute mais saacutebiaque o saacutebio[ porque traz de si mesma asabedoria Ora natildeo se trata de um saacutebiomas de uma pessoa que nunca chega agraveconclusatildeo daquilo que sabe e por issosabe mais que o saacutebio

A conclusatildeo parcial a que podemoschegar eacute bem simples uma resposta a

respeito da questatildeo que mobilizou ospercursos deste trabalho A Filosofianasceu no Egito ou na Greacutecia Ora natildeonasceu no Egito tampouco na Greacutecia

extos chineses indianos maias aste-cas e ameriacutendios ainda aguardam paraentrar no cenaacuterio acadecircmico A Filoso-fia eacute pluriversal e tal como a Muacutesica ea Arquitetura natildeo nasceu apenas porldquoimposiccedilotildeesrdquo espaciais geograacuteficas eidentificaccedilotildees de gecircnero sexualidade

eacutetnicas e raciais mas de elementos exis-tenciais e em certa medida inerentes agravecondiccedilatildeo humana Por isso eacute estranhodefender somente na Filosofia umaprimazia grega sem fazer disso um temapara a anaacutelise filosoacutefica com uma pos-tura inocente e ateacute ingecircnua diante dascondiccedilotildees poliacuteticas de produccedilatildeo do pen-samento Para interessadas(os) em aderirou recusar os argumentos aqui expostossugiro que os juiacutezos sejam suspensos e

fica o convite adentrar algumas leitu-ras antes de decidir aceitar ou objetar atese de que a Filosofia natildeo tem certidatildeogrega Diop James Obenga BernalAsante Ani Carrera Maldonado-or-res Fanon e sem duacutevida alguns textosegiacutepcios Fica a sugestatildeo para quem qui-ser analisar cuidadosamente e com rigora existecircncia do caraacuteter filosoacutefico dostextos egiacutepcios atraveacutes das traduccedilotildees deEmanoel Arauacutejo que estatildeo disponiacuteveisem Escritos para a eternidade a literatura

no Egito faraocircnico

POR QUE APENAS A FILOSOFIA DEVERIA TER UMA ldquoNACIONALIDADErdquo N AtildeO SE FALA DESTA MANEIRA DO NASCIMENTO DA R ELIGIAtildeO OU DA A RQUITETURA COMO EXCLUSIVIDADE DE DETERMINADO POVO

Page 7: Tabu Da Filosofia

8102019 Tabu Da Filosofia

httpslidepdfcomreaderfulltabu-da-filosofia 77

50 bull ciecircnciaampvida

APPIAH Kwame Anthony Na casa de meupai a Aacutefrica na filosofia da Cultura Trad deVera Ribeiro Satildeo Paulo Editora Contraponto1997 ASANTE Molefi The Egyptian Philosophers Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten Illinois African American Images2000BERNAL Martin Black Athena the AfroasiaticRoots of Classical Civilization tomes I et IINew Brunswick Rutgers University Press1988-1991CARREIRA Joseacute Filosofia antes dos GregosMem Martins Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica1994DIOP Cheikh Anta Anteacuterioriteacute descivilisations negravegres mythe ou veacuteriteacutehistorique Paris Preacutesence Africaine 1967______________ Nations negravegres et cultureParis Preacutesence africaine 1954______________ Parenteacute geacuteneacutetique de

lrsquoeacutegyptien pharaonique et des langues neacutegro-africaines Paris IFANNEA 1977 JAMES George G M Stolen Legacy the GreekPhilosophy Is a Stolen Egyptian Philosophy Drewryville Khalifahrsquos Booksellers amp Associates June 2005OBENGA Theacuteophile Ancient Egypt and Black Africa Chicago IL Karnak House 1992_________________ldquoEgypt Ancient Historyof African Philosophyrdquo In WIREDU Kwasi Acompanion to African Philosophy OxfordBlackwell Publishing 2004 pp 31-49 ________________ La philosophie africainede la peacuteriode pharaonique (2780-330 a C)Paris LrsquoHarmattan 1990

R E F E R Ecirc N C I A S

exclusividade de certo povo Afinal eacutebem razoaacutevel dizer que todos os povosproduzem rituais religiosos ou que asconstruccedilotildees arquitetocircnicas podem usarmateriais variados Como seria susten-tar que entre egiacutepcios maias astecas egregos um povo foi o responsaacutevel pelainvenccedilatildeo da Arquitetura Ora historia-dores da aacuterea dizem que a Arquiteturateria comeccedilado quando os primeiros se-res humanos passaram a construir parase protegerem dos fenocircmenos naturaise de predadores Neste sentido a Ar-quitetura assim como a Religiosidadee a Filosofia seria pluriversal natildeo seriada mesma categoria que o telefone ou oaviatildeo ndash objetos criados inventados numdeterminado momento histoacuterico Por

isso a nossa hipoacutetese eacute de que a Filo-sofia assim como a Arquitetura terianascido em lugares diferentes quandoseres humanos de diversas regiotildees co-meccedilaram a se colocar algumas questotildeesessas questotildees natildeo seriam exclusivas degregos egiacutepcios ou chineses Por que aFilosofia teria que ser grega Um argu-mento eacute que todos os povos tecircm Pensa-mento mas a Filosofia seria um modode pensar exclusivamente grego Ora

por que soacute os gregos teriam feito Filo-sofia Neste ponto voltamos ao que foidito no iniacutecio do artigo O que estaacute em

jogo na ideia de que a Filosofia eacute de ori-gem grega eacute uma posiccedilatildeo poliacutetica umamaneira de esvaziar outras Filosofias enatildeo reconhecer a Filosofia como produ-to da multiplicidade de Filosofias locais

Vale a pena examinar outro contra--argumento a palavra ldquoFilosofiardquo eacutegrega Pois bem em egiacutepcio antigo na

escrita hierogliacutefica existem outras ver-sotildees que divergem da exclusividade dotermo Os egiacutepcios antigos usavam otermo ldquorekhrdquo para designar um ser hu-mano versado naquilo que o filoacutesofoPtah-Hotep chama de arte das artesuma arte cujos limites nunca ldquopodem seralcanccedilados e a destreza de nenhum ar-tista eacute perfeitardquo O que eacute corroborado nas

Inscriccedilotildees de Antef que expotildeem as carac-teriacutesticas de uma pessoa que eacute mais saacutebiaque o saacutebio[ porque traz de si mesma asabedoria Ora natildeo se trata de um saacutebiomas de uma pessoa que nunca chega agraveconclusatildeo daquilo que sabe e por issosabe mais que o saacutebio

A conclusatildeo parcial a que podemoschegar eacute bem simples uma resposta a

respeito da questatildeo que mobilizou ospercursos deste trabalho A Filosofianasceu no Egito ou na Greacutecia Ora natildeonasceu no Egito tampouco na Greacutecia

extos chineses indianos maias aste-cas e ameriacutendios ainda aguardam paraentrar no cenaacuterio acadecircmico A Filoso-fia eacute pluriversal e tal como a Muacutesica ea Arquitetura natildeo nasceu apenas porldquoimposiccedilotildeesrdquo espaciais geograacuteficas eidentificaccedilotildees de gecircnero sexualidade

eacutetnicas e raciais mas de elementos exis-tenciais e em certa medida inerentes agravecondiccedilatildeo humana Por isso eacute estranhodefender somente na Filosofia umaprimazia grega sem fazer disso um temapara a anaacutelise filosoacutefica com uma pos-tura inocente e ateacute ingecircnua diante dascondiccedilotildees poliacuteticas de produccedilatildeo do pen-samento Para interessadas(os) em aderirou recusar os argumentos aqui expostossugiro que os juiacutezos sejam suspensos e

fica o convite adentrar algumas leitu-ras antes de decidir aceitar ou objetar atese de que a Filosofia natildeo tem certidatildeogrega Diop James Obenga BernalAsante Ani Carrera Maldonado-or-res Fanon e sem duacutevida alguns textosegiacutepcios Fica a sugestatildeo para quem qui-ser analisar cuidadosamente e com rigora existecircncia do caraacuteter filosoacutefico dostextos egiacutepcios atraveacutes das traduccedilotildees deEmanoel Arauacutejo que estatildeo disponiacuteveisem Escritos para a eternidade a literatura

no Egito faraocircnico

POR QUE APENAS A FILOSOFIA DEVERIA TER UMA ldquoNACIONALIDADErdquo N AtildeO SE FALA DESTA MANEIRA DO NASCIMENTO DA R ELIGIAtildeO OU DA A RQUITETURA COMO EXCLUSIVIDADE DE DETERMINADO POVO