sustentabilidade: o caminho é a agroecologias/trabalhos... · ser humano transformou-se num ser...

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Sustentabilidade: o Caminho é a Agroecologia Sustainability: the Way is the Agroecology GERVAZIO, Wagner 1 ; BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira², MAZALLA NETO, Wilon³, YAMASHITA, Oscar Mitsuo 4 , ROBOREDO, Delmonte 5 1 Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, [email protected]; ² Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, [email protected]; ³Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP. 4 Universidade do Estado do Mato Grosso, Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Agroecossistemas Amazônicos, Alta Floresta MT, 5 Univeridade do Estado do Mato Grosso, Alta Floresta MT Resumo: Nosso estudo fornece uma abordagem e uma reflexão sobre a sustentabilidade e sua viabilização a partir dos conceitos da agroecologia. Dessa forma, o objetivo foi realizar uma revisão de literatura sobre a sustentabilidade a partir da agroecologia. Para tanto, realizamos uma profunda revisão de literatura, levantando abordagens relacionadas a questões ligadas à sustentabilidade, sob diferentes óticas, advindas de diversos pesquisadores. Dessa maneira, o conceito de sustentabilidade neste trabalho é no sentido de uma nova racionalidade ambiental, tal como proposto por Leff. Acreditamos que essa nova racionalidade ambiental se dá pela agroecologia como sendo uma alternativa à lógica do neoliberalismo. A partir desta, é possível pensarmos em novas perspectivas de desenvolvimento para o campo, dentro de uma discussão conceitual de sustentabilidade. Palavras-chave: Ótica agroecológica, perspectivas sustentáveis, racionalidade ambiental. Abstract: Our study provides an approach and a reflection on this subject that is very relevant in the current world scenario: the sustainability and their development from the concepts of agroecology. Therefore, we conducted a thorough literature review, lifting up approaches related to sustainability issues, from different points, resulting from various researchers. Thus, we conceptualize sustainability in function of the amplitude of this theme, focusing towards a new environmental rationality, as proposed by Leff. We believe that this new environmental rationality is by agroecology as an alternative to the neoliberal logic. From this, we can think of new development perspectives for the field, within a perspective of sustainability. Keywords: Agroecological perspective, sustainable perspectives, environmental rationality. Introdução “Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las! Que triste os caminhos se não fora A mágica presença das estrelas” (Mário Quintana)

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Page 1: Sustentabilidade: o Caminho é a Agroecologias/Trabalhos... · ser humano transformou-se num ser fora e acima da natureza” (BOFF, 2010 p.15). A natureza sempre foi o reino da abundância

Sustentabilidade: o Caminho é a Agroecologia

Sustainability: the Way is the Agroecology

GERVAZIO, Wagner1; BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira², MAZALLA NETO, Wilon³, YAMASHITA, Oscar Mitsuo4, ROBOREDO, Delmonte5

1Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, [email protected]; ²Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, [email protected]; ³Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP. 4Universidade do Estado do Mato Grosso, Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Agroecossistemas Amazônicos, Alta Floresta – MT, 5Univeridade do Estado do Mato Grosso, Alta Floresta – MT Resumo: Nosso estudo fornece uma abordagem e uma reflexão sobre a sustentabilidade e sua viabilização a partir dos conceitos da agroecologia. Dessa forma, o objetivo foi realizar uma revisão de literatura sobre a sustentabilidade a partir da agroecologia. Para tanto, realizamos uma profunda revisão de literatura, levantando abordagens relacionadas a questões ligadas à sustentabilidade, sob diferentes óticas, advindas de diversos pesquisadores. Dessa maneira, o conceito de sustentabilidade neste trabalho é no sentido de uma nova racionalidade ambiental, tal como proposto por Leff. Acreditamos que essa nova racionalidade ambiental se dá pela agroecologia como sendo uma alternativa à lógica do neoliberalismo. A partir desta, é possível pensarmos em novas perspectivas de desenvolvimento para o campo, dentro de uma discussão conceitual de sustentabilidade. Palavras-chave: Ótica agroecológica, perspectivas sustentáveis, racionalidade ambiental. Abstract: Our study provides an approach and a reflection on this subject that is very relevant in the current world scenario: the sustainability and their development from the concepts of agroecology. Therefore, we conducted a thorough literature review, lifting up approaches related to sustainability issues, from different points, resulting from various researchers. Thus, we conceptualize sustainability in function of the amplitude of this theme, focusing towards a new environmental rationality, as proposed by Leff. We believe that this new environmental rationality is by agroecology as an alternative to the neoliberal logic. From this, we can think of new development perspectives for the field, within a perspective of sustainability. Keywords: Agroecological perspective, sustainable perspectives, environmental rationality.

Introdução

“Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las!

Que triste os caminhos se não fora

A mágica presença das estrelas” (Mário Quintana)

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O termo sustentabilidade vem sendo usado na retórica de diversos autores em muitos trabalhos científicos, por muitos pesquisadores, estudiosos, ambientalistas, mídia, organizações e/ou instituições por todo o mundo no embate político. Trata-se de um termo que está presente no nosso dia a dia. É utilizado nas mais diversas aspirações e projetos políticos, em função de diferentes objetivos e interesses. Tornou-se um jargão: “Ser sustentável é ser politicamente correto”. Enfim, dá credibilidade e vende uma “boa imagem”. Assim, muitos a usam sem sequer imaginar o seu real sentido, significado e de onde vem. Trata-se de um termo originário de um processo histórico de crítica ao modo como a sociedade tem utilizado os recursos naturais, das causas e principalmente das consequências que esse uso vem causando ao ambiente em que vivemos, o planeta Terra. Estamos presenciando um momento de crise mundial, não só financeira e econômica, como também social, cuja regularidade é cíclica no sistema capitalista. Este período pode ser considerado sistêmico e que, em muitos aspectos, torna-se cada vez mais real a partir do esgotamento dos recursos naturais, o seu efeito nefasto no meio ambiente, envolvendo diferentes vertentes. Afinal é uma crise energética, alimentar, climática, humana, enfim, uma crise da civilização e de seus valores. Mas então nos questionamos... por que nesta realidade, o mundo todo tem falado em sustentabilidade? Afinal o que é sustentabilidade? É possível alcançarmos a sustentabilidade em tempos neoliberais? Como podemos tornar concreta a sustentabilidade? A sustentabilidade pode ser um caminho rumo a uma nova sociedade? Ou é como “a mágica presença das estrelas num triste caminho”? Para refletir e tentar responder a estas questões e buscar traçar um caminho teórico que nos conduzisse à ‘compreensão’ da sustentabilidade, fizemos uma profunda pesquisa bibliográfica, tentando encontrar um amparo teórico para esses questionamentos. Durante este levantamento, encontramos reflexões, indagações e definições de diversos autores, com diferentes visões sobre esta temática. Não pretendemos aqui, esgotar o debate acerca do tema, mas encontrar em diferentes autores, o respaldo para discutirmos a sustentabilidade e seu fundamental caráter político. Na discussão sobre a questão ambiental, a maioria dos autores considera o marxismo como produtivista, antropocêntrico e desinteressado, especialmente pelo valor que a natureza per se podia ter. Por outro lado, outros estudiosos no decorrer da história, procuraram discutir a questão ambiental numa perspectiva marxista. Desde os anos de 1970 até os dias atuais, diversos trabalhos foram publicados nesta perspectiva. Surgiu então o marxismo ecológico ou o ecomarxismo. A partir dos estudos de Jonh Bellamy Foster (2005) os estudos sobre Karl Marx e a relação com a natureza ganharam aprofundamento em sua fundamentação teórica. Para

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Foster (2005), Marx apresentava uma visão de mundo de uma maneira diferente, numa perspectiva ecológica (profunda e sistemática) derivada de seu materialismo. Mészáros (2006) acredita que para alcançarmos um resultado sustentável, é necessário um engajamento crítico e autocrítico baseado em Marx. Leff se incorporou à corrente ecomarxista e acredita que é possível um futuro sustentável desde que se busque uma racionalidade ambiental. Boff (2012, p.56) apresenta diferentes modelos de sustentabilidade; dentre eles o ecossocialismo, um socialismo novo que critica tanto a economia de mercado quanto o socialismo produtivista, pois, segundo ele, ambos possuem em comum o fato de desconsiderarem os limites da terra. Além disso, a economia solidária é reafirmada como sendo uma microssustentabilidade viável, onde o centro é o ser humano, pelo trabalho como ação criadora, pela solidariedade, pela autogestão democrática, pela qualidade de vida e pelo desenvolvimento local e global (BOFF, 2012). Conforme proposto por Leff (2010), a sustentabilidade necessita ser vista como uma nova forma de racionalidade ambiental. Acreditamos que essa nova racionalidade ambiental passa pela agroecologia como alternativa à lógica do neoliberalismo. A partir daí é possível pensarmos novos estilos de desenvolvimento para o campo, dentro de uma perspectiva de sustentabilidade. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi de realizar uma revisão de literatura sobre a possibilidade de sustentabilidade a partir da agroecologia. Metodologia Este trabalho se trata de uma pesquisa bibliográfica. Foi realizado através de revisão de literatura de questões ligadas à sustentabilidade na ótica de diferentes autores, como Eduardo Sevilla Guzmán, Henrique Leff, John B. Foster e Leonardo Boff. A abordagem realizada é a possibilidade de “uma estratégia de sustentabilidade a partir da Agroecologia”. Resultados e Discussão Pressupostos da relação do ser humano com a natureza A busca do aparato teórico sobre sustentabilidade numa abordagem agroecológica nos fez refletir sobre quando o ser humano começou uma relação hostil e destrutiva com a natureza e se é possível datarmos o começo desse “erro”. Para responder a estas indagações, procuramos as respostas no teólogo e escritor Leonardo Boff (2010) que distingue três etapas na relação do ser humano com a natureza: interação/equilíbrio, intervenção e agressão. Abaixo relacionamos estas etapas de acordo com Boff (2010).

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Na primeira etapa havia uma interação/equilíbrio. A relação da humanidade com a natureza era passava por mitos, rituais e magia. Se tratava de relações divinas. Havia um deus para cada fenômeno natural; uma entidade responsável e que organizava a vida na Terra: o deus do mar, do sol, da terra, dos ventos, das chuvas, dos rios, das pedras, das plantações, dos raios e trovões, etc. O moderador do comportamento das pessoas era o medo da vingança dos deuses, impedindo uma intervenção desastrosa, ou, sem uma justificativa plausível ante a destruição natural. Natureza e o homem faziam parte de uma unidade de organização da vida. Havia uma dependência direta da natureza. A natureza era vista como a deusa mãe. Na segunda fase da relação do ser humano com a natureza foi o momento da intervenção. O homo habilis surgiu e iniciou o rompimento do equilíbrio, sobrepondo-o à natureza. O ser humano “dominou” a natureza através do uso de tecnologias, do fogo, das pedras. Passou de sobrevivente a “dominador” com a noção da capacidade que tinha para “dominar” a natureza. Essa relação de intervenção com a natureza iniciou-se há mais de 10 mil anos, quando o ser humano passou de nômade para sedentário, com a descoberta da agricultura. Nesse processo, ocorreu a desarticulação da relação de equilíbrio entre a natureza e o ser humano através da tecnificação e da artificialização de praticamente todas as relações com o ambiente natural. Assim, o ser humano arrancou os deuses da natureza. Natureza e ser humano passaram a ser coisas distintas. O ser humano passou a destruí-la como se ele próprio fosse um ser divino, repleto de poderes absolutos. A partir de então, a natureza começou a perder o seu status de mãe. O desejo desenfreado pelo poder e pelo dinheiro, fez com que o homem mudasse sua concepção como parte do natural. Ao longo da história, os pensadores e filósofos sempre buscaram estudar a natureza. Com o Renascimento, o homem se colocou no centro do Universo (antropocentrismo), consagrando a si mesmo um poder absoluto sobre a natureza. Passou a considerar a natureza algo sem alma, sem vida, mecânica e geométrica. O homem perdeu o conceito divino de integração com a natureza, transformou-se num ser fora e acima da natureza. O objetivo era de dominá-la e tratá-la como um inquisidor trata sua vítima: “torturá-la até que entregue todos os seus segredos”. De acordo com Foster (2005), Marx chamou esse processo de “ruptura metabólica”. Esta ruptura expressa a alienação entre o homem e a natureza. A produção capitalista perturbou a interação metabólica entre o homem e a terra. Isso impediu o retorno dos seus elementos constitutivos e é por isso que prejudicou a operação da condição de fertilidade duradoura do solo.

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Na terceira fase da relação homem-natureza, Boff (2010) a chamou de agressão com a revolução industrial, nuclear, biotecnológica, informática, automação e da nanotecnologia. Com a Revolução Industrial, a natureza passou a ser vista como fonte ilimitada de recursos naturais “De ser inserido na natureza como parte dela, o ser humano transformou-se num ser fora e acima da natureza” (BOFF, 2010 p.15). A natureza sempre foi o reino da abundância para a economia (LEFF, 2010). A ciência contribuiu para esta fase. Francis Bacon afirmou que a sociedade humana e a natureza eram separadas. René Descartes, através do pensamento mecanicista-reducionista, preconizava que o homem deveria assumir uma posição de superioridade em relação ao meio natural. A partir do pensamento ocidental se construiu uma maneira de ver e pensar o mundo. A partir dos pensamentos de Descartes, foi fundada a ciência moderna, dissociando o objeto e o sujeito do conhecimento (LEFF, 2010). A ciência moderna cristalizava uma visão da natureza alheia ao homem e deveria ser dominada por meio do conhecimento. A natureza passou a ser vista de modo cartesiano (subdividida em disciplinas). O homem se desvinculava ainda mais da natureza, uma vez que a economia rural passou para a produção industrial em massa, contribuindo para o êxodo rural. Esse processo colocou à margem o ser, ou seja, o ser do humano, o ser significador da vida e das coisas, do real e da natureza (LEFF, 2010). Na primeira metade do século XX, o que predominou foi a degradação de valores e a produção em massa. Nesta ocasião, houve um grande impacto negativo sobre a natureza. Para Leff (2010), esse impacto negativo, foi denominado pelos economistas de externalidades do sistema econômico. A conceituação de externalidade sustenta a tese de que o uso dos recursos naturais e a degradação ambiental não se enquadram como componentes das transações no sistema econômico, contribuindo para invizibilizar essa relação homem natureza (LEFF, 2010). Essa externalidade podem levar à alteração e possível desaparecimento dos ecossistemas, perda da biodiversidade, extinção de algumas espécies vegetais e/ou animais, erosão do solo, contaminação do ar, do solo, da água por agrotóxico; derretimento da geleira, elevação do nível do mar, a desertificação, a perda da camada de ozônio, o efeito estufa, a crise da água potável, o crescimento demográfico, a cultura consumista, a produção de enormes quantidades de lixo, a biopirataria, a destruição de florestas, aumento das temperaturas terrestres e consequente aquecimento global. No entanto, na segunda metade do século XX, iniciou-se uma discussão sobre a possibilidade do retorno do homem à natureza, diante da crise ambiental gerada pelo crescimento econômico. Para Leff (2010), o grande desafio da economia foi internalizar as externalidades. Essa internalização deu lugar ao surgimento da economia ambiental e da economia ecológica que, ao invés de resolver a crise ambiental, contornou o problema, criando conceitos e instrumentos para economizar ainda mais o mundo e capitalizar a natureza e a vida (LEFF, 2010).

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Linha do tempo do desenvolvimento da sustentabilidade (Nachhaltigkeit) Durante o processo do distanciamento entre natureza e humanidade, dialeticamente se permeou a reação e a resistência a este processo social. Assim, a discussão sobre o cuidado com a natureza e a sustentabilidade é bastante antiga. Para Boff (2012), o conceito de sustentabilidade delonga de uma história com mais de 400 anos. Surgiu a partir da silvicultura, o manejo das florestas. Por volta dos anos de 1560 na Alemanha, apareceu a preocupação pelo uso racional das florestas, uma vez que a madeira era a matéria-prima principal da época. Neste contexto, surgiu a palavra Nachhaltigkeit, em alemão, que significa “sustentabilidade”. Foi em 1713 que essa palavra se transformou num conceito estratégico devido à necessidade do uso sustentável das florestas. Acreditava-se que se a madeira não fosse tratada com cuidado o lucro iria cessar. Este conceito se manteve e em 1947, na Suíça, foi criada a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). No documento intitulado World’s Conservation Strategy, o foco do conceito era a dimensão ambiental, apesar de aparecer no conceito de desenvolvimento sustentável, as dimensões social e econômica. Em 1962 nos EUA, Rachel Carson lançou o livro “Primavera silenciosa”, denunciando que o DDT contaminava alimentos e até o leite humano. Causava mutações genéticas em pássaros, peixes e répteis. No ano de 1965 a expressão educação ambiental foi utilizada na Conferência de Educação da Universidade de Keele, na Grã-Bretanha. Outros livros lançados foram “The Population Bumb”, de Paul Earlich, em 1968; “The Limits to Growth”, de Meadows e Randers e o modelo matemático desenvolvido no MIT (Massachussets Institute of Technology), “modelo MIT” ou Clube de Roma, em 1970. De forma sintética, o MIT constava da análise de cinco variáveis: população, produção industrial, produção alimentar, esgotamento dos recursos naturais; tomava o mundo como uma só unidade e fazia previsão do que poderia acontecer ao mundo se as tendências atuais se mantivessem (FAGNANI, 1997). Outro livro importante foi o “Os limites do crescimento”, publicado na Conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável em Estocolmo, Suécia, em 1972. Nesta Conferência da ONU, que versava sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, foi estabelecido um conjunto de 26 princípios para oferecer aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano. Nesta época, a consciência ambiental começou a expandir e se definiu os limites da racionalidade econômica e os desafios que a degradação ambiental gera para o projeto civilizatório (LEFF, 2009). Ainda em 1972, surgiu o Modelo Bariloche, desenvolvido pela Fundação Bariloche, que contradizia as conclusões do MIT.

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No ano seguinte, em 1973 a noção de ecodesenvolvimento foi apresentada por Maurice Strong, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em Genebra. Posteriormente, em 1986, o pesquisador Ignacy Sachs apropriou-se do conceito de ecodesenvolvimento, que levaria ao desenvolvimento sustentável. Em resumo, Sachs (1986) descreveu o ecodesenvolvimento como sendo um estilo de desenvolvimento que, em cada ecorregião, busca soluções específicas de seus problemas particulares, as necessidades imediatas como também aqueles em longo prazo. Ainda deixa claro que foi pensando como estilo de desenvolvimento particularmente adaptado às regiões rurais dos países do terceiro mundo. As estratégias para o ecodesenvolvimento surgiram com a luta política pela definição de uma nova racionalidade (LEFF, 2009). Um estilo de desenvolvimento particularmente adaptado às regiões do Terceiro Mundo (SACHS, 1986 apud LEFF, 2009). Em 1977 e 1978, foram lançados o “Goals for Mankind” por Ervin Laszlo e “Para uma Nova Ordem Internacional” de Tinbergem, respectivamente. Em 1984, a Assembleia Geral da ONU criou a comissão Mundial sobre o meio ambiente. Em 1986 foi lançado o livro “ecodesenvolvimento: crescer sem destruir” de Ignacy Sachs. Em 1987, foi publicado o Relatório “Nosso Futuro Comum” (relatório da comissão Brundthand) da ONU com a ideia de um tipo de desenvolvimento que estivesse em harmonia com a sociedade, a economia e o meio ambiente. Um dos pilares desse Relatório foi a defesa de que as gerações futuras deveriam ter os mesmos direitos que as presentes. Ficou, assim, conhecido como desenvolvimento sustentável. Na década de 1990, foi realizada a 2ª Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU (Eco-92 ou Rio-92), também conhecida como “Cúpula da Terra”. Oportunidade que foi discutido sobre a biodiversidade, sobre o clima, sobre os princípios da floresta e um programa de ações (Agendas 21). Nesta Conferência, o discurso do desenvolvimento sustentável foi legitimado, oficializado e difundido amplamente (LEFF, 2009). Ainda nesta década foi lançado a 1ª Edição do Livro Azul, com um conjunto de 134 indicadores de sustentabilidade (1996); aconteceu a Rio + 20 (1997); em 1997 foi proposto o protocolo de Kyoto para o compromisso das nações para a redução dos gases de efeito estufa; a publicação da Carta da Terra (2000); a redução dos 134 indicadores de sustentabilidade para 57 (2001); a Rio + 10 na África do Sul (2002) e em 2012 a Rio + 20 - Economia verde, no RJ. Na Carta da Terra1, foi evidenciada a preocupação em se somar forças para gerarmos uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos

1 A Carta da Terra, um dos documentos mais inspiradores do início do século XXI, nasceu de uma consulta feita durante oito anos (1992-2000) entre milhares de pessoas de muitos países, culturas, povos, instituições, religiões, universidades, cientistas, sábios e remanescentes das culturas

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direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz. Além disso, foi declarada nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações. Para estabelecermos uma relação hamônica com a natureza, Boff (2010) aponta vários pontos cruciais para resgatarmos os valores, os sonhos e as experiências que deixamos para trás e que podem ser úteis para o novo. Dentre eles, devemos reconhecer que a Terra é mãe, um organismo vivo; entender que a sustentabilidade só será garantida mediante o respeito aos ciclos naturais, valorizando a biodiversidade, as diferenças culturais; devemos também exigir que a ciência se faça com consciência, superando o pensamento único da ciência e valorar todos os saberes. Sustentabilidade sob a ótica da Agroecologia Nesta parte procuramos discutir a sustentabilidade para além do desenvolvimento sustentável, uma vez que este conceito não contempla uma crítica ao modelo de produção da sociedade capitalista. Este modelo demonstrou que é incapaz de possibilitar intenções de sustentabilidade. O próprio sistema se apropriou do termo para sua sobrevivência. O uso do termo tornou-se simplesmente um marketing para mercantilizar a natureza com discurso sustentável, tornando a exploração dos recursos naturais, por trás deste discurso, uma possibilidade de lucrar cada vez mais (LEFF, 2010). Para Boff (2010), o desenvolvimento sustentável dentro do modo de produção capitalista, é antropocêntrico, representando um equívoco, uma vez que o desenvolvimento e a sustentabilidade são contraditórios. Também ressalta que o uso político da expressão “desenvolvimento sustentável” representa uma armadilha do sistema, pois assume a sustentabilidade para esgotar os recursos naturais. O conceito de desenvolvimento sustentável foi apropriado pela racionalidade econômica mais como uma resposta do capital à crise ecológica do que uma práxis de transformação produtiva e de mudança social, para criar as bases de um desenvolvimento equitativo e sustentável (LEFF, 2009). Este mesmo pesquisador enfatiza que o discurso do desenvolvimento sustentável é ambivalente, polissêmico, com dois significados. Essas ambivalências estão enraizadas nas distintas práticas concernentes ao mundo material e nas posições particulares das pessoas e grupos em determinada estrutura social, assim como na dinâmica da luta ideológica, por meio da imposição de certos discursos sobre o ambiente, sua conservação e transformação (FOLADORI e TAKS, 2004).

originárias; apresenta um chamado sério acerca dos riscos que pesam sobra a humanidade (BOFF, 2012, p.13).

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Leff (2010) afirma que o desenvolvimento sustentável gerou um processo de mercantilização da natureza e de super-economicização do mundo, pois criaram mecanismos e instrumentos econômicos para gerir os recursos ambientais e estabelecer direitos de propriedade privada e valores econômicos, preço para os bens e serviços ambientais. Neste sentido, torna-se importante desconstruir esta pretensa conciliação entre desenvolvimento capitalista e preservação da natureza, elaborando assim outros pilares de uma racionalidade ambiental. Para a transição de uma nova racionalidade que oriente a construção da sustentabilidade, Leff (2010) aponta como solução: a desconstrução da economia, pois para ele essa desconstrução, passa pelo questionamento do pensamento, da ciência, da tecnologia e das instituições que instauraram a jaula de racionalidade da modernidade. A sustentabilidade pode ser uma maneira de repensar a produção e o processo econômico, de abrir o fluxo do tempo a partir da reconfiguração das identidades, rompendo o cerco do mundo e o fechamento da história impostos pela globalização econômica (LEFF, 2010). O autor considera que a sustentabilidade é uma maneira de abrir o curso da história, um devir que forja recriando as condições da vida no planeta e os sentidos da existência humana. É um modo de ser e de viver que exige alinhar as práticas humanas às potencialidades limitadas de cada bioma e às necessidades das presentes e das futuras gerações (BOFF, 2012, p.16). Acreditamos que esse novo modo de produção, essa nova racionalidade ambiental, passa pela agroecologia. Aqui entendemos agroecologia como sendo a ciência que envolve, pratica e estuda as bases científicas para uma agricultura ecológica (ALTIERI, 1989); funcionamento ecológico necessário para se praticar uma agricultura sustentável (GLIESSMAN, 2009 apud GUZMÁN CASADO et al., 2000). Isso, sem esquecer da equidade, ou seja, da busca da agroecologia a um acesso igualitário aos meios de vida (SEVILHA GUZMÁN, 2001). E ainda, que a Agroecologia “fornece as ferramentas necessárias para a participação da comunidade e que esta venha a se tornar a força geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvolvimento” (ALTIERI, 2009, p.27).

Para Sevilha Guzmán (2001), Caporal e Costabeber (2015), a partir da agroecologia é possível repensarmos os estilos de desenvolvimento rural, dentro de uma perspectiva de sustentabilidade. Sevilha Guzmán (2001) apresenta o enfoque agroecológico como contraponto á lógica do neoliberalismo e da globalização econômica. Acredita na importância do desenvolvimento local, endógeno e destaca a necessidade da construção e da reconstrução do conhecimento local, como estratégia para processos de transição agroecológica. A transição para a sustentabilidade implica a paulatina desconstrução da economia antiecológica e entropizante predominante (LEFF, 2010). Sob o paradigma da sustentabilidade, a

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agroecologia valida as diversas formas de apropriação do ecossistema entre cada cultura humana estudada, mediante análise comparativa (CASTILLO, 2002). Nesta ótica, a agroecologia se sobressalta como a alternativa ao atual modelo, pois busca a conservação ecológica e o aperfeiçoamento dos ciclos produtivos, atendendo a expectativas sociais e ambientais. É uma proposta de valorização das diversidades tanto no que tange as espécies silvestres e cultivadas nos agroecossistemas quanto os meios de vida desenvolvidos por agricultores locais (ALTIERI, 1989). Afirma Altieri (1989) que a agroecologia tem contribuído para este objetivo, uma vez que investiga as relações entre os seres vivos na busca pela compreensão das consequências dessas relações para a agricultura, aplicando conceitos da ecologia para o redesenho e manejo sustentável dos agroecossistemas. Aqui, podemos recorrer o conceito de sustentabilidade a partir de Gliessman (1990, p.51) que afirma que “a sustentabilidade não é um conceito absoluto, mas, ao contrário, só existe mediante contextos gerados como articulação de um conjunto de elementos que permitam a perdurabilidade no tempo dos mecanismos de reprodução social e ecológico de um etnoecossistema”; e de Boff (2012) que avança na discussão do significado de sustentabilidade, que é:

O conjunto dos processos e ações que se destinam a manter a vitalidade e a integridade da Mãe Terra, a preservação de seus ecossistemas com todos os elementos físicos, químicos e ecológicos que possibilitam a existência e a reprodução da vida, o atendimento das necessidades da presente e das futuras gerações, e a continuidade, a expansão e a realização das potencialidades da civilização humana em suas várias expressões (BOFF, 2012, p.14).

Guzmán (2000) insere a agroecologia como forma de resistir aos conflitos do capitalismo concretamente na sociedade e de ressignificar positivamente as contradições do mundo em novas formas de relação com a natureza e o trabalho. A agroecologia, então, atua tencionando a pretensa imutabilidade das relações sociais e a impossibilidade de transformar as expressões da opressão presentes na modernidade (MAZZALA NETO, 2015).

Considerações Finais Acreditamos que o conceito de desenvolvimento sustentável foi apropriado pelo sistema econômico como uma resposta à crise ambiental e que esta apropriação não é uma práxis de transformação da realidade. Concebemos o conceito de sustentabilidade no sentido de uma nova racionalidade ambiental, como proposto por Leff e de mudança social para criar as bases de um desenvolvimento equitativo, democrático e sustentável.

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Neste sentido, a nova racionalidade ambiental passa pela Agroecologia como contraponto à lógica do neoliberalismo e da globalização econômica e que a partir desta é possível pensarmos novos estilos de desenvolvimento do campo e da cidade dentro de uma perspectiva de sustentabilidade. Referências bibliográficas

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