surdez e preconceito - a norma da fala e o mito
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Surdez e preconceito
Revista Brasileira de Educao v. 14 n. 42 set./dez. 2009 565
Introduo
Falar sobre surdez e preconceito narrar uma
das interfaces do ser surdo. Na histria do povo surdo
esto evidentes as marcas que o identicam como um
ser incompleto, incapaz, deciente. A partir dessa
concepo da surdez, todo tipo de violncia fsica e
simblica foi exercida, passando por extermnio, re-
cluso em casa, proibio do uso da lngua de sinais,
segregao em escolas especiais, at as atuais propos-
tas pedaggicas adjetivadas como bilngues, utilizadas
como mais uma metodologia colonialista, a-histrica
e despolitizada; que consistem em apenaspermitiro
uso da lngua de sinais sem empreender qualquer ao
no sentido de transformar as relaes sociais, culturaise institucionais (S, 2002, p. 358).
Dentre o imenso leque de preconceitos que
envolvem o ser surdo, este texto pretende discutir a
norma da fala e o mito da leitura da palavra falada,
por entender o quanto ambos legitimam uma srie
de prticas oralistas1, afetando de forma pejorativa
1 Prticas oralistas constituem-se na forma institucionalizada
do ouvintismo. Os termos ouvintista, ouvintismo etc. so derivaes
a construo da identidade do ser surdo e seu direito
a uma comunicao e formao signicativa. Nesse
sentido, vale ressaltar que a comunicao via fala e
leitura de lbios da lngua falada necessariamente
muito limitada para uma pessoa que no pode ouvir.
Portanto, a fala pode representar apenas funes co-municativas muito bsicas para os surdos (Svartholm,
1999, p. 19).
No entanto, ambos implicam a oralizao dos
surdos e interminveis exerccios de treinamento, em
detrimento da formao acadmica. Ao implicitamente
no aceitar a diferena lingustica, de percepo do
mundo e forma de ser, essas prticas mascaram os
preconceitos. Elas promovem uma pseudoinviabili-
zao da surdez, realizada com o argumento de uma
pretensa integrao entre surdos e ouvintes.
Antes de qualquer coisa, considero ser importante
esclarecer de que lugar eu estou falando, pois certa-
de ouvintizao, que, segundo a concepo de Skliar (1999,
p. 7), sugere uma forma particular e especca de colonizao
dos ouvintes sobre os surdos. Supe representaes prticas de
signicao, dispositivos pedaggicos etc. em que os surdos so
vistos como sujeitos inferiores.
Surdez e preconceito: a norma da ala e o mitoda leitura da palavra alada
Slvia Andreis WitkoskiUniversidade Federal do Paran, Programa de Ps-Graduao em Educao
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mente o fato de ser surda implica a construo de um
texto em que ca evidente a repulsa por todo tipo de
preconceito que busca nos aprisionar nos discursos do
ouvintismo, levando-nos muitas vezes a desenvolver
a sua face mais perversa, que contra ns prprios,
assimilando-os como se fossem verdades. Em vriosmomentos farei uso inclusive de minha prpria ex-
perincia em face dos preconceitos, para que, pelo
exemplo de fatos narrados pelos prprios surdos,
possa trazer tona suas nuanas, desvelar alguns dos
discursos que os legitimam e desnudar as implicaes
dolorosas que geram na vida dos surdos.
A norma da ala
Machado (2008, p. 24) observa que a maioria
das escolas regulares com alunos surdos adere abor-
dagem oralista, no aventando outras perspectivas.
Segundo o autor, parece haver um consenso mudo,
por exemplo, sobre o fato de que, se todos falam,
esse estudante deve tambm falar. Obviamente,
falar limitado concepo ouvinte que a restringe
s lnguas processadas pelo canal auditivo-oral, no
reconhecendo a modalidade visual-motora da lngua
de sinais como a natural dos surdos. Pode-se armarque a linguagem, por conveno, ainda est vinculada
acstica (Wrigley, 1996, p. 11). Nessa perspectiva,
no ter a fala pressupe, em uma sociedade oral, a
mudez; dito de outro modo: pressupe ausncia de
pensamento ou, pelo menos, pressupe que o surdo
no tem o que dizer (Lopes, 2007, p. 51).
Essa superioridade da palavra remete viso aris-
totlica que a relaciona ao mundo das ideias, da razo,
enquanto o mundo concreto e material representado
pelo gesto. Segundo Sacks (1998, p. 28), talvez essaideia equivocada (ou preconceito) de que os smbolos
precisam ser falados remonte aos tempos bblicos: o
status sub-humano dos surdos era parte do cdigo mo-
saico e foi reforado pela exaltao bblica da voz e do
ouvido como o nico e verdadeiro modo como o homem
e Deus podiam falar (No princpio, era o Verbo).
A naturalizao desta modalidade de comunica-
o lingustica continua a ser percebida por muitas
pessoas como caracterstica que identica os seres
humanos, distinguindo-os dos animais, classicados
como irracionais. Tamanha essa referncia que por
muito tempo e ainda hoje, segundo vivncias relata-
das por amigos surdos , ao se comunicarem por meio
de Libras em um ambiente ocupado predominante-mente por ouvintes, seu uso referido como coisa
de macaco. Mesmo no tendo passado por situao
explcita de discriminao como essa, ao conversar
com amigos surdos pela lngua de sinais percebo o
preconceito em sua verso sutil: nos olhares, no quanto
parecemos exticos, sendo imensamente observados,
disfaradamente.
A questo de a diferena do ser surdo ser percebi-
da pelo foco da decincia que perpetua a obstinaoem fazer o surdo falar na mesma modalidade do ou-
vinte, sob a lgica ouvintista e normalizadora, anco-
rada no argumento de que se o surdo aprender a falar
portugus estar includo na sociedade, visto que esta
a lngua majoritria (no caso do Brasil). Em nome
dessa pseudointegrao, os surdos so submetidos a
interminveis sesses de treinamento. No entanto,
mesmo quando aprende a falar a lngua portuguesa,
o surdo continua a no ser aceito na comunidade ou-
vinte, sendo identicado como deciente, em funodo que muitos referem de o jeito surdo de falar, em
referncia fala truncada, diferena na pronuncia
ou na clareza articulatria das palavras.
Mesmo no caso de surdos que tm uma fala
considerada inteiramente compreensvel e que fazem
uso de um discurso uente da lngua portuguesa (por
terem ensurdecido quando j tinham domnio da
lngua), o preconceito persiste pelo fato de eles no
ouvirem ou ouvirem em nvel bem abaixo do dos
ouvintes. Desse modo, aquele que no ouve to bem,
ou no percebe algumas manifestaes sonoras na
medida em que deveria, frequentemente passa a ser
distinguido como algum com perda, com carncia,
com falta de, com decincia e como pessoa porta-
dora de uma especicidade (Lulkin, 1998, p. 40),
decincia identicada pelo no-entendimento das
informaes faladas, pelo uso da prtese auditiva ou,
mesmo na ausncia desta, pelo desencontro entre a
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modulao da voz do surdo e a utilizada pelo ou-
vinte em diferentes contextos conversacionais. Esse
desencontro ocorre pelo fato de o surdo no ouvir
a sua prpria voz ou ouvi-la somente quando ela
est em um nvel sonoro muito alto em relao aos
ouvintes, o que faz com que no consiga monitorara sua sonoridade com o sentido da audio.
Fazendo uso da minha prpria vivncia, exem-
plifico os preconceitos que permanecem mesmo
quando o surdo fala portugus dentro dos padres
convencionais. Minhas lhas estavam brincando no
playgrounddo prdio com uma menina que tinha se
mudado havia pouco tempo. Ao conversar com sua
me, sinto diculdade de entend-la e me identico
como surda, solicitando que ela olhe para mim quandofalar. Pergunto o nome da sua lha, que entendo ser
Larissa. Passo a cham-la assim, inclusive na frente
da me. Passados alguns dias, a Larissa, que estava
brincando novamente com minhas lhas, ao terminar
um desenho assina: Rassa. Opa! Por que a me da
criana no me corrigiu? A resposta evidente: o
preconceito que nos identica como decientes, como
coitadinhos, imperou!
Nesse sentido, dizer que se o surdo falar por-
tugus estar integrado comunidade ouvinte umgrande engodo; ele continuar sendo visto como um
deciente e tratado como tal. Nessa perspectiva, rela-
to outro episdio de preconceito, que para mim sim-
bolizou o quanto eles esto presentes, profundamente
enraizados, e so difceis de ser desconstrudos: em
2008, logo aps minha aprovao no processo sele-
tivo para o doutorado em educao da Universidade
Federal do Paran (UFPR), compareci a uma defesa
de tese de doutorado na qual eram discutidos alguns
elementos sobre a educao dos surdos. Antes deiniciar o evento, fui apresentada autora do projeto,
que, na tentativa de ser simptica, e obviamente
nervosa pela caracterstica avaliatria do evento,
deixa escapar: Eu tive uma amiga que teve um pro-
blema como o seu (referindo-se ao meu processo de
ensurdecimento), foi operada e cou normal!. De
imediato, eu lhe respondi: Eu sou normal!. Muito
constrangida, ela desculpou-se.
Nesse ato falho,2 cou claro como uma pesqui-
sadora, que, a priori, por seu trabalho inserido na
abordagem socioantropolgica da surdez, tem um
discurso politicamente correto, no est plenamente
convencida de seus argumentos, mantendo resqucios
dos preconceitos de perceb-la a partir do foco dadecincia, e assim inconscientemente sugerir uma
possibilidade de cura para um corpo visto com defeito.
Indubitavelmente, nessa fala, num lapso inconsciente,
ela aventou uma possibilidade de me igualar novamen-
te aos ouvintes, sem se dar conta de que essa pretensa
esperana de voltar a ser normal,3 segundo sua pers-
pectiva, implicaria descartar minha prpria identidade.
Na verdade, de forma inconsciente ela resgatou a
base das polticas ouvintistas, que intentam a curada surdez, perpetuando os processos normalizadores,
como diz Wrigley (1996, p. 71):
[...] surdos so pessoas que ouvem com ouvidos defeituosos.
Se pudssemos consertar os ouvidos, eles estariam ouvindo.
Esta lgica comum na verdade comum, mas no necessa-
riamente lgica. Os negros so pessoas brancas que possuem
pele escura. Se pudssemos consertar a pele, eles seriam
brancos. As mulheres so homens com genitlia errada...,
e por a vai. Essas transposies cruas revelam um tecidosocial de prticas pelas quais ns sabemos quais identidades
so tanto disponveis quanto aceitveis.
Outra questo fundamental que contradiz essa
aluso, ou melhor, iluso de que se o surdo falar por-
tugus estar integrado comunidade ouvinte e que
coexiste com a manuteno dos preconceitos referidos,
reside no fato de o surdo continuar a ser excludo no
2 Os atos falhos, de acordo com a concepo de Freud (1976),
so aes inconscientes, constitudas por determinados elementos
que o sujeito no pretendia enunciar. O seu signicado oculto s
aparece na hora em que escapa ao controle da represso.
3 Como surda, minha concepo de normalidade em relao
aos surdos a mesma defendida pela pesquisadora surda Gladis
Perlin, que arma: Ser normal segue uma norma. Mas ser nor-
mal para o surdo signicaria ser surdo, ser autenticamente surdo
(Perlin, 2007, p. 9).
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essencial: o direito de acesso uente e irrestrito s
informaes produzidas via lngua auditivo-oral, que
constitui um direito, um princpio bsico de cidadania.
Em relao ao processo de discriminao do surdo,
que impe uma marginalizao social e cultural, no
vejo sequer a necessidade de ilustrar com exemplos,pois estes so tantos desde a falta de legenda em
portugus ou de traduo em Libras dos programas
televisivos e outros similares, ao direito elementar de
acesso aos contedos de uma aula no ensino regular,
pois, ainda na maioria das situaes de alunos surdos
includos, o recurso predominante para tal a leitura
da palavra falada que no bastaria um artigo, mas
sim um livro de excluses dirias.
Outro aspecto importante o qual me sinto plena-mente confortvel para apontar como grande engo-
do visto que durante 35 anos fui uma ouvinte
a possibilidade de o surdo ser aceito na comunidade
ouvinte, desde que fale como um dos seus e tenha um
treinamento da leitura da palavra falada impecvel; h
a um carter subliminar acrescentado a essa promessa
de integrao, como se por via dela viesse a receber o
ingresso a um paraso ouvinte. Essa promoo hedo-
nista de um mundo ouvinte que no existe simplica
as relaes e possibilidades materialidade da surdez,escondendo a complexa rede de relaes de poder que
compem o tecido social e interferem na vida em so-
ciedade, tanto no caso do ouvinte como do surdo.
importante ressaltar que ser ouvinte no si-
nnimo de ser feliz, ter sucesso e ser aceito entre seus
pares, ideia que vendida aos surdos.Inmeras so as
diferenas socioculturais e as desigualdades presentes
tambm na comunidade ouvinte, na qual coabita uma
srie de outros preconceitos, a partir dos marcadores
sociais da diferena (Starling & Schwarcz, 1989,p. 219), como raa, gnero, sexo, idade e classe.
Vivemos uma realidade nefasta na qual so
produzidas imensas injustias sociais, por conitos
raciais e religiosos, dentre outros, todos governados
por uma poltica de signicao na qual impera o que
Skliar (2000, p. 11) denominou modelo econmico-
poltico concntrico, que promove, atravs da mdia,
uma teoria e uma prxis de globalizao a partir de
uma pretensa homogeneidade humana inexistente. No
entanto, esta se sustenta pelos diferentes preconceitos
presentes na sociedade como expresso mxima do
etnocentrismo, denida pelo professor Joo Baptista
Borges Pereira como tendncia, ao que tudo indica
universal, que leva indivduos, grupos e povos su-pervalorizao de suas prprias expresses de vida,
conduzindo-os, consequentemente, a subestimar as
caractersticas de outros indivduos, grupos e povos
(in Schwarcz, 1989, p. 175). E o tipo ideal, vinculado
ao esteretipo da felicidade, corresponde no mnimo
a ser: jovem, do gnero masculino, branco, cristo,
heterossexual, fsica e mentalmente perfeito, belo e
produtivo (Amaral, 1998, p. 14).
Nessa perspectiva, ao se absolutizar a diviso sur-do/ouvinte, levando os surdos miragem dos ouvintes
como um paraso perdido, em primeiro lugar se est
criando a iluso de eles se submeterem s concep-
es e prticas ouvintistas, em prol de uma realidade
inexistente; em segundo, alienando-os em relao a
questionar e impor resistncia a outros preconceitos
presentes no seu cotidiano, como se ser surdo fosse ter
uma identidade nica. Essa perspectiva que desconsi-
dera de que surdo estamos falando remete ao cerne do
preconceito em relao surdez que nos identica apartir da decincia como um grupo homogneo.
Os limites da leitura da palavra alada
A famosa leitura labial,4 apontada como a possi-
bilidade de o surdo compensar o sentido da audio
para ter acesso s informaes via palavras faladas,
hiperestimada, constituindo-se em um mito. De acordo
com Sacks (1998, p. 82), a leitura labial no apenas
uma habilidade visual 75% dela uma espcie deadivinhao inspirada ou concluso por hiptese, de-
pendendo do uso de pistas encontradas no contexto.
Por sua vez, Shirley Vilhalva (2004, p. 25), autora
surda, ao descrever a leitura orofacial, explica a di-
4 Segundo Sacks (1998, p. 15), leitura labial um termo
bastante inadequado para designar a complexa arte de observao,
inferncia e adivinhao inspirada dessa tarefa.
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culdade do processo a partir de dois pontos centrais:
a necessidade de conhecer os cdigos do falante e a
diferena de tempos entre a realizao da leitura e o
ritmo da fala.
Em relao ao primeiro elemento, a autora ar-
gumenta que a criana surda, para compreender umaconversa, busca nos movimentos dos lbios e expres-
ses as palavras-chave que, apesar de serem vagas,
num ambiente em que est familiarizada permitem
que ela leia as intenes das pessoas que a cercam;
no entanto, ao mudar o ambiente os cdigos tambm
se alteram e o processo ca extremamente prejudica-
do. Em relao ao segundo aspecto, Vilhalva (2004,
p. 26) esclarece que a leitura labial, ao ser realizada
por um processo de percepo visual, mais lenta, ealerta para a diferena entre o ritmo do processo de
elaborao mental das palavras e da fala a partir do
seguinte exemplo:
Bom dia! Como vai voc? Tudo bem? E continua falan-
do... O surdo, quando estiver lendo os lbios Bom dia!
Como vai..., at ser estruturado o pensamento e compreen-
der a mensagem, j perdeu o restante da frase, e quando volta
ler novamente defronta-se com palavras soltas, levando-o
assim a tentar adivinhar as palavras desconhecidas numcontexto geral.
As diculdades da leitura da palavra falada no
se restringem aos aspectos j mencionados. Fatores
como o tipo de articulao do locutor, a proximidade
ou distncia dele, a importncia da perspectiva frontal
dos lbios do falante em relao ao surdo (posicio-
nado horizontalmente em relao aos seus olhos), a
semelhana articulatria de determinadas letras e o
prvio conhecimento das palavras pronunciadas soapenas alguns elementos que interferem no processo e
demonstram o quanto a leitura labial miticada.
Vale ressaltar que o ambiente de conversao
usual no se constitui num ideal de apreenso visual
ao surdo; ao contrrio. Em geral este caracterizado
pela presena de um falante distante, em permanente
movimento (quando no est inclusive ausente do seu
foco visual), que realiza trocas verbais com outras
pessoas as quais no podero ser observadas concomi-
tantemente. Estas so as caractersticas mais comuns
do dialogo entre ouvintes, sendo inclusive tambm as
da sala de aula no ensino regular.
Considerar que o aluno surdo possa ser integrado/
includo na escola regular a partir da possibilidade deele realizar leitura orofacial, sem acesso pelo menos
a um intrprete em lngua de sinais, no mnimo uma
cmoda justicativa ingnua de estar incluindo-o para
excluir. Nesse sentido, concordo com Skliar (2000,
p. 17) na ideia de que, em relao aos surdos, essas
polticas de integrao transformam-se rapidamente
em prticas de assimilao ou produzem, como um
efeito contrrio, maior isolamento e menores possi-
bilidades educativas nessas crianas. Para tal, bastaconsiderar os numerosos depoimentos dos surdos que
expressam a diculdade de compreenso nesse con-
texto a partir desse recurso, como pode ser ilustrado
pela vivncia de dois alunos surdos a seguir:
Eu tinha 13 anos quando voltei para a escola de ouvintes. Foi
um sufoco. No entendia nada e cava isolada, sem conver-
sar com professores e colegas. (Machado, 2008, p. 115)
Na sala de aula muito complicado, o professor explica
no quadro p, p, p, p... O surdo no entende. (idem,ibidem, p. 119)
A mesma diculdade encontrada inclusive por
surdos que fazem uso de aparelho auditivo uma
tecnologia normalizadora5 cuja funo recuperar o
corpo danicado, dando uma suposta equiparao de
oportunidades e podem, a priori, utilizar-se de algum
nvel de percepo auditiva para a compreenso dos
contedos das aulas concomitantemente leitura da pa-
lavra falada, como ilustrado no depoimento a seguir:
Passei a maior diculdade na sala de aula. O uso do aparelho
auditivo era muito perturbador, parecia que estava cando
5 O termo tecnologia normalizadora est sendo utilizado
segundo a denio: As tecnologias normalizadoras se exercem
produzindo subjetividades e sujeitos normalizados atravs da
interao homem-mquina (Thoma & Pellanda, 2006, p. 124).
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louca, muito barulho. No conseguia entender o que os
professores e os alunos conversavam e tinha que suportar
o barulho do aparelho. (Machado, 2008, p. 122)
Em relao diculdade de acesso s informa-
es pelos surdos que fazem uso do aparelho auditi-vo que em princpio se constitui em um facilitador
do processo de leitura orofacial , tambm pela minha
vivncia percebo o quanto essa situao miticada.
Nesse sentido, destaco os transtornos decorrentes da
permanente poluio sonora de uma sala de aula que
so um tormento, ainda mais quando acrescidos de
rudos e ecos produzidos pelo prprio aparelho, pelo
excesso de barulho ou outros sons ambientais (como
a passagem de carros), que atrapalham o raciocnio
e, obviamente, a compreenso do que esta sendo
falado e da dependncia da familiaridade com o
tema e expresses tpicas no transcorrer de uma aula.
Em relao a esse aspecto, parece-me que h uma
grande contradio se considerarmos que o esperado
em um processo de ensino-aprendizagem ampliar
as perspectivas e domnios, inclusive promovendo a
apropriao de novas terminologias.
Ainda no relato de minha experincia: a impossi-
bilidade de acompanhar os dilogos que transcorremem sala de aula at que eu consiga localizar no
campo visual quem est falando j perdi metade dos
argumentos esvazia em muito o acesso qualida-
de das informaes partilhadas. As entrelinhas da
troca conversacional sempre pairam no ar! Tambm
camos excludos do aprendizado incidental, prove-
niente daquele burburinho de conversas que ocorrem
durante uma aula e nos corredores das instituies
de ensino. Ademais, a situao no oferece conforto
lingustico; ao contrrio, exaure. Por esse motivo, nasminhas aulas no doutorado conto com uma intrprete
em Libras.
Para nalizar este primeiro momento de discusso
sobre o mito da leitura labial, uso o depoimento de
Karen Strobel (2008a, p. 16), pesquisadora surda e me
de um lindo menino surdo, que ilustra exemplarmente
o processo discriminatrio alicerado na conveniente
aceitao desse processo:
Eu, por exemplo, procurava ler os lbios, mas aps uns 10
minutos os meus olhos comeavam a arder, cansavam e
eu desistia de prestar ateno nas aulas e cava olhando-
para-a-parede. Acho que se tivesse diploma para o total
de horas olhando-para-a-parede, eu bateria recorde por
toda a minha vida escolar inclusiva.
Do preconceito do outro ao autopreconceito
As identidades no se constroem no vazio. Ao
contrrio, esto relacionadas ao conceito de represen-
tao, numa relao de interdependncia, no sentido
de que a construo da identidade se deve, em grande
parte, a determinadas representaes construdas, do
mesmo modo que estas esto relacionadas s identi-
dades sustentadas pelos sujeitos (Hall, 2000). Nesse
sentido, entende-se que tanto a identidade como a dife-
rena esto relacionadas s representaes sociais.
A manuteno dos contrastes binrios (normali-
dade/anormalidade, ecincia/decincia,...) faz com
que o surdo seja percebido como o oposto e negativo
do ser ouvinte, no o aceitando enquanto uma expe-
rincia singular que constitui uma diferena especca
(Skliar, 1998, p. 9). Essa lgica perversa naturalizaa homogeneizao dos discursos que identicam o
surdo por meio de caractersticas universais, a partir
da marca da materialidade da surdez, como sendo
constitudos por: ritmos lentos de aprendizagem,
inteligncia primitiva, comportamentos agressivos,
labilidade emocional, imaturidade afetiva e cognitiva,
problemas nas relaes interpessoais (Schneider,
2006, p. 39).
Esses discursos globalizantes, sendo represen-
taes sociais que identicam o surdo como um ser
anormal, incapaz, sem cultura prpria, com uma lngua
pobre e uma maneira de ser esquisita, faz com que ele,
principalmente quando privado de estar entre seus
pares, assimile o olhar do ouvinte-opressor. Nesse
sentido, importante considerar que 95% das crianas
surdas so lhos de pais ouvintes, e a forma como
descoberta a surdez, por meio de exames audiolgicos
e imersos nos discursos clinico-teraputicos, constitui-
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se em um dos importantes fatores da aceitao e
perpetuao do rtulo estigmatizante do surdo como
deciente.
incorporado ao ambiente familiar o poder das
cincias mdicas, como regime de verdade, que vai ao
encontro do tipo de representao social dominante,que tambm identica a surdez como uma condio
de inferioridade, de incapacidade. Essas representa-
es acabam por induzir o surdo a assimilar a forma
como ele percebido e narrado, levando-o tambm
a perceber-se e narrar-se em oposio ao espelho
ideal: l-se ouvinte, para assimilar a imagem de ser
deciente, de menos valia.
O constrangimento de ter um lho visto como
deciente conduz a famlia, na maioria das vezes,a apresentar resistncia ao uso da lngua de sinais
smbolo por excelncia da surdez, da identidade
individual e cultural do surdo (Ferreira Brito, 1993,
p. 28, p. 54) optando pelo mtodo oralista, bus-
cando a sua invisibilidade. Dessa forma, perpetua-se
a obstinao no treinamento da palavra falada e da
leitura desta como uma medida de normalizao,
desconsiderando os prejuzos formao da identi-
dade, ao desenvolvimento cognitivo e psquico do
sujeito surdo, fatos j conhecidos na literatura comabordagem socioantropolgica, mas preteridos ante
aos argumentos das cincias mdicas.
A violncia qual os surdos so submetidos ao
serem privados de sua lngua natural levava-os a uma
permanente sensao de isolamento, evidenciado
no discurso de Laboritt (1994, apudStrobel, 2008b,
p. 50), autora surda, quando arma que privar os lhos
da comunicao em lngua de sinais efetivar a
[...] excluso da famlia, da casa onde todos falam sem se
preocupar com voc. Porque preciso sempre pedir, puxar
algum pela manga ou pelo vestido para saber, um pouco,
um pouquinho, daquilo que se passa em sua volta. Caso
contrrio, a vida um lme mudo, sem legendas.
Em decorrncia do isolamento, do sentimento de
rejeio familiar, comum o surdo reagir de forma
aptica ou agressiva assim como qualquer criana
ouvinte que fosse submetida situao de violn-
cia similar. No entanto, isso sempre interpretado,
numa inverso perversa da lgica, como decorrente
da surdez, e no pela violncia qual submetido.
Em relao a essa caracterizao do comportamento
do surdo como patolgica, resgato a situao de umalinda menina surda, de sete anos, que conheci. Estava
numa escola de surdos de Curitiba conversando com a
professora da turma, enquanto acompanhava a harmo-
nia com que os alunos interagiam atravs da lngua de
sinais. Nessa hora chegou a me de uma das alunas,
que estava visivelmente feliz junto a seus colegas
conversando em Libras. Vendo o comportamento da
lha, a me fez o seguinte comentrio: Engraado
como aqui ela se comporta bem. Em casa ela no faznada. Se no mandar tomar banho, no vai; ca s
deitada no sof assistindo televiso. O pior que s
vezes ela comea a gritar, cada grito, que chega a doer
os meus ouvidos!. Perguntei se ela sabia a lngua de
sinais. Respondeu: No, no tive tempo ainda, tenho
a casa para cuidar, muito trabalho.
Nessa situao ca ilustrado o enorme precon-
ceito em relao surdez: a me recusa-se aprender
a lngua de sinais para se comunicar com sua prpria
lha. Submetida segregao familiar que faz brotarum sentimento aniquilador decorrente da excluso, a
criana, em seu isolamento comunicativo, expressa em
gritos a sua revolta, que percebida como um quadro
tpico decorrente da surdez. A me apresenta uma rea-
o de estranhamento ao comportamento harmonioso
da menina na sala de aula. Os preconceitos esto to
assimilados que ela abdica do direito ao exerccio da
maternidade plena, eximindo-se tambm do seu dever
maternal de promover uma condio digna de exis-
tncia no meio familiar. Nesse sentido, vale ressaltar,como o psiquiatra surdo noruegus Terje Basilier,
citado por Ferreira Brito (1993, p. 75):
[...] quando eu aceito a lngua de outra pessoa, eu aceitei a
pessoa [...]. Quando eu rejeito a lngua, eu rejeitei a pessoa,
porque a lngua parte de ns mesmos [...] Quando eu aceito
a lngua de sinais, eu aceito o surdo, e importante ter sem-
pre em mente que o surdo tem o direito de ser surdo.
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Alm do exemplo referido, com o objetivo de
enfatizar a perversidade dos preconceitos em relao
surdez, com a supremacia da valorizao da palavra
falada, que demonstra como introduzem uma sensao
de menos valia, de isolamento, de perda, resgato o
depoimento de Vilhalva (2004, p. 13): Um papagaiofazia parte da famlia, eu cava intrigada por que todos
falavam mais com o papagaio do que comigo.
Tambm no depoimento de Karen Strobel (2008b,
p. 40) est ilustrada claramente a extenso do preju-
zo que a falta de feedback, comum entre as crianas
ouvintes, acarreta criana tanto psicolgica quanto
cognitivamente:
Uma vez a empregada domstica estava lavando o quintalno fundo de casa e eu cava sentada observando a gua
suja de lama e sabo correndo at o bueiro. No meio desta
sujeira estava um bicho estranho de mais ou menos uns
seis centmetros que estava morto. Assustei-me porque o
associava com o bicho que vi na televiso noutro dia, jacar
enorme que comia as pessoas e tive muitas noites de insnia
com medo da existncia deste bicho no nosso quintal e que
viria me pegar e me comer. S agora eu entendo que no
era jacar e sim simplesmente uma lagartixa. No havia
ningum que me informasse sobre isso.
Como consequncia dos processos segregacionis-
tas e discriminatrios, de conviver permanentemente
com o olhar preconceituoso do outro, factvel que o
surdo desenvolva o auto-dio, em decorrncia quase
que direta do mecanismo de defesa chamado identi-
cao com o agressor (Baibich, 2001, p. 19). Nesse
processo esto os surdos que tentam se acomodar
sociedade ouvinte por sua autonegao, buscando
identicar-se com o ouvinte tentando ser um deles. Os
surdos identicados nesse processo, enquanto vtimas
do preconceito, atravs do mimetismo6 de disfarce,
6 O mecanismo de defesa denominado mimetismo de
disfarce foi explicado pela professora Tnia Maria Baibich-Faria em
2007, em encontro de orientao com sua orientanda Edimara Soares,
que utilizou essa expresso na abordagem do tema de sua dissertao
de mestrado, da qual extrai a referncia apresentada no texto.
buscam um mecanismo de defesa. No entanto, esse
mecanismo passa logo da defesa ao ataque, tornando-
se uma ameaa ao atacar a prpria identidade, dado
que impossvel esconder ou tirar de si partes que so
suas. Desta feita, este mimetismo [...] leva ferida
identitria que no cicatriza (Soares, 2008, p. 13).O auto-dio que se efetiva atravs do processo da
autonegao dos surdos que assimilam os preconcei-
tos utilizando-se do mimetismo de disfarce coexiste
com a incapacidade social imperante de relacionar-se
com as diferenas. Nesse sentido, rearmo o grande
engodo que signica dizer se o surdo falar portugus
ser aceito na sociedade ouvinte, bem como o carter
conveniente da aceitao de que a leitura da palavra
falada pode substituir a audio. Isso se torna evi-dente quando se verica que at um desencontro de
tonalidades de voz e o no-entendimento de algumas
falas suciente para categorizar o surdo como um ser
deciente, trat-lo como tal e tornar-se um empecilho
comunicao entre ambos.
Em relao a essa situao, fao referncia nova-
mente a minha vivncia como surda: inmeras vezes
percebi o olhar incomodado em funo do meu tom
de voz, especialmente quando no fao uso da prtese
auditiva, olhar esse acompanhado pela impacinciaem relao ao meu no-entendimento de algumas
das palavras faladas, como se fosse bvio o que est
sendo dito. E, ao buscar esclarecimentos sobre o que
foi falado, usual no os ter, com o argumento de
que no era nada, ou receb-los de forma ridicula-
mente resumidas, ou, pior ainda, carregados j de um
julgamento de valor, como se no fossemos capazes
de abstra-lo.
Em funo desse olhar preconceituoso, quan-
do ainda estava presa s amarras do ouvintismo,aceitava-o, sentindo-me extremamente constrangida.
Indubitavelmente, no transcorrer da minha histria
de ensurdecimento, desde que tive detectada a perda
auditiva, passei pelo processo de autonegao. Na
tentativa de manter-me entre os ouvintes, tentando
disfarar a surdez, fazia uso da prtese auditiva
praticamente 24 horas por dia, sem questionar seus
reais benefcios, escondendo-a permanentemente.
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Surdez e preconceito
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Nas circunstncias em que no podia fazer uso da
prtese, evitava falar ou, quando o fazia, buscava ser
o mais sucinta possvel. Dessa forma, utilizando-me
do mimetismo de disfarce, alimentei o ataque
minha prpria identidade, perdendo a autonomia so-
bre meu prprio corpo, tornando-o contido pelo usodo aparelho e pelos cuidados permanentes que exige,
ngindo entender tudo que era falado, abdicando de
meu direito de expresso, de participao; enm, de
viver plenamente.
Enquanto imersa no discurso clnico-teraputico
da surdez, assimilei a imagem de ser deciente, de
menos valia. Somente ao me libertar das amarras
do ouvintismo que pude avaliar a relao custo-
benefcio do aparelho e aprender a fazer uso dele deforma consciente. Hoje o considero um intrprete
temperamental de competncia duvidosa; em situa-
es desconhecidas, em que no sei se conseguirei
contato prximo com quem esta falando e quando
no posso contar com uma intrprete em Libras,
constitui-se um recurso decitrio. Ao construir minha
hbrida identidade surda, pude perceber a inverso da
lgica perversa da situao de quem de fato deveria
constranger-se, mantendo meu direito de sentir e ex-
pressar as emoes, assim como exigir o acesso plenos informaes, recusando os processos simplistas de
traduo.
Nessa perspectiva, enfatizo o quanto a assimila-
o do ouvintismo como uma concepo de mundo
que se prope universal e superior, num esforo persis-
tente de negao daquilo que , acaba implicando uma
identidade fracionada e a perda do direito ao exerccio
pleno da cidadania. Para ilustrar o sofrimento que esse
processo de assimilao dos preconceitos gera, fao
uma analogia com uma antiga fabula popular:
O corvo, insatisfeito com sua condio, admirava distncia
a comunidade dos pombos marcada pela elegncia, pela
cultura e pela beleza. At que, certo dia, toma uma posio
radical: pega uma lata de tinta branca e pinta-se inteiramente.
Com essa nova roupagem, dirige-se ao pombal; l chegando,
rapidamente identicado pelos pombos originais, que no
permitem seu ingresso na sociedade. Decepcionado, decide
voltar ao convvio de seus pares os corvos. L chegando,
todavia, a decepo se faz mais profunda; seus antigos
irmos no o reconhecem e o repudiam. Assim, sem ter o
que tinha e no alcanando o que desejava, cou o pobre
corvo s, lamentando sua singular condio. (Souza e Silva,
2003, p. 140)
Essa fbula toca em uma questo crucial para os
surdos: a pertena a um grupo minoritrio, sobre o
qual recaem inmeros preconceitos que lhe atribuem
menos valia. Por isso, o caminho da autonegao
uma possibilidade, uma tentativa de ser aceito. No
entanto, assim como o corvo pintado de branco, o
surdo reconhecido: seja por sua fala adjetivada
como jeito surdo de falar, pelo uso da prtese, pelo
no-entendimento das palavras faladas, por seu tom
de voz, por no ouvir ou, pelo menos, em nveis bem
abaixo dos ouvintes. Dessa forma, a pretensa busca em
ser aceito, atravs do mimetismo, tentando se igualar
a estes, mesmo que use de todos os artifcios, como
ngir que entende tudo o que dito atravs da leitura
da palavra falada, prtica comum entre os surdos, seu
disfarce se desmorona. E se, como o corvo branco, o
surdo tentar ir ao encontro dos seus pares, carregan-
do todos os preconceitos ouvintistas, o povo surdotambm no o reconhece como um dos seus. Dessa
forma, concordo com o fato de que a assimilao,
alm de intil em seu propsito, provoca sofrimento
sem trgua, prprio ao processo de ciso identitria
(Baibich, 2001, p. 94).
Consideraes fnais
Episdios de preconceitos como os referidos so
usuais no cotidiano dos surdos. A surdez foi construdahistoricamente a partir da diferena enquanto desvio da
normalidade, numa abordagem patologizante. Apesar
do novo discurso socioantropolgico da surdez estar
em voga, principalmente no meio acadmico, esta
ainda uma escrita recente. Podemos encontrar muitas
contradies inclusive entre alguns dos que fazem
uso de um discurso que impressiona positivamente,
contradies essas que tambm os surdos apresentam
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quando assimilam os preconceitos. Entre estes no
posso deixar de fazer referncia a mim mesma, como
surda que tambm em muitos momentos me encontrei
nas amarras do ouvintismo.
Para enfatizar a importncia e a urgncia de
desconstruir as representaes preconceituosas queenvolvem o ser surdo, entre os quais a norma da fala
e o mito da leitura da palavra falada, construindo outra
narrativa na qual sejamos vistos como sujeitos surdos
e no sujeitos com surdez (Lopes, 2007, p. 9), nalizo
fazendo uso do discurso de Dalmo Dallari (apudRulli
Neto, 2002, p. 217-219, citado por Bolonhini, 2004,
p. 286-289):
O preconceito acarreta a perda do respeito pela pessoahumana. [...] faz com que certas pessoas sejam estigma-
tizadas, sofrendo humilhaes e violncias, que podem
ser impostas com sutileza ou relativo disfarce ou ento de
maneira escancarada, mas que em qualquer circunstncia
so negaes do respeito devido dignidade de todos os
seres humanos. [...] O preconceito introduz a desigualdade.
[...] Em consequncia dos preconceitos, as pessoas direta
ou indiretamente atingidas por eles so julgadas negativa-
mente e colocadas em situao de inferioridade social [...]
O preconceito estabelece e alimenta a discriminao. [...]promove a injustia. (...) anulando a regra bsica segundo
a qual nenhuma pessoa vale mais do que a outra [...]. A par
disso, onde atua o preconceito no importam os mritos, as
aptides, o valor moral e intelectual. [...] O preconceito cria
superioridades e inferioridades.
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SLVIA ANDREIS WITKOSKI doutoranda no Programa
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ed. Rio de Janeiro: Cincia Moderna, 2006); O galo apaixonado
(Rio de Janeiro: Cincia Moderna, 2006), A complexidade das
relaes inclusivas: um caso de uma aluna surda em um curso de
Doutorado em Educao (Revista Iluminart, v. 1, n. 2, p. 108- 116,
ago. 2009). Pesquisa em desenvolvimento: O preconceito contra
os alunos surdos: um grito. Home-page: www.libraseliteratura.
com.E-mail: [email protected]
Recebido em maio de 2009
Aprovado em junho de 2009
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Resumos /Abstracts/Resumens
606 Revista Brasileira de Educao v. 14 n. 42 set./dez. 2009
occur and those that should be
avoided. The purpose of this article
is to contribute to the construction of
conceptual tools that promote such an
understanding.
Key words: e-learning; cybercitizen;
modernity and technicism; human
formation and democracy; isolated
subject.
El quien de la educacin a distancia
En un espacio corto de tiempo, la
educacin a distancia (EAD) pas de
un recurso marginal a un importante
recurso de las polticas pblicas y de
las acciones empresariales. Hoy, no
es posible no considerar el impacto
que la introduccin de la EAD on-lineviene causando en nuestras formas
corrientes de concebir y de practicar
la educacin y la comunicacin. Sus
ms ardorosos defensores proclaman
que las tecnologas de informacin y
de comunicacin estn engendrando
un nuevo tipo de sociedad y de
humano. Sin embargo, se tiene la
impresin de que el discurso de franca
ruptura con el pasado resulta no slo
de la creencia severa en los mediostecnolgicos, como de la imposibilidad
de responder a las objeciones que
podran ser hechas. En este sentido,
ahora se vuelve urgente investir en la
profundidad terica que permitir,
tal vez, entender y calicar las
rupturas que deban ser realizadas y
aquella que deban ser evitadas. Es
para la construccin de instrumentos
conceptuales que favorezcan el
esclarecimiento que el presente
artculo pretende contribuir.
Palabras claves: EAD on-line;
ciberciudadano; modernidad y
tecnologa; formacin humana y
democracia; sujeto aislado.
Slvia Andreis Witkoski
Surdez e preconceito: a norma da
fala e o mito da leitura da palavra
falada
Falar sobre surdez e preconceito narraruma das interfaces do ser surdo. Dentre
o imenso leque que o envolve, o artigo
traz para discusso a norma da fala e o
mito da leitura da palavra falada, por
considerar que ambos legitimam uma
srie de prticas oralistas, afetando pejo-
rativamente a construo da identidade
do ser surdo e seu direito a uma comu-
nicao e formao signicativa. Em
nome de uma pseudointegrao entre
surdos e ouvintes, mascaram-se os pre-
conceitos em relao surdez e aos sur-
dos, ao implicitamente no aceitar sua
diferena lingustica, de percepo do
mundo e forma de ser. Essa discusso
construda essencialmente a partir do
resgate de muitas vivncias dos prprios
surdos, a m de trazer tona as suas
nuanas, desvelando alguns dos discur-
sos que legitimam esses preconceitos,
buscando desnudar as implicaes dolo-
rosas que geram na vida dos surdos.
Palavras-chave: surdez; preconceito;
Libras.
Deafness and prejudice: the norm of
speech and the myth of lip reading
To talk about deafness and prejudice
is to describe one of the interfaces of
being deaf. Among the many things
that this involves, this article puts in
discussion the norm of speech and the
myth of lip reading because they both
legitimate a series of oral practices,affecting negatively the identity of being
deaf and the right to communicate
in a meaningful way. In the name of
a pseudo-integration of deaf with
hearing people, prejudices in relation
to deafness and the deaf are disguised,
when implicitly not accepting their
linguistic difference, their perception
of the world and way of being. The
discussion is built essentially on many
experiences of deaf people themselves,
in order to bring out the nuances, and in
so doing, reveal some of the discourses
which legitimize the prejudices,
whilst seeking to lay bare the painful
implications that these generate in the
life of deaf people.
Key words: deafness; prejudice; sign
language (Libras).
Sordera y prejuicio: la norma del
habla y el mito de la lectura de la
palabra habladaHablar sobre sordera y prejuicio es
narrar una de las interfaces del ser
sordo. En medio al inmenso abanico
que lo envuelve, el artculo trae para la
discusin la norma del habla y el mito
de la lectura de la palabra hablada,
por considerar que ambos legitiman
una serie de prcticas orales, afectando
peyorativamente la construccin de la
identidad del ser sordo y su derecho
a una comunicacin y formacinsignicativa. En nombre de una seudo
integracin entre sordos y oyentes, se
disfrazan los prejuicios en relacin a la
sordera y a los sordos, al implcitamente
no aceptar su diferencia lingstica, de
percepcin del mundo y de su forma
de ser. Esta discusin es construida
esencialmente a partir del recate de
muchas vivencias de los propios sordos,
con el intuito de mostrar sus matices,
descubriendo algunos de los discursos
que legitiman esos prejuicios, buscando
descubrir las implicaciones dolorosas
que generan en la vida de los sordos.
Palabras claves: sordera; prejuicio;
Libras.