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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
SUPRESSÃO DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL: Uma tendência das Proparoxítonas na Língua Portuguesa com
Evidências no Falar Sapeense
ANDRÉ PEDRO DA SILVA
JOÃO PESSOA
2006
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
SUPRESSÃO DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL: Uma tendência das Proparoxítonas na Língua Portuguesa com
Evidências no Falar Sapeense
André Pedro da Silva
João Pessoa 2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
3
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
SUPRESSÃO DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL: Uma tendência das Proparoxítonas na Língua Portuguesa com
Evidências no Falar Sapeense
André Pedro da Silva
Prof. Dr. Dermeval da Hora
(Orientador)
João Pessoa 2006
SUPRESSÃO DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL: Uma tendência das Proparoxítonas na Língua Portuguesa com
Evidências no Falar Sapeense
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André Pedro da Silva
Dissertação de Mestrado apresentada à coordenação do Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do Grau de mestre em Língua Portuguesa.
João Pessoa 2006
SUPRESSÃO DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL: Uma tendência das Proparoxítonas na Língua Portuguesa com
Evidências no Falar Sapeense
André Pedro da Silva
5
Dissertação aprovada em: 24 de abril de 2006.
Examinadores:
________________________________________ Dermeval da Hora Oliveira
(Orientador)
________________________________________ Marígia Ana de Moura Aguiar
(1ª Examinadora)
_________________________________________ Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante
(2ª Examinadora)
JOÃO PESSOA 2006
6
“The key to a rational conception of
language change – indeed, of language
itself – is the possibility of describing
orderly differentiation in a language
serving a community”.
Weinreich, Labov e Herzog, (1968, 101)
DEDICATÓRIA
A Deus, pai onipotente, sempre presente em minha vida, dando-me
força e coragem para ultrapassar as barreiras no decorrer deste
trabalho.
7
A Margarida Targino e José Maria, meus pais, pelo apoio e
incentivo constantes.
Às grandes mestras e amigas, Juliene Pedrosa e Rosângela Neres,
pela importante e especial amizade, as quais sempre se
dispuseram, de forma constante e fundamental, a me “socorrer” em
momentos difíceis deste trabalho.
A todos os meus amigos que contribuíram, das mais diversas
formas, na execução deste.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. Dermeval da Hora, pela orientação, oportunidade, confiança, incentivo, amizade e, principalmente, por acreditar no meu trabalho e representar meu principal exemplo de pessoa, mestre e pesquisador.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro que me proporcionou dedicação exclusiva a este trabalho.
À Coordenação de Pós-Graduação em Letras, pelo incentivo e colaboração.
Às Professoras Mônica Nóbrega e Marianne Cavalcante pela assídua assistência e cooperação.
A Maria Aparecida e Veralúcia – respectivamente, secretária do VALPB e secretária do GELNE – que inúmeras vezes pela dedicação e preocupação mais se assemelharam a mães.
8
Às grandes amigas Sílvia Ribeiro e Fernanda Rosário Mello pela importante e especial amizade, companheirismo e ajuda sempre constantes e fundamentais nos momentos difíceis durante a realização deste trabalho.
Ao Flávio, Linduarte, Caline, Anna Libia, Jailma, Waléria, Walison, Romair, Débora, Lucirene, Emmanuel, Andréa, Carol e, em especial, a Wilson Eduardo, por fazerem dos momentos difíceis, os mais amenos, graças aos momentos de distração e companheirismo e caloroso convívio.
A Rubens, Valéria Viana, Ana Clarissa, Rafaela, Renata, Marla, Greice, Anamaria, Luciana, Germana, Alessandra, Josilene, Keith Corbit, que diversas vezes não foram apenas companheiros de Projeto, mas fiéis e valiosos amigos, os quais guardarei no meu coração para sempre.
Aos grandes amigos Wagner Luiz e Matheus Coller pelo precioso auxílio na codificação dos dados e transposições das gravações de MD para CD, respectivamente.
A Graça e Madja, duas pessoas maravilhosas, que sempre acreditaram em mim e deram-me, no momento certo, o fôlego necessário aos estudos.
A Renilde Pereira e Ramos Lins, grandes amigos e companheiros de trabalho, por acreditarem em minha capacidade e sempre me incentivarem.
Aos informantes que compuseram meu corpus, por terem sido tão receptivos e agradáveis, não havendo imposição destes, em momento algum, às etapas da realização das entrevistas.
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS ......................................................
xi
RESUMO ..........................................................................................................................
xiv
ABSTRACT ......................................................................................................................
xv
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... xvi 1 OBJETO DE ESTUDO .............................................................................................
01 1.1 A SÍNCOPE .............................................................................................................
02
9
1.2 PROCESSO DE ENFRAQUECIMENTO SILÁBICO ............................................ 05
2 METODOLOGIA ......................................................................................................
07 2.1 SELEÇÃO DOS INFORMANTES ..........................................................................
08 2.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA ..................................................................................
08 2.3 COLETA DE DADOS .............................................................................................
10 2.4 DEFINIÇÃO OPERACIONAL DA VARIÁVEL ...................................................
11 2.4.1 Variável dependente ..............................................................................................
11 2.4.2 Variável independente ...........................................................................................
12 2.4.2.1 Variáveis extralingüísticas ..................................................................................
12 2.4.2.1.1 Sexo ................................................................................................................ 13 2.4.2.1.2 Faixa etária ..................................................................................................... 14 2.4.2.1.3 Anos de escolarização .................................................................................... 15 2.4.2.2 Variáveis estilísticas ........................................................................................... 16 2.4.2.3 Variáveis extralingüísticas .................................................................................. 16 2.4.2.3.1 Contexto fonológico precedente ...................................................................... 17 2.4.2.3.2 Contexto fonológico seguinte .......................................................................... 17 2.4.2.3.3 Traço de articulação da vogal .......................................................................... 18 2.4.2.3.4 Estrutura da sílaba ........................................................................................... 18 2.4.2.3.5 Extensão da palavra ......................................................................................... 19 2.5 LEVANTAMENTO E CODIFICAÇÃO DOS DADOS .........................................
19 2.5.1 Método de análise: o programa VARBRUL .........................................................
19
3 A SOCIOLINGÜÍSTICA: TEORIAS E PERSPECTIVAS .................................. 23
3.1 BREVE HISTÓRICO DA SOCIOLINGÜÍSTICA .................................................. 24
3.2 MUDANÇA DE LÍNGUA ....................................................................................... 39
10
4 ESTRUTURA PROSÓDICA DO PORTUGUÊS ..................................................
41 4.1 SÍLABA ...................................................................................................................
42 4.2 CONDIÇÕES DE BOA-FORMAÇÃO ...................................................................
44 4.3 O ACENTO .............................................................................................................
46 4.3.1 O acento latino e sua natureza no período clássico ..............................................
47 4.3.2 Particularidade do acento .....................................................................................
49 4.3.3 O pé silábico ..........................................................................................................
50 4.4 AS VOGAIS E SUAS CARACTERÍSTICAS NO PB ............................................
51 4.4.1 A regra variável de redução da postônica não-final .............................................
55
5 ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................... 56
5.1 FATORES SOCIAIS ............................................................................................... 57
5.1.1 Anos de escolarização ........................................................................................... 58
5.1.2 Faixa etária ............................................................................................................ 60
5.1.3 Sexo ....................................................................................................................... 62
5.2 FATORES ESTILÍSTICOS ..................................................................................... 64
5.2.1 Tipo de entrevista .................................................................................................. 65
5.3 FATORES LINGÜÍSTICOS .................................................................................... 67 5.3.1 Contexto fonológico seguinte ...............................................................................
68 5.3.2 Contexto fonológico precedente ...........................................................................
69 5.3.3 Extensão da palavra ..............................................................................................
71 5.3.4 Estrutura da sílaba .................................................................................................
72 5.3.5 Traço de articulação da vogal ...............................................................................
74 6 CRUZAMENTO DAS VARIÁVEIS ....................................................................... 76
11
7 CONFRONTO COM OUTROS TRABALHOS .................................................... 82 7.1 FATORES EXTRALINGÜÍSTICOS ...................................................................... 83 7.2 FATORES LINGÜÍSTICOS ................................................................................... 84
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA ............................................................................ 95 ANEXOS ......................................................................................................................... 101 Anexo 1 - FORMAÇÃO DO CORPUS ........................................................................... 102 Anexo 2 - FICHA SOCIAL DO INFORMANTE ............................................................ 103 Anexo 3 - LEITURA DAS PALAVRAS NO TEXTO .................................................... 104 Anexo 4 - FIGURAS UTILIZADAS NAS ENTREVISTAS .......................................... 105 Anexo 5 - PERGUNTAS PARA OBTENÇÃO DAS PROPAROXÍTONAS ................. 113 LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
QUADRO 1 – CARACTERIZAÇÃO DOS INFORMANTES ............................. 09 QUADRO 2 – COMPARAÇÃO ENTRE OS DIALETOS CARIOCA vs
SAPEENSE NO ESTILO FORMAL ...........................................................................
53
12
QUADRO 3 – COMPARAÇÃO ENTRE OS ESTILOS FORMAL E
INFORMAL .................................................................................................................... 54
QUADRO 4 – COMPARAÇÃO ENTRE OS ESTILOS FORMAL E
INFORMAL NOS DIALETOS CARIOCA E SAPEENSE .....................................
54
QUADRO 5 – OS FATORES INFLUENCIADORES NO APAGAMENTO
DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL EM VOCÁBULOS
PROPAROXÍTONOS .................................................................................................... 92
TABELA 1 – ANOS DE ESCOLARIZAÇÃO (Apagamento da vogal postônica
não-final) ............................................................................................................................
59
TABELA 2 – FAIXA ETÁRIA (Apagamento da vogal postônica não-final) ..............
61
TABELA 3 – SEXO (Apagamento da vogal postônica não-final) ................................
64
TABELA 4 – TIPO DE ENTREVISTA (Apagamento da vogal postônica não-
final) .................................................................................................................................. 67
TABELA 5 – CONTEXTO FONOLÓGICO SEGUINTE (Apagamento da vogal
postônica não-final) ...........................................................................................................
68
TABELA 6 – CONTEXTO FONOLÓGICO PRECEDENTE (Apagamento da
13
vogal postônica não-final) .................................................................................................
70
TABELA 7 – EXTENSÃO DA PALAVRA (Apagamento da vogal postônica não-
final) ...................................................................................................................................
71
TABELA 8 – ESTRUTURA DA SÍLABA (Apagamento da vogal postônica não-
final) ...................................................................................................................................
73
TABELA 9 – TRAÇO DE ARTICULAÇÃO DA VOGAL (Apagamento da vogal
postônica não-final) ...........................................................................................................
74
TABELA 10 – CRUZAMENTO FAIXA ETÁRIA vs ESCOLARIZAÇÃO
(Apagamento da vogal postônica não-final) ......................................................................
76
TABELA 11 – CRUZAMENTO SEXO vs ESCOLARIZAÇÃO (Apagamento da
vogal postônica não-final) .................................................................................................
78
TABELA 12 – CRUZAMENTO SEXO vs FAIXA ETÁRIA (Apagamento da
vogal postônica não-final) .................................................................................................
80
GRÁFICO 1 – CONTEXTO FONOLÓGICO PRECEDENTE (Apagamento da
vogal postônica não-final) .................................................................................................
71
14
GRÁFICO 2 – CRUZAMENTO ENTRE FAIXA ETÁRIA E
ESCOLARIZAÇÃO (Apagamento da vogal postônica não-final)
..................................................................... 77
GRÁFICO 3 – CRUZAMENTO ENTRE SEXO E ESCOLARIZAÇÃO
(Apagamento da vogal postônica não-final) ......................................................................
79
GRÁFICO 4 – CRUZAMENTO ENTRE SEXO E FAIXA ETÁRIA
(Apagamento da vogal postônica não-final)
............................................................................................. 81
GRÁFICO 5 – CONFRONTO DOS DADOS DO SEXO (Apagamento da
vogal postônica não-final) .................................................................................................
83
GRÁFICO 6 – CONFRONTO DOS DADOS DA VARIÁVEL CONTEXTO
FONOLÓGICO SEGUINTE (Apagamento da vogal postônica não-final) .................
85
GRÁFICO 7 – CONFRONTO DOS DADOS DA VARIÁVEL ESTRUTURA
DA SÍLABA (Apagamento da vogal postônica não-final) ..............................................
85
GRÁFICO 8 – CONFRONTO DOS DADOS DA VARIÁVEL TRAÇO DE
ARTICULAÇÃO DA VOGAL (Apagamento da vogal postônica não-final) ..............
86
GRÁFICO 9 – INVERSÃO DA VARIÁVEL TRAÇO DE ARTICULAÇÃO
DA VOGAL (Apagamento da vogal postônica não-final) ..............................................
87
15
RESUMO
Esta pesquisa foi realizada com a finalidade de analisar e descrever o
comportamento lingüístico de um fenômeno bastante habitual no Brasil, e,
especificamente na cidade de Sapé - PB: a síncope da vogal postônica não-final em
vocábulos proparoxítonos (música > musca; maiúsculo > maiusclo; abóbora > abobra).
Sob a égide da Teoria da Variação Lingüística, investigamos as restrições tanto
lingüísticas quanto sociais no processo de escolha entre o apagamento ou não destes
vocábulos. Para isto, foram empregados registros de fala espontânea de 36 informantes,
estratificados socialmente com relação ao sexo, à faixa etária e à escolarização. Os
resultados estatísticos foram obtidos através do pacote de programas VARBRUL
(PINTZUK, 1988) e evidenciam que o principal grupo de fatores que determina a
aplicação do apagamento é o contexto fonológico seguinte, em que a vibrante apresenta-
se como contexto mais favorável. Entre os fatores extralingüísticos, a escolarização é o
principal fator que leva ao apagamento das vogais postônicas não-finais, quando os
menos escolarizados aparecem como maiores usuários deste fenômeno lingüístico.
16
ABSTRACT
This paper analyzes the common phenomenon of syncope by speaken in the city
of Sapé, Paraíba, Brazil in post-tonic, non-final vowels in proparoxytones. Using the
Linguistic Variation Theory as a point of reference, this paper studies the specific
linguistic and social restrictions that affect the elision of said vowels. The study is
comprised of the recorded, spontaneous speech of 36 informants and the data were
coded in relation to the following independent variables: sex, age, and education. The
statistical program VARBRUL (Pintzuk, 1988) was utilized to evaluate the data. The
results show that the determining factor for elision of post-tonic, non-final vowels in
proparoxytones is the phonological context. As the results show, education and age are
factors. They show that both the older and less educated informants are more inclined
to use syncope within their speech.
17
INTRODUÇÃO
As línguas atravessam vários momentos de sua evolução natural como qualquer
ser vivo, sofrendo, assim, influências, mudanças, e, conseqüentemente, ficando expostas
à variação. Com base nessa idéia de evolução é que vamos observar, em estágio de
variação, o apagamento das vogais postônicas não-finais, em que essas vogais são
sincopadas e, consequentemente, havendo ressilabação entre as sílabas restantes, ora
acontece uma mera união da sílaba precedente com a sílaba seguinte (quando é possível
manter o padrão de boa formação silábica), como, por exemplo, em árvore > arvre,
abóbora > abobra etc; ora havendo um retorno ao padrão CV, do Português Brasileiro,
como em câmara > cama, crédito > creto.
Ao retomarmos as idéias de Probo, criador do Appendix Probi, onde specullum
non speclum, dando origem à divergência entre o latim clássico e o vulgar, podemos
observar que essa simplificação na língua, que o gramático tentava corrigir, prosseguiu
livremente seu curso, na Península Ibérica, originando as palavras portuguesas espelho
(de speclum), olho (de oclum), velho (de veltum).
Apresentamos, pois, a supressão da vogal postônica não-final, exposta neste
trabalho. De acordo com Faraco (1991, p. 97), a história dos homens não é linear nem
homogênea, logo as sociedades são heterogêneas e essa heterogeneidade do social é
determinante da heterogeneidade lingüística e condicionante da mudança.
O mesmo acontece com a mudança; da variação lingüística está intrinsecamente
ligado a condições como o momento histórico em que a língua vive, o espaço
sociocultural em que se encontra e o canal lingüístico em que se comunica. Os estudos
variacionistas, tomando por base tais condicionamentos, buscam apresentar o caráter
sistemático da variação lingüística que, muitas vezes, resulta de um longo processo
evolucionário. Weinreich, Labov e Herzog (1968, p.100-1) afirmavam que: Se uma língua tem que ser estruturada para funcionar eficientemente, como as pessoas continuam falando enquanto a língua muda, isto é, enquanto passa por períodos de reduzida sistematicidade? Alternativamente, se pressões determinantes forçam a língua a mudar, e se a comunicação é
18
menos eficiente nesse ínterim (como poderia dedutivamente seguir pela teoria), por que tais deficiências não podem ser observadas na prática?1
A supressão da vogal postônica não-final (como em oclus (oculus), masclus
(masculus), altra (altera), socrus (socerus)) é um fenômeno que teve início no latim
vulgar e hoje, até certo ponto, vem se difundindo na fala popular de algumas regiões do
nosso país, se é que já não esteja presente em todo o território nacional.
Há, na realidade, poucos estudos acerca do apagamento das vogais postônicas
não-finais no Brasil. Nossa pesquisa2 baseou-se no trabalho de Amaral (1999), realizado
na região sul do Brasil, na cidade de São José do Norte – RS, a partir do qual,
resolvemos fazer o levantamento de um corpus na cidade de Sapé – PB – pelo fato de já
termos um certo contato com esse município e de já haver percebido o uso dessa
variável na comunidade. Sem falar que esse fenômeno ainda não havia sido estudado, o
que nos levaria a uma pesquisa pioneira no estado.
Antes do início da coleta dos dados, algumas hipóteses foram levantadas
baseadas em observações de leituras realizadas para a elaboração do trabalho.
Referente à influência dos fatores sociais, a primeira hipótese pensada foi a de
que os falantes com mais anos de escolarização tendem a reduzir menos as
proparoxítonas em paroxítonas de que os falantes com menos anos de escolarização,
que fazem maior uso dele. Essa hipótese foi levantada por haver uma predominância
maior das formas lingüísticas padrão em falantes com mais anos de escolarização em
literatura lingüística previamente lida (PEDROSA, 2000; ALVES, 2001; SILVA, 2001).
Uma segunda hipótese levantada para os fatores extralingüísticos foi a de que as
mulheres evitam a contração das proparoxítonas mais do que os homens. Alguns
estudos sociolingüísticos confirmam essa tendência da variável sexo (PEDROSA, 2000;
MARTINS, 2001) e apresentam essa variável como detentora de um papel bastante
significativo em relação à variação e à mudança. 1 After all, if a language has to be structured in order to function efficiently, how do people continue to talk while the language changes, that is, while it passes through periods of lessened systematicity? Alternatively, if overriding pressures do force a language to change, and if communication is less efficient in the interim (as would deductively follow from the theory), why have such inefficiencies not been observed in practice? (Weinreich, Labov e Herzog, 1968, p. 100-1). 2 Vale salientar que nosso trabalho foi realizado a partir de uma visão sincrônica, pois, como falamos anteriormente, essa variação já era observada no latim, dando origem, assim, ao latim clássico e ao latim vulgar.
19
Acreditamos que há uma forte tendência de variação estável em determinados
vocábulos, os quais, ao sofrerem o processo de apagamento da vogal postônica não-
final, não apresentam uma ressilabação adequada à estrutura silábica do português. Isso
se confirma em palavras do tipo lâmpada > lampda; máquina > makna; pacífico >
pacifco, etc.
Quanto à influência de fatores lingüísticos, acreditamos que todos os contextos
aqui elencados (o contexto fonológico precedente, o contexto fonológico seguinte, a
extensão da palavra, a estrutura da sílaba precedente e o traço de articulação da vogal)
estão correlacionados mais positivamente à contração, uma vez que esses contextos
foram condicionadores em outros trabalhos já realizados, como no de Amaral (1999),
em que os fatores contexto fonológico seguinte, traço de articulação da vogal, estrutura
da sílaba precedente e contexto fonológico precedente; e no de Martins (2001),
extensão do vocábulo, contexto fonológico seguinte e contexto fonológico precedente,
também foram condicionadores dos fenômenos observados pelas pesquisadoras.
Sabemos que é através da língua que se dá a interlocução social, de forma que o
emissor e o receptor (retomando o conceito acerca das funções da linguagem de
Jakobson, 1999) de uma determinada idéia exigem compreensão mútua. Esse é o
principal fator que leva as comunidades a se organizarem em torno de uma fala em
comum, de traços compartilhados e muitas especificidades.
O desenvolvimento deste trabalho, compreendendo a síncope ou a supressão da
vogal postônica não-final nos vocábulos proparoxítonos, deu-se na cidade de Sapé, com
um corpus formado por 36 informantes, residentes na zona urbana, sob a perspectiva
laboviana da Teoria da Variação e da Mudança Lingüística.
Resolvemos abordar nesta pesquisa apenas os aspectos da variação
sociolingüística, deixando, para um trabalho posterior, em nível de doutoramento, a
união desta com os dados do VALPB para análise em nível fonético-fonológico, dando-
nos, assim, um trabalho mais coeso, em termos de teoria/dados/análises/resultados e,
certamente, uma importante fonte de pesquisa, servindo também de subsídio ao ensino
da Língua Portuguesa em todos os graus.
20
Com o intuito de desenvolver as idéias que norteiam este trabalho, o texto foi
estruturado em oito capítulos, descritos a seguir:
No primeiro capítulo, exporemos, resumidamente, o objeto de estudo, uma breve
apresentação do fenômeno da supressão da vogal postônica não-final em vocábulos
proparoxítonos, e uma rápida exposição do processo de enfraquecimento silábico,
buscando apresentar como se dá o apagamento da sílaba, tendo por base a escala de
força e a escala de sonoridade, de acordo com Katamba (1993). Paralelamente,
apresentaremos também o fenômeno e as hipóteses que norteiam este trabalho.
No segundo capítulo, explicitaremos a metodologia utilizada, delimitando o
corpus utilizado na análise (com a seleção e caracterização dos informantes), a forma
como aconteceu o levantamento do corpus, o método computacional empregado para a
rodada dos dados e, ainda, a definição operacional das variáveis dependentes e
independentes, também designadas de extralingüísticas ou sociais, que tiveram o
propósito de ratificar ou refutar as nossas hipóteses, que também serão apresentadas
neste capítulo em relação a cada fator estudado.
No terceiro capítulo, discutiremos a fundamentação teórica do nosso trabalho,
apresentando um breve levantamento histórico acerca de como se deu a síncope no
latim e alguns pensamentos sobre a Linguagem no século XX. Enfocaremos, ainda no
século XX, os primeiros estudos que relacionaram a Língua e o Social e o advento da
Sociolingüística Quantitativa, que enfatiza o envolvimento dos fatores extralingüísticos
no fenômeno da mudança lingüística e os problemas das restrições apresentados por
Weinreich, Labov e Herzog (1968).
No quarto capítulo, versaremos sobre a estrutura prosódica do português,
abordando as sílabas, os princípios de boa-formação, que condicionam o apagamento da
postônica não-final em palavras proparoxítonas, o acento e as vogais do português
brasileiro, dando uma visão geral dos fatores que, até certo ponto, acarretam esse
fenômeno.
No quinto capítulo, descreveremos os resultados e procedemos da análise
quantitativa dos dados, explicitando as variáveis lingüísticas e extralingüísticas que
foram selecionadas pelo VARBRUL como relevantes estatisticamente para o fenômeno.
21
No sexto capítulo, visando a um maior aprofundamento da pesquisa,
realizaremos uma segunda rodada, efetuando cruzamentos entre as variáveis sociais, ou
extralingüísticas. Para alcançar tal intento, levaremos em consideração os fatores mais
relevantes selecionados pelo pacote de programa computacional VARBRUL.
No sétimo capítulo proporemos a comparação entre os nossos resultados, obtidos
no estado da Paraíba, e os resultados de Amaral (1999), alcançados na região sul do
país, sobre o mesmo fenômeno lingüístico – apagamento da vogal postônica não-final,
em que apreciaremos as convergências e divergências entre as pesquisas acerca do
apagamento da vogal postônica não-final.
No oitavo e último capítulo, faremos as considerações finais em relação a cada
variável relevante para o fenômeno lingüístico pesquisado e algumas reflexões sobre a
importância da teoria da variação lingüística no ensino da língua.
22
1 OBJETO DE ESTUDO
Sabemos que há, nas palavras de algumas línguas do mundo, uma sílaba mais
forte e outra mais fraca (com exceção das línguas tonais); a forte recebe o nome de
tônica, e a fraca de átona. A percepção distintiva dessas sílabas está no acento, que é o
modo de proferir um som ou grupo de sons com mais proeminência do que outros. As
acentuadas (tônicas) e as não-acentuadas (átonas) diferenciam-se de acordo com a
dosagem, maior ou menor, de certas qualidades físicas que caracterizam os sons da fala
humana. Esse acento pode ser apontado como sendo de intensidade (força, dinâmico,
expiratório ou icto), quando o relevo consiste em um maior esforço expiratório, e
musical (tom ou altura), quando o relevo está na elevação ou maior altura da voz. Um
termo usado em FONÉTICA para referir-se ao grau ou à força usada na produção da
SÍLABA. A distinção usual é entre sílabas tônicas (acentuadas) e átonas (não-
acentuadas), o formador sendo mais proeminente que o último e marcado na
TRANSCRIÇÃO com uma linha vertical crescente, [']. A proeminência geralmente é
devido ao aumento da SONORIDADE da sílaba tônica, mas aumentos em EXTENSÃO
e às vezes em PICO podem contribuir para a impressão total de proeminência3
(CRYSTAL, 2004).
Na língua portuguesa, dentre essas três subdivisões supra citadas, os vocábulos
proparoxítonos são os menos produtivos e, por sua vez, os mais especiais. Registram-se
no dicionário Aurélio, de acordo com Amaral (1999), 8.520 proparoxítonos de um total
de aproximadamente 120.000 verbetes, razão pela qual são considerados pelos
estudiosos formas marcadas no léxico, ou seja, exceções. Há alguns anos, os vocábulos
proparoxítonos obedecem, na fala, ao padrão canônico português, tornando paroxítono o
que é proparoxítono.
3 A term used in PHONETICS to refer to the degree or force used in producing a SYLLABLE. The usual distinction is between stressed and unstressed syllables, the former being more PROMINENT than the latter and marked in TRANSCRIPTION with a raised vertical line, [']. The prominence is usually due to an increase in LOUDNESS of the stressed syllable, but increases in LENGTH and often PITCH may contribute to the overall impression of prominence.
23
1.1 SÍNCOPE
Neste trabalho, analisaremos o enfraquecimento da vogal postônica não-final em
vocábulos proparoxítonos, que leva esses vocábulos a sofrerem uma conseqüente
supressão dessa vogal, como, por exemplo, em abóbora > abobra; cócega > cosca;
árvore > arvre. A síncope é, pois, a queda ou supressão de um fonema interno ou
medial em determinada palavra. Embora vários fatores possam concorrer, às vezes,
concomitantemente, para a aplicação desse fenômeno lingüístico, como, por exemplo, o
comprimento do vocábulo, a maior ou menor rapidez da elocução, a natureza dos
fonemas circunvizinhos etc., a sua causa preponderante é, sem dúvida, o acento
intensivo (FARIA, 1955, p. 162).
A síncope, em latim, atingia unicamente as vogais breves e átonas, e,
principalmente, aquelas situadas na vizinhança da sílaba tônica. Conservando o latim
pré-histórico e proto-histórico o primitivo acento itálico, que sempre incidia sobre a
sílaba inicial do vocábulo, é natural que, nesse período da língua, a síncope atingisse
necessariamente a segunda sílaba da palavra. Por outro lado, como a síncope ocorre nos
diversos dialetos itálicos, deve ser considerada como um fenômeno geral do itálico,
assumindo naturalmente características próprias em cada um dos dialetos, ou grupos
dialetais em que se subdividiu a antiga unidade itálica.
Quando a síncope ocorria depois das soantes r, l, n, não podendo as mesmas
construírem centro de sílaba no itálico e no latim, onde só desempenhavam o papel de
consoantes, esses fonemas passavam a desenvolver antes de si um timbre vocálico,
mudando para er, il, in. O desenvolvimento desse timbre vocálico tomou o nome de
samprasárana, denominação tomada dos gramáticos hindus (*sacrodotis > *sacrdotis >
sacerdotis; *agrolos > *agrlos > *agerlos > agellus – diminutivo de ager).
Em sílaba final, a síncope não teve, em latim, a mesma extensão que no osco-
umbro, em que e, i, o breves, seguidos de s, sempre caíam. Em latim, exceção feita para
o e breve, numerosos são os exemplos de síncope do i e do o breves em sílaba final
terminada por –s, principalmente nas terminações -ros e -ris, como: pueros > *puers >
24
puer (com a simplificação da geminada em final absoluta rr > r); *soceros > *socers >
socer; sacros (forma atestada sob a grafia sakros).
Na 3ª declinação, é freqüente a síncope do i, no nominativo-vocativo de palavras
do gênero masculino e do feminino, quando esse i vinha precedido de uma consoante
oclusiva (*atrocis > atrocs; *cots > cos; *dotis > dots > dos, etc.).
Uma vez que o latim pré-histórico conservava o antigo acento itálico, que
sempre incidia sobre a sílaba inicial do vocábulo, era natural que neste período da
língua a síncope atingisse necessariamente a segunda sílaba da palavra (FARIA, 1955,
p. 187).
O Appendix Probi, valioso documento de fala corrente, refuta as formas
sincopadas: speculum non speclum, masculus non masclus, vetulus non vetlus, articulus
non articlus, permitindo deduzir que as formas correntes (e erradas, de acordo com
Probo) eram speclum, masclus, vetlus, articlus (ILARI, 2000).
É notório que nem todas as diferenças são sinais de mudança. Algumas, como
afirma Lucena (2001), decorrem de características próprias da oralidade em oposição
àquelas próprias da escrita.
No português arcaico, que se estende do século XII aos meados do século XVI,
eram raras as proparoxítonas. Encontravam-se apenas algumas palavras semi-eruditas –
eclesiásticas, jurídicas, medicinais etc., como os nomes de contribuições: hospedádego,
eirádega, montádega. Com o renascimento, os esdrúxulos (proparoxítonos) portugueses
passaram a constituir a parte principal das palavras cultas, poéticas e eruditas
reintroduzidas a partir do século XV (Cf. AMARAL, 1999), cuja maioria decorre de
empréstimos de palavras do latim clássico, entre as quais, palavras do grego adaptadas à
estrutura latina (CAMARA JR., 1979). Luís Vaz de Camões, dentre os quinhentistas e
os seiscentistas, foi quem mais enriqueceu a língua nacional e elevou a cultura pátria
com elementos da antiga civilização. Nos Lusíadas (1572), já apareciam proparoxítonos
como trêmulo, lúcido, rúbido, nítido, túmulo, diáfano, fatídico, belígero, entre outros
(AMARAL, op. cit.).
25
No português moderno, os proparoxítonos são, na maioria, vocábulos eruditos.
Mesmo os populares, como árvore, estômago, câmara, pela lei de menor esforço4, pelo
princípio de economia ou por tendência a seguir o padrão da língua, são transformados
pelos falantes em paroxítonos, como, respectivamente, arvre, estomo, cama.
No Brasil, estudos sistemáticos sobre as proparoxítonas são escassos. Tem-se
conhecimento de “O destino das palavras proparoxítonas na linguagem popular”, de
Briam Head (1986); “Descrição e análise da redução das palavras proparoxítonas”,
dissertação de Mestrado, de Valmir Caixeta (1989); “Aspectos Fonéticos das
Proparoxítonas no Falar de Fortaleza”, de Maria do Socorro Silva de Aragão (1999) e
“As Proparoxítonas: teoria e variação”, tese de Doutorado de Marisa Porto do Amaral
(1999).
Desde o surgimento da sociolingüística que o tema fonologia, e, em específico, a
supressão de segmentos, vem se configurando em estudos na área da variação. Primeiro,
com Labov (1966), quando investigou o apagamento da consoante /r/ em palavras como
farm e fair, no inglês falado em Nova Iorque, e comparou-o com o inglês RP (received
pronunciation), falado pela classe média-alta da Inglaterra.
No Brasil, Paiva (1996) investigou a supressão das semivogais nos ditongos
decrescentes no Rio de Janeiro. Brandão (1991), em um estudo sobre dialetos rurais,
observou a incidência de apagamento de flaps. Vandresen (1999), em um estudo sobre o
português falado na Região Sul, pesquisou a queda da vibrante em posição de coda.
As formas sincopadas e não-sincopadas resultam de processos de supressão de
segmento e/ou segmentos. Usamos esses dois termos, pois há, em determinado
momento, apenas o apagamento da vogal postônica não-final e, em outro, além deste, o
apagamento da consoante de menor soância. Em ambos os casos, uma vez confirmada a
queda da vogal postônica não-final, a estrutura silábica também é modificada, passando,
no primeiro caso (i), do padrão consoante/vogal (CV) para o padrão
consoante/consoante/vogal (CCV). No segundo (ii), acontece tal qual o primeiro, com
uma pequena modificação no que concerne à boa-formação silábica, isto é, vocábulos
que resultarem em sílabas com formações não aceitas pelo Princípio de Seqüenciamento
4 Quando o falante tende a reduzir um ou mais fonemas visando fazer um menor esforço músculo-articulatório.
26
de Soância5 (CLEMENTS, 1990) sofrerão uma outra síncope, e, agora, perderão a
segunda consoante, voltando, assim, ao padrão consoante/vogal (CV). Vale lembrar
que, em ambos os casos, haverá a perda de uma sílaba, surgindo, assim, a necessidade
de uma reestruturação silábica. Podemos perceber esse processo no exemplo que segue:
(i) ['aΦvΥrΙ] ['aΦvrΙ]
ár-vo-re (3 sílabas) ar-vre (2 sílabas)
(padrão silábico: CV em todas) (padrão silábico: CV e CCV)
(ii) ['cagədΥ] ['cagΥ]
cá-ga-do (3 sílabas) ca-go6 (2 sílabas)
(padrão silábico: CV em todas) (padrão silábico: CV e CV)
Neste último processo, há uma acomodação da estrutura silábica ao padrão CV,
considerado o padrão silábico canônico no português brasileiro.
Este trabalho busca apresentar evidências da influência dos diversos fatores
presentes no processo da preferência de uso das variantes da síncope da postônica não-
final. Tais fatores encontram-se relacionados a aspectos fonológicos e sociais, como
apresentaremos a seguir.
1.2 PROCESSO DE ENFRAQUECIMENTO SILÁBICO
O processo de enfraquecimento é regido por uma escala de força (strength
hierarchy) que se baseia no modo de articulação. Quanto maior a obstrução de um som,
mais forte ele será e, quanto menor essa obstrução, mais fraco ele será. A escala de
sonoridade é uma reafirmação inversa da escala de força (MARQUES, 2001). De
5 Esse princípio diz que a sílaba apresenta um contorno de soância crescente no ataque e decrescente na coda. Ver capítulo 2.3.2 deste trabalho para melhor entendimento. 6 Como seria impossível a formação cagdo no sistema silábico português, há uma síncope da segunda consoante (uma vez que ambas têm soância 0) resultando, dessa forma, em cago. Retomando, assim, o padrão silábico CV do português.
27
acordo com o esquema apresentado por Katamba (1993), tanto a sonorização quanto o
enfraquecimento caminham rumo à vocalização ou ao apagamento:
ESCALA DE SONORIDADE ESCALA DE FORÇA
( - Sonoridade) ( + força) 1 oclusivas surdas (p, t, k) 8 2 oclusivas sonoras (b, d, g) 7 3 fricativas surdas (f, s, š) 6 4 fricativas sonoras (v, z, ž) 5 5 nasais (m, n, nh) 4 6 líquidas (r, l, lh) 3 7 glides (y, w) 2 8 vogais (a, e, é, i, o, ó, u) 1
( + Sonoridade) ( - força)
Dessa forma, as oclusivas envolvem as obstruções mais fortes, e as
aproximantes (nasais, líquidas, glides e vogais), as mais fracas, com o restante dos sons
ficando entre elas. A perda total de um som é a forma final de enfraquecimento
(OCLUSIVA > AFRICADA > FRICATIVA > APROXIMANTE > ZERO)7.
Um conhecido “princípio” de mudança lingüística, segundo Coutinho (1976b, p.
112), é o de que consoantes mediais surdas latinas, quando em posição intervocálica,
sonorizam-se em português nas suas homorgânicas, e as sonoras geralmente caem, a
exemplo de: vita > vida, ibam > ia. Esse é um exemplo clássico de um processo de
enfraquecimento.
Acreditamos que, em nosso trabalho, esse enfraquecimento também ocorra, pois,
ao observar a queda da postônica não-final no vocábulo música, vemos que há as
seguintes possibilidades de manutenção: musca, sem sonorização, apenas síncope da
vogal “i”, como árvore > arvre; retângulo > retanglo, etc., e musga, com a sonorização
do -k- em -g-. Como também pode ocorrer o contrário. Observando a palavra cócega,
vimos que, quando neste vocábulo cai a postônica não-final, há simplesmente um
ensurdecimento da velar, ou seja, o -g- passa a -k- (cócega > cosca).
7 (>) indica um passo em direção a uma fraca pronunciação.
28
2 METODOLOGIA
Para o desenvolvimento deste trabalho, tomamos por base o modelo teórico-
metodológico da sociolingüística quantitativa ou modelo laboviano, porquanto somos
sabedores de que a heterogeneidade lingüística é ordenada, isto é, passível de descrição
por regras. De acordo com Naro (1992, p. 17), essas regras favorecerão ou não,
variavelmente e com pesos específicos, as formas usadas em cada contexto analisado,
sendo chamadas de regras variáveis, havendo, assim, a possibilidade de identificar uma
série de categorias independentes que influenciarão na ocorrência de uma ou outra
variante.
As ocorrências foram extraídas de entrevistas feitas na cidade de Sapé,
localizada no interior da Paraíba. Esse município conta com 47.353 pessoas, 35.516 das
quais são moradores da zona urbana, de acordo com o último censo realizado em 2000,
pelo IBGE. Levantamos, assim, nesse município, um corpus de língua falada que
representasse a comunidade de falantes em estudo como um todo. E, para alcançar tal
intento, tomamos por base um dos critérios básicos, segundo Tarallo (2002), que é a
seleção de informantes por amostragem aleatória:
Tal critério deverá ser usado especialmente no caso de a comunidade estudada ser um grande centro urbano. A amostragem aleatória lhe dará a certeza de que você ao menos tenha dado a chance a todos os membros da comunidade de serem entrevistados. A consulta ao censo da comunidade é imprescindível, bem como a reflexão cuidadosa sobre os critérios de classificação dos informantes em grupos socioeconômicos.
29
As entrevistas8 foram gravadas em situações naturais de interação social. Realizamo-las com base no interesse dos informantes, levando em consideração as informações presentes nos questionários anteriormente aplicados.
2.1 SELEÇÃO DOS INFORMANTES
Para a seleção dos informantes, seguimos o modelo de amostragem aleatória,
conforme falado anteriormente, e os informantes foram selecionados seguindo os
seguintes critérios9:
i) ser natural de Sapé ou morar nessa cidade desde os cinco anos de
idade;
ii) nunca ter passado mais de dois anos consecutivos fora dessa
comunidade.
2.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA
Neste trabalho, priorizamos apenas a zona urbana da cidade de Sapé. Aplicamos,
primeiramente, um questionário visando traçar um perfil das pessoas passíveis de serem
selecionadas para as entrevistas. Uma vez aplicado esse questionário, observamos quem
melhor se encaixava no perfil estabelecido pela pesquisa e voltamos a falar com essas
pessoas, preenchendo uma ficha social do informante, que nos serviria de base à seleção
da amostragem.
8 Conferir anexos 4 e 5. 9 De acordo com os critérios estabelecidos pelo VALPB (Projeto de Variação Lingüística no Estado da Paraíba).
30
A população desta pesquisa compõe-se de 36 informantes, sendo 18 homens e
18 mulheres da zona urbana da cidade. Dentre esses informantes, encontramos pessoas
que exercem as seguintes profissões: professor, pedreiro, comerciante, horticultor,
motorista, bibliotecário, auxiliar administrativo, vigilante, como também senhoras do
lar, aposentados e estudantes.
A seleção dos informantes seguiu o modelo da amostragem aleatória
estratificada, conforme abordado anteriormente. Estratificamos, assim, 18 células,
seguindo as variáveis sexo, faixa etária e anos de escolarização. Cada célula é formada
por 2 informantes, obedecendo à seguinte distribuição:
i) Sexo: masculino e feminino
ii) Faixa etária: 15 – 25 anos; 26 – 49 anos e 50 anos em diante
iii) Anos de escolarização: Pouca escolarização até 2 anos; 6 – 8 anos e
mais de 9 anos
Ao combinar as três variáveis, temos, o quadro 1:
QUADRO 1 – CARACTERIZAÇÃO DOS INFORMANTES
SEXO FAIXA ETÁRIA ANOS DE ESCOLARIZAÇÃO
1. Masculino 15 – 25 anos Pouca até 2 anos 2. Masculino 15 – 25 anos 6 – 8 anos 3. Masculino 15 – 25 anos Mais de 9 anos 4. Masculino 26 – 49 anos Pouca até 2 anos 5. Masculino 26 – 49 anos 6 – 8 anos 6. Masculino 26 – 49 anos Mais de 9 anos 7. Masculino 50 anos em diante Pouca até 2 anos 8. Masculino 50 anos em diante 6 – 8 anos 9. Masculino 50 anos em diante Mais de 9 anos 10. Feminino 15 – 25 anos Pouca até 2 anos 11. Feminino 15 – 25 anos 6 – 8 anos 12. Feminino 15 – 25 anos Mais de 9 anos 13. Feminino 26 – 49 anos Pouca até 2 anos 14. Feminino 26 – 49 anos 6 – 8 anos
31
15. Feminino 26 – 49 anos Mais de 9 anos 16. Feminino 50 anos em diante Pouca até 2 anos 17. Feminino 50 anos em diante 6 – 8 anos 18. Feminino 50 anos em diante Mais de 9 anos
Conforme a estratificação acima, a amostra contém 18 células sociais com dois
informantes em cada uma, totalizando, assim, 36 informantes (anexo 1).
2.3 COLETA DE DADOS
Realizamos a coleta de dados de agosto a dezembro de 2004. Um aspecto que
ajudou bastante foi o fato de o entrevistador/pesquisador já ter morado nesse município,
ser conhecedor dos bairros e ter certa noção de onde poder encontrar os prováveis
informantes da pesquisa.
Contrariando em parte as advertências de Tarallo (2002), ao afirmar que:
Seja qual for a comunidade, seja qual for o grupo, jamais deixe claro que seu objetivo é estudar a língua tal como é usada pela comunidade ou grupo. Se você inadvertidamente o fizer, ou mais grave ainda, se o fizer conscientemente, é muito provável que o comportamento de seus informantes – já prejudicado pelo uso do gravador e por sua presença – se altere ainda mais, e a pesquisa, conseqüentemente, se torne ainda mais enviesada. Procure, portanto, colocar ao informante os objetivos de sua pesquisa fora do campo da linguagem. Lembre-se também de que, sendo a língua propriedade do grupo estudado, seus informantes poderão se sentir ameaçados e embaraçados.
foi levado ao conhecimento dos informantes que estavam ali para desenvolver um
trabalho para a universidade, visando à coleta de depoimentos e de conhecimento de
mundo deles, uma vez que nosso tipo de entrevista não se dava por estilo livre e, sim,
por conversa dirigida. Essa conversa dirigida acontecia de duas formas: inquérito
fonético (fazendo-se uso de gravuras para o surgimento das formas lingüísticas que se
queria observar10) e a leitura de palavras no texto11 (em que se usaram frases guias para
a leitura e o aparecimento das formas lingüísticas por nós observadas).
10 Vale esclarecer que, nessa etapa, mostrava-se um cartão com um grupo de figuras e, a partir daí, criava-se um diálogo entre o entrevistador e o informante, dando-se, então, o uso das variáveis em estudo, conforme o anexo 4. 11 Ver anexo 5.
32
Esses dois modelos (inquérito fonético e leitura de palavras no texto) foram
empregados porque as palavras proparoxítonas são menos freqüentes em nossa língua,
e, conseqüentemente, em nossa fala. Como necessitávamos do uso dessas palavras,
pelos informantes, para a criação do corpus, resolvemos montá-lo conforme explicado
acima, visto que registrar dados de fala natural não é tarefa fácil, pois se corre o risco de
os falantes não enunciarem as palavras desejadas.
Antes de iniciar a gravação da entrevista, havia uma conversa prévia com o
informante, com o preenchimento de uma segunda ficha (anexo 2), com mais alguns
dados dos entrevistados. Fazíamos isso conscientemente com o intuito de deixá-los mais
à vontade e certos de que estavam prestando uma grande ajuda à execução deste
trabalho.
2.4 DEFINIÇÃO OPERACIONAL DA VARIÁVEL
Certos de que os falantes fazem escolhas de certas formas de falar, consciente ou inconscientemente, faz-se necessário selecionar prováveis condicionadores lingüísticos (variável dependente) e extralingüísticos (variável independente) da variação na pronúncia das proparoxítonas, objeto deste estudo, na fala dos informantes da amostra.
2.4.1 VARIÁVEL DEPENDENTE
A variável dependente é caracterizada pelas diferentes formas, que dependem de
determinados ambientes, no nosso caso, duas (presença ou ausência da vogal postônica
não-final), que correspondem a diferentes formas de se dizer a mesma coisa, num
mesmo contexto, com o mesmo valor de verdade (TARALLO, 2002, p. 8). Logo, a
síncope regeria a variação em nosso estudo. De acordo com alguns autores, a síncope é:
33
Um fenômeno muito freqüente de desaparecimento de um ou mais fonemas no interior de uma palavra. As vogais e sílabas átonas estão particularmente sujeitas a isso (DUBOIS, 1973). A perda de um fonema medial de um vocábulo. Na evolução do românico lusitânico, há duas síncopes sistemáticas e muito importantes: 1) síncope da vogal postônica posterior do grupo consonântico resultante; ex.: apícula > apicla (donde port. – abelha), teneru- > tenru- (donde port. – tenro); 2) síncope de consoante sonora entre vogais: ... (CAMARA JR., 1978). É um termo usado na FILOLOGIA COMPARATIVA, e algumas vezes na FONOLOGIA moderna, para se referir ao APAGAMENTO da VOGAL dentro de uma PALAVRA; freqüentemente contrastado com AFERES e APÓCOPE12 (CRYSTAL, 2004).
Assim, com as proparoxítonas, temos o seguinte esquema de representação da
variável dependente:
['aΦvΥrΙ]
<'aΦvΥrΙ>
['aΦvrΙ]
Para Tarallo (2002), “as variantes de uma comunidade de fala encontram-se sempre em relação de concorrência”. No nosso caso, essa relação é averiguada com a variante árvore, que corresponde à variante padrão vs arvre, considerada não-padrão.
2.4.2 VARIÁVEL INDEPENDENTE
12 A term used in COMPARATIVE PHILOLOGY, and sometimes in modern PHONOLOGY, to refer to the DELETION of a VOWEL within a WORD; often contrasted with APHAERESIS and APOCOPE.
34
A variável independente é tida como um conjunto de fatores que orientam a ocorrência das variáveis dependentes, a partir de comprovações de que fatores extralingüísticos (externos/sociais) e lingüísticos (internos/estruturais) têm-se mostrado bastante pertinentes aos estudos variacionistas, atuando como fortes condicionadores em determinadas pesquisas.
2.4.2.1 Variáveis extralingüísticas
Também chamadas de variáveis sociais, são aquelas que levam em consideração os aspectos sócio-culturais dos informantes. Segundo Tarallo (op. cit.):
Tudo aquilo que servir de pretexto e co-texto à variável (isto é, tudo aquilo que não for estritamente lingüístico) poderá ser relevante para a resolução de seu “caso”. A formalidade vs a informalidade do discurso, o nível socioeconômico do falante, sua escolaridade, faixa etária e sexo poderão ser considerados como possíveis grupos de fatores condicionadores.
Essa variável vem mostrando uma significante influência nos estudos já realizados em algumas línguas, como o Português e o Inglês. Podemos citar, por exemplo, trabalhos em português, em que fatores externos ao ambiente lingüístico mostram-se relevantes nesses estudos, muitas vezes, sendo até selecionados com um alto índice estatístico, como é o caso do enfraquecimento das fricativas sonoras (MARQUES,
35
2001), a palatalização das oclusivas dentais (HORA, 1997), a concordância nominal (SCHERRE, 1988), dentre outros.
Apresentaremos aqui as quatro variáveis extralingüísticas:
a) Sexo;
b) Faixa etária;
c) Anos de escolarização.
2.4.2.1.1 Sexo
A variável sexo sempre foi apontada em diversos estudos sociolingüísticos (PEDROSA, 2000; MARTINS, 2001, MARQUES, op. cit.) como um fator bastante importante, levando em consideração que é condicionante da heterogeneidade lingüística. Segundo Silva (2001),
É sabido que o papel social da mulher difere, em vários aspectos, do papel social do homem, que, obrigatoriamente, não necessita de afirmação social. As mulheres têm mais consciência das formas de status social do que os homens, além disso, são mais receptivas à atuação da norma escolar. A responsabilidade na educação dos filhos também contribui para que detenham um comportamento lingüístico mais esmerado.
Sabemos que as mulheres são mais sensíveis à forma padrão do que os homens
que, por sua vez, fazem maior uso da forma não-padrão em situação estável. Mas vale
frisar que as mulheres aceitam mais e fazem mais uso da forma mais nova; já os homens
se mostram mais conservadores. A partir daí, Romaine (2000) faz a seguinte observação
acerca do status dedicado pela sociedade ao gênero feminino:
36
As mulheres podem estar usando meios lingüísticos como uma forma de obtenção de status negado a elas através de outras épocas. Desde que foi negada à mulher a igualdade com o homem até onde oportunidades de emprego e educação interessam. Não há indicadores confiáveis para o status feminino ou ao status que ela almeja ter. Assim, o lugar no mercado de trabalho estabelece o valor do homem em condições econômicas, mas o único tipo de valor que a mulher pode ter é simbólico. Ela pode ser uma “boa” dona de casa, uma “boa” mãe, uma “boa” esposa, etc., com respeito às normas da comunidade para o comportamento apropriado13.
As mulheres são apontadas em muitos estudos como uma peça fundamental e de
grande valor no mecanismo de mudança lingüística. Assim, tomando como base todas
essas afirmações acerca da variável sexo, consideramos bastante relevante sua inclusão
neste trabalho, ficando essa variável assim definida:
a) masculino;
b) feminino.
2.4.2.1.2 Faixa etária
A faixa etária é um fator de grande relevância para o estudo
sociolingüístico, pois é a partir dele que se torna possível o esboço do estágio
que uma regra variável desempenha dentro do sistema lingüístico: variação
estável ou mudança em progresso. De acordo com Tarallo (2002), deve haver uma
correlação das variantes ao fator idade, após análise dos fatores condicionadores
internos. O autor afirma ainda que:
A relação de estabilidade das variantes (situação de contemporização) avultará, se entre a regra variável e a faixa etária dos informantes não houver qualquer tipo de correlação. Se, por outro lado, o uso da variante mais inovadora for mais freqüente entre os jovens, decrescendo em relação à idade dos outros informantes, você terá presenciado uma situação de mudança em progresso...
13 Women may be using linguistic means as a way to achieve status denied to them through other outlets. Since women have long been denied equality with man as far as educational of a woman’s status or the status she aspired to. Thus, the market-place establishes the value of man in economic terms, but the only kink of capital a woman can accumulate is symbolic. She can be a ‘good’ housewife, a ‘good’ mother, a ‘good’ wife, etc., with respect to the community’s norms for appropriate behavior.
37
A literatura pertinente (LUCENA, 2001; MARTINS, 2001; MARQUES,
2001) afirma que os falantes mais velhos de uma dada localidade geralmente são mais
conservadores em relação à mudança ou à estabilidade de um fenômeno lingüístico. Por
isso, a busca para saber se os falantes de maior faixa etária mostram evidências de que
esse processo (o de apagamento da postônica não-final) seja característico deles. Dessa
forma, estratificamos em:
a) de 15 a 25 anos;
b) de 26 a 49 anos;
c) de 50 anos em diante.
3.4.2.1.3 Anos de escolarização
Para estudos que analisam o comportamento social de uma determinada
comunidade, a escolarização é tida como um fator de grande relevância, pois distingue
o estilo de fala padrão do não-padrão. O estilo de fala não-padrão está sempre
relacionado às formas inovadoras, estigmatizadas ou não, a depender do contexto social
no qual estejam inseridas. Vale salientar que as formas não-padrão são, na maioria dos
casos, combatidas pelas instituições educacionais, o que vem fundamentar que, quanto
maior o ano de escolarização do falante, maior a sua consciência do uso da forma
considerada padrão (PEDROSA, 2000; LUCENA, op. cit.; SILVA, 2001). Quanto à
escolarização, traçamos as seguintes restrições:
a) Pouca escolarização até a 2ª série do fundamental;
b) de 5ª a 8ª série do fundamental;
c) do 1º ano do médio em diante.
38
2.4.2.2 Variáveis estilísticas
Para que este trabalho tivesse sucesso e credibilidade, apostamos na qualidade
do corpus selecionado. A coleta desses dados foi feita de modo direcionado, uma vez
que os vocábulos aqui trabalhados são de difícil ocorrência, pela sua escassez na língua
portuguesa. Tomamos por base, então, dois tipos de coletas: a entrevista dirigida
(inquérito fonético) e a leitura (onde havia um grande número de palavras
proparoxítonas). O uso dessas duas formas de entrevista apenas teve o objetivo de
assegurar um número satisfatório de palavras proparoxítonas, devido à sua ausência,
conforme mencionado acima. Para isso usamos a seguinte nomenclatura:
a) entrevista dirigida
b) leitura das palavras no texto14.
2.4.2.3 Variáveis lingüísticas
Ao falarmos em variáveis lingüísticas, tomamos por base a reunião de fatores
estruturais que, por sua vez, podem condicionar a escolha e/ou o uso de uma dada
variante. Neste estudo, essa variável está intrinsecamente ligada ao domínio da
fonologia.
No estudo da vogal postônica não-final, nossa preocupação é verificar o motivo
dessa síncope, isto é, que fonema, em particular, faz com que haja essa supressão. A
noção de direcionalidade é de suma importância neste estudo, pois é a partir dele que
podemos dizer se um fonema tem maior afinidade com o som que o precede ou que o
antecede (Cf. KATAMBA, 1993). Dessa forma, neste trabalho, observaremos a
circunvizinhança da vogal postônica não-final, objetivando descrever que elemento
mais se afina com o seu enfraquecimento e em que posição ele se encontra (se
precedente ou seguinte ao segmento analisado).
14 Cf. anexo 3.
39
Definimos, então, cinco variáveis lingüísticas:
a) Contexto fonológico precedente;
b) Contexto fonológico seguinte;
c) Traço de articulação da vogal;
d) Estrutura da sílaba;
e) Extensão da palavra.
2.4.2.3.1 Contexto fonológico precedente
Em muitas pesquisas sociolingüísticas (AMARAL, 1999; MARTINS, 2001;
MARQUES, 2001), de cunho laboviano, esse fator tem se mostrado bastante relevante
e, neste estudo, mais ainda, tendo em vista que contexto fonológico precedente vem a
desempenhar certo efeito em nossa variável, principalmente quanto ao ponto de
articulação. Daí a seleção dessa variável para a análise de nossos dados. Serão
observados os seguintes contextos:
a) oclusiva (xícara)
b) fricativa (árvore)
c) nasal (estômago)
d) líquida vibrante (espírito)
e) líquida lateral (parabólica)
40
2.4.2.3.2 Contexto fonológico seguinte
Sabemos que a síncope de segmentos que precedem as líquidas r e l são de
tradição histórica, sem falar que essa variável tem sido relevante em alguns trabalhos
variacionistas (GUY, 1981; MAGY & REYNOLDS, 1997). Devido a essa idéia,
resolvemos verificar a influência do segmento consonantal seguinte da postônica não-
final nesse processo de supressão. Nessa variável, analisaremos os seguintes contextos:
a) líquida vibrante (pássaro)
b) líquida lateral (pérola)
c) não-líquida (médico)
2.4.2.3.3 Traço de articulação da vogal
Com a seleção dessa variável, queremos verificar se o traço de articulação das
vogais, ou seja, se os traços de pontos ativados para a realização das vogais (Cf.
AMARAL, 1999) promovem alguma influência sobre o apagamento das postônicas
não-finais, objeto da nossa pesquisa. Para isso, analisaremos os contextos:
a) labial (fósforo)
b) dorsal (máscara)
c) coronal (físico)
2.4.2.3.4 Estrutura da sílaba
Esperamos, com esse fator, investigar a qualidade da sílaba (Cf. AMARAL,
1999; LUCENA, 2001), isto é, se a sílaba anterior leve (aberta) ou pesada (fechada)
propicia ou não a supressão da sílaba postônica não-final. A sílaba é leve, quando for
terminada em vogal, e pesada, quando terminada em consoante.
41
a) leve (fí.ga.do)
b) pesada (mús.cu.lo)
2.4.2.3.5 Extensão da palavra
Sabemos que, para ser considerado proparoxítono, um vocábulo deve ter, pelo
menos, três sílabas. Assim, resolvemos observar se a extensão das palavras
proparoxítonas também exerceria algum papel de destaque no apagamento da postônica
não-final. Esse fator se fez relevante em alguns trabalhos, como o de Martins (2001),
Amaral (op. cit.) etc.
a) 3 sílabas (úl.ce.ra)
b) 4 sílabas (re.tân.gu.lo)
2.5 LEVANTAMENTO E CODIFICAÇÃO DOS DADOS
Os dados foram levantados a partir de entrevistas dirigidas e inquérito fonético,
feitos com o uso de um gravador digital (MD). Após as gravações, passamos todo o
conteúdo dos mini-discos para CDs, os quais facilitavam bastante o manuseio e o
trabalho de escuta, e, conseqüentemente, a respectiva transcrição do material coletado.
Com os dados transcritos, analisar-se-iam as ocorrências do fenômeno variável, com a
aplicação ou não da regra, no contexto em que se encontravam inseridas. Em seguida,
havia o armazenamento, acompanhado da codificação, de acordo com os fatores
investigados, visando ao uso do pacote de programas do VARBRUL, utilizado para
fazer a análise estatística dos dados.
2.5.1 MÉTODO DE ANÁLISE: O PROGRAMA VARBRUL
42
De posse da amostra de dados, transcrita, armazenada e codificada, os dados
foram digitados num arquivo de texto (.txt), com seus códigos para submetê-los, então,
à análise, usando os programas apropriados do pacote VARBRUL.
Vários outros modelos estatísticos foram desenvolvidos para a verificação dos
estudos lingüísticos variacionistas. O que teve verdadeiro destaque, no entanto, foi o
modelo introduzido por Rousseau e Sankoff (1978). Baseado nesse modelo estatístico,
Sankoff desenvolveu um programa computacional para pesquisas variacionistas, que foi
posteriormente adaptado aos microcomputadores do tipo IBM, por Susan Pintzuk, em
1988 e 1992, passando a denominar-se VARBRUL 2S, programa computacional
utilizado para análise dos dados nesta pesquisa.
O pacote de programas VARBRUL é constituído de um conjunto de programas
ordenados, denominados de: CHECKTOK, READTOK, MAKECELL, IVARB,
TVARB, MVARB. Os três últimos variam de acordo com a quantidade de células a
serem verificadas. O CROSSTAB, o TEXTSORT e o TSORT são programas auxiliares
que também fazem parte do pacote e operam no tratamento dos dados.
O primeiro programa do pacote, o CHECKTOK, tem a função de localizar erros
de digitação ou de codificação existentes no arquivo de texto. Após a conferência, o
programa gera um arquivo que vai servir de entrada para o segundo programa, o
READTOK, que efetuará leves modificações nos dados corrigidos pelo CHECKTOK,
criando um novo arquivo que contém apenas as codificações, excluindo qualquer outro
tipo de informação que o pesquisador colocou no arquivo de texto. Esse novo arquivo
servirá de entrada para o programa seguinte: o MAKECELL, ao qual cabe a tarefa de
gerar as células responsáveis pelas porcentagens dos grupos de fatores em relação à
variável. Esse programa utiliza o arquivo gerado no READTOK e um novo,
denominado de arquivo de condições, em que constam o grupo de fatores da variável
dependente e os grupos que dizem respeito às variáveis independentes, para que
possíveis modificações sejam feitas, sem que haja necessidade de alterar o arquivo de
ocorrências.
O arquivo gerado pelo MAKECELL será o arquivo de entrada do IVARB (duas
variáveis, ou binário), TVARB (três variáveis ou ternário) ou MVARB (4 ou 5 variáveis
ou eneário), dependendo do número de variáveis que são trabalhadas. Para isso, é
43
indispensável que não haja knockouts (aponta comportamento invariável do fator, se
este apresentar 0% ou 100% de realização) nem single group (quando há apenas um
fator dentro de um grupo de fatores), visto que o propósito do programa é estabelecer
valores aos contextos variáveis.
O programa IVARB destaca-se por possuir níveis de análise variados. No nível 1
ou step up, calcula o peso relativo dos fatores de cada uma das variáveis, de forma
isolada, em relação ao input, calculando sua verossimilhança máxima (log-likelihood) e
seu nível de significância. A partir desses níveis, o programa realiza, então, a seleção de
uma das variáveis. No nível 2 ou step down, o programa trabalha com a variável
selecionada pelo nível anterior, observando o seu comportamento em correlação com
cada uma das demais variáveis, duas a duas, estabelecendo-lhes o log-likelihood e seus
respectivos níveis de significância, selecionando uma segunda variável. O mesmo
processo se repete, incluindo e comparando na rodada cada uma das variáveis,
destacando a mais relevante de cada um dos grupos em análise e colocando-as em
interação com as demais. Esse processo de seleção das variáveis é denominado de step
up.
Após o processo de seleção das variáveis mais relevantes para o fenômeno em estudo, o IVARB executa o procedimento de seleção de forma inversa, eliminando as variáveis menos significativas no processo de variação. Quando um dos grupos é eliminado, o programa faz a verificação dos demais grupos não significativos, um a um. Esse processo é denominado de step down.
Tomando por base uma escala de valores entre 0 e 1,
o modelo binário estabelece que o ponto neutro é de 0.50. Da mesma forma, valores acima de 0.50 são interpretados como favorecedores à aplicação da regra; abaixo de 0.50, como inibidores. O peso relativo 0.50 indica que há uma possibilidade de que o fato ocorra 50 vezes em cada 100 casos.
44
Nesse sentido é válida a observação feita por Silva (2001):
Mesmo sendo o programa computacional bastante importante na verificação estatística dos fenômenos variáveis, cabe direta e irrestritamente ao pesquisador coletar, codificar, armazenar, estabelecer os grupos de fatores que condicionam a ocorrência do fenômeno em estudo e analisar os dados, com base na teoria variacionista. A função do programa computacional no processo de análise é de caráter coadjuvante, cabendo ao pesquisador o conhecimento necessário de todo o processo para a interpretação dos resultados.
Após explicação dos procedimentos metodológicos
que utilizamos para este trabalho, podemos, então, partir para o próximo capítulo, o da Fundamentação Teórica, no qual abordaremos as teorias que norteiam nosso objeto de estudo: a supressão da vogal postônica não-final nos falantes da cidade de Sapé.
45
3 A SOCIOLINGÜÍSTICA: TEORIA E PERSPECTIVAS
Neste capítulo pretendemos traçar um panorama da lingüística a partir do
momento em que os estudos lingüísticos passaram a ser vistos com maior
sistematicidade.
No século XX, a lingüística passou pela mesma tensão15 de épocas anteriores ao
foco “universalista” e o foco “particularista” na abordagem dos fenômenos da língua e
da linguagem. Ainda no século XX, surgiram grandes campos de investigação e
avançaram em direção a uma interdisciplinaridade crescente, a uma intersecção com a
filosofia e com outras ciências humanas como a sociologia, a antropologia, a psicologia,
a neurociência, a semiótica etc. E, a partir desse momento, surgem os novos ramos ou
novas correntes lingüísticas, como a psicolingüística, sociolingüística, análise do
discurso, antropologia da lingüística, filosofia da linguagem, dentre outras.
A sociolingüística, ramo que nos norteia nessa pesquisa, estuda as línguas na sua
relação com as sociedades que as empregam. Ela procura responder a questões do tipo
15 Podemos observar essa tensão, nas dicotomias saussurianas (língua e fala) e de Chomsky (competência e desempenho), sendo que em ambos os autores o objeto da lingüística é definido pelo viés do elemento “abstrato”, “universalista”, “sistêmico”, “formal”.
46
“quem fala o quê?, onde?, quando?, como? e por quê?” e tenta mostrar que toda e
qualquer língua é constituída de variedades de formas com o mesmo valor de verdade.
Sob esse ponto de vista, as línguas não podem ser encaradas como blocos homogêneos.
Sob a ótica sociolingüística, a competência lingüística humana ultrapassa o
monolingüismo. O ser humano detém uma capacidade inata para o plurilingüismo
dentro de sua própria língua: em casa, falamos o idioma familiar; na escola,
modificamos a linguagem, adaptando-a a outras variantes regionais e/ou sociais. De
acordo com o meio, as línguas humanas se acostumam a novos socioletos16 e assim se
percebe, pouco a pouco, que as línguas se constituem de um aglomerado de níveis de
expressão, atestando que nenhuma comunidade é inteiramente homogênea. De fato,
cada falante é, ao mesmo tempo, usuário e agente modificador de sua língua (mesmo
que inconscientemente), nela imprimindo marcas geradas pelas novas situações com
que se depara.
Pretendemos mostrar aqui uma retrospectiva da evolução do estudo da variação
e da mudança lingüística, que tem sido objeto de pesquisa desde os séculos passados.
Para alcançar tal intento, nos subcapítulos que seguem, traçaremos um panorama da
história da sociolingüística para melhor entendimento deste trabalho.
3.1 BREVE HISTÓRICO DA SOCIOLINGÜÍSTICA
A concepção de língua como objeto de estudo da Lingüística foi desenvolvida
pelo Estruturalismo, com Ferdinand de Saussure, que, através de sua concepção de
língua, conseguiu responder à problemática inicial de que, segundo Lucchesi (1998, p.
171), dispunha-se à Lingüística naquele momento: produzir uma concepção de língua
globalizante que pudesse orientar todos os estudos que dela se fizerem. Dessa forma, o
Estruturalismo alcançou a posição de hegemonia no cenário da ciência lingüística com
essa perfeita articulação teórica entre a maneira de conceber a língua como objeto e o
modo de aprendê-la através da análise lingüística (LUCCHESI, op. cit., p. 171). 16 Variedade lingüística de cunho social, isto é, variedade característica dos falantes pertencentes a um determinado estrato social (BRANDÃO, 1991: 82).
47
Assim, a grande questão que marca o desenvolvimento estruturalista da
lingüística é a de como a língua funciona, centrada na identificação das suas unidades
funcionais e no estabelecimento das relações objetivas que lhe garantem o
funcionamento enquanto um processo organizado e autônomo. Inicia-se, assim, a luta
por uma concepção social da língua. O lingüista francês, Antoine Meillet, insistiu em
numerosos textos como sendo a língua um fato social, dando um conteúdo bem preciso
a essa característica. Em seu artigo, “Comment les mots changent de sens”17 (Como as
palavras mudam de sentido), ele propunha uma definição desse “fato social”,
enfatizando, ao mesmo tempo e sem ambigüidade, sua filiação ao sociólogo Émile
Durkheim (cf. CALVET, 2002):
– “os limites das diversas línguas tendem a coincidir com os dos grupos
sociais chamados nações; a ausência de unidade de língua é o sinal de um Estado recente, como na Bélgica, ou artificialmente constituído, como na Áustria”;
– “a linguagem é eminentemente um fato social. Com efeito, ela entra exatamente na definição proposta por Durkheim; uma língua existe independentemente de cada um dos indivíduos que a falam e, mesmo que ela não tenha nenhuma realidade exterior à soma desses indivíduos, ela é, contudo, por sua generalidade, exterior a eles”;
– “as características de exterioridade ao individuo e de coerção pelas quais Durkheim define o fato social aparecem na linguagem como evidência última”. (Meillet, Comment lês mots changent de suns apud Calvet, 2002, p. 13-14)
Apesar de Meillet ter sido apresentado como discípulo de Saussure, com a
publicação do Curso de Lingüística Geral (doravante CLG), ele tomou distância e,
segundo Calvet (2002, p. 14), Meillet ressalta que, ao separar a variação lingüística
das condições externas de que ela depende, Ferdinand Saussure a priva de realidade;
ele a reduz a uma abstração que é necessariamente inexplicável. Dessa forma, Meillet
entrava em desacordo com, pelo menos, uma das dicotomias saussurianas
(sincronia/diacronia) e com uma das frases mais importantes do curso (“a lingüística
tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma”).
Enquanto Saussure procurou elaborar um modelo abstrato da língua, Meillet se vê em
conflito entre o fato social e o sistema que tudo contém. Ou seja, para Meillet, era
impossível compreender os fatos da língua sem fazer referência à diacronia, à história.
17 Publicado em L’Anné socilogique, 1905-1906, reimpresso em Linguistique historique et linguistique générale, Paris, Champion, 1921.
48
Com toda essa precisão com que Meillet definia a noção de fato social, as
passagens em que Saussure declarava, em seu CLG, que a língua é parte social da
linguagem ou que a língua é uma instituição social, chocam por sua definição teórica.
Para ele, o fato de ser a língua uma instituição social é simplesmente um princípio geral,
uma espécie de exortação que muitos lingüistas estruturalistas retomarão depois, sem
nunca prover os meios heurísticos para assumir essa afirmação. Para Meillet, essa
afirmação deveria, ao contrário, ter implicações metodológicas, ela deveria centrar-se na
teoria lingüística.
Apesar de Saussure e Meillet utilizarem quase a mesma fórmula, eles não dão o
mesmo sentido. Para Saussure, a língua é elaborada pela comunidade e somente nela
que é social; já Meillet da à noção de fato social um conteúdo mais preciso. Na
realidade, enquanto Saussure distingue cuidadosamente estrutura de história, Meillet
quis uni-las.
Dessa forma, Meillet não demorou a se opor às concepções da lingüística
saussuriana. Com efeito, um exame dos escritos de Saussure mostra que, para ele, o
termo social significa simplesmente pluri-individual, nada sugerido da interação social
sob seus aspectos mais gerais. No capitulo oito, de Sociolinguistic Patterns (LABOV,
1992), encontramos uma retomada das idéias de Meillet, “Estudo da língua em seu
contexto social”, e uma passagem que mostra claramente o laço que une Labov a
Meillet:
Para nós, nosso objeto de estudo é a estrutura e a evolução da linguagem no seio do contexto social formado pela comunidade lingüística. Os assuntos do ‘lingüística geral’: fonologia, morfologia, sintaxe e semântica [...]. Se não fosse necessário destacar os contrastes entre este trabalho e o estudo da linguagem fora de todo contexto social, eu diria de bom grado que se trata simplesmente de lingüística. (LABOV, 1972 [1963], p. 258)
Daí a impossível distinção entre uma lingüística geral, que estudaria as línguas, e
uma sociolingüística, que levaria em conta o aspecto social dessas línguas. Ou seja, a
sociolingüística é a lingüística. Radicalizando Meillet, Labov leva a sério até o fim a
definição da língua como fato social, mas pára por aqui a comparação. Meillet trabalhou
com línguas mortas; já Labov trabalha continuamente com situações contemporâneas
concretas, ou seja, constrói um instrumento de descrição que tenta ultrapassar,
49
integrando os métodos heurísticos da lingüística estrutural. E, dessas suas pesquisas,
nasce a lingüística variacionista.
A consciência da iminência dos “problemas” que a mudança representava à sua
teorização já era clara para Saussure, como bem atesta Labov (1982, p. 19-20 apud
Lucchesi, 1998, p. 173):
A existência de mudança lingüística dentro da comunidade de fala cria sérios problemas para aqueles que trabalham com a expectativa de uma estrutura homogênea. Se a língua X está em processo de mudança, não há em princípio apenas uma resposta à questão “como a língua X funciona”. Ela funciona de várias e diferentes maneiras. O primeiro passo na construção de uma teoria geral desse tipo não é então unicamente determinada. Como Weinreich, Labov e Herzog (1968) destacaram, há uma contradição implícita entre a visão estruturalista de língua e os fatos da mudança: à proporção em que a Lingüística se tornava mais impressionada com o caráter sistemático da estrutura da língua, tornava-se mais difícil conceber a mudança dentro do sistema.
Essa se torna a principal contradição desse modelo, pois há uma incoerência
teórica entre sistema e mudança gerada pelo Estruturalismo na Lingüística, sendo essa
oposição (entre sistema e mudança) que constituirá uma das vigas fundamentais para a
sustentação, edifício teórico saussuriano.
O Círculo Lingüístico de Praga e a tendência funcionalista do Estruturalismo
Lingüístico dirigida por André Martinet promoveu o aprimoramento da teoria
saussuriana, articulada à concepção estrutural. A noção de funcionalidade se aplica à
estruturação interna do sistema lingüístico, como também às funções que esse sistema
desempenha na sociedade (daí o porquê de a língua ser vista como um sistema
funcional). Essa tendência do Círculo Lingüístico de Praga constituiu um novo ciclo no
desenvolvimento do Estruturalismo, de acordo com Lucchesi (1998, p. 173), por duas
razões:
(i) formalizou um modelo de análise que permitiu a aplicação dos princípios teóricos gerais de Saussure à análise concreta dos fatos lingüísticos; e (ii) buscou superar a contradição estabelecida por Saussure entre sistema e mudança, com o objetivo de dar maior concretitude à apreensão e representação do objeto de estudo da Lingüística.
Nesses dois planos, uniu-se à noção de funcionalidade a concepção saussuriana
de língua, desempenhando um papel decisivo, pois, segundo Lucchesi (op. cit., p. 173-
50
4), permitiu-se a integração do nível fônico da língua, antes excluído por Saussure, no
campo lingüístico. Assim, o sistema fonológico que marcou profundamente os estudos
lingüísticos nas décadas de 30, 40 e 50, já que a fonologia tornou-se o principal nível de
estudo da língua, desfrutando do Estruturalismo seus maiores êxitos consagra-se como a
mais completa realização analítica da concepção de língua como sistema.
A transição entre um sistema lingüístico e outro se explicaria tanto pelo
funcionamento interno do sistema fonológico, quanto por sua funcionalidade externa
como forma de comunicação social, articulada aos limites impostos pelo formato do
aparelho fonador reunido num conceito de economia, criado por Martinet.
Porém, os desafios de explicar diacronicamente uma língua só demonstraram as
limitações do método estrutural e corroboram a assertiva de Saussure sobre a
impossibilidade da sua utilização no estudo da dimensão histórica do fenômeno
lingüístico. Desse modo, no início do Estruturalismo Diacrônico, para se comprovar a
mudança, era preciso abranger os chamados fatores externos ao sistema lingüístico, e,
conseqüentemente, seria necessário alargar a visão de língua com a qual se operava.
Porém, sob o ponto de vista estrutural, a mudança deveria ser sistemática e absoluta18.
Ou seja, como bem mostra Lucchesi (1998, p. 176), se uma mudança afeta um fonema
num dado contexto, ela deve atingir todas as realizações desse fonema nesse contexto,
com a mesma direção e intensidade.
Estudos posteriores demonstraram que pelo menos uma parte das mudanças
fônicas não são lexicalmente rudes como defendem os neogramáticos e como o
consolidaram os estruturalistas que viam a mudança fonológica como sistemática.
Lucchesi (op. cit., p. 176) ainda mostra que o Estruturalismo, vendo a língua como um
sistema homogêneo e unitário, só pôde admitir uma lógica atuando em nível do sistema:
... a mudança fonológica devia ser regida por uma lógica única e operar sistematicamente. A demonstração de que a mudança fonológica não é regida por uma única lógica sistemática, mas por “várias lógicas concorrentes”, não apenas demonstra a incapacidade de a abordagem estrutural apreender adequadamente os processos de mudança lingüística como também atinge a sua concepção de língua. Se o sistema lingüístico é realmente unitário e homogêneo, como explicar que várias lógicas concorrentes atuem no seu interior? Ou, como explicar que ele opera de várias maneiras?
18 Conseqüência de adesão de Martinet à visão sistemática de língua do Estruturalismo.
51
No programa do Estruturalismo Diacrônico, porém, a análise sincrônica da
língua deveria permanecer intacta, pois, assim, o processo histórico de constituição de
uma língua deveria ser encarado como estados sincrônicos, ligados por períodos de
mudança, emergindo, desse modo, a necessidade de considerar a mudança observando
sistematicamente a variação no plano do sistema lingüístico, unindo a variação à
representação da língua. E como essa variação inerente cria determinados problemas
àqueles que tratam essa questão básica com a esperança de se deparar com uma
estrutura homogênea, os dias desse sistema uniforme, formado por unidades e regras
invariáveis, estavam contados. Assim, o estudo da mudança tornou-se terreno
privilegiado para que a Sociolingüística desenvolvesse um novo aparato teórico-
metodológico, baseado numa nova forma de representar a língua como objeto de estudo,
como bem apresenta Labov (1982, p. 19-20 apud Lucchesi, op. cit., p. 178):
Por que então Weinreich, Labov e Herzog (1968) propuseram princípios especificamente como fundamentos para a teoria da mudança Lingüística? A primeira razão é tática. A demanda por homogeneidade, e a conseqüente retratação ao idioleto são movimentos razoáveis como primeiros passos de uma descrição lingüística. Mas, no estudo da mudança lingüística, é totalmente diferente. É possível estudar mudanças concluídas, como uma série de substituições discretas de elementos em sistemas homogêneos. Mas ninguém jamais perdeu de vista o fato de que a mudança é o processo de substituição, não o resultado desse processo. Quando nós estudamos esse processo diretamente, nós somos confrontados imediatamente com o caráter heterogêneo do sistema lingüístico. Mudança implica variação; mudança é variação.
Daí a diferente abordagem da Sociolingüística em relação ao Estruturalismo.
Para Saussure, a organização estrutural do sistema lingüístico é gerada de forma alheia à
ação do falante, à sua prática lingüística ou às estruturações onde essa prática se efetiva.
Enquanto que, no modelo Sociolingüístico, oferece-se um sistema heterogêneo, no qual
o falante atua de acordo com aptidões estruturadas em que a prática lingüística se
atualiza. Assim, o falante, num dado momento, escolhe, meio que conscientemente,
uma em meio às variantes concorrentes na estrutura lingüística. Ou seja, o falante optará
por uma variante de acordo com a situação a que ele esteja exposto, pois a opção é
estabelecida, muitas vezes, pelo propósito de o falante facilitar a sua admissão num
dado ambiente ou segmento social, segundo mostra Labov (1982):
Como os sistemas lingüísticos mudam, eles oferecem para seus locutores um alcance mais amplo de possibilidades para reconhecimento de relações, por acomodar a outros, e por negociar diferenças sociais. Três recentes estudos empíricos afetam as funções de variação lingüística em interação social. (…)
52
Hindle (1980) localizou a realização de vogais da Filadélfia por um único locutor registrado num dia de trabalho (novamente a agência de viagens), um jantar em família, e amigos no jogo de ponte. Armado em desenvolvimento com um modelo de doze variações na comunidade de Filadélfia, Hindle pôde mostrar como o locutor preferiu um determinado uso de uma variável de acordo com o contexto social, o sexo do destinatário e o escritório fixado, e as formas mais avançadas em interação com perscruta no jogo de ponte. A atmosfera relaxada do jantar familiar era intermediária.19
O termo “Sociolingüística” apareceu pela primeira vez em 1953, num trabalho
de Haver C. Currie. O estudo dessa disciplina desenvolveu-se nas décadas de 50 e 60,
nos Estados Unidos, e o interesse despertado pela pesquisa deve-se à grande divulgação
dos estudos de comunicação, à necessidade de maior aproximação com outros povos, ou
de conhecimento melhor da própria comunidade e à divulgação dos estudos de
Sociologia e Lingüística. Era uma volta às teorias de Humboldt, segundo as quais a
língua organizaria a visão do mundo, peculiar a cada povo. É comum, numa sociedade
falante, encontrarmos as formas lingüísticas de variação mais conhecidas por variantes.
Segundo Tarallo (2002, p. 8), variantes lingüísticas são diversas maneiras de se dizer a
mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto
de variantes dá-se o nome de variável lingüística.
Todo e qualquer trabalho envolvendo variação pode e deve ser sistematizado,
como mostra Tarallo (op. cit., p. 10):
... Tal sistematização consiste em primordialmente: 1. Um levantamento exaustivo de dados de língua falada para fins de
análises, dados estes que refletem mais fielmente o vernáculo da comunidade;
2. Descrição detalhada da variável, acompanhada de um perfil completo das variantes que a constituem;
3. Análise dos possíveis fatores condicionadores (lingüísticos e não-lingüísticos) que favorecem o uso de uma variante sobre a(s) outra(s);
4. Encaixamento da variável no sistema lingüístico e social da comunidade: em que nível lingüístico e social da comunidade pode ser colocado;
5. Projeção histórica da variável no sistema sociolingüístico da comunidade. A variação não implica necessariamente mudança lingüística (ou seja, a relação entre contemporização entre as variantes). A mudança, ao contrário, pressupõe a evidência de estado de variação anterior, com a resolução de morte para uma das variantes.
19 As linguistic systems change, they offer their speakers a wider range of possibilities for self identification, for accommodating to others, and for negotiating social differences. Three recent empirical studies bear on the functions of linguistic variation in social interaction. (…) Hindle (1980) traced the realization of Philadelphia vowels by a single speaker recorded through-out a working day (again at travel agency), at family dinner, and friends in the bridge game. Armed with a template of twelve changes in progress in the Philadelphia community, Hindle was able to show how the speaker shifted her use for the variables according to the social context, the sex of the addressee, and the office setting, and the most advanced forms in interaction with peers in the bridge game. The relaxed atmosphere of the family dinner was intermediate.
53
Debate que se ascendeu no grupo da Sociolingüística foi o que se verificou no
confronto das posições de Bernestein e Labov a respeito da maneira de interpretar as
oposições dos níveis socioletos numa determinada comunidade lingüística.
A oposição de Bernestein (1964) é conhecida como “teoria ou hipótese do
déficit”, ao passo que a de Labov (1992) é a das “regras variáveis”. Os trabalhos de
Bernestein nesse domínio começaram em 1958. Seus estudos derivam de uma base
teórica, mas procuram um apoio empírico através de uma série de testes de
reconhecimento e de verificação levados a efeito por ele mesmo ou por discípulos ou
seguidores.
Do ponto de vista teórico, podemos destacar inicialmente a presença da chamada
hipótese de Sapir-Whorf, segundo a qual as diferentes línguas não se definem
simplesmente como se fossem meio de expressão do pensamento humano, mas são elas
mesmas conformadoras das idéias que os homens fazem sobre o mundo.
Bernestein (1964) parte de uma oposição mítica entre classe média ou superior e
classe baixa ou inferior, e, nesse ponto, é devedor do pensamento de Marx, para quem
as sociedades estão sempre divididas em classes antagônicas. No seu entender, as
condições de vida, numa determinada classe, levam também à constituição de uma certa
forma de linguagem. Por isso, em princípio, Bernestein distinguiu a língua popular de
classe baixa de uma língua culta da classe média, em 1958. Mas, a partir de 1962,
preferiu falar em código restrito e código elaborado.
A partir desses estudos, Labov (1982) chegou a conclusões de caráter social, ou
seja, não levando em consideração o conceito de déficit. Assim, contrariamente a
Bernestein, não aceita a teoria do déficit lingüístico que levaria a um déficit mental. Isto
é, não concorda com a posição dos que julgam que um vocabulário “pobre” e uma
gramática “pobre” levem a uma situação de inferioridade intelectual, o que justificaria
uma educação compensatória para eliminar esse déficit.
Apesar de esse modelo expor divergências junto aos mais importantes princípios
teóricos que chefiavam o estudo da mudança até então, podemos representar alguns dos
seus precursores através das referências feitas pelo próprio Labov (1992). Na década de
54
20, Antoine Meillet pensava a explicação de mudança a partir da consideração do
contexto social. Meillet também é mencionado como aquele que corroeu a rígida
dicotomia do mestre de Genebra entre análise sincrônica e diacrônica, através de suas
análises estruturais de variações sucedidas no passado20.
Mas é a averiguação de Gauchat (1905), na comunidade francófona suíça de
Charmey, que é tida como “protótipo” da abordagem sociolingüística da mudança21. Os
estudos de Gauchat destacam-se por serem pioneiros, objetivando a mudança lingüística
em progresso. Ele analisou a variação em seis traços fonológicos na comunidade de
fala, e, observando a diversidade a partir de três faixas etárias, concluiu a existência de
mudanças em progresso nos traços fonológicos estudados.
Essa união dos estudos de Labov (1992) aos estudos de Gauchat (op. cit.)
explicita um propósito de análise sociolingüística: rever a idéia de que a mudança
lingüística não podia ser estudada diretamente, e sim, só após concluída22. Para superar
esse obstáculo, Labov (1992) procurou perceber a mudança em progresso na variação
observada na língua num dado momento, estabelecendo-a como estudo da mudança no
tempo aparente. Desse modo, o estudo sincrônico abria caminhos para a superação
terminante da dicotomia supracitada.
No entanto, para provar a relação entre variação e mudança como elemento
norteador para se observar o processo da mudança lingüística, era necessário aceitar a
variação como parte inerente do sistema lingüístico, para que ela constituísse objeto de
análise lingüística sistemática, rompendo, definitivamente, com a visão estruturalista de
que tal sistema seria o domínio da invariância. Determinar a sistematicidade da variação
faz-se necessário para considerar os chamados fatores externos na análise lingüística,
tornando-se sistemático quando correlacionado com os fatores sociais e estilísticos. A
explicação para a descoberta dos padrões que nortearam a variação na estrutura
20 O que, mais uma vez, comprova a tese de que o Estruturalismo Diacrônico abriu cominhos para o molde sociolingüístico. 21 The prototype of close studies of sound change in a single community is Gauchat’s (1905) investigation of the patois of Charmey, in French-speaking Switzerland. (LABOV, 1972 [1963], p. 22-23) 22 Discorrendo sobre os empecilhos impostos pela tradição lingüística à sua forma de interpretar a mudança, Labov (1972 [1963], p. 19-20) destaca, além da inflexível dicotomia de Saussure – diacronia vs sincronia – a impossibilidade apontada por Bloomfield e Hochett de se analisar diretamente a mudança lingüística: “Bloomfield defened the regularity of sound change against the irregular evidence of the present by declaring (1933, p. 364) that any fluctuations we might observe would only be cases of dialect borrowing. Next Hockett observed that while sound change was too slow to be observed, structural change was too fast (1958, p. 457)”.
55
lingüística foi encontrada na estratificação social e na avaliação social das variantes
lingüísticas, tanto no estudo de Martha’s Vineyard quanto no estudo de Nova Yorque.
Superava-se, assim, a visão estruturalista de que a análise lingüística restringia
os limites das relações internas ao sistema lingüístico. A teoria sociolingüística afirmava
que apenas a consideração desses fatores estruturais internos não era suficiente para
constituir a explicação da mudança (LUCCHESI, 1998). Dessa forma, o modelo
sociolingüístico de explicação da mudança quebra as fronteiras impostas pelos
estruturalistas, dilatando a visão do encaixamento estrutural esboçada por Martinet
(1955).
O ano-chave para a eclosão da Sociolingüística nos Estados Unidos é 1964, com
a publicação de livros de Gumperz, Labov, Hymes e a conferência de William Bright
em Los Angeles, vinda lume dois anos depois. Para Bright, o escopo da Sociolingüística
seria “mostrar a sistemática co-variação da lingüística e da estrutura social e talvez até
mostrar uma relação causal numa ou noutra direção”.
Segundo Bell (1976, p. 28 apud ELIA, 1987, p. 65):
... a Sociolingüística (distinta da Sociologia da Linguagem) estaria enriquecida com dados de natureza social, o que lhe permitiria ir além da frase, no sentido de uma gramática da interação falante/ouvinte. Na verdade a Sociolingüística tem procurado realizar o projeto de Meillet de estudar a covariação entre a estrutura social e a lingüística, mas numa perspectiva sincrônica. Contudo as pesquisas dessa natureza têm produzido fracos resultados. E a razão é que as estruturas morfossintáticas pouco têm a ver com a estrutura social.
Weinreich, Labov e Herzog (1968) confirmam a existência da nova teoria,
trazendo seus princípios empíricos. Assim, a sociolingüística enfrenta o desafio de
tentar processar, analisar e sistematizar o universo aparentemente caótico da língua
falada. A sociolingüística quantitativa surgiu, então, através do teórico-metodológico
William Labov, americano e primeiro sociolingüista a surgir no campo da investigação
lingüística. Segundo Tarallo (2002, p. 7), podem ser chamados de sociolingüistas todos
aqueles que entendem por língua um veículo de comunicação, de informação e de
expressão entre os indivíduos da espécie humana.
Entre sociedade e língua não há uma relação de mera casualidade. Desde que
nascemos, um mundo de signos lingüísticos nos cerca, e suas inúmeras possibilidades
56
comunicativas começam a tornar-se reais a partir do momento em que, pela imitação ou
associação, começamos a formular nossas mensagens. Sons, gestos e imagens cercam a
vida do homem moderno, compondo mensagens de toda ordem, transmitidas pelos mais
diferentes canais. Em todos, a língua desempenha um papel preponderante, seja ela oral
ou escrita.
Desse modo, a corrente Sociolingüística, iniciada na década de 60, com esses
estudos práticos, elaborada numa teoria geral da mudança lingüística, buscava
desenvolver uma nova concepção do estudo da lingüística. Com sua afirmação, visando
conceber o objeto de estudo, a Sociolingüística ocupava uma posição central no
processo de ruptura epistemológica através do qual um modelo teórico sucede o outro,
na disputa pela hegemonia que caracteriza o desenvolvimento histórico de uma ciência
(Lucchesi, p. 1998). Isso fez com que a Sociolingüística Variacionista se tornasse uma
das candidatas à sucessão do Estruturalismo como modelo hegemônico da ciência
lingüística, cuja origem é definida pela exasperação da contradição entre mudança e
sistema no âmago do estruturalismo. A partir dessa contradição, surge não apenas a
Sociolingüística, mas também outras duas correntes ou programas de pesquisa: a
Etnografia da Fala e a Sociologia da Linguagem, capitaneadas respectivamente por Dell
Hymes e Joshua Fishman.
Hymes destaca a importância da diversidade que caracteriza a dimensão sócio-
histórica do fenômeno lingüístico dentro do seu programa de pesquisa; ao passo que
Fishman enfatiza a interação entre língua e sociedade. Sendo que nessas duas correntes,
a língua deve ser entendida como forma verbal e comunicação social, institucionalizada
por uma comunidade de falantes. O que importa agora é investigar o modo como as
forças sociais atuaram no sentido de unificação lingüística dessas comunas, bem como
identificar os resíduos resultantes desse processo de planificação e os focos que a ele
resistiram ou o dificultaram.
De forma geral, todas essas novas tendências centralizam o desenvolvimento de
um modelo capaz de dar conta, de forma satisfatória, da dimensão sócio-histórica do
fenômeno lingüístico, ou seja, dos fatos concernentes à variação e à mudança lingüística
e à interação entre a língua e a sociedade.
57
Já à Sociolingüística é atribuído o estudo das relações entre língua e sociedade.
Aqui, língua deve ser entendida como um sistema de vários níveis integrados num todo
historicamente estruturado. A sociolingüística se ocupa, assim, com o estudo da
possível incidência das forças sociais sobre os estratos fonológicos, morfológicos,
sintáticos e semânticos das línguas.
Foi William Labov que voltou a estudar a relação entre língua e sociedade e na
posição, virtual e real, de sistematizar a variação existente e própria da língua falada.
Depois de seu primeiro estudo, em 1963, sobre o inglês falado na ilha de Martha’s
Vineyard, no estado de Massachusetts (EUA), vários outros surgiram com estudos sobre
a estratificação social do inglês falado na cidade de Nova Yorque (1966)23; a língua do
gueto, entre outros.
Como podemos observar, os estudos de Labov, no campo da Sociolingüística,
datam da década de 60 e seu objeto de estudo segue uma orientação anti-saussuriana, ou
seja, contrária à corrente dominante e que deu origem ao Cours de Linguistique
Générale. Assim, ao invés da langue, como fez Saussure, Labov centra seus estudos na
parole. E ainda opondo-se ao mestre de Genebra, enfoca o estudo da parole de um ponto
de vista social e não individual. A pesquisa realizada em Martha’s Vineyard, de acordo
com Elia (1987, p. 81), tem por base a:
... tendência para “centralizar” a primeira vogal desses grupos, ou seja, para torná-la mais “alta” (caminhando num sentido de e). Interrogou a respeito 69 informantes, tomando em consideração fatores de natureza intra- e extralingüísta. Dentre os primeiros: a posição tônica ou átona do ditongo, o seu ambiente fonético, “quais as consoantes entre as quais está colocada”, a influência estilística (estilo familiar, emotivo, cuidado e lido). Fatores extralingüísticos seriam a condição de habitantes ou veranistas, a profissão, a idade, a origem étnica. Estabeleceu ainda Labov uma escala de quatro graus quanto à maior ou menor abertura do primeiro elemento do ditongo, ou seja, detectou quatro alofones na pronúncia dos mencionados ditongos, se quisermos usar a conhecida e útil nomenclatura estruturalista. Observou ainda que a “centralização declinou fortemente para fins dos anos 30 e depois tornou a subir com o término da guerra”. Das suas pesquisas, concluiu Labov que: a) o alteramento é fenômeno dialetal, isto é, próprio da ilha de Martha’s Vineyard; b) que, na própria ilha, houve tendência para a normalização, ou seja, no sentido das pronúncias /ay/ e /aw/, próprias da língua-padrão; c) que, para essa evolução, concorreram causas sociais, como contatos maiores com o continente, através, principalmente, de uma considerável leva periódica de veranistas, que tem apenas tendências de recreio na ilha; mas também por meio da escola, particularmente a superior, aonde vão estudar os filhos de famílias locais.
23 Sob a orientação de Uriel Weinreich.
58
A língua funciona como elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade
em que ele atua. É através dela que a realidade se transforma em signo, pela associação
de significantes sonoros e significados arbitrários, processando, assim, a comunicação
lingüística. Preti (1977, p. 2) afirma que a sociedade não é possível a não ser pela
língua; e pela língua também o indivíduo. O despertar da consciência na criança
coincide sempre com o aprendizado da linguagem, que a introduz pouco a pouco como
indivíduo na sociedade.
Os estudos de Labov, acerca de mudança em progresso, conduziam-no a uma
nova teoria da mudança. O Empirical Foundations for a Theory of Language Change,
escrito por Uriel Weinreich, William Labov e Marvin Herzog, entre 1966 e 1968, traz,
além dos estudos labovianos sobre Martha’s Vineyard e dos de Nova Yorque, os
estudos de Herzog sobre a dialectologia do iídiche no norte da Polônia, e o trabalho de
Weinreich no Language and Culture Atlas of Ashkenazic Jewry (WEINREICH, U.
LABOV, W & HERZOG, M., 1968).
O ato de remir a historicidade da língua é uma outra maneira referente à forma
de compreender o objeto de estudo entre a Sociolingüística e o Estruturalismo. O objeto
de estudo da lingüística passa a ser produto do processo histórico de constituição da
língua, deixando de ser independente e não-histórico (LUCCHESI, 1998). Em relação
aos princípios universais, Labov (1982, p. 20-21) assevera que:
(...) a doutrina histórica defende que as coisas não são idênticas: explicações baseadas em princípios universais da natureza humana ou a relativamente constante fisiologia dos seres humanos não são suficientes para explicar eventos históricos. Isso implica que as condições iniciais e os ambientes contextuais de um conjunto de mudanças lingüísticas são significativamente diferentes de um outro conjunto. (...) Pode haver universais da mudança lingüística, independentes das condições históricas. Muitas teorias da mudança lingüística são inteiramente devotadas à sua busca. Mas nós veremos que, se tais generalizações a-históricas existem, elas são raras. Isso, por si só, pode explicar os sucessos limitados dos recentes esforços em utilizar técnicas formais para desenvolver teorias gerais da mudança lingüística24.
O Empirical Foudation for a Theory of Language Change impunha nova
realização analítica da língua, integrando o conjunto de realizações sociais, culturais e
24 Pegar original no seu livro.
59
ideológicas25. Dessa forma, a língua não seria um sistema homogêneo, unitário; e sim,
um sistema heterogêneo e plural. Weinreich, Labov e Herzog (1968) reforçam a aptidão
do falante em lidar com essa heterogeneidade do sistema, sem que haja um
comprometimento da eficácia da comunicação lingüística. Esse ajuste da competência
lingüística do falante em relação à heterogeneidade lingüística é mostrado como
empiricamente valioso à sustentação da concepção da língua, de acordo com a
Sociolingüística, como bem mostram Mattos e Silva (1980/81, p. 96-7 apud
LUCCHESI, op. cit., p. 186-7):
O fundamental dessa nova proposta se insere num entendimento novo da estrutura lingüística. A especulação lingüística a partir de uma visão de estrutura lingüística como homogênea pelos estruturalistas e gerativistas é considerada ineficaz por não ser compatível com a realidade; para os chamados sociolingüistas americanos, a estrutura é intrinsecamente heterogênea, e heterogeneidade e estrutura não são incompatíveis, ao contrário, são necessárias para o funcionamento real de qualquer língua. Prova-se isso pela capacidade e competência do individuo em codificar e decodificar essa heterogeneidade. A partir dessa visão de estrutura lingüística, os autores propõem que as variáveis contextuais, estilísticas, etárias, sociais se insiram nas regras de competência e não sejam consideradas como fenômeno de desempenho.
Essa nova relação entre a língua e o falante está ligada a dois planos distintos do
produto teórico: a formalização da língua como um sistema heterogêneo e variável e a
visão de uma competência lingüística igualmente heterogênea (LUCCHESI, 1998).
A Sociolingüística Variacionista destaca cinco problemas que foram reunidos e sistematizados para resolver a questão crucial da mudança lingüística: o problema das restrições (constraints problem), o problema da transição (transition problem), o problema do encaixamento (embedding problem), o problema da avaliação (evaluation problem) e o problema da implementação (actuation problem). O primeiro problema, o das restrições, define que condições favorecem ou
restringem as mudanças, e, conseqüentemente, apresentará um bloco de possíveis
variantes lingüísticas. Ao estabelecer hipóteses que possam regular as variáveis
25 Conjunto de relações que se atualizam nessa representação.
60
lingüísticas, comprova que não existe variação livre, uma vez que esta é estabelecida
por fatores sociais e estruturais.
O outro problema colocado, o da transição, foi a necessidade de definir e
investigar o percurso realizado pela mudança. O tempo real seria o estudo da variável
em diferentes tempos, ou seja, diacronicamente26. Sincronicamente, esse estudo seria
realizado em função da faixa etária dos informantes, para se alcançar a primeira
dimensão histórica da análise (TARALLO, 2002). Desse modo, torna-se possível, com
esses dois tempos, adquirir duas direções básicas na variação lingüística: a variação
estável e a mudança em progresso27.
O problema do encaixamento é fundamentado na máxima do Estruturalismo
Diacrônico, de que só haveria mudança lingüística quando houvesse introdução de uma
variante no sistema lingüístico, no qual ela se inserisse. Esse problema procura
comprovar ou não o encaixamento lingüístico e social de uma dada variável. No modelo
sociolingüístico, é o encaixamento na estrutura social que revela o seu maior avanço.
Desse modo, a explicação dos fatos lingüísticos exige um maior número de dados,
compreensão escrupulosa da rede de relações sociais, onde as atividades lingüísticas se
atualizam. Por fim, a tarefa mais árdua é precisar em que medida e grau de intensidade
apresenta a covariação entre as diferenças nos padrões sócio-culturais e ideológicos e a
mutação observada no processo de estruturação da língua.
Um outro problema, o da avaliação, baseia-se exatamente na avaliação dos
membros da comunidade a respeito de dada variável. Esse tratamento sociolingüístico,
relembra Saussure em um princípio em que o indivíduo aceita o processo de
estruturação lingüística passivamente. Essa avaliação pode ser feita através de
comparativos em vários estilos de fala, com um cruzamento entre classes sociais
analisadas, ou testes que estimulem o uso de uma dada variável pelos informantes (teste
de produção) e, ainda, questionamentos sobre indicadores e os marcadores lingüísticos
que não se mostram em nível de conhecimento na comunidade: a diferença entre as duas
26 Observaria uma variante hoje, e, num outro momento, observar-se-ia a mesma variante com os mesmos informantes; daí se saberia que direção essa variante tomou. 27 Variação estável seria a estabilidade das adversárias e/ou subsistência das variantes de forma estável, ao passo que a mudança em progresso seria a indicação de duelos de morte entre as variantes, havendo, assim, a consolidação em dois tempos: aparente ou real. (Tarallo, 2002, p. 62)
61
consiste no fato de determinados marcadores permitirem essa variação lingüística
(TARALLO 2002, p. 62).
O problema da implementação desvenda onde e quando determinada mudança
ocorreu:
Em outras palavras, inicia-se o processo de investigação
no momento presente; volta-se ao passado para o devido encaixamento histórico das variantes, retornando-se, a seguir, ao presente para o fechamento do ciclo de análise. (Tarallo, 2002, p. 64).
A necessidade de a investigação ter início no presente (tempo aparente) e retornar ao passado (tempo real) se justifica pelo princípio da uniformidade.
Segundo esse princípio, as forças que atuam no momento sincrônico presente são (ou deveriam ser) as mesmas que atuam no passado e vice-versa. Portanto uma teoria da mudança lingüística deve guiar-se por uma articulação teórica e metodológica entre presente e passado e presente. (TARALLO, 2002, p. 64).
Como observamos, o problema da implementação estabelece que a mudança da
língua começa quando um dos traços característicos da variação da fala se espalha por
todo um subgrupo da comunidade de fala.
Desse modo, a pesquisa Sociolingüística busca sistematizar a variação. Para que
isso aconteça, devemos formular um corpus fundamentado em dados naturais de fala,
descrever detalhadamente uma dada variável e suas respectivas variantes, estabelecer
quais os possíveis fatores lingüísticos e sociais que influenciam a variável, encaixar
lingüisticamente, avaliá-la e observar os processos de transição e implementação que a
envolve. Assim damos conta da dimensão social, cultural e histórica de determinado
fenômeno lingüístico.
Todavia, como mostra Tarallo (2002, p. 84), a pesquisa sociolingüística não pára
por aqui: Uma teoria geral de mudança lingüística para ser satisfatória deverá dar conta das condições que determinam o início, a velocidade, a direção, a propagação e o término de uma determinada mudança, e, eventualmente, a
62
partir de dados analisados de vários sistemas, generalizar o conjunto de tais condições para a mudança lingüística.
As variáveis serão apresentadas pela incidência dos mesmos efeitos lingüísticos e sociais em iguais processos. Dessa forma, essa sistematicidade torna-se o foco de estudos na pesquisa sociolingüística.
3.2 MUDANÇA DE LÍNGUA
Atribulações históricas têm feito com que numerosos povos mudem de língua no
curso dos tempos. A adoção de um idioma novo acarreta o esquecimento, a morte do
antigo, que as novas gerações vão progressivamente desprezando. São, de fato, os povos
que, seduzidos pelo superior prestígio de uma outra língua, adotam-na em prejuízo
daquela que haviam recebido dos antepassados.
A mudança da língua é um fenômeno muito complexo. A morte de uma delas é
precedida de um período de bilingüismo, mais ou menos longo, em que se trava árdua
luta pela supremacia. O que decide a vitória é o prestígio que decorre de: valor utilitário,
glória literária e situação social dos falantes (cf. SILVA NETO, 1957). Pouco a pouco,
o que menos satisfaz essas condições vai sendo falada por um número cada vez menor
de pessoas e acaba por ser relegada ao uso das camadas sociais inferiores. Breve é
totalmente esquecida nos centros urbanos, e o seu emprego se limita a círculos rurais
cada vez mais afastados. Finalmente chega o dia em que morre a última pessoa capaz de
entendê-la.
De acordo com Silva Neto (1957), no período do bilingüismo, característico do
contato, a língua principal está sujeita às seguintes conseqüências:
1. Simplificação do seu sistema gramatical, pois aos aloglotas escapam às
finuras e sutilezas da língua que aprendem; 2. Precipitação das tendências de sua deriva, pois em estrutura social incerta
há um enfraquecimento da norma e relaxam-se as sanções do uso considerado bom. As crianças encontram à roda numerosos meios de expressão, e o grupo que com elas convive não é capaz de afogar no nascedouro as informações infantis;
63
3. decalques e cruzamentos, decorrentes da coalescência dos sistemas que, assim, podem interpenetrar-se.
4. ação simultânea e idêntica dos hábitos lingüísticos pré-exixtentes, sobre novas condições. É a ação do substrato.
(grifos do autor)
Como se vê, o bilingüismo pode consistir em manejo de duas línguas diversas,
ou de um falar local e uma língua comum.
4 ESTRUTURA PROSÓDICA DO PORTUGUÊS
Uma das noções básicas da lingüística é a de constituintes. Constituinte é,
segundo Bisol (2001, p. 229), uma unidade lingüística complexa, formada de dois ou
mais membros, que estabelecem entre si uma relação do tipo dominante / dominado.
Daí, a preocupação maior da prosódia ser o conhecimento da sílaba predominante,
chamada tônica, uma vez que todo constituinte pressupõe, como antes mencionado, um
dominante (cabeça) e um ou mais dominados.
Como o constituinte fonológico, sintático ou morfológico tem suas próprias
regras e princípios, é de suma importância que se tenha em mente que o constituinte
prosódico não apresenta compromissos de isomorfia com os constituintes de outras
áreas da gramática.
De acordo com Bisol (op. cit., p. 230), os constituintes prosódicos dispõem-se hierarquicamente na seguinte forma:
64
Hierarquia Prosódica enunciado U (do inglês utterance) frase entonacional I (do inglês intonacional phrase) frase fonológica Φ grupo clítico C palavra fonológica ω pé Σ sílaba σ E ainda por diagrama arbóreo: U enunciado
I (I) frase entonacional
Φ (Φ) frase fonológica
C (C) grupo clítico
ω (ω) palavra fonológica
Σ (Σ) pé
σ (σ) sílaba Bisol (2001, p. 230) ainda diz que os princípios que regulam a hierarquia
prosódica, anteriormente apresentada, são: i) cada unidade de hierarquia prosódica é composta de uma ou mais unidades categóricas imediatamente mais baixa; ii) cada unidade está exaustivamente contida na unidade imediatamente superior de que faz parte; iii) os constituintes são estruturas n-árias; iv) a relação de proeminência relativa, que se estabelece entre nós irmãos, é tal que a um só nó se atribui o valor forte (s) e a todos os demais o valor fraco (w).
Os constituintes prosódicos, aos quais nos deteremos neste estudo, serão a
sílaba, o acento e o pé, tendo em vista que estes são característicos na síncope da
postônica não-final.
4.1 SÍLABA
Para melhor entendermos esse subcapítulo, expusemos, a seguir, algumas
definições lingüísticas acerca da sílaba.
65
Os fonemas (vogais e consoantes) funcionam na enunciação lingüística
combinados numa unidade superior, que é conhecida tradicionalmente pelo nome
grego de “sílaba” (Camara 1973, p. 26).
Dentro da fonética pura, tem-se procurado definir sílaba, levando-se em conta
ou a emissão do ar, ou a energia da emissão, ou a variação da perceptibilidade numa
enunciação contínua (Camara 1977a, p.70).
Sílabas são constituídas de vogais – que representamos por V – e consoantes –
que representamos por C (...) A vogal é sempre obrigatória (...) A vogal é o núcleo da
sílaba, e as consoantes ocupam as partes periféricas (Silva 2002, p.152).
De acordo com as definições acima, observa-se que os autores têm pelo menos
um ponto em comum acerca da sílaba: de que ela tem como núcleo a vogal. A
enunciação da sílaba, quando esta é completa, dá-se por um aclive, um ápice e um
declive. Ao ápice, sempre corresponderá uma vogal, uma vez que a vogal é o momento
essencial da sílaba. É sabido que a sílaba do português é formada por três estruturas
fundamentais: V (sílaba simples), CV (sílaba complexa, aberta ou leve por terminar no
silábico) e, como sílabas fechadas ou pesadas, VC (em que falta o aclive) e CVC (sílaba
completa, com aclive e declive). Dessa forma, temos o seguinte quadro de possíveis
formações silábicas no português, conforme destacado em negrito:
V a - sa
VV eu - ro - pa
VC ar - pa
VCC ins - pi - rar
CV ca - bo
CVC par - te
CVCC mons - tro
CCV bra - vo
CCVC in - glês
66
CCVCC trans - tor - no
CVV lei - to
CCVV de - grau
CCVVC claus - tro - fo – bia
De acordo com essas estruturas, o menor padrão silábico do português é o V, e o
maior, CCVCC28, definindo, dessa forma, o tamanho mínimo e o máximo de segmentos
da sílaba. Vale salientar que, para haver uma boa-formação, não basta que os segmentos
se adaptem ao padrão silábico da língua, mas que haja um ajustamento às condições de
boa-formação.
4.2 CONDIÇÕES DE BOA-FORMAÇÃO
Em português, o ataque máximo é de dois elementos, sendo o primeiro uma
oclusiva ou fricativa29 labial, e o segundo, uma não-nasal. Essa Condição de Ataque dá
origem à seqüência Obstruinte + Líquida (OL), seja esta líquida vibrante simples ou
lateral. A partir daí, Amaral (1999, p. 78) apresenta os seguintes ataques complexos na
língua portuguesa:
br brisa cr cravo dr quadro fr fraco gr grupo pr primo tr trevo vr livre bl bloco cl clave dl Edler (raro) fl flácido gl glicose pl pluma tl atlético vl Vladmir (raro)
28 Nas formas VV, CVV, CCVV e CCVVC, o segundo V equivale a um glide e, de acordo com Bisol (1989), desempenha função de consoante, encaixando-se, assim, no padrão CCVCC. 29 Não será permitido seqüenciamento de fricativas e líquidas do tipo /sl/, /sr/, /zl/, /zr/.
67
As seqüências, acima mencionadas, estão de acordo com o Princípio de
Seqüenciamento de Soância (PSS), desenvolvido por Clements (1990). Essa é a
proposta para as generalizações que governam a ordem periférica de segmentos dentro
da sílaba, colocada por alguns gramáticos, desde o princípio do século passado. De
acordo com esse princípio, a partir de uma escala de soância, os segmentos com posição
mais alta ficam no núcleo da sílaba; já os segmentos com posição mais baixa ficam nas
margens. E essa regularidade de estrutura da sílaba deve-se ao Ciclo de Soância
(CLEMENTS, op. cit., p. 284), no qual o contorno da soância da sílaba ótima aumenta
maximamente no início e cai minimamente no final como uma curva. Os sons
obstruintes são os menos soantes, e as vogais são as mais soantes. A ordem da escala de
soância é: O > N > L > G > V30.
Desse modo, as seqüências br e fl são permitidas no português pelo fato de
crescerem em direção ao núcleo. Já *rb e *lf não são, uma vez que violam o PSS, já que
o segundo elemento decresce em relação ao núcleo. A definição de soância se dá em
termos de traços binários, envolvendo as quatro maiores classes de traços:
O > N > L > G > V
- - - - + silábico
- - - + + vocóide
- - + + + aproximante
- + + + + soante
0 1 2 3 4 grau de soância
Como podemos observar, as vogais têm maior grau de soância (4) e as
obstruintes têm o menor grau (0). Desse modo, a seqüência dr de drama é bem-formada
porquanto o contorno de soância cresce em direção ao pico. Mas *rda.ma seria mal
formada, pois o segundo elemento do ataque é menos soante do que o primeiro, o que
violaria o princípio.
30 Tais termos significam, respectivamente, O - Oclusivas; N - Nasais; L - Líquidas; G - Glides e V - Vogais.
68
Assim, a tendência do português, como a de outras línguas, de preferir sílabas
com elementos adjacentes separados por uma distância mínima de dois graus na escala
de soância, faz com que seqüências do tipo OO, ON, NN e NL sejam bloqueadas.
Não nos aprofundaremos mais na questão de sílabas, pois, para a análise deste
estudo sociolingüístico, importa-nos o padrão universal CV (apesar de o padrão CV
implicar em CCV, porém, vale ressalvar que o ataque complexo não influi no peso da
sílaba, mas sim, a coda) representando uma sílaba aberta canônica da posição postônica
não-final das proparoxítonas (ár-vo-re). A sílaba precedente também pode ser leve ou
pesada. Leve (CV) terá apenas uma mora; pesada (CVC), duas moras.
No que tange à coda, somente as soantes /l, n, r/ e /s/, de acordo com a Condição
de Coda, podem estar nessa posição: cal-do, bar, can-ga, cos-tu-me. Uma seqüência das
duas também é válida (hífens), mas outras, não31.
Sabe-se que a sílaba postônica não-final das proparoxítonas tem como molde a
sílaba universal (CV ou CCV), como os exemplos que seguem:
plás ti co mú si ca mús cu lo fá bri ca elé tri ca CV CV CV CCV CCV e deve ajustar-se às seguintes condições, de acordo com Amaral (1999, p. 80):
1. O ataque pode ser simples ou complexo32. Qualquer consoante pode representar o ataque simples. (pé.ta.la) 2. O ataque complexo tem que atender às Condições do Ataque: em C1, uma consoante [-cont] ou [+cont, +lab]33, em C2 uma soante líquida. (fá.bri.ca). 3. A sílaba não pode ter coda. (*mú.sir.ca)
O ataque requer dois elementos que não sejam adjacentes na escala de soância,
assim como no espanhol: obstruinte > nasal > líquida, prevendo a distância de dois
31 Se, por exemplo, houver uma consoante oclusiva numa posição inicial e medial, /p/ e /t/ em pneu e ritmo, a primeira consoante não pode ser associada a um nó silábico, deixando o contexto propício à criação de uma epêntese: pineu ou peneu, ritmo. Neste último caso, é interessante observar que a vogal epentética cria uma proparoxítona em nível de superfície. 32 Simples quando houver uma só consoante formando o ataque e complexo havendo mais de uma, como em, respectivamente, cá.ga.do e grá.vi.da. 33 Leia Cont por contínua e Lab por labial.
69
graus entre eles, o que caracteriza o ataque ótimo. A sílaba precedente da postônica não-
final pode ter coda preenchida por soante (l, n, r) ou por /S/ (pól.vo.ra, prín.ci.pe,
ár.vo.re, mús.cu.lo).
4.3 O ACENTO
De acordo com Camara (2002), tanto no português quanto no espanhol, a
acentuação paroxítona é mais generalizada decorrendo para a língua um ritmo
‘grave’, que contrapõe ao ritmo esdrúxulo italiano, resultante da retenção dos
proparoxítonos latinos e ao ritmo agudo do francês, que é uma língua de acento fixo,
constituída de vocábulos oxítonos. Com um amplo empréstimo léxico do tupi e das
línguas africanas, o português brasileiro se diferencia do europeu por uma maior
quantidade de vocábulos oxítonos. Concomitantemente, a língua padrão brasileira
distingue-se da língua popular em detrimento da manutenção dos proparoxítonos, que
tende a reduzir-se a paroxítonos pela supressão do segmento postônico, como exérço
por exército (Cf. Camara, 2002, p. 65).
4.3.1 O acento latino e sua natureza no período clássico
O acento do primitivo indo-europeu diferia, quanto à posição no vocábulo, do
acento latino e mesmo do acento grego. Enquanto nessas línguas deveria incidir apenas
sobre as três últimas sílabas da palavra, no indo-europeu, era inteiramente livre,
podendo recair sobre qualquer sílaba inicial, medial ou final, por mais extenso que fosse
o vocábulo. Quanto ao acento do indo-europeu, é provável que, num momento anterior
às primeiras migrações arianas, fosse um acento de caráter preponderantemente musical,
um tom. Seria uma tendência dialetal da língua primitiva, que atuaria principalmente
nos domínios orientais do território em que se falava o indo-europeu, tendo-se
conservado assim nas línguas da Índia e no grego.
70
Alguns lingüistas falam numa origem indo-européia para a intensidade inicial
que deveria primitivamente incidir sobre a raiz, a parte mais importante da palavra, que
encerra a sua significação geral, e que na morfologia do primitivo indo-europeu, que
não conhecia a prefixação, era o elemento inicial do vocábulo, ao qual se seguiam,
sempre na mesma ordem, os sufixos e as desinências. Esse seria o caráter do primitivo
acento latino, que continuava desse modo a tradição do itálico. Esse acento inicial,
fortemente intensivo, predominou em latim até um, ou, no máximo, dois séculos, antes
da época literária. Como acontece em qualquer língua que possua um acento intensivo,
as palavras muito extensas costumam apresentar, além do acento principal, uma espécie
de contra acento secundário, como, por exemplo, em português, palavras como
consideravelmente, impresumível.
Assim, por ocasião da vigência da intensidade inicial em latim, os vocábulos
mais extensos recebiam em sua parte final um acento secundário, que deveria recair na
penúltima sílaba da palavra se a referida sílaba fosse longa, e na antepenúltima se, ao
contrário, fosse breve. Ainda antes do período literário, sofreria o acento latino uma
transformação, tornando-se esse contra acento final o acento principal da palavra,
passando a intensidade inicial do vocábulo a atuar como um acento secundário. A causa
dessa transformação, que veio atingir apenas a localização do acento (e não, a sua
natureza, pois que continuava sendo um acento intensivo), parece acordar na analogia
da maior parte das palavras da língua, que não contavam mais de duas ou três sílabas,
confundindo-se assim acento inicial e final.
Mesmo com os primeiros documentos literários, não se teria completado
inteiramente essa transformação, podendo, em determinadas circunstâncias, incidir o
acento na primeira sílaba dos tetrassílabos (fácillus), ou nas palavras desse tipo de mais
de quatro sílabas, conservando-se antes da penúltima sílaba, como no caso de puéritia.
Um vestígio da intensidade inicial permaneceria na conservação dos fonemas de
palavras, que geralmente se mantêm inalterados não só em todo o período da língua
latina, como também na fase do romance e das modernas línguas neolatinas. Apareceria
ainda como um processo estilístico, principalmente na poesia arcaica, no emprego da
aliteração.
Os gramáticos latinos costumavam referir-se a três espécies de acento em latim:
agudo, circunflexo e grave, seguindo as teorias dos gramáticos gregos. No latim, porém,
71
não havia necessidade de se empregarem tais sinais pela extrema simplicidade das
regras de acentuação. Entretanto, os gramáticos latinos insistem na afirmação da
existência das três espécies de acento.
É interessante observar que estudos modernos de fonométrica experimental
venham, de certo modo, trazer o seu consentimento, senão mesmo quase que uma
categórica justificativa a essa teoria da concomitância da altura e da intensidade. Ora,
isso se aplica a qualquer língua, por conseguinte, ao latim clássico. Verifica-se também
que a intensidade, do ponto de vista fisiológico, é produzida essencialmente por uma
contração violenta dos músculos localizados abaixo do tórax. Quanto à altura, esta é
produzida pelas vibrações das cordas vocais, dependendo da freqüência dessas
vibrações do comprimento e da tensão das mesmas. Mas além dessa tensão mecânica
das cordas vocais, há de se considerar também o que os foneticistas e fisiológicos
costumam denominar a sua tensão passiva. Ou seja, a simples passagem de ar mais
violentamente expelido dos pulmões, o que sempre acontece na produção da
intensidade. Assim, combinam-se no acento latino três elementos – intensidade, altura e
quantidade. Não se pode negar, pois, uma natureza musical. Entretanto, após a
explanação supracitada, observa-se que essa natureza musical não era o caráter único,
nem mesmo dominante, no acento latino.
4.3.2 Particularidade do acento
O sistema acentual do português possui muita semelhança com o sistema de
acento de outras línguas (AMARAL, 1999, p. 93-5), a saber:
1. Genérica: uma sílaba da palavra lexical possui o acento primário, e isso vem
caracterizar formalmente uma determinada unidade de cadeia falada. Logo, o acento
individualiza as unidades semânticas no continuum da fala;
2. Culminativa: as sílabas de acento secundário subordinam-se à portadora do acento
primário. Mas vale salientar que há uma diferença prosódica entre as sílabas átonas no
72
vocábulo. Ao se ouvir uma proparoxítona, por exemplo, tem-se a nítida impressão de
que há uma leve diferença entre as duas postônicas: a postônica não-final parece ser
mais débil que a final. Já as pretônicas são diferenciadas das postônicas por possuírem
uma ligeira força expiratória maior;
3. Delimitativa: o acento localiza-se nas proximidades das bordas do domínio. Isso
porque o acento secundário mais forte tende a estar ao lado oposto do domínio do
acento primário. Como no português só se acentuam as três últimas sílabas, o acento
primário fica próximo à borda direita da palavra ou radical (domínio), e o acento
secundário mantém-se ao lado esquerdo do domínio do acento primário;
4. Peso silábico: este afeta a localização do acento, apesar de haver certa controvérsia na
literatura a esse respeito34;
5. Alternância rítmica: a limitação de sílabas acentuadas ou não evita seqüências
uniformes e choques acentuais. Em português, as sílabas tendem a agrupar-se da direita
para a esquerda (duas a duas), sendo proeminentes à esquerda. Num outro nível, os dois
acentos se agrupam, dando ao da direita, o mais saliente, o acento da palavra.
4.3.3 O pé silábico
As sílabas se organizam em pés, e esses pés, em palavras. A relação de
relevância relativa apresenta um dos elementos do pé como o mais forte, e entre os pés,
o mais relevante. Assim, a sílaba tônica de uma palavra ocorre sobre o relevante mais à
direita.
O pé binário ou dissilábico é o mais comum e é caracterizado por uma sílaba
forte e uma sílaba fraca. A mais forte, relevante, chamamos cabeça do pé. No que tange
à relevância silábica, podemos nomear os pés em iambo, troqueu e dátilo35, quando
34 Cf. Amaral, 1999, p. 94-5. 35 Iambo é o pé binário cuja proeminência do acento se dá à direita da palavra; e troqueu, é o pé cuja proeminência se dá à esquerda de palavras com pés binarios. Já o dático, é quando a proeminência acontece à esquerda, porém este se dá em pés ternários (AMARAL, op. cit., p. 100). Ver também acerca das propriedades rítmicas dos pés silábicos em Collischonn, 2005, p. 45-51.
73
forem respectivamente oxítonos, paroxítonos e proparoxítonos. Vejamos os exemplos
que seguem:
σw σs σs σw σs σw A R A R A R A R σs σw σs A R A R A R b a l é c a s a n ú m e r o (iambo) (troqueu) (dático)
pés binários pé ternário
Afirmando que o idioma português é caracterizado pelo pé binário, Bisol diz que
as proparoxítonas revelam um pé ternário no nível de palavra prosódica pronta, mas
internamente desenvolvem um pé binário, na regra geral. Lee analisa com privilégio o
iambo, no entanto considera as proparoxítonas como troqueus. Tendo em vista que o
português é uma língua de pés limitados (binários), as proparoxítonas constituem uma
exceção no sistema de acento. Dessa forma, é necessário fazer uso da
extrametricidade36, para encaixar as proparoxítonas no tipo de pé básico da língua (no
máximo, duas sílabas num pé).
4.4 AS VOGAIS E SUAS CARACTERÍSTICAS NO PB
As vogais portuguesas constituem o que Trubetzkoy chamou de sistema vocálico
triangular. Seriam vogais anteriores, produzidas através de um avanço da parte anterior
da língua com elevação gradual; vogais posteriores, causadas por um recuo da parte
posterior da língua seguida também de uma elevação gradual e um progressivo
arredondamento dos lábios, entre as quais, tem-se a vogal /a/ como vértice mais baixo
do triângulo de base para cima. Com a elevação gradual da língua, tanto na parte
36 A extrametricidade designa um constituinte prosódico como invisível para os propósitos de aplicação da regra: ela analisa a forma como se a entidade extramétrica não estivesse presente. Apenas constituintes fonológicos ou morfológicos (segmento, mora, sílaba, pé, sufixo, etc.) podem ser marcados como extramétricos.
74
anterior quanto na posterior, classificam-se articulatoriamente como vogal baixa, vogais
médias abertas (1º grau), vogais médias fechadas (2º grau) e vogais altas. Segundo
Camara (2002, p. 41), ter-se-ia o seguinte quadro:
altas /u/ /i/ médias /o/ /e/ (2º grau) médias / / /ε/ (1º grau) baixa /a/ posteriores central anteriores
Assim, no contexto da sílaba tônica, os sons vocálicos são simétricos e criam
oposições como b[a]to, b[e]co, b[ε]to, b[o]to, b[ ]to, b[i]co, b[u]le. Vale salientar que
se classificam em vogais nasais (ou nasalizadas, de acordo com CAMARA, 2002.),
tônicas, pretônicas e postônicas orais, e estas últimas se subdividem em postônicas
finais e mediais. Câmara (op. cit., p. 43-44) faz o seguinte quadro para as vogais nasais
ou nasalizadas, ou seja, quando diante de consoante nasal na sílaba seguinte:
altas /ũ/ /ĩ/ médias /õ/ /ẽ/ baixa /ã/ [â]
exemplificadas como: c[ã]to, b[ẽ]to, c[õ]to, b[ĩ]go e m[ũ]ito. Já o das vogais
pretônicas seria:
altas /u/ /i/ médias /o/ /e/ baixa /a/
como por exemplo: p[a]nela, m[e]diocre, m[o]leque, m[i]nhoca e b[u]zina37. O quadro
das postônicas dos proparoxítonos ou penúltimas vogais átonas ficaria assim:
altas /u/ /i/ médias /.../ /e/ baixa /a/
37 No registro do dialeto carioca (informal), as oposições /o/ – /u/ e /e/ – /i/ ficam prejudicadas, pois há uma tendência a harmonizar a altura da vogal pretônica com a da vogal tônica quando esta é átona. Esse fenômeno, de acordo com Câmara (2002, p. 44), foi chamado de Harmonização Vocálica por Silveira (1960).
75
como: sáb[a]do, câm[e]ra, mús[i]ca e cúm[u]lo. No que diz respeito às vogais átonas
finais38, apresentar-se-ia da seguinte forma:
altas /u/ /i/ baixa /a/
e teríamos como exemplos os seguintes vocábulos: cas[a], bol[u] e fom[i].
Como sabemos, as vogais constituem o ápice da sílaba. A sílaba, por sua vez,
apresenta-se como pretônica, tônica e postônica, a depender da intensidade (força
expiratória), associada, por conseguinte, a uma ligeira elevação da voz (tom). Nesse
sentido, deter-nos-emos aqui apenas à postônica, uma vez que esta está intrinsecamente
ligada ao nosso estudo, o da síncope das postônicas não-finais.
As vogais postônicas não-finais ocorrem entre a vogal tônica e a vogal átona
final nos vocábulos proparoxítonos. Por exemplo, na palavra música, a vogal i ocupa
essa posição de vogal postônica não-final. Em alguns dialetos do português brasileiro,
encontramos essa variação de pronúncia das vogais postônicas não-finais; isso, devido
ao estilo de fala: formal e informal. Tem-se a maioria dos dialetos do português
brasileiro, em estilo formal, as vogais [i,e,a,o,u] ocorrendo em posição postônica não-
final. Já em alguns outros dialetos, como o da região Nordeste, por exemplo, as vogais
[ε, ] ocorrem em posição postônica medial em estilo formal. Vejamos como se daria
essa possibilidade de variação entre o dialeto carioca e o dialeto sapeense:
QUADRO 2 – COMPARAÇÃO ENTRE OS DIALETOS CARIOCA E SAPEENSE NO ESTILO FORMAL
Estilo Formal Dialeto Carioca Dialeto Sapeense música mús[i]ca mús[i]ca pêssego pêss[e]go pêss[e]go cérebro cér[e]bro cér[ε]bro pétala pét[a]la pét[a]la agrônomo agrôn[o]mo agrôn[o]mo abóbora abób[o]ra abób[ ]ra círculo círc[u]lo círc[u]lo
38 Esteja essa vogal diante ou não de /s/ no mesmo vocábulo.
76
Observemos que, em ambos os dialetos, todas as cinco vogais [i,e,a,o,u]
aparecem. A distinção de alguns dialetos acontece quanto à ocorrência das vogais [ε, ].
A ocorrência das vogais [e, o] e [ε, ] em posição postônica não-final depende
principalmente da vogal tônica que a precede (Cf. SILVA 2002, p. 87).
Em um estilo informal, a distribuição da vogal postônica não-final, na maioria
dos dialetos do português brasileiro, que ocorrem no estilo formal como [i,a,u], é
reduzida respectivamente a [Ι, ↔, Υ] no informal. Vejamos os exemplos:
QUADRO 3 – COMPARAÇÃO ENTRE OS ESTILOS FORMAL E INFORMAL
Estilo Formal Estilo Informal pacífico pacíf[i]co pacíf[Ι]co chácara chác[a]ra chác[↔]ra triângulo triâng[u]lo triâng[Υ]lo
Remetendo-nos agora à redução das vogais médias
[e, ε, o, ] em posição postônica não-final, observa-se que as vogais postônicas [o, ] são reduzidas a [Υ] na maioria dos dialetos do português brasileiro.
QUADRO 4 – COMPARAÇÃO ENTRE OS ESTILOS FORMAL E INFORMAL NOS DIALETOS CARIOCA E SAPEENSE
Dialeto Carioca Dialeto Sapeense Estilo Formal Estilo Informal Estilo Formal Estilo Informal
pérola pér[o]la per[Υ]la pér[ ]la pér[Υ]la cócora cóc[o]ra cóc[Υ]ra cóc[o]ra cóc[Υ]ra
Assim, pode-se afirmar que o grupo [e, ε] apresenta a maior variação fonética
dentre as vogais postônicas mediais. Segundo Silva (2002, p. 90):
Em alguns casos, o “e ortográfico postônico medial” pode reduzir-se a [Ι]. Nestes casos temos pronúncias como “hipó[tΣΙ]se, almôn[dΖΙ]ga” em que a palatalização do t/d demonstra a ocorrência da vogal alta anterior i. O “e
77
ortográfico postônico medial” pode também se reduzir a zero (...). Neste caso temos grupos consonantais anômalos ocorrendo em posição postônica: númro/número; hipótze/hipótese. Em algumas palavras, a omissão da vogal postônica medial causa a omissão concomitante da consoante que a segue: númo/número; câma/câmara.
Há o caso em que o “e ortográfico postônico medial”, como coloca Silva
(2002), pode aparecer como uma vogal centra alta não-arredondada [⎞], ocorrendo em
posição postônica não-final no português brasileiro, em fala informal, como nas
palavras número, cérebro, helicóptero. Já no português europeu, essa vogal corresponde
ao e ortográfico, que pode ser opcionalmente omitido: [‘numrΥ] ~ [‘num⎞rΥ] “número”;
[‘pzaΡ] ~ [p⎞‘zaΡ] “pesar”.
4.4.1 A regra variável de redução da postônica não-final
Observamos anteriormente, com a análise de Camara (2002) que, na posição
postônica não-final, há a neutralização da vogal labial [o], em posição exclusivamente
pretônica, uma vez que, de modo postônico, a única que se realiza é o [u]: fósfuru por
fósforo. Dessa forma, tomamos por base Wetzels (1992, p. 27), com a seguinte
formulação da regra que neutraliza a oposição entre [o] e [u] não-final:
X
Domínio: pé métrico
vocóide
[+ab2] [labial]
Com essa representação, Wetzels propõe que o domínio da regra de
neutralização da postônica não-final seja o pé. Nos vocábulos proparoxítonos, a última
sílaba é considerada extramétrica e fica fora da formação do pé. Conseqüentemente, o
pé troqueu moraico de cabeça à esquerda começa a ser formado e faz com que a sílaba à
direita converta-se num elemento fraco, como (bo) na palavra abóbora, onde o pé tem
duas sílabas leves (bobo); e (fo) em fósforo, que está fora do pé (Cf. AMARAL, 1999,
p. 87).
A regra de neutralização da postônica não-final tem como alvo de aplicação a
vogal labial do membro débil do pé métrico e que, de acordo com Amaral (op. cit.), ao
78
haver o desligamento do traço [+ab2]39, dá-se a eliminação diferencial entre as vogais
médias e as altas, culminando no favorecimento da vogal alta: pólv[u]ra, pér[u]la,
côm[u]da, árv[u]ri, fósf[u]ru.
Nossos dados mostram que há uma pequena variação (elevação da vogal
postônica não-final e/ou abertura dessas vogais) apesar da grande influência de
neutralização, tendo em vista a análise ser feita em falar coloquial de uma cidade
nordestina. Assim, temos mais árv[u]ri e/ou árv[ ]ri que árv[o]ri; núm[i]rus e/ou
núm[ε]rus que núm[e]rus; abób[u]ra e/ou abób[ ]ra que abób[o]ra.
5 ANÁLISE DOS DADOS
A sociolingüística, há anos, vem estudando a influência que os fatores sociais –
como classe social, sexo, faixa etária, entre outros – exercem sobre a fala. Os
sociolingüístas perceberam, com estudos sistemáticos, que tais fatores atuavam
probabilisticamente no fenômeno da variação, correlacionando, assim, aspectos sociais
e estruturais a determinados fenômenos lingüísticos, chamados de variáveis.
Como sabemos, há uma coexistência entre o aspecto social e lingüístico de uma língua e que cada elemento lingüístico tem um aspecto ou avaliação social. No geral, estruturas lingüísticas e sociais são domínios isolados, que não suportam uma sobre a outra. Mas a força da avaliação social, positiva ou negativa, é geralmente quem leva a suportar os aspectos superficiais da língua: o léxico e a fonética. Ou seja, não é o som que recebe estigma ou prestígio, mas o uso de um determinado alofone para outro fonema.
39 Leia [+ab2] por traço de articulação referente ao no de abertura das vogais, dentro da teoria gerativista.
79
Chambers (1995) diz que classe social, sexo e idade são três fatores sociais que são determinantes na vida do ser humano, porquanto esses fatores influenciam diretamente a sua forma de falar.
Quando há uma inovação lingüística numa sociedade,
a inovação pode ser ou não adotada por estar de forma simultânea e uniforme. Os grupos que a adotam são chamados de inovadores. Em contrapartida, os que não a adotam são chamados de conservadores, uma vez que mantêm as formas já estabelecidas pela comunidade. Labov (1972 [1965]) concebe que a escolha de certas variantes deve-se à associação dos valores sociais, às quais as formas lingüísticas são associadas, os quais são caracterizadores dos falantes que a utilizam. Isto é, quando se associa a dado falante ou grupo social de status considerado superior, uma variante lingüística adquire prestígio, sendo aceita por pessoas desse grupo, como também copiada por falantes de grupos considerados inferiores. Por outro lado, quando realizadas por falantes de baixa classe social, tais variantes são tidas como estigmatizadas. Esse conceito de variante estigmatizada ou de prestígio é relacionado às variantes padrão (formal, culto) ou não-padrão (informal).
Por isso, com base na teoria laboviana, também denominada teoria variacionista,
partimos do pressuposto de que a variação não é aleatória, mas condicionada por fatores
lingüísticos e sociais. Analisamos um total de 3590 dados de fala da comunidade de
Sapé, referentes ao apagamento ou não das vogais postônicas não-finais nos vocábulos
proparoxítonos, evidenciando os resultados estatísticos de sua ocorrência e
especificando os fatores que a favorecem.
80
5.1. FATORES SOCIAIS De fundamental importância para os estudos sociolingüísticos, as variáveis
sociais são consideradas condicionadoras do comportamento lingüístico do falante. O
ambiente em que o indivíduo vive, as pessoas com as quais interage, o seu nível escolar,
tudo isso corrobora para sua forma peculiar de falar.
Dados relevantes em pesquisas sociolingüísticas já foram levantados sobre a fala do brasileiro. É apontado na literatura sociolingüista que falantes do sexo feminino são detentores do prestígio lingüístico, da mesma forma que os falantes de faixa etária e nível de escolarização mais elevados também são detentores desse prestígio.
Neste capítulo, apresentaremos os resultados obtidos na análise dos fatores
sociais. Observamos que esses fatores exercem uma influência bem significativa no
processo de variação que envolve o apagamento da vogal postônica não-final em
vocábulos proparoxítonos. Todas as variáveis sociais foram selecionadas como
relevantes para o fenômeno lingüístico em estudo (sexo, faixa etária, anos de
escolarização e tipo de entrevista). Porém o resultado mais significante foi em relação à
variável anos de escolarização, que veio confirmar nossas hipóteses.
Passemos, então, para a descrição detalhada dos
resultados dessas variáveis.
5.1.1. Anos de escolarização
O fator social escolarização foi selecionado pelo VARBRUL como sendo o
mais relevante para a aplicação da redução da vogal postônica não-final, assim como
também aconteceu no trabalho, de mesmo tema, feito por Amaral (1999), na zona rural
da cidade de São José do Norte - RS.
81
Acreditamos que quanto maior for o ano de escolarização maior será o
conhecimento do falante em relação à língua por ele utilizada, sem falar que esse fator
tem sido apontado, através de diversos estudos de língua falada, como tendo uma forte
influência na escolha de uma variante em detrimento de outra. Labov (1966), estudando
o inglês de Nova Iorque, observou que os falantes menos escolarizados, freqüentemente,
usavam mais as formas não-padrão, enquanto que as formas padrão eram mais
utilizadas pelos mais escolarizados. Essa é uma tendência encontrada em muitos
trabalhos lingüísticos quantitativos até o presente momento. Scherre (1996) aponta
evidências de que a escolarização mostrou ser um fator decisivo para a atuação dos
fenômenos lingüísticos já estudados sobre o português do Brasil. Segundo a autora, a
escola pode agir de forma direta ou indireta na modificação do comportamento
lingüístico dos falantes.
Em relação a anos de escolarização, Bezerra (2004) afirma que:
[...] direta ou indiretamente, a participação da escola acaba sendo decisiva como condicionante do comportamento lingüístico. O trabalho que ela faz com os alunos a fim de levá-los a falar segundo a norma culta é determinante para que eles coloquem em prática o que é passado, e mesmo aqueles que rejeitam tal norma apresentam na fala alguns traços da atuação da escola. O próprio fato de os alunos conviverem com outros de nível de escolarização superior, ou até mesmo com os professores, também é condicionante para que eles privilegiem a forma padrão. Sendo assim, os falantes analfabetos têm tendência bem maior de falar a forma não padrão, já que não têm acesso à escola, e muitas vezes, relacionam-se com pessoas de mesmo nível de escolaridade.
O fator anos de escolarização foi a variável social mais significativa, uma vez
que a hipótese corrente é de que informantes mais escolarizados usam mais as formas
padrão, de prestígio, e os não ou menos escolarizados utilizam mais as formas não-
padrão, estigmatizadas.
Utilizamos, em nossa pesquisa, apenas três grupos de escolarização: Pouco
escolarizado a 2 anos de escolarização, 6-8 anos e de 9 anos em diante. Distribuímos
assim pela necessidade de restringir nossa amostra, já que os dados foram coletados de
forma mais diretiva.
Ao analisarmos esse fator, percebemos que, à medida que esses informantes vão
elevando seu grau de instrução, vão utilizando menos a variante não-padrão, preferindo,
82
assim, o uso da considerada padrão. Observamos também que, em termos de
porcentagem, os informantes de 6-8 anos (24%) e mais de 9 anos de escolarização
(24%) se equiparam. Eles mantêm-se um pouco distanciados no que se refere ao peso
relativo, sendo (.45) e (.43), respectivamente. Através da tabela abaixo, podemos ter
acesso aos resultados numéricos acerca do apagamento das postônicas não-finais.
TABELA 1 - ANOS DE ESCOLARIZAÇÃO (Apagamento da vogal
postônica não-final)
ANOS DE
ESCOLARIZAÇÃO
Aplicação/
Total
%
PR
0 – 2 anos 364/781 46% .71
6 – 8 anos 304/1250 24% .45
Mais de 9 anos 378/1559 24% .43
Com base nos dados expostos acima, podemos supor
que os falantes do ensino médio e os universitários aplicam menos a regra de simplificação da vogal postônica não-final. Dessa forma, privilegiam o uso da variante de prestígio, não sincopada. Ou seja, tendem a apagar menos do que aqueles que nunca foram à escola ou foram até a 2ª série, no máximo. Confirmamos, assim, a hipótese de que o fator anos de escolarização tem um papel importante na preservação da forma padrão das palavras.
Observamos, na tabela 1, que há uma ocorrência
maior do apagamento da postônica não-final, estabelecendo uma proporção inversa em relação à escolaridade: quanto maior o ano de escolarização, menor o uso desse apagamento.
83
5.1.2. Faixa etária
O segundo fator social selecionado como relevante para o processo de variação
do apagamento da vogal postônica não-final foi a faixa etária.
O estudo de Louis Gauchat (1905) é o primeiro a apontar diferenças entre o
comportamento lingüístico de pessoas de maior e de menor idade. Esse estudo deu-se
numa aldeia suíça, sobre a lateral palatal /λ/, demonstrando que os mais jovens estavam
preferindo a pronúncia /y/, ficando o /λ/, mais conservadora, para os mais velhos. A
classe intermediária utilizava ambas as realizações.
Estudos feitos por Labov sobre a pronúncia retroflexa do /r/ pós-vocálico em
Nova Iorque (1966) e em Martha’s Vineyard, Massachussets (EUA), sobre a
centralização dos ditongos /ay/ e /aw/ (1963), por exemplo, corroboraram as descobertas
de Gauchat. Seus resultados, também, anunciaram a tendência dos mais jovens em
privilegiar as pronúncias mais inovadoras, enquanto que os mais velhos utilizam mais as
formas conservadoras.
O estudo da variação entre as formas lingüísticas relacionadas à faixa etária pode ter duas direções: a estabilidade de variantes, que consiste na variação e convivência pacífica das variantes sem a implicação de mudança; ou a mudança lingüística, que resulta na morte de uma ou mais variantes, restando apenas uma das formas. Assim, a faixa etária é tomada como indicadora de possíveis mudanças, funcionando como evidência do que Labov (1972 [1963]) denominou de tempo aparente, quando abordada sincronicamente. Dos fatores sociais, segundo Labov (1994), é a idade do falante que pode
informar, mais precisamente, algo sobre o processo de mudança de um fenômeno,
através do tempo aparente. Nesse tipo de estudo, devemos fazer um recorte transversal
84
numa amostra sincrônica da comunidade de fala, em função da faixa etária dos
informantes para, então, apresentar uma primeira dimensão histórica à análise. Ao
descrever esse fator, Tarallo (2002) afirma que:
A relação de estabilidade das variantes (a situação de contemporização) avultará, se entre a regra variável e a faixa etária dos informantes não houver qualquer tipo de correlação. Se, por outro lado, o uso da variante mais inovadora for mais freqüente entre os jovens, decrescendo em relação à idade dos outros informantes, você terá presenciado uma situação de mudança em progresso [...]
Em nossa pesquisa sobre o apagamento das vogais postônicas não-finais em
proparoxítonas, primeiramente distribuímos os falantes em três faixas etárias: de 15 a
25, de 26 a 50 e mais de 50 anos.
Os falantes mais velhos (mais de 50 anos) apresentam um índice de (.58) nas
formas sincopadas, isto é, fazem maior uso da variável estigmatizada (não-padrão). Não
muito distante, vêm os falantes de 26 a 50 anos com (.55)40. Analisando os dados,
percebemos que nossa hipótese de que os jovens se correlacionariam mais
positivamente ao apagamento das postônicas não finais em proparoxítonas foi negado,
pois, como se vê, são eles que mantêm (.37) a variável padrão, o que vem de encontro
às literaturas pertinentes, que colocam os jovens como inovadores. Vejamos a tabela
referente à idade quanto ao apagamento das postônicas não-finais:
TABELA 2 – FAIXA ETÁRIA (Apagamento da vogal postônica não-final)
FAIXA ETÁRIA
Aplicação/ Total
%
PR
15 – 25 anos 275/1271 21% .37
26 – 50 anos 392/1185 33% .55
Mais de 50 anos 379/1134 33% .58
40 Como se vê, os falantes com 26 a 50 e mais de 50 anos de idade apresentam resultados semelhantes, quanto à freqüência, tornando um pouco divergente apenas quanto ao peso relativo.
85
Esta tabela mostra que o fenômeno do apagamento da postônica não-final
acontece mais na idade avançada em direção aos mais novos. Ou seja, os idosos fazem
menos uso do padrão, seguidos dos adultos, e os mais jovens fazem maior uso da
variável de prestígio.
A partir da tabela 2, é possível observarmos que o apagamento é bastante usado
pelos mais velhos, seguido de um uso análogo pelos adultos, tendo o jovem como maior
favorecedor da forma padrão. Segundo Beserra (2004):
A idade pode influenciar quanto às redes sociais do falante, determinando as suas necessidades por variedades lingüísticas. Assim, uma possível explicação para a utilização mais freqüente da forma padrão por parte dos jovens é o fato de que estes são regidos pela instituição escolar, além da preocupação com concursos, como vestibular, que exige o uso da forma padrão. Entre 26 e 49 anos, os falantes já estão exercendo seu potencial de trabalho, o que os possibilita “relaxar” na fala. Os falantes idosos variam de comportamento porque, mesmo em sua maioria aposentados, alguns utilizam a variável padrão como forma de reafirmar sua posição na sociedade, enquanto outros, por não mais trabalharem, sentem-se livres para fazer uso das variáveis não-padrão.
5.1.3. Sexo
Fisher (1964) foi quem primeiro controlou o fator sexo, quando analisou a variação entre -ing e -in na fala de crianças de uma comunidade rural da Nova Inglaterra (EUA), mostrando a preferência dos falantes femininos pelo uso da forma de prestígio -ing, comprovando, assim, a sensibilidade do sexo feminino pelo uso das formas padrão e de prestígio.
Há uma grande diferença entre homens e mulheres. Chambers (1995) apresenta
duas: pré-natal e pós-natal. A primeira está, sem dúvida, no aspecto físico e fisiológico,
denominado de diferença pré-natal – genitálias diferentes, tipo sangüíneo,
desenvolvimento do feto, entre outras. A segunda diferença, a pós-natal, está
relacionada aos papéis que o homem e a mulher assumem na sociedade (i.e. o homem é
o cabeça da casa, por sua vez, deve trabalhar, e a mulher fica a cuidar de casa).
86
Uma das questões de interesse no estudo da relação língua e sociedade diz
respeito às diferenças lingüísticas entre homens e mulheres. A questão é: seriam
diferenças de ordem biológica ou sociocultural? As diferenças biológicas estão ligadas
ao sexo, e as socioculturais são concernentes ao gênero. O sociólogo britânico Anthony
define sexo como diferenças biológicas ou anatômicas entre homem e mulher, enquanto
gênero diz respeito às diferenças psicológicas, sociais e culturais entre machos e fêmeas.
A esse respeito, Beserra (2004) faz a seguinte observação: Enquanto a maioria dos estudos sociolingüísticos tradicionais tem reportado o uso de variantes lingüísticas de prestígio ao valor econômico num mercado lingüístico, estudos mais recentes têm dado maior atenção às ideologias de feminilidade e masculinidade, reafirmando assim a importância do gênero para uma análise mais apurada da questão da variação.
A importante questão no estudo do conhecimento de língua e gênero,
empiricamente, desse ponto, concerne à correlação de sexo. Assim, precisamos de mais
definições de diferenciação. Várias questões têm sido discutidas, como por exemplo:
Todas as pessoas biologicamente fêmeas desenvolvem gênero feminino? Nas
perspectiva de construção social, contudo, tanto o sexo quanto o gênero são vistos como
desenvolvimento de status social.
A relação de poder entre os sexos dá margens a algumas explicações. Enfatiza-se
que o comportamento feminino é mais expressivo que o masculino, numa tentativa de
auto-afirmação de sua posição diante da supremacia masculina em situações políticas e
econômicas. Segundo Amaral (1999):
Na visão popular, as mulheres falam melhor ou mais corretamente do que os homens. Em comunidades desfavorecidas, a sensibilidade a padrões externos de correção está associada à mobilidade social ascendente. Em comunidades negras, estudantes femininas mostram maior sucesso do que os homens na escola e maior capacidade para conseguir emprego.
Labov (1966), em seu estudo na cidade de Nova Iorque, também observou a influência da variável sexo e comprovou que as mulheres dão preferência às formas de prestígio. No Brasil, vários estudos também apontam para o mesmo caminho. Silva & Paiva (1996, apud LUCENA, 2001) analisaram a influência de variáveis sociais em doze trabalhos sociolingüísticos sobre o português falado na
87
cidade do Rio de Janeiro e chegaram à seguinte conclusão: a correlação sexo / variação, dentro de muitos estudos Sociolingüísticos, mostra que as mulheres tendem a preferir formas socialmente valorizadas, tendência esta freqüente em situação de variação estável. Os nossos resultados confirmam a literatura, como vimos acima, acerca desse
fator, que indica as mulheres como mais favorecedoras das variantes padrão. Em nossa
análise, elas aplicam mais a variante considerada padrão (.47). Vejamos a tabela 3:
TABELA 3 – SEXO (Apagamento da vogal postônica não-final)
SEXO
Aplicação/
Total
%
PR
Homem 558/1790 31% .53
Mulher 488/1800 27% .47
Aqui a nossa hipótese de que as mulheres teriam o maior índice de aplicação da
forma não-sincopada, ou seja, que a mulher seria detentora da forma padrão, foi
confirmada. A tabela mostra que os falantes do sexo masculino utilizam mais a variável
estigmatizada, ou seja, faz maior apagamento da vogal postônica não-final em
vocábulos proparoxítonos (.53), e os falantes de sexo feminino favorecem a forma
padrão, isto é, não fazem o apagamento desses vocábulos (.47).
Como podemos ver, não há grande diferença entre a variável sexo em nossos
dados. Nesse caso, o sexo até pode não desempenhar um papel muito significativo,
posto que os resultados, um tanto próximos do ponto neutro, parecem indicar que essa
variável pouco interfere na aplicação do fenômeno aqui estudado.
88
5.2 FATORES ESTILÍSTICOS
Para se conseguir dados representativos do desempenho lingüístico dos falantes,
é necessário que o pesquisador use entrevistas estruturadas ou formais. Este tipo de
procedimento nos dá margem de separação da fala cuidada – formal –, em que os
falantes costumam dar certa atenção a sua fala, da fala casual, relaxada – informal –,
que se ouve nas ruas, ao telefone, em conversas entre amigos, nos lares, etc.
Para se fazer esse tipo de estudo, é necessária uma vasta quantidade de dados.
Como seguimos o modelo laboviano, ou seja, de natureza quantitativa, a
representatividade do corpus será sempre avaliada em função da variável estudada. O
objetivo do pesquisador é estudar a língua falada em situações naturais de fala, ou seja,
de modo espontâneo. Considerando que se busca estudar a língua falada em situações
naturais de comunicação, como fazer para colher uma grande quantidade de dados, sem
que a presença do pesquisador interfira na naturalidade da situação de comunicação? A
esse fato, Labov chama de paradoxo do pesquisador. Assim, é necessário minimizar o
efeito da presença do pesquisador e do gravador na naturalidade da situação, o que não é
fácil conseguir.
Para alcançar tal intento, deve-se fazer uso de instrumentos que possam ter a
melhor utilização na coleta de dados que se quer investigar, como o questionário, que
resulta em um estilo mais cuidado, e a conversa livre, em que ocorre o estilo informal.
5.2.1 Tipo de Entrevista41
Em nosso estudo, as entrevistas foram organizadas em entrevista dirigida e
leitura de palavras no texto, já que nosso objeto de estudo se pauta em vocábulos de
difícil recorrência na língua portuguesa.
A entrevista dirigida pode ser direta ou indireta. De acordo com Chambers &
Trudgill (1980), a aplicação do questionário de Gilléron por Esmond Edmont é o 41 Vale ressaltar que esta variável não teve tamanha relevância à pesquisa, conforme se pode observar nos resultados obtidos.
89
exemplo clássico do uso direto: uma lista com aproximadamente 1.500 itens, em que o
entrevistador fazia perguntas claras a seus informantes, do tipo “Como você diz
‘cinqüenta’?”. Jaberg e Jud (alunos de Gilléron), que criaram o estilo de questões
indiretas, em seu levantamento de áreas de fala italiana, inovaram levando os
informantes a darem respostas mais naturais a perguntas do tipo: “O que é isto?”,
segurando uma xícara. Mais tarde, tanto pesquisadores americanos quanto ingleses
resolveram aderir às perguntas de uma forma mais natural, colocando o questionário de
lado.
Assim, fizemos uso deste último tipo apresentado aqui, isto é, levamos não
objetos, mas gravuras, onde os informantes só teriam um tipo de resposta. Interrogava-
se o informante da seguinte forma: “O que temos nesta ficha?” [Mostra-se uma figura
de uma árvore] (logo, árvore será a resposta!).
Há críticas sobre essa técnica para levantamentos de dados, porque elas resultam
em um estilo cuidadoso de fala do informante. Sabe-se que estilos mais casuais
aumentam a ocorrência de acentos regionais e vocábulos simples. Daí nós colocarmos
várias figuras42 em cada ficha, promovendo, assim, uma maior espontaneidade por parte
do informante.
Apesar de muito parecida com a mencionada anteriormente, A leitura de
palavras no texto nos dá noção de uma entrevista mais formal. Ou seja, o informante lê
as palavras que queremos que ele pronuncie, não de forma solta, mas inseridas em
frases, como: “Todo sábado, um bêbado pacífico freqüentava um círculo católico,
embaixo de uma árvore, numa chácara”. Dessa forma, o informante pronunciava as
palavras proparoxítonas sem perceber que elas eram o nosso verdadeiro objeto de
estudo.
A primeira parte, a entrevista dirigida, consistiu de 18 fichas, onde havia um
total de 83 possíveis palavras a serem pronunciadas. A maioria das palavras era de uso
cotidiano dos informantes. Para evitar certa tensão, apenas perguntávamos: “O que
temos nesta ficha?”. Daí o informante falava o que viesse em mente e, caso não
aparecesse o vocábulo que estávamos esperando, fazíamos uma pergunta na qual,
possivelmente, esta viria a surgir. Assim, os informantes ficavam do modo mais natural 42 Cf. Anexo 4.
90
possível durante o transcorrer da entrevista. Ao término da leitura das gravuras, era feito
um questionário com 16 perguntas43, cujas respostas eram precisas, como: “Qual o dia
da feira em Sapé?” (Sábado).
A segunda parte, a coleta de dados, deu-se através de 10 frases, que os
informantes liam. No meio delas, estavam as palavras proparoxítonas, que eram
observadas. Por exemplo: “A prática de esporte, segundo meu médico, faz bem ao
músculo e ao cérebro. Nos faz perder a aparência tísica e melhora nosso estado de
espírito”. A tabela 4 nos mostra o resultado obtido com essas entrevistas:
TABELA 4 – TIPO DE ENTREVISTA (Apagamento da vogal postônica não-final)
TIPO DE ENTREVISTA
Aplicação/
Total
%
PR
Dirigida 713/2145 33% .52
Leitura das Palavras 333/1445 23% .47
Embora a maior freqüência de apagamento ocorresse na fala dirigida, ou seja, na
aplicação da ficha induzida, cujos ambientes de muitas palavras propiciavam o
apagamento, os resultados acima mostram que o peso relativo aponta para (.52) de
significância na entrevista dirigida e (.47) na leitura das palavras em frases. Com isso,
pode-se dizer que a leitura de palavras em frases favorece o uso-padrão dos vocábulos
proparoxítonos. Já a entrevista dirigida propicia um maior surgimento de variáveis não-
padrão.
Através da tabela 4, confirmamos a tese de que há maior elaboração, por parte
dos falantes de uma dada língua, em relação ao que eles pronunciam, quando estão
lendo. Em contrapartida, há um maior descuido quando eles se encontravam em
situações de maior informalidade, isto é, quando pronunciavam o nome da figura que
estavam vendo nas fichas.
43 Cf. Anexo 5.
91
5.3. FATORES LINGÜÍSTICOS
Nesta seção, apresentaremos os resultados de todas as variantes lingüísticas
pertinentes a este estudo, uma vez que o pacote de programas VARBRUL, selecionou
como relevantes todas as variantes. Aqui também serão colocadas algumas
interpretações que podem explicar o comportamento da variável dependente em relação
a cada fator selecionado.
5.2.1. Contexto fonológico seguinte
Dentre os grupos de fatores lingüísticos, o contexto fonológico seguinte foi
selecionado pelo programa como sendo o mais relevante. O resultado é muito
significativo. Em nossa rodada, dividimos o fator contexto fonológico seguinte em
líquida vibrante, líquida lateral e não-líquidas, conforme a tabela 5.
TABELA 5 – CONTEXTO FONOLÓGICO SEGUINTE (Apagamento da vogal postônica não-final)
CONTEXTO FONOLÓGICO
SEGUINTE
Aplicação/
Total
%
PR
Líquida Vibrante 288/707 40% .63
Líquida Lateral 221/557 55% .84
Não-Líquidas 537/2485 21% .40
Através dessa tabela, observamos que a líquida lateral /l/ é quem mais favorece o
processo, seguida da líquida vibrante /r/. Já as não-líquidas são as que apresentam maior
rejeição ao apagamento da postônica não-final. Isso se dá pela presença da lateral (.84)
como menor detentora do padrão: músculo > musclo; pétala > petla; óculos > oclus;
92
maiúsculo > maiusclo; triangulo > trianglo, seguido da vibrante (.63): árvore > arvre;
chácara > chacra; xícara > xicra; abóbora > abobra; mascara > mascra. Já as não-
líquidas (.40) mostram-se como desfavorecedoras do processo da síncope: príncipe >
prinspe; música > musca; física > fisca; cócega > cosca; próximo > prosmo. Sabemos que o padrão silábico CCV do português permite a formação de ataque
complexo desde que a segunda consoante seja uma líquida (abóbora > abobra; triângulo
> trianglo). Ao formar o novo vocábulo, através da queda da vogal, esse padrão surge,
como nos exemplos supracitados, ou seja, resulta em ataque complexo bem formado.
Os resultados desse fator só vêm comprovar que a líquida vibrante é a melhor
consoante para a formação do ataque complexo bem formado (Cf. cap. 4.2). Daí ter-se
maior número de grupos consonantais com /r/ do que com /l/.
Se pensarmos, no entanto, na escala de força de Katamba, (1993 – Cf. cap. 1.2),
veremos que a líquida vibrante /r/ é a que tem menor força consonantal. E, observando,
ainda, a Hierarquia de Soância de Kiparsky (1979, p.432), veremos que ela possui maior
soância, como se vê no esquema:
Hierarquia de Soância: oclusivas, fricativas, nasais, l, r, w, y, u, i, o, e, a.
Já as não-líquidas (oclusivas, fricativas e nasais), não sendo licenciadas para
formar a segunda consoante do ataque complexo, ficam sujeitas ao apagamento junto
com a vogal postônica não-final, como em: lâmpada > *lampda > lampa. Em nossos
dados, também se observaram formas como: máquina > makna; cômoda > comda44.
Sendo assim, o padrão geral da tabela 5 encaixa-se na expectativa da hierarquia
de soância. As não-líquidas (oclusivas, fricativas e nasais), por serem menos soantes,
têm um nível muito baixo de apagamento. Portanto, o maior índice está com as líquidas
que agregam a consoante que flutua na sílaba seguinte, criando um novo ataque.
44 Mas, vale salientar que essas formas só aparecem na forma oral e não escrita, uma vez que não é possível tal formação silábica.
93
Logo, as proparoxítonas mais propícias ao apagamento da vogal não-final são
aquelas com que a consoante perdida forma um grupo consonantal licenciado pelo
sistema ao serem ressilabadas, como: xí.ca.ra > xí.cØ.ra > xi.cra; a.bó.bo.ra >
a.bó.bØ.ra > a.bo.bra; cír.cu.lo > cír.cØ.lo > cir.clo; tri.ân.gu.lo > tri.ân.gØ.lo >
tri.an.glo.
5.2.2. Contexto fonológico precedente
Com essa variável, observamos o apagamento da vogal postônica não-final em
relação ao ponto de articulação do seguimento anterior. Observemos a tabela 6 para
melhor visualização desse fator do fenômeno estudado:
TABELA 6 – CONTEXTO FONOLÓGICO PRECEDENTE (Apagamento
da vogal postônica não-final)
CONTEXTO FONOLÓGICO PRECEDENTE
Aplicação/
Total
%
PR
Oclusiva 525/1526 34% .53
Vibrante 43/304 14% .34
Fricativa 350/941 37% .63
Nasal 105/587 17% .38
Lateral 23/232 9% .33
94
A fricativa (.63), como podemos ver, é o fator que mais favorece o apagamento
(música > musca; fósforo > fosfro; próximo > prosmo; cócega > cosca; acido > asdo;
físico > fisco; príncipe > prispe); a oclusiva (.53) encontra-se próxima do ponto neutro
(sábado > sabo; chácara > chacra; fígado > figo; máscara > mascra; triângulo >
trianglo; bêbado > bebo; círculo > circlo), – mas isso não implica dizer que, pelo fato
de estar próxima ao ponto neutro, também aplica o processo em estudo. A nasal (.38)
vem em seguida, apresentando um rápido favorecimento ao uso da síncope (número >
numo; câmara > cama; fenômeno > fenomo; agrônomo > agromo; estomago >
estomo). Já a vibrante (cérebro > ceibro; espírito > esprito; perola > perla; elétrico >
eletro; fotográfo > fotogra) e a lateral (cólica > coica; católico > catoico; parabólica
> parabola) apresentam-se como as menos favorecedoras do processo de apagamento
da postônica não-final, com (.34) e (.33), respectivamente. Elas são as mais
conservadoras do padrão na comunidade em estudo. No gráfico 1, esse fator é expresso
com mais clareza:
GRÁFICO 1 – CONTEXTO FONOLÓGICO PRECEDENTE (Apagamento
da vogal postônica não-final)
PESO RELATIVO
Nasal .38
Vibrante.34Fricativa
.63
Lateral.33
Oclusiva.53
oclusiva vibrante fricativa nasal lateral
Assim, a partir desses resultados, podemos observar bem a influência da Escala de Força e de Sonoridade (Cf. cap. 1.2). Como as oclusivas e fricativas têm maior força e menor sonoridade, é de fácil entendimento que elas sejam
95
menos resistentes à supressão, junto à vogal postônica não-final. Já as laterais e nasais, como têm menor força e maior sonoridade, apresentam-se com menor flexibilidade ao apagamento, razão pela qual palavras como cólica, católico, estômago, número, entre outras, sofrem, com menor freqüência, apagamento da postônica não-final.
5.2.3. Extensão da palavra
A extensão da palavra com bastante relevância neste trabalho e vindo como a
terceira mais significante, dá-nos um panorama acerca dos vocábulos que mais são
afetados com a síncope da postônica não-final. Vejamos a tabela 7:
TABELA 7 – EXTENSÃO DA PALAVRA (Apagamento da vogal postônica não-final)
EXTENSÃO DA PALAVRA
Aplicação/ Total
%
PR
3 Sílabas 1583/2415 66% .45
Mais de 3 Sílabas 961/1175 82% .61
Como se pode observar, as palavras com apenas três sílabas (.45) mantêm o
padrão, ou seja, são mais conservadoras (câmara, máquina, fórmula, crédito, cântico),
ao passo que as com mais de três sílabas, ou polissílabas (espírito, retângulo,
maiúsculo, católico, abóbora, semáforo), são mais propícias ao apagamento (.61).
Isso leva a crer que, no “continuum” da fala, é mais fácil reduzir com mais de
três sílabas, levando em consideração os ambientes propícios à redução (como a
síncope) de palavras cujas vogais postônicas não-finais são, em geral, antecedidas por
uma obstruinte e seguidas por uma líquida (espírito > esprito). Há trissílabos que
perdem dois segmentos (câmara > cama) por razões antes apresentadas, relacionadas no
fator contexto seguinte.
96
Acreditamos que a velocidade de fala, que não foi controlada por nós nesta
pesquisa, tenha a ver com esse fenômeno, que Caixeta (1989) afirma acontecer não só
pelo falante analfabeto, como também pelo falante com alto grau de escolarização, para
o qual foi levada em consideração a velocidade, o que provou que, em estilos mais
rápidos, as proparoxítonas tendem a ser sincopadas.
5.2.4. Estrutura da sílaba
Para essa variável, consideramos as estruturas silábicas leve (quando a sílaba é terminada em vogal) e pesada (quando terminada em consoante). A partir da tabela 8, observa-se que a sílaba leve (.47) favorece o uso padrão mais do que a pesada (.59), conforme expressa a tabela 8:
TABELA 8 – ESTRUTURA DA SÍLABA (Apagamento da vogal postônica não-final)
ESTRUTURA DA SÍLABA
Aplicação/ Total
%
PR
Leve 655/2671 24% .47
Pesada 391/919 42% .59
Uma sílaba que possui estrutura CV é leve ou aberta; se possuir CVC ou CVV é pesada ou fechada. Os segmentos que atuam como núcleo silábico ou como coda dependem das restrições de uma língua específica e de uma escala de soância. Em relação ao peso, a sílaba leve
97
possui uma só mora (péµ); a sílaba pesada possui mais de uma (maµlµ) e tem de atender ao requisito de que haja uma diferença de soância, ainda que mínima, entre as duas moras, e em sentido crescente a partir do núcleo. Para a posição sub-silábica da segunda mora de uma sílaba pesada que é
igualmente restrita, há termos de soância, de acordo com a língua específica. Por isso,
os segmentos que podem ocupar a segunda mora ou a coda da sílaba, em português, são
os coronais /r/, /s/, /l/ e /n/, que têm menos soância do que a vogal que é portadora de
soância máxima e de mais fácil articulação. O gráfico 8 mostra com clareza que a
estrutura silábica pesada ou fechada (plástico > plasco; menúscula > menuscla;
lâmpada > lampra; relâmpago > relampro; exército > exerço), com (.59), mantém a
vogal postônica não-final, e, conseqüentemente, que a leve, ou aberta (ácido > asdo;
física > fisca; elétrico > eletro; óculos > oclus; xícara > xicra; básica > basca; fígado
> figo), com (.47), é mais favorável à síncope. Isso nos leva a pensar que a quantidade de soância da sílaba acentuada não esteja funcionando como um elemento motivador para a preservação do vocabulário, como se a saliência fônica não estivesse a exercer papel algum. 5.2.5. Traço de articulação da vogal
Essa variável apresentou-se bastante significativa em nossos dados. A tabela 9
mostra que as vogais labiais /o, u/ são as que apresentam o menor peso relativo (.38), ou
seja, são as que apresentam maior uso da forma padrão, enquanto que o peso maior (.55)
incide nas sílabas com vogais coronais /e, i/, que são as maiores favorecedoras da
síncope. As sílabas com vogal dorsal /a/ aparecem muito próximas do ponto neutro
(.49). Podemos observar melhor esses dados na tabela que segue:
TABELA 9 – TRAÇO DE ARTICULAÇÃO DA VOGAL (Apagamento da vogal postônica não-final)
98
TRAÇO DE ARTICULAÇÃO
DA VOGAL
Aplicação/
Total
%
PR
Labial /o, u/ 316/770 41% .38
Dorsal /a/ 245/801 30% .49
Coronal /e, i/ 485/2019 24% .55
Clements & Hume (1995) estabelecem para as vogais os mesmos traços de constrição que atribuem às consoantes labial, coronal e dorsal, equivalentes aos traços posterior e arredondado da teoria padrão. Portanto, /o/ e /u/ possuem os traços dorsal e labial, /a/ é uma vogal dorsal, mas não labial, e /e/ e /i/ são vogais coronais.
Camara (2002), baseado no dialeto culto do Rio de Janeiro, assevera que a vogal
/e/ permanece ao lado do /i/. Já o /o/ não se mantém ao lado de /u/, ou seja, nessa
oposição houve uma neutralização. Camara (op. cit.) propõe, então, um subsistema de
quatro vogais átonas para as proparoxítonas. Mas vale salientar que, nos dialetos do sul,
não dá para descartar o sistema de cinco vogais, uma vez que há a elevação variável, e
não categórica, nessa oposição.
O que nos chamou a atenção foi a informação que diz respeito à vogal dorsal /a/
tida como a mais resistente a tais processos. Vasconcelos (1912, p. 254) refere-se a ela
como a vogal mais persistente, menos exposta a alterações, e Nunes (1969, p. 56)
entende que, das vogais átonas, é o a a mais resistente. Em nossos dados, embora o
resultado se aproxime do ponto neutro (.49), a dorsal (estômago > estomo; cágado >
cago; chácara > chacra; xícara > xicra; pássaro > passo; sábado > sabo; pétala >
petla) também está sujeita à síncope.
Referente à /e/ e /i/, ou seja, à coronal (.55), não houve preservação, como consta
na literatura (cócega > cosca; música > musca; técnico > tecno; número > numo;
príncipe > prinspe; máscara > masca; ácido > asdo). Nossos dados
99
revelam que a coronal apareceu como sendo a mais favorecedora à síncope, embora a literatura aponte o contrário. Lemle (1978, p.66) atribui a essa vogal a propensão de palavras proparoxítonas que não se reduzem, considerando-a mais resistente à queda (político, cólica, pacífico). Aragão (1999) observa que, mesmo as pessoas com menor escolarização, mantêm as proparoxítonas, como em (ótima, fábrica, político). Podemos dizer, então, que as vogais coronais são as menos resistentes, em relação ao apagamento da postônica não-final, na cidade de Sapé.
Assim, podemos observar que as vogais labiais (músculo > musclo; pérola >
perla, árvore > arvre; fósforo > fosco; maiúsculo > maiusclo; óculos > oclus), com
(.38) são as grandes detentoras do uso padrão, ou seja, são menos propícias à queda do
que as outras. Dentre elas, a vogal baixa mostra-se relativamente mais sensível do que
as coronais.
6 CRUZAMENTO DAS VARIÁVEIS
100
Em busca de um maior aprofundamento em nossa análise, procedemos a uma
segunda rodada, cruzando os fatores sociais, com o intuito de averiguar onde o
apagamento da vogal postônica não-final estava mais presente.
O cruzamento mais relevante para o programa VARBRUL foi entre as variáveis
Faixa Etária e Escolarização. Esses resultados podem ser confirmados na tabela 10:
TABELA 10 – CRUZAMENTO ENTRE FAIXA ETÁRIA E TEMPO DE ESCOLARIZAÇÃO (Apagamento da vogal postônica não-final)
FAIXA ETÁRIA
15 - 25 anos 26 - 50 anos Mais de 50 anos TEMPO DE
ESCOLARIZAÇÃO
Aplic/Total Freq. Aplic/Total Freq. Aplic/Total Freq.
Pouco a 2 anos 93/335 27% 152/265 57% 119/181 65%
5 a 8 anos 79/459 17% 132/438 30% 93/353 26%
Mais de 9 anos 103/477 21% 108/482 22% 167/600 27%
Esse cruzamento comprova que os idosos (mais de 50 anos) analfabetos e/ou
com pouca escolaridade (pouca escolaridade a 2 anos) são os que mais apagam a vogal
postônica não-final, com 65% de freqüência e com peso relativo de (.76); em seguida,
vêem os dos adultos (26 - 50 anos), também analfabetos (de pouca escolarização a 2
anos), os quais têm 57% na freqüência de uso da regra, além de um total de (.65) no
peso relativo. Os adultos (26 a 50 anos / de 5 a 8 anos de escolaridade) aparecem logo
em seguida com 30% da freqüência e com peso relativo de (.58).
Os idosos (mais de 50 anos) com ensino médio e superior (mais de 9 anos) se
equiparam àqueles (mais de 50 anos) com ensino fundamental (de 5 a 8 anos de
escolaridade). Estes têm praticamente a mesma freqüência de ocorrência,
respectivamente, 27% e 26% e peso relativo bastante próximo também (.54 e .53,
respectivamente). Logo em seguida, aparecem os jovens (15 - 25 anos) não e/ou pouco
101
escolarizados (pouca escolaridade a 2 anos), com uma freqüência de 27% e (.30) de
preso relativo.
Os adultos (26 - 50 anos) e os jovens (15 - 25 anos) com ensino médio e superior
(mais de 9 anos) também se equiparam. Ambos têm praticamente a mesma freqüência
de aplicação da regra de supressão da vogal postônica não-final, com o valor de 22% e
21%, respectivamente, e peso relativo também próximo de (.47) e (.45).
Logo, são os jovens (15 - 25 anos) com ensino fundamental (de 5 a 8 anos de
escolaridade) os grandes detentores da forma prestigiada, ou seja, são eles que menos
fazem uso da regra de redução da vogal postônica não-final. De acordo com o
programa, eles aparecem com 17% da freqüência e com peso relativo de (.38). Podemos
observar melhor os resultados obtidos no gráfico 2:
GRÁFICO 2 – CRUZAMENTO ENTRE FAIXA ETÁRIA E
ESCOLARIZAÇÃO (Apagamento da vogal postônica não-final)
CRUZAMENTO ESCOLARIZAÇÃO/FAIXA ETÁRIA
.76
.65
.30
.53
.58
.38
.54
.47
.4515 - 25anos
26 - 50anos
Maisde 50anos
Faix
a Et
ária
PESO RELATIVO
Mais de 9 anos5 a 8 anosNenhum a 2 anos
Acreditamos que o fenômeno acima descrito ocorre pelo fato de que esses jovens têm de manter o uso padrão posto que ainda estão engajados nas atividades escolares, havendo assim uma preocupação com vestibulares, concursos e uma série de atividades acadêmicas a serem seguidas. Nos idosos, o uso freqüente da forma
102
desprestigiada ocorre pelo fato de serem aposentados, ou seja, não exercem mais suas atividades profissionais. Isso proporciona mais flexibilidade e liberdade à forma que empregam no ato de comunicação. O segundo cruzamento que o programa computacional VARBRUL tomou como relevante foi entre Sexo e Faixa Etária. Nesse cruzamento, nossa hipótese de que as mulheres seriam as maiores detentoras da forma padrão não se confirma completamente, pelo menos em se tratando das não escolarizadas ou com pouca escolaridade, porquanto são elas que mais realizam o fenômeno aqui observado. Já nas demais categorias, as mulheres se sobressaem aos homens. Vejamos a tabela 11:
TABELA 11 – CRUZAMENTO ENTRE SEXO E ESCOLARIZAÇÃO (Apagamento da vogal postônica não-final)
SEXO
MASCULINO FEMININO ESCOLARIZAÇÃO
Aplic/Total Freq. Aplic/Total Freq.
Pouca a 2 anos 176/397 44% 188/384 48%
5 a 8 anos 140/570 24% 164/680 24%
Mais de 9 anos 242/823 29% 136/600 18%
Podemos perceber que, com 48% da freqüência, as mulheres analfabetas e/ou
com poucos anos de escolarização (de pouca escolaridade a 2 anos) são as maiores
usuárias das formas sincopadas e também apresentam o maior peso relativo (.70) em
relação aos demais entrevistados. Em seguida, vêm os homens, também analfabetos,
e/ou com poucos anos de escolarização, que apresentam freqüência de 44% e peso
relativo de (.66). Como comentado no item anterior, acredita-se que a explicação para
103
essa freqüência acentuada nos idosos esteja no fato de já serem aposentados e estarem
afastados de suas atividades profissionais, não mais necessitando fazer um
monitoramento de sua fala.
Fato interessante ocorre com os que cursaram o ensino fundamental (de 5 a 8
anos de escolaridade). Sejam homens ou mulheres, eles têm a mesma freqüência, de
24%, e o peso relativo está bastante próximo, respectivamente (.46 e .45). O que
também vem comprovar nossa tese de que os pertencentes a essa camada escolar
tendem a manter o uso padrão, uma vez que ainda vivem e respiram a escola,
preparando-se, assim, para alcançarem seus objetivos de vida, o que depende do uso da
forma padrão.
Quanto aos pertencentes à camada mais elevada de escolaridade, ou seja, os que
cursaram o ensino médio e o superior (mais de 9 anos), ocorre um fato bastante
relevante, comprovando nossa hipótese de que as mulheres são as maiores detentoras
desse fenômeno. Aqui os homens surgem como sendo os grandes favorecedores das
formas sincopadas, pois aparecem com uma freqüência de 29%, enquanto que as
mulheres encontram-se com apenas 18%, firmando-se, assim, como as maiores
detentoras da forma padrão. Ao observarmos o peso relativo, os homens aparecem com
(.52), e as mulheres, donas do uso padrão, com (.36).
GRÁFICO 3 – CRUZAMENTO ENTRE SEXO E ESCOLARIZAÇÃO
(Apagamento da vogal postônica não-final)
CRUZAMENTO SEXO/ESCOLARIZAÇÃO
.52
.46
.66
.36
.45
.70Nenhuma 2 anos
5 a 8anos
Mais de9 anos
Esco
lariz
ação
Peso Relativo
FemininoMasculino
104
Esse gráfico expressa uma melhor visão em relação ao peso relativo do cruzamento aqui realizado. Mais uma vez, reafirmamos que as mulheres com maior nível de escolaridade são as maiores detentoras da forma padrão e, as que detêm menor escolarização são as maiores usuárias da forma não-padrão. O VARBRUL descartou o cruzamento realizado entre as variáveis Sexo e Faixa Etária. Os resultados obtidos foram bastante próximos, tanto em relação à freqüência quanto ao peso relativo. Observemos a tabela 12 para melhor visualização dos resultados:
TABELA 12 – CRUZAMENTO ENTRE SEXO E FAIXA ETÁRIA (Apagamento da vogal postônica não-final)
SEXO
MASCULINO FEMININO FAIXA ETÁRIA
Aplic/Total Freq. Aplic/Total Freq.
15 - 25 anos 168/649 25% 107/622 17%
26 - 50 anos 204/619 32% 188/566 33%
Mais de 50 anos 202/575 35% 177/559 31%
Como podemos notar, os percentuais de freqüência andam bastante próximos e confirmam os resultados e hipóteses anteriormente mencionados. Aqui os homens mais velhos (com mais de 50 anos) são os maiores realizadores do apagamento da postônica não-final em vocábulos proparoxítonos, com freqüência de 35%. E esse valor, em comparação com as mulheres de mesma faixa
105
etária, não está muito distante, já que a freqüência referente a elas é de 31%. Em relação ao peso relativo, homens e mulheres também estão bastante próximos. Vale, no entanto, ressaltar que, quando comparado o peso relativo entre eles, (.51) para os homens e (.55) para as mulheres, elas se destacam como maiores usuárias da forma não padrão. Em relação aos adultos, os resultados referentes à freqüência foram muito parecidos, os homens, com 32% e as mulheres, com 33%. Porém, quando visto o peso relativo acerca desse cruzamento, constatamos uma pequena diferença, mas que não chega a ser tão significativa. Nessa perspectiva, o peso relativo das mulheres foi de (.53), e dos homens, de (.50). Percebemos, aqui, a partir do peso relativo entre eles, um maior uso da variável padrão por parte dos homens e, em contrapartida, um uso maior da variável estigmatizada pelas mulheres, o que mantém ainda os homens como maiores usuários do uso da norma padrão. Quanto aos jovens – os que menos fazem uso da regra de apagamento da vogal postônica não-final em proparoxítonas – os valores também são bastante próximos. Mas, aqui, os homens é que aparecem como maiores usuários da síncope. Os resultados para a freqüência foram os seguintes: homens, com 25%, e mulheres, com 17%. Essa diferença também é visível quando observado o peso relativo nesse cruzamento. As mulheres permanecem com o menor valor de uso da variável não-padrão (.40), e os homens, com (.51). Para melhor exposição dos pesos relativos, expomos abaixo o gráfico 4, com os valores referentes ao peso relativo nesse cruzamento:
106
GRÁFICO 4 – CRUZAMENTO ENTRE SEXO E FAIXA ETÁRIA
(Apagamento da vogal postônica não-final)
CRUZAMENTO SEXO/FAIXA ETÁRIA
.51
.50
.51
.40
.55
.53
15 - 25anos
26 - 50anos
Mais de50 anos
Faix
a Et
ária
Peso Relativo
FemininoMasculino
A partir desse gráfico, observamos que os valores estão bastante próximos, com
exceção dos valores referentes aos jovens, os quais apresentam maiores nos valores em
relação às demais faixas etárias.
7 CONFRONTO COM OUTROS TRABALHOS
Neste capítulo, apresentaremos resultados obtidos neste trabalho, confrontando-o
com outro trabalho sobre o mesmo fenômeno lingüístico, realizado por Marisa Porto do
Amaral, em 1999, utilizando um corpus composto por informantes da cidade de São
José do Norte – RS. Amaral analisou a variação acerca do apagamento da vogal
postônica não-final em proparoxítonas na fala de 40 informantes da zona rural, do
município supracitado, sob a perspectiva laboviana da Teoria da Variação, da Mudança
Lingüística e em princípios da fonologia moderna, compreendendo a Fonologia
Prosódica e a Fonologia Métrica.
Os trabalhos aqui confrontados não expressam muita divergência, em relação
aos fatores por eles observados. Foram, praticamente, levados em consideração, em
107
ambos, os mesmos fatores sociais e lingüísticos. Os corpora só divergem em dois
aspectos:
1º. O nosso corpus é composto por informantes de três faixas etárias (15
– 25 anos, 26 – 50 anos e mais de 50 anos); enquanto que o de Amaral é constituído de
apenas duas faixas etárias (20 – 50 anos e mais de 50 anos);
2º. Em relação à escolaridade, nosso corpus consta de três níveis (pouca
escolaridade até 2 anos, 6 – 8 anos e mais de 9 anos); o corpus do trabalho de Amaral
(op. cit.) contém apenas dois níveis (0 – 4 anos e mais de quatro anos de escolaridade).
Apesar dessas diferenças, há muito em comum entre os trabalhos, e essas
semelhanças são colocadas neste capítulo para que seja melhor entendido o português
falado no Brasil.
Faremos os confrontos obedecendo à seguinte organização: primeiro, são
confrontados os fatores extralingüísticos e, logo após, os fatores lingüísticos.
7.1 FATORES EXTRALINGÜÍSTICOS No que concerne aos fatores extralingüísticos, em ambos os trabalhos, a variável
com maior expressividade foi a escolaridade, a qual fizemos alusão, mesmo que ela
tenha sido observada de forma meio distinta, como já foi explicado acima, uma vez que
as variáveis se assemelham no que tange à baixa e à alta escolarização. Ou seja, em
ambos os trabalhos, há pessoas com menor e maior escolarização, sendo possível,
assim, fazer um paralelo entre eles.
Os trabalhos apresentaram praticamente o mesmo resultado em se tratando da
variável sexo, tal como foi previsto, tanto em nosso estudo quanto no de Amaral (1999).
A hipótese levantada por ambos os pesquisadores foi a de que os informantes de sexo
masculino estariam mais propícios ao apagamento das vogais postônicas não-finais em
palavras proparoxítonas (Cf. cap. 5.1.3). Vejamos os dados no gráfico 5 para
visualização e entendimento dos resultados.
108
GRÁFICO 5 – CONFRONTO DOS DADOS DO SEXO (Apagamento
da vogal postônica não-final)
CONFRONTO ENTRE SEXO
5347
56
450 20 40 60 80 100 120
MASCULINO
FEMININO
SILVA AMARAL
No trabalho de Amaral (op. cit.) os resultados revelam que os falantes
masculinos realizam mais a supressão (.56), e as mulheres o fazem com menos
freqüência (.45). Em nossa pesquisa, o resultado ficou nesse parâmetro. Os informantes
masculinos apresentaram-se como sendo os maiores realizadores, com peso relativo de
(.53), e as mulheres aparecem como maiores mantedoras da variável padrão (.47).
Esses resultados já eram esperados, pois, quando a variação não representa uma mudança em progresso, como parece o fenômeno em estudo, em ambos os trabalhos, as mulheres tendem a usar mais a forma padrão ou a de prestígio do que os homens. Tem-se aqui a confirmação de uma tendência em estudos sociolingüísticos, a de que, em situações estáveis, os homens usam mais as formas não-padrão. Essa variante, em ambos os trabalhos, desempenha um papel pouco
significativo, posto que os resultados aparecem um tanto próximos do ponto neutro e,
conseqüentemente, indicam que essa variável pouco interfere na realização do processo
de apagamento das vogais postônicas não-finais em proparoxítonos.
109
7.2 FATORES LINGÜÍSTICOS
A primeira variável confrontada, entre os dois trabalhos, em relação aos fatores
lingüísticos, foi o Contexto Fonológico Seguinte. Os resultados obtidos foram meio
divergentes. Em nosso trabalho, o contexto fonológico seguinte que mais favorece a
supressão da vogal postônica não-final é a líquida lateral /l/ com (.84), seguida da
líquida vibrante /r/ com (.63) e, por fim, encontram-se as não-líquidas (oclusivas,
fricativas, nasais), com peso relativo de (.40). Já no trabalho desenvolvido por Amaral
(1999), a líquida vibrante /r/ é a maior favorecedora da supressão, com (.83), seguida da
líquida lateral /l/ com (.54), ficando, também, as não-líquidas como as menos
favorecedoras do processo aqui estudado, com um valor de (.25). Como podemos
observar no gráfico 6, há uma inversão nos valores obtidos pelos trabalhos:
GRÁFICO 6 – CONFRONTO DOS DADOS DA VARIÁVEL
CONTEXTO FONOLÓGICO SEGUINTE (Apagamento da vogal postônica
não-final)
CONFROTO ENTRE CONTEXTO FONOLÓGICO SEGUINTE
6384
40
8354
25
0 50 100 150 200
líquida vibrante
líquida lateral
não-líquidas
SILVA AMARAL
110
Resultado invertido também ocorre quando observada a Estrutura da Sílaba. Em
nosso estudo, a estrutura silábica mais propícia ao apagamento é a sílaba pesada, com
(.59). Já a sílaba leve aparece com peso relativo de (.47). No trabalho desenvolvido por
Amaral (1999), a estrutura silábica mais favorável é a de sílaba leve, com (.53), ficando
a sílaba pesada com menor peso (.38). No gráfico 7, podemos visualizar melhor essa
inversão.
GRÁFICO 7 – CONFRONTO DOS DADOS DA VARIÁVEL
ESTRUTURA DA SÍLABA (Apagamento da vogal postônica não-final)
CONFRONTO ENTRE ESTRUTURA DA SÍLABA
4759
5338
0 20 40 60 80 100 120
leve
pesada
SILVA AMARAL
Como podemos perceber, mais uma vez houve oposição entre os dados
observados.
Em se tratando de Traço de Articulação da Vogal, observamos que também há
uma pequena inversão quanto às vogais labiais /o, u/ e coronais /e, i/, porém, quando
confrontadas as vogais dorsais /a/, o resultado é mais próximo. O gráfico 8 expressa
com mais clareza esses resultados.
GRÁFICO 8 – CONFRONTO DOS DADOS DA VARIÁVEL TRAÇO
DE ARTICULAÇÃO DA VOGAL (Apagamento da vogal postônica
não-final)
111
CONFRONTO ENTRE TRAÇO DE ARTICULAÇÃO DA VOGAL
3849
55
6247
43
0 20 40 60 80 100 120
labial
dorsal
coronal
SILVA AMARAL
Como podemos ler no gráfico 8, no que tange às
vogais dorsais, o resultado é bastante parecido tanto na pesquisa de Silva (no prelo) quanto na de Amaral (1999), respectivamente (.49) e (.47). Porém, ao se observarem as vogais labiais e coronais, há, mais uma vez, a inversão de resultados. Em nossa pesquisa, as coronais aparecem como sendo as mais favoráveis à aplicação da regra de apagamento da vogal postônica não-final em vocábulos proparoxítonos, com peso relativo de (.55). Já as vogais labiais surgem como sendo as menos favorecedoras da regra, com (.38). Poder-se-ia até traçar a seguinte seqüência para a nossa pesquisa: coronal > dorsal > labial.
O contrário acontece no trabalho de Amaral (op. cit.), em que, as vogais se comportam da seguinte forma: as labiais são as mais favoráveis (.62), seguidas das dorsais (.47) e das coronais (.55). Assim, a seqüência referente ao traço de articulação das vogais, neste trabalho, ficaria da seguinte forma: labial > dorsal > coronal, deixando bem visível a inversão nos resultados, expostos no gráfico 9 a seguir:
112
GRÁFICO 9 – INVERSÃO DA VARIÁVEL TRAÇO DE
ARTICULAÇÃO DA VOGAL (Apagamento da vogal postônica não-final)
labial dorsal coronal
SILVAAMARAL
Em se tratando dos fatores lingüísticos, como podemos observar nos confrontos
realizados acima, nosso trabalho diverge, em parte, do trabalho de Amaral (1999).
Sempre há uma certa inversão nos resultados comparados. Já em relação aos resultados
dos fatores extralingüísticos, houve uma convergência e, certamente, a confirmação de
uma tendência nos estudos sociolingüísticos45, em relação ao sexo.
Com o confronto dos resultados obtidos em duas distintas regiões do país –
Nordeste e Sul –, podemos chegar a algumas conclusões a respeito desse fenômeno do
português falado no Brasil. Comprovamos, com os resultados obtidos pelas pesquisas
aqui apresentadas, que elas divergem em alguns aspectos, evidenciando que, mais do
que um fenômeno observável apenas em pontos isolados do país, o fenômeno do
apagamento da vogal postônica não-final, em vocábulos proparoxítonos, tem um caráter
abrangente.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
45 Cf. Cap. 2.4.2.1.1.
113
O estudo do apagamento da vogal postônica não-final, em vocábulos
proparoxítonos, no português falado, na cidade de Sapé-PB, possibilitou-nos verificar o
comportamento lingüístico da presença > síncope da vogal supracitada, a fim de
detectarmos se o fenômeno lingüístico em questão sofre ou não interferências de fatores
lingüísticos e/ou extralingüísticos.
Com base nos resultados, é possível que sejam feitas algumas deduções sobre o fenômeno aqui pesquisado. Porém não esperamos esgotar todas as indagações a esse respeito, mas contribuir com outros trabalhos já realizados (ver Cap. 1.1).
De acordo com os resultados obtidos, concluímos que:
1. O fator anos de escolarização é o grande influenciador do uso desse
fenômeno, no que tange aos fatores sociais ou extralingüísticos. Conforme
previsto em nossas hipóteses, os menos escolarizados são os que mais
realizam o apagamento da vogal postônica não-final. E, à medida que se
eleva a escolarização, o uso estigmatizado da variável vai cessando. Assim,
confirmamos a idéia de que, quanto mais próximos da escola, mais os
falantes empregam a variante padrão.
2. Um segundo fator bastante relevante do nosso trabalho foi a idade. Os
informantes com mais de 50 anos são detentores do maior uso da variante
não-padrão. A partir desse resultado, a hipótese de que os informantes mais
jovens ajam mais positivamente à variante inovadora, cai por terra.
Acreditamos, assim, que o que leva os mais velhos a realizarem a variante
estigmatizada é o fato de não estarem mais exercendo suas funções no
mercado de trabalho, sentindo-se, portanto, livres para o uso da forma não-
padrão.
3. O fator sexo só veio nos confirmar o uso da variável padrão pelos
informantes femininos. Assim, acreditamos que as mulheres podem estar
114
usando meios lingüísticos como uma forma de obtenção de status negado a
elas em outras épocas.
4. O fator tipo de entrevista não se demonstrou muito favorecedor do uso
ou não do apagamento da vogal postônica não-final em vocábulos
proparoxítonos. Apesar de ter sido considerado pelo pacote de programa
computacional VARBRUL, esse fator ficou bem próximo do ponto neutro,
com (.52) de significância na entrevista dirigida e (.47) na leitura das
palavras em frases. Mesmo assim, o primeiro fator aparece como o maior
favorecedor da forma padrão.
5. Ao rodarmos os fatores lingüísticos, o VARBRUL considerou como
mais significante o contexto fonológico seguinte, confirmando a nossa
hipótese de esse fator ser correlacionado mais positivamente com o
apagamento ou não da postônica não-final. Sabemos que o padrão silábico
CCV do português permite a formação de ataque complexo desde que a
segunda consoante seja uma líquida (abóbora > abobra; triângulo > trianglo).
Ao formar o novo vocábulo, através da queda da vogal, esse padrão surge,
resultando, assim, em um ataque complexo bem formado. Logo, a líquida
lateral (.84) é a menor detentora do padrão: músculo > musclo; pétala >
petla; óculos > oclus; maiúsculo > maiusclo; triangulo > trianglo, seguido
da líquida vibrante (.63): árvore > arvre; chácara > chacra; xícara > xicra;
abóbora > abobra; mascara > mascra.
6. Em se tratando do contexto fonológico precedente, as fricativas
apareceram como sendo as mais propícias ao apagamento da vogal postônica
não-final, seguidas da oclusiva. Isso porque as oclusivas e fricativas têm
maior força e menor sonoridade, de acordo com a Escala de Força e de
Sonoridade (Cf. cap. 1.2), tornando de fácil entendimento que elas sejam
menos resistentes à supressão.
7. Um outro fator considerado relevante no apagamento da postônica não-
final foi a extensão da palavra. Palavras polissílabas – com mais de três
sílabas – são as grandes favoráveis ao apagamento. Isso nos leva a crer que,
115
no “continuum” da fala, é mais fácil reduzirem-se os polissílabos, levando
em consideração os ambientes propícios à redução (como a síncope) de
palavras, cujas vogais postônicas não-finais são, em geral, antecedidas por
uma obstruinte e seguidas por uma líquida (espírito > esprito).
8. Quanto às estruturas leves e pesadas, conforme foram observadas no
fator estrutura da sílaba, observamos que a sílaba leve (.47) favorece o uso
padrão mais do que a pesada (.59). Para explicar esse fenômeno, tomamos
por base a idéia de que os segmentos que atuam como núcleo silábico ou
como coda dependem das restrições de uma língua específica e de uma
escala de soância. Em relação ao peso, a sílaba leve possui uma só mora
(péµ), e a sílaba pesada possui mais de uma (maµlµ). A pesada tem de atender
ao requisito de que haja uma diferença de soância, ainda que mínima, entre
as duas moras, e em sentido crescente a partir do núcleo. Para a posição sub-
silábica da segunda mora de uma sílaba pesada que é igualmente restrita, há
termos de soância, de acordo com a língua específica. Por isso os segmentos
que podem ocupar a segunda mora ou a coda da sílaba, em português, são os
coronais /r/, /s/, /l/ e /n/, que têm menos soância do que a vogal que é
portadora de soância máxima e de mais fácil articulação.
9. O traço de articulação da vogal também deu sua contribuição ao nosso
trabalho. Aqui ficou claro que as vogais labiais /o, u/ são as que apresentam
maior aceitabilidade ao padrão. Enquanto o peso maior (.55) incide nas
sílabas com vogais coronais /e, i/, sendo esta a maior favorecedora da
síncope, as sílabas com vogal dorsal /a/ aparecem muito próximas do ponto
neutro.
10. Ao cruzarmos os dados referentes aos contextos extralingüísticos,
podemos concluir que, em relação ao cruzamento escolarização vs idade, os
idosos analfabetos e/ou com poucos anos de escolarização são os que mais
realizam o apagamento da vogal postônica não-final, ficando os jovens com
ensino fundamental como os grandes detentores da forma padrão. A
explicação se dá pelo fato de esses jovens freqüentarem ambiente escolar,
116
havendo assim uma preocupação com vestibulares, concursos e uma série de
atividades acadêmicas a serem seguidas.
Já com o cruzamento sexo vs escolarização, concluímos que as
mulheres analfabetas e/ou com poucos anos de escolarização são as maiores
usuárias das formas sincopadas, quando pertencentes à camada mais elevada
de escolaridade, destacam-se como as maiores detentoras do padrão.
O VARBRUL descartou o cruzamento realizado entre as variáveis
Sexo e Faixa Etária, pelo fato de os resultados estarem bem próximos e não
oferecerem nenhum diferencial à nossa pesquisa.
11. Por fim, quando comparado o nosso trabalho ao de Amaral (1999),
podemos concluir que, em ambos, houve uma inversão de resultados. Ou
seja, nossos dados entraram em desacordo acerca dos fatores lingüísticos, em
especial. Quanto ao contexto fonológico precedente, apesar de ambos terem
sido tomados como os mais relevantes nas duas pesquisas, em nosso
trabalho, a líquida lateral /l/ foi a mais propícia ao apagamento. Já no
trabalho de Amaral (op. cit.), a líquida vibrante /r/ é a maior favorecedora da
supressão, apesar de esse fonema ser bastante forte no sul do país.
Igualmente invertidos, se deram os resultados referentes à estrutura da
sílaba. Em nosso estudo, a estrutura silábica mais propícia ao apagamento é
a da sílaba pesada. No trabalho desenvolvido por Amaral (op. cit.), a de
sílaba leve é a mais favorável.
Ao observarmos o traço de articulação da vogal, percebemos mais
uma vez uma inversão nos resultados. Em nossa pesquisa, as coronais
aparecem como sendo as mais, e as labiais, as menos favoráveis à aplicação
da regra de apagamento; na pesquisa de Amaral (op. cit.), as labiais são as
mais favoráveis, e as coronais, as menos.
Podemos ilustrar o fenômeno da síncope da vogal postônica não-final com o
quadro 5 que exibe os fatores influenciadores de uma forma mais sintética:
QUADRO 5 – OS FATORES INFLUENCIADORES DO APAGAMENTO DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL EM VOCÁBULOS PROPAROXÍTONOS
117
SUPRESSÃO DA VOGAL POSTÔNICA NÃO-FINAL: Uma tendência das Proparoxítonas na Língua Portuguesa com
Evidências no Falar Sapeense
FATORES ESTRUTURAIS
FATORES SOCIAIS
Traço de Articulação da Vogal
(Vogais Coronais /e, i/)
Estrutura da Sílaba (Sílaba Leve)
Extensão da Palavra (Mais de Três Sílabas)
Contexto Fonológico Precedente
(Fricativas)
Contexto Fonológico Seguinte
(Líquida Lateral)
Tipo de Entrevista (Entrevista Dirigida)
Sexo
(Homens)
Idade
(Mais de 50 anos)
Anos de Escolarização
(Pouca escolarização = Semi-analfabetos)
É de grande importância estabelecer o papel que cada variável desempenha
dentro do processo de variação, pois só assim é possível traçar o perfil da comunidade
118
em estudo e permitir que se façam comparações com estudos sobre o mesmo fenômeno
realizados em outras partes do país.
Além das conclusões específicas do fenômeno aqui estudado, cabe também,
neste capítulo, uma referência à importância dos estudos sociolingüísticos, hoje em dia,
tanto para a aprimoração da lingüística teórica, quanto para a prática dos resultados, que
pode ser trabalhada pela lingüística aplicada.
A partir do panorama histórico traçado neste trabalho, podemos observar que,
embora muitos admitam que a língua mude, há muitas controvérsias no que diz respeito
às causas dessas mudanças. Alguns atestam que a causa é estrutural ou funcional; outros
admitem a influência social nessas mudanças. Todas essas posições foram retomadas,
de uma forma ou de outra, pela teoria da variação lingüística, que tornou o estudo da
variação e da mudança mais sistemático.
Vale salientar, porém que a variação lingüística não pode ser desprezada. Como
tudo na vida está ligado a um equilíbrio, a língua também incide nessa regra. A língua
existe em função do equilíbrio de duas forças – uma conservadora, que a faria parar,
caso não fosse bem equilibrada, e outra que tende a mudá-la e que, também não sendo
bem trabalhada, a faria destruir-se e dissolver-se. É exatamente a luta entre essas duas
forças que produz a variação lingüística.
No estudo da mudança lingüística, está o descobrir de muitos outros fenômenos
e características de outras línguas. Um alargamento sobre o passado das línguas, unido
aos métodos mais modernos de observação de um recorte sincrônico da língua
produzirão, ainda, sem dúvida, novas teorias sobre a variação e a mudança nos sistemas
lingüísticos.
A igualdade e a disparidade, nos resultados dos estudos aqui apresentados, só
vêm mostrar que, por mais controversos que sejam os resultados obtidos, quando
comparado este trabalho com o de Amaral (1999), acerca da supressa da vogal
postônica não-final em vocábulos proparoxítonos, observamos que esse não é um
fenômeno restrito a áreas específicas do país. Ele tem um caráter abrangente, atingindo,
talvez, a totalidade do território brasileiro. E, sendo um fenômeno nacional, esperamos
119
que esta pesquisa, somada a outras investigações lingüísticas, possa contribuir
fornecendo subsídios para ampliar o conhecimento do português falado no Brasil.
120
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126
ANEXOS
127
ANEXO 1
FORMAÇÃO DO CORPUS 36 Informantes Sexo 18 Masculino 18 Feminino Idade 6 (15-25anos46) 6 (26-49anos) 6 (+49) 6 (15-25anos) 6 (26-49anos) 6 (+49) 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 Anos de Escolari- até 2a 6-8a +9a até 2a 6-8a +9a até 2a 6-8a +9a até 2a 6-8a +9a até 2a 6-8a +9a até 2a 6-8a +9a dade
46 No que concerne a anos de escolarização, dividimos em três grupos: Pouca escolarização até 2 anos, de 6 – 8 anos e + de 9anos.
128
128
ANEXO 2
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
FICHA SOCIAL DO INFORMANTE
Entrevistador: André Pedro da Silva Data: ___/ ___/ 2004 1. Nome: _____________________________________________________________ 2. Endereço: __________________________________________________________ 3. Data de nascimento: ____/_________________/______ 4. Você estuda: ( ) SIM ( ) NÃO ( ) NUNCA ESTUDOU 5. Qual série? _______________________________ 6. Até que série você cursou? ______________________________ 7. Porque não continuou? ________________________________________________ 8. Você trabalha? ( ) SIM ( ) NÃO 9. Que tipo de atividade você faz? _________________________________________ 10. Você é financeiramente independente? ( ) SIM ( ) NÃO 11. Você recebe alguma ajuda financeira? De quem? ( ) FAMÍLIA ( ) OUTROS 12. Além de você, quantas pessoas moram em sua casa? ( ) NENHUMA ( ) DE UMA A DUAS ( ) MAIS DE TRÊS 13. Qual a relação de parentesco que há entre vocês? ( ) PARENTES ( ) NÃO PARENTES 14. Você costuma ver TV? ( ) SIM ( ) NÃO 15. Que programa(s) você assiste? ( ) NOVELA ( ) NOTICIAS ( )OUTROS 16. Você costuma ouvir rádio? ( ) SIM ( ) NÃO 17. Em que horário você ouve? ______________________________ 18. Você lê jornal? ( ) NÃO ( ) DIARIAMENTE ( ) DE VEZ EM QUANDO 19. Qual(is) jornal(is)? ____________________________________________________ 20. Que revista você lê? ___________________________________________________ 21. Qual a sua diversão favorita? ____________________________________________ 22. Você gosta de carnaval? ( ) SIM ( ) NÃO 23. Você gosta de futebol? ( ) SIM ( ) NÃO 24. Você pratica algum esporte? ( ) SIM ( ) NÃO 25. Qual esporte? __________________________________ 26. Você pratica alguma religião? ( ) SIM ( ) NÃO 27. Qual? ____________________________________________ 28. Você é uma pessoa que: ( ) NUNCA SAI DE SAPÉ ( ) SÓ SAI A NEGÓCIO ( ) SEMPRE SAI PARA PASSEAR 29. Passa muito tempo fora? ( ) MENOS DE DOIS MESES ( ) MAIS DE DOIS MESES
129
129
ANEXO 3
LEITURA DAS PALAVRAS NO TEXTO
1. Todo sábado, um bêbado pacífico freqüentava um círculo católico, embaixo de uma
árvore, numa chácara.
2. O príncipe adorava doce de abóbora com uma bela xícara de chá.
3. Certo dia, uma professora de matemática resolveu instalar uma parabólica em sua
casa e tomou um choque elétrico, caindo, assim, sobre a cômoda, quebrando seus
óculos.
4. A prática de esporte, segundo meu médico, faz bem ao músculo e ao cérebro. Nos
faz perder a aparência tísica e melhora nosso estado de espírito.
5. Ao comer pêssego, uma grávida passou mal. Seu marido, agrônomo, a levou ao
médico. Ela imaginava ser uma úlcera ou fígado, algo relacionado ao estômago, mas na
realidade foi constatado que eram apenas cólicas.
6. Numa fábrica, a máquina de fósforo parou. Chamaram o mecânico. Numa análise
básica, o técnico observou que havia sido um problema elétrico e não físico.
7. O número de pessoas desacreditadas nesse político é grande. Nem os econômicos
aceitam sua candidatura. Logo seu crédito foi pelo ralo!
8. A máscara de plástico cor de pérola causava cócegas e irritava o rosto da criança.
9. Aconteceu um fenômeno intrigante no clube. A lâmpada explodiu, clareando tudo
como um relâmpago. Assustado, um rapaz do exército pediu para parassem a música e
os cânticos.
10. Aconteceu algo trágico no jardim de Margaridas, por acidente entornaram ácido nas
pétalas das flores e todas morreram, dando-me um grande prejuízo.
130
130
ANEXO 4
FIGURAS UTILIZADAS NAS ENTREVISTAS
Ficha 1
1. Mágico, mágica, número, matemática, abóbora.
Ficha 2
2. Música, elétrico, pétala, árvore.
131
131
Ficha 3
3. Educação física, árvore, xícara, ônibus.
Ficha 4
4. Plástico, máquina, número, matemática, grávida, cólica.
132
132
Ficha 5
5. Católico, evangélico, cântico, chácara, árvore, semáforo, trânsito.
Ficha 6
6. Médico, músculo, xícara, cômoda, lâmpada.
133
133
Ficha 7
7. Fábrica, técnico, farmacêutico.
Ficha 8
8. Abóbora, música, músico, cágado, hipopótamo, máquina, câmera, fotógrafo.
134
134
Ficha 9
9. Óculos, fósforo, cócega.
Ficha 10
10. Helicóptero, fábrica, máquina, mecânico, elétrico, cômoda.
135
135
Ficha 11
11. Pássaro, pêssego.
Ficha 12
12. Maiúsculo, minúsculo, cérebro.
136
136
Ficha 13
13. Máscara, bêbado, relâmpago, crédito, atlântico, pacífico, índico.
Ficha 14
14. Exército, político, máquina, termômetro, parabólica.
137
137
Ficha 15
15. Fígado, estômago, pérola, triângulo, retângulo, matemática.
Ficha 16
16. Estômago, úlcera, fígado
ANEXO 5
PERGUNTAS PARA OBTENÇÃO DAS PROPAROXÍTONAS
1. Como se chama aquela disciplina que a gente faz exercícios e depois fica jogando na
quadra? Educação Física
2. Qual o dia da feira em Sapé? Sábado
3. Você sabe fazer o sinal da cruz? Pode fazer? Espírito
4. Como se chama o filho do rei? Príncipe
5. Rubinho Barrichello participa de que tipo de corrida? Fórmula 1
6. Você pode me falar o nome daquela doença que queima o estômago? Úlcera
7. Como se chama essas pessoas que estão se candidatando a prefeitos, vereadores?
Políticos
8. Como se chama aquela dor que as mulheres sentem antes e durante a menstruação?
Cólica
9. Como chamamos uma pessoa que está muito fraca e magra? Tísico
10. O homem que trabalha na EMATER é um...? Agrônomo
11. Quando uma pessoa mexe em nossa barriga, fazendo a gente rir, falamos que ela está
fazendo...? Cócega
12. Você poderia falar dois principais mandamentos da Lei de Deus? Próximo
13. Como se chama aquela borracha que fica cheia de ar, dentro do pneu? Câmara
14. Como chamamos aquele sitio pequeno que geralmente as pessoas vão passar fim de
semana pra se distraírem? Chácara
15. O jogo Brasil x Argentina terminou 2x2. Como foi que o Brasil ganhou? Pênaltis
16. Como é que Galvão Bueno chama o Ronaldo? Fenômeno
17. Quando nos abaixamos, ficamos de...? Cócoras
18. Como se chama o nome do pó que fica dentro das bombas de São João? Pólvora
ii