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Supremo Tribunal Federal AÇÃO PENAL Nº 470 VOTO MINISTRO LUIZ FUX

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Supremo Tribunal Federal

AÇÃO PENAL Nº 470

VOTO

MINISTRO LUIZ FUX

Ação Penal 470 Plenário

2

VOTO

ITEM III DA DENÚNCIA

ORIGENS DOS RECURSOS EMPREGADOS NO

ESQUEMA CRIMINOSO

O Senhor Ministro Luiz Fux: Senhor Presidente,

Senhores Ministros, Senhor Procurador-Geral da República,

eminentes advogados.

Preliminarmente incumbe-me cumprimentar a todos

pela competência demonstrada nas atuações orais e escritas

o que exacerba sobremodo a difícil função de julgar um

processo materialmente complexo porquanto composto de

mais de 235 volumes, centenas de apensos, mais de 500

depoimentos, cuja digitalização posto não comportar num

hard disk de inúmeros computadores, mereceu um HD à

parte que contém mais de 40 gigabytes de documentos.

A complexidade que o caso sub judice encerra, pelo

seu caráter múltiplo (37 réus), e as teses minuciosamente

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defendidas pelas partes e por mim anotadas uma a uma,

inclusive as veiculadas nas sustentações orais

brilhantemente realizadas por ambas as partes, de um lado

o PGR competente e combativo de outro um verdadeiro

pool da inteligência jurídica da advocacia penal brasileira,

atributo extensivo aos advogados dativos, impuseram-me

uma metodologia expositiva que fosse aplicável à votação

de cada réu no que concerne às teses jurídicas comuns.

Assim, v. g., restaram constantes alegações sobre carência

probatória, ausência de contraditório na coleta da prova,

ausência de tipicidade por força da inexistência de ato de

oficio no crime de corrupção, além das vicissitudes

apontadas em relação aos delitos que compõem o mosaico

penal do caso sub judice.

Em face dessas nuances, permiti-me, preliminarmente

traçar premissas teóricas sobre os temas acima indicados

para depois, sem o vezo da repetição, analisar fatos, provas

incidência da norma penal e conclusão.

Assim explicitado o modo como me proponho a votar

a presente ação penal, iniciou, então pelas premissas

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teóricas para ao depois adentrar nos capítulos até então

enfrentados, na ordem de votação.

Os graves fatos noticiados nestes autos foram

inicialmente revelados pelo 29º denunciado (Roberto

Jefferson) na CPMI dos Correios em 2005. O

aprofundamento das investigações conduziu ao

depoimento da secretária do 5º denunciado (Marcos

Valério), Sra. Fernanda Karina Ramos Somaggio, que restou

por revelar as inúmeras operações suspeitas praticadas pelo

referido réu e pelas suas empresas de publicidade, em

especial a SMP&B e a DNA.

Em síntese, a tese defendida pela acusação pode ser

identificada com a gênese do denominado "esquema do

mensalão" nas palavras do discurso de defesa do 29º

denunciado (Roberto Jefferson) na Câmara dos Deputados,

ocorrido em 14/09/2005.

A expressão “mensalão” foi, assim, empregada para

designar a suposta mesada recebida por parlamentares da

Câmara dos Deputados oriunda de pagamentos feitos por

uma suposta quadrilha integrada por um núcleo político,

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publicitário e financeiro. O propósito dos pagamentos seria

o de obter o apoio político ao governo federal e necessário,

sobremaneira, para a aprovação de matérias sensíveis e

deliberadas no Congresso Nacional no período de 2003 e

2004 a que se refere a denúncia.

Os recursos destinados ao suposto pagamento dos

congressistas volúveis à recompensa seria, em linhas gerais,

obtido através de empréstimos contraídos pelo PT e por

empresas d0 5º denunciado (Marcos Valério) com o Banco

Rural e Banco BMG. Os referidos empréstimos seriam,

segundo a compreensão do parquet, forjados e as aludidas

instituições realizavam, na prática, a disponibilização dos

recursos sem exigir a sua restituição. A acusação também

sustenta que os valores necessários para o preenchimento

dos objetivos do esquema era fruto de dinheiro desviado

dos cofres públicos e destinado ao pagamento de políticos e

de campanhas eleitorais.

Na apresentação dos fatos e da dinâmica dos ilícitos

supostamente perpetrados, a denúncia partiu de uma

premissa de que havia diversos núcleos, grupos de pessoas

com funções específicas no suposto “mensalão”. Essa

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formatação em grupos de réus e de ilícitos originou um

texto dividido por itens. Há, na denúncia, um total de 8

(oito) itens, cada qual, com exceção do primeiro que veicula

a introdução da peça inicial acusatória, correspondente a

um contexto fático abrangente de diversos réus e ilícitos.

O eminente relator optou por iniciar os trabalhos com

o julgamento do item III da denúncia que retrata, dentre

outros crimes, a prática de supostos ilícitos pelo ex-

presidente da Câmara dos Deputados, o 15º denunciado

(João Paulo Cunha), na contratação de uma agência de

publicidade do 5º denunciado (Marcos Valério). De acordo

com o aludido item III, intitulado Desvio de Recursos

Públicos, encartado às fls. 5.659 e seguintes do volume 27, o

15º denunciado (João Paulo Cunha), o 5º denunciado

(Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e o

7º denunciado (Cristiano Paz) teriam participado de

diversos ilícitos envolvendo o desvio de recursos da

Câmara dos Deputados para o favorecimento da agência de

publicidade contratada pelo referido órgão. Os crimes

imputados aos réus no item III.1 da denúncia são os de

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peculato, corrupção ativa, corrupção passiva e de lavagem

de dinheiro.

Em linhas gerais, de acordo com a versão do

Ministério Público, o 5º denunciado (Marcos Valério)

possuía empresas de publicidade que já mantinham

contratos com o Banco do Brasil, Ministério do Trabalho e

Eletronorte. Em decorrência de sua proximidade com a

agremiação partidária ocupante do poder no governo

federal, o 5º denunciado (Marcos Valério) teria, segundo a

acusação, conseguido renovar essas avenças, manter um

contrato com o Ministério dos Esportes e vencer uma

licitação feita pelos Correios em 2003 para prestar serviços

de publicidade.

O estreito vínculo com integrantes da cúpula do

governo federal também teria, segundo a peça vestibular,

gerado resultados positivos ao conseguir a conta de

publicidade da Câmara dos Deputados, órgão de estatura

constitucional presidido, na época dos fatos, pelo 15º

denunciado (João Paulo Cunha), cuja campanha à

presidência havia sido realizada por uma das empresas do

5º denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon

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Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz). A acusação

noticia a ocorrência de diversas irregularidades na execução

do contrato de publicidade com a Câmara dos Deputados,

v. g., a excessiva subcontratação dos serviços e a ausência

de comprovação da prestação dos serviços cobrados.

No item III da denúncia, há relato do parquet de que o

modus operandi do desvio de recursos públicos ocorria

pela simulação de mútuos entre empresas do grupo do 5º

denunciado (Marcos Valério) e terceiros, pela ausência de

contabilização de serviços e operações financeiras; pela

emissão de notas fiscais falsas para justificar o pagamento

de serviços sem a devida contraprestação, além de outras

práticas ilícitas envolvendo, v. g., a Câmara dos Deputados,

o Banco do Brasil, a DNA Propaganda Ltda. e a Companhia

Brasileira de Meios de Pagamento – VISANET.

No contexto da peça acusatória, há relato de que o 5º

denunciado (Marcos Valério), em nome do 6º denunciado

(Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz),

ofereceu a vantagem indevida de R$ 50.000,00 (cinquenta

mil reais) ao 15º denunciado (João Paulo Cunha), tendo em

vista sua condição de Presidente da Câmara dos

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Deputados, com a finalidade de receber tratamento

privilegiado para a sua agência de publicidade. A referida

quantia teria sido sacada pela Sra. Márcia Regina no Banco

Rural em 04 de setembro de 2003, um dia após a reunião do

15º denunciado (João Paulo Cunha) com o 5º denunciado

(Marcos Valério), e, segundo o parquet, o modo como o

saque ocorreu teve o intuito de ocultar a origem dos

recursos.

O MPF também destaca que a empresa SMP&B teria

participado do contrato de publicidade com a Câmara dos

Deputados apenas para intermediar subcontratações,

recebendo honorários de 5% só para fazer isso, o que

caracterizaria um ilícito.

Antes de adentrarmos a análise da dinâmica dos fatos

pertinentes ao item III, revela-se necessário abordar

algumas premissas teóricas concernentes aos crimes

imputados aos réus. Essa análise teórica é feita com o

escopo precípuo de enfrentar os principais argumentos e

teses invocados pelas partes. Serão enfrentados, outrossim,

temas comuns na acusação e nas defesas de diversos dos

acusados na presente Ação Penal, sob os aspectos do

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Direito Penal e do Direito Processual Penal, evitando-se a

cansativa repetição de fundamentos ao longo do voto.

PREMISSAS TEÓRICAS

INTRODUÇÃO: PROVA DA INFRAÇÃO PENAL EM

CRIMES DO COLARINHO BRANCO

A tônica das sustentações escritas e orais se calca na

prova de delitos de sofisticada atuação delitual, nos quais

nem sempre os elementos de convicção usuais do vetusto

processo concebido como actus ad minus trium personarum

são satisfatórios prima facie. Aliás, é dessa constatação que a

história penal inaugura a pré-compreensão dos

denominados crimes do colarinho branco.

Os “crimes do colarinho branco” constituem um

conceito relativamente novo, que apenas alcançou

reconhecimento no ano de 1939, nos Estados Unidos, em

um discurso do sociólogo Edwin Sutherland na American

Sociological Society, que criticou criminólogos da época por

atribuírem a criminalidade à pobreza ou a condições

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psicopáticas e sociopáticas. A noção de white collar crime é

particularmente importante por evidenciar a necessidade

de considerar as infrações praticadas por indivíduos

ocupantes de posições de poder como crimes e não apenas

ofensas civis. Opõe-se aos blue-collar crimes, que são delitos

perpetrados por integrantes de estratos sociais mais

desfavorecidos.

A definição de Sutherland, que enfatizava mais o

sujeito que o delito praticado – sendo, por isso, mais

adequada a expressão “criminosos do colarinho branco” –,

foi substituída posteriormente por uma concepção voltada

para o fato. Assim, o Bureau of Justice Statistics (BJS) dos

Estados Unidos utiliza o seguinte conceito de white collar

crime: “crime não violento dirigido ao ganho financeiro,

cometido mediante fraude”. Observa-se, portanto, que não

há um rol delimitado de delitos que compõem a categoria

de “crimes do colarinho branco”, o que, todavia, não

impede a repressão e a punição aos autores desse tipo de

infrações. Dentre os delitos que podem se amoldar ao

conceito, incluem-se os crimes tributários (tax crimes), as

fraudes bancárias (bank fraud), os crimes de corrupção

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(public corruption) e a lavagem de dinheiro (money

laundering), todos de relevantíssimo interesse para a

presente causa (PODGOR, Ellen S. White Collar Crime in a

nutshell. Minnesota: West Publishing Co., 1993. p. 1-4).

Na Alemanha, utiliza-se a denominação

Wirtschaftsstrafrechts para designar o Direito Penal

Econômico, que se ocupa dos aqui cognominados crimes do

colarinho branco, sendo certo que não há uma lei que

regulamente o tema de maneira uniforme (KUDLICH,

Hans; OGLAKCIOGLU, Mustafa Temmuz.

Wirtschaftsstrafrecht. Heidelberg: Hüthig Jehle Rehm, 2011;

MANSDÖRFER, Marco. Zur Theorie des

Wirtschaftsstrafrechts. Heidelberg: Hüthig Jehle Rehm,

2011; HELLMANN, Uwe; BECKEMPER, Katharina.

Wirtschaftsstrafrecht. Stuttgart: Kohlhammer, 2008). Klaus

Tiedemann, expoente do Direito Penal Econômico alemão,

afirma que esse ramo engloba todas as infrações que

atingem bens jurídicos coletivos ou supraindividuais da

vida econômica (TIEDEMANN, Klaus. Poder económico y

delito. Trad. Amelia Mantilla Villegas. Barcelona: Ariel,

1985. p. 16).

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Os crimes do colarinho branco, em essência, são

condutas puníveis na esfera penal, e não apenas civilmente

irregulares; são proibições relevantíssimas para o seio

social, e não apenas restrições formais e circunstanciais.

Cuida-se, nas palavras de Abanto Vásquez, da proteção dos

bens jurídicos mais importantes contra as ações perigosas

mais graves em uma sociedade, motivo pelo qual a

tendência da legislação e da doutrina penal dominante é a

de recrudescer o tratamento penal conferido a condutas que

afetem negativamente interesses sociais econômicos

(ABANTO VÁSQUEZ, Manuel A. Derecho Penal

Económico – consideraciones jurídicas y económicas. Lima:

IDEMSA, 1997. p. 37).

O desafio na seara dos crimes do colarinho branco é

alcançar a plena efetividade da tutela penal dos bens

jurídicos não individuais. Tendo em conta que se trata de

delitos cometidos sem violência, incruentos, não atraem

para si a mesma repulsa social dos “crimes do colarinho

azul” (Go directly to jail: white collar sentencing after the

Sarbanes-Oxley Act. In: Harvard Law Review, vol. 122,

2008-2009. p. 1742 e ss.). A inoperância das instituições

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causa um nefasto efeito sistêmico, que, fomentado pela

impunidade, causa pobreza atrás de pobreza, para o

enriquecimento indevido de alguns poucos. O fato

delituoso é tanto mais grave na medida em que a cada

desvio de dinheiro público, mais uma criança passa fome,

mais uma localidade desse imenso brasil fica sem

saneamento, o povo sem segurança e sem educação e os

hospitais sem leito.

A dificuldade de repressão também se deve,

conforme aponta o argentino Fernando Horacio Molinas, ao

fato de que o delito econômico é, aparentemente, uma

operação financeira ou mercantil, uma prática ou

procedimento como outros muitos no complexo mundo dos

negócios. A ilicitude não se constata diretamente, sendo

necessário, não raras vezes, lançar mão de perícias

complexas e interpretar normas de compreensão

extremamente difícil. As manobras criminosas são

realizadas utilizando complexas estruturas societárias, que

tornam muito difícil a individualização correta dos diversos

autores e partícipes. Além disso, é comum o apelo à

chamada “moral de fronteira”, apresentando o fato criminal

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como uma prática inevitável, generalizada, conhecida e

tacitamente tolerada por todos, de modo que o castigo seria

injusto, passando-se o autor do fato por vítima do sistema

ou de ocultas manobras políticas de seus adversários

(MOLINAS, Fernando Horacio. Delitos de “cuello blanco”

en Argentina. Buenos Aires: Depalma, 1989. p. 22-23 e 27).

A dignidade humana dos réus é importante, como aqui se

destacou, mas não podemos olvidar a dignidade da

sociedade brasileira, atingida no seu âmago por esse flagelo

da corrupção.

Essas sutilezas que marcam a identidade dos crimes

do “colarinho branco” constituem razões que devem

informar a lógica probatória inerente à sua persecução.

O DIREITO PROBATÓRIO EM DELITOS

ECONÔMICOS

Com efeito, a atividade probatória sempre foi

tradicionalmente ligada ao conceito de verdade, como se

constatava na summa divisio que por séculos separou o

processo civil e o processo penal, relacionando-os,

respectivamente, às noções de verdade formal e de verdade

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material. Na filosofia do conhecimento, adotava-se a

concepção de verdade como correspondência.

Nesse contexto, a função da prova no processo era

bem definida. Seu papel seria o de transportar para o

processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos

litigantes. Daí dizer-se que a prova era concebida apenas

em sua função demonstrativa (cf. TARUFFO, Michele.

“Funzione della prova: la funzione dimostrativa”, in Rivista

di Diritto Processuale, 1997).

O apego ferrenho a esta concepção gera a

compreensão de que uma condenação no processo só pode

decorrer da verdade dita “real” e da (pretensa) certeza

absoluta do juiz a respeito dos fatos. Com essa tendência,

veio também o correlato desprestígio da prova indiciária, a

circumstancial evidence de que falam os anglo-americanos,

embora, como será exposto a seguir, o Supremo Tribunal

Federal possua há décadas jurisprudência consolidada no

sentido de que os indícios, como meio de provas que são,

podem levar a uma condenação criminal.

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Contemporaneamente, chegou-se à generalizada

aceitação de que a verdade (indevidamente qualificada

como “absoluta”, “material” ou “real”) é algo inatingível

pela compreensão humana, por isso que, no afã de se obter

a solução jurídica concreta, o aplicador do Direito deve

guiar-se pelo foco na argumentação, na persuasão, e nas

inúmeras interações que o contraditório atual,

compreendido como direito de influir eficazmente no

resultado final do processo, permite aos litigantes, com se

depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabral (Il

principio del contraddittorio come diritto d'influenza e dovere di

dibattito. Rivista di Diritto Processuale, Anno LX, Nº2, aprile-

giugno, 2005, passim).

Assim, a prova deve ser, atualmente, concebida em

sua função persuasiva, de permitir, através do debate, a

argumentação em torno dos elementos probatórios trazidos

aos autos, e o incentivo a um debate franco para a formação

do convencimento dos sujeitos do processo. O que importa

para o juízo é a denominada verdade suficiente constante

dos autos; na esteira da velha parêmia quod non est in actis,

non est in mundo. Resgata-se a importância que sempre

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tiveram, no contexto das provas produzidas, os indícios, que

podem, sim, pela argumentação das partes e do juízo em

torno das circunstâncias fáticas comprovadas, apontarem

para uma conclusão segura e correta.

Essa função persuasiva da prova é a que mais bem se

coaduna com o sistema do livre convencimento motivado ou

da persuasão racional, previsto no art. 155 do CPP e no art.

93, IX, da Carta Magna, pelo qual o magistrado avalia

livremente os elementos probatórios colhidos na instrução,

mas tem a obrigação de fundamentar sua decisão,

indicando expressamente suas razões de decidir.

Aliás, o Código de Processo Penal prevê

expressamente a prova indiciária, assim a definindo no art.

239: Considera-se indício a circunstância conhecida e provada,

que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a

existência de outra ou outras circunstâncias.

Sobre esse elemento de convicção, Giovanni Leone

nos brinda com magistral explicação:

Presunção é a indução da existência de um

fato desconhecido pela existência de um

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fato conhecido, supondo-se que deva ser

verdadeiro para o caso concreto aquilo que

ordinariamente sói ser para a maior parte

dos casos nos quais aquele fato acontece.

(...)

A presunção é legal (praesumptio iuris seu

legis) se a ilação do conhecido ao

desconhecido é feita pela lei; por outro

lado, a presunção é do homem (praesumptio

facti, seu hominis, seu iudicis) se a ilação é

feita pelo juiz, constituindo, portanto, uma

operação mental do juiz.

(…)

No Direito Processual Penal não existem,

de regra, ficções e presunções legais (…).

Existe, ao contrário, a possibilidade de

inclusão, no processo penal, como em

qualquer outro processo, das presunções

hominis.

Ação Penal 470 Plenário

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A expressão máxima da

presunção hominis é dada pela prova

indiciária.

(Tradução livre do texto: Presunzione è

"l'induzione della esistenza di un fatto ignoto

da quella di un fatto noto, sul presupposto che

debba essere vero pel caso concreto ciò che

ordinariamente suole essere vero per la maggior

parte dei casi in cui quello rientra".(...)La

presunzione è legale (praesumptio iuris seu

legis) se la illazione dal noto all'ignoto è fatta

dalla legge; ovvero dell'uomo (praesumptio facti,

seu hominis, seu iudicis) se la illazione è fatta

dal giudice, costituendo pertanto una operazione

mentale del giudice.(...)Nel diritto processuale

penale nonesistono, di regola, finzioni e

presunzioni legali (...). Trovano invece

possibilità di inserimento nel processo penale,

come in ogni altro processo, le presunzioni

hominis.L'espressione massima della

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presunzione hominis è data dalle prove

indiziarie. )

(LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto

Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa

Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161-

162).

No mesmo sentido, Nicola Malatesta, para quem,

pela prova indiciária, alcança-se determinada conclusão

sobre um episódio através de um processo lógico-

construtivo; mais precisamente: “o indício é aquele argumento

probatório indireto que deduz o desconhecido do conhecido por

meio da relação de causalidade” (MALATESTA, Nicola

Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. Trad.

J. Alves de Sá. Campinas: Servanda Editora, 2009, p. 236).

Assim é que, através de um fato devidamente

provado que não constitui elemento do tipo penal, o

julgador pode, mediante raciocínio engendrado com

supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela

ocorrência de circunstância relevante para a qualificação

penal da conduta.

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Aliás, a força instrutória dos indícios é bastante para a

elucidação de fatos, podendo, inclusive, por si próprios, o

que não é apenas o caso dos autos, conduzir à prolação de

decreto de índole condenatória. (cf. PEDROSO, Fernando

de Almeida. Prova penal: doutrina e jurisprudência. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 90-91).

Neste sentido, este Egrégio Plenário, em época

recente, decidiu que “indícios e presunções, analisados à luz do

princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros,

indutivos e não contrariados por contraindícios ou por prova

direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente” (AP 481,

Relator: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em

08/09/2011). Idêntica a orientação da Primeira Turma do

Supremo Tribunal Federal, cabendo a referência aos

seguintes julgado:

“O princípio processual penal do favor rei

não ilide a possibilidade de utilização de

presunções hominis ou facti, pelo juiz, para

decidir sobre a procedência do ius puniendi,

máxime porque o Código de Processo Penal

prevê expressamente a prova indiciária,

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definindo-a no art. 239 como “a

circunstância conhecida e provada, que, tendo

relação com o fato, autorize, por indução,

concluir-se a existência de outra ou outras

circunstâncias”. Doutrina (LEONE,

Giovanni. Trattato di Diritto Processuale

Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott.

Eugenio Jovene, 1961. p. 161-162).”

(HC nº 111.666, Relator: Min. Luiz Fux,

Primeira Turma, julgado em 08/05/2012)

CONDENAÇÃO - BASE. Constando do

decreto condenatório dados relativos a

participação em prática criminosa, descabe

pretender fulminá-lo, a partir de alegação

do envolvimento, na espécie, de simples

indícios.

(HC 96062, Relator: Min. Marco Aurélio,

Primeira Turma, julgado em 06/10/2009)

Em idêntico sentido: HC nº 83.542, Relator: Min.

Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em

Ação Penal 470 Plenário

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09/03/2004; HC nº 83.348, Relator: Min. Joaquim Barbosa,

Primeira Turma, julgado em 21/10/2003.

As digressões ora engendradas se justificam porque,

nesses delitos econômicos e sofisticados, unem-se as forças

das provas diretas e dos indícios.

No Direito Comparado, no qual se abeberam nossos

juristas, também se perfilha entendimento semelhante.

Assim é que a utilização da prova indiciária para embasar a

sentença penal condenatória é admitida, v. g., em Portugal,

cujo Supremo Tribunal de Justiça já decidiu:

“IV - A prova nem sempre é directa, de

percepção imediata, muitas vezes é baseada em

indícios.

V - Indícios são as circunstâncias conhecidas e

provadas a partir das quais, mediante um

raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém

a conclusão, firme, segura e sólida de outro

facto; a indução parte do particular para o geral

e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma

força que a testemunhal, a documental ou outra.

Ação Penal 470 Plenário

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VI - A prova indiciária é suficiente para

determinar a participação no facto punível se da

sentença constarem os factos-base (requisito de

ordem formal) e se os indícios estiverem

completamente demonstrados por prova directa

(requisito de ordem material), os quais devem

ser de natureza inequivocamente acusatória,

plurais, contemporâneos do facto a provar e,

sendo vários, estar interrelacionados de modo a

que reforcem o juízo de inferência.

VII - O juízo de inferência deve ser razoável,

não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar

a lógica da experiência e da vida; dos factos-base

há-de derivar o elemento que se pretende provar,

existindo entre ambos um nexo preciso, directo,

segundo as regras da experiência.”

(Portugal, Supremo Tribunal de Justiça,

Processo nº 07P1416, nº convencional

JST000, nº do documento

SJ200707110014163, relator Armindo

Monteiro, data do acórdão 11/07/2007)

Ação Penal 470 Plenário

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Consectariamente, o quadro probatório dos autos,

composto das provas orais, documentais e periciais são

suficientes para lastrear uma decisão justa e atenta às

garantias penais e processuais.

Advirta-se que a presunção de não culpabilidade

somente atua como um peso em favor do acusado no

momento da prolação da sentença de mérito. É dizer: se,

para a sentença absolutória, existe um relaxamento na

formação da convicção e na fundamentação do juiz, na

sentença condenatória, deve o magistrado romper esta força

ou peso estabelecido pelo ordenamento em sentido

contrário. Em suma: a presunção de não culpabilidade pode

ser ilidida até mesmo por indícios que apontem a real

probabilidade da configuração da conduta criminosa. A

condenação, na esteira do quanto já exposto, não necessita

basear-se em verdades absolutas, por isso que os indícios

podem ter, no conjunto probatório, robustez suficiente

para que se pronuncie um juízo condenatório.

O critério de que a condenação tenha que provir de

uma convicção formada para “além da dúvida razoável”

não impõe que qualquer mínima ou remota possibilidade

Ação Penal 470 Plenário

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aventada pelo acusado já impeça que se chegue a um

juízo condenatório. Toda vez que as dúvidas que surjam

das alegações de defesa e das provas favoráveis à versão

dos acusados não forem razoáveis, não forem críveis diante

das demais provas, pode haver condenação. Lembremos

que a presunção de não culpabilidade não transforma o

critério da “dúvida razoável” em “certeza absoluta”.

Nesse cenário, caberá ao magistrado criminal

confrontar as versões de acusação e defesa com o contexto

probatório, verificando se são verossímeis as alegações de

parte a parte diante do cotejo com a prova colhida. Ao

Ministério Público caberá avançar nas provas ao ponto

ótimo em que o conjunto probatório seja suficiente para

levar a Corte a uma conclusão intensa o bastante para que

não haja dúvida, ou que esta seja reduzida a um patamar

baixo no qual a versão defensiva seja “irrazoável”,

inacreditável ou inverossímil.

Nesse contexto, a defesa deve trazer argumentos

devidamente provados que infirmem as ilações articuladas

pela acusação. A simples negativa genérica é incapaz de

desconstruir o itinerário lógico que leva prima facie à

Ação Penal 470 Plenário

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condenação. Como é de sabença geral, a prova do álibi

incumbe ao réu, nos termos do que dispõe o art. 156 do

Código de Processo Penal (“A prova da alegação incumbirá a

quem a fizer [...]”). Assim também a remansosa

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sendo de

rigor consignar os seguintes arestos:

EMENTA: - PENAL. PROCESSUAL

PENAL. HABEAS CORPUS. JÚRI:

SOBERANIA. CF, ART. 5º, XXXVIII. CPP,

ART. 593, III, d. ÁLIBI: ÔNUS DA PROVA.

CPP, ART. 156. I. - A soberania dos

veredictos do Tribunal do Júri não exclui a

recorribilidade de suas decisões, quando

manifestamente contrárias à prova dos

autos (CPP, art. 593, III, d). Provido o

recurso, o réu será submetido a novo

julgamento pelo Júri. II. - Cabe à defesa a

produção de prova da ocorrência de álibi

que aproveite ao réu (CPP, art. 156). III. -

HC indeferido.

Ação Penal 470 Plenário

29

(HC 70742, Relator Min. Carlos Velloso,

Segunda Turma, julgado em 16/08/1994, DJ

30-06-2000)

EMENTA: HABEAS CORPUS - ALIBI -

CIRCUNSTANCIA INVOCADA APÓS A

CONDENAÇÃO - CONTRADIÇÃO COM

OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA -

IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DESSA

MATÉRIA EM SEDE DE HABEAS

CORPUS - ALEGAÇÃO DE

CERCEAMENTO DE DEFESA -

INOCORRENCIA - ORDEM DENEGADA.

- O álibi, enquanto elemento de defesa,

deve ser comprovado, no processo penal

condenatório, pelo réu a quem seu

reconhecimento aproveita. - O habeas

corpus não constitui sede processualmente

adequada ao reconhecimento do álibi se

este se revela incompatível com a prova

produzida, sob o crivo do contraditório, no

procedimento penal. - É licita a audiência

Ação Penal 470 Plenário

30

de instrução quando, ausente o Advogado

constituído, que fora regularmente

intimado de sua realização, vem o réu a ser

assistido por defensor dativo designado

pelo Juiz processante.

(HC 68964, Relator Min. Celso de Mello,

Primeira Turma, julgado em 17/12/1991, DJ

22-04-1994)

A lição é idêntica em sede doutrinária. Tratando do

álibi, preleciona Damásio de Jesus que “[q]uem alega deve

prová-lo, sob pena de confissão” (Código de Processo Penal

anotado. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 187).

Ora, se a prova deve ser compreendida em sua

função persuasiva, é na argumentação do processo que se

deve buscar o convencimento necessário aos magistrados

para o teste probatório às alegações das partes. E um

conjunto probatório seguro, cuja elaboração, decorrente do

debate processual, seja apta a reconstruir os fatos da vida e

apontar para a ocorrência dos fatos alegados pelo

Ministério Público, é o suficiente para extirpar qualquer

Ação Penal 470 Plenário

31

“dúvida razoável” que as alegações de defesa tentavam

impingir na convicção do julgador.

Isso é especialmente importante em contextos

associativos, no qual os crimes ou infrações administrativas

são praticados por muitos indivíduos consorciados, nos

quais é incomum que se assinem documentos que

contenham os propósitos da associação, e nem sempre se

logra filmar ou gravar os acusados no ato de cometimento

do crime. Fato notório, e notoria non egent probatione, todo

contexto de associação pressupõe ajustes e acordos que são

realizados a portas fechadas.

Neste sentido, por exemplo, a doutrina norte-

americana estabeleceu a tese do “paralelismo consciente”

para a prática de cartel. Isso porque normalmente não se

assina um “contrato de cartel”, basta que se provem

circunstâncias indiciárias, como a presença simultânea dos

acusados em um local e a subida simultânea de preços, v. g.,

para que se chegue à conclusão de que a conduta era ilícita,

até porque, num ambiente econômico hígido, a subida de

preços, do ponto de vista de apenas um agente econômico,

seria uma conduta irracional economicamente. Portanto, a

Ação Penal 470 Plenário

32

conclusão pela ilicitude e pela condenação decorre de um

conjunto de indícios que apontem que a subida de preços

foi fruto de uma conduta concertada.

No mesmo diapasão é a prova dos crimes e infrações

no mercado de capitais. São as circunstâncias concretas,

mesmo indiciárias, que permitirão a conclusão pela

condenação. Na investigação de insider trading (uso de

informação privilegiada e secreta antes da divulgação ao

mercado de fato relevante): a baixa liquidez das ações; a

frequência com que são negociadas; ser o acusado um

neófito em operações de bolsa; as ligações de parentesco e

amizade existentes entre os acusados e aqueles que tinham

contato com a informação privilegiada; todas estas e outras

são indícios que, em conjunto, permitem conclusão segura a

respeito da ilicitude da operação.

AS PROVAS COLHIDAS EM INVESTIGAÇÕES

PRELIMINARES E O CONTRADITÓRIO

O contraditório e a prova representam binômio

inseparável, o que foi objeto de todas as sustentações. Nesse

contexto, há que se enfrentar o tema da eficácia das provas

Ação Penal 470 Plenário

33

colhidas em procedimentos preliminares de investigação,

como Comissões Parlamentares de Inquérito e inquéritos

policiais.

As CPIs são comissões temporárias do Legislativo

nacional, destinadas à apuração de dados relativos a fatos

determinados e relevantes, com o fito de posterior

promoção da responsabilidade cível, criminal e política de

eventuais envolvidos. De acordo com a doutrina do insigne

jurista Luís Roberto Barroso, a fórmula “poderes de

investigação próprios das autoridades judiciais”, constante

do art. 58, § 3º, da Constituição, “atribui às comissões

parlamentares de inquérito competências instrutórias amplas, que

incluem a possibilidade de (i) determinar diligências, (ii) convocar

testemunhas (que têm o dever de dizer a verdade, sob pena de

crime de falso testemunho), (iii) ouvir indiciados (quando estes

não optem pelo silêncio), (iv) requisitar documentos públicos, (v)

determinar a exibição de documentos privados, (vi) convocar

ministros de Estado e outras autoridades públicas, (vii) realizar

inspeções pessoais, transportando-se aos locais necessários”

(Temas de Direito Constitucional. V. I. São Paulo: Renovar,

2001. p. 138).

Ação Penal 470 Plenário

34

O inquérito policial é um procedimento

administrativo pré-processual que tem por objetivo colher

elementos aptos à formação da opinio delicti do órgão

acusador sobre a autoria e a materialidade do crime, seja

pela sua configuração, seja pela sua não ocorrência.

Precisamente em razão desse viés unilateral, como

preleciona Bruno Bodart, “a participação do investigado no

procedimento pré-processual não se fundamenta no princípio do

contraditório” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Inquérito

policial, democracia e Constituição – modificando

paradigmas. In: Revista Eletrônica de Direito Processual,

vol. III, ano 2, jan.-jul. 2009, Rio de Janeiro. p. 133).

Os elementos amealhados no curso desses

procedimentos preliminares, todavia, não ficam

permanentemente alijados da apreciação judicial em futuro

processo.

A uma, porque estes elementos podem ser

confirmados, sob o crivo do contraditório, no curso do

processo penal, adquirindo, desse modo, a eficácia

necessária para embasar um decreto condenatório. É o caso,

deveras comum, da testemunha que ratifica em juízo todas

Ação Penal 470 Plenário

35

as declarações prestadas em sede preliminar, oportunidade

na qual o réu exerce em plenitude o seu direito de defesa. A

prova, para todos os efeitos, passa a ser processual, na

esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal

(v. HC nº 83.348, Relator: Min. Joaquim Barbosa, Primeira

Turma, julgado em 21/10/2003).

A duas, em razão da expressa exceção contida na

parte final do art. 155 do Código de Processo Penal, que

autoriza que o magistrado fundamente a sua decisão nos

elementos informativos colhidos na investigação quando

cuidar-se de “provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Por fim, há que se ter em mente que o mesmo art. 155

do CPP apenas proíbe que o juiz fundamente ”sua decisão

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na

investigação”, não impedindo a utilização de elementos pré-

processuais quando acompanhados e corroborados por

provas produzidas em juízo. Esta também a pacífica

jurisprudência deste Pretório Excelso, como se nota a partir

dos seguintes julgados:

Ação Penal 470 Plenário

36

“Os elementos colhidos no inquérito policial

podem influir na formação do livre

convencimento do juiz para a decisão da

causa quando complementados por outros

indícios e provas obtidos na instrução

judicial. Precedentes.”

(HC 104669, Relator: Min. Ricardo

Lewandowski, Primeira Turma, julgado em

26/10/2010)

“Os elementos do inquérito podem influir na

formação do livre convencimento do juiz

para a decisão da causa quando

complementam outros indícios e provas que

passam pelo crivo do contraditório em

juízo.”

(HC 102473, Relator: Min. Ellen Gracie,

Segunda Turma, julgado em 12/04/2011 –

assim tb. RE 425734 AgR, Relator: Min. Ellen

Gracie, Segunda Turma, julgado em

04/10/2005)

Ação Penal 470 Plenário

37

Superadas as questões prejudiciais probatórias, passo

às premissas teóricas referentes aos delitos em espécie.

LAVAGEM DE DINHEIRO

Incluindo as condutas narradas em seu item III, a

exordial acusatória imputa, no total, a prática de crimes de

lavagem de dinheiro a 36 (trinta e seis) dos 40 (quarenta)

denunciados. As acusações envolvem a interpretação e

aplicação dos incisos V, VI e VII do art. 1º da nº 9.613/98.

De proêmio, alerto que a recente alteração da Lei nº

9.613/98, operada pela Lei nº 12.683/2012, em vigor desde o

dia 10 de julho de 2012, não tem o condão de afetar este

julgamento. É que se trata de legislação destinada a alargar

o tipo penal da lavagem de dinheiro para abranger a

ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização,

disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos

ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de

qualquer tipo de infração penal. Não houve alteração das

penas cabíveis, de modo que as imputações lançadas na

exordial acusatória devem continuar sendo regidas pela

redação pretérita.

Ação Penal 470 Plenário

38

A lavagem de dinheiro, entendida como a prática de

conversão dos proveitos do delito em bens que não

podem ser rastreados pela sua origem criminosa, é prática

combatida no mundo todo. Não se deve perder de vista que

a atividade de lavagem de recursos criminosos é o grande

pulmão das mais variadas mazelas sociais, desde o tráfico

de drogas, passando pelo terrorismo, até a corrupção que

desfalca o Erário e deixa órfãos um sem-número de

cidadãos que necessitam dos serviços públicos (v. SATOW,

Joe Tadashi Montenegro. Segurança Pública. Núria Fabris,

2011). Saber de onde vem o dinheiro é, muitas vezes, o

único diagnóstico para identificar a prática de um crime e

o seu autor.

Além disso, conforme descreve Oliveira Ascensão, a

respeito do Direito Português, o branqueamento de capitais

(como é denominada a lavagem de dinheiro naquele país) é

um mal por si, pois o seu combate previne o

envenenamento de todo o sistema econômico-financeiro

(ASCENSÃO, J. Oliveira. Repressão da lavagem do

dinheiro em Portugal. In: Revista da EMERJ, v. 6, n. 22,

2003. p. 37). Estima-se que a lavagem de dinheiro envolva,

Ação Penal 470 Plenário

39

hoje, até 5% do PIB mundial, ou seja, até dois trilhões de

dólares – alguns dados chegam ao absurdo montante de

10% do PIB global (NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da

pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia

global. Trad. Sérgio Lopes. Jorge Zahar Editor Ltda, 2006. p.

130). A repressão à lavagem de dinheiro visa a prevenir a

contaminação da economia por recursos ilícitos, a

concorrência desleal, o zelo pela credibilidade e pela

confiança nas instituições.

Sendo assim, a dissimulação ou ocultação da

natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou

propriedade dos proveitos criminosos desafia censura

penal autônoma, para além daquela incidente sobre o

delito antecedente, tal como ocorre com a ocultação do

cadáver (art. 211 do Código Penal) subsequente a um

homicídio – não se opera a consunção de um crime pelo

outro.

Em sede doutrinária, o entendimento é idêntico:

“Com relação ao concurso de crimes, o

entendimento é de que há concurso

Ação Penal 470 Plenário

40

material com o crime antecedente. Então, o

agente que pratica o crime de lavagem de

dinheiro oriundo de atividade criminosa,

responde em concurso material pelo crime

de lavagem e pelo crime antecedente que

deu origem criminosa aos bens, valores ou

direitos. Essa não seria uma hipótese de

progressão criminosa, porque a autonomia

dos crimes está expressa na própria lei.”

(BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes

Federais. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. p. 594)

No Direito norte-americano, a doutrina costuma

distinguir três fases da lavagem de dinheiro (money

laundering). A primeira fase é a da “colocação” (placement)

dos recursos derivados de uma atividade ilegal em um

mecanismo de dissimulação da sua origem, que pode ser

realizado por instituições financeiras, casas de câmbio,

leilões de obras de arte, dentre outros negócios

aparentemente lícitos. Após, inicia-se a segunda fase, de

“encobrimento”, “circulação” ou “transformação”

Ação Penal 470 Plenário

41

(layering), cujo objetivo é tornar mais difícil a detecção da

manobra dissimuladora e o descobrimento da lavagem. Por

fim, dá-se a “integração” (integration) dos recursos a uma

economia onde pareçam legítimos (REUTER, Peter;

TRUMAN, Edwin M. Chasing Dirty Money: The Fight

Against Money Laundering. Washington: Peterson

Institute, 2004).

Uma vez que qualquer dessas fases tenha sido levada

a efeito, resta consumado o crime do art. 1º da nº 9.613/98,

não havendo que se cogitar da completude do ciclo para o

aperfeiçoamento do delito. Suficiente, portanto, para fins

de condenação, a prova da autoria e materialidade de uma

das etapas da lavagem de dinheiro.

Bem por isso, ao contrário do que sustentaram as

defesas dos réus, não se pode exigir da acusação a

demonstração de que os recursos retirados de um

mecanismo de lavagem de dinheiro equivalem, com exata

perfeição, aos bens de origem criminosa injetados na

economia regular. É que o dinheiro lícito e o ilícito não

reagem como água e óleo. Bens fungíveis que são, uma

vez reunidos em uma mesma economia, fica impossível

Ação Penal 470 Plenário

42

dissociar qual a parte advinda da atividade delituosa.

Afinal, é exatamente nesta tarefa de gerar a

impossibilidade de distinção que reside a atividade de

lavagem.

O elemento intencional necessário para a tipificação

do delito em comento é o dolo genérico, isto é, a vontade

consciente e dirigida à realização de uma ou algumas das

fases da lavagem de dinheiro. Rodolfo Tigre Maia, tecendo

considerações sobre o art. 1º da nº 9.613/98, lembra que

“[a]os moldes da lei portuguesa que inspirou o dispositivo, não se

exige qualquer outro elemento subjetivo (dolo específico da

doutrina tradicional) ou especial fim de agir, como requer, por

exemplo, o tipo de ‘branqueamento’ da legislação francesa (...) e,

no Direito brasileiro, na receptação ou no favorecimento” (MAIA,

Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (Lavagem de ativos

provenientes de crime) – Anotações às disposições

criminais da Lei n. 9.613/98. 2ª ed. São Paulo: Malheiros,

2007. p. 89).

Não se reclama que o órgão acusador comprove o

elemento anímico, sob pena de se lhe incumbir de um

mister impossível, verdadeira prova diabólica.

Ação Penal 470 Plenário

43

Exatamente no intuito de evitar a impunidade, a segunda

das quarenta recomendações do Grupo de Ação

Financeira sobre a Lavagem de Dinheiro (GAFI),

organismo internacional que estabelece padrões e

desenvolve e promove políticas de combate a essa espécie

de criminalidade, indica: “Os países deveriam assegurar que:

a) A intenção e o conhecimento requeridos para provar o crime de

branqueamento de capitais estão em conformidade com as normas

estabelecidas nas Convenções de Viena e de Palermo, incluindo a

possibilidade de o elemento intencional ser deduzido a

partir de circunstâncias factuais objectivas” (grifo nosso).

Deveras, basta, para o reconhecimento do dolo,

ainda que na sua modalidade eventual, que se comprove

que, pelas condições materiais em que praticado o delito,

há motivos suficientes para se inferir que o agente

desejava ocultar ou dissimular a natureza, origem,

localização, disposição, movimentação ou propriedade do

numerário, em relação ao qual, também pelas

circunstâncias objetivas dos fatos provados, conclua, o

magistrado, que o réu sabia ou devia saber ser

proveniente, direta ou indiretamente, de crime. Conforme

Ação Penal 470 Plenário

44

já decidiu esta Corte: “O dolo eventual compreende a hipótese

em que o sujeito não quer diretamente a realização do tipo penal,

mas a aceita como possível ou provável (assume o risco da

produção do resultado, na redação do art. 18, I, in fine, do CP).

(...) Faz-se imprescindível que o dolo eventual se extraia das

circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que

não se exige uma declaração expressa do agente” (HC

97252, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma,

julgado em 23/06/2009).

Outra não é a lição de Klaus Tiedemann, que

transcrevemos na íntegra:

“Na linha dos mais recentes acordos

internacionais, que devem ter uma especial

importância para o mundo anglo-

americano, há que se esclarecer, todavia,

que é sim admissível deduzir dolo a partir

das circunstâncias do fato. Não é que com

isso se retome a teoria do dolus ex re, mas

sim que isso se deriva da admissibilidade

processual da prova indiciária.”

Ação Penal 470 Plenário

45

(Tradução livre do trecho: “en la línea de los

más recientes acuerdos internacionales, que han

de tener una especial importancia para el mundo

anglo-americano, hay que aclarar todavía que sí

es admisible deducir dolo (etc) a partir de las

circunstancias del hecho. No es que con ello se

retome la teoría del dolus ex re, sino que esto se

deriva de la admisibilidad procesal de la prueba

indiciaria.” TIEDEMANN, Klaus.

Eurodelitos: El derecho penal económico en

la Unión Europea. Cuenca: Ediciones de la

Universidad de Castilla-La Mancha, 2004.

p. 15)

Outra objeção reiteradamente veiculada nas razões

de defesa dos acusados diz respeito à eficácia do inciso VII

do art. 1º da Lei nº 9.613/98. Alegam os réus, em suma, que

a inexistência de um crime intitulado “organização

criminosa” no ordenamento pátrio impediria a

aplicabilidade desta hipótese de lavagem de dinheiro.

O argumento, contudo, não resiste a uma análise mais

atenta, pois fundado em premissas equivocadas. Ao

Ação Penal 470 Plenário

46

contrário do que sustentam os defensores, a Lei nº 9.613/98

em momento algum prevê, como delito antecedente à

lavagem de dinheiro, um “crime de organização

criminosa”. Nem parece razoável acreditar que tenha sido a

intenção do legislador fazer referência a um crime que ele

mesmo não criou.

Em verdade, pune-se, por meio do inciso VII da

referida Lei, a lavagem de dinheiro que tenha como

antecedente o crime “praticado por organização criminosa”,

algo absolutamente distinto da figura delitiva suscitada

pela defesa. Por exemplo, sabe-se que o crime de roubo (art.

157 do CP) não era contemplado no rol de crimes

antecedentes da Lei nº 9.613/98, antes da sua recente

alteração pela Lei nº 12.683/2012. Entretanto, a ocultação ou

dissimulação da origem, natureza, localização, disposição

ou propriedade de ativos provenientes de crimes de roubo

praticados por uma organização criminosa configura,

indubitavelmente, o delito de lavagem de dinheiro.

Por essa razão, é perfeitamente possível considerar

como antecedente da lavagem o crime, seja qual for a sua

natureza, praticado por uma organização criminosa. A

Ação Penal 470 Plenário

47

expressão “organização criminosa” é prevista não como

objeto, ou seja, como o crime antecedente em si, tratando-

se, isso sim, do sujeito ativo responsável pela consecução

do delito antecedente.

O art. 1º, VII, da Lei nº 9.613/98, no que concerne à

concepção do termo organização criminosa, é

complementado por duas normas, uma de maior

abrangência e outra de espectro mais restrito. São elas o

artigo 2 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime

Organizado Transnacional e o art. 288 do Código Penal.

Assim, conforme já reconhecido por este Pretório

Excelso, o conceito de “organização criminosa”, para fins de

complementação do tipo previsto na Lei de Lavagem de

Dinheiro, pode ser extraído da Convenção das Nações

Unidas contra o Crime Organizado Transnacional,

cognominada “Convenção de Palermo”, promulgada pelo

Decreto nº 5.015 de 12 de março de 2004 (Inq nº 2786,

Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno,

julgado em 17/02/2011). Eis o que dispõe o seu artigo 2:

Artigo 2

Ação Penal 470 Plenário

48

Terminologia

Para efeitos da presente Convenção,

entende-se por:

a) "Grupo criminoso organizado" - grupo

estruturado de três ou mais pessoas,

existente há algum tempo e atuando

concertadamente com o propósito de

cometer uma ou mais infrações graves ou

enunciadas na presente Convenção, com a

intenção de obter, direta ou indiretamente,

um benefício econômico ou outro benefício

material;

b) "Infração grave" - ato que constitua

infração punível com uma pena de privação

de liberdade, cujo máximo não seja inferior

a quatro anos ou com pena superior;

c) "Grupo estruturado" - grupo formado de

maneira não fortuita para a prática

imediata de uma infração, ainda que os

seus membros não tenham funções

Ação Penal 470 Plenário

49

formalmente definidas, que não haja

continuidade na sua composição e que não

disponha de uma estrutura elaborada;

Frise-se que este Supremo Tribunal Federal tem

longeva jurisprudência no sentido de reconhecer aos

tratados e convenções internacionais devidamente

internalizados ao ordenamento brasileiro o mesmo status

conferido às leis ordinárias (RE nº 80.004, Relator: Min.

Xavier de Albuquerque, Tribunal Pleno, julgado em

01/06/1977; ADI nº 1.480 MC, Relator: Min. Celso de Mello,

Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997).

A integração da norma penal em branco, no caso, é

feita por diploma que também tem caráter legal, não

havendo que se cogitar de qualquer afronta ao princípio da

legalidade. Klaus Tiedemann assevera que as normas

penais em branco (Blankettstrafgesetze) são o meio típico e

mais importante à disposição da técnica legislativa no

Direito Penal econômico (TIEDEMANN, Klaus – Tecnica

legislativa nel Diritto Penale Economico. Trad. Claudia

Kaufmann. In: Rivista Trimestrale di Diritto Penale

Dell’economia, ano XIX, n. 1-2, jan.-jun. 2006, CEDAM. p.

Ação Penal 470 Plenário

50

2). Abanto Vásquez alerta que essa técnica da norma penal

“em branco” e, portanto, lex dixit quam voluit, é a adequada

para conseguir o objetivo final: a proteção suficiente dos

bens jurídicos que o legislador considere importantes

(ABANTO VÁSQUEZ, Manuel A. Derecho Penal

Económico – consideraciones jurídicas y económicas. Lima:

IDEMSA, 1997. p. 24).

Além do conceito previsto na Convenção de Palermo,

o art. 1º, VII, da Lei de Lavagem de Dinheiro também é

complementado pelo art. 288 do Código Penal, que prevê a

quadrilha ou bando, modalidade de organização criminosa

há muito conhecida no Direito Penal brasileiro, nos

seguintes termos: “Associarem-se mais de três pessoas, em

quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”. Sobre o

tema, afirma Rodolfo Tigre Maia, fazendo menção ao

idêntico posicionamento de Mirabete, que, para

determinar-se a presença de uma organização criminosa,

“bastará – tão somente – a presença dos requisitos

tradicionalmente exigíveis para o crime descrito no art. 288 do

Código Penal, desde que associados à efetiva prática de pelo menos

Ação Penal 470 Plenário

51

um crime” (MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro. 2ª

ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 78).

Portanto, não procede a alegação de que o inciso VII

do art. 1º da Lei nº 9.613/98 era desprovido de eficácia antes

da internalização da Convenção de Palermo no

ordenamento pátrio – a complementação da norma já era

realizada, embora com espectro mais restrito, pelo art. 288

do Código Penal.

Ao acolher, no rol de delitos originários da lavagem

de dinheiro, cláusula abrangente de todos os delitos

perpetrados por organizações criminosas, posicionou-se a

lei brasileira na vanguarda da repressão mundial a esta

sorte de ilícitos. Como é sabido, as legislações de combate à

lavagem de dinheiro podem ser classificadas

historicamente em três gerações. A primeira diz respeito às

leis que previam somente o tráfico de drogas como delito

antecedente do branqueamento de capitais. A geração

subsequente é composta pelos diplomas que listam

diversos crimes que podem figurar como antecedentes da

lavagem. Por fim, na terceira geração de leis, qualquer

Ação Penal 470 Plenário

52

delito é apto a constituir antecedente da prática da lavagem

de dinheiro.

Oliveira Ascensão, a respeito da evolução legislativa,

ressalta manifestar-se “orientação internacional no sentido de

estender a incriminação ao branqueamento de capitais com origem

noutras actividades criminosas” (ASCENSÃO, J. Oliveira.

Repressão da lavagem do dinheiro em Portugal. In: Revista

da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003. p. 42).

A própria Convenção de Palermo exige de todos os

Estados-Partes, no seu art. 6º, n. 2, “a”, a extensão do crime

de lavagem de dinheiro ao maior número possível de

infrações subjacentes. Na Suíça, onde recentemente foi

aprovado um novo Código Penal, são antecedentes da

lavagem de dinheiro as infrações punidas com pena

privativa de liberdade superior a três anos (BERNASCONI,

Paolo. La criminalità economica nel nuovo codice penale

svizzero. In: Rivista Trimestrale di Diritto Penale

Dell’economia, ano XX, n. 1-2, jan.-jun. 2007, CEDAM. p.

10).

Ação Penal 470 Plenário

53

Ressalte-se, ainda, que a Lei nº 9.613/98, conforme já

indicado, foi recentemente alterada pela Lei nº 12.683/2012

para alinhar-se às legislações de terceira geração, em um

claro sinal de que a lavagem de dinheiro, seja qual for a

origem dos ativos, é prática reprovável e não tolerada pela

ordem jurídica brasileira.

Desta feita, proclamar a não incidência do inciso VII

do art. 1º da Lei nº 9.613/98 é caminhar na contramão da

história, restringindo indevidamente a imputação do crime

de lavagem de dinheiro, quando, na realidade, a norma

penal existente, devidamente complementada pela

Convenção de Palermo e pelo art. 288 do Código Penal,

permite a identificação de todos os elementos da sua

fattispecie.

CORRUPÇÃO PASSIVA, ATO DE OFÍCIO E “CAIXA

DOIS”

Ao tipificar a corrupção, em suas modalidades passiva

(art. 317, CP) e ativa (art. 333, CP), a legislação

infraconstitucional visa a combater condutas de inegável

ultraje à moralidade e à probidade administrativas, valores

Ação Penal 470 Plenário

54

encartados na Lei Magna como pedras de toque do regime

republicano brasileiro (art. 37, caput e § 4º, CRFB). A

censura criminal da corrupção é manifestação eloquente da

intolerância nutrida pelo ordenamento pátrio para com

comportamentos subversivos da res publica nacional. Tal

repúdio é tamanho que justifica a mobilização do arsenal

sancionatório do direito penal, reconhecidamente encarado

como ultima ratio, para a repressão dos ilícitos praticados

contra a Administração Pública e os interesses gerais que

ela representa.

Consoante a legislação criminal brasileira (CP, art.

317), configuram corrupção passiva as condutas de

“solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou

indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la,

mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal

vantagem”. Por seu turno, tem-se corrupção ativa no ato de

“oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público,

para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”

(CP, art. 333). Destaque-se o teor dos dispositivos:

Corrupção passiva

Ação Penal 470 Plenário

55

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou

para outrem, direta ou indiretamente, ainda

que fora da função ou antes de assumi-la,

mas em razão dela, vantagem indevida, ou

aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,

e multa.

§1º - A pena é aumentada de um terço, se,

em conseqüência da vantagem ou

promessa, o funcionário retarda ou deixa

de praticar qualquer ato de ofício ou o

pratica infringindo dever funcional.

§2º - Se o funcionário pratica, deixa de

praticar ou retarda ato de ofício, com

infração de dever funcional, cedendo a

pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou

multa.

Corrupção ativa

Ação Penal 470 Plenário

56

Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem

indevida a funcionário público, para

determiná-lo a praticar, omitir ou retardar

ato de ofício:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,

e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de

um terço, se, em razão da vantagem ou

promessa, o funcionário retarda ou omite

ato de ofício, ou o pratica infringindo dever

funcional.

Sobressai das citadas normas incriminadoras o nítido

propósito de o legislador punir o tráfico da função pública,

desestimulando o exercício abusivo dos poderes e

prerrogativas estatais. Como evidente, o escopo das normas

é penalizar tanto o corrupto (agente público), como o

corruptor (terceiro). Daí falar-se em crime de corrupção

passiva para a primeira hipótese, e crime de corrupção

ativa para a segunda.

Ação Penal 470 Plenário

57

Ainda que muitas vezes caminhem lado a lado, como

aspectos simétricos de um mesmo fenômeno, os tipos

penais de corrupção ativa e passiva são intrinsecamente

distintos e estruturalmente independentes, de sorte que a

presença de um não implica, desde logo, a caracterização de

outro. Isso fica evidente pelos próprios verbos que integram

o núcleo de cada uma das condutas típicas. De um lado, a

corrupção passiva pode configurar-se por qualquer das três

ações do agente público: (i) a solicitação de vantagem

indevida (“solicitar”), (ii) o efetivo recebimento de

vantagem indevida (“receber”) ou (iii) a aceitação de

promessa de vantagem indevida (“aceitar promessa”). De

outro lado, a corrupção ativa decorre de uma dentre as

seguintes condutas descritas no tipo de injusto: (i) o

oferecimento de vantagem indevida a funcionário público

(“oferecer”) ou (ii) a promessa de vantagem indevida a

funcionário público (“prometer”).

Assim é que, se o agente público solicita vantagem

indevida em razão da função que exerce, já se configura

crime de corrupção passiva, a despeito da eventual resposta

que vier a ser dada pelo destinatário da solicitação. Pode

Ação Penal 470 Plenário

58

haver ou não anuência do terceiro. Qualquer que seja o

desfecho, o ilícito de corrupção passiva já se consumou

com a mera solicitação de vantagem. De igual modo, se o

agente público recebe oferta de vantagem indevida

vinculada aos seus misteres funcionais, tem-se

caracterizado de imediato o crime de corrupção ativa por

parte do ofertante. O agente público não precisa aceitar a

proposta para que o crime se concretize. Trata-se, portanto,

de ilícitos penais independentes e autônomos.

Essa constatação implica, ainda, outra.

Note-se que em ambos os casos mencionados não

existe, para além da solicitação ou oferta de vantagem

indevida, nenhum ato específico e ulterior por qualquer

dos sujeitos envolvidos. A ordem jurídica considera

bastantes em si, para fins de censura criminal, tanto a

simples solicitação de vantagem indevida quanto o seu

mero oferecimento a agente público. É que tais

comportamentos já revelam, per se, o nítido propósito de

traficar a coisa pública, cujo desvalor é intrínseco, justificando

a apenação do seu responsável.

Ação Penal 470 Plenário

59

Um exemplo prosaico auxilia a compreensão do tema.

Um policial que, para deixar de multar um motorista

infrator da legislação de trânsito, solicita-lhe dinheiro,

incorre, de plano, no crime de corrupção passiva. O agente

público sequer necessita deixar de aplicar a sanção

administrativa para que o crime de corrupção se consume.

Basta que solicite vantagem em razão da função que exerce.

De igual sorte, se o motorista infrator é quem toma a

iniciativa e oferece dinheiro ao policial, aquele comete

crime de corrupção ativa. O agente público não precisa

aceitar a vantagem e deixar de aplicar a multa para, só

após, o crime de corrupção ativa se configurar. Ele se

materializa desde o momento em que houve a oferta de

vantagem indevida para determiná-lo a praticar, omitir ou

retardar ato de ofício.

Isso serve para demonstrar que o crime de corrupção

(passiva ou ativa) independe da efetiva prática de ato de ofício.

A lei penal brasileira, tal como literalmente articulada, não

exige tal elemento para fins de caracterização da corrupção.

Em verdade, a efetiva prática de ato de ofício configura

circunstância acidental na materialização do referido ilícito,

Ação Penal 470 Plenário

60

podendo até mesmo contribuir para sua apuração, mas

irrelevante para sua configuração.

Um exame cuidadoso da legislação criminal brasileira

revela que o ato de ofício representa, no tipo penal da

corrupção, apenas o móvel daquele que oferece a peita, a

finalidade que o anima. Em outros termos, é a prática possível

e eventual de ato de ofício que explica a solicitação de

vantagem indevida (por parte do agente estatal) ou o seu

oferecimento (por parte de terceiro).

E mais: não é necessário que o ato de ofício pretendido

seja, desde logo, certo, preciso e determinado. O

comportamento reprimido pela norma penal é a pretensão

de influência indevida no exercício das funções públicas,

traduzida no direcionamento do seu desempenho,

comprometendo a isenção e imparcialidade que devem

presidir o regime republicano.

Não por outro motivo a legislação, ao construir

linguisticamente os aludidos tipos de injusto, valeu-se da

expressão “em razão dela”, no art. 317 do Código Penal, e

da preposição “para” no art. 330 do Código Penal. Trata-se

Ação Penal 470 Plenário

61

de construções linguísticas com campo semântico bem

delimitado, ligado às noções de explicação, causa ou

finalidade, de modo a revelar que o ato de ofício, enquanto

manifestação de potestade estatal, existe na corrupção em

estado potencial, i.e., como razão bastante para justificar a

vantagem indevida, mas sendo dispensável para a

consumação do crime.

Voltando ao exemplo já mencionado, pode-se dizer

que é a titularidade de função pública pelo policial que

explica a solicitação abusiva por ele realizada ao motorista

infrator. Não fosse o seu poder de aplicar multa (ato de

ofício), dificilmente sua solicitação seria recebida com

alguma seriedade pelo destinatário. Da mesma forma, é a

simples possibilidade de deixar de sofrer a multa (ato de

ofício) que explica por que o motorista infrator se dirigiu ao

policial e não a qualquer outro sujeito. Em ambos os casos,

o ato de ofício funciona como elemento atrativo ou

justificador da vantagem indevida, mas jamais pressuposto

para a configuração da conduta típica de corrupção.

Não se pode perder de mira que a corrupção passiva é

modalidade de crime formal, assim compreendidos

Ação Penal 470 Plenário

62

aqueles delitos que prescindem de resultado naturalístico

para sua consumação, ainda que possam, eventualmente,

provocar modificação no mundo exterior, como mero

exaurimento da conduta criminosa. O ato de ofício, no

crime de corrupção passiva, é mero exaurimento do ilícito,

cuja materialização exsurge perfeita e acaba com a simples

conduta descrita no tipo de injusto.

Em síntese: o crime de corrupção passiva configura-se

com a simples solicitação ou o mero recebimento de

vantagem indevida (ou de sua promessa), por agente

público, em razão das suas funções, ou seja, pela simples

possibilidade de que o recebimento da propina venha a

influir na prática de ato de ofício. Já o crime de corrupção

ativa caracteriza-se com o simples oferecimento de

vantagem indevida (ou de sua promessa) a agente público

com o intuito de que este pratique, omita ou retarde ato de

ofício que deva realizar. Em nenhum caso a materialização

do ato de ofício integra a estrutura do tipo de injusto.

Antes que se passe à análise das particularidades do

caso sub examine, mister enfrentar uma construção muitas

vezes brandida da tribuna que, não fosse analisada com

Ação Penal 470 Plenário

63

cautela, poderia confundir o cidadão e embaraçar a correta

compreensão do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se

do argumento – improcedente, já adianto – de que, fosse o

ato de ofício dispensável no crime de corrupção passiva, os

Ministros do Supremo Tribunal Federal seriam todos

criminosos por receberem com alguma frequência livros e

periódicos de editoras e autores do meio jurídico. Noutras

palavras, a configuração do crime de corrupção passiva, tal

como articulado por alguns advogados, dependeria da

demonstração da ocorrência de um certo e determinado ato

de ofício pelo titular do munus público.

A estrutura do raciocínio é típica dos argumentos ad

absurdum, amplamente conhecidos e estudados pela lógica

formal. Assume-se como verdadeira determinada premissa

e dela se extraem consequências absurdas ou ridículas, o

que sugere que a premissa inicial deva estar equivocada.

Ocorre que, in casu, a reductio ad absurdum não tem o

condão de infirmar a conclusão quanto à desnecessidade de

efetiva prática de ato de ofício para configuração do crime

de corrupção passiva.

Ação Penal 470 Plenário

64

Com efeito, a dispensa da efetiva prática de ato de

ofício não significa que este seja irrelevante para a

configuração do crime de corrupção passiva. Consoante

consignado linhas atrás, o ato de ofício representa, no tipo

penal da corrupção, o móvel do criminoso, a finalidade que o

anima. Daí que, em verdade, o ato de ofício não precisa se

concretizar na realidade sensorial para que o crime de

corrupção ocorra. É necessário, porém, que exista em

potência, como futuro resultado prático pretendido, em

comum, pelos sujeitos envolvidos (corruptor e corrupto). O

corruptor deseja influenciar, em seu próprio favor ou em

benefício de outrem. O corrupto “vende” o ato em resposta

à vantagem indevidamente recebida. Se o ato de ofício

“vendido” foi praticado pouco importa. O crime de

corrupção consuma-se com o mero tráfico da coisa pública.

Nesse cenário, é indispensável, para caracterizar a

corrupção passiva, que o agente público, ao receber a

vantagem indevida, saiba para que ele está recebendo (para

praticar certo e específico ato de ofício). Os Ministros desta

Casa recebem livros que nunca solicitaram e de que muitas

vezes nunca ouviram falar. Do recebimento do livro não se

Ação Penal 470 Plenário

65

pode esperar que haja qualquer comportamento ou

favorecimento. Pelo contrário, é possível que o livro seja

utilizado justamente em sentido contrário àquele

pretendido, como forma de rebater as ideias nele lançadas,

apontando divergência de entendimentos.

Daí o engano da tese suscitada pela defesa. Os

Ministros do Supremo Tribunal Federal não cometem

qualquer crime simplesmente porque não mercanciam sua

função pública em troca de livros e periódicos jurídicos. De

fato, tais bens não tem o condão de influenciar o exercício

da prestação jurisdicional em qualquer sentido. Em outras

palavras, falta, na comparação esdrúxula sugerida da

tribuna, um ajuste mínimo de vontade entre o agente

público e a editora/autor do livro no sentido de influenciar,

de alguma maneira, o exercício da função pública.

Ressalte-se, ademais, que é totalmente despropositada

a comparação entre vultosos valores em pecúnia e alguns

poucos exemplares de livros. Se os réus da presente ação

penal tivessem recebido livros e periódicos jurídicos talvez

não estivessem figurando no polo passivo deste feito. A

práxis demonstra que é o dinheiro – e não os livros – que

Ação Penal 470 Plenário

66

são usados para “comprar” agentes públicos, subvertendo

os valores republicanos da nação brasileira.

Por fim, não se pode deixar de conceder que, embora

contra-intuitivo, o crime de corrupção passiva pode, sim, se

configurar a partir da entrega de livros ao agente público,

desde que demonstrado, por indícios robustos, que a

concessão do material foi motivada pela obtenção de algum

favorecimento no exercício da função pública.

PECULATO

A tutela jurídica da moralidade e da probidade

administrativas também se reflete na legislação

infraconstitucional pela tipificação do peculato como ilícito

criminal. Consoante o magistério de Damásio de Jesus, a

aludida figura típica consubstancia “modalidade especial de

apropriação indébita cometida por funcionário público ratione

officii. É o delito do sujeito que arbitrariamente faz sua ou desvia,

em proveito próprio ou de terceiro, a coisa móvel que possui

em razão do cargo, seja ela pertencente ao Estado ou a particular,

ou esteja sob sua guarda ou vigilância”. (JESUS, Damásio E.

de., Direito Penal, v.4. Parte especial: Dos crimes contra a

Ação Penal 470 Plenário

67

administração pública, 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 119-

122).

O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é

a confiança pública no escorreito e impessoal desempenho

das funções estatais, justificando a apenação daqueles que,

subvertendo essas finalidades, desviem ou apropriem-se de

dinheiro, valor ou qualquer bem cuja posse lhes tenha sido

atribuída em razão do exercício de munus público. Nesse

sentido, “sendo o crime de peculato um crime contra a

Administração Pública e não contra o patrimônio, o dano

necessário e suficiente para a sua consumação é o inerente à

violação do dever de fidelidade para a mesma administração,

associado ou não ao patrimonial” (MIRABETE, Júlio Fabbrini,

Código penal interpretado, 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2007, p.

2372).

O caput do artigo 312 do Código Penal brasileiro

criminaliza a conduta caracterizadora do peculato próprio,

que pode assumir duas distintas modalidades, quais sejam,

peculato-apropriação (1ª parte do dispositivo) e o peculato-

desvio (2ª parte do dispositivo).

Ação Penal 470 Plenário

68

O peculato-apropriação configura-se quando o

funcionário público apropria-se de dinheiro, valor ou

qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que

tem a posse em razão do cargo. O núcleo da conduta típica

é a apropriação indevida do bem possuído ratione officii.

Apropriação, por seu turno, significa assenhoramento, de

sorte que o agente público age como se o bem fosse seu,

retendo-o, consumindo-o ou dele dispondo.

O peculato-desvio, por seu turno, caracteriza-se

quando o agente estatal imprime à coisa destinação

diversa da exigida ou esperada, em proveito próprio ou

de outrem. O proveito a que se refere a lei tanto pode ser

material como moral, auferindo o agente qualquer

vantagem ainda que não de natureza econômica. Note-se

que, nesta hipótese, o núcleo da conduta típica é o desvio

de finalidade no emprego da coisa, cuja destinação in

concreto passa a diferir daquela para a qual foi confiada, em

proveito do próprio agente do Estado ou de terceiro.

Em ambas as hipóteses, é relevante destacar que o

dinheiro, a coisa ou o bem apropriado ou desviado não

precisa ser público para que o crime de peculato se

Ação Penal 470 Plenário

69

configure. Em verdade, o relato normativo é de clareza

meridiana ao reportar-se a “dinheiro, valor ou qualquer outro

bem móvel, público ou particular” (sem grifos no original). O

que figura indispensável é que o objeto tenha sido confiado

ao agente público em razão da sua qualidade. Daí por que a

caracterização do delito independe da natureza do bem, se

pública ou privada, bastando que se comprove que o agente

o possuía em razão das suas funções.

É nesse exato sentido a remansosa jurisprudência

desta Corte, cujos acórdãos, há pelo menos três décadas, já

registram a desnecessidade da natureza pública do bem

para a configuração do crime de peculato:

EMENTA. Penal. Peculato. Dinheiro

apreendido e, em seguida, apropriado por

agentes policiais, no exercício da função.

Delito configurado, já que, para a

realização do tipo do art. 312, caput, basta a

posse da coisa em razão do cargo, ainda que

a sua propriedade seja de particular. (HC nº

56.430-SP, rel. Min. Décio Miranda, Segunda

Ação Penal 470 Plenário

70

Turma, DJ de 07.11.1978, p. 8824 – sem grifos

no original).

EMENTA. Peculato. Configuração.

Irrelevância de serem particulares os bens

apropriados ou desviados, desnecessidade

de previa prestação de contas. Habeas

corpus denegado. (HC nº 56.998, rel. Min.

Xavier de Albuquerque, Primeira Turma, DJ

de 08.06.1979, p. 115 – sem grifos no

original).

As palavras pedagógicas do i. Min. Xavier de

Albuquerque merecem transcrição, in verbis:

“No peculato, a lesão patrimonial se

configura ainda quando a coisa apropriada,

ou desviada, pertença ao patrimônio

particular, como na hipótese destes autos. É

o que diz o art. 312 caput quando se refere a

‘valor ou qualquer outro bem móvel, público

ou particular’ ... (Grifamos). O que importa é

que a apropriação ou o desvio tenha por

Ação Penal 470 Plenário

71

objeto bens possuídos ‘em razão do cargo’.

E, no caso, isso igualmente se deu”.

Outra conclusão relevante para a presente causa é a

de que o crime de peculato se configura ainda que o

desvio de finalidade ocorra de forma escamoteada ou

disfarçada. É o que se dá quando o agente público emprega

dinheiro, bens ou valores sob sua posse com a justificativa

formal de satisfazer necessidade de interesse público, sendo

que, sob o ângulo material, acabam por satisfazer interesse

particular, próprio ou de terceiro.

Comprovado o desvio em proveito próprio,

configurado estará o crime de peculato. Daí se concluir que

a forma pode, em um primeiro momento, camuflar a

realidade, mascarando o desvio da finalidade subjacente

ao emprego de dinheiro, bens ou valores cuja posse tenha

sido confiada a agentes estatais.

Aliás, uma análise mais detida da legislação penal

brasileira revela que dificilmente o peculato-desvio

caracteriza-se de plano, pelo emprego direto e imediato de

recursos sob custódia estatal em proveito particular,

Ação Penal 470 Plenário

72

próprio ou de terceiros. Caso isso ocorra, configura-se o

peculato-apropriação.

Em verdade, no peculato-desvio comumente nota-se

uma aparência de regularidade, traduzida na pretensa

realização do interesse público, seguida da sua efetiva e

concreta subversão, representada pelo desvio em proveito

particular, próprio ou de terceiro. Mister, portanto,

aprofundar a análise e perquirir sobre a real e efetiva

utilidade proporcionada pelos recursos utilizados pelo

funcionário público. Só após é que se pode afirmar a

configuração ou não do crime de peculato, aí entendido na

sua modalidade desvio.

Estabelecidas essas premissas teóricas, procedo à

análise das imputações feitas aos agentes.

Ação Penal 470 Plenário

73

DAS IMPUTAÇÕES

III.1 – CÂMARA DOS DEPUTADOS

JOÃO PAULO CUNHA (15º DENUNCIADO)

Da imputação de corrupção passiva (art. 317 c/c art. 327, §

2º, CP)

O acervo probatório afiança a tese ministerial, no

sentido de que o 15º denunciado (João Paulo Cunha),

exercendo o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados,

recebeu vantagem indevida na data de 4 de setembro de

2003, qual seja, o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),

como peita para beneficiar a empresa SMP&B Comunicação

em licitação pública (concorrência nº 11/03 da Câmara dos

Deputados, contrato nº 2003/204.0).

O recebimento da quantia, por intermédio de sua

esposa, foi confessado pelo próprio acusado, em seu

interrogatório (fls. 14.335).

Ação Penal 470 Plenário

74

Em oportunidades anteriores, o 15º denunciado (João

Paulo Cunha) havia negado o recebimento de qualquer

quantia, alegando que sua esposa comparecera ao Banco

Rural para tratar de pendências referentes a cobrança de

empresa de televisão por assinatura (informações prestadas

ao Conselho de Ética, fls. 10.697 do volume nº 50).

Entretanto, após a busca e apreensão de documentos que

evidenciaram o recebimento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil

reais) pela Sra. Márcia Regina Milanésio Cunha, passou o

15º denunciado (João Paulo Cunha) a sustentar que a verba

sacada fora enviada pelo 3º denunciado, com vistas ao

custeio de despesas da campanha da agremiação política a

que pertence à prefeitura de Osasco/SP. A divergência entre

as versões milita em favor da versão acusatória,

corroborada pelos demais elementos dos autos.

A fls. 325 do Apenso 07 consta o recibo assinado por

Márcia Regina Milanésio Cunha, referente ao saque de

cheque da empresa SMP&B.

A relação existente entre os réus envolvidos no

episódio foi explicitada pelo Ministro Relator e pelas provas

produzidas.

Ação Penal 470 Plenário

75

A testemunha Virgílio Guimarães confirmou, a fls.

20.085 e segs., as suas declarações de fls. 8.588 e segs.,

oportunidade em que relatou ter apresentado o 5º

denunciado (Marcos Valério) ao 15º denunciado (João Paulo

Cunha), bem como que o 5º denunciado (Marcos Valério)

participou, em 2002, da programação visual da propaganda

da campanha do 15º denunciado (João Paulo Cunha) à

Presidência da Câmara dos Deputados. O 15º denunciado

(João Paulo Cunha), no seu interrogatório de fls. 15.435,

noticiou a realização de reunião em hotel de São Paulo, na

qual estiveram presentes, além dele próprio, o 5º

denunciado (Marcos Valério), o 4º denunciado (Silvio

Pereira) e o Sr. Luís Costa Pinto. Disse também que, já como

Presidente da Câmara dos Deputados, participou de várias

reuniões com o 5º denunciado (Marcos Valério).

A especial intimidade verificada entre o 5º

denunciado (Marcos Valério) e o 15º denunciado (João

Paulo Cunha) resultou notória do episódio em que o

primeiro presenteou o segundo com uma caneta mont blanc,

bem como da oportunidade em que custeou uma viagem de

sua secretária ao Rio de Janeiro, incluindo passagens aéreas

Ação Penal 470 Plenário

76

e hospedagem. Os fatos foram confirmados pelo 5º

denunciado (Marcos Valério), em seu interrogatório de fls.

16.363, pela secretária do 15º denunciado (João Paulo

Cunha) (fls. 6.009/6.010) e pelo próprio 15º denunciado

(João Paulo Cunha) no interrogatório de fls. 14.337.

A conexão entre o recebimento da vantagem indevida

e a interferência na função pública exercida pelo 15º

denunciado (João Paulo Cunha) exsurge evidente.

Em primeiro lugar, constata-se que o montante foi

recebido ilicitamente na data de 4 de setembro de 2003,

enquanto que o edital da aludida concorrência foi

publicado 12 (doze) dias depois, data peculiarmente

próxima. Além disso, no dia 3 de setembro de 2003, véspera

do recebimento dos valores, houve uma reunião entre o 15º

denunciado (João Paulo Cunha) e o 5º denunciado (Marcos

Valério) na residência oficial da Câmara dos Deputados,

conforme assumido pelo próprio 15º denunciado (João

Paulo Cunha), em seu interrogatório de fls. 15.432. Não

fosse o bastante, conforme argutamente apontado pelo

Ministro Relator, na data de 12 de setembro de 2003, três

dias antes da assinatura do Edital de Concorrência nº

Ação Penal 470 Plenário

77

11/2003, a empresa Graffiti, do grupo econômico do 5º

denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz), obteve um

empréstimo de R$ 9.975.400,00 (nove milhões, novecentos e

setenta e cinco mil e quatrocentos reais), posteriormente

repassado à agremiação partidária a que pertence o 15º

denunciado (João Paulo Cunha), em uma sucessão de

acontecimentos, minudentemente explicitados pelo Relator,

que não se pode atribuir ao mero acaso.

Documentos comprovaram, também, uma reunião

entre o 15º denunciado (João Paulo Cunha), o 5º

denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado (Cristiano

Paz), na data de 16 de julho de 2003 (fls. 1.074). Essa reunião

precedeu em apenas alguns dias o ato da Presidência da

Câmara dos Deputados, assinado pelo 15º denunciado (João

Paulo Cunha) em 08 de agosto do mesmo ano, que deu

início ao procedimento licitatório.

O 15º denunciado (João Paulo Cunha) confirmou em

seu interrogatório (fls. 14.334) que, como Presidente da

Câmara dos Deputados, assinou o ato de nomeação da

Comissão Especial de licitação, responsável pela

Ação Penal 470 Plenário

78

contratação da SMP&B Comunicação. Desse modo, resta

afastado o argumento da defesa, no sentido de que o

acusado não teria poderes para interferir no certame

licitatório.

Cumpre referir que o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) foi apresentado, na antessala do Gabinete do

15º denunciado (João Paulo Cunha), ao Diretor da

Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados, Sr.

Márcio Marques de Araújo, aproximadamente em abril de

2003, de acordo com as declarações deste último (fls.

40.810). Márcio Marques de Araújo foi nomeado para o

cargo em fevereiro de 2003, justamente pelo 15º denunciado

(João Paulo Cunha), e posteriormente integrou a comissão

responsável pelo contrato administrativo ora questionado.

Outro dado que descredita as alegações defensivas

reside na circunstância de que a empresa SMP&B já havia

participado de licitação anterior para contratação com a

Câmara dos Deputados, oportunidade em que obteve

apenas o último lugar, tendo sido desclassificada por não

alcançar a nota mínima na avaliação técnica (fls. 568 e segs.

do volume nº 3 do apenso nº 84).

Ação Penal 470 Plenário

79

Conclui-se, assim, que o 15º denunciado (João Paulo

Cunha) recebeu vantagem indevida em razão das funções

exercidas na Presidência da Câmara dos Deputados.

O 15º denunciado (João Paulo Cunha) deduziu, em

sua defesa, que o valor recebido foi destinado ao custeio de

pesquisas eleitorais em Osasco/SP. A afirmação não infirma

a configuração do delito. A uma, porque o praeceptum iuris

do art. 317 do Código Penal contém o elemento subjetivo

especial do tipo “para si ou para outrem”, de modo que o

valor ilicitamente auferido pode também ser revertido para

destinações outras que não a imediata composição do

acervo econômico do agente, sem que com isso se desnature

a figura da corrupção passiva. A duas, porque, fosse o caso

de quantia pertencente ao Partido dos Trabalhadores e

licitamente revertida às suas atividades políticas, deveria

ter sido obtida e empregada nos estritos termos da

legislação eleitoral em vigor. De acordo com o art. 26, II, da

Lei nº 9.504/97, “São considerados gastos eleitorais, sujeitos a

registro e aos limites fixados nesta Lei: propaganda e publicidade

direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a

conquistar votos”. Não observada a legislação pertinente,

Ação Penal 470 Plenário

80

considera-se que a vantagem percebida pelo agente é

indevida, configurando-se o delito do art. 317, caput, do

Código Penal.

Da imputação de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII,

Lei nº 9.613/98)

Também há provas da autoria e da materialidade do

delito de lavagem de dinheiro, consistente na utilização da

estrutura ilícita de pagamentos por meio do Banco Rural

para o recebimento dos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)

configuradores da corrupção passiva. A esposa do 15º

denunciado (João Paulo Cunha) compareceu à agência do

Banco Rural no Shopping Brasília e recebeu a quantia em

espécie, conforme admitido pelo próprio acusado em juízo

(fls. 14.335).

Malgrado tenha refutado a origem ilícita dos

recursos, a versão apresentada pelo réu está em dissonância

com as provas dos autos, na medida em que o cheque

sacado estava em nome da SMP&B Propaganda e o

dinheiro foi recebido por interposta pessoa, em espécie. O

recibo assinado pela Sra. Márcia Regina Milanésio Cunha

Ação Penal 470 Plenário

81

consta a fls. 325 do Apenso nº 07. O registro dos dados da

esposa do 15º denunciado (João Paulo Cunha) foi realizado

informalmente, não tendo sido repassado aos órgãos

públicos de controle pertinentes. Todos os dados foram

obtidos coercitivamente, mediante cumprimento de

mandado de busca e apreensão.

Não é óbice ao reconhecimento da configuração do

crime da lavagem de dinheiro o fato de ter o 15º

denunciado (João Paulo Cunha) também praticado o crime

antecedente, de corrupção passiva. Os tipos penais são

independentes e tutelam bens jurídicos distintos, não

havendo consunção de um pelo outro.

O crime do art. 317 do Código Penal tutela a

moralidade administrativa, consumando-se com o

recebimento, solicitação ou aceitação de promessa de

vantagem indevida, pelo funcionário público, para si ou

para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da

função ou antes de assumi-la, mas em razão dela. Por sua

vez, o delito previsto no art. 1º da Lei nº 9.613/98 protege a

administração da justiça – sendo certo que a lavagem de

bens, direitos ou valores, dificulta a aplicação da lei penal,

Ação Penal 470 Plenário

82

por escamotear a materialidade do crime ou a sua autoria –

e a ordem econômica – reduzindo a confiança de

investidores no mercado financeiro e gerando a

concorrência desleal. Por isso, há incidência conjunta de

ambos os tipos penais, em concurso material.

No mesmo sentido, o Plenário desta Corte já teve a

oportunidade de decidir: “Não sendo considerada a lavagem de

capitais mero exaurimento do crime de corrupção passiva, é

possível que dois dos acusados respondam por ambos os crimes,

inclusive em ações penais diversas” (Inq nº 2.471, Relator: Min.

Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em

29/09/2011).

O recebimento dos valores por interposta pessoa é

suficiente para mascarar a origem, a localização e a

disposição do capital, pois, consoante a jurisprudência da

Casa, “o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação,

visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de

requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais

se ocupa a literatura” (RHC nº 80.816, Relator: Min.

Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em

18/06/2001, DJ 18-06-2001).

Ação Penal 470 Plenário

83

Alega o 15º denunciado (João Paulo Cunha), em sua

defesa, que a retirada do montante disponibilizado pela

estrutura de lavagem de dinheiro criada através do Banco

Rural não configuraria crime, na medida em que, conforme

alega, os valores já estariam lavados. A afirmativa não

procede.

A uma, porque a retirada do dinheiro por interposta

pessoa constitui, por si só, mecanismo destinado à

dissimulação da propriedade e da natureza dos valores

provenientes de crime. Vale dizer: o fato de a Sra. Márcia

Regina Milanésio Cunha ser jornalista, conjugado com a

sua identificação no recibo de fls. 325 do Apenso 07, foi

precisamente o artifício para a dissimulação da origem e

da natureza dos valores, fazendo parecer um normal

recebimento de verbas pagas por uma empresa de

publicidade a uma pessoa do ramo.

Nada obstante, sequer o registro do sacador foi

realizado de forma regular. A sistemática empreendida

pelos agentes formalizava a operação como se o sacador

fosse o próprio emitente do cheque. A adesão do agente a

semelhante sistemática, promovendo a retirada de elevada

Ação Penal 470 Plenário

84

quantia em espécie para burlar a fiscalização dos órgãos de

controle, atrai a incidência do delito de lavagem de

dinheiro.

Resulta dos elementos reunidos ao longo do processo

que o acusado dirigiu sua conduta finalisticamente à

dissimulação da origem dos valores provenientes dos

crimes de peculato e gestão fraudulenta, cometidos por

meio de uma organização criminosa (quadrilha),

configurando o tipo penal previsto no art. 1º, incisos V, VI e

VII, da Lei nº 9.613/98, verbis:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza,

origem, localização, disposição, movimentação

ou propriedade de bens, direitos ou valores

provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

V - contra a Administração Pública, inclusive a

exigência, para si ou para outrem, direta ou

indiretamente, de qualquer vantagem, como

condição ou preço para a prática ou omissão de

atos administrativos;

VI - contra o sistema financeiro nacional;

Ação Penal 470 Plenário

85

VII - praticado por organização criminosa.

Das imputações de peculato (art. 312 c/c art. 327, § 2º, CP,

duas vezes)

A exposição exauriente do voto do Relator legou

prova inequívoca da configuração do delito de peculato

desvio, por duas vezes, com a majorante em razão de o

agente tê-lo praticado no exercício de cargo de direção na

Administração.

O 15º denunciado (João Paulo Cunha) desviou em seu

proveito o valor de R$ 252.000,00 (duzentos e cinquenta e

dois mil reais), pertencente à Câmara dos Deputados, no

bojo da execução do contrato nº 2004/204.0, estabelecido

com a SMP&B Comunicação. Os valores dizem respeito à

contratação da empresa IFT Consultoria em Comunicação

& Estratégias, de propriedade de Luís Costa Pinto, em

30/01/2004 e em 30/06/2004. Em ambas as ocasiões, a

contratação foi autorizada pelo 15º denunciado (João Paulo

Cunha), no âmbito do contrato administrativo mantido com

a empresa SMP&B.

Ação Penal 470 Plenário

86

O Laudo de nº 1947/2009-INC dá conta de que a

subcontratação da empresa IFT Consultoria em

Comunicação & Estratégias foi irregular, na medida em que

as duas outras concorrentes no processo seletivo sequer

assinaram as propostas. Além disso, o mesmo laudo

comprova que a IFT Consultoria em Comunicação &

Estratégias não prestou os serviços para os quais foi

contratada, conclusão a que também chegou a Secretaria de

Controle Interno da Câmara dos Deputados, após

realização de auditoria (fls. 40.841 e segs.).

Não ilide essa conclusão o fato de que as notas fiscais

apresentadas pela IFT Consultoria em Comunicação &

Estratégias receberam o “atesto”, na medida em que metade

delas foi subscrita pelo Diretor da Secretaria de

Comunicação da Câmara dos Deputados, Sr. Márcio

Marques de Araújo, e o restante por subordinados a ele (cf.

Laudo de nº 1947/2009-INC). A fls. 40.809, Márcio Marques

de Araújo relata que foi nomeado em fevereiro de 2003 pelo

15º denunciado (João Paulo Cunha) para o cargo de Diretor

da Secretaria de Comunicação; no exercício deste cargo,

integrou a comissão de licitação e, na fase contratual,

Ação Penal 470 Plenário

87

requisitou a realização dos serviços, atestou o seu

respectivo cumprimento, bem como fiscalizou a gestão do

contrato.

Em verdade, como se depreende das provas

produzidas, a subcontratação do serviço teve o intuito de

permitir que Luís Costa Pinto, que realizou a assessoria de

imprensa da campanha do 15º denunciado (João Paulo

Cunha) para o cargo de Presidente da Câmara, continuasse

a prestar o mesmo trabalho em favor do acusado, agora

com custeio pela Câmara dos Deputados. O intuito

subjacente restou claro no interrogatório do 15º denunciado

(João Paulo Cunha) (fls. 14.338), que admitiu que o Sr. Luís

Costa Pinto participou consigo de reuniões para tratar das

eleições municipais de 2004.

A prova oral consistente na testemunha Flávio Elias

Pinto, servidor da Secretaria de Comunicação da Câmara

dos Deputados que integrou a comissão de licitação,

afirmou que Luís Costa Pinto “era um assessor de imprensa do

presidente, um assessor de comunicação social do

presidente” (fls. 42.215), evidenciando que a contratação

Ação Penal 470 Plenário

88

teve por objetivo único a prestação de serviços de cariz

pessoal ao 15º denunciado (João Paulo Cunha).

Conforme destacado pelo Ministro Relator, a

primeira contratação da empresa IFT, de propriedade do sr.

Luís Costa Pinto, ocorreu já na gestão do 15º denunciado

(João Paulo Cunha) na Presidência da Câmara dos

Deputados, no âmbito do contrato publicitário com a

agência Denison Brasil Ltda., e não na gestão anterior, como

sustentado pela defesa. Outro dado relevante é o de que a

DNA Propaganda, de propriedade do 5º denunciado

(Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e

do 7º denunciado (Cristiano Paz), havia custeado, em época

anterior à subcontratação ora questionada, os serviços

prestados por Luís Costa Pinto ao 15º denunciado (João

Paulo Cunha). Em suas declarações de fls. 42.331, Luís

Costa Pinto relatou ter participado de reuniões com o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) e com o 7º denunciado

(Cristiano Paz).

Desse modo, restou caracterizado o delito do art. 312,

caput, do Código Penal, na sua modalidade “desvio”,

considerando o valor pago à IFT por serviços prestados

Ação Penal 470 Plenário

89

para atender a interesses particulares do 15º denunciado

(João Paulo Cunha), que atingiu a quantia de R$ 252.000,00

(duzentos e cinquenta e dois mil reais).

Quanto ao segundo peculato, configurou-se com o

desvio de montante relacionado ao contrato estabelecido

entre a Câmara dos Deputados e a SMP&B Comunicação

(nº 2003204.0). Houve indevida subcontratação da

execução integral do objeto contratual pela SMP&B

Comunicação, que auferiu a remuneração por uma

atividade não prestada.

A prova da materialidade do crime encontra-se no

Laudo de nº 1947/2009-INC, no qual se conclui que “a

participação percentual da SMP&B na prestação de serviços de

criação ou de produção em relação às peças de publicidade e

propaganda foi ínfima”. A conclusão está em consonância

com o relatório de auditoria da 3ª Secretaria de Controle

Externo do Tribunal de Contas da União (fls. 22 do volume

nº 01 do apenso nº 84) e com o parecer da Secretaria de

Controle Interno da Câmara dos Deputados (fls. 40.826-

verso).

Ação Penal 470 Plenário

90

A autoria é evidenciada pelos documentos de fls.

37.461/37.523, nos quais consta que o 15º denunciado (João

Paulo Cunha) autorizou as subcontratações. A prova oral

restou uníssona, inclusive o depoimento de Márcio

Marques de Araújo, Diretor da Secretaria de Comunicação

à época, no sentido de que os processos de contratação

eram encaminhados ao Presidente da Câmara dos

Deputados para aprovação, e que a Presidência tinha

consciência do objeto subcontratado pela empresa SMP&B

(fls. 40.811). Deveras, os gastos da Câmara dos Deputados

com a execução do contrato com a SMP&B foram

drasticamente reduzidos após o término do mandato do 15º

denunciado (João Paulo Cunha), revelando que o indevido

dispêndio de dinheiro público resultou de suas

irregulares determinações.

O voto do Relator indicou, com minudências, todas as

autorizações concedidas pelo 15º denunciado (João Paulo

Cunha) e as comissões percebidas pela empresa do 5º

denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz) –

merecendo relevante destaque o fato de que houve, certa

Ação Penal 470 Plenário

91

feita, falsificação da assinatura de proposta de suposta

concorrente consultada para a cotação de preços necessária

à subcontratação; em outras diversas ocasiões, a empresa

SMP&B recebeu honorários sobre campanhas

desenvolvidas por servidores públicos, eventos delituosos

que, somados aos demais, de acordo com o Laudo nº

1947/2009-INC, geraram o desvio do valor de R$

1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete mil, oitocentos e

cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos).

A adequação típica é perfeita, em vista dos termos do

art. 312 do CPC, in fine, verbis: “Apropriar-se o funcionário

público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público

ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo,

em proveito próprio ou alheio”. O denunciado, com efeito,

detinha o poder de dispor dos valores desviados através da

contratação irregular, em função do exercício do cargo de

Presidente da Câmara dos Deputados.

A argumentação da defesa, no sentido de que o

Tribunal de Contas emitiu parecer pela regularidade do

contrato firmado entre a Câmara dos Deputados e a

SMP&B Comunicação, não procede. É que o aludido

Ação Penal 470 Plenário

92

parecer contrapõe-se à inequívoca prova dos autos,

suplantado que foi pelo laudo pericial produzido. Sob esse

enfoque, forçoso destacar as lições da doutrina gravitadas

em torno do crime de peculato:

“A consumação do peculato está sujeita a

prazos e a tomada de contas?

Não. A tomada de contas constitui um ato

regulamentar que a Administração realiza

quando se torna necessário, não vinculando

a consumação do crime. Desde que

apurado o desfalque, o delito poderá ser

demonstrado por qualquer meio. Os prazos

e a tomada de contas servirão apenas para

melhor demonstrar a prática delituosa, não

condicionando o momento consumativo do

delito.

A aprovação de contas pelo órgão

competente impede a existência do crime?

Não. Caso contrário, a aprovação de contas

constituiria requisito do delito. E a norma

Ação Penal 470 Plenário

93

do art. 312, como vimos, não a contém

como elementar.”

(JESUS, Damásio de. Direito Penal. 4º Vol.

12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 129)

Afiança esta conclusão o art. 21, II, da Lei nº 8.429/92,

que dispõe no sentido de que a aplicação das sanções por

improbidade administrativa independe “da aprovação ou

rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal

ou Conselho de Contas”. Se a rejeição das contas não é

pressuposto sequer da condenação por improbidade

administrativa, também não pode constituir requisito do

tipo penal, reprimenda de gravidade superior. No mesmo

sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,

sendo oportuno transcrever os seguintes arestos:

EMENTA: I. Denúncia: cabimento, com

base em elementos de informação colhidos

em auditoria do Tribunal de Contas, sem

que a estes - como também sucede com os

colhidos em inquérito policial - caiba opor,

para esse fim, a inobservância da garantia

Ação Penal 470 Plenário

94

ao contraditório. II. Aprovação de contas e

responsabilidade penal: a aprovação pela

Câmara Municipal de contas de Prefeito

não elide a responsabilidade deste por atos

de gestão. III. Recurso especial: art. 105, III,

c: a ementa do acórdão paradigma pode

servir de demonstração da divergência,

quando nela se expresse inequivocamente a

dissonância acerca da questão federal

objeto do recurso.

(Inq 1070, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA

PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em

24/11/2004, DJ 01-07-2005 PP-00006 EMENT

VOL-02198-01 PP-00142 RTJ VOL-00194-02

PP-00445)

EMENTA: - "Habeas corpus". Recurso

ordinário. - Improcedencia das alegações de

inepcia da denuncia e da falta de justa

causa. - Não e o "habeas corpus" o meio

processual idoneo ao exame aprofundado

de prova. - A aprovação de contas pelo

Ação Penal 470 Plenário

95

Tribunal de Contas da União não impede

que o Ministério Público apresente

denuncia, se entender que há, em tese,

crime em ato que integra a prestação de

contas aquele órgão de natureza

administrativa. Recurso ordinário a que se

nega provimento.

(RHC 71670, Relator(a): Min. MOREIRA

ALVES, Primeira Turma, julgado em

11/10/1994, DJ 20-10-1995 PP-35263 EMENT

VOL-01805-02 PP-00406)

Acrescem a tudo quanto foi exposto as informações

veiculadas no processo de cassação do 15º denunciado (João

Paulo Cunha) na Câmara dos Deputados, no sentido de que

normalmente os contratos desta Casa Parlamentar são

executados pelo órgão fiscalizador e pela Diretoria-Geral,

sendo que o contrato objeto da presente análise foi o único

no qual houve um expediente da Secretaria de

Comunicação à Presidência propondo a subcontratação de

empresas ou a realização de serviços diretamente pela

SMP&B Comunicação, seguindo-se um despacho do

Ação Penal 470 Plenário

96

Presidente autorizando a subcontratação ou o serviço e a

despesa correspondente (fls. 10.703/10.704).

Ante o exposto, é imperioso concluir que o 15º

denunciado praticou, por duas vezes, o crime de peculato-

desvio (art. 312, caput, do Código Penal), ambos com a

causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do

Código Penal.

MARCOS VALÉRIO (5º DENUNCIADO)

Da primeira imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)

As provas dos autos demonstraram que o acusado,

em conluio com o 6º e o 7º denunciados (Ramon Hollerbach

e Cristiano Paz), para assegurar que a empresa SMP&B

Propaganda, da qual era sócio, fosse beneficiada na

concorrência nº 11/03 da Câmara dos Deputados, contrato

nº 2003/204.0, dentre outras benesses, ofereceu e pagou ao

15º denunciado (João Paulo Cunha) a vantagem indevida

consistente no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),

na data de 4 de setembro de 2003. A fls. 325 do Apenso 07

consta o recibo assinado pela esposa do 15º denunciado

(João Paulo Cunha), constando como sacado do cheque a

Ação Penal 470 Plenário

97

SMPB Propaganda Ltda., de propriedade dos 5º, 6º e 7º

denunciados (Marcos Valério, Ramon Hollerbach e

Cristiano Paz).

O 15º denunciado (João Paulo Cunha), em seu

interrogatório de fls. 14.334 e segs., admitiu conhecer o 5º

denunciado (Marcos Valério) e o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach), bem como noticiou diversas reuniões

realizadas com o 5º denunciado (Marcos Valério), antes e

após assumir o cargo de Presidente da Câmara dos

Deputados.

Reforça a autoria delitiva o interrogatório do 15º

denunciado (João Paulo Cunha), no qual este confirmou

que o 5º denunciado (Marcos Valério) “passou na residência

oficial da Câmara dos Deputados na véspera da retirada dos

cinquenta mil reais” (fls. 15.432).

É oportuno rememorar a estreita relação entre o 5º

denunciado (Marcos Valério) e o 15º denunciado (João

Paulo Cunha), revelada, ad exemplum, com o fato de o

publicitário ter presenteado o segundo com uma caneta

mont blanc, bem como custeado uma viagem de sua

Ação Penal 470 Plenário

98

secretária, incluindo passagens aéreas e hospedagem, ao

Rio de Janeiro. Os fatos foram confirmados pelo 5º

denunciado (Marcos Valério), em seu interrogatório de fls.

16.363, pela secretária do 15º denunciado (João Paulo

Cunha) (fls. 6.009/6.010) e pelo próprio 15º denunciado

(João Paulo Cunha) no interrogatório de fls. 14.337, mercê

da robusta prova especificada no voto do relator, o qual

acolho na íntegra para concluir configurado o delito do art.

333 do Código Penal.

Da imputação de peculato (art. 312 do CP)

A instrução probatória ainda revelou a prática, pelo

5º denunciado, do delito de peculato, na modalidade

“desvio”. Ocorre peculato-desvio quando o funcionário

altera o destino do dinheiro, valor ou outro bem móvel,

público ou particular, de que tem a posse (ou detenção) em

razão do cargo. In casu, houve a contratação da SMP&B

Comunicação, pertencente aos 5º, 6º e 7º denunciados

(Marcus Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz), pela

Câmara dos Deputados, através do Contrato nº 2003204.0.

Todavia, o objeto contratual foi subcontratado na sua quase

totalidade, tendo sido auferido dinheiro público sem a

Ação Penal 470 Plenário

99

necessária contrapartida, configurando-se, com isso, o

desvio.

Malgrado a atividade publicitária possa ser dividida

em produção e criação, tal distinção em nada obsta a

configuração em peculato. É que, através dos custos

internos da Agência de publicidade, é possível constatar

aquilo que efetivamente foi produzido pela contratada e o

que foi terceirizado. Neste sentido, engendro rápido

remissão ao Laudo nº 1947/2009-INC que concluiu

taxativamente que (item 29), verbis:

“28. Dessa forma, os gastos comprovados

com os serviços de criação, além de outros

serviços prestados pela própria SMP&B, (...)

totalizaram R$ 17.091,00 (valor bruto).

Considerando que esse valor se refere ao

ressarcimento de 20% de seus custos

internos, esses totalizaram R$ 85.455,00

(valor dos serviços prestados, observados

como limite máximo desses valores os

previstos na tabela de preço do Sindicato

das Agências de Propaganda do Distrito

Ação Penal 470 Plenário

100

Federal). Os gastos com serviços

terceirizados, excluindo-se as veiculações,

totalizaram R$ 3.687.300,13 sem distinção

entre "criação" e "produção".

29. Assim, o percentual dos serviços

prestados pela própria SMP&B (R$

85.455,00) com relação aos serviços

terceirizados (R$ 3.687.300,13) corresponde

a 2,32%.”

Ante a parcela irrisória de serviços prestados

efetivamente pela empresa do 5º denunciado (Marcos

Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º

denunciado (Cristiano Paz), restou inegavelmente

descumprido o item 9.7 do Edital de Concorrência nº

11/2003, segundo o qual apenas seria lícita a “execução

parcial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a

preponderância da atuação da CONTRATADA na execução

do objeto como um todo”.

Nos termos da conclusão dos peritos (Laudo nº

1.947/2009, fls. 34.933-34.940), a SMP&B Comunicação

Ação Penal 470 Plenário

101

recebeu da Câmara dos Deputados a quantia de R$

1.092.479,22 (um milhão, noventa e dois mil, quatrocentos e

setenta e nove reais e vinte e dois centavos), mas a

remuneração líquida pelos serviços diretamente prestados

é de apenas R$ 14.621,41 (quatorze mil, seiscentos e vinte e

um reais e quarenta e um centavos). O montante desviado,

portanto, é de R$ 1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete

mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um

centavos).

Conforme dito alhures, o voto do Relator indicou,

com minudências, todas as autorizações concedidas pelo

15º denunciado (João Paulo Cunha) e as comissões

percebidas pela empresa do 5º denunciado (Marcos

Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º

denunciado (Cristiano Paz), sendo certa a prova de que, em

determinado caso, houve falsificação da assinatura de

proposta de suposta concorrente consultada para a cotação

de preços necessária à subcontratação; e que, em outras

diversas ocasiões, a empresa SMP&B recebeu honorários

sobre campanhas desenvolvidas por servidores públicos.

Ação Penal 470 Plenário

102

A condição de funcionário público, necessária para a

caracterização do crime do art. 312 do Código Penal, é

estendida ao 5º denunciado (Marcos Valério) a partir do 15º

denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou em

conluio, em razão do art. 30 do mesmo diploma, que

determina a comunicação das condições de caráter pessoal

quando elementares do crime.

RAMON HOLLERBACH (6º DENUNCIADO)

Da imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)

Em concurso com o 5º e o 7º denunciados (Marcos

Valério e Cristiano Paz), como indicam os elementos

probatórios produzidos, o 6º acusado (Ramon Hollerbach),

para assegurar que a empresa SMP&B Propaganda, da qual

era sócio, fosse beneficiada na concorrência nº 11/03 da

Câmara dos Deputados, contrato nº 2003/204.0, ofereceu e

pagou ao 15º denunciado (João Paulo Cunha), por

intermédio do 5º denunciado (Marcos Valério), a vantagem

indevida consistente no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta

mil reais), nas condições e sob a forma já mencionadas, com

a intermediação da esposa do parlamentar denunciado, na

Ação Penal 470 Plenário

103

data de 4 de setembro de 2003. A fls. 325 do Apenso 07

consta o recibo assinado pela esposa do 15º denunciado

(João Paulo Cunha), constando como sacado do cheque a

SMPB Propaganda Ltda.

Cumpre referir que o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach), à semelhança dos demais integrantes desse

tópico, foi apresentado, na antessala do Gabinete do 15º

denunciado (João Paulo Cunha), ao Diretor da Secretaria de

Comunicação da Câmara dos Deputados, Sr. Márcio

Marques de Araújo, conforme declarações deste último (fls.

40.810), responsável pelo contrato administrativo ora

questionado.

Em suas alegações finais, a defesa do 6º denunciado

(Ramon Hollerbach) sustentou a inexistência de elementos

probatórios nos autos conducentes à condenação pleiteada

pelo Parquet federal. Mais que isso, afirmou que a denúncia

limitara-se a descrever genericamente as condutas

praticadas pelo acusado, inexistindo qualquer

individualização de suas ações.

Ação Penal 470 Plenário

104

A tese defensiva, concessa venia, não merece ser

acolhida.

Demarque-se, ab initio, que a caracterização da autoria

do delito prescinde da realização, por parte do agente, de

todos os elementos objetivos do tipo penal. Como é sabido,

não apenas pela prática do verbo nuclear da fattispecie

criminal se verifica a autoria do delito.

O contexto probatório assenta a inequivocidade de

que as condutas praticadas pelo 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) e narradas na exordial acusatória, amoldam-se

ao crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal).

Com efeito, a moderna dogmática jurídico-penal

apregoa que os coautores são aqueles que, possuindo

domínio funcional do fato, desempenham uma

participação importante e necessária ao cometimento do

ilícito penal.

Nas palavras de Claus Roxin, principal artífice desta

teoria do domínio funcional do fato: “se pone de manifiesto

que entre las dos regiones periféricas del dominio de la acción y de

la voluntad, que atienden unilateralmente sólo al hacer exterior o

Ação Penal 470 Plenário

105

al efecto psíquico, se extiende um amplio espacio de actividad

delictiva, dentro del cual el agente no tiene ni otra classe de

dominio y sin embargo cabe plantear su autoria, esto es, los

supuestos de participación activa em la realización del delito em

los que la acción típica la lleva a cabo outro.” (ROXIN, Claus.

Autoría y Dominio del hecho em Derecho Penal. 7ª ed.

Barcelona: Marcial Pons, 2000, p. 305).

Em outras palavras, a atuação do coautor detém uma

função específica na execução do ilícito penal que possui

reflexos para o seu aperfeiçoamento, de sorte que a não

colaboração compromete o êxito do ilícito. Como bem

observa Johannes Wessels, “todo colaborador é aqui,

como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da

resolução comum para o fato e da realização comunitária

do tipo, de forma que as contribuições individuais

completam-se em um todo unitário e o resultado total

deve ser imputado a todos os participantes” (WESSELS,

Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, p. 121).

No mesmo sentido o magistério do Professor Titular

da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Batista,

Ação Penal 470 Plenário

106

quando preleciona que o domínio funcional do fato seria

aquele que “não se subordina à execução pessoal da conduta

típica ou de fragmento desta, tampouco deve ser pesquisado na

linha de uma divisão aritmética de um domínio “integral” do fato,

do qual tocaria a cada coautor certa fração. Considerando-se o fato

concreto, tal como se desenrola, o co-autor tem reais interferências

sobre o seu Se e o seu Como; apenas, face à operacional fixação de

papéis, não é o único a tê-las, a finalisticamente conduzir o

sucesso.” (BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. Uma

investigação sobre os problemas da Autoria e da

Participação no Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro:

Liber, 1979. p. 77. Grifo nosso).

É exatamente o critério do domínio funcional do fato

que demarca a fronteira entre a coautoria e a participação: na

coautoria, a natureza da contribuição deve ser de tal sorte

relevante que, sem ela, o fato punível não poderia ter sido

realizado. (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José

Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. vol

1. 7ª ed. São Paulo: RT, 2007. P. 577). Disso se depreende

que, ínsitas a esta modalidade de coautoria, encontram-se a

Ação Penal 470 Plenário

107

divisão de tarefas e a distribuição funcional dos papéis para

a consecução de um fato típico específico.

À luz da teoria da coautoria funcional, pode-se

considerar como autor do crime mesmo aquele que não

realizou diretamente qualquer dos elementos objetivos do

tipo. Revela-se suficiente, para fins de imputação, que a

conduta atribuída ao agente na divisão prévia de tarefas

contribua de forma determinante para o sucesso da

empreitada criminosa. Assim, não se exige do coautor

funcional a prática da conduta descrita no núcleo do tipo

penal, mas tão somente que a fração do ato executório por

ele praticada seja indispensável, diante das singularidades do

tipo penal e do caso concreto, para a consecução do

resultado delituoso.

No caso específico, a parcela de contribuição

atribuída ao 6º denunciado (Ramon Hollerbach) para o

êxito das pretensões criminosas do grupo, revelou-se

imprescindível à consumação do crime de corrupção passiva.

Senão vejamos.

Ação Penal 470 Plenário

108

Como visto, as relações entre o 6º denunciado

(Ramon Hollerbach) e o 15º denunciado (João Paulo Cunha)

se estreitaram quando a SMP&B Propaganda, empresa em

que aquele acusado figurava como sócio – os demais eram o

5º denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado

(Cristiano Paz) –, foi contratada para realizar a campanha

do 15º denunciado (João Paulo Cunha) à Presidência da

Câmara Baixa do Poder Legislativo.

Consta dos autos, a informação de que, ao longo do

ano de 2003, o 15º denunciado (João Paulo Cunha)

frequentemente se reunia com o 5º denunciado (Marcos

Valério) e com os seus sócios – o 7º denunciado (Cristiano

Paz) e o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) – para debater

assuntos atinentes às eleições municipais de 2004. Em seu

depoimento, de fls. 1.876/1.879, vol. 9, o 15º denunciado

(João Paulo Cunha) ratificou a veracidade de tais

informações. Na ocasião, afirmou: “ter se encontrado com o

Sr. MARCOS VALÉRIO, uma vez, no ano de 2003, em um hotel

da cidade de São Paulo/SP, onde se encontrava presente o Sr.

LUÍS COSTA PINTO, e foram tratados assuntos referentes às

campanhas eleitorais municipais do ano de 2004; Que ressalta que

Ação Penal 470 Plenário

109

um desses encontros ocorreu durante o café da manhã e que o Sr.

MARCOS VALÉRIO estava acompanhado de uma pessoa, do

qual não se recorda a identidade (...) Que não pode pormenorizar

os assuntos tratados nos mencionados encontros, todavia sustenta

que foram tratados assuntos de campanhas eleitorais de 2004.”.

O 15º denunciado (João Paulo Cunha), no seu

depoimento de fls. 15.434/15.436, reiterou que sua relação

com o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) remonta à sua

campanha para a Presidência da Câmara dos Deputados, e

que, desde então, a relação com o acusado e com os demais

sócios da SMP&B Propaganda foram se tornando mais

comuns e mais estreitas. O parlamentar declarou:

“(...) Que, na campanha para Presidente da

Câmara, conheceu o Sr. RAMON

HOLLERBACH; Que conheceu CRISTIANO

PAZ na sede da SMP&B em Belo Horizonte; (...)

Que o Sr. Luís Costa Pinto participou, com

o réu e terceiros, sobre as eleições

municipais de 2004; Que lembra de uma

reunião em São Paulo, em um hotel, em que

estavam presentes o Sr. Luís Costa Pinto,

Ação Penal 470 Plenário

110

MARCOS VALÉRIO, Sílvio Pereira e o Sr.

Antônio dos Santos [secretário do PT em São

Paulo]; Que a intenção de MARCOS VALÉRIO

com Luís Costa Pinto, e mais o representante de

outra empresa de publicidade de Minas Gerais,

era a criação de uma empresa, visando prestar

assessoria nas eleições municipais para

candidatos; Que, depois que foi eleito

Presidente da Câmara, teve várias reuniões

com MARCOS VALÉRIO, para discutir a

situação política do País; Que no início de

2003 as reuniões eram mais frequentes e

depois foram ficando mais escassas; (...) Que

a única vez que o PT repassou valores para o réu

foi os R$ 50.000,00 mencionados; Que não

ocorreu em nenhuma outra ocasião; (...)”

A propósito, em uma dessas reuniões, ocorrida no

ano de 2003, estavam presentes o 5º denunciado (Marcos

Valério), o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º

denunciado (Cristiano Paz), conforme o depoimento

prestado pelo 15º denunciado (João Paulo Cunha) (fls.

Ação Penal 470 Plenário

111

1.877) e as declarações de Luís Costa Pinto (fls.

42.317/42.346). Em determinado trecho do depoimento, o

15º denunciado (João Paulo Cunha) informou “(...) ter se

encontrado com o Sr. MARCOS VALÉRIO, uma vez, no ano de

2003, em um hotel na cidade de São Paulo/SP, onde se encontrava

presente o Sr. Luís Costa Pinto e foram tratados assuntos

referentes às campanhas municipais do ano de 2004”.

A seu turno, Luís Costa Pinto afirma que na reunião

estiveram presentes: “(...) desde o Marcos Coimbra, do Vox

Populi, até o Paulo Vasconcelos, que é ex-publicitário da Vitória

Comunicação (...) e os publicitários da DNA e da SMP&B

(...)”. Em seguida, relata que os representantes das agências

de publicidade DNA e SMP&B Propaganda eram o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado

(Cristiano Paz).

A prova dos autos ainda demonstra que, em abril de

2003, antes do recebimento da propina de R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais), o 15º denunciado (João Paulo Cunha)

recebeu, em seu Gabinete na Câmara dos Deputados, o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach), em ocasião em que

inexistia qualquer avença entre as empresas do 6º

Ação Penal 470 Plenário

112

denunciado (Ramon Hollerbach) e a Câmara dos

Deputados, razão pela qual deve ser repudiado o

argumento de defesa, segundo o qual as atividades do 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) seriam apenas internas e

burocráticas. Este fato é devidamente comprovado pelas

informações de Márcio Araújo Marques, de fls.

40.809/40.811-verso, que, à época, era Diretor da Secretaria

de Comunicação da Câmara dos Deputados (SECOM).

Nesse encontro, o 6º denunciado (Ramon Hollerbach)

foi apresentado a Márcio Marques de Araújo na antessala

do Gabinete do 15º denunciado (João Paulo Cunha), em

abril de 2003, de acordo com as declarações deste último

(de fls. 40.810). A relevância desta informação é facilmente

explicada: após a reunião, desencadeou-se todo o

procedimento que culminaria na contratação da SMP&B

Propaganda, empresa na qual o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) figurava como um dos sócios, para prestar

serviços institucionais à Câmara dos Deputados.

Em suma: dias após o encontro acima mencionado,

precisamente em 07 de maio de 2003, Márcio Marques de

Araújo assinou um ofício dirigido Diretor de Material e de

Ação Penal 470 Plenário

113

Patrimônio da Câmara dos Deputados, no intuito de

providenciar a abertura de procedimento licitatório para a

contratação de agência de publicidade para prestar os

serviços à Câmara. (doc. fls. 423, Apenso nº 84, vol. 3).

Como comprovado, a empresa escolhida no certame foi

justamente a SMP&B Propaganda.

Importante frisar que Márcio Marques de Araújo

participou da Comissão Especial de Licitação, que procedeu

à escolha da SMP&B Propaganda. Mais: o Diretor do

SECOM atribuiu, inclusive, a maior nota à empresa dentre

todos os 5 (cinco) membros da Comissão.

Com efeito, os estreitos laços estabelecidos pelo 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) com o 15º denunciado

(João Paulo Cunha) e o Diretor do SECOM (Márcio

Marques de Araújo) propiciaram o ambiente para a

consumação do esquema criminoso. É o que consta do

depoimento de Márcio Marques de Araújo, afirmando que

o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) frequentava com certa

regularidade a Câmara dos Deputados mesmo antes da

assinatura do contrato entre a Casa Legislativa e a SMP&B

Propaganda, em 31/12/2003.

Ação Penal 470 Plenário

114

É dizer: a atuação do 6º denunciado foi determinante

para o êxito da empreitada criminosa. O lobby feito perante

o 15º denunciado (João Paulo Cunha) estreitou os vínculos

entre este e a empresa SMP&B, de modo a direcionar o

resultado do procedimento licitatório que culminou com a

contratação irregular da agência de publicidade.

Outrossim, também, não assiste razão à tese de

defesa, segundo a qual 6º denunciado (Ramon Hollerbach)

não desempenhava funções de gestão na SMP&B

Propaganda.

Isto porque, consoante o depoimento do 5º

denunciado (Marcos Valério), verifica-se que a divisão de

tarefas na SMP&B Propaganda possuía caráter meramente

formal. A fls. 16.357, o 5º denunciado (Marcos Valério)

categoricamente aduz que "havia uma divisão de tarefas

apenas no plano formal, sendo, de fato, a empresa administrada,

em conjunto, pelo interrogando, Ramon e Cristiano; diz que a

empresa era ‘tocada a três mãos’; prova disto é que havia a

necessidade de aprovação, em conjunto, dos três em decisões

administrativas, havendo, outrossim, a necessidade de ao menos

duas assinaturas nos cheques emitidos pela SMP&B.”.

Ação Penal 470 Plenário

115

Essa informação é corroborada, ainda, no depoimento

do contador das empresas de Marcos Valério, Marco

Aurélio Prata (fls. 3.597). Segundo Marco Aurélio Prata,

“todos os três sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e

MARCOS VALÉRIO, participavam das decisões administrativas

da SMP&B COMUNICAÇÃO e DNA PROPAGANDA”.

A presente imputação, ao fim e ao cabo, decorre da

efetiva vontade do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) em

cooperar no cometimento do delito, o que se comprova,

dentre outras razões acima expostas, pelas assinaturas nos

documentos que repassam verbas indevidas a

parlamentares e pela sua participação em reuniões com o

15º denunciado (João Paulo Cunha) e os seus demais sócios,

o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado

(Cristiano Paz).

Mister ressaltar, no ponto probatório alcançado,

que, embora não se mencione que o 6º denunciado

(Ramon Hollerbach) tenha oferecido pessoalmente a

vantagem indevida ao 15º denunciado (João Paulo

Cunha), impõe-se concluir que a fração do ato executório

que lhe cabia foi indispensável e essencial para a

Ação Penal 470 Plenário

116

consumação da corrupção ativa (art. 333 do Código Penal),

de modo que lhe deve ser imputada a prática do ilícito em

coautoria com o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 7º

denunciado (Cristiano Paz).

Da imputação de peculato (art. 312 do CP)

O 6º denunciado (Ramon Hollerbach) também

concorreu, juntamente com o 5º e o 7º denunciados (Marcos

Valério e Cristiano Paz), para a prática do delito de

peculato, consubstanciado no desvio de verbas públicas no

montante de R$ 1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete mil,

oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos)

referente aos serviços pagos e não prestados pela SMP&B

Comunicação no bojo da execução do Contrato nº

2003204.0, firmado com a Câmara dos Deputados, nos

termos indicados pelo Laudo nº 1947/2009-INC.

Conforme já repisado, foi violada a cláusula

contratual que proibia a subcontratação integral do objeto

pactuado. Uma parcela ínfima do serviço foi de fato

exercida pela empresa SMP&B. As provas da configuração

do delito foram oportunamente descritas, cabendo a

Ação Penal 470 Plenário

117

menção aos documentos de fls. 37.461/37.523 e ao

testemunho de Márcio Marques de Araújo (fls. 40.811).

Abstenho-me, também, de repetir a minuciosa análise

empreendida pelo Ministro Relator em cada uma das

subcontratações operadas, ocasião em que Sua Excelência

apontou inúmeras fraudes e ilicitudes.

A condição de funcionário público, necessária para

a caracterização do crime do art. 312 do Código Penal, é

estendida ao 6º denunciado (Ramon Hollerbach) a partir

do 15º denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou

em conluio, em razão do art. 30 do mesmo diploma, que

determina a comunicação das condições de caráter pessoal

quando elementares do crime.

CRISTIANO PAZ (7º DENUNCIADO)

Da imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)

De acordo com as provas dos autos, o 7º denunciado

(Cristiano Paz), em conluio com o 5º e o 6º denunciados

(Marcos Valério e Ramon Hollerbach), ofereceu e pagou ao

15º denunciado (João Paulo Cunha) a vantagem indevida

Ação Penal 470 Plenário

118

consistente no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),

na data de 4 de setembro de 2003, com vistas a assegurar

que a empresa SMP&B Propaganda, fosse beneficiada na

concorrência nº 11/03 da Câmara dos Deputados, da qual

resultou a assinatura do contrato nº 2003/204.0.

A defesa do 7º denunciado (Cristiano Paz), em suas

alegações finais, também enfatiza a inexistência de provas

nos autos que amparem o pedido de condenação pela

prática de corrupção ativa, art. 333, do Código Penal, feito

pelo Parquet federal. Sustenta que tal imputação não se

releva idônea, na medida em que não houve

individualização da conduta, limitando-se a denúncia a

mencionar genericamente o nome do acusado.

A tese defensiva, porém, não merece ser acolhida.

Nos termos expostos alhures, a defesa desconsidera a

moderna teoria da coautoria funcional, sem a qual seria

impossível a responsabilização penal dos agentes nos

chamados crimes societários. Ante a divisão de tarefas

observada no plano fático, a conduta de um dos sujeitos

ativos do delito pode ser orientada a uma atividade que não

Ação Penal 470 Plenário

119

configura diretamente a conduta descrita no tipo penal. A

consumação do crime, no entanto, resulta da conjugação de

esforços, praticando, cada um dos coautores, uma conduta

relevante para o atingimento do objetivo criminoso.

É assaz relevante fixar essa premissa, porquanto a

relação entre o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 15º

denunciado (João Paulo Cunha) não se restringe ao apoio

político para a campanha à Presidência da Câmara dos

Deputados, conforme também já repisado.

Na verdade, ao longo do ano de 2003, o 7º

denunciado (Cristiano Paz) manteve contato com o 15º

denunciado (João Paulo Cunha), o que se comprova ante a

análise do depoimento do 15º denunciado (João Paulo

Cunha) e das informações contidas no Apenso nº 43, vol. 1.

Em seu depoimento de fls. 1.876/1.879, o 15º

denunciado (João Paulo Cunha), afirmou “que um desses

encontros ocorreu durante o café da manhã e que o Sr. Marcos

Valério estava acompanhado de uma pessoa, do qual não se

recorda a identidade; (...)”. Em juízo, o 15º denunciado (João

Paulo Cunha) confirmou que teve reunião com o 5º

Ação Penal 470 Plenário

120

denunciado (Marcos Valério) em 03 de setembro de 2003.

Os documentos de fls. 78 do volume nº 01 do Apenso nº 43

dão conta de que o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 5º

denunciado (Marcos Valério) voltaram juntos de Brasília

para Belo Horizonte no dia 3 de setembro de 2003.

Também consta dos autos a informação de que, em

16 de julho de 2003, o 7º denunciado (Cristiano Paz), na

companhia do 5º denunciado (Marcos Valério), encontrou-

se com o 15º denunciado (João Paulo Cunha), conforme

documento de fls. 1.074, de modo que resta incontroversa

a sua participação, juntamente com seus sócios na

empresa SMP&B (o 5º denunciado – Marcos Valério – e o

6º denunciado – Ramon Hollerbach), na empreitada

criminosa.

Isto significa que o 7º denunciado (Cristiano Paz)

não apenas tinha completa ciência do oferecimento de

vantagem em troca de benefícios junto à Câmara dos

Deputados (i.e., a assinatura do contrato com a respectiva

Casa Legislativa) como também atuou decisivamente,

praticando atos materiais, para a consumação do ilícito.

Vale dizer, os diversos encontros com o 15º denunciado

Ação Penal 470 Plenário

121

(João Paulo Cunha) não eram despidos de qualquer

interesse econômico, mas, ao revés, visavam à troca de

favores pouco republicanos.

Em termos técnicos, embora o 7º denunciado

(Cristiano Paz) possa não ter realizado exclusivamente todos

os elementos objetivos do tipo, não se pode negar a sua

autoria, uma vez que, na divisão prévia de tarefas para o

cometimento do ilícito penal, a sua conduta atribuída foi

imprescindível ao atingimento do fato punível. Trata-se de

um coautor funcional, porquanto a realização dos ilícitos

somente pode ser viabilizada mediante a cooperação

comunitária no fato. Assim, não se deve exigir do 7º

denunciado (Cristiano Paz) a prática da conduta descrita no

núcleo do tipo penal, mas tão somente que a fração do ato

executório por ele praticada seja indispensável, diante das

singularidades do tipo penal e do caso concreto, para a

consecução do ilícito penal.

Por outro lado, a defesa afirma também que a farta

documentação acostada aos autos aponta no sentido de que

o 7º denunciado (Cristiano Paz) não desempenhava funções

nos setores administrativos e financeiros na SMP&B

Ação Penal 470 Plenário

122

Propaganda. A única participação do 7º denunciado

(Cristiano Paz), conforme propugnado, seria nos casos em

que a sua assinatura fosse exigida contratualmente, o que

somente ocorreria em hipóteses relacionadas a alguns

documentos esparsos.

Isto, porém, não é que se depreende do conjunto

probatório acostado aos autos.

Conforme leitura atenta do depoimento do 5º

denunciado (Marcos Valério), verifica-se que a divisão de

tarefas na SMP&B Propaganda possuía caráter meramente

formal. A fls. 16.357, o 5º denunciado (Marcos Valério)

categoricamente aduz que "havia uma divisão de tarefas

apenas no plano formal, sendo, de fato, a empresa

administrada, em conjunto, pelo interrogando, Ramon e

Cristiano; diz que a empresa era ‘tocada a três mãos’; prova

disto é que havia a necessidade de aprovação, em conjunto, dos

três em decisões administrativas, havendo, outrossim, a

necessidade de ao menos duas assinaturas nos cheques emitidos

pela SMP&B.”.

Ação Penal 470 Plenário

123

Tal informação é corroborada, ainda, no depoimento

do contador das empresas de Marcos Valério, Marco

Aurélio Prata (fl. 3.597). Segundo Marco Aurélio Prata,

“todos os três sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e

MARCOS VALÉRIO, participavam das decisões administrativas

da SMP&B COMUNICAÇÃO e DNA PROPAGANDA.”.

Diante do robusto acervo probatório, é incontroversa

a prática de corrupção ativa pelo 7º denunciado (Cristiano

Paz), razão pela qual entende-se pela sua condenação pelo

prática do crime de corrupção ativa, art. 333 do Código

Penal.

Da imputação de peculato (art. 312 do CP)

Reconhece-se, também, a prática de peculato pelo 7º

denunciado (Cristiano Paz), em concurso com o 5º e o 6º

denunciados (Marcos Valério e Ramon Hollerbach). Na

qualidade de Presidente da SMP&B Comunicação, o 7º

denunciado (Cristiano Paz) detinha o controle sobre todas

as atividades efetivamente praticadas pela empresa, não

podendo furtar-se à responsabilidade penal pelo

recebimento de verbas do Erário sem a correspondente

Ação Penal 470 Plenário

124

prestação dos serviços. Assim, deve ser penalizado pelo

desvio de R$ 1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete mil,

oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos)

dos cofres públicos, referente aos serviços pagos e não

prestados no bojo da execução do Contrato nº 2003204.0,

firmado com a Câmara dos Deputados, nos termos

indicados pelo Laudo nº 1947/2009-INC.

A defesa do 7º denunciado (Cristiano Paz), em suas

alegações finais, procura deslegitimar a imputação

ministerial argumentando, inicialmente, que a contratação

pela Câmara dos Deputados da SMP&B Comunicação foi

precedida de idôneo procedimento de licitação

(Procedimento Licitatório nº 11/03), na qual a empresa

sagrou-se vencedora em certame que possuía outras sete

participantes.

Este argumento fora exaustivamente examinado no

tópico concernente à imputação de corrupção ativa e não

merece ser retomado. Insta ressaltar, tão somente, que o

aludido procedimento licitatório restou absolutamente

viciado em razão do direcionamento do certame para

atingir o resultado anteriormente acordado entre o 5º

Ação Penal 470 Plenário

125

denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 15º

denunciado (João Paulo Cunha).

A defesa alega, ainda, ser impossível falar,

tecnicamente, em subcontratação, uma vez que as

agências de publicidade contratam serviço de terceiros,

que seriam simples fornecedores. Na verdade, segundo

consta das alegações finais do 7º denunciado (Cristiano

Paz), enquanto alguns serviços são prestados diretamente

pela agência de publicidade (e.g., serviços de criação de

materiais publicitários), outros são supervisionados pela

agência, mas executados pelos fornecedores e pelos

veículos por ela contratados, com a prévia autorização dos

clientes (e. g., execução e distribuição de materiais

publicitários/promocionais ou a organização e coordenação

dos eventos realizados pelo anunciante ou por ele

patrocinados). Fundamenta, ademais, sua tese em Acórdão

proferido pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão nº

430/2008, proferido no Processo nº TC – 012.040/2005-0 doc.

01, de suas Alegações Finais), que assentou a regularidade

Ação Penal 470 Plenário

126

tanto os serviços contratados quanto os valores pagos a

título de honorários à SMP&B Comunicação.

Do minucioso exame do contrato e das cláusulas

editalícias do certame, chega-se à conclusão oposta àquela

sustentada pela defesa do 7º denunciado (Cristiano Paz).

O contrato nº 2003204.0, celebrado entre a Câmara

dos Deputados e a SMP&B Propaganda, estipulava:

"Cláusula segunda. Os serviços objeto do presente Contrato

serão executados com rigorosa observância do disposto no

Edital de Concorrência nº 11/ 03 e seus Anexos, bem como

da Proposta Técnica e da Proposta de Preço da

CONTRATADA, com as modificações que tenham decorrido do

procedimento previsto no Título 7 do edital” (fls. 76, Apenso 84,

Vol. 1).

A seu turno, o Edital nº 11/2003, acostado a fls. 433,

Apenso 84, vol. 2, dispunha que: "A CONTRATADA poderá

subcontratar outras empresas, para a execução parcial do

objeto desta Concorrência, desde que mantida a

preponderância da atuação da CONTRATADA na execução

do objeto como um todo e haja anuência prévia, por escrito, da

Ação Penal 470 Plenário

127

CONTRATANTE, após avaliada a legalidade, adequação e

conveniência de permitir-se a subcontratação, ressaltando-se que a

subcontratação não transfere responsabilidades a terceiros nem

exonera a CONTRATADA das obrigações assumidas, nem

implica qualquer acréscimo de custos para a CONTRATANTE”.

De fato, o Edital nº 11/2003 autorizou a

subcontratação do serviço, desde que, por razões óbvias, a

delegação fosse apenas parcial. Deste modo, deveria a

empresa vencedora do certame manter a preponderância

da realização dos serviços, como forma de garantir a lisura

do procedimento de escolha que, ao final, selecionou a

empresa que apresentou mais expertise para a execução

dos serviços ofertados.

Não obstante isso, a SMP&B Comunicação

descumpriu flagrantemente a avença firmada, na medida

em que operou a subcontratação integral da execução do

objeto contratado. Neste ponto, pouco importa se a

expressão mais técnica é “subcontratação” ou “contratação

de fornecedores”. O relevante para o equacionamento da

controvérsia consiste em saber se a empresa contratada

manteve ou não a preponderância dos serviços pactuados.

Ação Penal 470 Plenário

128

Se sim, faz jus à remuneração. Do contrário, não deve haver

a contraprestação por descumprimento da avença.

In casu, porém, verifica-se que apenas 0,01% do

objeto pactuado ficou a cargo diretamente da empresa

SMP&B Comunicação. Todo o restante – leia-se, 99,9% –

dos serviços fora subcontratado. Independentemente do

termo que se emprega (subcontratação ou contratação de

fornecedores), certo é que a SMP&B Comunicação

descumpriu a avença firmada com a Câmara dos

Deputados, porquanto não manteve a preponderância da

execução do objeto contratual. Nada obstante isso, os

pagamentos previstos no contrato foram autorizados à

SMP&B Comunicação (cf. doc. de fls. 37.461 e segs.).

Ainda que se adira à tese defensiva (no sentido de

que há distinção entre os serviços prestados diretamente

pela agência de publicidade e os serviços que podem ser

terceirizados), o que se admite apenas para fins de

argumentação, o percentual de serviços prestados por

“fornecedores” é da ordem de 97,68%. Vale dizer, a SMP&B

Propaganda não detinha a preponderância da execução do

objeto pactuado. Esses percentuais restam demonstrados

Ação Penal 470 Plenário

129

por meio das perícias técnicas realizadas, consubstanciadas

no Laudo nº 1.947/2009-INC.

De acordo com o mencionado Laudo nº 1.947/2009-

INC, os valores pagos à SMP&B Comunicação relativos ao

contrato firmado com a Câmara dos Deputados

ultrapassam um milhão de reais. Para ser mais exato, o

desvio foi de R$1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete mil,

oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos),

conforme a Tabela nº 06 do Laudo nº 1.947/2009-INC.

Curioso que, após a saída do 15º denunciado (João Paulo

Cunha), em 15 de fevereiro de 2005, a remuneração da

empresa SMP&B Propaganda pela execução dos serviços

prestados à Câmara dos Deputados sofreu drástica

redução, perfazendo R$ 65.841,36 (sessenta e cinco mil,

oitocentos e quarenta e um reais e trinta e seis centavos), no

ano de 2005. (documento subscrito pelo Diretor-Geral da

Câmara dos Deputados de fls. 582, Apenso 84, vol. 2).

Em suma, escorreita a conclusão a que chegou o

Relator, de que a empresa SMP&B Comunicação atuou

aqui, com a anuência de seus sócios, dentre os quais se

Ação Penal 470 Plenário

130

inclui o 7º denunciado (Cristiano Paz) como uma simples

destinatária de honorários.

Consoante mencionado, apenas 0,01% (ou seja, R$

17.091,00) dos valores pagos à SMP&B Comunicação

corresponde aos serviços por ela executados.

Ora, a coautoria no delito é incontroversa. Não há

como negar que o 7º denunciado (Cristiano Paz) e os seus

sócios – o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 6º denunciado

(Ramon Hollerbach) – tinham completa ciência da prática

delituosa que se valia de sua empresa como veículo para o

desvio das verbas.

Além da inequívoca ciência da utilização de sua

empresa como o canal para o desvio das verbas, o 7º

denunciado (Cristiano Paz), na condição de Presidente da

SMP&B Comunicação, anuiu com tal prática delituosa.

Vale dizer, sem o seu consentimento e o dos demais

sócios a empreitada criminosa restaria inviabilizada,

razão pela qual deve ser a ele imputado o crime de

peculato, consoante art. 312 do Código Penal.

Ação Penal 470 Plenário

131

Adite-se a isso que o mencionado Acórdão do TCU

(Acórdão nº 430/2008, proferido no Processo nº TC –

012.040/2005-0 doc. 01, de suas Alegações Finais), no qual a

defesa busca se fiar para legitimar as subcontratações,

distancia sobremodo da análise do conjunto probatório

acostados autos. A partir da leitura do Acórdão, constata-se

que a decisão da Corte de Contas fundamentou-se em

esclarecimentos prestados pelo então Diretor-Geral da

Câmara dos Deputados – Sérgio Sampaio Contreiras de

Almeida. A propósito, tal fato precisamente diagnosticado

no voto do e. Min. Relator Joaquim Barbosa.

A condição de funcionário público, necessária para

a caracterização do crime do art. 312 do Código Penal, é

estendida ao 7º denunciado (Cristiano Paz) a partir do 15º

denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou em

conluio, em razão do art. 30 do mesmo diploma, que

determina a comunicação das condições de caráter pessoal

quando elementares do crime.

Ação Penal 470 Plenário

132

III.2 e III.3 – BANCO DO BRASIL – BÔNUS DE VOLUME

E VISANET

HENRIQUE PIZZOLATO (17º DENUNCIADO)

Da primeira imputação de peculato (art. 312, caput, c/c art.

327, § 2º, CP)

As provas dos autos demonstram, de forma

inequívoca, que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), em

concurso de agentes com o 5º denunciado (Marcos Valério),

o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach), cometeu o delito de peculato, consubstanciado

no desvio do montante de R$ 2.923.686,15 (dois milhões,

novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais

e quinze centavos) pertencentes ao Banco do Brasil S.A., no

período entre 31/03/2003 e 14/06/2005.

O 17º denunciado (Henrique Pizzolato), na condição

de Diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil,

assinou o contrato entre esta Sociedade de Economia Mista

e a empresa DNA Propaganda. Deste contrato consta

expressamente a obrigação da DNA Propaganda de

Ação Penal 470 Plenário

133

“transferir, integralmente, ao BANCO os descontos especiais

(além dos normais, previstos em tabelas), bonificações,

reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras vantagens“

(fls. 48/49 do volume 1 do apenso 83). Ocorre que o

necessário repasse jamais ocorreu, gerando um indevido

locupletamento da empresa DNA Propaganda, em

detrimento do patrimônio do Banco do Brasil S.A.

Há prova pericial no sentido de que o valor relativo

aos “Bônus de Volume-BV deveriam ter sido restituídas pela

DNA Propaganda Ltda. ao Banco do Brasil, por força contratual”

(Informação Técnica nº 063/2010, fls. 38.525). Outra não foi a

conclusão da 2ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal

de Contas da União (fls. 30.864 e segs.), órgão esse que

também observou que as bonificações de volume foram

embutidas no preço final, na medida em que o Banco

poderia ter adquirido os produtos e serviços por valor

inferior.

Improcede a alegação da defesa de que, em outros

contratos, pretéritos, firmados por outras empresas e pela

própria DNA Propaganda com o Banco do Brasil S.A., o

valor relativo ao bônus de volume não foi repassado ao

Ação Penal 470 Plenário

134

anunciante. Tais fatos, ainda que verdadeiros, não ilidem a

cristalina previsão do contrato que regeu a relação ora

questionada.

A defesa sustenta a aplicabilidade, ao caso, do art. 18

da Lei nº 12.232/2010, que assim dispõe: “É facultativa a

concessão de planos de incentivo por veículo de divulgação e sua

aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes

constituem, para todos os fins de direito, receita própria da

agência e não estão compreendidos na obrigação estabelecida no

parágrafo único do art. 15 desta Lei”.

O argumento, contudo, não é de ser acolhido.

A uma, porque o caso sub judice não versou sobre

“planos de incentivo por veículo de divulgação”, girando a

discussão em torno das “vantagens obtidas em negociação de

compra de mídia diretamente ou por intermédio de agência de

propaganda, incluídos os eventuais descontos e as bonificações na

forma de tempo, espaço ou reaplicações que tenham sido

concedidos pelo veículo de divulgação”, valores que, nos termos

do art. 15, parágrafo único, do mesmo diploma, “pertencem

ao contratante” – é dizer, ao Banco do Brasil S. A.

Ação Penal 470 Plenário

135

A duas, ainda que se tratasse de norma pertinente à

hipótese, não poderia retroagir para alterar a avença

anterior à sua vigência, sendo certo que a Constituição

determina que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito

(art. 5º, XXXVI).

Demais disso, como bem ressaltado pelo Ministro

Relator e pelo Ministro Revisor, houve o desvio de valores

relativos a bônus de volume por serviços que não

guardaram qualquer pertinência com a seara da

publicidade e comunicação, no montante total de R$

2.504.274,88 (dois milhões, quinhentos e quatro mil,

duzentos e setenta e quatro reais e oitenta e oito centavos).

Ante a clareza da cláusula contratual, não há como

sustentar que a ausência de fiscalização do seu

cumprimento decorreu de simples negligência, restando

evidente que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) dirigiu

a sua conduta finalisticamente à apropriação dos valores

pelo 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado

(Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon Hollerbach).

Também não convence a argumentação da defesa no

sentido de que a estrutura decisória do Banco do Brasil S.

Ação Penal 470 Plenário

136

A. não permitiria a realização de determinações

unilateralmente pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato),

nem lhe incumbiria da fiscalização dos contratos de

publicidade. Além do regimento interno do Banco do Brasil

S. A., que estabelece, dentre as normas e alçadas da

Diretoria de Marketing e Comunicação, a responsabilidade

pela integridade dos controles internos nos processos,

produtos e serviços a cargo da Diretoria, o próprio contrato

impunha ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato) o referido

mister, conforme a cláusula 12.2, in verbis: “A fiscalização dos

serviços será realizada diretamente pela Diretoria de Marketing e

Comunicação do BANCO” (fls. 61 do volume nº 01 do apenso

nº 83).

É de se mencionar que o 17º denunciado (Henrique

Pizzolato) é filiado ao Partido dos Trabalhadores desde a

sua fundação e participou do Comitê de Campanha do

mencionado partido para as eleições presidenciais, em 2002,

tendo, inclusive, contato com o 3º denunciado (Delúbio

Soares) (cf. interrogatório do 17º denunciado, de fls.

15.948/15.953). No mesmo interrogatório, o 17º denunciado

(Henrique Pizzolato) também demonstrou peculiar

Ação Penal 470 Plenário

137

intimidade com o 5º denunciado (Marcos Valério), em

relação estreita que incluía a prestação de “favores” (fls.

15.980).

A fls. 20.122, a testemunha Danévita Ferreira de

Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do

Brasil, confirmou que o 17º denunciado (Henrique

Pizzolato) e o 5º denunciado (Marcos Valério) possuíam

uma direta ligação. Também a testemunha Fernanda Karina

Somaggio declarou que o 17º denunciado (Henrique

Pizzolato) e o 5º denunciado (Marcos Valério) realizaram

reuniões, em Brasília e em Belo Horizonte (fls. 19.646 e

segs.). O depoimento de Eduardo Fisher, sócio de outra

empresa de publicidade que contratou com o Banco do

Brasil, deu conta de que as agências publicitárias se

relacionavam com o Banco através do 17º denunciado

(Henrique Pizzolato).

Causa espécie, ainda, o fato, apontado pelo Ministro

Relator, de que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) foi a

única autoridade responsável pela assinatura do contrato

entre o Banco do Brasil S. A. e a empresa DNA Propaganda,

que previa gastos da ordem de R$ 142.000.000,00 (cento e

Ação Penal 470 Plenário

138

quarenta e dois milhões de reais), bem como pela assinatura

da prorrogação do negócio, que atingiu o montante de

gastos de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais) (fls.

53 e 69do volume nº 01 do apenso nº 83). Tantas as

irregularidades do contrato com a empresa DNA, que a

Controladoria Geral da União concluiu, em auditoria

especial, que houve indevida prorrogação do contrato de

publicidade (fls. 31.159 e segs.).

Os recursos destinados à execução do objeto do

contrato com a DNA Propaganda foram consignados na

dotação orçamentária de Publicidade e Propaganda,

conforme a cláusula 5.2 do contrato (fls. 53 do volume nº 01

do apenso nº 83), por isso que o 17º denunciado (Henrique

Pizzolato), ante a sua omissão em fiscalizar a devolução da

quantia referente ao bônus de volume, foi responsável pelo

peculato-apropriação consumado (art. 312, caput, do Código

Penal).

Da segunda imputação crime de peculato (art. 312 c/c art.

327, § 2º, do CP, quatro vezes, na forma do art. 71 do CP)

O órgão de acusação teve êxito em demonstrar, no

curso do processo, que o 17º denunciado (Henrique

Ação Penal 470 Plenário

139

Pizzolato), no exercício do cargo de Diretor de Marketing e

Comunicação do Banco do Brasil, entre os anos de 2003 e

2004, efetivamente desviou o valor total de R$ 73.851.000,00

(setenta e três milhões, oitocentos e cinquenta e um mil

reais), provenientes do Fundo de Investimento da

Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (Visanet),

composto de recursos do Banco do Brasil S.A., em favor do

5º denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz).

Constata-se, da prova colhida, a ocorrência de um

desvio de R$ 23.300.000,00 (vinte e três milhões e trezentos

mil reais) em 19/05/2003; um desvio de R$ 6.454.331,43 (seis

milhões, quatrocentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e

trinta e um reais e quarenta e três centavos) em 28/11/2003;

um desvio de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de

reais) em 12/03/2004; e um desvio de R$ 9.097.024,75 (nove

milhões, noventa e sete mil e vinte e quatro reais e setenta e

cinco centavos) em 01/06/2004.

Consta a assinatura do 17º denunciado (Henrique

Pizzolato), como Diretor de Marketing e Comunicação do

Banco do Brasil S.A., nos documentos de autorização dos

Ação Penal 470 Plenário

140

repasses de verbas para a DNA Propaganda Ltda. de fls.

5.377 (R$ 23.300.000,00), fls. 5.384 (R$ 35.000.000,00) e fls.

5.388 (R$ 9.097.024,75). Em todos os documentos, consta

que cabe à Diretoria de Marketing e Comunicação

apresentar relatório de acompanhamento de desembolso.

O Ministro Relator apontou, ainda, que o 17º denunciado

(Henrique Pizzolato) prorrogou o contrato entre o Banco do

Brasil S. A. e a empresa DNA Propaganda pouco antes de

autorizar a primeira transferência de recursos do fundo

Visanet.

A Companhia Brasileira de Meios de Pagamento

(Visanet) prestou informações no sentido de que todos os

pagamentos realizados pela Visanet à DNA Propaganda

foram executados por instrução e sob a responsabilidade do

Banco do Brasil, com base na quota que cabia a esta

instituição financeira (fls. 9.619 e segs.).

A argumentação da defesa, que invocou o modelo

segmentado de decisões do Banco do Brasil S. A. para

suscitar a ausência de responsabilidade do 17º denunciado

(Henrique Pizzolato), não encontra esteio na prova dos

autos, máxime porque o relatório de auditoria interna do

Ação Penal 470 Plenário

141

Banco do Brasil concluiu que, para a realização dos repasses

ilícitos, “os Diretores de Marketing e Comunicação e de Varejo

avocaram para si atribuições que deveriam ser exercidas em

colegiados, desconsiderando a segregação de funções estabelecidas

na arquitetura de governança da Empresa”, assim como notou

a “ausência de controles que possibilitassem ao Banco

acompanhar a movimentação financeira da conta creditada,

quanto à aplicação dos repasses efetuados, inclusive em relação ao

estabelecimento formal de cronograma e de condições para

utilização dos recursos repassados” (fls. 29.337/29.336 do

apenso nº 427). De forma incisiva, o relatório afirmou,

quanto ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato), que, “como

Diretor de Marketing e Comunicação, cabia-lhe exigir que a DNA

Propaganda prestasse contas da utilização dos valores a ela

repassados, tanto no que se referia ao ano de 2003 quanto ao de

2004, o que não aconteceu” (fls. 29.302 do apenso nº 427).

O Ministro Relator bem apontou que o então gerente

de varejo do Banco do Brasil S. A., Douglas Macedo, foi

ouvido como testemunha, relatando que a matéria era de

exclusiva competência da Diretoria de Marketing e

Ação Penal 470 Plenário

142

Comunicação, porquanto vinculada ao orçamento deste

setor (fls. 42.677 e 42.842).

Desse modo, houve repasses milionários para a

empresa do 5º denunciado (Marcos Valério), do 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado

(Cristiano Paz), sem que qualquer serviço tenha sido

prestado em contrapartida. Quanto às notas fiscais

apresentadas, o Laudo nº 3.058/2005-INC dá conta de que

havia “informações suficientes para que se identificasse

incompatibilidade de datas, curto interstício de tempo entre a

aprovação e a execução dos serviços, divergências de ações entre as

descrições de serviços com os JOBs apresentados, faturamento

como custo interno de todo o valor da nota, além de não constar

nos documentos quaisquer comprovantes da efetiva execução dos

serviços pagos”. Essa informação, em cotejo com os demais

elementos dos autos, que apontam estreita relação do 17º

denunciado (Henrique Pizzolato) com o Partido dos

Trabalhadores e o 5º denunciado (Marcos Valério), denota

que o agente procedeu com dolo.

A fls. 20.122, a testemunha Danévita Ferreira de

Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do

Ação Penal 470 Plenário

143

Brasil, confirmou que este setor recebia ordens do 17º

denunciado (Henrique Pizzolato) e por ele era comandado.

Afirmou, ainda, que competia ao 17º denunciado (Henrique

Pizzolato) aprovar e liberar as verbas para pagamento às

agências, após a conferência de valores, de estratégia e de

tática de mídia.

Não merece prosperar o argumento do réu, no

sentido de que os recursos do fundo Visanet não possuíam

caráter público e, por tal razão, não haveria que se falar em

peculato. Conforme explicitado pelo Laudo Pericial nº

2828/2006-INC, o Fundo de Incentivo Visanet é composto

de recursos distribuídos de acordo com cotas proporcionais

à participação acionária de cada sócio, sendo que os valores

repassados à DNA Propaganda Ltda. foram retirados do

montante que cabia ao Banco do Brasil S.A.

Ademais, a par de ser elemento do tipo do peculato o

desvio ou apropriação “de dinheiro, valor ou qualquer outro

bem móvel, público ou particular” (art. 312, caput, do CP), é

clássica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no

sentido de que pouco importa a natureza dos bens

apropriados ou desviados, bastando que deles pudesse

Ação Penal 470 Plenário

144

dispor o funcionário público em razão das suas funções.

Assim, v. g.:

“PECULATO. CONFIGURAÇÃO.

IRRELEVÂNCIA DE SEREM

PARTICULARES OS BENS

APROPRIADOS OU DESVIADOS,

DESNECESSIDADE DE PREVIA

PRESTAÇÃO DE CONTAS. HABEAS

CORPUS DENEGADO.

(HC 56998, Relator(a): Min. XAVIER DE

ALBUQUERQUE, PRIMEIRA TURMA,

julgado em 22/05/1979, DJ 08-06-1979 PP-

04535 EMENT VOL-01135-01 PP-00115)”.

Comprovada, portanto, a prática de quatro crimes de

peculato (art. 312, caput, do CP).

Da imputação de corrupção passiva (art. 317 c/c art. 327, §

2º, do CP)

O 17º denunciado (Henrique Pizzolato) recebeu, para

si, em razão da função que exercia no Banco do Brasil S.A.,

a vantagem indevida de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e

seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete

Ação Penal 470 Plenário

145

centavos), em 15 de janeiro de 2004, paga pelo 5º

denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano

Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach).

Tudo resulta evidente das provas dos autos. No seu

interrogatório de fls. 15.980, o 17º denunciado (Henrique

Pizzolato) afirmou que, em janeiro de 2004, recebeu um

telefonema, em sua linha celular, da secretária do 5º

denunciado (Marcos Valério), informando que este lhe

havia solicitado o favor de buscar “documentos” no Centro

do Rio de Janeiro, os quais queria que fossem entregues ao

PT. O 17º denunciado (Henrique Pizzolato), segundo o seu

relato, solicitou ao contínuo da Previ que buscasse os

“documentos” e os entregasse no seu apartamento.

Não é fidedigna a versão apresentada pelo 17º

denunciado (Henrique Pizzolato), mormente em razão do

fato de que, ante uma comunicação do 5º denunciado

(Marcos Valério), ordenou a um preposto que buscasse

elevada quantia em dinheiro e a entregasse em sua

residência. Esses fatos, somados aos outros crimes cuja

prática restou comprovada, conduzem à configuração do

delito de corrupção passiva.

Ação Penal 470 Plenário

146

Além disso, a fls. 15.987 do seu depoimento, o 17º

denunciado (Henrique Pizzolato) reconheceu que, pouco

tempo depois do episódio, comprou um apartamento em

Copacabana, tendo pago uma parte com cheque do Banco

do Brasil e a outra parte em espécie. Enquanto a propina foi

paga em 15 de janeiro de 2004, o imóvel foi adquirido em

fevereiro do mesmo ano.

Vale notar que o numerário foi recebido pelo 17º

denunciado (Henrique Pizzolato) apenas cinco dias antes

da assinatura da Nota Técnica que determinou o repasse de

R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais) à DNA

Propaganda, com recursos do fundo Visanet, em 20/01/2004

(fls. 27.215).

A vantagem indevida foi paga em razão da função

exercida pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato) no

Banco do Brasil S. A., que envolvia a fiscalização e execução

do contrato entre a instituição financeira e a empresa DNA

Propaganda, gerida pelo 5º denunciado (Marcos Valério),

pelo 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e pelo 7º

denunciado (Cristiano Paz).

Ação Penal 470 Plenário

147

Da imputação de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, incisos V,

VI e VII, da Lei nº 9.613/98)

Para o recebimento da quantia de R$ 326.660,67

(trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e

sessenta e sete centavos), paga a título de propina pelo 5º

denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano

Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), o 17º

denunciado (Henrique Pizzolato) se valeu da estrutura de

lavagem de dinheiro engendrada por meio do Banco Rural,

com o fito de dissimular a origem, a natureza, a localização

e a propriedade dos valores ilicitamente auferidos.

O montante recebido é oriundo da prática de crimes

contra a Administração Pública, o Sistema Financeiro

Nacional e praticados por organização criminosa, sendo

que há nos autos robusta prova da prática dos delitos

antecedentes. A fls. 153 do apenso 05, consta o comprovante

da entrega do dinheiro, pelo Banco Rural, ao contínuo

enviado pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato), nos

seguintes termos: “Autorizamos a Sr Luiz Eduardo Ferreira da

Silva CI 06806585-3 a receber a quantia de R$ 326.660,67

(trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e

Ação Penal 470 Plenário

148

sete centavos), ref. ao cheque 413170 da Empresa DNA

Propaganda Ltda, que se encontra em nosso poder”. O cheque

sacado foi assinado pelo 7º denunciado (Cristiano Paz),

consoante o documento de fls. 732 do volume nº 03 do

apenso nº 87.

O 17º denunciado (Henrique Pizzolato) recebeu a

propina por interposta pessoa, ordenando que ela se

dirigisse à agência do Banco Rural e transportasse consigo

vultosa quantia em espécie, tudo no afã de obnubilar a

natureza dos valores, sua origem e o seu destinatário.

Consoante repisado alhures, não há óbice ao

reconhecimento do concurso de crimes entre a corrupção

passiva (art. 317 do CP) e a lavagem de dinheiro, máxime

em razão da diversidade de bens jurídicos tutelados num e

noutro delito.

Desse modo, reputo configurado o crime tipificado

no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/98.

LUIZ GUSHIKEN (16º denunciado)

Quanto ao 16º denunciado (Luiz Gushiken), as provas

produzidas no curso do processo penal não foram capazes

Ação Penal 470 Plenário

149

de indicar a prática do delito de peculato (art. 312 do

Código Penal), nos termos descritos pela acusação.

Assim, por exemplo, o 5º denunciado (Marcos

Valério), em seu interrogatório de fls. 16.353, afirmou não

conhecer o 16º denunciado (Luiz Gushiken) e que não teve

com ele qualquer reunião.

Em seu interrogatório de fls. 16.726 e seguintes, o 16º

denunciado (Luiz Gushiken) afirmou que jamais

determinou ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato) a

realização de qualquer pagamento. Também disse que não

conheceu o 5º denunciado (Marcos Valério), nem qualquer

dos dirigentes do Banco Rural.

Os depoimentos foram abalizados pela ausência de

provas documentais que os desabonassem. Não por outro

motivo, o Ministério Público, em alegações finais, protestou

pela absolvição do 16º denunciado (Luiz Gushiken).

Ex positis, absolvo o 16º denunciado (Luiz Gushiken),

por inexistir prova de ter o réu concorrido para a infração

penal, na forma do art. 386, V, do Código de Processo

Penal.

5º DENUNCIADO (MARCOS VALÉRIO)

Ação Penal 470 Plenário

150

Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)

A instrução probatória logrou demonstrar que o 5º

denunciado (Marcos Valério), em concurso de agentes com

o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), o 7º denunciado

(Cristiano Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),

praticou o delito de peculato, em razão da apropriação do

valor de R$ 2.923.686,15 (dois milhões, novecentos e vinte e

três mil, seiscentos e oitenta e seis reais e quinze centavos)

pertencentes ao Banco do Brasil S.A., no período entre

31/03/2003 e 14/06/2005.

Conforme cláusula do contrato entre a DNA

Propaganda e o Banco do Brasil S.A., era obrigação da

primeira empresa “transferir, integralmente, ao BANCO os

descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas),

bonificações, reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras

vantagens“ (fls. 48/49 do volume 1 do apenso 83).

Entretanto, a obrigação foi descumprida, tendo a DNA

Propaganda se apropriado dos valores obtidos a título de

bônus de volume no valor de valor de R$ 2.923.686,15 (dois

milhões, novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e

seis reais e quinze centavos), o que restou provado por

Ação Penal 470 Plenário

151

informação prestada pelo Banco do Brasil S.A., a fls. 332 do

volume 2 do apenso 83. Ademais, a ausência de repasse é

fato incontroverso nos autos, admitido por todos os

denunciados envolvidos.

A tese defensiva de que os valores foram retidos

porque pertenciam à DNA Propaganda não convence. A

uma, em razão da expressa previsão contratual, que não dá

margem a equívocos e distorções. A duas, porque a outra

empresa da qual o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º

denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) eram sócios, a SMP&B Comunicação, no

contrato estabelecido com a Câmara dos Deputados,

repassou a quantia referente aos bônus de volume para o

órgão público, o que denota que os acusados sabiam qual

deveria ser o destino das verbas (informações prestadas

pela Câmara dos Deputados, fls. 40.816).

Ademais, conforme já versado, há prova pericial

afiançando a conclusão de que o Banco do Brasil S. A. fazia

jus aos valores relativos aos bônus de volume (Informação

Técnica nº 063/2010, fls. 38.525).

Ação Penal 470 Plenário

152

A prova oral produzida indica a íntima relação entre

o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 17º denunciado

(Henrique Pizzolato) (testemunho de Danévita Ferreira de

Magalhães, fls. 20.122; testemunho de Fernanda Karina

Somaggio, fls. 19.646 e segs.; interrogatório do 17º

denunciado, fls. 15.948 e segs.).

Inaplicável à hipótese o disposto na Lei nº

12.232/2010, que versa sobre contratos com agências de

propaganda, seja porque se trata de legislação posterior,

seja por força da previsão contratual expressa em contrário,

tal como exposto alhures. Por isso mesmo, não se pode

considerar a nova legislação como abolitio criminis, mercê da

sua total impertinência com a seara penal.

Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro

vezes, na forma do art. 71 do CP)

De acordo com os elementos dos autos, o 5º

denunciado (Marcos Valério), em conluio com o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach), o 7º denunciado

(Cristiano Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),

desviou o valor de R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões,

oitocentos e cinquenta e um mil reais), provenientes do

Ação Penal 470 Plenário

153

Fundo de Investimento da Companhia Brasileira de Meios

de Pagamento (Visanet), composto de recursos do Banco do

Brasil S.A.

Conforme constatado pelo Laudo Pericial nº

2828/2006-INC (fls. 77/119 do apenso 142), a DNA

Propaganda Ltda. emitiu notas fiscais inidôneas para o

recebimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00 (vinte e

três milhões e trezentos mil reais) em 19/05/2003; R$

6.454.331,43 (seis milhões, quatrocentos e cinquenta e

quatro mil, trezentos e trinta e um reais e quarenta e três

centavos) em 28/11/2003; R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco

milhões de reais) em 12/03/2004; e R$ 9.097.024,75 (nove

milhões, noventa e sete mil e vinte e quatro reais e setenta e

cinco centavos) em 01/06/2004. Duas das quatro notas

fiscais nem sequer foram registradas na contabilidade

original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com o Laudo

nº 3.058/2005-INC (fls. 8.452/8.472). O mesmo laudo

comprova inúmeras incongruências na prestação de contas

da DNA Propaganda Ltda., relativa aos exorbitantes

valores percebidos.

Ação Penal 470 Plenário

154

A fls. 20.114 e seguintes consta o depoimento da

testemunha Danévita Ferreira de Magalhães, ex-funcionária

do Núcleo de Mídia do Banco do Brasil. Segundo narra, o

Núcleo de Mídia do Banco do Brasil administrava a verba

oriunda da Visa e que cabia a esta testemunha verificar a

efetiva implementação dos planos de mídia para autorizar o

pagamento aos veículos de comunicação. Entretanto, nos

termos do seu depoimento, o dinheiro foi transferido para a

DNA Propaganda sem a efetiva prestação do serviço de

publicidade. Portanto, houve o pagamento sem que o

serviço tenha sido prestado, tal como concluído no Laudo

Pericial nº 2.828/2006.

Nada obstante, é de se ressaltar que, também

segundo o Laudo Pericial nº 2828/2006, o 5º denunciado

(Marcos Valério) se apropriou de parte dos valores

desviados dos pagamentos feitos pela Visanet.

Especificidades dos saques e transferências realizados em

favor do 5º denunciado (Marcos Valério) já foram referidas

no voto do Ministro Relator.

Comprovada, desse modo, a prática de quatro crimes

de peculato (art. 312, caput, do CP).

Ação Penal 470 Plenário

155

Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)

Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do

crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal),

reconhecida no oferecimento e posterior pagamento pelo 5º

denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano

Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia

de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e

sessenta reais e sessenta e sete centavos) para o 17º

denunciado (Henrique Pizzolato), como contrapartida pelo

favorecimento ilícito que este último proporcionou à

empresa DNA Propaganda Ltda. O cheque sacado para a

obtenção do numerário que serviu de peita, assinado pelo

7º denunciado (Cristiano Paz), consta a fls. 732 do volume

nº 3 do apenso nº 87.

O 5º denunciado (Marcos Valério), em seu

interrogatório, admitiu o repasse de dinheiro ao 17º

denunciado (Henrique Pizzolato), tendo, contudo, atribuído

o evento a uma transferência, determinada pelo 3º

denunciado (Delúbio Soares), para o Diretório do PT no Rio

de Janeiro.

Ação Penal 470 Plenário

156

Quanto ao ponto, o 17º denunciado (Henrique

Pizzolato), em seu interrogatório de fls. 15.980, afirmou que,

em janeiro de 2004, recebeu um telefonema, em sua linha

celular, da secretária do 5º denunciado (Marcos Valério),

informando que este lhe havia solicitado o favor de buscar

“documentos” na agência do Banco Rural do Centro do Rio

de Janeiro. Os elementos de prova demonstraram que tais

“documentos” eram, na realidade, R$ 326.660,67 (trezentos

e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete

centavos) em espécie, pagos a título de peita ao 17º

denunciado (Henrique Pizzolato), que logo após o episódio

adquiriu um apartamento de valor equivalente.

Nos termos expostos alhures, o 17º denunciado

(Henrique Pizzolato), no exercício do cargo de Diretor de

Marketing e Comunicação do Banco do Brasil S.A.,

beneficiou indevidamente a empresa DNA Propaganda

Ltda., pertencente ao 5º denunciado (Marcos Valério), ao 6º

denunciado (Cristiano Paz) e ao 7º denunciado (Ramon

Hollerbach), tanto permitindo a retenção dos bônus de

volume, quanto concedendo pagamentos sem a efetiva

Ação Penal 470 Plenário

157

contraprestação com recursos advindos do Fundo de

Incentivo Visanet.

Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código

Penal, in verbis: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a

funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou

retardar ato de ofício”.

6º DENUNCIADO (RAMON HOLLERBACH)

Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)

Consta da denúncia, que o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach), em concurso de agentes com o 5º denunciado

(Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 17º

denunciado (Henrique Pizzolato), praticou o crime do art.

312 caput do Código Penal (crime de peculato), em razão da

apropriação do valor de R$ 2.923.686,15 (dois milhões,

novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais

e quinze centavos) pertencentes ao Banco do Brasil S.A.

Em suas alegações finais, a defesa, inicialmente,

insistiu no argumento de que a denúncia não descrevera

minuciosamente as condutas praticadas pelo 6º denunciado

(Ramon Hollerbach), que pudessem amparar a imputação

pelo crime de peculato (art. 312 do Código Penal). Ademais,

Ação Penal 470 Plenário

158

justifica a desnecessidade do repasse ao Banco do Brasil no

fato de que os valores pertenciam à própria empresa

contratada, no caso, a DNA Propaganda. Por fim, a defesa

propugna pela atipicidade da conduta.

Contudo, não procede a tese da defesa.

Inicialmente, deve-se deixar consignado que o Parquet

federal se desobrigou no seu mister de detalhar a conduta

imputada aos acusados. Com efeito, a exordial acusatória

narra que a empresa DNA Propaganda, cujos sócios eram o

5º denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz), apropriou-se

de valores devidos ao Banco do Brasil, em flagrante

descumprimento à avença previamente pactuada.

Isto impõe a conclusão de que o 6º denunciado

(Ramon Hollerbach) da DNA Propaganda, na condição de

sócio, agiu com o dolo específico de desviar as verbas que,

contratualmente, deveriam ser transferidas ao Banco do

Brasil. E, como já demonstrado algures, não havia a

separação estanque de atribuições dentro das decisões em

que eram sócios o 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º

Ação Penal 470 Plenário

159

denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado

(Cristiano Paz).

Com efeito, a atenta leitura do depoimento do 5º

denunciado (Marcos Valério) esclarece que a divisão de

tarefas na SMP&B Comunicação e na DNA Propaganda

possuía caráter meramente formal. A fls. 16.357, o 5º

denunciado (Marcos Valério) categoricamente aduz que

"havia uma divisão de tarefas apenas no plano formal, sendo, de

fato, a empresa administrada, em conjunto, pelo interrogando,

Ramon e Cristiano; diz que a empresa era ‘tocada a três mãos’;

prova disto é que havia a necessidade de aprovação, em conjunto,

dos três em decisões administrativas, havendo, outrossim, a

necessidade de ao menos duas assinaturas nos cheques emitidos

pela SMP&B.”. Tal informação é corroborada, ainda, no

depoimento do contador das empresas de Marcos Valério,

Marco Aurélio Prata (fl. 3.597). Segundo Marco Aurélio

Prata, “todos os três sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e

MARCOS VALÉRIO, participavam das decisões administrativas

da SMP&B COMUNICAÇÃO e DNA PROPAGANDA.”.

Forçoso concluir que as funções desempenhadas pelo

6º denunciado (Ramon Hollerbach) na DNA Propaganda

Ação Penal 470 Plenário

160

corroboram a imputação ministerial de que acusado, em

coautoria, desviou verbas pertencentes ao Banco do Brasil,

relativas ao Bônus de Volume, caracterizando o crime de

peculato (art. 312, caput, do Código Penal).

Demais disso, a tese defensiva de que os valores

foram retidos porque pertenciam à DNA Propaganda não

convence. Explico.

Em apertada síntese, a empresa DNA Propaganda, da

qual o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) era um dos

sócios, sagrou-se como uma das vencedoras da

Concorrência nº 01/2003, realizada pelo Banco do Brasil. No

contrato firmado entre a agência de publicidade e o Banco

do Brasil, constavam cláusulas (2.7.4.6 e 6.5) que estabelecia

o repasse à empresa estatal dos valores obtidos a título de

bônus de volume. Confira-se, por oportuno, o teor dos itens

2.7.4.6 e 6.5, respectivamente:

"CLÁUSULA SEGUNDA – OBRIGAÇÕES

DA CONTRATADA

(...)

2.7.4.6. Envidar esforços para obter as melhores

condições nas negociações junto a terceiros e

Ação Penal 470 Plenário

161

transferir, integralmente, ao BANCO os

descontos especiais (além dos normais, previstos

em tabelas), bonificações, reaplicações, prazos

especiais de pagamento e outras vantagens."

(documento de fls. 48/49, Apenso n° 83, vol.

01)

“ CLÁUSULA SEXTA – REMUNERAÇÃO

(...)

6.5. A Contratada não fará jus a nenhuma

remuneração ou desconto padrão de agência

quando da utilização, pelo Banco, de créditos que

a esta tenham sido eventualmente concedidos por

veículos de divulgação, em qualquer ação

publicitária pertinente a este Contrato.”

As supracitadas cláusulas se revelam suficientemente

claras no sentido de atribuir ao Banco do Brasil a

titularidade das verbas auferidas pela DNA Propaganda no

curso do contrato. E isso se justifica em razão de ser o Banco

do Brasil, por meio de sua Diretoria de Marketing, e não as

agências de publicidade por ele contratadas, que

negociavam diretamente com veículo de divulgação, a teor

Ação Penal 470 Plenário

162

das declarações do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), de

fls. 15.964, vol. 74.

Entretanto, há informações nos autos de que tal

obrigação não foi adimplida, tendo a DNA Propaganda se

apropriado dos valores obtidos a título de Bônus de

Volume-BV, no valor de valor de R$ 2.923.686,15 (dois

milhões, novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e

seis reais e quinze centavos). Tal fato restou provado pelas

declarações prestadas pelo Banco do Brasil S.A., a fls. 332

do volume 2 do apenso 83. Insta ressaltar que a ausência de

repasse ao Banco é fato incontroverso nos autos, admitido

por todos os denunciados envolvidos. Assim, a expressa

previsão contratual não dá margem a equívocos e

distorções, de modo que os valores obtidos no curso do

contrato deveriam ser transferidos pela DNA Propaganda

ao Banco do Brasil.

Adite-se a isso que as Informações Técnicas nº

063/2010, de fls. 38.523/38.528, vol. 179, complementando o

Laudo nº 1.870/2009 (a fls. 34.843/34.858), reafirmam

peremptoriamente que, por expressa determinação

contratual, “todas as cobranças dos referidos Bônus de Volume –

Ação Penal 470 Plenário

163

BV deveriam ter sido restituídas pela DNA Propaganda Ltda. ao

Banco do Brasil.”

E, mais que isso, o mesmo Laudo n° 1.870/2009, de fls.

34.843/34.858, fortalece a tese de que houve a apropriação

indevida por parte da DNA Propaganda. Examinando o

teor da referida perícia, verifica-se a sistemática da

apropriação operada pela DNA Propaganda: o Banco do

Brasil negociava com os veículos de mídia e com outros

prestadores de serviços, repassando o preço integral do

serviço contratado com tais empresas à DNA Propaganda,

nele embutido o valor correspondente ao bônus de volume.

Desse montante, a DNA Propaganda retirava a sua

remuneração – esta sim devida, porquanto percebida a

título de honorários advocatícios – e o restante transferia

para as empresas contratadas. Em seguida, tinha-se o

pagamento pela empresa contratada à DNA Propaganda

referente ao Bônus de Volume – BV, em razão dos serviços

prestados ao Banco do Brasil. Por fim, e aqui é que se

configurava o crime de peculato, a DNA Propaganda emitia

as notas fiscais correspondentes (inidôneas, frise-se!!),

Ação Penal 470 Plenário

164

retendo os recursos de titularidade do Banco do Brasil, no

lugar de restituí-los.

Também não procede a alegação da defesa segundo

o qual a apropriação dos valores feita pela DNA

Propaganda consubstanciava uma espécie de “comissão” a

que fazia jus em razão do complexo de serviços por ela

contratados com os veículos de mídia. Como dito acima,

todos os valores auferidos pela DNA Propaganda deveriam

ser repassados ao Banco do Brasil, por expressa previsão

contratual.

Mas não é só. O argumento de que se tratava de

comissões somente se legitima se as bonificações se

limitassem à contraprestação pelas avenças firmadas pela

DNA Propaganda com outras empresas prestadoras de

serviços de divulgação na imprensa (veiculação de

propaganda em televisão, rádio, jornais e revistas).

Entrementes, as bonificações abarcavam ainda outros

serviços subcontratados pela agência de publicidade

(Laudo Pericial nº 1.870/2009, a fls. 34.843/34.858), e não

apenas a compra de mídia.

Ação Penal 470 Plenário

165

Diante disso, se se considerar apenas estes valores,

ainda assim a DNA Propaganda apropriou-se do montante

total de R$ 2.504.274,88 (dois milhões quinhentos e quatro

mil, duzentos e setenta quatro reais e oitenta e oito

centavos), conforme documento de fls. 386, Apenso nº 83,

vol. 2. Em outras palavras, tão somente R$ 419.411,27

(quatrocentos e dezenove mil, quatrocentos e onze reais e

vinte e sete centavos), atinentes ao somatório das notas

fiscais emitidas pela Três Editorial Ltda., subsumem-se ao

conceito de Bônus de Volume – BV proposto pelo acusado.

Por outro lado, verifica-se in casu que a outra empresa

da qual o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado

(Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) eram

sócios, a SMP&B Comunicação, no contrato estabelecido

com a Câmara dos Deputados, repassou a quantia referente

aos bônus de volume para o órgão público, o que denota

que os acusados conheciam a escorreita destinação das

verbas (informações prestadas pela Câmara dos Deputados,

fls. 40.816).

Neste particular, convém registrar a não incidência à

hipótese do disposto na Lei nº 12.232/2010, que versa sobre

Ação Penal 470 Plenário

166

contratos com agências de propaganda. Em primeiro lugar,

porque se trata de legislação posterior aos fatos narrados na

exordial. O texto constitucional, em seu art. 5º, inciso

XXXVI, veda a retroatividade da lei quando afetar atos

jurídicos perfeitos, como é o caso dos contratos celebrados

entre a SMP&B Propaganda e o Banco do Brasil.

Ademais, não se pode considerar a nova legislação

como abolitio criminis. Conforme mencionado no

depoimento do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), de fls.

15.964, vol. 74, a negociação de compra de mídia era feita

diretamente pelo Banco do Brasil, e não pela DNA

Propaganda, cuja atuação circunscrevia-se em efetuar o

pagamento. Isso significa que os sócios da DNA

Propaganda sabiam de antemão que o pagamento realizado

pelas empresas subcontratadas deveria ser transferido ao

Banco do Brasil.

Muito pelo contrário. O parágrafo único do art. 15 da

Lei n° 12.232/2010 positivou no ordenamento jurídico pátrio

o que fora estabelecido anteriormente no negócio jurídico

celebrado entre o Banco do Brasil e a DNA Propaganda:

que os recursos obtidos pela compra de mídia, diretamente

Ação Penal 470 Plenário

167

ou por agência de publicidade, devem ser transferidos ao

contratante, no caso o Banco do Brasil. Assim dispõe in

verbis o supracitado preceito legal:

“Art. 15. (...)

Parágrafo único. Pertencem ao contratante as vantagens

obtidas em negociação de compra de mídia diretamente ou por

intermédio de agência de propaganda, incluídos os eventuais

descontos e as bonificações na forma de tempo, espaço ou

reaplicações que tenham sido concedidos pelo veículo de

divulgação.”

Como se logrou demonstrar nos presentes autos, os

recursos apropriados pela DNA Propaganda não se

relacionavam com qualquer “plano de incentivo”. Com

efeito, as notas fiscais acostadas aos autos, Laudo nº

1.870/2009, vol. 162, de fls. 34.843/34.858) dão conta de que

os Bônus de Volume-BV retidos pela DNA Propaganda se

relacionam aos serviços contratados pelo Banco do Brasil, e

que, por expressa determinação contratual e legal,

pertencem ao próprio Banco do Brasil.

E ainda que se considerasse que houve abolitio

criminis, a materialidade do delito de peculato estaria

Ação Penal 470 Plenário

168

configurada, na medida em que houve a apropriação,

conforme acima descrito, de parte substancial do montante

R$ 2.923.686,15 (dois milhões, novecentos e vinte e três mil,

seiscentos e oitenta e seis reais e quinze centavos), mais

especificamente de R$ 2.504.274,88 (dois milhões

quinhentos e quatro mil, duzentos e setenta quatro reais e

oitenta e oito centavos), doc. fls. 386, Apenso nº 83, vol. 2.

Diante do robusto acervo probatório acostado aos

autos, impõe-se reconhecer que o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) praticou o crime de peculato (art. 312 caput do

Código Penal).

Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro

vezes, na forma do art. 71 do CP)

De acordo com os elementos dos autos, o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach), em conluio com o 5º

denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano

Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), desviou o

valor de R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões, oitocentos

e cinquenta e um mil reais), provenientes do Fundo de

Investimento da Companhia Brasileira de Meios de

Ação Penal 470 Plenário

169

Pagamento (Visanet), composto de recursos do Banco do

Brasil S.A.

Em suas alegações finais, propugna a defesa que o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) não desempenhava

funções na administração da DNA Propaganda, conforme

análise do contrato firmado entre a aludida agência de

publicidade e o Banco do Brasil, doc. nº 06, anexado à

Defesa Preliminar, Apenso nº 111 dos autos), razão pela

qual não subsistiria a imputação pelo crime em tela. Demais

disso, sustentam que a retenção dos valores não

caracterizou crime de peculato, na medida em que os

recursos adiantados à DNA Propaganda pelo 17º

denunciado (Henrique Pizzolato) pertenciam à VISANET –

empresa privada –, e não ao erário federal.

As alegações da defesa não merecem ser acolhidas.

Em breve síntese dos fatos, o 17º denunciado

(Henrique Pizzolato) autorizou a liberação antecipada de

R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões, oitocentos e

cinquenta e um mil reais). Com efeito, consta da peça

acusatória ministerial que, das quatro autorizações

antecipatórias, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato)

Ação Penal 470 Plenário

170

assinou três delas (doc. de fls. 5.376/5.389). Tal informação

foi ratificada pelo próprio acusado, quando da apresentação

de sua defesa antes do recebimento da denúncia (a fls. 43,

Apenso 117), ocasião em que aquiescera com a transferência

dos recursos do Fundo VISANET para a DNA Propaganda.

Conforme constatado pelo Laudo Pericial nº

2828/2006-INC (fls. 77/119 do apenso 142), a DNA

Propaganda Ltda. emitiu notas fiscais inidôneas para o

recebimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00 (vinte e

três milhões e trezentos mil reais) em 19/05/2003; R$

6.454.331,43 (seis milhões, quatrocentos e cinquenta e

quatro mil, trezentos e trinta e um reais e quarenta e três

centavos) em 28/11/2003; R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco

milhões de reais) em 12/03/2004; e R$ 9.097.024,75 (nove

milhões, noventa e sete mil e vinte e quatro reais e setenta e

cinco centavos) em 01/06/2004. Duas das quatro notas

fiscais nem sequer foram registradas na contabilidade

original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com o Laudo

nº 3.058/2005-INC (fls. 8.452/8.472). O mesmo laudo

comprova inúmeras incongruências na prestação de contas

Ação Penal 470 Plenário

171

da DNA Propaganda Ltda., relativa aos exorbitantes

valores percebidos.

Não bastasse isso, estas antecipações feitas à agência

de publicidade não foram acompanhadas das

comprovações dos serviços que justificariam a transferência

dos volumosos recursos, conforme restou comprovado pelo

Laudo Pericial nº 2.828/2006-INC, a fls. 77/119, Apenso nº

142. Abaixo transcreve-se, por oportuno, trecho

significativo que corrobora a afirmação supra:

“IV.5 – Dos Contratos

(...)

40. Considerados os contratos entre o BB e a

DNA e as movimentações financeiras na conta

corrente da DNA, foi constatado que, para

executar despesas de publicidade, deveria haver

prévia aprovação de campanha publicitária, da

execução dos serviços, a confirmação da execução

e o posterior pagamento de cada um dos

fornecedores em créditos específicos na conta

corrente da agência de publicidade.

Ação Penal 470 Plenário

172

41. Quanto aos recursos do Fundo de Incentivo,

constatou-se que os valores faturados pela DNA

contra a Visanet eram aprovados de maneira

global, sem análise prévia das despesas, sem a

confirmação de execução dos serviços e com

antecipação de recursos.

42. Esses valores eram depositados nas contas

601999-4 ou 602000-3 da DNA, no Banco do

Brasil. Em seguida, eram transferidos, no todo ou

em parte, para fundos de investimentos do BB,

vinculados às contas 602000-3 ou 603000-9.

Documentos da DNA explicam o funcionamento

dessas contas e suas exclusividades para

movimentação de recursos do Fundo, Anexo I,

fls. 002 a 04.

43. Após autorização formal do BB, mediante

Nota Técnica, para pagamento a prestadores de

serviços, a DNA transferia recursos da conta

602000-3 para conta 601999-4 e a partir desta,

mediante cheque, TED ou saques em espécie,

eram efetuados os pagamentos aos fornecedores.

Ação Penal 470 Plenário

173

44. Durante os exames verificou-se que muitos

dos projetos ou campanhas publicitárias para o

Banco do Brasil, vinculados à verba do Fundo de

Incentivo, não apresentavam documentos que

permitissem comprovar que a DNA realizou os

respectivos serviços. Em determinados casos, a

DNA somente executou serviços de pagamentos

de faturas apresentadas pelo Banco do Brasil, tais

como UNESCO, BBTUR, Casa Tom Brasil, Paço

Alfândega, Lowe Ltda., dentre outros.

IV.6 - Dos Valores Destinados ao Banco do Brasil

Repassados à DNA

45. Após autorização formal do BB, mediante

Nota Técnica, para pagamento a prestadores de

serviços, a DNA transferia recursos da conta

602000-3 para conta 601999-4 e a partir desta,

mediante cheque, TED ou saques em espécie,

eram efetuados os pagamentos aos fornecedores.

46. Os exames foram direcionados para seis

grandes repasses realizados no período. A análise

do processo de liberação de recursos e de

Ação Penal 470 Plenário

174

prestação de contas, incluindo as notas fiscais

emitidas pela DNA, permitiu concluir que esses

valores foram transferidos em forma de

adiantamentos, o que contraria o Regulamento do

Fundo.

47. Para os valores transferidos, não existia ou

não foi apresentado um plano para utilização dos

recursos, tanto pela Visanet, quanto pelo BB ou

pela DNA. Também não havia quaisquer

documentos entre as partes vinculando a

necessidade de prestar serviços em decorrência

dos valores transferidos.

48. Os valores foram adiantados com a

apresentação de correspondências do Banco do

Brasil, JOBs, informando o valor a ser utilizado

pelo Banco, sem detalhamento das ações a serem

empreendidas, e, também por meio de

correspondência do BB, de notas fiscais emitidas

pela DNA, sem especificação dos serviços

prestados ou a serem realizados.

Ação Penal 470 Plenário

175

49. Com base nesses JOBs, a Visanet, mediante

uma rotina burocrática de aprovação da

solicitação de pagamento dos serviços, sem

quaisquer análises documentais, em desacordo

com as normas do Fundo, efetivava os

"pagamentos", quando na verdade tratava-se de

adiantamentos de recursos, que também não são

previstos no regulamento.”

Por outro lado, o Laudo Pericial nº 3.058/05-INC

corrobora as afirmações esposadas na exordial, no sentido

de que as notas fiscais emitidas por antecipação careciam

de legitimidade. Assim, é induvidoso que o repasse de

recursos do Fundo ocorreu com a prévia anuência do Banco

do Brasil e da VISANET, na medida em que as notas fiscais

não correspondiam a qualquer serviço prestado. De acordo

com o Laudo Pericial nº 3.058/05-INC:

"62. Além desses fatos, vale ressaltar que as

notas fiscais analisadas foram emitidas como

custo interno, o que significa que a própria

empresa DNA deveria ter prestado todos os

serviços relacionados às notas, não existindo

Ação Penal 470 Plenário

176

referência a contratações de outros prestadores de

serviços, tais como gráficas, ou mídias de

comunicação.

63. Na contabilidade, a Visanet registrou essas

notas fiscais como efetiva prestação de serviços

pela DNA, embora houvesse nessas notas e JOBs

informações suficientes para que se identificasse

incompatibilidade de datas, curto interstício de

tempo entre a aprovação e a execução dos

serviços, divergências de ações entre as descrições

de serviços com os JOBs apresentados,

faturamento como custo interno de todo o valor

da nota, além de não constar nos documentos

quaisquer comprovantes da efetiva execução dos

serviços pagos.

64. Nesse contexto, consideradas também as

características de custos internos das notas fiscais

e a necessidade de terceirização na execução de

serviços, cabe destacar que os prepostos do Banco

do Brasil, que decidiram e apresentaram para

pagamento as notas fiscais emitidas pela DNA

Ação Penal 470 Plenário

177

contra a Visanet, os prepostos da Visanet, que

acataram as notas sem quaisquer análises, e os

representantes da DNA eram conhecedores de

que essas notas apresentadas para sacar recursos

do Fundo não representavam serviços prestados.

65. Ainda em relação a essas notas fiscais,

considerando que todas são vinculadas ao fisco da

Prefeitura do Município de Rio Acima - MG,

cabe trazer as constatações do Laudo de Exame

Contábil nº 3058/05 - INC, de 29/11/2005, a

saber:

Ao 5° - Os investigados elaboraram,

distribuíram, forneceram, emitiram ou utilizaram

documento fiscal falso ou inexato?

72. Sim. Houve adulteração de Autorizações de

Impressões de Documentos Fiscais (AlDF),

comprovada por meio do Laudo de Exame

Documentoscópico nº. 3042/05- INC/ DPF, de

24/11/05.

73. Houve falsificação de assinaturas de

servidores públicos e de carimbos pessoais,

Ação Penal 470 Plenário

178

comprovada por meio do Laudo de Exame

Documentoscópico n°. 3042/05- INC/ DPF, de

24/11/ 05.

74. Foram impressas 80.000 notas fiscais falsas.

Vide letra h parágrafo 16, seção III – DOS

EXAMES.

75. Foram emitidas dezenas de milhares de notas

fiscais falsas. Vide letra i, parágrafo 16, e

parágrafo 22, da seção m - DOS EXAMES.

Entre essas, pode-se destacar três notas fiscais da

DNA emitidas à CBMP (Visanet): NF 029061,

de 05/05/03, R$ 23.300.000,00; NF 037402, de

13/02/04, R$ 35.000.000,00; NF 033997, de

11/11/03, R$ 6.454.331,43; e uma da Eletronorte:

NF 028207, de '08/e2/03, R$ 12.000.000;00.

66. Assim, os Peritos puderam concluir que essas

notas da DNA, além de serem falsas no suporte,

também o são no conteúdo, pois nenhuma delas

retrata uma prestação de serviços efetiva pela

agência de publicidade vinculada a Marcos

Valéria.”

Ação Penal 470 Plenário

179

Ao vasto acervo probatório é preciso incluir ainda o

depoimento da testemunha Danévita Ferreira de

Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do

Brasil, a fls. 20.114 e seguintes. Segundo narra, o Núcleo de

Mídia do Banco do Brasil administrava a verba oriunda da

Visa e que cabia a esta testemunha verificar a efetiva

implementação dos planos de mídia para autorizar o

pagamento aos veículos de comunicação. Entretanto, de

acordo com as suas considerações, o dinheiro foi

transferido para a DNA Propaganda sem a efetiva

prestação do serviço de publicidade. Portanto, houve o

pagamento sem que o serviço tenha sido prestado. Ante a

relevância, reproduzem-se, in verbis, os excertos que

afirmam o esquema ilícito:

“QUE o Núcleo de Mídia do Banco do Brasil é

formado por profissionais contratados pelas

agências licitadas para administrar todo o

processo publicitário e de comunicação do Banco

do Brasil; ( ...) QUE o NMBB era subordinado

administrativamente ao setor de marketing do

Banco do Brasil, a quem cabia repassar as

Ação Penal 470 Plenário

180

diretrizes, orientações e determinações a serem

seguidas; ( .. .) QUE no NMBB exercia a junção

de gerente de mídia, tendo como principal

atividade o controle da verba de veiculação

publicitária do Banco do Brasil; ( ... ) QUE no

ano de 2003 lhe foi apresentado o plano de mídia

da campanha Banco do Brasil/Visa Electron para

ser verificado e analisado para posterior

pagamento; QUE cabia à declarante atestar

que a campanha havia sido realmente

veiculada para poder autorizar o pagamento

aos veículos; QUE entretanto o dinheiro já

havia sido transferido para a DNA

Propaganda, sendo que o plano de mídia do

Banco do Brasil/Visa Electron apresentado

iria apenas regularizar e simular a

prestação do serviço de publicidade; QUE

entretanto esta campanha, no valor

aproximado de R$ 60 milhões, de fato nunca

havia sido veiculada; QUE o próprio diretor

de mídia da agência DNA Propaganda,

Ação Penal 470 Plenário

181

FERNANDO BRAGA, afirmou para a

declarante que esta campanha do Banco do

Brasil/Visa Electron não tinha e nem iria ser

veiculada; QUE cabia à agência DNA

Propaganda apresentar as notas fiscais

relativas aos gastos de veiculação da

referida campanha; QUE acredita que as

notas fiscais frias emitidas pela DNA

Propaganda e que estavam sendo

destruídas, conforme notícias da imprensa,

foram elaboradas para justificar esta

campanha de 2003 ou outras campanhas que

nunca foram veiculadas; QUE a partir da

sua recusa em assinar o plano de mídia

Banco do Brasil/Visa Electron do ano de

2003, bem como outros documentos que

poderiam lhe comprometer, percebeu que iria

ser demitida.” (doc. de fls. 19.158/19.161,

confirmado a fls. 20.114/20.128).

A relação entre o 5º denunciado (Marcos Valério) e o

17º denunciado (Henrique Pizzolato) também restou

Ação Penal 470 Plenário

182

comprovada nas declarações da testemunha Danévita

Ferreira de Magalhães, consoante se pode verificar:

"A SRA. - A senhora sabe informar se o Marcos

Valéria tinha alguma ligação com esse diretor lá

do núcleo de mídia?

A SRA. DANÉVITA FERREIRA DE

MAGALHÃES - A diretora do núcleo de mídia

era eu; é o diretor de Marketing do Banco do

Brasil o Senhor Henrique Pizzolato.

A SRA. - Ele tinha alguma ligação com ele?

A SRA. DANÉVITA FERREIRA DE

MAGALHÃES - Sim, direta.

A SRA. REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO

PÚBLICO – E vocês obedeciam às diretrizes

determinadas por quem lá no núcleo? Como que

era o trabalho? Vocês faziam a campanha, o

trabalho da - vamos dizer - veiculação era

aprovado por quem? Pela própria agência de

publicidade ou alguém do Banco do Brasil?

Ação Penal 470 Plenário

183

A SRA. DANÉVITA FERREIRA DE

MAGALHÃES - O Banco é quem determinava.

Sempre o Banco quem determinava.

A SRA. REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO

PÚBLICO – Quem do Banco lhe transferia as

orientações?

SRA. DANÉVITA FERREIRA DE

MAGALHÃES - É, vinha orientação do diretor

com o gerente e a pessoa era o subgerente, que era

o Senhor Roberto Messias, mas quem realmente

comandava era o Senhor Henrique Pizzolato.

Segundo o Laudo Pericial nº 2828/2006, parte do

dinheiro desviado do Fundo Visanet foi repassado para a

conta de titularidade da SMP&B Comunicação, da qual o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) era Vice-Presidente de

operações. Vale dizer, os estreitos laços que ligavam o 17º

denunciado (Henrique Pizzolato) e os sócios da DNA

Propaganda – 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado

(Cristiano Paz) prepararam o terreno para que os repasses

se concentrassem na aludida agência de publicidade.

Ação Penal 470 Plenário

184

Insta ressaltar que a relação não republicana entre os

acusados – assim como a constatação de que a gestão do 17º

denunciado (Henrique Pizzolato), enquanto Diretor de

Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, foi

determinante para a mudança do formato dos repasses Via

VISANET – foram precisamente diagnosticadas no

Relatório Final da CPMI dos Correios (Volume 63).

De outra banda, os peritos ratificaram que o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach), em conluio com o 5º

denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado (Cristiano

Paz), apropriaram-se das verbas objeto dos pagamentos

realizados pela VISANET, como uma espécie de

remuneração pelos serviços supostamente prestados. A

gramática interna da retenção ilícita das verbas se fundava

em saques e transferências realizadas a título de

“distribuição de lucros”.

Diante disso, ante a sua posição de sócio da DNA

Propaganda e a SMP&B Comunicação, deve-se imputar ao

6º denunciado (Ramon Hollerbach) a prática do crime de

peculato, porquanto não estava alheio à empreitada

Ação Penal 470 Plenário

185

criminosa, consoante bem apontou o e. Ministro Revisor

Ricardo Lewandowski, aquiescendo com a retenção ilícita.

Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)

Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do

crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal),

reconhecida no oferecimento e posterior pagamento pelo 5º

denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano

Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia

de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e

sessenta reais e sessenta e sete centavos), no dia 15 de

janeiro de 2004, para o 17º denunciado (Henrique

Pizzolato), como contrapartida pelo favorecimento ilícito

que este último proporcionou à empresa DNA Propaganda

Ltda.

Com efeito, o cheque tinha como origem a conta da

DNA Propaganda, conforme prova acostada aos autos a fls.

729/738, Apenso nº 87, vol. 3. Consoante prática iterativa, o

cheque foi assinado nominalmente à DNA Propaganda, em

que um dos sócios era o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach), e endossado à própria agência. Mais ainda, foi

emitido sob o rótulo de “pagamento de fornecedor” (a fls.

Ação Penal 470 Plenário

186

734), como tentativa de ludibriar a transferência indevida

ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato).

De acordo com relato contido nos autos, o cheque não

fora sacado diretamente pelo 17º denunciado (Henrique

Pizzolato), mas por interposto, Luiz Eduardo Ferreira da

Silva, mensageiro da PREVI, da qual o ora acusado era o

Presidente à época. A comprovação se encontra nos recibos

de uso interno dos denunciados, acostado aos autos a fls.

736, Apenso nº 87, vol. 3.

A remição do cheque foi também ratificada pelo

depoimento do próprio mensageiro Luiz Eduardo Ferreira

da Silva, a fls. 992/994, vol. 4, quando declarou ter recebido

uma ligação do 17º denunciado (Henrique Pizzolato),

solicitando que se dirigisse ao Banco Rural para efetuar o

saque do montante. Declarou, ademais, que repassara todo

o valor percebido, em mãos, ao 17º denunciado (Henrique

Pizzolato), acrescentando a informação de que tal verba se

destinou à aquisição do apartamento em que o 17º

denunciado (Henrique Pizzolato) reside.

Estes eventos restaram demonstrados consoante

interrogatório do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), a

Ação Penal 470 Plenário

187

fls. 15.980, na qual afirmou que, em janeiro de 2004,

recebera um telefonema, em sua linha celular, da secretária

do 5º denunciado (Marcos Valério), informando que este

lhe havia solicitado o favor de buscar “documentos” na

agência do Banco Rural do Centro do Rio de Janeiro. Os

elementos de prova demonstraram que tais “documentos”

eram, na realidade, R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis

mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete centavos)

em espécie, pagos a título de peita ao 17º denunciado

(Henrique Pizzolato), que logo após o episódio adquiriu um

apartamento de valor equivalente.

Adite-se a isso que consta dos autos informações

contraditórias para justificar o recebimento do montante.

De um lado, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), a fls.

1009/1013, assevera ter prestado favores ao 5º denunciado

(Marcos Valério), enquanto, do outro lado, o 5º denunciado

(Marcos Valério), a fls. 16.365, afirma categoricamente que o

repasse do dinheiro foi determinado pelo 3º denunciado

(Delúbio Soares).

Ocorre que, a despeito da presença de informações

colidentes nos depoimentos, o valor repassado ao 17º

Ação Penal 470 Plenário

188

denunciado (Henrique Pizzolato) se dera como uma

contrapartida em razão das benesses concedidas por este,

na condição de Diretor de Marketing e de Comunicação do

Banco do Brasil, à DNA Propaganda, pertencente ao 6º

denunciado (Ramon Hollerbach), ao 5º denunciado (Marcos

Valério) e ao 7º denunciado (Cristiano Paz), que assinou o

cheque, repita-se.

Nos termos expostos algures, o 17º denunciado

(Henrique Pizzolato), no exercício do cargo de Diretor de

Marketing e Comunicação do Banco do Brasil S.A.,

beneficiou indevidamente a empresa DNA Propaganda

Ltda., pertencente ao 5º denunciado (Marcos Valério), ao 6º

denunciado (Cristiano Paz) e ao 7º denunciado (Ramon

Hollerbach), tanto permitindo a retenção dos bônus de

volume, quanto concedendo pagamentos sem a efetiva

contraprestação com recursos advindos do Fundo de

Incentivo Visanet.

Demais disso, verifica-se que a empresa DNA

Propaganda, da qual o 6º denunciado (Ramon Hollerbach)

era um dos sócios, fora agraciada, dias após a emissão do

cheque, com a transferência de R$ 35.000.000,00 (trinta e

Ação Penal 470 Plenário

189

cinco milhões de reais), devidamente autorizados pelo 17º

denunciado (Henrique Pizzolato). De efeito, essa

transferência habilitou a DNA Propaganda a firmar

empréstimos junto ao Banco BMG, cuja finalidade precípua

era repassar essas verbas a pessoas previamente apontadas

pelo 3º denunciado (Delúbio Soares). O depoimento do 5º

denunciado (Marcos Valério), a fls. 356, vol. 2, confirma o

ocorrido.

Dois argumentos finais comprovam a ilicitude dos

pagamentos feitos ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato).

O primeiro consiste na malfadada alegação de que o 6º

denunciado (Ramon Hollerbach) não se reunia diretamente

com o 17º denunciado (Henrique Pizzolato). Dentro da

divisão de tarefas, típica da coautoria, os contatos pessoais

reservavam-se ao 5º denunciado (Marcos Valério). Os

demais sócios da DNA Propaganda – o 6º denunciado

(Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz) –

atuavam internamente, de modo a permitir o uso das

agências das quais eram sócios como solo fértil para a

empreitada criminosa, consubstanciada em

enriquecimentos ilícitos e desvios de verbas públicas. Dito

Ação Penal 470 Plenário

190

de outro modo, o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), o

acusado que nos move neste momento, não estava alheio ao

que ocorria sob sua vigilância.

O segundo, e derradeiro, ponto que gostaria de

destacar se refere ao teor do depoimento da testemunha

Paulino Alves Ribeiro Júnior, à época Diretor Financeiro da

agência DNA Propaganda. Segundo consta de seu

interrogatório, o 5º denunciado (Marcos Valério)

determinava a emissão de vultosos saques daquela agência

de publicidade como forma de distribuição de lucros da

Grafitti Ltda. e como empréstimos à SMP&B Propaganda,

ambas de sociedade exclusiva do 5º denunciado (Marcos

Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º

denunciado (Cristiano Paz).

Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código

Penal, in verbis: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a

funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou

retardar ato de ofício”.

7º DENUNCIADO (CRISTIANO PAZ)

Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)

Ação Penal 470 Plenário

191

A instrução probatória logrou demonstrar que o 7º

denunciado (Cristiano Paz), em concurso de agentes com o

6º denunciado (Ramon Hollerbach), o 5º denunciado

(Marcos Valério) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),

praticou o delito de peculato, em razão da apropriação do

valor de R$ 2.923.686,15 (dois milhões, novecentos e vinte e

três mil, seiscentos e oitenta e seis reais e quinze centavos)

pertencentes ao Banco do Brasil S.A.

Conforme cláusula do contrato entre a DNA

Propaganda e o Banco do Brasil S.A., era obrigação da

primeira empresa “transferir, integralmente, ao BANCO os

descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas),

bonificações, reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras

vantagens“ (fls. 48/49 do volume 1 do apenso 83).

Entretanto, a obrigação foi descumprida, tendo a DNA

Propaganda se apropriado dos valores obtidos a título de

bônus de volume no valor de valor de R$ 2.923.686,15 (dois

milhões, novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e

seis reais e quinze centavos), o que restou provado por

informação prestada pelo Banco do Brasil S.A., a fls. 332 do

volume 2 do apenso 83. Ademais, a ausência de repasse é

Ação Penal 470 Plenário

192

fato incontroverso nos autos, admitido por todos os

denunciados envolvidos.

A tese defensiva de que os valores foram retidos

porque pertenciam à DNA Propaganda não convence. A

uma, em razão da expressa previsão contratual, que não dá

margem a equívocos e distorções. A duas, porque a outra

empresa da qual o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º

denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) eram sócios, a SMP&B Comunicação, no

contrato estabelecido com a Câmara dos Deputados,

repassou a quantia referente aos bônus de volume para o

órgão público, o que denota que os acusados sabiam qual

deveria ser o destino das verbas (informações prestadas

pela Câmara dos Deputados, fls. 40.816).

Inaplicável à hipótese o disposto na Lei nº

12.232/2010, que versa sobre contratos com agências de

propaganda, seja porque se trata de legislação posterior,

seja por força da previsão contratual expressa em contrário.

Por isso mesmo, não se pode considerar a nova legislação

como abolitio criminis, mercê da sua total impertinência com

a seara penal.

Ação Penal 470 Plenário

193

Também não prospera a alegação defensiva de que o

7º denunciado (Cristiano Paz) não exercia qualquer

interferência na atividade gerencial da DNA Propaganda

Ltda. Primeiramente porque o 7º denunciado (Cristiano

Paz) efetivamente representava a aludida empresa, tanto

assinou o cheque que se destinou ao pagamento de R$

326.660,67 para o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),

segundo consta dos autos (Apenso 87, volume 3, fls. 732).

Ademais, o depoimento do Sr. Ivan Guimarães, ex-

presidente do Banco Popular do Brasil, registra que o 7º

denunciado (Cristiano Paz) e 5º denunciado (Marcos

Valério) se apresentaram a ele como representantes da

DNA Propaganda Participações Ltda. (vol. 135, fls.

29.523/29.537), o que revela papel verdadeiramente decisivo

na condução dos negócios sociais. Consta ainda dos autos

depoimento de Walfrido dos Mares Guia (v. 98, fls,

21.272/9), afirmando que, após a morte do Sr. Daniel Freitas

em 2002, a SMP&B e a DNA Propaganda passaram a ser

controladas pelo mesmo grupo composto exclusivamente

pelos 5º denunciado (Marcos Valério), 6º denunciado

(Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz).

Ação Penal 470 Plenário

194

Some-se a isso que o depoimento do 5º denunciado

(Marcos Valério) esclarece que a divisão de tarefas na

SMP&B Comunicação e na DNA Propaganda possuía

caráter meramente formal. A fls. 16.357, o 5º denunciado

(Marcos Valério) categoricamente aduz que "havia uma

divisão de tarefas apenas no plano formal, sendo, de fato, a

empresa administrada, em conjunto, pelo interrogando, Ramon e

Cristiano; diz que a empresa era ‘tocada a três mãos’; prova disto

é que havia a necessidade de aprovação, em conjunto, dos três em

decisões administrativas, havendo, outrossim, a necessidade de ao

menos duas assinaturas nos cheques emitidos pela SMP&B.”. Tal

informação é corroborada, ainda, no depoimento do

contador das empresas de Marcos Valério, Marco Aurélio

Prata (fl. 3.597). Segundo Marco Aurélio Prata, “todos os três

sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e MARCOS VALÉRIO,

participavam das decisões administrativas da SMP&B

COMUNICAÇÃO e DNA PROPAGANDA”.

Esses dados são , a fls. 29 do Apenso 51 do vol. I, o

Instituto Nacional de Criminalística traçou esclarecedor

diagrama das relações empresariais articuladas pelo 5º

denunciado (Marcos Valério), aí evidenciando a ampla

Ação Penal 470 Plenário

195

integração do grupo econômico de que fazia parte a DNA

Propaganda e a Graffiti Participações, tudo isso revelar a

sintonia criminosa em que operavam os envolvidos.

Em seu depoimento (fls. 2253/2256, vol. 11), o 7º

denunciado (Cristiano Paz) reconhece que formalizou cinco

empréstimos em nome da Graffiti Participações, sendo três

deles junto ao Banco BMG e dois junto ao Banco RURAL,

tendo sido informado pelo 5º denunciado (Marcos Valério)

que os valores obtidos se destinavam ao Partido dos

Trabalhadores, segundo entendimentos firmados entre ele e

o 3º denunciado (Delúbio Soares).

Diante de todo esse quadro probatório, é

incontroverso que as funções desempenhadas pelo 7º

denunciado (Cristiano Paz) na DNA Propaganda

corroboram a imputação ministerial de que acusado, em

coautoria, desviou verbas pertencentes ao Banco do Brasil,

relativas ao Bônus de Volume, caracterizando o crime de

peculato (art. 312, caput, do Código Penal).

Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro

vezes, na forma do art. 71 do CP)

Ação Penal 470 Plenário

196

De acordo com os elementos dos autos, o 7º

denunciado (Cristiano Paz), em conluio com o 5º

denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon

Hollerbach) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),

desviou o valor de R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões,

oitocentos e cinquenta e um mil reais), provenientes do

Fundo de Investimento da Companhia Brasileira de Meios

de Pagamento (Visanet), composto de recursos do Banco do

Brasil S.A.

A incursão no crime de peculato por quatro vezes

decorre de quatro diferentes repasses pelo Fundo Visanet

de verbas milionárias pertencentes ao Banco do Brasil para

a empresa DNA Propaganda Ltda. Conforme constatado

pelo Laudo Pericial nº 2828/2006-INC (fls. 77/119 do apenso

142), a DNA Propaganda emitiu notas fiscais inidôneas

para o recebimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00

(vinte e três milhões e trezentos mil reais) em 19/05/2003; R$

6.454.331,43 (seis milhões, quatrocentos e cinquenta e

quatro mil, trezentos e trinta e um reais e quarenta e três

centavos) em 28/11/2003; R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco

milhões de reais) em 12/03/2004; e R$ 9.097.024,75 (nove

Ação Penal 470 Plenário

197

milhões, noventa e sete mil e vinte e quatro reais e setenta e

cinco centavos) em 01/06/2004. Duas das quatro notas

fiscais nem sequer foram registradas na contabilidade

original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com o Laudo

nº 3.058/2005-INC (fls. 8.452/8.472). O mesmo laudo

comprova inúmeras incongruências na prestação de contas

da DNA Propaganda Ltda., relativa aos exorbitantes

valores percebidos.

Constam dos autos diversas razões pelas quais os

recursos não poderiam ter sido repassados à DNA

Propaganda:

(i) Segundo o Laudo 2.828/2006-INC, “a forma

de uso dos recursos do Fundo de Incentivos

Visanet não estava amparada por qualquer dos

contratos apresentados à perícia” (fls. 77,

Apenso 142);

(ii) A agência de publicidade não prestou

qualquer serviço que justificasse o

pagamento. A fls. 20.114 e seguintes consta o

depoimento da testemunha Danévita

Ferreira de Magalhães, ex-funcionária do

Ação Penal 470 Plenário

198

Núcleo de Mídia do Banco do Brasil.

Segundo narra, o Núcleo de Mídia do Banco

do Brasil administrava a verba oriunda da

Visa e que cabia a esta testemunha verificar a

efetiva implementação dos planos de mídia

para autorizar o pagamento aos veículos de

comunicação. Entretanto, segundo afirma, o

dinheiro foi transferido para a DNA

Propaganda sem a efetiva prestação do

serviço de publicidade. Portanto, houve o

pagamento sem que o serviço tenha sido

prestado;

(iii) As notas fiscais apresentadas pela DNA

Propaganda não era idôneas (Laudo

2828/2006-INC, fls. 77/119, Apenso 142).

Também aqui não prospera a tese defensiva quanto à

pretensa falta de envolvimento do 7º denunciado (Cristiano

Paz). De acordo com o Laudo Pericial nº 2828/2006, parte do

dinheiro desviado do fundo Visanet foi repassado para a

conta de titularidade do 7º denunciado (Cristiano Paz),

Ação Penal 470 Plenário

199

mantida no Banco Rural; além disso, outro montante foi

transferido para a conta da SMP&B Comunicação, da qual o

7º denunciado (Cristiano Paz) era Presidente. Inequívoco,

portanto, o benefício pessoal auferido com a prática dos

ilícitos.

Além de ter obtido vantagens, o 7º denunciado

(Cristiano Paz) inegavelmente tomou parte decisiva e

determinante nas operações fraudulentas. Como assentado

supra, o 7º denunciado (Cristiano Paz) assumia obrigações

em nome da DNA Propaganda, apresentava-se a agentes

públicos como seu representante e exercia o controle da sua

gestão. Tudo isso denota que, em termos técnicos, embora o

7º denunciado (Cristiano Paz) possa não ter realizado

exclusivamente todos os elementos objetivos do tipo, não se

pode negar a sua autoria, uma vez que, na divisão prévia

de tarefas para o cometimento do ilícito penal, a sua

conduta atribuída foi imprescindível ao atingimento do fato

punível. Trata-se de um coautor funcional, porquanto a

realização dos ilícitos somente pode ser viabilizada

mediante a cooperação comunitária no fato. Assim, não se

deve exigir do 7º denunciado (Cristiano Paz) a prática da

Ação Penal 470 Plenário

200

conduta descrita no núcleo do tipo penal, mas tão somente

que a fração do ato executório por ele praticada seja

indispensável, diante das singularidades do tipo penal e do

caso concreto, para a consecução do ilícito penal.

Comprovada, desse modo, a prática de quatro crimes

de peculato (art. 312, caput, do CP).

Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)

Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do

crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal),

reconhecida no oferecimento e posterior pagamento pelo 5º

denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano

Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia

de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e

sessenta reais e sessenta e sete centavos) para o 17º

denunciado (Henrique Pizzolato), como contrapartida pelo

favorecimento ilícito que este último proporcionou à

empresa DNA Propaganda Ltda.

Quanto ao ponto, o 17º denunciado (Henrique

Pizzolato), em seu interrogatório de fls. 15.980, afirmou que,

em janeiro de 2004, recebeu um telefonema, em sua linha

celular, da secretária do 5º denunciado (Marcos Valério),

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informando que este lhe havia solicitado o favor de buscar

“documentos” na agência do Banco Rural do Centro do Rio

de Janeiro. Os elementos de prova demonstraram que tais

“documentos” eram, na realidade, R$ 326.660,67 (trezentos

e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete

centavos) em espécie, pagos a título de peita ao 17º

denunciado (Henrique Pizzolato), que logo após o episódio

adquiriu um apartamento de valor equivalente.

Como já exaustivamente destacado nesses autos, o 7º

denunciado (Cristiano Paz) foi quem efetivamente visou o

cheque de R$ 326.660,67 (Apenso 87, volume 3, fls. 732), em

nome da empresa DNA Propaganda, como pagamento ao

17º denunciado (Henrique Pizzolato), em troca do benefício

indevido por este prestado, consistente na retenção dos

bônus de volume e em pagamentos sem a efetiva

contraprestação com recursos advindos do Fundo de

Incentivo Visanet.

Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código

Penal, in verbis: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a

funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou

retardar ato de ofício”.

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CONCLUSÃO

Ex positis, acolho a denúncia ofertada pelo Ministério

Público Federal, relativamente ao item III, nos termos do

voto do Ministro Relator, salvante quanto ao 16º

denunciado (Luiz Gushiken), que absolvo com base no

inciso V do art. 386 do CPP.