suplemento alienista

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1 SUPLEMENTO DE ATIVIDADES NOME : N O : SÉRIE : ESCOLA : Escritor dos mais aclamados, Machado de Assis representa um dos pontos culminantes da literatura brasileira. Dentro de sua obra, O alienista é central, pela permanente inver- são do avesso e do direito, da norma e da exceção, temas cons- tantes de sua vasta bibliografia e para os quais o autor deu algu- mas das melhores contribuições ficcionais. As atividades a seguir pretendem ampliar a compreensão desta obra e deste tempo. Desenvolva-as após a leitura do livro, dos Diários de um Clássico, da Contextualização Histórica e da Entrevista Imaginária.

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Page 1: suplemento Alienista

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15. Leia estes trechos considerando o contexto de O alienista:

A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aosmistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, àssuas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamentoque o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucuranão diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdadeque ele distingue de si mesmo.(...)O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, dequem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçarpara pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles queas tinham imposto.(...)A verdade da loucura é ser interior à razão, ser uma de suas figuras,uma força e como que uma necessidade momentânea a fim demelhor certificar-se de si mesma.

FOUCAULT, Michel apud VIEIRA, Priscila Piazentini. “Reflexões sobre A história da loucura de Michel Foucault”.

In: Revista Aulas: Dossiê Foucault. Organização de Margareth Rago & Adilton Luís Martins. n.° 3, dez. 2006/mar. 2007.

Que relações podemos estabelecer entre essas definições da lou-cura, feitas pelo filósofo francês Michel Foucault, no século XX,e a proposta de O alienista? Explique.

Os trechos extraídos da obra de Michel Foucault levantam três pon-tos principais para uma compreensão da loucura: 1) A loucura não éuma assombração e não está ligada apenas ao mistério e ao inexpli-cável, mas à interioridade do ser humano; 2) A loucura é um com-ponente central na história da civilização, porque, não sendo abso-luta, como queria Simão Bacamarte, em cada época ela é definidapor aqueles que detêm as regras e o poder, dizendo o que ela é, sepa-rando-a do que é lúcido, racional e saudável; 3) A loucura é interiorà razão, porque só podemos nos certificar de nossa razão e do quevenha a ser a racionalidade se temos, por contraste, a experiência da

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SUPLEMENTODE ATIVIDADES

NOME:NO: SÉRIE:ESCOLA:

Escritor dos mais aclamados, Machado de Assis representaum dos pontos culminantes da literatura brasileira. Dentro de sua obra, O alienista é central, pela permanente inver-são do avesso e do direito, da norma e da exceção, temas cons-tantes de sua vasta bibliografia e para os quais o autor deu algu-mas das melhores contribuições ficcionais. As atividades a seguir pretendem ampliar a compreensão destaobra e deste tempo. Desenvolva-as após a leitura do livro, dosDiários de um Clássico, da Contextualização Histórica e daEntrevista Imaginária.

de raciocínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na histó-ria e em Itaguaí, mas, como um raro espírito que era, reconheceu operigo de citar todos os casos de Itaguaí e refugiou-se na história. Assim,apontou com especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, quetinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda,Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc., uma enfiada de casos epessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades ridí-culas. E porque o boticário se admirasse de uma tal promiscuidade, oalienista disse-lhe que era tudo a mesma coisa.

ASSIS, Machado de. “Capítulo IV: Uma teoria nova”. In: Helena e O alienista. Rio de Janeiro: Editora Três, 1972.

Comente qual a principal ironia presente no raciocínio de SimãoBacamarte. Como o autor nos faz subentender que os argumen-tos de Bacamarte são loucos?

A fina ironia desse trecho reside na enumeração dos supostos lou-cos: Sócrates, Pascal, Maomé, junto com Calígula e outros. A mistu-ra de personagens históricos e a sua definição como loucos, segun-do as teorias de Simão, criam o efeito cômico, demonstrando quequem padece de loucura é ele, o alienista. Por outro lado, Machadode Assis desenvolve uma sutileza no texto, pois ressalta queBacamarte evitava nomear os loucos de Itaguaí e, por isso, refugia-va-se na história. Isso quer dizer que ele, a despeito da crença venalem sua teoria mirabolante, ainda era malicioso o suficiente para nãoquerer comprometer sua reputação na cidade, preferindo impingir adefinição de louco a grandes nomes da civilização ocidental a fazê-loem relação a seus conterrâneos. Entra aqui uma boa dose de visãocrítica sobre as relações sociais brasileiras, e o medo de expor idéiasverdadeiras que comprometam nossa imagem diante do próximo.

14. Leia os trechos a seguir:

Embora os homens costumem ferir a minha reputação e eu saibamuito bem como meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos,orgulho-me de vos dizer que esta Loucura, sim, esta Loucura queestais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais. Aprova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita edesumana alegria brilhou no rosto de todos ao aparecer eu diantedeste numerosíssimo auditório. (...)Bastou, pois, minha simples presença para eu obter o que valentesoradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamentemeditado discurso: expulsar a tristeza de vossas almas.

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

Em que sentido essa visão da loucura, descrita por Erasmo deRotterdam, no século XVI, se distingue daquela proposta em Oalienista?

A visão de Erasmo é a renascentista e, portanto, vê a loucura não doponto de vista científico, medicinal e catalogador, mas sim mitológi-co. Ela é uma espécie de deusa que anima o espírito dos homens,transformando os seus comportamentos. Embora Erasmo tambémuse a figura da Loucura para tecer fortes críticas à sua época, ele nãodeixa de jogar com a ambigüidade dessa deusa, a um só tempomaléfica e deslumbrante, pois incita os homens a fazer coisas quenão teriam coragem de fazer em sua plena razão.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

loucura. O alienista Simão Bacamarte pecou drasticamente por nãoreconhecer com nitidez nenhum desses aspectos que distinguemloucura e lucidez. Primeiro, traduziu tudo o que não era a regracomo loucura. Segundo, negou que a loucura ajude a definir o quevenha a ser a razão, pretendendo isolar o que ele chamou de razãopura. Terceiro, não relativizou o papel social que ele, como alienista,desempenhava na sociedade, definindo o louco e o são. Assim,como detentor de um saber absoluto e dono de uma verdade que sóele mesmo conhecia, acabou seus dias trancado na Casa Verde,como maior ironia de seu destino em busca da verdade.

A NOVA DO CADÁVER - A SUA ENTREVISTA IMAGINÁRIAAgora é com você, caro leitor.Valendo-se das orientações desta edição e das suas respostas àsatividades de leitura, elabore uma nova entrevista com o autor,mais ou menos como a Entrevista Imaginária do final do livro.Isso mesmo! Ainda que Machado de Assis não esteja entre nós,sua obra está cada vez mais viva nesse país que já nasceu porironia e assim chegou à República e à independência. Ter sido o precursor do Realismo entre nós, ter criado o cínico ebon-vivant Brás Cubas, Quincas Borba – o filósofo mendigo – e,é claro, Capitu – genuíno ícone da mulher contemporânea –,não serão ingredientes suficientes para compor uma conversafranca com o mais aclamado autor de nossas letras? Questioná-lo acerca da verdade por trás de O alienista. Afinal,quem é de fato louco ou são neste mundo? Qual a idéia originalo autor teve para escrever essa obra?Pode-se também abordar a composição das famosas tramas queteriam legado ao escritor o apelido de Bruxo do Cosme Velho. Oque será que ele acharia dessa alcunha? E o que acharia dosescritores que hoje ocupam as famosas cadeiras da AcademiaBrasileira de Letras, instituição da qual foi o fundador? (Se quiser saber mais sobre isso, acesse o site www.academia.org.br/)Capriche e bom trabalho!

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1. Qual o principal tema de O alienista? Justifique sua resposta.

O tema principal de O alienista é a loucura. Mas é preciso tambémressaltar que a novela trata de sua relatividade, ao mesmo tempoem que empreende uma dura crítica à ciência e a certas doutrinasfilosóficas vigentes no século XIX. O tema da obra é, portanto, tri-plo: 1) a loucura; 2) a sua relatividade; 3) a crítica das idéias vigentesque pretendiam dar uma explicação absoluta sobre a mente huma-na, sobre a sanidade e a insanidade da alma.

2. Quais são as principais correntes de pensamento criticadasem O alienista?

Sobretudo o pensamento positivista, que acreditava ser possívelchegar a uma verdade incontestável sobre todas as coisas, inclusivesobre a essência do homem. Mas também são criticadas a medici-na, a psiquiatria e toda a voga cientificista, que queria erguer a ciên-cia a um estatuto de única verdade válida.

3. A obra de Machado de Assis geralmente trata da impossibi-lidade de chegarmos à verdade das coisas. Nos seus romances,ele fala muito das máscaras sociais. Em que sentido esse traçomarcante de sua obra reaparece em O alienista? Comente.

Podemos pensar que a crítica de Machado de Assis à ciência sebaseia justamente neste ponto: é impossível conhecermos a verdadeúltima das coisas, sobretudo em se tratando da verdade humana.Nesse sentido, a novela O alienista é central em sua obra ficcional eem seu pensamento. Ela dialoga com os demais livros, com osromances e, sobretudo, com os contos. Se, por um lado, como emMemórias póstumas de Brás Cubas, o autor relativiza os valores a par-tir de uma visão da vida fornecida depois da morte, e em DomCasmurro coloca o leitor diante do enigma indecifrável da traição (e,

UMA OBRA CLÁSSICA portanto, da verdade), em O alienista essa busca da verdade assumeos traços de uma verdadeira obsessão. Mas de saída ela nos é veda-da, e cabe a Simão Bacamarte encenar o papel ridículo que lhe cabe,e, assim, destruir, aos olhos do leitor, a confiança em qualquer obje-tividade científica que se pretenda absoluta e universal.

4. Comente a seguinte frase de Simão Bacamarte: “A ciênciaé o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo”. Por que elaé irônica? O que nos autoriza a fazer essa interpretação?

A frase é ambígua e irônica, porque ao pronunciá-la como quem sedefine com grande dignidade, Simão Bacamarte parece não perceberque, ao mesmo tempo, anuncia todo o teor caricaturesco de sua vida.Pois quem faz da ciência sua única ocupação (emprego), não temolhos para outras coisas e, portanto, não consegue medir corretamen-te o valor das conclusões científicas de seu trabalho. Machado de Assis,desse modo, critica a especialização exacerbada, pois quem só estudauma única coisa perde de vista o valor desse objeto de estudo, pois nãoconsegue confrontá-lo com objetos de outra natureza. Já a segundaafirmação também ressalta o aspecto caricato de Simão. Afinal, a ciên-cia consiste em analisar o universo, entender sua totalidade. Se o per-sonagem diz que Itaguaí é seu universo, ele está atestando as limita-ções provincianas de sua própria concepção de ciência, e, portanto,negando o valor positivo, universal, da mesma. Machado de Assis pro-pôs demonstrar, em trechos como esse, a discrepância entre as idéiascriadas na Europa e a assimilação delas no Brasil, reduzindo o seupoder de alcance e traduzindo-as de modo típico e não universal.

5. Tendo em vista o desfecho da narrativa, podemos dizer queSimão Bacamarte é realmente louco? Justifique.

Não. Porque ele acabou dando esse atestado de loucura a si mesmo pormeio de uma teoria que era, ela mesma, infundada e, portanto, louca.A grande brincadeira de Machado sobre a loucura consiste em nos

NARRATIVA

dizer que, se não há razão pura, tampouco há a loucura. Se Simão reco-lheu à prisão de Casa Verde quase a cidade inteira, ele o fez porque suateoria se baseava em crenças totalmente disparatadas, o que quer dizerque a cidade não era louca, mas sã. Porém, quando ele mesmo se encar-cera e liberta a cidade, nada se corrige, pois sua atitude padece domesmo mal. Se a cidade toda não é louca, ele, Simão, sozinho, tambémnão o é. A sátira de Machado tem como alvo as teorias que se preten-dem absolutas; ela lança seu riso ferino justamente sobre esse parado-xo intransponível: se todos são loucos, ninguém o é, pois deixa de havervalor contrastivo entre ser e não-ser, entre loucura e lucidez.

6. O que levou Bacamarte a duvidar do veredicto de loucuraque ele deu aos habitantes de Itaguaí?

Em primeiro lugar, a quantidade de pessoas consideradas loucas: qua-tro quintos da cidade. Em segundo, a cura rápida dessas pessoas. Seelas fossem de fato loucas, não conseguiriam passar nos testes que elemesmo elaborou e que também são, a seu modo, disparatados.Serviram apenas como álibi para a sua honestidade, demonstrando asua boa intenção, mas mostraram também o fracasso de suas teorias.

7. Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afir-mações sobre O alienista:

(F) O alienista representa um dos marcos do pensamento cientí-fico no século XIX.

(F) Todos os habitantes de Itaguaí são favoráveis aos métodos deSimão Bacamarte.

(F) Simão Bacamarte conta com o apoio de Porfírio. (V) Crispim Soares é uma das peças-chave para a realização dos

projetos científicos de Bacamarte. (V) O tema central de O alienista é uma paródia da ciência.(F) Bacamarte não tem coragem de encarcerar a própria esposa

em Casa Verde. (V) Porfírio é uma caricatura da política, assim como Bacamarte

o é da ciência.

8. Qual é a estratégia narrativa utilizada em O alienista paradar uma sensação de objetividade científica?

O alienista é narrado em terceira pessoa, e o narrador se baseia norelato de crônicas antigas, o que promove um deslocamento tem-poral em relação ao presente.

9. De quais efeitos de linguagem o narrador se vale paracaracterizar uma obra que trata da ciência?

Como se trata de uma sátira a um determinado tipo de cientifi-cismo do século XIX, a obra recorre a uma linguagem objetiva eimpessoal, procurando apresentar com fidelidade os fatos ocorri-dos. Para tanto, o recurso das crônicas é importante, pois funcio-na como se o narrador estivesse colhendo relatos já existentes, oque lhe confere maior veracidade. Pode-se dizer que o autorsimula uma linguagem mais próxima da científica, justamentepara amplificar o efeito cômico do protagonista Simão Bacamartee de todo o enredo. Assim, ao explanar sobre as hipóteses e teo-rias aventadas por Simão, o narrador apóia-se em uma lingua-gem também pretensamente neutra, o que só confirma o fracas-so da neutralidade e a ruína das concepções científicas descritasao longo da novela.

10. Há algum personagem “normal” em O alienista?

Seria preciso criar um ponto de vista sobre loucura e sanidade pararesponder a essa questão. Certamente, todos contarão com algunstraços de algo semelhante à loucura, sem, contudo, poderem sercaracterizados como loucos.

NARRADOR

11. Qual a relação existente entre Porfírio e Bacamarte?

Ambos são caricaturas de duas grandes instituições: a política e aciência, respectivamente.

12. Escolha um conto de Machado de Assis indicado no boxe“Machado de Assis: contos e novelas”, da seção Diários de umClássico, e faça uma comparação com O alienista. Muitos doscontos citados têm pontos em comum entre si e também pon-tos em comum com esta obra. Pesquise.

A proposta é um pequeno trabalho de pesquisa, unindo dialogicamen-te os Diários de um Clássico e este Suplemento de Atividades. O boxefaz menção a alguns contos de Machado de Assis que, se não chegama tratar diretamente da loucura, trabalham temas afins, como os jogosentre a verdade e a mentira, a máscara e a realidade, o certo e o erra-do, o avesso e o direito. Alguns desses contos são conhecidos pelos alu-nos e geralmente trabalhados em diálogo com os romances. A idéia,aqui, é cotejá-los, desta vez com O alienista.

13. Leia o trecho seguinte:

(...)Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do boticário. Depois expli-cou compridamente a sua idéia. No conceito dele a insânia abrangiauma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia

PERSONAGENS

INTERTEXTUALIDADE

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1. Qual o principal tema de O alienista? Justifique sua resposta.

O tema principal de O alienista é a loucura. Mas é preciso tambémressaltar que a novela trata de sua relatividade, ao mesmo tempoem que empreende uma dura crítica à ciência e a certas doutrinasfilosóficas vigentes no século XIX. O tema da obra é, portanto, tri-plo: 1) a loucura; 2) a sua relatividade; 3) a crítica das idéias vigentesque pretendiam dar uma explicação absoluta sobre a mente huma-na, sobre a sanidade e a insanidade da alma.

2. Quais são as principais correntes de pensamento criticadasem O alienista?

Sobretudo o pensamento positivista, que acreditava ser possívelchegar a uma verdade incontestável sobre todas as coisas, inclusivesobre a essência do homem. Mas também são criticadas a medici-na, a psiquiatria e toda a voga cientificista, que queria erguer a ciên-cia a um estatuto de única verdade válida.

3. A obra de Machado de Assis geralmente trata da impossibi-lidade de chegarmos à verdade das coisas. Nos seus romances,ele fala muito das máscaras sociais. Em que sentido esse traçomarcante de sua obra reaparece em O alienista? Comente.

Podemos pensar que a crítica de Machado de Assis à ciência sebaseia justamente neste ponto: é impossível conhecermos a verdadeúltima das coisas, sobretudo em se tratando da verdade humana.Nesse sentido, a novela O alienista é central em sua obra ficcional eem seu pensamento. Ela dialoga com os demais livros, com osromances e, sobretudo, com os contos. Se, por um lado, como emMemórias póstumas de Brás Cubas, o autor relativiza os valores a par-tir de uma visão da vida fornecida depois da morte, e em DomCasmurro coloca o leitor diante do enigma indecifrável da traição (e,

UMA OBRA CLÁSSICA portanto, da verdade), em O alienista essa busca da verdade assumeos traços de uma verdadeira obsessão. Mas de saída ela nos é veda-da, e cabe a Simão Bacamarte encenar o papel ridículo que lhe cabe,e, assim, destruir, aos olhos do leitor, a confiança em qualquer obje-tividade científica que se pretenda absoluta e universal.

4. Comente a seguinte frase de Simão Bacamarte: “A ciênciaé o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo”. Por que elaé irônica? O que nos autoriza a fazer essa interpretação?

A frase é ambígua e irônica, porque ao pronunciá-la como quem sedefine com grande dignidade, Simão Bacamarte parece não perceberque, ao mesmo tempo, anuncia todo o teor caricaturesco de sua vida.Pois quem faz da ciência sua única ocupação (emprego), não temolhos para outras coisas e, portanto, não consegue medir corretamen-te o valor das conclusões científicas de seu trabalho. Machado de Assis,desse modo, critica a especialização exacerbada, pois quem só estudauma única coisa perde de vista o valor desse objeto de estudo, pois nãoconsegue confrontá-lo com objetos de outra natureza. Já a segundaafirmação também ressalta o aspecto caricato de Simão. Afinal, a ciên-cia consiste em analisar o universo, entender sua totalidade. Se o per-sonagem diz que Itaguaí é seu universo, ele está atestando as limita-ções provincianas de sua própria concepção de ciência, e, portanto,negando o valor positivo, universal, da mesma. Machado de Assis pro-pôs demonstrar, em trechos como esse, a discrepância entre as idéiascriadas na Europa e a assimilação delas no Brasil, reduzindo o seupoder de alcance e traduzindo-as de modo típico e não universal.

5. Tendo em vista o desfecho da narrativa, podemos dizer queSimão Bacamarte é realmente louco? Justifique.

Não. Porque ele acabou dando esse atestado de loucura a si mesmo pormeio de uma teoria que era, ela mesma, infundada e, portanto, louca.A grande brincadeira de Machado sobre a loucura consiste em nos

NARRATIVA

dizer que, se não há razão pura, tampouco há a loucura. Se Simão reco-lheu à prisão de Casa Verde quase a cidade inteira, ele o fez porque suateoria se baseava em crenças totalmente disparatadas, o que quer dizerque a cidade não era louca, mas sã. Porém, quando ele mesmo se encar-cera e liberta a cidade, nada se corrige, pois sua atitude padece domesmo mal. Se a cidade toda não é louca, ele, Simão, sozinho, tambémnão o é. A sátira de Machado tem como alvo as teorias que se preten-dem absolutas; ela lança seu riso ferino justamente sobre esse parado-xo intransponível: se todos são loucos, ninguém o é, pois deixa de havervalor contrastivo entre ser e não-ser, entre loucura e lucidez.

6. O que levou Bacamarte a duvidar do veredicto de loucuraque ele deu aos habitantes de Itaguaí?

Em primeiro lugar, a quantidade de pessoas consideradas loucas: qua-tro quintos da cidade. Em segundo, a cura rápida dessas pessoas. Seelas fossem de fato loucas, não conseguiriam passar nos testes que elemesmo elaborou e que também são, a seu modo, disparatados.Serviram apenas como álibi para a sua honestidade, demonstrando asua boa intenção, mas mostraram também o fracasso de suas teorias.

7. Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afir-mações sobre O alienista:

(F) O alienista representa um dos marcos do pensamento cientí-fico no século XIX.

(F) Todos os habitantes de Itaguaí são favoráveis aos métodos deSimão Bacamarte.

(F) Simão Bacamarte conta com o apoio de Porfírio. (V) Crispim Soares é uma das peças-chave para a realização dos

projetos científicos de Bacamarte. (V) O tema central de O alienista é uma paródia da ciência.(F) Bacamarte não tem coragem de encarcerar a própria esposa

em Casa Verde. (V) Porfírio é uma caricatura da política, assim como Bacamarte

o é da ciência.

8. Qual é a estratégia narrativa utilizada em O alienista paradar uma sensação de objetividade científica?

O alienista é narrado em terceira pessoa, e o narrador se baseia norelato de crônicas antigas, o que promove um deslocamento tem-poral em relação ao presente.

9. De quais efeitos de linguagem o narrador se vale paracaracterizar uma obra que trata da ciência?

Como se trata de uma sátira a um determinado tipo de cientifi-cismo do século XIX, a obra recorre a uma linguagem objetiva eimpessoal, procurando apresentar com fidelidade os fatos ocorri-dos. Para tanto, o recurso das crônicas é importante, pois funcio-na como se o narrador estivesse colhendo relatos já existentes, oque lhe confere maior veracidade. Pode-se dizer que o autorsimula uma linguagem mais próxima da científica, justamentepara amplificar o efeito cômico do protagonista Simão Bacamartee de todo o enredo. Assim, ao explanar sobre as hipóteses e teo-rias aventadas por Simão, o narrador apóia-se em uma lingua-gem também pretensamente neutra, o que só confirma o fracas-so da neutralidade e a ruína das concepções científicas descritasao longo da novela.

10. Há algum personagem “normal” em O alienista?

Seria preciso criar um ponto de vista sobre loucura e sanidade pararesponder a essa questão. Certamente, todos contarão com algunstraços de algo semelhante à loucura, sem, contudo, poderem sercaracterizados como loucos.

NARRADOR

11. Qual a relação existente entre Porfírio e Bacamarte?

Ambos são caricaturas de duas grandes instituições: a política e aciência, respectivamente.

12. Escolha um conto de Machado de Assis indicado no boxe“Machado de Assis: contos e novelas”, da seção Diários de umClássico, e faça uma comparação com O alienista. Muitos doscontos citados têm pontos em comum entre si e também pon-tos em comum com esta obra. Pesquise.

A proposta é um pequeno trabalho de pesquisa, unindo dialogicamen-te os Diários de um Clássico e este Suplemento de Atividades. O boxefaz menção a alguns contos de Machado de Assis que, se não chegama tratar diretamente da loucura, trabalham temas afins, como os jogosentre a verdade e a mentira, a máscara e a realidade, o certo e o erra-do, o avesso e o direito. Alguns desses contos são conhecidos pelos alu-nos e geralmente trabalhados em diálogo com os romances. A idéia,aqui, é cotejá-los, desta vez com O alienista.

13. Leia o trecho seguinte:

(...)Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do boticário. Depois expli-cou compridamente a sua idéia. No conceito dele a insânia abrangiauma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia

PERSONAGENS

INTERTEXTUALIDADE

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1. Qual o principal tema de O alienista? Justifique sua resposta.

O tema principal de O alienista é a loucura. Mas é preciso tambémressaltar que a novela trata de sua relatividade, ao mesmo tempoem que empreende uma dura crítica à ciência e a certas doutrinasfilosóficas vigentes no século XIX. O tema da obra é, portanto, tri-plo: 1) a loucura; 2) a sua relatividade; 3) a crítica das idéias vigentesque pretendiam dar uma explicação absoluta sobre a mente huma-na, sobre a sanidade e a insanidade da alma.

2. Quais são as principais correntes de pensamento criticadasem O alienista?

Sobretudo o pensamento positivista, que acreditava ser possívelchegar a uma verdade incontestável sobre todas as coisas, inclusivesobre a essência do homem. Mas também são criticadas a medici-na, a psiquiatria e toda a voga cientificista, que queria erguer a ciên-cia a um estatuto de única verdade válida.

3. A obra de Machado de Assis geralmente trata da impossibi-lidade de chegarmos à verdade das coisas. Nos seus romances,ele fala muito das máscaras sociais. Em que sentido esse traçomarcante de sua obra reaparece em O alienista? Comente.

Podemos pensar que a crítica de Machado de Assis à ciência sebaseia justamente neste ponto: é impossível conhecermos a verdadeúltima das coisas, sobretudo em se tratando da verdade humana.Nesse sentido, a novela O alienista é central em sua obra ficcional eem seu pensamento. Ela dialoga com os demais livros, com osromances e, sobretudo, com os contos. Se, por um lado, como emMemórias póstumas de Brás Cubas, o autor relativiza os valores a par-tir de uma visão da vida fornecida depois da morte, e em DomCasmurro coloca o leitor diante do enigma indecifrável da traição (e,

UMA OBRA CLÁSSICA portanto, da verdade), em O alienista essa busca da verdade assumeos traços de uma verdadeira obsessão. Mas de saída ela nos é veda-da, e cabe a Simão Bacamarte encenar o papel ridículo que lhe cabe,e, assim, destruir, aos olhos do leitor, a confiança em qualquer obje-tividade científica que se pretenda absoluta e universal.

4. Comente a seguinte frase de Simão Bacamarte: “A ciênciaé o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo”. Por que elaé irônica? O que nos autoriza a fazer essa interpretação?

A frase é ambígua e irônica, porque ao pronunciá-la como quem sedefine com grande dignidade, Simão Bacamarte parece não perceberque, ao mesmo tempo, anuncia todo o teor caricaturesco de sua vida.Pois quem faz da ciência sua única ocupação (emprego), não temolhos para outras coisas e, portanto, não consegue medir corretamen-te o valor das conclusões científicas de seu trabalho. Machado de Assis,desse modo, critica a especialização exacerbada, pois quem só estudauma única coisa perde de vista o valor desse objeto de estudo, pois nãoconsegue confrontá-lo com objetos de outra natureza. Já a segundaafirmação também ressalta o aspecto caricato de Simão. Afinal, a ciên-cia consiste em analisar o universo, entender sua totalidade. Se o per-sonagem diz que Itaguaí é seu universo, ele está atestando as limita-ções provincianas de sua própria concepção de ciência, e, portanto,negando o valor positivo, universal, da mesma. Machado de Assis pro-pôs demonstrar, em trechos como esse, a discrepância entre as idéiascriadas na Europa e a assimilação delas no Brasil, reduzindo o seupoder de alcance e traduzindo-as de modo típico e não universal.

5. Tendo em vista o desfecho da narrativa, podemos dizer queSimão Bacamarte é realmente louco? Justifique.

Não. Porque ele acabou dando esse atestado de loucura a si mesmo pormeio de uma teoria que era, ela mesma, infundada e, portanto, louca.A grande brincadeira de Machado sobre a loucura consiste em nos

NARRATIVA

dizer que, se não há razão pura, tampouco há a loucura. Se Simão reco-lheu à prisão de Casa Verde quase a cidade inteira, ele o fez porque suateoria se baseava em crenças totalmente disparatadas, o que quer dizerque a cidade não era louca, mas sã. Porém, quando ele mesmo se encar-cera e liberta a cidade, nada se corrige, pois sua atitude padece domesmo mal. Se a cidade toda não é louca, ele, Simão, sozinho, tambémnão o é. A sátira de Machado tem como alvo as teorias que se preten-dem absolutas; ela lança seu riso ferino justamente sobre esse parado-xo intransponível: se todos são loucos, ninguém o é, pois deixa de havervalor contrastivo entre ser e não-ser, entre loucura e lucidez.

6. O que levou Bacamarte a duvidar do veredicto de loucuraque ele deu aos habitantes de Itaguaí?

Em primeiro lugar, a quantidade de pessoas consideradas loucas: qua-tro quintos da cidade. Em segundo, a cura rápida dessas pessoas. Seelas fossem de fato loucas, não conseguiriam passar nos testes que elemesmo elaborou e que também são, a seu modo, disparatados.Serviram apenas como álibi para a sua honestidade, demonstrando asua boa intenção, mas mostraram também o fracasso de suas teorias.

7. Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afir-mações sobre O alienista:

(F) O alienista representa um dos marcos do pensamento cientí-fico no século XIX.

(F) Todos os habitantes de Itaguaí são favoráveis aos métodos deSimão Bacamarte.

(F) Simão Bacamarte conta com o apoio de Porfírio. (V) Crispim Soares é uma das peças-chave para a realização dos

projetos científicos de Bacamarte. (V) O tema central de O alienista é uma paródia da ciência.(F) Bacamarte não tem coragem de encarcerar a própria esposa

em Casa Verde. (V) Porfírio é uma caricatura da política, assim como Bacamarte

o é da ciência.

8. Qual é a estratégia narrativa utilizada em O alienista paradar uma sensação de objetividade científica?

O alienista é narrado em terceira pessoa, e o narrador se baseia norelato de crônicas antigas, o que promove um deslocamento tem-poral em relação ao presente.

9. De quais efeitos de linguagem o narrador se vale paracaracterizar uma obra que trata da ciência?

Como se trata de uma sátira a um determinado tipo de cientifi-cismo do século XIX, a obra recorre a uma linguagem objetiva eimpessoal, procurando apresentar com fidelidade os fatos ocorri-dos. Para tanto, o recurso das crônicas é importante, pois funcio-na como se o narrador estivesse colhendo relatos já existentes, oque lhe confere maior veracidade. Pode-se dizer que o autorsimula uma linguagem mais próxima da científica, justamentepara amplificar o efeito cômico do protagonista Simão Bacamartee de todo o enredo. Assim, ao explanar sobre as hipóteses e teo-rias aventadas por Simão, o narrador apóia-se em uma lingua-gem também pretensamente neutra, o que só confirma o fracas-so da neutralidade e a ruína das concepções científicas descritasao longo da novela.

10. Há algum personagem “normal” em O alienista?

Seria preciso criar um ponto de vista sobre loucura e sanidade pararesponder a essa questão. Certamente, todos contarão com algunstraços de algo semelhante à loucura, sem, contudo, poderem sercaracterizados como loucos.

NARRADOR

11. Qual a relação existente entre Porfírio e Bacamarte?

Ambos são caricaturas de duas grandes instituições: a política e aciência, respectivamente.

12. Escolha um conto de Machado de Assis indicado no boxe“Machado de Assis: contos e novelas”, da seção Diários de umClássico, e faça uma comparação com O alienista. Muitos doscontos citados têm pontos em comum entre si e também pon-tos em comum com esta obra. Pesquise.

A proposta é um pequeno trabalho de pesquisa, unindo dialogicamen-te os Diários de um Clássico e este Suplemento de Atividades. O boxefaz menção a alguns contos de Machado de Assis que, se não chegama tratar diretamente da loucura, trabalham temas afins, como os jogosentre a verdade e a mentira, a máscara e a realidade, o certo e o erra-do, o avesso e o direito. Alguns desses contos são conhecidos pelos alu-nos e geralmente trabalhados em diálogo com os romances. A idéia,aqui, é cotejá-los, desta vez com O alienista.

13. Leia o trecho seguinte:

(...)Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do boticário. Depois expli-cou compridamente a sua idéia. No conceito dele a insânia abrangiauma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia

PERSONAGENS

INTERTEXTUALIDADE

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1. Qual o principal tema de O alienista? Justifique sua resposta.

O tema principal de O alienista é a loucura. Mas é preciso tambémressaltar que a novela trata de sua relatividade, ao mesmo tempoem que empreende uma dura crítica à ciência e a certas doutrinasfilosóficas vigentes no século XIX. O tema da obra é, portanto, tri-plo: 1) a loucura; 2) a sua relatividade; 3) a crítica das idéias vigentesque pretendiam dar uma explicação absoluta sobre a mente huma-na, sobre a sanidade e a insanidade da alma.

2. Quais são as principais correntes de pensamento criticadasem O alienista?

Sobretudo o pensamento positivista, que acreditava ser possívelchegar a uma verdade incontestável sobre todas as coisas, inclusivesobre a essência do homem. Mas também são criticadas a medici-na, a psiquiatria e toda a voga cientificista, que queria erguer a ciên-cia a um estatuto de única verdade válida.

3. A obra de Machado de Assis geralmente trata da impossibi-lidade de chegarmos à verdade das coisas. Nos seus romances,ele fala muito das máscaras sociais. Em que sentido esse traçomarcante de sua obra reaparece em O alienista? Comente.

Podemos pensar que a crítica de Machado de Assis à ciência sebaseia justamente neste ponto: é impossível conhecermos a verdadeúltima das coisas, sobretudo em se tratando da verdade humana.Nesse sentido, a novela O alienista é central em sua obra ficcional eem seu pensamento. Ela dialoga com os demais livros, com osromances e, sobretudo, com os contos. Se, por um lado, como emMemórias póstumas de Brás Cubas, o autor relativiza os valores a par-tir de uma visão da vida fornecida depois da morte, e em DomCasmurro coloca o leitor diante do enigma indecifrável da traição (e,

UMA OBRA CLÁSSICA portanto, da verdade), em O alienista essa busca da verdade assumeos traços de uma verdadeira obsessão. Mas de saída ela nos é veda-da, e cabe a Simão Bacamarte encenar o papel ridículo que lhe cabe,e, assim, destruir, aos olhos do leitor, a confiança em qualquer obje-tividade científica que se pretenda absoluta e universal.

4. Comente a seguinte frase de Simão Bacamarte: “A ciênciaé o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo”. Por que elaé irônica? O que nos autoriza a fazer essa interpretação?

A frase é ambígua e irônica, porque ao pronunciá-la como quem sedefine com grande dignidade, Simão Bacamarte parece não perceberque, ao mesmo tempo, anuncia todo o teor caricaturesco de sua vida.Pois quem faz da ciência sua única ocupação (emprego), não temolhos para outras coisas e, portanto, não consegue medir corretamen-te o valor das conclusões científicas de seu trabalho. Machado de Assis,desse modo, critica a especialização exacerbada, pois quem só estudauma única coisa perde de vista o valor desse objeto de estudo, pois nãoconsegue confrontá-lo com objetos de outra natureza. Já a segundaafirmação também ressalta o aspecto caricato de Simão. Afinal, a ciên-cia consiste em analisar o universo, entender sua totalidade. Se o per-sonagem diz que Itaguaí é seu universo, ele está atestando as limita-ções provincianas de sua própria concepção de ciência, e, portanto,negando o valor positivo, universal, da mesma. Machado de Assis pro-pôs demonstrar, em trechos como esse, a discrepância entre as idéiascriadas na Europa e a assimilação delas no Brasil, reduzindo o seupoder de alcance e traduzindo-as de modo típico e não universal.

5. Tendo em vista o desfecho da narrativa, podemos dizer queSimão Bacamarte é realmente louco? Justifique.

Não. Porque ele acabou dando esse atestado de loucura a si mesmo pormeio de uma teoria que era, ela mesma, infundada e, portanto, louca.A grande brincadeira de Machado sobre a loucura consiste em nos

NARRATIVA

dizer que, se não há razão pura, tampouco há a loucura. Se Simão reco-lheu à prisão de Casa Verde quase a cidade inteira, ele o fez porque suateoria se baseava em crenças totalmente disparatadas, o que quer dizerque a cidade não era louca, mas sã. Porém, quando ele mesmo se encar-cera e liberta a cidade, nada se corrige, pois sua atitude padece domesmo mal. Se a cidade toda não é louca, ele, Simão, sozinho, tambémnão o é. A sátira de Machado tem como alvo as teorias que se preten-dem absolutas; ela lança seu riso ferino justamente sobre esse parado-xo intransponível: se todos são loucos, ninguém o é, pois deixa de havervalor contrastivo entre ser e não-ser, entre loucura e lucidez.

6. O que levou Bacamarte a duvidar do veredicto de loucuraque ele deu aos habitantes de Itaguaí?

Em primeiro lugar, a quantidade de pessoas consideradas loucas: qua-tro quintos da cidade. Em segundo, a cura rápida dessas pessoas. Seelas fossem de fato loucas, não conseguiriam passar nos testes que elemesmo elaborou e que também são, a seu modo, disparatados.Serviram apenas como álibi para a sua honestidade, demonstrando asua boa intenção, mas mostraram também o fracasso de suas teorias.

7. Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afir-mações sobre O alienista:

(F) O alienista representa um dos marcos do pensamento cientí-fico no século XIX.

(F) Todos os habitantes de Itaguaí são favoráveis aos métodos deSimão Bacamarte.

(F) Simão Bacamarte conta com o apoio de Porfírio. (V) Crispim Soares é uma das peças-chave para a realização dos

projetos científicos de Bacamarte. (V) O tema central de O alienista é uma paródia da ciência.(F) Bacamarte não tem coragem de encarcerar a própria esposa

em Casa Verde. (V) Porfírio é uma caricatura da política, assim como Bacamarte

o é da ciência.

8. Qual é a estratégia narrativa utilizada em O alienista paradar uma sensação de objetividade científica?

O alienista é narrado em terceira pessoa, e o narrador se baseia norelato de crônicas antigas, o que promove um deslocamento tem-poral em relação ao presente.

9. De quais efeitos de linguagem o narrador se vale paracaracterizar uma obra que trata da ciência?

Como se trata de uma sátira a um determinado tipo de cientifi-cismo do século XIX, a obra recorre a uma linguagem objetiva eimpessoal, procurando apresentar com fidelidade os fatos ocorri-dos. Para tanto, o recurso das crônicas é importante, pois funcio-na como se o narrador estivesse colhendo relatos já existentes, oque lhe confere maior veracidade. Pode-se dizer que o autorsimula uma linguagem mais próxima da científica, justamentepara amplificar o efeito cômico do protagonista Simão Bacamartee de todo o enredo. Assim, ao explanar sobre as hipóteses e teo-rias aventadas por Simão, o narrador apóia-se em uma lingua-gem também pretensamente neutra, o que só confirma o fracas-so da neutralidade e a ruína das concepções científicas descritasao longo da novela.

10. Há algum personagem “normal” em O alienista?

Seria preciso criar um ponto de vista sobre loucura e sanidade pararesponder a essa questão. Certamente, todos contarão com algunstraços de algo semelhante à loucura, sem, contudo, poderem sercaracterizados como loucos.

NARRADOR

11. Qual a relação existente entre Porfírio e Bacamarte?

Ambos são caricaturas de duas grandes instituições: a política e aciência, respectivamente.

12. Escolha um conto de Machado de Assis indicado no boxe“Machado de Assis: contos e novelas”, da seção Diários de umClássico, e faça uma comparação com O alienista. Muitos doscontos citados têm pontos em comum entre si e também pon-tos em comum com esta obra. Pesquise.

A proposta é um pequeno trabalho de pesquisa, unindo dialogicamen-te os Diários de um Clássico e este Suplemento de Atividades. O boxefaz menção a alguns contos de Machado de Assis que, se não chegama tratar diretamente da loucura, trabalham temas afins, como os jogosentre a verdade e a mentira, a máscara e a realidade, o certo e o erra-do, o avesso e o direito. Alguns desses contos são conhecidos pelos alu-nos e geralmente trabalhados em diálogo com os romances. A idéia,aqui, é cotejá-los, desta vez com O alienista.

13. Leia o trecho seguinte:

(...)Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do boticário. Depois expli-cou compridamente a sua idéia. No conceito dele a insânia abrangiauma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia

PERSONAGENS

INTERTEXTUALIDADE

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1. Qual o principal tema de O alienista? Justifique sua resposta.

O tema principal de O alienista é a loucura. Mas é preciso tambémressaltar que a novela trata de sua relatividade, ao mesmo tempoem que empreende uma dura crítica à ciência e a certas doutrinasfilosóficas vigentes no século XIX. O tema da obra é, portanto, tri-plo: 1) a loucura; 2) a sua relatividade; 3) a crítica das idéias vigentesque pretendiam dar uma explicação absoluta sobre a mente huma-na, sobre a sanidade e a insanidade da alma.

2. Quais são as principais correntes de pensamento criticadasem O alienista?

Sobretudo o pensamento positivista, que acreditava ser possívelchegar a uma verdade incontestável sobre todas as coisas, inclusivesobre a essência do homem. Mas também são criticadas a medici-na, a psiquiatria e toda a voga cientificista, que queria erguer a ciên-cia a um estatuto de única verdade válida.

3. A obra de Machado de Assis geralmente trata da impossibi-lidade de chegarmos à verdade das coisas. Nos seus romances,ele fala muito das máscaras sociais. Em que sentido esse traçomarcante de sua obra reaparece em O alienista? Comente.

Podemos pensar que a crítica de Machado de Assis à ciência sebaseia justamente neste ponto: é impossível conhecermos a verdadeúltima das coisas, sobretudo em se tratando da verdade humana.Nesse sentido, a novela O alienista é central em sua obra ficcional eem seu pensamento. Ela dialoga com os demais livros, com osromances e, sobretudo, com os contos. Se, por um lado, como emMemórias póstumas de Brás Cubas, o autor relativiza os valores a par-tir de uma visão da vida fornecida depois da morte, e em DomCasmurro coloca o leitor diante do enigma indecifrável da traição (e,

UMA OBRA CLÁSSICA portanto, da verdade), em O alienista essa busca da verdade assumeos traços de uma verdadeira obsessão. Mas de saída ela nos é veda-da, e cabe a Simão Bacamarte encenar o papel ridículo que lhe cabe,e, assim, destruir, aos olhos do leitor, a confiança em qualquer obje-tividade científica que se pretenda absoluta e universal.

4. Comente a seguinte frase de Simão Bacamarte: “A ciênciaé o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo”. Por que elaé irônica? O que nos autoriza a fazer essa interpretação?

A frase é ambígua e irônica, porque ao pronunciá-la como quem sedefine com grande dignidade, Simão Bacamarte parece não perceberque, ao mesmo tempo, anuncia todo o teor caricaturesco de sua vida.Pois quem faz da ciência sua única ocupação (emprego), não temolhos para outras coisas e, portanto, não consegue medir corretamen-te o valor das conclusões científicas de seu trabalho. Machado de Assis,desse modo, critica a especialização exacerbada, pois quem só estudauma única coisa perde de vista o valor desse objeto de estudo, pois nãoconsegue confrontá-lo com objetos de outra natureza. Já a segundaafirmação também ressalta o aspecto caricato de Simão. Afinal, a ciên-cia consiste em analisar o universo, entender sua totalidade. Se o per-sonagem diz que Itaguaí é seu universo, ele está atestando as limita-ções provincianas de sua própria concepção de ciência, e, portanto,negando o valor positivo, universal, da mesma. Machado de Assis pro-pôs demonstrar, em trechos como esse, a discrepância entre as idéiascriadas na Europa e a assimilação delas no Brasil, reduzindo o seupoder de alcance e traduzindo-as de modo típico e não universal.

5. Tendo em vista o desfecho da narrativa, podemos dizer queSimão Bacamarte é realmente louco? Justifique.

Não. Porque ele acabou dando esse atestado de loucura a si mesmo pormeio de uma teoria que era, ela mesma, infundada e, portanto, louca.A grande brincadeira de Machado sobre a loucura consiste em nos

NARRATIVA

dizer que, se não há razão pura, tampouco há a loucura. Se Simão reco-lheu à prisão de Casa Verde quase a cidade inteira, ele o fez porque suateoria se baseava em crenças totalmente disparatadas, o que quer dizerque a cidade não era louca, mas sã. Porém, quando ele mesmo se encar-cera e liberta a cidade, nada se corrige, pois sua atitude padece domesmo mal. Se a cidade toda não é louca, ele, Simão, sozinho, tambémnão o é. A sátira de Machado tem como alvo as teorias que se preten-dem absolutas; ela lança seu riso ferino justamente sobre esse parado-xo intransponível: se todos são loucos, ninguém o é, pois deixa de havervalor contrastivo entre ser e não-ser, entre loucura e lucidez.

6. O que levou Bacamarte a duvidar do veredicto de loucuraque ele deu aos habitantes de Itaguaí?

Em primeiro lugar, a quantidade de pessoas consideradas loucas: qua-tro quintos da cidade. Em segundo, a cura rápida dessas pessoas. Seelas fossem de fato loucas, não conseguiriam passar nos testes que elemesmo elaborou e que também são, a seu modo, disparatados.Serviram apenas como álibi para a sua honestidade, demonstrando asua boa intenção, mas mostraram também o fracasso de suas teorias.

7. Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afir-mações sobre O alienista:

(F) O alienista representa um dos marcos do pensamento cientí-fico no século XIX.

(F) Todos os habitantes de Itaguaí são favoráveis aos métodos deSimão Bacamarte.

(F) Simão Bacamarte conta com o apoio de Porfírio. (V) Crispim Soares é uma das peças-chave para a realização dos

projetos científicos de Bacamarte. (V) O tema central de O alienista é uma paródia da ciência.(F) Bacamarte não tem coragem de encarcerar a própria esposa

em Casa Verde. (V) Porfírio é uma caricatura da política, assim como Bacamarte

o é da ciência.

8. Qual é a estratégia narrativa utilizada em O alienista paradar uma sensação de objetividade científica?

O alienista é narrado em terceira pessoa, e o narrador se baseia norelato de crônicas antigas, o que promove um deslocamento tem-poral em relação ao presente.

9. De quais efeitos de linguagem o narrador se vale paracaracterizar uma obra que trata da ciência?

Como se trata de uma sátira a um determinado tipo de cientifi-cismo do século XIX, a obra recorre a uma linguagem objetiva eimpessoal, procurando apresentar com fidelidade os fatos ocorri-dos. Para tanto, o recurso das crônicas é importante, pois funcio-na como se o narrador estivesse colhendo relatos já existentes, oque lhe confere maior veracidade. Pode-se dizer que o autorsimula uma linguagem mais próxima da científica, justamentepara amplificar o efeito cômico do protagonista Simão Bacamartee de todo o enredo. Assim, ao explanar sobre as hipóteses e teo-rias aventadas por Simão, o narrador apóia-se em uma lingua-gem também pretensamente neutra, o que só confirma o fracas-so da neutralidade e a ruína das concepções científicas descritasao longo da novela.

10. Há algum personagem “normal” em O alienista?

Seria preciso criar um ponto de vista sobre loucura e sanidade pararesponder a essa questão. Certamente, todos contarão com algunstraços de algo semelhante à loucura, sem, contudo, poderem sercaracterizados como loucos.

NARRADOR

11. Qual a relação existente entre Porfírio e Bacamarte?

Ambos são caricaturas de duas grandes instituições: a política e aciência, respectivamente.

12. Escolha um conto de Machado de Assis indicado no boxe“Machado de Assis: contos e novelas”, da seção Diários de umClássico, e faça uma comparação com O alienista. Muitos doscontos citados têm pontos em comum entre si e também pon-tos em comum com esta obra. Pesquise.

A proposta é um pequeno trabalho de pesquisa, unindo dialogicamen-te os Diários de um Clássico e este Suplemento de Atividades. O boxefaz menção a alguns contos de Machado de Assis que, se não chegama tratar diretamente da loucura, trabalham temas afins, como os jogosentre a verdade e a mentira, a máscara e a realidade, o certo e o erra-do, o avesso e o direito. Alguns desses contos são conhecidos pelos alu-nos e geralmente trabalhados em diálogo com os romances. A idéia,aqui, é cotejá-los, desta vez com O alienista.

13. Leia o trecho seguinte:

(...)Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do boticário. Depois expli-cou compridamente a sua idéia. No conceito dele a insânia abrangiauma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia

PERSONAGENS

INTERTEXTUALIDADE

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15. Leia estes trechos considerando o contexto de O alienista:

A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aosmistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, àssuas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamentoque o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucuranão diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdadeque ele distingue de si mesmo.(...)O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, dequem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçarpara pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles queas tinham imposto.(...)A verdade da loucura é ser interior à razão, ser uma de suas figuras,uma força e como que uma necessidade momentânea a fim demelhor certificar-se de si mesma.

FOUCAULT, Michel apud VIEIRA, Priscila Piazentini. “Reflexões sobre A história da loucura de Michel Foucault”.

In: Revista Aulas: Dossiê Foucault. Organização de Margareth Rago & Adilton Luís Martins. n.° 3, dez. 2006/mar. 2007.

Que relações podemos estabelecer entre essas definições da lou-cura, feitas pelo filósofo francês Michel Foucault, no século XX,e a proposta de O alienista? Explique.

Os trechos extraídos da obra de Michel Foucault levantam três pon-tos principais para uma compreensão da loucura: 1) A loucura não éuma assombração e não está ligada apenas ao mistério e ao inexpli-cável, mas à interioridade do ser humano; 2) A loucura é um com-ponente central na história da civilização, porque, não sendo abso-luta, como queria Simão Bacamarte, em cada época ela é definidapor aqueles que detêm as regras e o poder, dizendo o que ela é, sepa-rando-a do que é lúcido, racional e saudável; 3) A loucura é interiorà razão, porque só podemos nos certificar de nossa razão e do quevenha a ser a racionalidade se temos, por contraste, a experiência da

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108

SUPLEMENTODE ATIVIDADES

NOME:NO: SÉRIE:ESCOLA:

Escritor dos mais aclamados, Machado de Assis representaum dos pontos culminantes da literatura brasileira. Dentro de sua obra, O alienista é central, pela permanente inver-são do avesso e do direito, da norma e da exceção, temas cons-tantes de sua vasta bibliografia e para os quais o autor deu algu-mas das melhores contribuições ficcionais. As atividades a seguir pretendem ampliar a compreensão destaobra e deste tempo. Desenvolva-as após a leitura do livro, dosDiários de um Clássico, da Contextualização Histórica e daEntrevista Imaginária.

de raciocínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na histó-ria e em Itaguaí, mas, como um raro espírito que era, reconheceu operigo de citar todos os casos de Itaguaí e refugiou-se na história. Assim,apontou com especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, quetinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda,Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc., uma enfiada de casos epessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades ridí-culas. E porque o boticário se admirasse de uma tal promiscuidade, oalienista disse-lhe que era tudo a mesma coisa.

ASSIS, Machado de. “Capítulo IV: Uma teoria nova”. In: Helena e O alienista. Rio de Janeiro: Editora Três, 1972.

Comente qual a principal ironia presente no raciocínio de SimãoBacamarte. Como o autor nos faz subentender que os argumen-tos de Bacamarte são loucos?

A fina ironia desse trecho reside na enumeração dos supostos lou-cos: Sócrates, Pascal, Maomé, junto com Calígula e outros. A mistu-ra de personagens históricos e a sua definição como loucos, segun-do as teorias de Simão, criam o efeito cômico, demonstrando quequem padece de loucura é ele, o alienista. Por outro lado, Machadode Assis desenvolve uma sutileza no texto, pois ressalta queBacamarte evitava nomear os loucos de Itaguaí e, por isso, refugia-va-se na história. Isso quer dizer que ele, a despeito da crença venalem sua teoria mirabolante, ainda era malicioso o suficiente para nãoquerer comprometer sua reputação na cidade, preferindo impingir adefinição de louco a grandes nomes da civilização ocidental a fazê-loem relação a seus conterrâneos. Entra aqui uma boa dose de visãocrítica sobre as relações sociais brasileiras, e o medo de expor idéiasverdadeiras que comprometam nossa imagem diante do próximo.

14. Leia os trechos a seguir:

Embora os homens costumem ferir a minha reputação e eu saibamuito bem como meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos,orgulho-me de vos dizer que esta Loucura, sim, esta Loucura queestais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais. Aprova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita edesumana alegria brilhou no rosto de todos ao aparecer eu diantedeste numerosíssimo auditório. (...)Bastou, pois, minha simples presença para eu obter o que valentesoradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamentemeditado discurso: expulsar a tristeza de vossas almas.

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

Em que sentido essa visão da loucura, descrita por Erasmo deRotterdam, no século XVI, se distingue daquela proposta em Oalienista?

A visão de Erasmo é a renascentista e, portanto, vê a loucura não doponto de vista científico, medicinal e catalogador, mas sim mitológi-co. Ela é uma espécie de deusa que anima o espírito dos homens,transformando os seus comportamentos. Embora Erasmo tambémuse a figura da Loucura para tecer fortes críticas à sua época, ele nãodeixa de jogar com a ambigüidade dessa deusa, a um só tempomaléfica e deslumbrante, pois incita os homens a fazer coisas quenão teriam coragem de fazer em sua plena razão.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

loucura. O alienista Simão Bacamarte pecou drasticamente por nãoreconhecer com nitidez nenhum desses aspectos que distinguemloucura e lucidez. Primeiro, traduziu tudo o que não era a regracomo loucura. Segundo, negou que a loucura ajude a definir o quevenha a ser a razão, pretendendo isolar o que ele chamou de razãopura. Terceiro, não relativizou o papel social que ele, como alienista,desempenhava na sociedade, definindo o louco e o são. Assim,como detentor de um saber absoluto e dono de uma verdade que sóele mesmo conhecia, acabou seus dias trancado na Casa Verde,como maior ironia de seu destino em busca da verdade.

A NOVA DO CADÁVER - A SUA ENTREVISTA IMAGINÁRIAAgora é com você, caro leitor.Valendo-se das orientações desta edição e das suas respostas àsatividades de leitura, elabore uma nova entrevista com o autor,mais ou menos como a Entrevista Imaginária do final do livro.Isso mesmo! Ainda que Machado de Assis não esteja entre nós,sua obra está cada vez mais viva nesse país que já nasceu porironia e assim chegou à República e à independência. Ter sido o precursor do Realismo entre nós, ter criado o cínico ebon-vivant Brás Cubas, Quincas Borba – o filósofo mendigo – e,é claro, Capitu – genuíno ícone da mulher contemporânea –,não serão ingredientes suficientes para compor uma conversafranca com o mais aclamado autor de nossas letras? Questioná-lo acerca da verdade por trás de O alienista. Afinal,quem é de fato louco ou são neste mundo? Qual a idéia originalo autor teve para escrever essa obra?Pode-se também abordar a composição das famosas tramas queteriam legado ao escritor o apelido de Bruxo do Cosme Velho. Oque será que ele acharia dessa alcunha? E o que acharia dosescritores que hoje ocupam as famosas cadeiras da AcademiaBrasileira de Letras, instituição da qual foi o fundador? (Se quiser saber mais sobre isso, acesse o site www.academia.org.br/)Capriche e bom trabalho!

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15. Leia estes trechos considerando o contexto de O alienista:

A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aosmistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, àssuas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamentoque o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucuranão diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdadeque ele distingue de si mesmo.(...)O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, dequem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçarpara pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles queas tinham imposto.(...)A verdade da loucura é ser interior à razão, ser uma de suas figuras,uma força e como que uma necessidade momentânea a fim demelhor certificar-se de si mesma.

FOUCAULT, Michel apud VIEIRA, Priscila Piazentini. “Reflexões sobre A história da loucura de Michel Foucault”.

In: Revista Aulas: Dossiê Foucault. Organização de Margareth Rago & Adilton Luís Martins. n.° 3, dez. 2006/mar. 2007.

Que relações podemos estabelecer entre essas definições da lou-cura, feitas pelo filósofo francês Michel Foucault, no século XX,e a proposta de O alienista? Explique.

Os trechos extraídos da obra de Michel Foucault levantam três pon-tos principais para uma compreensão da loucura: 1) A loucura não éuma assombração e não está ligada apenas ao mistério e ao inexpli-cável, mas à interioridade do ser humano; 2) A loucura é um com-ponente central na história da civilização, porque, não sendo abso-luta, como queria Simão Bacamarte, em cada época ela é definidapor aqueles que detêm as regras e o poder, dizendo o que ela é, sepa-rando-a do que é lúcido, racional e saudável; 3) A loucura é interiorà razão, porque só podemos nos certificar de nossa razão e do quevenha a ser a racionalidade se temos, por contraste, a experiência da

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SUPLEMENTODE ATIVIDADES

NOME:NO: SÉRIE:ESCOLA:

Escritor dos mais aclamados, Machado de Assis representaum dos pontos culminantes da literatura brasileira. Dentro de sua obra, O alienista é central, pela permanente inver-são do avesso e do direito, da norma e da exceção, temas cons-tantes de sua vasta bibliografia e para os quais o autor deu algu-mas das melhores contribuições ficcionais. As atividades a seguir pretendem ampliar a compreensão destaobra e deste tempo. Desenvolva-as após a leitura do livro, dosDiários de um Clássico, da Contextualização Histórica e daEntrevista Imaginária.

de raciocínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na histó-ria e em Itaguaí, mas, como um raro espírito que era, reconheceu operigo de citar todos os casos de Itaguaí e refugiou-se na história. Assim,apontou com especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, quetinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda,Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc., uma enfiada de casos epessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades ridí-culas. E porque o boticário se admirasse de uma tal promiscuidade, oalienista disse-lhe que era tudo a mesma coisa.

ASSIS, Machado de. “Capítulo IV: Uma teoria nova”. In: Helena e O alienista. Rio de Janeiro: Editora Três, 1972.

Comente qual a principal ironia presente no raciocínio de SimãoBacamarte. Como o autor nos faz subentender que os argumen-tos de Bacamarte são loucos?

A fina ironia desse trecho reside na enumeração dos supostos lou-cos: Sócrates, Pascal, Maomé, junto com Calígula e outros. A mistu-ra de personagens históricos e a sua definição como loucos, segun-do as teorias de Simão, criam o efeito cômico, demonstrando quequem padece de loucura é ele, o alienista. Por outro lado, Machadode Assis desenvolve uma sutileza no texto, pois ressalta queBacamarte evitava nomear os loucos de Itaguaí e, por isso, refugia-va-se na história. Isso quer dizer que ele, a despeito da crença venalem sua teoria mirabolante, ainda era malicioso o suficiente para nãoquerer comprometer sua reputação na cidade, preferindo impingir adefinição de louco a grandes nomes da civilização ocidental a fazê-loem relação a seus conterrâneos. Entra aqui uma boa dose de visãocrítica sobre as relações sociais brasileiras, e o medo de expor idéiasverdadeiras que comprometam nossa imagem diante do próximo.

14. Leia os trechos a seguir:

Embora os homens costumem ferir a minha reputação e eu saibamuito bem como meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos,orgulho-me de vos dizer que esta Loucura, sim, esta Loucura queestais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais. Aprova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita edesumana alegria brilhou no rosto de todos ao aparecer eu diantedeste numerosíssimo auditório. (...)Bastou, pois, minha simples presença para eu obter o que valentesoradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamentemeditado discurso: expulsar a tristeza de vossas almas.

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

Em que sentido essa visão da loucura, descrita por Erasmo deRotterdam, no século XVI, se distingue daquela proposta em Oalienista?

A visão de Erasmo é a renascentista e, portanto, vê a loucura não doponto de vista científico, medicinal e catalogador, mas sim mitológi-co. Ela é uma espécie de deusa que anima o espírito dos homens,transformando os seus comportamentos. Embora Erasmo tambémuse a figura da Loucura para tecer fortes críticas à sua época, ele nãodeixa de jogar com a ambigüidade dessa deusa, a um só tempomaléfica e deslumbrante, pois incita os homens a fazer coisas quenão teriam coragem de fazer em sua plena razão.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

loucura. O alienista Simão Bacamarte pecou drasticamente por nãoreconhecer com nitidez nenhum desses aspectos que distinguemloucura e lucidez. Primeiro, traduziu tudo o que não era a regracomo loucura. Segundo, negou que a loucura ajude a definir o quevenha a ser a razão, pretendendo isolar o que ele chamou de razãopura. Terceiro, não relativizou o papel social que ele, como alienista,desempenhava na sociedade, definindo o louco e o são. Assim,como detentor de um saber absoluto e dono de uma verdade que sóele mesmo conhecia, acabou seus dias trancado na Casa Verde,como maior ironia de seu destino em busca da verdade.

A NOVA DO CADÁVER - A SUA ENTREVISTA IMAGINÁRIAAgora é com você, caro leitor.Valendo-se das orientações desta edição e das suas respostas àsatividades de leitura, elabore uma nova entrevista com o autor,mais ou menos como a Entrevista Imaginária do final do livro.Isso mesmo! Ainda que Machado de Assis não esteja entre nós,sua obra está cada vez mais viva nesse país que já nasceu porironia e assim chegou à República e à independência. Ter sido o precursor do Realismo entre nós, ter criado o cínico ebon-vivant Brás Cubas, Quincas Borba – o filósofo mendigo – e,é claro, Capitu – genuíno ícone da mulher contemporânea –,não serão ingredientes suficientes para compor uma conversafranca com o mais aclamado autor de nossas letras? Questioná-lo acerca da verdade por trás de O alienista. Afinal,quem é de fato louco ou são neste mundo? Qual a idéia originalo autor teve para escrever essa obra?Pode-se também abordar a composição das famosas tramas queteriam legado ao escritor o apelido de Bruxo do Cosme Velho. Oque será que ele acharia dessa alcunha? E o que acharia dosescritores que hoje ocupam as famosas cadeiras da AcademiaBrasileira de Letras, instituição da qual foi o fundador? (Se quiser saber mais sobre isso, acesse o site www.academia.org.br/)Capriche e bom trabalho!

Page 9: suplemento Alienista

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15. Leia estes trechos considerando o contexto de O alienista:

A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aosmistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, àssuas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamentoque o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucuranão diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdadeque ele distingue de si mesmo.(...)O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, dequem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçarpara pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles queas tinham imposto.(...)A verdade da loucura é ser interior à razão, ser uma de suas figuras,uma força e como que uma necessidade momentânea a fim demelhor certificar-se de si mesma.

FOUCAULT, Michel apud VIEIRA, Priscila Piazentini. “Reflexões sobre A história da loucura de Michel Foucault”.

In: Revista Aulas: Dossiê Foucault. Organização de Margareth Rago & Adilton Luís Martins. n.° 3, dez. 2006/mar. 2007.

Que relações podemos estabelecer entre essas definições da lou-cura, feitas pelo filósofo francês Michel Foucault, no século XX,e a proposta de O alienista? Explique.

Os trechos extraídos da obra de Michel Foucault levantam três pon-tos principais para uma compreensão da loucura: 1) A loucura não éuma assombração e não está ligada apenas ao mistério e ao inexpli-cável, mas à interioridade do ser humano; 2) A loucura é um com-ponente central na história da civilização, porque, não sendo abso-luta, como queria Simão Bacamarte, em cada época ela é definidapor aqueles que detêm as regras e o poder, dizendo o que ela é, sepa-rando-a do que é lúcido, racional e saudável; 3) A loucura é interiorà razão, porque só podemos nos certificar de nossa razão e do quevenha a ser a racionalidade se temos, por contraste, a experiência da

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108

SUPLEMENTODE ATIVIDADES

NOME:NO: SÉRIE:ESCOLA:

Escritor dos mais aclamados, Machado de Assis representaum dos pontos culminantes da literatura brasileira. Dentro de sua obra, O alienista é central, pela permanente inver-são do avesso e do direito, da norma e da exceção, temas cons-tantes de sua vasta bibliografia e para os quais o autor deu algu-mas das melhores contribuições ficcionais. As atividades a seguir pretendem ampliar a compreensão destaobra e deste tempo. Desenvolva-as após a leitura do livro, dosDiários de um Clássico, da Contextualização Histórica e daEntrevista Imaginária.

de raciocínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na histó-ria e em Itaguaí, mas, como um raro espírito que era, reconheceu operigo de citar todos os casos de Itaguaí e refugiou-se na história. Assim,apontou com especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, quetinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda,Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc., uma enfiada de casos epessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades ridí-culas. E porque o boticário se admirasse de uma tal promiscuidade, oalienista disse-lhe que era tudo a mesma coisa.

ASSIS, Machado de. “Capítulo IV: Uma teoria nova”. In: Helena e O alienista. Rio de Janeiro: Editora Três, 1972.

Comente qual a principal ironia presente no raciocínio de SimãoBacamarte. Como o autor nos faz subentender que os argumen-tos de Bacamarte são loucos?

A fina ironia desse trecho reside na enumeração dos supostos lou-cos: Sócrates, Pascal, Maomé, junto com Calígula e outros. A mistu-ra de personagens históricos e a sua definição como loucos, segun-do as teorias de Simão, criam o efeito cômico, demonstrando quequem padece de loucura é ele, o alienista. Por outro lado, Machadode Assis desenvolve uma sutileza no texto, pois ressalta queBacamarte evitava nomear os loucos de Itaguaí e, por isso, refugia-va-se na história. Isso quer dizer que ele, a despeito da crença venalem sua teoria mirabolante, ainda era malicioso o suficiente para nãoquerer comprometer sua reputação na cidade, preferindo impingir adefinição de louco a grandes nomes da civilização ocidental a fazê-loem relação a seus conterrâneos. Entra aqui uma boa dose de visãocrítica sobre as relações sociais brasileiras, e o medo de expor idéiasverdadeiras que comprometam nossa imagem diante do próximo.

14. Leia os trechos a seguir:

Embora os homens costumem ferir a minha reputação e eu saibamuito bem como meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos,orgulho-me de vos dizer que esta Loucura, sim, esta Loucura queestais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais. Aprova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita edesumana alegria brilhou no rosto de todos ao aparecer eu diantedeste numerosíssimo auditório. (...)Bastou, pois, minha simples presença para eu obter o que valentesoradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamentemeditado discurso: expulsar a tristeza de vossas almas.

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

Em que sentido essa visão da loucura, descrita por Erasmo deRotterdam, no século XVI, se distingue daquela proposta em Oalienista?

A visão de Erasmo é a renascentista e, portanto, vê a loucura não doponto de vista científico, medicinal e catalogador, mas sim mitológi-co. Ela é uma espécie de deusa que anima o espírito dos homens,transformando os seus comportamentos. Embora Erasmo tambémuse a figura da Loucura para tecer fortes críticas à sua época, ele nãodeixa de jogar com a ambigüidade dessa deusa, a um só tempomaléfica e deslumbrante, pois incita os homens a fazer coisas quenão teriam coragem de fazer em sua plena razão.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

loucura. O alienista Simão Bacamarte pecou drasticamente por nãoreconhecer com nitidez nenhum desses aspectos que distinguemloucura e lucidez. Primeiro, traduziu tudo o que não era a regracomo loucura. Segundo, negou que a loucura ajude a definir o quevenha a ser a razão, pretendendo isolar o que ele chamou de razãopura. Terceiro, não relativizou o papel social que ele, como alienista,desempenhava na sociedade, definindo o louco e o são. Assim,como detentor de um saber absoluto e dono de uma verdade que sóele mesmo conhecia, acabou seus dias trancado na Casa Verde,como maior ironia de seu destino em busca da verdade.

A NOVA DO CADÁVER - A SUA ENTREVISTA IMAGINÁRIAAgora é com você, caro leitor.Valendo-se das orientações desta edição e das suas respostas àsatividades de leitura, elabore uma nova entrevista com o autor,mais ou menos como a Entrevista Imaginária do final do livro.Isso mesmo! Ainda que Machado de Assis não esteja entre nós,sua obra está cada vez mais viva nesse país que já nasceu porironia e assim chegou à República e à independência. Ter sido o precursor do Realismo entre nós, ter criado o cínico ebon-vivant Brás Cubas, Quincas Borba – o filósofo mendigo – e,é claro, Capitu – genuíno ícone da mulher contemporânea –,não serão ingredientes suficientes para compor uma conversafranca com o mais aclamado autor de nossas letras? Questioná-lo acerca da verdade por trás de O alienista. Afinal,quem é de fato louco ou são neste mundo? Qual a idéia originalo autor teve para escrever essa obra?Pode-se também abordar a composição das famosas tramas queteriam legado ao escritor o apelido de Bruxo do Cosme Velho. Oque será que ele acharia dessa alcunha? E o que acharia dosescritores que hoje ocupam as famosas cadeiras da AcademiaBrasileira de Letras, instituição da qual foi o fundador? (Se quiser saber mais sobre isso, acesse o site www.academia.org.br/)Capriche e bom trabalho!

Page 10: suplemento Alienista

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15. Leia estes trechos considerando o contexto de O alienista:

A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aosmistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, àssuas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamentoque o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucuranão diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdadeque ele distingue de si mesmo.(...)O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, dequem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçarpara pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles queas tinham imposto.(...)A verdade da loucura é ser interior à razão, ser uma de suas figuras,uma força e como que uma necessidade momentânea a fim demelhor certificar-se de si mesma.

FOUCAULT, Michel apud VIEIRA, Priscila Piazentini. “Reflexões sobre A história da loucura de Michel Foucault”.

In: Revista Aulas: Dossiê Foucault. Organização de Margareth Rago & Adilton Luís Martins. n.° 3, dez. 2006/mar. 2007.

Que relações podemos estabelecer entre essas definições da lou-cura, feitas pelo filósofo francês Michel Foucault, no século XX,e a proposta de O alienista? Explique.

Os trechos extraídos da obra de Michel Foucault levantam três pon-tos principais para uma compreensão da loucura: 1) A loucura não éuma assombração e não está ligada apenas ao mistério e ao inexpli-cável, mas à interioridade do ser humano; 2) A loucura é um com-ponente central na história da civilização, porque, não sendo abso-luta, como queria Simão Bacamarte, em cada época ela é definidapor aqueles que detêm as regras e o poder, dizendo o que ela é, sepa-rando-a do que é lúcido, racional e saudável; 3) A loucura é interiorà razão, porque só podemos nos certificar de nossa razão e do quevenha a ser a racionalidade se temos, por contraste, a experiência da

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SUPLEMENTODE ATIVIDADES

NOME:NO: SÉRIE:ESCOLA:

Escritor dos mais aclamados, Machado de Assis representaum dos pontos culminantes da literatura brasileira. Dentro de sua obra, O alienista é central, pela permanente inver-são do avesso e do direito, da norma e da exceção, temas cons-tantes de sua vasta bibliografia e para os quais o autor deu algu-mas das melhores contribuições ficcionais. As atividades a seguir pretendem ampliar a compreensão destaobra e deste tempo. Desenvolva-as após a leitura do livro, dosDiários de um Clássico, da Contextualização Histórica e daEntrevista Imaginária.

de raciocínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na histó-ria e em Itaguaí, mas, como um raro espírito que era, reconheceu operigo de citar todos os casos de Itaguaí e refugiou-se na história. Assim,apontou com especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, quetinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda,Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc., uma enfiada de casos epessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades ridí-culas. E porque o boticário se admirasse de uma tal promiscuidade, oalienista disse-lhe que era tudo a mesma coisa.

ASSIS, Machado de. “Capítulo IV: Uma teoria nova”. In: Helena e O alienista. Rio de Janeiro: Editora Três, 1972.

Comente qual a principal ironia presente no raciocínio de SimãoBacamarte. Como o autor nos faz subentender que os argumen-tos de Bacamarte são loucos?

A fina ironia desse trecho reside na enumeração dos supostos lou-cos: Sócrates, Pascal, Maomé, junto com Calígula e outros. A mistu-ra de personagens históricos e a sua definição como loucos, segun-do as teorias de Simão, criam o efeito cômico, demonstrando quequem padece de loucura é ele, o alienista. Por outro lado, Machadode Assis desenvolve uma sutileza no texto, pois ressalta queBacamarte evitava nomear os loucos de Itaguaí e, por isso, refugia-va-se na história. Isso quer dizer que ele, a despeito da crença venalem sua teoria mirabolante, ainda era malicioso o suficiente para nãoquerer comprometer sua reputação na cidade, preferindo impingir adefinição de louco a grandes nomes da civilização ocidental a fazê-loem relação a seus conterrâneos. Entra aqui uma boa dose de visãocrítica sobre as relações sociais brasileiras, e o medo de expor idéiasverdadeiras que comprometam nossa imagem diante do próximo.

14. Leia os trechos a seguir:

Embora os homens costumem ferir a minha reputação e eu saibamuito bem como meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos,orgulho-me de vos dizer que esta Loucura, sim, esta Loucura queestais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais. Aprova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita edesumana alegria brilhou no rosto de todos ao aparecer eu diantedeste numerosíssimo auditório. (...)Bastou, pois, minha simples presença para eu obter o que valentesoradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamentemeditado discurso: expulsar a tristeza de vossas almas.

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

Em que sentido essa visão da loucura, descrita por Erasmo deRotterdam, no século XVI, se distingue daquela proposta em Oalienista?

A visão de Erasmo é a renascentista e, portanto, vê a loucura não doponto de vista científico, medicinal e catalogador, mas sim mitológi-co. Ela é uma espécie de deusa que anima o espírito dos homens,transformando os seus comportamentos. Embora Erasmo tambémuse a figura da Loucura para tecer fortes críticas à sua época, ele nãodeixa de jogar com a ambigüidade dessa deusa, a um só tempomaléfica e deslumbrante, pois incita os homens a fazer coisas quenão teriam coragem de fazer em sua plena razão.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

loucura. O alienista Simão Bacamarte pecou drasticamente por nãoreconhecer com nitidez nenhum desses aspectos que distinguemloucura e lucidez. Primeiro, traduziu tudo o que não era a regracomo loucura. Segundo, negou que a loucura ajude a definir o quevenha a ser a razão, pretendendo isolar o que ele chamou de razãopura. Terceiro, não relativizou o papel social que ele, como alienista,desempenhava na sociedade, definindo o louco e o são. Assim,como detentor de um saber absoluto e dono de uma verdade que sóele mesmo conhecia, acabou seus dias trancado na Casa Verde,como maior ironia de seu destino em busca da verdade.

A NOVA DO CADÁVER - A SUA ENTREVISTA IMAGINÁRIAAgora é com você, caro leitor.Valendo-se das orientações desta edição e das suas respostas àsatividades de leitura, elabore uma nova entrevista com o autor,mais ou menos como a Entrevista Imaginária do final do livro.Isso mesmo! Ainda que Machado de Assis não esteja entre nós,sua obra está cada vez mais viva nesse país que já nasceu porironia e assim chegou à República e à independência. Ter sido o precursor do Realismo entre nós, ter criado o cínico ebon-vivant Brás Cubas, Quincas Borba – o filósofo mendigo – e,é claro, Capitu – genuíno ícone da mulher contemporânea –,não serão ingredientes suficientes para compor uma conversafranca com o mais aclamado autor de nossas letras? Questioná-lo acerca da verdade por trás de O alienista. Afinal,quem é de fato louco ou são neste mundo? Qual a idéia originalo autor teve para escrever essa obra?Pode-se também abordar a composição das famosas tramas queteriam legado ao escritor o apelido de Bruxo do Cosme Velho. Oque será que ele acharia dessa alcunha? E o que acharia dosescritores que hoje ocupam as famosas cadeiras da AcademiaBrasileira de Letras, instituição da qual foi o fundador? (Se quiser saber mais sobre isso, acesse o site www.academia.org.br/)Capriche e bom trabalho!