supervisionado por alunos licenciandos em...

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1 CONCEPÇÕES SOBRE A PRÁTICA DE ENSINO E ESTÁGIO SUPERVISIONADO POR ALUNOS LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI DIAMANTINA-MG SILVA, A.C. & SANTOS, T.S. COSTA, M.P.S.L. INTRODUÇÃO A preocupação com o Estágio Supervisionado, mesmo tendo sua origem na década de 1930, tanto com a criação dos cursos superiores de licenciatura, cuja definição foi explicitada em 1939 com a instituição do regime de curso de Didática, quanto na habilitação específica de 2º grau para o Magistério, então Escola Normal, passou a ser objeto de preocupação antiga, principalmente na relação curricular a partir da reforma universitária institucionalizada pela lei 5.540/68. As tendências educacionais, desde a implantação da Escola Normal até pelo menos a república, demonstraram um ensino profissional incipiente. Somente a partir de 1968, as 4ª séries de estudo foram voltadas para as disciplinas profissionalizantes, com estágios de observação e práticas em escolas primárias, aspecto do qual dependeria o certificado de conclusão do curso. No entanto, as modificações instauradas no sistema educacional pela Lei 5.692/71, que estabelecia a qualificação obrigatória, reservavam à disciplina didática a tarefa exclusiva de aproximação da realidade da sala de aula. Confirma-se, conforme descrito no parecer CFE 349/72: “A Didática compreenderá estudos relativos à Metodologia de Ensino sob os aspectos de Planejamento, de execução do ato docente discente e verificação de aprendizagem, conduzindo à Prática de Ensino (...). Deverá ainda apreender técnicas explicatórias que lhe permitem identificar e dimensionar os recursos comunitários, bem como estagiar em instituições que desenvolvam atividades relacionadas com sua futura habilitação. Poderá ser anterior, concomitante e posteriormente à Didática, embora não haja dúvidas de que a concomitância tem vantagens sobre as outras duas, por manter praticamente indissociáveis a teoria e a prática - o que se deve fazer e o que realmente se faz” (CFE 349/72). O ideário em torno do Estágio Supervisionado ligou-se a um momento histórico em que se acreditava que esta atividade fosse concebida como um espaço privilegiado na luta da melhoria na formação de professores e, conseqüentemente, atingir-se-ia a melhoria qualitativa do ensino. Assim, a lógica dos cursos de formação de educadores durante o

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CONCEPÇÕES SOBRE A PRÁTICA DE ENSINO E ESTÁGIOSUPERVISIONADO POR ALUNOS LICENCIANDOS EM CIÊNCIASBIOLÓGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DOJEQUITINHONHA E MUCURI – DIAMANTINA-MG

SILVA, A.C. & SANTOS, T.S.COSTA, M.P.S.L.

INTRODUÇÃO

A preocupação com o Estágio Supervisionado, mesmo tendo sua origem na década de

1930, tanto com a criação dos cursos superiores de licenciatura, cuja definição foi

explicitada em 1939 com a instituição do regime de curso de Didática, quanto na

habilitação específica de 2º grau para o Magistério, então Escola Normal, passou a ser

objeto de preocupação antiga, principalmente na relação curricular a partir da reforma

universitária institucionalizada pela lei 5.540/68.

As tendências educacionais, desde a implantação da Escola Normal até pelo menos a

república, demonstraram um ensino profissional incipiente. Somente a partir de 1968, as

4ª séries de estudo foram voltadas para as disciplinas profissionalizantes, com estágios

de observação e práticas em escolas primárias, aspecto do qual dependeria o certificado

de conclusão do curso. No entanto, as modificações instauradas no sistema educacional

pela Lei 5.692/71, que estabelecia a qualificação obrigatória, reservavam à disciplina

didática a tarefa exclusiva de aproximação da realidade da sala de aula. Confirma-se,

conforme descrito no parecer CFE 349/72:

“A Didática compreenderá estudos relativos à Metodologia de Ensinosob os aspectos de Planejamento, de execução do ato docente –discente e verificação de aprendizagem, conduzindo à Prática deEnsino (...). Deverá ainda apreender técnicas explicatórias que lhepermitem identificar e dimensionar os recursos comunitários, bemcomo estagiar em instituições que desenvolvam atividadesrelacionadas com sua futura habilitação. Poderá ser anterior,concomitante e posteriormente à Didática, embora não haja dúvidas deque a concomitância tem vantagens sobre as outras duas, por manterpraticamente indissociáveis a teoria e a prática - o que se deve fazer eo que realmente se faz” (CFE 349/72).

O ideário em torno do Estágio Supervisionado ligou-se a um momento histórico em que

se acreditava que esta atividade fosse concebida como um espaço privilegiado na luta da

melhoria na formação de professores e, conseqüentemente, atingir-se-ia a melhoria

qualitativa do ensino. Assim, a lógica dos cursos de formação de educadores durante o

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Século XX fundamentava-se na concepção epistemológica da racionalidade técnica, isto

é, teoria de lado e prática do outro, configurando-se uma relação de subordinação das

disciplinas pedagógicas – consideradas as disciplinas práticas em detrimento das

teóricas consideradas científicas. Além disso, o paradigma do ciclo tradicional dos

estágios: observação/ participação/ regência, afirmava esta dicotomia entre teoria e

prática, isto é, teoria é teoria, prática é prática.

Segundo a Lei das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Profissionais da Educação:

Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, demodo a atender às especificidades do exercício de suasatividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas emodalidades da educação básica, terá como fundamentos:(Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)I – a presença de sólida formação básica, que propicie oconhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suascompetências de trabalho; (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágiossupervisionados e capacitação em serviço; (Incluído pela Lei nº12.014, de 2009)Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior,incluirá prática de ensino de no mínimo, trezentas horas.

É preciso considerar que, do ponto de vista institucional, o Estágio Curricular

Supervisionado é disciplina obrigatória de caráter prático com lugar “demarcado nos

cursos de licenciatura”. Com a Lei de Diretrizes e Base da Educação, nº 9394/96, as

discussões em torno da disciplina Estágio Supervisionado, revistos e confirmados como

componente curricular articulado e orientado pelos princípios da relação teoria e prática,

ou seja, há um “novo” papel do curso de formação de professores, concebido a partir de

competências teórico-práticas, acerca do processo ensino-aprendizagem, vinculadas ao

estágio. Neste contexto, compete à Universidade não só a transmissão e produção de

conhecimento, mas, sobretudo a responsabilidade de fazer retornar à sociedade o

conhecimento produzido, quer em nível objetivo imediato, quer no sentido maior de

desenvolvimento social, de melhoria da qualidade de vida da população a qual está

inserida.

O objetivo central deste trabalho é identificar como os licenciandos percebem a Prática

de Ensino e a disciplina curricular Estágio Supervisionado no ensino de Ciências

Biologia como campo de conhecimento e espaço de formação durante o Estágio

Curricular considerando:

a) As angústias e inquietações do estágio e da prática docente e quais as

contribuições do estágio para a formação docente.

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b) A fragmentação entre a Pedagogia e a Biologia, constituindo um desafio no

espaço do estágio que ainda vive um modelo de formação pautado na

racionalidade técnica.

c) A falta de integração entre a prática de ensino e as disciplinas específicas, ainda

constitui um entrave para a formação docente.

Dessa forma pretende-se desenvolver dentro de uma abordagem qualitativa, uma

pesquisa exploratória da qual serão utilizados questionários, entrevistas e análise de

documentos como os relatórios de estágio, a fim de verificar e analisar qual a percepção

dos licenciandos quanto à formação vivenciada durante a prática de ensino e o Estágio

Supervisionado desenvolvido pelo Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.

No Estágio Supervisionado deve ocorrer a integração universidade e sociedade,

garantindo assim, a articulação entre os cursos de Licenciatura e as escolas de educação

básica de Diamantina e região. Para o licenciando é o momento de vivenciar os

problemas que ocorrem nas escolas, que tanto são comentados em sala de aula durante a

graduação, problemas com a educação, com o trabalho do professor e também com a

organização do sistema escolar. Portanto o licenciando/ estagiário pode despertar uma

visão crítica desses problemas e buscar soluções, visto que está em uma instituição de

ensino superior e tem a oportunidade de refletir sobre estes problemas mais do que em

outros lugares.

O licenciando deve estar voltado para o atendimento à comunidade, o qual deverá

proporcionar o seu engajamento na realidade para que possa perceber os desafios que a

carreira de professor lhe oferecerá e possa assim, refletir maduramente sobre a profissão

que vai assumir. E, além desse vínculo que o licenciando e a universidade tem com a

comunidade escolar, PIMENTA (2009) sustenta que o estágio também proporciona aos

licenciandos uma complementação educacional e prática profissional que permitem o

conhecimento de sua futura profissão, tornando-se um suporte essencial no

desenvolvimento de competências para o exercício profissional.

Durante o Estágio, o licenciando começa a formular a melhor maneira de se comportar

em sala. Durante o tempo da escolarização, todos se deparam com educadores que

jamais gostariam de ser, e com aqueles que tiveram admiração. É dos últimos que se

deve buscar a motivação para procurar fazer um bom trabalho tanto no estágio, como

depois quando já professores. Assim, são previamente construídos para o que é ser um

bom professor ou o que gostaria de ser. Além disso, a Prática de Ensino como espaço de

pesquisa busca romper com a falta de articulação entre teoria e prática recorrentemente

encontrada nos currículos de formação inicial e que se traduz na divisão entre as

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disciplinas teóricas e as disciplinas pedagógicas. Na prática de ensino, busca-se a

integração entre a prática e os conhecimentos teóricos, através de sua aplicação,

reflexão, debate e reelaboração. Muitas vezes, é na Prática de Ensino que o licenciando

terá o primeiro contato real e contínuo com a escola como espaço de produção e

apropriação de conhecimentos; com a visão do trabalho do professor através dos seus

saberes experienciais, práticos; com os dilemas dessa profissão e os desafios que hoje se

colocam na vivência da prática docente.

Sabe-se que, um profissional para ser professor precisa dominar os saberes pedagógicos

(critérios de avaliação, interações professor-aluno) e, principalmente, saber tratar desses

conceitos, sendo que, as análises críticas da escola e de seu ambiente devem fazer parte

da formação de todos os professores. Para compreender este desafio e entender o porquê

deste objeto de estudo é que foi iniciada esta pesquisa.

Na formação de professores, os currículos devem considerar a pesquisa como princípio

cognitivo, investigando com os alunos a realidade escolar desenvolvendo neles uma

atitudeinvestigativa em suas atividades profissionais e assim tornando a pesquisa

também princípio formativo na docência. É no âmbito do processo educativo que mais

íntima se afirma a relação entre teoria e prática.

A Educação é uma prática, mas uma prática intencionada pela teoria. Disso, decorre

atribuirmos a importância do Estágio no processo de formação de professores.

Entendendo que o Estágio faz parte de todas as disciplinas percorrendo o processo

formativo desde o início, o estágio pode servir de espaço de projetos interdisciplinares,

ampliando esta compreensão. O referencial teórico que fundamenta este trabalho busca

compreender o Estágio como uma das ações responsáveis pela articulação entre a teoria

e a prática, enquanto relação fundamental na prática docente. O Parecer número 21, de

2001, do Conselho Nacional de Educação, define o Estágio Curricular como:

“um tempo de aprendizagem que, através de um período depermanência, alguém se demora em algum lugar ou ofício paraaprender a prática do mesmo e depois poder exercer umaprofissão ou ofício. Assim o estágio supõe uma relaçãopedagógica entre alguém que já é um profissional reconhecidoem um ambiente institucional de trabalho e um aluno estagiário[...] é o momento de efetivar um processo de ensino-aprendizagem que, tornar-se-á concreto e autônomo quando daprofissionalização deste estagiário (CNE, n. 21/2001)".

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As questões do Estágio sempre foram marcadas pela problemática relação entre teoria e

prática, que em nosso entendimento pode ser equacionada com a seguinte pergunta: o

estágio realizado como pesquisa contribui para a formação inicial dos licenciandos do

Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas?

Algumas preocupações dizem respeito ao lugar que ocupa a Prática de Ensino e a

disciplina de Estágio Supervisionado dentro dos Currículos da Licenciatura - neste caso

em particular, no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, em final de curso. Em

conformidade com o disposto no Art. 7º § 1º, alínea “f”, da Lei 9.131, de 25 de

novembro de 1995, com fundamento no Art. 12 da Resolução CNE/CP 1/2002, e no

Parecer CNE/CP 28/2001, resolve:

Art. 1º A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em

nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será efetivada mediante a

integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e oitocentas) horas, nas quais a articulação

teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes

dimensões dos componentes comuns:

I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas aolongo do curso;

II - 400 (quatrocentas) horas de Estágio Curricular Supervisionado a partir do início dasegunda metade do curso;

III - 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de naturezacientífico-cultural;

IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.

A disciplina de Laboratório de Ensino em Ciências Biológicas é desenvolvida no

decorrer do Curso numa sequência de 04 (quatro) módulos, o primeiro deles no 4º e o

último, no 7º período. Essa disciplina é de responsabilidade dos vários docentes do

Curso e tem um planejamento geral na sequência dos módulos definido pelo Colegiado

de Curso. Esse conjunto sequencial de módulos, cada qual com o seu professor

responsável e um conjunto de professores colaboradores, constituir-se-á em um

processo que envolverá os licenciandos em prática (s) pedagógica (s) e em pesquisa

sobre a prática ou sobre aspectos/ elementos da (s) prática (s) desenvolvida (s). Tem

ementa aberta e, como objetivo principal, a discussão de temas e a proposição de ações

pedagógicas vinculadas a uma das disciplinas de conhecimento específico que o aluno

já tiver cursado.

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Esses temas são objetos de, por exemplo, elaboração e aplicação de instrumentos de

avaliação diagnóstica; planejamento e desenvolvimento de aulas, elaboração e aplicação

de instrumentos de avaliação de aprendizagem, desenvolvimento, aplicação e avaliação

de jogos, CD’s e outros materiais curriculares (didáticos e paradidáticos); planejamento

curricular – incluindo o de ensino por projetos, o de ensino de unidades e aulas. Durante

todo o processo, os produtos dos licenciandos são objeto de análise e avaliação, tanto do

ponto de vista biológico quanto didático pedagógico, e de sucessivos aperfeiçoamentos.

Considerando-se que nessa sequência de módulos da disciplina o licenciando estará

envolvido em prática pedagógica e em pesquisa sobre elementos dessa prática, o (s)

processo (s) vivenciado (s) por ele e os seus produtos poderão fornecer subsídios que

poderão ser aplicados na elaboração de seu Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

Os conteúdos abordados poderão, também, se constituir em temas geradores de

discussão e apresentados na forma de painéis ou apresentações orais nas disciplinas de

Seminários em Biologia I e II. Todo o suporte didático-pedagógico necessário à

orientação do licenciando na condução das atividades previstas será oferecido pela

disciplina de Metodologia de Ensino.

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OBJETIVOSGERAL

Compreender como os licenciandos do Curso de Licenciatura em Ciências

Biológicas percebem a Prática de Ensino e Estágio Supervisionado de modo que

esta prática constitua um espaço rico de formação e construção da identidade

docente.

ESPECÍFICOS

Investigar junto aos licenciandos as concepções sobre a Prática de Ensino como

componente curricular e as contribuições dessa prática para a formação docente.

Identificar a percepção dos licenciandos quanto às contribuições do Estágio

Supervisionado do Curso de Ciências Biológicas em sua formação.

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JUSTIFICATIVA

A perspectiva do Estágio como pesquisa aponta para a necessidade de considerar o

planejamento, o desenvolvimento e a avaliação dos estágios em um projeto orgânico no

projeto pedagógico coletivo do curso de formação e um processo negociado e

compartilhado entre os professores orientadores, os licenciandos e as escolas. Dessa

forma o projeto de Estágio pode-se constituir em projeto de pesquisa colaborativa da

prática dos envolvidos. O planejamento como elemento constituinte do compromisso

ético do trabalho dos professores formadores, um instrumento de sua competência e um

requisito de organização.

. Como os licenciandos do Curso de Ciências Biológicas percebem as contribuições da

prática de ensino para a sua formação?

. Como ocorre o planejamento e a avaliação do estágio nos cursos de formação de

professores?

. Quais os fundamentos teóricos que embasam as práticas de estágio?

Apesar dos avanços de conhecimento sobre a formação de professores coloca-se o

estágio como foco de análise a partir de questões como:

. Com quais expectativas e entendimento acerca da disciplina Estágio Supervisionado

no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas os licenciandos iniciavam e

terminavam o semestre letivo?

. Quais eram as suas principais inquietações quanto à atividade a ser desenvolvida?

. Que contribuições este componente curricular traz para a formação docente, a partir

dos olhares dos (as) estagiários (as)?

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MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa qualitativa foi adotada com o objetivo de analisar o que os estudantes

pensam sobre a prática de ensino e o estágio supervisionado. Segundo Lüdke e André

(1986, p.11) a pesquisa qualitativa permite a aproximação da realidade, tem o ambiente

natural como sua fonte direta de dados que são predominantemente descritivos. Em

razão da natureza do presente estudo e dos objetivos propostos, a abordagem qualitativa

foi a mais adequada para a análise dos dados. Como instrumentos de coleta de dados

foram utilizados questionários semiestruturados e entrevistas realizadas com os

acadêmicos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.

A pesquisa foi realizada na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

(UFVJM) no final do segundo semestre do ano de 2011 (nos meses de Novembro e

Dezembro) e no início do primeiro semestre letivo do ano 2012 (nos meses de Março e

Abril).

O questionário continha questões abertas e fechadas que se dividiam em três blocos. No

primeiro bloco havia questões fechadas que se referiam aos dados gerais dos estudantes:

gênero, idade, escolaridade. No segundo bloco os alunos deveriam marcar em uma

escala de 0 a 5 a concepção que mais se aproximasse de sua opinião sobre as

contribuições da prática de ensino para a formação do professor durante o estágio

supervisionado, para a investigação sobre a percepção dos estudantes sobre a prática de

ensino. No terceiro bloco havia questões abertas que solicitavam ao estudante descrever

com quais expectativas e qual entendimento acerca da disciplina Estágio

Supervisionado no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas cada licenciando

tinha ao início e final do semestre.

O questionário semi-estruturado, em geral, é aquele que parte de certos questionamentos

básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa. Dessa maneira, o

participante da pesquisa, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de

suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a

participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. Foram aplicados aos licenciandos do

7º e 8º períodos que atuavam com o Estágio Supervisionado I Ensino de Ciências e

Estágio Supervisionado II Ensino de Biologia. O estágio é realizado concomitante com

a disciplina Orientação para a Prática Profissional I e II (OPP I e II) respectivamente.

Além do questionário utilizou-se como coleta de dados a observação durante as aulas

ministradas pelos licenciandos e a análise documental, com base na leitura dos

relatórios de estágio. A análise documental consiste, segundo Lüdke e André (1986), em

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uma busca de identificações factuais nos documentos a partir de questões e hipóteses de

interesse.

Nesse tipo de análise os dados são extraídos e interpretados qualitativamente buscando

amparo na literatura específica, neste caso, em educação. O documento objeto de

análise do presente estudo foram os relatórios elaborados pelos licenciandos no final do

processo de regência e questionários elaborados pelos pesquisadores (autores).

Para a análise dos dados do questionário, foram identificados os licenciandos com a

letra “FP” (Futuro professor) seguido de numeração algébrica a fim de manter o

anonimato dos participantes da pesquisa. Para o desenvolvimento das atividades

utilizou-se algumas estratégias, que tiveram como objetivo geral proporcionar a cada

licenciando momentos para reflexões sobre a condução da sua futura prática docente, a

saber:

1- Aulas expositivas dialógicas, nas quais foram discutidos aspectos teóricos e práticos

acerca do ensino de Ciências, e neste contexto do ensino de Biologia:

Planejamento de ensino, desenvolvimento de sequências pedagógicas em ciências e

promoção de suas operacionalizações;

. Ensino, aprendizagem e avaliação em Ciências/Biologia;

. Formação Docente em Ciências Biológicas e seus desafios da Contemporaneidade;

. Linguagem e conhecimento no ensino em Ciências/Biologia;

. Contribuições da abordagem histórico-cultural da aprendizagem para a intervenção

escolar/educacional.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme a proposta pedagógica do Curso de Ciências Biológicas, o componente

“Prática de Ensino” é ministrado na forma de disciplinas denominadas Laboratório de

Ensino em Ciências Biológicas (I, II, III e IV), Estágio Supervisionado em Ciências e

Biologia, Estrutura e Funcionamento da Educação, Seminários I e II, Psicologia da

Educação, Metodologia do Ensino e Atividades Acadêmico-Cientifico-Culturais,

perfazendo uma carga horária de 1.000 horas.

Durante todo o curso de Ciências Biológicas os licenciandos se deparam com essas

disciplinas, mas não as percebem como disciplinas da Prática de Ensino. Enfocando

como tal apenas Laboratório de Ensino (I, II, III, IV) e Estágio Supervisionado em

Ciências e Biologia, como percebido nos resultados da pesquisa.

Nessas disciplinas, com enfoque principalmente teórico, o licenciando tem a

oportunidade de conhecer o histórico da educação, as políticas públicas para a educação,

as concepções de ensino e aprendizagem, as teorias de aprendizagem, bem como as

diferentes metodologias de ensino de ciências naturais, diferentes formas de trabalhar os

conteúdos, entre outros, e só ao final do curso, no Estágio Supervisionado, que esses

acadêmicos têm a oportunidade de trabalhar na prática o que aprenderam na teoria.

Percebe-se que nessa estrutura, predomina-se o que Cury (2009) chama-se de

Curriculum 3+1, ou seja, as disciplinas de formação científica nos primeiros períodos

do curso e de formação profissional nos últimos períodos do curso.

É no curso de licenciatura e com a prática que os licenciandos poderão ter a

oportunidade de conhecer a sua área de atuação futura, e somente colocando-se em

contato com o fenômeno do estágio e vivenciando-o, é que se poderá conhecê-la. O

Estágio Supervisionado é ofertado no 7º e no 8º período do Curso de Licenciatura em

Ciências Biológicas. A participação no Estágio é o momento em que o licenciando tem

um contato mais efetivo com a sala de aula, na qual ajuda no desenvolvimento de

projetos junto a sua professora regente e/ou com um colega estagiário. E, por fim, a

última etapa do Estágio abrange a parte, que os licenciandos, consideram mais

complicada, a regência, na qual o acadêmico descobre-se no papel de professor, e onde

tem a oportunidade de conhecer melhor sua profissão. Mas, neste contexto, o Estágio

não pode ser compreendido pelos licenciandos como apenas cumprimento de exigências

do curso de formação, ao contrário, deve ser vivenciado por eles como um passo

importante para a formação profissional.

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No desenvolvimento da pesquisa, encontramos entre os estudantes do Curso de

Licenciatura em Ciências Biológicas, depoimentos que destacam a importância da

Prática de Ensino para a sua formação como professores, da aproximação que tiveram

com a pesquisa em educação, com o cotidiano escolar, com as formas de atuação dos

professores regentes durante a prática docente, bem como a compreensão da

complexidade da relação professor-aluno. Os questionários aplicados apontam qual a

percepção dos estudantes em formação acerca do estágio supervisionado, da prática de

ensino e das disciplinas cursadas na Licenciatura: O questionário foi agrupado em 3

categorias, sendo: A, Contribuições da prática de Ensino para a formação do professor

durante a Prática de Ensino e o Estágio Supervisionado; B em relação às disciplinas

cursadas na Licenciatura e C em relação à percepção dos licenciandos quanto ao Estágio

Supervisionado. Dos estudantes matriculados na disciplina de Estágio Supervisionado I

e II no ano de 2011 e 2012, 17 participaram da pesquisa, possuem idades entre 20 e 35

anos. Dentre as questões, a primeira parte abordou em relação às contribuições da

Prática de Ensino para a formação do professor durante o Estágio Supervisionado, os

licenciandos deveriam marcar um x no item que mais se aproximasse da sua resposta

sobre as afirmativas:

CF- Concorda fortemente, C- Concorda, I- Indeciso, D- Discorda, DF- Discorda fortemente.

As perguntas foram agrupadas e ordenadas em 3 etapas, A, B e C.

A – EM RELAÇÃO ÀS CONTRIBUIÇÕES DA PRÁTICADE ENSINO PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSORDURANTE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO:

CF C I D DF

1- Acredito que o curso de licenciatura forma professores bempreparados para ministrar aulas teóricas para a educação básica.

4 9 2 2 0

2- Acredito que nos laboratórios de ensino há um predomínio deatividades práticas.

1 7 4 3 2

3- Depois de cursar as disciplinas da licenciatura, o futuroprofessor está muito bem preparado para propor atividadespráticas para os alunos de educação básica.

3 8 3 2 1

4- As atividades das disciplinas de prática de ensino incluem apreparação de aulas teóricas para a educação básica.

3 9 3 1 1

5- Ao preparar uma atividade prática para alunos da educaçãobásica sinto dificuldades de fundamentá-la em um conteúdoteórico.

1 4 3 5 4

6- Acredito que as atividades práticas das disciplinas de práticasdas disciplinas de prática de ensino são relacionadas aosconteúdos teóricos correspondentes.

6 6 3 1 0

7- Acredito ser capaz de aplicar as teorias pedagógicas estudadasno curso de licenciatura para entender e participar melhor dadinâmica de sala de aula da educação básica durante o estágio.

7 9 0 0 1

8- Ao preparar uma aula teórica para alunos da educação paraalunos da educação básica, sinto dificuldades de extrapolar o

1 2 3 6 5

13

conteúdo para uma atividade (ou exemplo) prática (o).9- É papel das disciplinas de Formação Docente tratar daabordagem teórica adequada para alunos da educação básica.

9 8 0 0 0

Fig. 1 - Gráfico representativo da Etapa A da pesquisa (em relação às contribuições da

prática de ensino para a formação do professor durante o estágio supervisionado)

Na primeira questão, a maioria dos licenciandos, ou seja, nove deles concordam que o

curso prepara bem os futuros professores para ministrarem aulas para a educação básica.

Enquanto que seis discordam e dois deles ainda estão indecisos quanto a essa

preparação. O “aluno-professor” está no início do processo de desenvolvimento

profissional, sua relação com o saber profissional está sendo construída e o licenciando

acaba por concordar que as estratégias e práticas que acontecem durante todo o curso

vão somando positivamente para a formação do futuro professor.

Na segunda questão, os licenciandos tiveram opiniões variadas, oito deles concordam

que nos Laboratórios de Ensino predominam atividades práticas, quatro estão indecisos

quanto a essa afirmação enquanto que cinco discordam dessa afirmativa. Provavelmente

essa parcela elevada de discordância tem a ver com o desenvolvimento da disciplina no

curso, que busca se adequar às atividades de forma que cada vez mais possa contribuir

para a aprendizagem do futuro professor de Ciências e Biologia. Ainda assim é

importante salientar que a disciplina é voltada à Prática de Ensino, para que o

licenciando possa aplicar o que aprendeu na teoria.

Na terceira questão - Onze alunos confirmam fortemente que as disciplinas de Prática

de Ensino são de suma importância para sua formação, a maioria afirma estar preparada

para propor atividades práticas para alunos da educação básica durante o período de

estágio. Outros três estão indecisos; três discordam dessa afirmativa, demonstrando que

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se sentem totalmente despreparados para tal atividade. Os alunos mais confiantes

percebem com as disciplinas da Formação Pedagógica a sua importantíssima

contribuição para a formação docente e o quanto elas lhes proporcionam melhor

capacidade de propor atividades que possam somar em aprendizagem dentro e fora da

sala de aula.

Na quarta questão– Doze dos licenciandos confirmam que as atividades das disciplinas

de Prática de Ensino incluem a preparação de aulas teóricas para a educação básica.

Outros três deles estão indecisos enquanto que dois licenciandos discordam dessa

afirmativa. As disciplinas de Prática de Ensino buscam o desenvolvimento de atividades

diversificadas, estratégias de reflexão, planejamento de ensino, elaboração e aplicação

de projetos, aulas teóricas, práticas, aulas formais e não formais etc., que levam a uma

vivência pedagógica rica que fará parte do componente curricular do licenciando.

Concordando com a afirmativa, vê-se que os licenciandos percebem essa importância.

Na quinta questão - Cinco dos licenciandos concordam fortemente que sentem

dificuldades em fundamentar uma atividade prática em um conteúdo teórico para alunos

da educação básica. Três dos licenciandos estão indecisos, enquanto nove deles, ou seja,

a maioria discorda da afirmação. Os licenciandos se sentem despreparados para

fundamentar alguns conceitos que aprenderam na teoria, ao preparar aulas práticas, pois

têm dificuldades em fundamentá-las. Provavelmente ainda têm dúvidas de que

disciplinas como Laboratório de Ensino I, II, III e IV e Estágio Supervisionado I e II

desenvolvem atividades que podem ajudá-los a superar essas dificuldades durante a

graduação. A formação docente para fazer jus ao seu significado necessita integrar

elementos de natureza humana, política e social não somente o domínio técnico do ato

pedagógico, mas, também, que atinja e exponha os vários significados e do exercício da

profissão em si mesma.

Rosso e Mafra, 2002, destacam que, a localização da Metodologia e Prática de Ensino

(MPE) dentro dos currículos das licenciaturas atuais está como uma disciplina final, de

fechamento do curso. Se de um lado, o entendimento de fechamento do curso tem

favorecido uma abordagem predominantemente técnica, de aplicar ou de cobrar a

aplicação do que se aprendeu ao longo do curso, de outro, a partir dela, pode se ter uma

visão retrospectiva do currículo do curso e sua implementação, ou seja, dos resultados e

das compreensões que o curso tem favorecido e implantado com sua proposta e prática.

Além desses aspectos, encontramos muitos outros que podem ser explorados e

analisados e discutidos da MPE, como por exemplo, as práticas e concepções docentes,

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o diálogo entre a teoria e a prática e a compreensão crítica e reflexiva do universo

escolar e das ações do ensino-aprendizagem (ROSSO e MAFRA, 2000; ROSSO, 2002).

Na sexta questão - Doze dos dezesseis licenciandos que responderam, acreditam que as

atividades práticas das disciplinas de prática de ensino são relacionadas aos conteúdos

teóricos correspondentes. Três dos licenciandos estão indecisos, um licenciando

discorda dessa afirmativa. Observa-se que a maioria deles está ciente de que as

disciplinas de Prática de Ensino são baseadas no desenvolvimento de atividades

associadas à teoria e prática, que são bem mais aproveitadas por alunos do ensino

básico. Alguns deles podem discordar pelo fato de terem dificuldade de relacionar o

conteúdo teórico à prática ou mesmo se sentirem despreparados com a realidade de ser

professor. Na sétima questão– foi verificado que dezesseis dos licenciandos concordam

que são capazes de aplicar as teorias pedagógicas estudadas no curso de licenciatura

para entender e participar melhor da dinâmica de sala de aula da educação básica

durante o estágio. Apenas um aluno discorda dessa afirmativa. A maioria concorda que

é capaz de realizar atividades que buscam desenvolver a dinâmica dentro da sala de

aula, são capazes de improvisar, refletir e agir em diversas situações.

Na oitava questão – Três dos licenciandos concordam que é papel das disciplinas de

formação docente tratar de abordagem teórica adequada para alunos da educação básica.

Três dos alunos ainda estão indecisos quanto a esse papel da disciplina na sua formação,

enquanto que a maioria deles, ou seja, onze não concordam. Esse papel não é somente

das disciplinas de formação docente, eles acreditam que ao longo do curso, essa

abordagem vai se desenvolvendo com a ajuda de todas as atividades práticas, teóricas,

outras abordagens, o estágio em si, a regência, a vivência dentro e fora da sala de aula.

Na nona questão - Dezessete dos licenciandos, ou seja, todos eles afirmam que sentem

dificuldade de extrapolar o conteúdo para uma atividade prática. Nessa afirmação

devemos levar em conta que os acadêmicos desenvolvem o Estágio Supervisionado no

4º ano do curso e ainda dizem que têm muito que aprender, sendo assim, com muita

prática e ao longo de toda a carreira o futuro professor e até o profissional que já atua

sempre estarão buscando aprender, não se sentindo totalmente preparados.

Além da visão do professor como mero aplicador-transmissor dos conhecimentos

produzidos pelos acadêmicos, outro tipo de reducionismo vem prejudicando a imagem

da profissão docente: o que diz que para ser professor “basta ter o dom”. A ênfase

exagerada no “dom” desvaloriza o empenho e o investimento que os professores fazem

na sua formação inicial e continuada. Ao enfatizar um aspecto “divino”, “mágico” ou

“esotérico” da habilidade de ensinar, essa visão desconsidera a necessidade de esforço,

16

trabalho e reflexão na prática do professor, tornando-a então uma prática menor se

comparada a outras atividades profissionais. A busca contínua por novos conhecimentos

e pela atualização dos conhecimentos já adquiridos, o desenvolvimento e a descoberta

de novos materiais e metodologias pedagógicas e a reflexão constante, através de

leituras, pesquisas e troca de experiências sobre sua atividade e as inovações na área

descartam essa visão “profética” do professor e mostram que esse ofício possui

conhecimentos, habilidades, competências e saberes específicos e necessários ao bom

desempenho de seus profissionais. Ser professor, portanto, é mais do que saber o

conteúdo ou ter um dom. Segundo ALLAIN apud TARDIF et al. (1991:228), o

exercício cotidiano da profissão docente exige “uma cota de improvisação e de

habilidade pessoal, bem como a capacidade de enfrentar situações mais ou menos

transitórias e variáveis”.

Além disso, os autores frisam que “A atividade docente não se exerce sobre um objeto,

sobre um fenômeno a ser conhecido, ou uma obra a ser produzida. Ela se desdobra

concretamente numa rede de interações com outras pessoas, num contexto onde o

elemento humano é determinante e dominante, e onde intervêm símbolos, valores,

sentimentos, atitudes, que constituem matéria de interpretação e decisão, indexadas, na

maior parte do tempo, a certa urgência.” Diante dessas situações e a partir do contexto

descrito, o professor deve julgar e fazer escolhas difíceis, que são auxiliadas pelos

saberes que ele possui e que são construídos ao longo do exercício da sua profissão.

(ALLAIN apud TARDIF, 2008).

Pesquisas realizadas por Mendes e Munford (2008), sobre as licenciaturas apontam que,

um exame mais atento da história do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas em

algumas universidades novamente traz à tona tensões em relação aos cursos de

formação de professores de Ciências que acabam por banalizar a profissão docente. Em

sua origem, os objetivos da formação de biólogos naquela instituição não foram

explicitados, mas a percepção daqueles que concluem o curso parece indicar

contradições que ainda permeiam o contexto atual. A princípio, o objetivo de formar

pesquisadores em Ciências Biológicas seria mais valorizado, contudo, tal objetivo não

necessariamente norteava as práticas docentes. Além disso, as oportunidades para o

biólogo atuar profissionalmente eram (e são) consideravelmente limitadas, sendo que

havia (e há) uma grande demanda por professores do ensino básico na área de Ciências

e Biologia. Assim, apesar de sua futura atuação provavelmente ser como professor, o

aluno de graduação era formado tendo em mente o ideal de formação de pesquisadores

em ciências naturais. Pereira (2000) aponta que tal ênfase na pesquisa em Ciências

17

Biológicas reflete-se, por exemplo, na definição do currículo dos cursos a partir de

demandas e preocupações relacionadas ao bacharelado (PEREIRA, 2000).

Portanto, no percurso de sua formação enquanto biólogo, o aluno, de fato, não tem uma

vivência da docência como profissão que demanda saberes específicos. Em outras

palavras, os saberes envolvidos na formação de “biólogos pesquisadores” são colocados

como suficientes para a formação do “biólogo professor”. Na área de Educação, a

valorização de outra faceta do professor — de um profissional que possui saberes

específicos que auxiliam no exercício de sua profissão — surge quando a atividade

docente passa a ser considerada como um fator influente nos processos de ensino-

aprendizagem (ALLAIN apud GAUTHIER). Como desdobramento, o debate sobre a

importância dos saberes docentes na formação inicial dos professores aparece a partir da

utilização da pesquisa como ferramenta para o ensino Assim, podemos argumentar que

na prática de ensino a pesquisa surge muitas vezes como um “princípio educativo e

formativo”. (LUDKE e ANDRÉ, 2002).

Assim, a Prática de Ensino, foco dessa investigação e como espaço de pesquisa busca

romper com a dissociação entre teoria e prática recorrentemente encontrada nos

currículos de formação inicial e que se traduz na divisão entre disciplinas conteudistas,

(responsabilidade dos primeiros períodos do curso de Ciências Biológicas) e disciplinas

pedagógicas (responsabilidade dos professores de Metodologia do Ensino, Laboratórios

de Ensino I, II, II e IV, Estágio Supervisionado I e II, Estrutura e Funcionamento da

Educação, Aspectos Filosóficos e Sócio Antropológicos, Psicologia da Educação e

Seminários I e II).

De acordo com Munford e Mendes (2005) na prática de ensino, busca-se a integração

entre a prática e os conhecimentos teóricos, através de sua aplicação, reflexão, debate e

reelaboração. Além disso, muitas vezes é na prática de ensino que o licenciando terá o

primeiro contato real e contínuo com a escola como espaço de produção e apropriação

de conhecimentos; com a visão do trabalho do professor através dos seus saberes

experienciais, práticos; com os dilemas dessa profissão e os desafios que hoje se

colocam na vivência da prática docente. De acordo com pesquisa realizada por alguns

estudiosos, um dos principais desafios enfrentados pelas universidades na formação

inicial de professores é de ajudá-los a entender a docência enquanto profissão e ter uma

dimensão de sua complexidade e de suas especificidades.

18

Fig. 2 - Gráfico representativo da Etapa B da pesquisa (em relação às disciplinas de

Prática de Ensino).

A segunda etapa (B) do questionário abordou em relação às disciplinas da Prática deEnsino.

Na primeira questão, quinze dos licenciandos, a maioria, acredita que entenderia melhor

a aplicação das disciplinas da Formação Pedagógica na prática docente se as atividades

da Prática de ensino ocorressem desde o começo do curso de Licenciatura. Um dos

licenciandos está indeciso quanto a essa afirmativa e um discorda. Esses dados

sustentam que os licenciandos percebem uma enorme importância dessas disciplinas em

sua graduação, pois somente assim podem desenvolver capacidades como: observação,

B- EM RELAÇÃO ÀS DISCIPLINAS DE PRÁTICA DE ENSINO: CF C I D DF1- Acredito que entenderia melhor a aplicação das disciplinas da Licenciatura naprática docente se as atividades da Prática de Ensino ocorressem desde o começodo curso de Licenciatura.

10 5 1 0 1

2- Concordo com a estrutura atual do currículo de licenciatura onde há uma claradivisão entre disciplinas teóricas e disciplinas de formação docente.

4 3 3 6 1

3- Acredito que o saber científico deve ser reconstruído para ser utilizado nocontexto escolar.

9 5 2 0 0

4- A licenciatura prepara os futuros professores para a reconstrução do sabercientífico no contexto escolar.

8 7 1 1 0

5- Sou indiferente a qualquer mudança no currículo de Licenciatura, porque oimportante mesmo para ser professor é ter o dom de ensinar.

0 0 2 5 10

6- Sou indiferente a qualquer mudança no currículo de Licenciatura, porque oimportante mesmo para ser professor é dominar o conteúdo.

0 1 1 5 10

7- Acredito que o curso de licenciatura oferece poucas disciplinas que ajudam arelacionar o conteúdo de biologia com o conteúdo pedagógico. 4 8 1 2 2

8- Acredito que ser professor é mais do que saber preparar boas aulas práticas. 15 2 0 0 0

9- Ser professor é saber transformar um conteúdo teórico em algo que os alunosentendam.

10 6 1 0 0

19

reflexão crítica, reorganização das ações, capacidade de refletir e reorganizar suas

próprias ações.

A segunda questão feita aos licenciandos era se o mesmo concordava com a estrutura

atual do currículo de Licenciatura onde há uma clara divisão entre disciplinas teóricas e

as disciplinas de formação docente. Sete deles concordam com essa afirmativa, três

estão indecisos, sete discordam dessa afirmativa. Essa questão leva a entender que os

acadêmicos percebem essa divisão dos conteúdos no curso, divididos em relação à

afirmativa, predominando as disciplinas específicas em detrimento das disciplinas de

formação pedagógica. Essa divisão muitas vezes só é percebida quase que no final do

curso quando o licenciando depara com o Estágio Curricular Supervisionado e percebe a

dicotomia entre a teoria e a prática e a aplicação dos conhecimentos científicos da

Biologia para o conhecimento escolar.

Na terceira questão quatorze dos dezesseis licenciandos que responderam à questão

concordam que o saber científico deve ser reconstruído para ser utilizado no contexto

escolar. 2 deles estão indecisos, se o saber deve ser reconstruído ou se o professor deve

reforçar esses valores que os alunos já possuem. Os licenciandos ao entrarem em

contato, por meio da mediação dos professores, com o estudo específico da sua área de

atuação, formam um quadro de referência dos conceitos orientadores de sua ação.

Conhecê- los, representa uma grande oportunidade de ação no sentido de fazer com que

eles avancem, transformando- os.

Quarta questão: afirma que a Licenciatura prepara os futuros professores para a

reconstrução do saber científico no contexto escolar. Quinze dos licenciandos

concordam com essa afirmativa, um deles está indeciso e um discorda dessa afirmativa.

Percebe-se que a maioria dos licenciandos sabe que é importante manter essa linha de

construção de conhecimento na vida de todos, principalmente no contexto escolar.

Quinta questão: sou indiferente a qualquer mudança no currículo de Licenciatura,

porque o importante mesmo para ser professor é ter o dom de ensinar. A maioria dos

licenciandos, quinze deles discordam dessa afirmativa, e dois estão indecisos. Ao se

questionarem sobre a importância de ensinar, os futuros professores enfrentam uma

dupla crise de identidade: a do papel do ensino e o seu próprio papel. A complexidade

dessa e de outras questões prescinde uma postura reflexiva e crítica do professor na

busca por um saber lidar com seus dilemas e os da profissão sem a ilusão de uma

solução única e simples. A identidade profissional não é um dado imutável, ela se

constrói culturalmente, gradativamente e permanece significativa, não sendo, portanto,

comparável a um dom (ALLAIN, 2001).

20

Na sexta questão: sou indiferente a qualquer mudança no currículo de Licenciatura,

porque o importante mesmo para ser professor é dominar o conteúdo. Quinze dos

licenciandos discordam, apenas um licenciando está indeciso e um concorda com a

afirmativa. Para a maioria, dominar conteúdo ou mesmo ter o dom de ensinar não basta

para ser um bom professor. É preciso uma enorme gana de conhecimentos, atitudes,

convivências, vivências, entendimentos e vários outros quesitos para ser um bom

profissional.

É desafiador transformar a profissão docente em uma profissão do conhecimento. Uma

profissão que seja capaz de aproveitar as oportunidades de nossa sociedade para

conseguir que respeite um dos direitos fundamentais: o direito de aprender de todos os

alunos e alunas, adultos e adultas. Necessitamos de boas políticas para que a formação

inicial desses professores lhes assegure as competências que vão precisar durante sua

longa, flexível e variada trajetória profissional. A sociedade necessita de bons

professores, cuja prática profissional cumpra os padrões profissionais de excelência que

assegure o compromisso do respeito ao direito que os alunos têm de aprender. “O

ensino é um trabalho exigente, e não é possível para qualquer um ser um professor

eficaz e manter essa eficácia ao longo do tempo” (MARCELO C., 2009). A identidade

profissional docente se constitui como uma interação entre a pessoa e suas experiências

individuais e profissionais. A identidade se constrói e se transmite.

Sétima questão: Acredito que o curso de Licenciatura oferece poucas disciplinas que

ajudam a relacionar o conteúdo específico de Biologia com o conteúdo pedagógico.

Doze dos licenciandos concordam com essa afirmativa, acreditam que são poucas as

disciplinas que poderiam somar no currículo do futuro professor, abordando de forma

prática essa área tão importante, Um dos licenciandos está indeciso e quatro deles

discordam dessa afirmativa, ou seja, para esses, mais disciplinas relacionadas Formação

Pedagógica poderiam contribuir para o futuro professor. As disciplinas de Formação

Pedagógica contribuem para formar essa racionalidade e o saber docente, mesmo que

individualmente. Os professores muitas vezes agem espontaneamente, recorrendo a uma

racionalidade prática. Os saberes docentes são o resultado de experiências práticas,

teóricas e pessoais. Os acadêmicos percebem a importância da contribuição do saber

pedagógico e o conteúdo específico do curso que são pouco explorados. Valorizam a

contribuição da experiência acumulada durante o estágio e práticas, com sabedoria, ação

e a contribuição específica da teoria produzida pela academia (Elliott, 1989).

Demonstram necessitar que os conteúdos específicos de Biologia fossem mais

relacionados aos conteúdos pedagógicos, numa efetiva parceria da prática com o

21

conteúdo científico e ducativo (LUDKE e ANDRÉ, 1986). Assim, acreditam que

poderiam melhorar a sua atuação na educação satisfatoriamente e bem mais confiante.

Aprendizagem é, por excelência, construção; ação e tomada de consciência da

coordenação das ações. Na prática pedagógica é importante o professor conhecer como

ocorre a aprendizagem e ter claro a sua posição. Sem a contribuição das disciplinas

pedagógicas fica impossível repensar esta prática. (Moura et al., 2001).

A oitava questão: Acredito que ser professor é mais do que saber preparar boas aulas

práticas. Todos os dezessete licenciandos concordam com essa afirmativa. A nona

questão diz que ser professor é saber transformar um conteúdo teórico em algo que os

alunos entendam. Dezesseis dos licenciandos concordam com essa afirmativa. Aqui os

estudantes se referem á transposição didática que segundo Chevallard, a Transposição

Didática é entendida como um processo no qual um conteúdo do saber que foi

designado como saber a ensinar sofre, a partir daí, um conjunto de transformações

adaptativas que vão torná-lo apto para ocupar um lugar entre os objetos de ensino.

Para FILHO, GOMES e TERÁN (2011) a Transposição Didática é um instrumento pelo

qual analisamos o movimento do saber sábio, aquele que os cientistas descobrem, para o

saber a ensinar, aquele que está nos livros didáticos e, por este, ao saber ensinado,aquele

que realmente acontece em sala de aula. Um conteúdo de saber que tenha sido definido

como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações

adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O

‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de

transposição didática (CHEVALLARD, 1991, p.39).

O Estágio possibilita ao licenciando a disponibilidade de consolidar seus conhecimentos

com os entraves que a prática do dia-a-dia oferece. A troca de experiência fará com que

o futuro profissional torne-se mais preparado para atuar em diferentes áreas e lidar com

a complexidade da realidade cotidiana inerente à escola. É com a prática que os

acadêmicos de licenciatura poderão ter a oportunidade de conhecer a sua área de

atuação no futuro, e somente vivenciando-a, é que se poderá conhecê-la.

A terceira etapa da pesquisa (C) abordou em relação ao estágio Supervisionado.

Dentre as questões abordadas no questionário, a primeira foi com quais expectativas e

qual entendimento acerca da disciplina Estágio Supervisionado no Curso de Ciências

Biológicas o licenciando tinha ao início do semestre letivo. A maioria dos licenciandos

respondeu que a expectativa era sobre aprender a lecionar, aprender a ser professor.

Outros afirmaram que estavam desanimados, pois não tiveram contato prévio com uma

escola antes do estágio. Esperavam poder solucionar dúvidas que carregaram durante

22

todo o curso, e também com o contato direto com a escola, vivenciar a rotina do

professor como futura profissão.

A segunda questão foi referente ao término do semestre letivo, se as expectativas foram

superadas, e também se as experiências desenvolvidas foram adequadas para a sua

formação “ser professor”. A maioria dos licenciandos respondeu que as expectativas

foram superadas, principalmente depois da experiência da realização do projeto de

intervenção.

Com o estágio as dificuldades foram diminuindo e puderam analisar situações e resolvê-

las, aprendendo a agir de forma a promover uma melhoria para a coletividade.

Outros afirmaram que as experiências são sempre válidas e que o aprendizado é

constante.

A escola é um ambiente totalmente social, a diversidade de identidades nela presente

contribui para que ela seja um espaço cultural, de descobertas, de conhecimento, de

aprendizagens, de emoções, de relações e comportamentos. Desenvolver o Projeto de

intervenção em uma escola prepara os licenciandos estagiários para se tornarem

cidadãos plenos e equilibrados, com experiência vivenciada no ambiente escolar.

A prática do estágio permitiu a construção de uma visão mais ampla e transparente da

formação dos futuros professores de Ciências Biológicas, despertando neles reflexões

sobre o processo de ensino e aprendizagem. Isto pode ser um indicativo de que, ao final

do curso, os licenciandos assumam uma postura docente mais comprometida com a

educação escolar que não estava presente no início das atividades do estágio. Através de

ações pedagógicas é possível perceber o quanto o aluno-professor pode ser agente

transformador de sua própria realidade, aprendendo assim a essência de se fazer algo

para crescimento intelectual, social e político seu e da comunidade onde vive.

A terceira questiona quais eram as principais inquietações quanto ao Estágio

Supervisionado no ensino de Ciências/ Biologia. As principais citadas pelos

licenciandos eram relativas ao medo, de não ser aceito pela escola, alunos e professores,

de não cumprir a carga horária que é extensa, de não superar o medo de dar aula, de

conseguir encarar a sala de aula cheia. Outra inquietação citada por alguns acadêmicos

foi sobre a confecção do relatório, pois é um documento que deve ser feito bem

detalhadamente e que o processo em si é cansativo.

A quarta questão procura descobrir quais contribuições o componente curricular

Orientação para a Prática Profissional (OPP) trouxe para a formação docente. A maioria

dos licenciandos afirmou que a disciplina trouxe mais clareza, mais conhecimento e

mais suporte que auxiliaram bastante nessa etapa do curso. Contribuiu em diversos

23

aspectos. Outros licenciandos consideram que a disciplina é cansativa e que pouco pode

contribuir para sua formação.

A disciplina é um apoio para os licenciandos que iniciam o Estágio Curricular

Supervisionado, serve para manter discussões acerca do estágio, serve para levar o

aluno a buscar a melhor forma de agir diante de certas situações ao acaso, mostrar uma

melhor forma de resolver problemas para que ele possa realizar o estágio de forma mais

proveitosa. Contribui de forma importantíssima como base teórica.

A quinta questão busca saber do licenciando, quais as concepções pedagógicas e

didáticas que ele adota, durante o Estágio. A maioria deles buscou realizar aulas

práticas, as quais despertavam mais interesse nos alunos da educação básica. Esse tipo

de aula, apesar de ser bastante eficaz ainda é pouco adotado pelos professores, pois

requer mais tempo, materiais e disponibilidade dos professores. Procuraram desenvolver

aulas diferentes do cotidiano dos alunos, vídeos, aulas práticas dentro ou fora de

laboratórios (nem todas as escolas têm).

Outros licenciandos buscavam conhecer melhor o perfil dos alunos para saber qual tipo

de didática adotar (aprendizagem significativa e conhecimentos prévios).

A sexta questão busca saber quais as contribuições das práticas pedagógicas e

metodologias para a formação acadêmica. Os licenciandos citaram que apesar de poucas

elas contribuíram bastante para a formação, pois aprenderam a preparar aulas mais

corretamente e auxiliaram satisfatoriamente para a formação acadêmica.

Na sétima questão os licenciandos foram indagados se pretendiam ser professores ou

não e por quê. A maior parte respondeu que sim. Dos acadêmicos que responderam

estar estimulados a seguir a profissão, afirmam ser pela satisfação de perceber que

alguém pode auxiliar na melhoria do ensino.

Apesar disso, não há como negar que o conhecimento específico de uma determinada

área é importante para o futuro professor, desde que num curso que forma professores,

esse conhecimento seja contextualizado para a prática escolar, conforme salienta

MELLO (2000, p.10).

A prática do curso de formação docente é o ensino, portanto cada conteúdo que é

aprendido pelo futuro professor no seu curso de formação profissional precisa estar

permanentemente relacionado com o ensino desse mesmo conteúdo na educação básica.

Percebe-se que, de acordo com pesquisas realizadas por Gil (2007) nem sempre as

ementas apresentadas nas Propostas Pedagógicas dos Cursos de Ciências Biológicas, as

disciplinas específicas não oferecem uma carga horária vinculada à prática de ensino

nos primeiros períodos do curso, o que contraria o Parecer CNE/CP 9/2001, ao

24

interpretar e normatizar a exigência formativa desses profissionais estabelece um novo

paradigma para esta formação. Assim, segundo Cury (CNE,2001),

O padrão de qualidade se dirige para uma formação holísticaque atinge todas as atividades teóricas e práticas articulando-asem torno de eixos que redefinem e alteram o processoformativo das legislações passadas. A relação teoria e práticadeve perpassar todas estas atividades as quais devem estararticuladas entre si tendo como objetivo fundamental formar odocente em nível superior.(CNE,2001)

Em se tratando das disciplinas de enfoque pedagógico, no 2º período, os alunos cursam

Seminários I, no 4º Psicologia da Educação, Estrutura e Funcionamento da Educação,

Laboratório de Ensino I, e somente a partir do 5º semestre, são cursadas as disciplinas

de Metodologia do Ensino (Didática) e Laboratório de Ensino (II, III e IV), Seminários

II. Estas últimas disciplinas ocorrem, conforme o modelo da racionalidade técnica, no 6º

Período e último semestre do curso, respectivamente.

O fato de que há diferença e separação entre os conteúdos específicos de formação em

Ciências e Biologia e os conteúdos pedagógicos, que aparecem como apêndices, mas há

um diferencial, as atividades desenvolvidas nos Laboratórios de Ensino são de

responsabilidade de todos os professores das áreas específicas. Analisando a estrutura

curricular de alguns cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas fica evidente o

predomínio de disciplinas destinadas à formação do bacharel.

No caso da UFVJM, mesmo que no currículo oficial, as disciplinas de conteúdo

específico estejam assinaladas como pertencentes à Prática Pedagógica, na maioria dos

casos, não são trabalhados os aspectos que envolvem a prática pedagógica nas

disciplinas de conteúdos específicos.

Cury (2001) analisa que prática não é uma cópia da teoria e nem esta é um reflexo

daquela. A prática é o próprio modo como as coisas vão sendo feitas cujo conteúdo é

atravessado por uma teoria. Assim a realidade é um movimento constituído pela prática

e pela teoria como momentos de um dever mais amplo, consistindo a prática no

momento pelo qual se busca fazer algo, produzir alguma coisa e que a teoria procura

conceituar, significar e com isto administrar o campo e o sentido desta atuação.

Segundo Mello (2000), outro problema comum nos cursos de licenciatura das

universidades é que a maior parte dos professores desses cursos tem formação de

pósgraduação (mestrado e/ou doutorado) em área de conhecimentos

específicosrelacionados com a Biologia (Biotecnologia, Botânica, Ecologia, Zoologia,

25

etc.). Em outras palavras, são formados em cursos de graduação e pós-graduação que

não ofereceram nenhum tipo de formação pedagógica, até porque a Universidade,

quando do processo de seleção de novos professores, não exige, normalmente, esse tipo

de formação e valoriza muito a produção científica na área de conhecimentos

específicos.

[...] o conhecimento do conteúdo não toma como referência suarelevância para o ensino de crianças e jovens e as situações deaprendizagem que o futuro professor vive não propiciam a articulaçãodesse conteúdo com a transposição didática (MELLO, 2000, p.5).

Com relação ao Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em Ciências

Biológicas, podemos dizer que ele está vinculado “ao componente curricular Prática de

Ensino cujo objetivo é o preparo do licenciando para o exercício do magistério em

determinada área de ensino ou disciplina de 1º e/ou 2º graus” (PICONEZ, 2003, p.17).

Esse preparo é prejudicado pela própria estrutura curricular dos cursos de licenciatura

que apresentam, na sua grande maioria, o Estágio Curricular Supervisionado como

atividade última da formação do professor, o que está de acordo com a concepção do

Estágio Supervisionado como momento de aplicação dos conhecimentos aprendidos ao

longo do curso, pois, conforme Azevedo (1980 apud PICONEZ, 2003), “uma teoria

colocada no começo dos cursos e uma prática colocada no final deles sob a forma de

Estágio Supervisionado constituem a maior evidência da dicotomia existente entre

teoria e prática” (PICONEZ, 2003, p.17).

A fim de superar os problemas discutidos até aqui, além de outros referentes à formação

de professores, foi elaborado, em 2001, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE),

um documento intitulado “Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores

da Educação Básica, em Cursos de Nível Superior” (BRASIL, 2001). Em termos gerais,

o objetivo desta proposta seria: construir uma sintonia entre a formação inicial de

professores, os princípios descritos pela Lei de Diretrizes e Bases da educação

Nacional/LDBEN, as normas instituídas nas Diretrizes Curriculares Nacionais, bem

como as recomendações constantes dos Parâmetros e Referenciais Curriculares para a

educação básica, elaborados pelo Ministério da Educação (CNE: 2001).

Assim, há que se distinguir, de um lado, a prática como componente curricular e, de

outro, a prática de ensino e o estágio obrigatório definidos em lei. A primeira é mais

abrangente: contempla os dispositivos legais e vai além deles. Estas Diretrizes devem

fazer parte do novo currículo do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas cuja

26

proposta é a superação do assim chamado esquema “3+1”, vigente no Brasil desde a

década de 30 e que de acordo com Pereira, (2000, p.59) “ainda não totalmente superado,

já que as disciplinas de conteúdo de responsabilidade dos institutos básicos precedem e

ainda pouco se articulam com as pedagógicas, que ficam a cargo das Faculdades de

Educação” (PEREIRA, 2000, p.59).

“Uma concepção de prática mais como componente curricularimplica vê-la como uma dimensão do conhecimento, que tantoestá presente nos cursos de formação nos momentos em que setrabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como duranteo estágio nos momentos em que se exercita a atividadeprofissional.“(Parecer CNE/CP 9/2001, p. 22).

Essa estrutura curricular, a ser assumida pela UFVJM precisa ter como foco a

articulação entre a sistematização teórica e o “saber fazer” (prática), contemplando as

dimensões conceitual, procedimental e atitudinal. Apresenta, como novidade, a proposta

de uma estreita relação com a reflexão sobre a prática. Também se orienta,

metodologicamente, pela ênfase na didática específica (contextualização) e por relações

com os currículos da educação básica e com as pesquisas nesta área. Esta relação mais

ampla entre teoria e prática recobre múltiplas maneiras do seu acontecer na formação

docente. Ela abrange, então, vários modos de se fazer a prática tal como expostos no

Parecer CNE/CP 9/2001.

Ainda foi aplicada uma Etapa D do questionário, onde se buscava informações básicas

do licenciando, como por exemplo, o interesse no curso de Licenciatura em Ciências

Biológicas. Os acadêmicos, quando questionados sobre a escolha do curso de

Licenciatura em Ciências Biológicas, dizem que foi pelo desejo de serem biólogos. Isso

foi citado por dez licenciandos nessa Etapa do questionário. Os licenciandos

demonstraram desinteresse pela área da educação, que pode ser identificado a partir de

manifestações quanto à área em que esses jovens pretendiam dar prosseguimento aos

estudos, pois, a maioria (dez licenciandos) deseja se especializar em áreas de conteúdos

específicos da Biologia como a Zoologia, Ecologia e Botânica, indicados pelos

acadêmicos ouvidos durante a pesquisa.

Na área educacional, os licenciandos começaram a esboçar interesse no final do curso,

após cursar as disciplinas como Estrutura e Funcionamento da Educação, Metodologia

do Ensino, Laboratórios de Ensino e principalmente pelo Estágio. Os licenciandos

revelaram que o gosto pela regência começou quando perceberam o interesse dos alunos

do ensino básico em aulas ministradas por eles, um melhor aprendizado após essas aulas

e quando participavam mais ativamente das atividades que eles próprios elaboravam:

27

FP1 “Apesar da profissão de professor atualmente se encontrar muito desvalorizada,

principalmente no setor salarial e não haver mais aquele prestígio que havia anos atrás,

através do estágio e do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à

Docência), meu conceito acerca da profissão está se modificando, e estou também

aprendendo a gostar de lecionar, pois quando se ensina há uma troca de

conhecimentos”. FP4 “No início estava muito desanimada, pois nunca tinha tido contato

com uma escola durante todo o curso, além de nunca ter pensado no fato de ser

professora, o que tem mudado muito nos últimos tempos”.

CONCLUSÃO

A vinculação da Prática de Ensino e do Estágio Supervisionado a um projeto de

pesquisa tem demonstrado ser uma atividade positiva na medida em que amplia a

discussão do Estágio a um campo de conhecimento e espaço de formação cujo eixo

central encontra-se na pesquisa. O fato de pensá-lo como “campo de conhecimento

específico significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que visa superar a sua

tradicional redução a sua atividade prática instrumental” (PIMENTA; LIMA, 2004. p.

29).

Os resultados obtidos nessa pesquisa apontam para uma modificação da percepção dos

estudantes em relação à atividade docente em decorrência da experiência adquirida no

estágio. A maioria dos estudantes relatou que o Estágio foi uma experiência importante

e transformadora. Este parece ser um argumento adicional para que a formação inicial

de professores deixe de ser predominantemente teórica e torne-se mais prática,

conduzindo os licenciandos mais precocemente a situações de docência e de convívio

com a escola e sua realidade.

Somente assim seus conhecimentos e crenças, adquiridos tanto em sua vida escolar

quanto em sua formação teórica, poderão ser confrontados com o dia-a-dia do ambiente

escolar, desfazendo mitos e preconceitos a respeito da realidade escolar. Isso também

permitirá uma melhor articulação da teoria à prática docente.

Como resultado, os licenciandos afirmam que os conteúdos das disciplinas teóricas e de

formação profissional foram fundamentais para uma melhor atuação no Estágio

Supervisionado, considerando:

Uma mudança conceitual, teórica e metodológica na proposta pedagógica no curso de

Licenciatura de Ciências Biológicas da UFVJM. ;

. Maior interação entre as disciplinas pedagógicas e as disciplinas específicas do curso

de graduação. Por exemplo, a disciplina de Anatomia Humana não prevê, em sua

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ementa, questões relativas ao ensino de corpo humano nas escolas, preocupando-se

exclusivamente com os conhecimentos técnico-científicos sobre o tema, o que guarda

coerência com o modelo da racionalidade técnica que inspirou o currículo do curso. O

mesmo ocorre em todos os semestres, com as demais disciplinas (por exemplo,

Citologia, Ecologia, Zoologia), entre outras;

. Maior articulação entre Laboratórios de Ensino, Estágio Supervisionado, PIBID e

projetos de extensão desenvolvidos nos cursos de licenciatura; . Reformulação das

ementas da prática de ensino desde os primeiros períodos do curso de licenciatura,

articulando os conteúdos específicos com a prática pedagógica;

. O Estágio Supervisionado distribuído a partir da segunda metade do curso, articulado

com a Prática de Ensino.

Observou- se nos depoimentos apresentados pelos licenciandos que somente após o

contato com essas disciplinas pedagógicas – a partir da segunda metade do curso é que

o interesse dos estudantes pela formação docente se acentuou. Acrescenta-se que as

reformas curriculares ocorridas nos cursos vieram contribuir significativamente para a

valorização da parte pedagógica, até então considerada à margem da formação do

licenciando da área das Ciências da Natureza.

Assim, a prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz algo no

âmbito do ensino. Sendo a prática um trabalho consciente cujas diretrizes se nutrem do

Parecer 9/2001 ela terá que ser uma atividade tão flexível quanto outros pontos de apoio

do processo formativo, a fim de dar conta dos múltiplos modos de ser da atividade

acadêmico científica. Assim, ela deve ser planejada quando da elaboração do projeto

pedagógico e seu acontecer deve se dar desde o início da duração do processo formativo

e se estender ao longo de todo o seu processo. Em articulação intrínseca com o Estágio

Supervisionado e com as atividades de trabalho acadêmico, ela concorre conjuntamente

para a formação da identidade do professor como educador.

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