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Superfície Jady Tariane

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Superfície

Jady Tariane

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À Shauara David, cuja paixão pela poesia inspirou meu primeiro mergulho;

à vida e sua essência poética que nos embeleza e inspira a cada segundo.

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Sumário

Soneto do Anjo .............................................................................................................. 05

Sentido ............................................................................................................................. 06

A palavra ......................................................................................................................... 07

Súplica ............................................................................................................................. 08

Anima ............................................................................................................................... 09

Ela me (a)trai o olhar .................................................................................................. 10

Cores e sabores ............................................................................................................. 11

Dueto lento ..................................................................................................................... 12

Sete limões ...................................................................................................................... 13

Miséria ............................................................................................................................. 14

Trânsito ........................................................................................................................... 15

Em seu mundo .............................................................................................................. 16

O preço da invulnerabilidade ................................................................................. 17

À Lua ................................................................................................................................ 18

Sem fala ........................................................................................................................... 19

Outro a mais pra amar .............................................................................................. 20

Chás imprevisíveis ....................................................................................................... 21

Tinha que ser ................................................................................................................. 22

Amizade felina .............................................................................................................. 23

Mudança ......................................................................................................................... 24

De uma louca para um mudo ................................................................................. 25

(An)verso do ser ........................................................................................................... 26

Água ................................................................................................................................. 27

4

Comunhão de almas ................................................................................................... 28

Confronto ....................................................................................................................... 29

Perdão de bolso ............................................................................................................. 30

Num mundo obeso ...................................................................................................... 31

Lacuna ............................................................................................................................. 32

Lá fora .............................................................................................................................. 33

Dualidade ....................................................................................................................... 34

Chama .............................................................................................................................. 35

Lágrima entardecida ................................................................................................... 36

Poema ácido ................................................................................................................... 37

Montanha vulcão, montanha monte ..................................................................... 38

Não sou você .................................................................................................................. 39

Manual da estupidez .................................................................................................. 40

À morte ............................................................................................................................ 41

Teu beijo .......................................................................................................................... 42

Enigma ............................................................................................................................. 43

Deus ................................................................................................................................... 44

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Soneto do Anjo O anjo pousou em meu ombro soprando tons em língua elevada sublimando minha alma aos céus estrelados de sentimentos. Anjo teimoso, quanta timidez! Não temo, porém, seu sumiço, dele provém o cobiço de desinibir asas e voar - de encontro. Anjo de mil toques profundos de pensamentos profusos no negro abismo desse olhar - recaí. No colo de sua paciência adormeci... Imprimiste em meu verso e anverso o mar, céu de existência.

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Sentido É linha que limita a escrever tangendo o horizonte. Poetizando sua doce voz... nuvem melódica, vapor de mel. Usaria o brilho de seu joelho sisudo pra teorizar o enigma da luz. Queria era tanger o horizonte da poesia que te criou, oh musa de lenço! Adornos mínimos, brincos de pérola nos olhos.

7

A palavra Tem forma ocupa um espaço no tempo uma vez. Repete-se pra imbuir-se outro sentido, goza no nirvana do vazio, ri de cada nova forma que veste. Combinação única espaço e tempo que ocupa. Sobe em espiral crescente, infinita. Linguagem é invenção de contínua reinvenção. Concordo com Manoel, ela aumenta o mundo. Mas será que a palavra importa? Ou entorta?

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Súplica As palavras vivem na mente dos poetas que dormem. Iracema das Américas esconde-se no avesso de saias tímidas. Acordem poetas! Essa moça de cheiro doce quer beijar-lhes a face. Quer embriagar-se do sumo sofrido, suado, um elixir - de vida! Ouçam poetas! O longínquo murmúrio dos papéis que clamam pela anuência de seus versos.

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Anima Soprei em seu ouvido um poema de boa noite pra te desejar magia que se encontra em sonhos. Recanto de almas, alento das sinas. Disseram-me pintura renascentista de forma escrachada rosto europeu, curva latina. Musa dos sonhos de um poeta vagabundo.

10

Ela me (a)trai o olhar Lembra o filme que assisti hoje? Da menina com linguagem própria... A louca sentou ao meu lado sorriu-me com olhos e lábios. Era ela, como ela, a selvagem. Torna-me o olhar descontrolado desperta a loucura que coexiste por dentro e dai mesmo emerge uma angústia de mira-la! Aprender sua língua aceitar sua alma como a minha. Ai de mim... Se não tivesse deitado essa angústia no papel. Ai de nós! Se fossemos diferentes do que somos.

11

Cores e sabores Sinta, arte explode dentro dela! Nuvem de tinta fresca mela a tela transforma em janela passagem para um mundo de harpas que tocam música de ninar gatos... Pincel mergulhado em sonho pintado à tinta óleo guardado em caixinha de música costurado em bonecas de pano... Rouba tons infantis pra pintar as próprias cores! A boneca esconde sua arte longe dos malfeitores.

12

Dueto lento Alguém me olha muito atento. À espreita me perseguem os passos do tempo.

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Sete limões Aquela mesa tinha alma círculo de velas selando contrato de expurgar o pudor. Só pra estalar cigarros, todos os tragos perseguem a fotossíntese da calma. Chá de frutas de ardor, cachaça de Shauara pra bebericar... Neve verde que cai. Fria, gela a espinha. Tempera a noite de vermelho Setembro.

14

Miséria Quando me foi oferecido da janta, as sobras. Da escassez criei novo prato. Mais raso, mais necessário. Tornou-se digno.

15

Trânsito Você procura significado pra dor de cabeça. Como procuro o significado dos sonhos. Duelando em nossa mente permanecem um psicótico obcecado por livros, um hipocondríaco alérgico a remédio. Ainda assim, admiramos juntos o sorriso cretino estampado no para-choque dos carros.

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Em seu mundo Colinas adormecem cobertor de veludo verde aquece. Vento uivando frescor, soando harmonia, circundando o castelo de tijolos. Envolta em nuvem cinza alta e nobre torre o acolhe Enfadado de solidão desatina, lança-se aos jardins, fauna de cores, flores absurdas, verniz de leveza. Caminhando a lento passo labirinto sem um fim, sem teto. Estantes abarrotadas, páginas, portas escancaradas. Via expressa, bilhetes de entrada pra flutuar entre mundos. Tanto mistério tem charme de floresta úmida neblina escura, cheiro cítrico de perigo. Afinal, não há fantasia sem aventura! temor e maravilhas - desafio. No céu atardeado luar vaidoso esconde-se atrás do véu. Tristonho, arrasta a aurora boreal derrubando estrelas... Emerge da fissura, avessa cachoeira. Cascata viva expele pólen em lava. Negra flor brota da rocha fervente, petrificada. Outras permutam entre tons multicores. Comestíveis, sublimando sensações, celestes sabores! Nessas terras o deserto encontra mar de água doce. Desmentindo eterno poente a ave negra corta o céu olho azul, pena branca e única. Mãe guardiã dos mistérios de seu mundo.

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O preço da invulnerabilidade Prólogo: Um amor ergonômico é o sonho dos apaixonados. Certa vez houve um príncipe em tamanha tolice trancafiou o próprio coração! Empertigando-se de sua esperteza, a cada vinho noturno se convencia: separado de sua fraqueza jamais perderia a razão... Alguns anos mastigados de realeza trouxeram consigo velhice e incerteza. Decidido, visitou o antigo porão. Mirou o coração enegrecido tanto tempo de amor perdido! Atirou-se desolado ao chão. Após lamentos e suspiros olhou de esguelha compreendeu enfim o parentesco, o órgão murcho, animalesco jazia inerte nunca abalado por uma paixão.

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À Lua Testemunha impassível vela o sono humano. Guia o conquistador ao desejo vazio. Prateado brilho atesta um caminhar primitivo. Ilumina o coração santo. Inspira o milagre do amor. Branca e clara traz paz aos nascidos. Brinda às almas apaixonadas a próspera imortalidade. Reflete a decadência da era dos homens. Chora o sangue de coroas e cajados. Lamenta a dor do silêncio o dissabor da palavra. Solitária e alva atravessa milênios. Agracia tranquilidade, testemunha nosso tempo.

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Sem fala O vidro é vazio espaço pra conter ilícitos, gozo e riso. Fumos, doces, mimos. Por dentro infinito vidro coleções do presente adoráveis e afáveis sensações... É casulo negro repousam reflexos em relevo abraços conjugados destes corações. Se não existe letra nem mais vidro fica o negro vazio preenchido de nossas impressões.

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Outro a mais pra amar Não te ofendas se meu corpo outro tocar. Não te rendas ao impulso condicionado cultivado por aqueles que querem o amor matar. Se toco outro o amor único que não e fragmentado nem desalmado tende apenas a aumentar. E de volta aos seus braços lembrar-me-ei o quanto permitiu-me amar.

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Chás imprevisíveis Seus sorrisos e silêncios me agradam molhados ou inebriados, soltando risos nas ruas. Provei seu chá autêntico pra de novo sentir o frescor de novidades e na verdade, quão difícil dar boa noite para o Sol.

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Tinha que ser Estarmos aqui. Uma segunda impressão deturpada pelo bom senso. Revelações de esquecimentos embaçados, inexperientes... Para ele sou Inês, para o outro inexplicável se depender dela, inesquecível. Se me atraso não hesito deixo para a moeda que pega nossas mãos leva-nos pela mesma escada outrora esfumaçada. Ela admira, brinca. O encanta e se desencanta. Rindo-se de tudo despede-se. Todo improvável torna-se possível. Um presente nunca dado nunca entendido, nos preenche com algo que não é previsível não é perecível. Um ininteligível tinha que ser e só.

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Amizade felina seu amor é claro limpo e fino como seu pelo me convenceu com um só ronronado.

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Mudança Nada tem nessa terra que me mantém o sorriso largo. E se tiver é essa calmaria som de viola, enferrujado. Quisera eu me contentar. Orando dia após dia, fitando o semblante frio que se distancia e insiste, insiste... Não me culpe por perder a fé! Que já vou guardar as tralhas não são muitas, mas veja, oras minhas relíquias, só aqui podem ficar.

25

De uma louca para um mudo Você nunca desenha pernas iguais as minhas. Porém não culpo seu traço, em busca da perfeição das curvas. Em meus sonhos despedaço seus rabiscos, enlouquecida. Você tão previsível sempre cala. E eu nesse vão de incerteza... Enquanto torno poesia o lamento, você dorme. Sonhando tranquilamente com as pernas que não tenho.

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(An)verso do ser Os robôs atestam nosso ego de ser tocado. Torna-se reconhecido não é, porém, se reconhecer.

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Água Imensidão verde, líquida. Rebaixa-me as pálpebras recolhe-me ao devido lugar, sem abraço. Infinito é o laço do significado... Tão fino que quase some! Tão leve... Quase não se vê. Consome o último pingo belo que resta ao Ser verde azulado.

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Comunhão de almas Caídos de sono mergulham em café, afogam-se no silêncio. Confortáveis em roupas frouxas e amassadas amarrotadas, acinzentadas, tão sérias! Afugentam animação Estáticos gozamos ventos, vozes, faces. Tragamos a vida apertada aos íntimos. Anfitriões laranja pra dar contraste. Inéditos para amar.

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Confronto Surgiu afogado no tédio das obviedades. Batendo pés ansiosos na plataforma irreal que o envolve de riso negro... Ávido de humor drástico! Segue-se então imerso em seu nicho entalhado de mapas, planos, da esperança que queria ser azul. Devolva ao rio a tonalidade que roubaste.

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Perdão de bolso Magoa é pedra impede o voo da alma jogue-a em um copo como ácido ascórbico deixe-a evaporar. Ou sejamos práticos, sublimamos tudo no abraço.

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Num mundo obeso Obrigam-me a comer sem fome. Tem gente escassa, na miséria. Mas que gana é essa... Fome de ter fome? Acho que minha alma, sedentária, engordou. Engoliu seco o bom senso. O pensamento ficou inchado – cansado – destreinado! Resta o apetite insaciável devora o mundo por inteiro. Mastiga o sentimento, tudo é peso.

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Lacuna Sobrevivo a uma noite fria cheirando a incenso mas sem brasa. Percebo quão deprimente me sinto acordando de um sono vazio de sonhos. Quando o pensamento se rende aos fatos resta de razoável escrever.

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Lá fora Chove, que a água leve seu toque a estas almas impermeáveis.

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Dualidade Mesmo em noite de luar faz-se presente. Exuberante, paralisante. A lua cheia, cheia de si, cheia de sol.

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Chama À relva daquele céu de folhagem duas velas completavam-se no escuro. Uma dança da chama difícil, branca e densa e de outra chama que brilha com graça e existe com vontade.

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Lágrima entardecida Se calo, o silêncio preenche o quarto como mormaço de inverno minguando o verde, secando o solo quente das plantas. Se falo do gosto amargo das circunstâncias, se trago a mim mesma entre um e outro cigarro insosso, é pra digerir a frieza intragável dos protocolos. Ainda há melancolia no final da tarde camuflada na hora de aguar as plantas disfarçada na chuva fina. Busco refúgios e ressalvas no sono inocente, no hálito doce num último propósito, que afinal não existe. Talvez já seja Janeiro e eu não saiba. Perdi-me em alvoreceres e ocasos. Revela-se na (des)humanidade a detestável imundície, tal qual panos de pia Acaso não sabem que mentiras não curam?

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Poema ácido Há aqueles que troçam sobre o mal da ignorância. Exploram sua vertigem riem-se da frágil existência de seus rebentos. Há os que trotam sobre a terra incólume. Promovem o estar natural das coisas subjugando-se à mesma vontade que guia os ventos. Quem dirá civilizada a troça de seus iguais? Aquele que o solo toca com mãos corrosivas minguando sua delicada perfeição? Quem são pois, os selvagens?

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Montanha vulcão, montanha monte Vede a linda montanha, que elegante névoa a encobrir seu frágil mistério! Vede as trepadeiras floríferas, esgueiram-se por suas curvas adornam beleza e jovialidade. Eis a desventura, de fértil beleza, brota sua perdição, rompe-se como vulcão adormecido! Contagia a beleza com sombras e o encanto com solidão. Lava sangra no ar, descontrolada desintegrando a inocência das flores tímidas. Nuvens densas pairam onde outrora a névoa abraçava seu ser esguio. A montanha já não é mais montanha... É um monte, de medo, de pó negro e tristeza. Talvez o vento sopre ao longe essa aura melancólica de morte. Talvez o tempo transmute em beleza os fragmentos, cinzas, pedaços rotos. Talvez a chuva...

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Não sou você Não sou o que eu era Não sou uma possibilidade de ser Não sou adorno, receita, exemplo Não sou escrava Não sou roupa Não sou pele Não sou cor Não sou suor, nem sangue Não sou brasileira Não sou identidade, número, carteira Não sou idade Não sou faxineira Não sou esposa Não sou porca, santa, puta, desleixada Não sou solteira Não sou brinquedo, acessório, utilitário Não sou humana Não sou homem Não sou sobrenome Não sou mulher Nenhuma coisa pode me ser. São apenas coisas E quem eu sou apenas é.

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Manual da estupidez Cadê a criança que habita esta casa? Correndo por um corredor cheio de promessas, brindando paz aos desatentos sem expectar recompensa. Em qual caixa se perdeu o momento feliz? Raro, frágil e despercebido, quase acidental. Atrás da pilha de troços amargurados perdeu-se o agora desperdiçado. Por que treme ante a face desnuda de sua máscara? Olhe a sombra da criança amuada atrás de seus papéis, percebe que o vazio é sereno e de fato, repleto de ser. Aos discípulos do desamor a ordem é controlar. Obediência não vem natural, nos é arrancada sem cerimônia. Surge faísca onde haveria corrente, surge violência onde brotava compaixão. À criança que sobrevive, nossas salvas que continuem resistindo, iluminando o mundo com suas imaculadas almas.

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À morte "Quem, de três milênios, não é capaz de se dar conta, vive na ignorância, na sombra, à mercê dos dias, do tempo." Goethe Retorno ingenuamente ao abraço da erva pastora ela, elegante, devolve-me ao lugar de onde nunca sai. Limitar-me a um Eu pesa, torno-me infusão de tudo, o peso cessa. Estou leve, sou a leveza! Olvido meu nome, dou-me conta, ele não existe, eu inexisto. Existe apenas Deus, espreitando-se através de infinito prisma. A mente é micro espiã de mundos transveste outros seres em elos, transgride a realidade em fragmentos - solidifica-os no tempo. Ignora que a verdade é fluida e só o que é verdadeiro permanece. Inquieta, teme o vazio sereno da morte.

42

Teu beijo Arde no silêncio das noites suadas, mãos, pés e abraços se (re)conhecem. Beijo de boca e de almas. Ontem degustei o brilho no olhar. Saboreei suas palavras, regadas à maciez na sua voz. Ontem, me excitavam seus segredos. Selou-se o beijo, a busca. Agora recebo a flor igual ao riso insosso que tão cedo murcha.

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Enigma A flor branca se foi deixando em ausência, a essência da flor branca que perdura. Como a borboleta de cor pura, que passa deixando o enigma de sua brancura.

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Deus É lento o suspiro das pedras, exalando vida como pulmões. Um véu se esvai, uma canção se ouve. Um rumor, um sopro, sonido antigo vindo das vísceras do tempo.