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Súmula 564-STJ Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 564-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO CIVIL / DIREITO EMPRESARIAL ARRENDAMENTO MERCANTIL Devolução das quantias pagas pelo arrendatário em caso de recuperação do bem em ação de reintegração de posse Súmula 564-STJ: No caso de reintegração de posse em arrendamento mercantil financeiro, quando a soma da importância antecipada a título de valor residual garantido (VRG) com o valor da venda do bem ultrapassar o total do VRG previsto contratualmente, o arrendatário terá direito de receber a respectiva diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos pactuados. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 24/02/2016. DJe 29/02/2016. NOÇÕES GERAIS SOBRE ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING) Conceito O arrendamento mercantil (também chamado de leasing) é uma espécie de contrato de locação, no qual o locatário tem a possibilidade de, ao final do prazo do ajuste, comprar o bem pagando uma quantia chamada de valor residual garantido (VRG). O arrendamento mercantil, segundo definição do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 6.099/74, constitui "negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta." Obs: alguns autores fazem uma diferenciação entre valor residual e valor residual garantido (VRG). Penso, contudo, que esta distinção não é importante para os fins desta explicação até porque, na prática contratual, essa diferença não existe, não sendo explorada também pelos julgados do STJ. Opções do arrendatário Ao final do leasing, o arrendatário terá três opções: renovar a locação, prorrogando o contrato; não renovar a locação, encerrando o contrato; pagar o valor residual e, com isso, comprar o bem alugado. Exemplo “A” celebra um contrato de leasing com a empresa “B” para arrendamento de um veículo 0km pelo prazo de 5 anos. Logo, “A” pagará todos os meses um valor a título de aluguel e poderá utilizar o carro. A principal diferença em relação a uma locação comum é que “A”, ao final do prazo do contrato, poderá pagar o valor residual (VRG) e ficar definitivamente com o automóvel. Pagamento do VRG de forma antecipada dentro das prestações mensais É muito comum, na prática, que o contrato já estabeleça que o valor residual será pago de forma antecipada nas prestações do aluguel. Neste caso, o arrendatário, todos os meses, paga, além do aluguel, também o valor residual de forma parcelada. Como dito, isso é extremamente frequente, especialmente no caso de arrendamento mercantil (leasing) financeiro.

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Súmula 564-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 564-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO CIVIL / DIREITO EMPRESARIAL

ARRENDAMENTO MERCANTIL Devolução das quantias pagas pelo arrendatário em caso de

recuperação do bem em ação de reintegração de posse

Súmula 564-STJ: No caso de reintegração de posse em arrendamento mercantil financeiro, quando a soma da importância antecipada a título de valor residual garantido (VRG) com o valor da venda do bem ultrapassar o total do VRG previsto contratualmente, o arrendatário terá direito de receber a respectiva diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos pactuados.

STJ. 2ª Seção. Aprovada em 24/02/2016. DJe 29/02/2016.

NOÇÕES GERAIS SOBRE ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING)

Conceito O arrendamento mercantil (também chamado de leasing) é uma espécie de contrato de locação, no qual o locatário tem a possibilidade de, ao final do prazo do ajuste, comprar o bem pagando uma quantia chamada de valor residual garantido (VRG). O arrendamento mercantil, segundo definição do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 6.099/74, constitui "negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta." Obs: alguns autores fazem uma diferenciação entre valor residual e valor residual garantido (VRG). Penso, contudo, que esta distinção não é importante para os fins desta explicação até porque, na prática contratual, essa diferença não existe, não sendo explorada também pelos julgados do STJ. Opções do arrendatário Ao final do leasing, o arrendatário terá três opções: • renovar a locação, prorrogando o contrato; • não renovar a locação, encerrando o contrato; • pagar o valor residual e, com isso, comprar o bem alugado. Exemplo “A” celebra um contrato de leasing com a empresa “B” para arrendamento de um veículo 0km pelo prazo de 5 anos. Logo, “A” pagará todos os meses um valor a título de aluguel e poderá utilizar o carro. A principal diferença em relação a uma locação comum é que “A”, ao final do prazo do contrato, poderá pagar o valor residual (VRG) e ficar definitivamente com o automóvel. Pagamento do VRG de forma antecipada dentro das prestações mensais É muito comum, na prática, que o contrato já estabeleça que o valor residual será pago de forma antecipada nas prestações do aluguel. Neste caso, o arrendatário, todos os meses, paga, além do aluguel, também o valor residual de forma parcelada. Como dito, isso é extremamente frequente, especialmente no caso de arrendamento mercantil (leasing) financeiro.

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O STJ considera legítima essa prática de diluir o VRG nas prestações? SIM. Trata-se de entendimento sumulado do STJ:

Súmula 293: A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.

Modalidades de leasing: Existem três espécies de leasing:

Leasing FINANCEIRO

Leasing OPERACIONAL

Leasing DE RETORNO (Lease back)

Previsto no art. 5º da Resolução 2.309/96-BACEN

Previsto no art. 6º da Resolução 2.309/96-BACEN

Sem previsão na Resolução 2.309-BACEN

É a forma típica e clássica do leasing. Ocorre quando uma pessoa jurídica (arrendadora) compra o bem solicitado por uma pessoa física ou jurídica (arrendatária) para, então, alugá-lo a esta última.

Ocorre quando a arrendadora já é proprietária do bem e o aluga ao arrendatário, comprometendo-se também a prestar assistência técnica em relação ao maquinário.

Ocorre quando determinada pessoa, precisando se capitalizar, aliena seu bem à empresa de leasing, que arrenda de volta o bem ao antigo proprietário a fim de que ele continue utilizando a coisa. Em outras palavras, a pessoa vende seu bem e celebra um contrato de arrendamento com o comprador, continuando na posse direta.

Ex.: determinada empresa (arrendatária) quer utilizar uma nova máquina em sua linha de produção, mas não tem recursos suficientes para realizar a aquisição. Por esse motivo, celebra contrato de leasing financeiro com um Banco (arrendador), que compra o bem e o arrenda para que a empresa utilize o maquinário.

Ex.: a Boeing Capital Corporation® (arrendadora) celebra contrato de arrendamento para alugar cinco aeronaves à GOL® (arrendatária) a fim de que esta utilize os aviões em seus voos. A arrendadora também ficará responsável pela manutenção dos aviões.

Ex.: em 2001, a Varig®, a fim de se recapitalizar, vendeu algumas aeronaves à Boeing® e os alugou de volta por meio de um contrato de lease back. O nome completo desse negócio jurídico, em inglês, é sale and lease back (venda e arrendamento de volta).

Normalmente, a intenção da arrendatária é, ao final do contrato, exercer seu direito de compra do bem.

Normalmente, a intenção da arrendatária é, ao final do contrato, NÃO exercer seu direito de compra do bem.

Em geral é utilizado como uma forma de obtenção de capital de giro.

ENTENDENDO A SÚMULA

Imagine a seguinte situação: O escritório “A”, desejando adquirir 50 computadores e sem possuir capital para tanto, faz um contrato de arrendamento mercantil financeiro (leasing financeiro) com o Banco “Y” para que este compre os equipamentos e os arrende para que o escritório fique utilizando os equipamentos. O escritório é o arrendatário e o Banco o arrendador. Os bens foram adquiridos pelo Banco por R$ 150 mil. O VRG foi fixado em R$ 120 mil, que deveria ser pago, de forma diluída durante o contrato, em 24 parcelas de R$ 5 mil. O valor do aluguel foi estipulado em R$ 2 mil.

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Segundo o contrato, o escritório teria que pagar o valor do aluguel dos computadores e mais o VRG diluído entre as parcelas. Em outras palavras, o arrendatário, por força do pacto, já era obrigado a antecipar o VRG e, assim, quando o contrato de leasing chegasse ao final, ele seria o dono dos computadores. Em suma, por mês, o escritório teria que pagar R$ 7 mil (2 mil de aluguel mais 5 mil de VRG diluído). O contrato tinha duração de 24 meses. Ocorre que, a partir do 16º mês, o escritório tornou-se inadimplente. Ao longo do contrato, o arrendatário pagou R$ 32 mil a título de aluguéis e R$ 80 mil como antecipação do VRG. Desse modo, o arrendador recebeu R$ 112 mil no total. Se o arrendatário não paga as prestações do leasing, qual é a ação que deverá ser proposta pelo arrendador? Ação de reintegração de posse. Logo, o Banco intentou ação de reintegração de posse contra o escritório. O juiz expediu uma liminar determinando que os 50 computadores fossem entregues ao arrendador. Ao final, a ação foi julgada procedente e o autor ficou na posse plena dos bens. O arrendador, que ficou com a posse dos bens por conta da reintegração, poderá vendê-los? SIM. Os bens pertencem ao arrendador e ele poderá vendê-los. Aliás, no leasing financeiro, na quase totalidade dos casos, o arrendante irá alienar os bens, pois ele é uma instituição financeira que somente adquiriu a coisa arrendada por causa do interesse do arrendatário. Voltando ao nosso exemplo, o Banco alienou os computadores para um terceiro. A pergunta que surge e é respondida pela súmula é a seguinte: O arrendador tem a obrigação de devolver as quantias pagas, antecipadamente, pelo arrendatário, a título de Valor Residual Garantido (VRG), nos casos em que o produto objeto do leasing foi apreendido na ação de reintegração de posse e depois alienado para um terceiro? Depende: 1) Se o VRG pago pelo arrendatário somado com o valor obtido pelo arrendador com a venda do bem for

maior que o VRG total previsto no contrato: o arrendatário terá direito de receber a diferença. Isso porque, neste caso, o arrendador terá recebido o valor total do VRG, não tendo porque ele ficar o dinheiro conseguido a maior.

2) Se o VRG pago pelo arrendatário somado com o valor obtido pelo arrendador com a venda do bem NÃO for superior ao VRG total previsto no contrato: o arrendatário não irá receber nada.

Graficamente, a situação pode ser assim ilustrada: 1) Se VRG pago + valor do bem vendido > VRG previsto no contrato = arrendatário terá direito de receber

a diferença. 2) Se VRG pago + valor do bem vendido < VRG previsto no contrato = arrendatário NÃO terá direito de

receber a diferença (até porque não haverá diferença). Mesmo na hipótese 1, o contrato poderá prever que, antes de devolvida a diferença para o arrendatário, o arrendador terá direito de descontar, previamente, outras despesas que tenha tido ou encargos contratuais. Sei que o tema é complicado. Vamos tentar entender melhor retomando o exemplo que dei acima: VRG previsto no contrato = R$ 120 mil. VRG pago antecipadamente = R$ 80 mil.

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O escritório ficou inadimplente, razão pela qual os computadores foram retomados. O Banco vendeu os computadores para um terceiro. O arrendatário terá direito de receber de volta alguma quantia?

Se os computadores foram vendidos por mais de R$ 40 mil = SIM.

Se os computadores foram vendidos por menos de R$ 40 mil = NÃO. Ex1: computadores foram vendidos por R$ 60 mil. VRG pago (80) + valor da venda (60) = R$ 140 mil. Como o VRG previsto no contrato era de R$ 120 mil, o arrendatário irá receber esta diferença (20 mil). Ex2: computadores foram vendidos por R$ 30 mil. VRG pago (80) + valor da venda (30) = R$ 110 mil. Como o VRG previsto no contrato era de R$ 120 mil, o arrendatário não terá diferença para receber. Mesmo no caso do exemplo 1, o contrato de leasing poderia prever que, antes de devolvida a diferença para o arrendatário, o arrendador teria direito de descontar previamente despesas ou encargos contratuais que tenha tido. Leia novamente a súmula para ver se ficou um pouco mais clara: - No caso de reintegração de posse em arrendamento mercantil financeiro, - quando a soma da importância antecipada a título de valor residual garantido (VRG) com o valor da

venda do bem ultrapassar o total do VRG previsto contratualmente, - o arrendatário terá direito de receber a respectiva diferença, - cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos

pactuados. A Súmula 564 com outras palavras: Se o arrendatário deixar de pagar as prestações do arrendamento mercantil financeiro, o arrendador poderá recuperar o bem por meio de ação de reintegração de posse. Depois de ter de volta a coisa, o arrendador poderá vendê-la para um terceiro a fim de cobrir suas despesas. A quantia arrecadada com esta venda é somada com o valor que foi pago ao longo do contrato pelo arrendatário a título de VRG antecipado. Se a soma destas duas quantias for menor que o VRG total, o arrendador não terá que pagar nada ao arrendatário. Por outro lado, se o valor arrecadado pelo arrendador (alienação + VRG antecipado) for maior que o VRG total, o arrendador deverá entregar essa diferença para o arrendatário a fim de evitar enriquecimento sem causa. Contudo, o contrato pode autorizar que, antes de devolver a diferença, o arrendador ainda desconte do montante outras despesas ou encargos que teve (ex: honorários advocatícios para cobrança extrajudicial).