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149 Subsídios para um novo modelo de atenção ao câncer no Estado de São Paulo Michel Naffah Filho (1) Mônica Aparecida Marcondes Cecilio (2) Introdução O termo câncer é utilizado de maneira genérica para caracterizar um grupo de mais de 100 enfermidades com diferenças e característi- cas próprias, e que apresentam como fator comum uma falha dos mecanismos de crescimento, proliferação e morte celular. Representa um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo, estimando-se que existam hoje mais de 20 milhões de pessoas que padecem da doença, a maioria nos paises em desenvolvimento. Estudos recentes revelam que, nas nações desenvolvidas, o câncer é res- ponsável por cerca de 20% dos óbitos, representando a primeira causa de mortalidade em vários países. No Brasil o câncer assume importância epidemiológica cada vez maior, com aumento do número de casos novos e mortalidade estável ou crescen- te, inclusive para alguns tumores considerados evitáveis ou curáveis. No Estado de São Paulo o câncer também se caracteriza como problema de saúde pública, com mortalidade proporcional crescente, representando 15,8% do total dos óbitos no biênio 2002/03. De forma semelhante, é também considerável o aumento do número de casos novos, tendo sido (1) Médico especialista em Saúde Pública e Diretor Técnico de Departamento de Saúde da Coordenadoria de Planeja- mento de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. E-mail: [email protected] (2) Estatística com especialização em Saúde Pública e Assistente Técnica de Coordenador de Saúde da Coordenado- ria de Planejamento de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. E-mail: [email protected]

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Subsídios para um novo modelo de atenção ao câncer no Estado de São Paulo

Michel Naffah Filho (1)

Mônica Aparecida Marcondes Cecilio (2)

Introdução

O termo câncer é utilizado de maneira genérica para caracterizar um grupo de mais de 100 enfermidades com diferenças e característi-cas próprias, e que apresentam como fator comum uma falha dos

mecanismos de crescimento, proliferação e morte celular. Representa um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo, estimando-se que existam hoje mais de 20 milhões de pessoas que padecem da doença, a maioria nos paises em desenvolvimento.

Estudos recentes revelam que, nas nações desenvolvidas, o câncer é res-ponsável por cerca de 20% dos óbitos, representando a primeira causa de mortalidade em vários países.

No Brasil o câncer assume importância epidemiológica cada vez maior, com aumento do número de casos novos e mortalidade estável ou crescen-te, inclusive para alguns tumores considerados evitáveis ou curáveis.

No Estado de São Paulo o câncer também se caracteriza como problema de saúde pública, com mortalidade proporcional crescente, representando 15,8% do total dos óbitos no biênio 2002/03. De forma semelhante, é também considerável o aumento do número de casos novos, tendo sido

(1) Médico especialista em Saúde Pública e Diretor Técnico de Departamento de Saúde da Coordenadoria de Planeja-mento de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. E-mail: [email protected]

(2) Estatística com especialização em Saúde Pública e Assistente Técnica de Coordenador de Saúde da Coordenado-ria de Planejamento de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. E-mail: [email protected]

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estimado para 2005, pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), a ocorrência de 137.310 casos novos de câncer no Estado.

Apesar da magnitude do problema e dos transtornos físicos e emocio-nais vinculados à doença, o conhecimento hoje disponível permite prevenir cerca de um terço dos casos novos, bem como a detecção precoce e o con-seqüente tratamento imediato de outro terço. Técnicas adequadas de con-trole da dor e cuidados paliativos disponíveis podem garantir uma melhor qualidade de vida aos pacientes com quadros mais avançados da doença.

Estudos da Organização Mundial da Saúde – OMS demonstram que a elaboração de programas nacionais ou regionais de controle do câncer são essenciais enquanto estratégia de controle da doença, independentemente da situação econômica do país ou região. Desta forma recomenda-se o estabelecimento de programas em nações onde a doença tenha expressão epidemiológica, os fatores de risco estejam em ascensão e haja limitação de recursos fi nanceiros.

É dentro deste contexto que o trabalho aqui apresentado se insere. Sua concepção partiu da análise da importância epidemiológica crescente que o câncer assume no Estado de São Paulo, aliada à convicção de que a não existência de uma instância que coordene efetivamente as ações necessá-rias para o controle da doença faz com que os diferentes níveis de atenção do sistema atuem de forma não sinérgica, gerando desperdício de recursos e conhecimento além de redundância de ações.

Inicialmente procura-se agregar informações sobre o impacto do cân-cer em São Paulo, além de mostrar como ocorrem as ações de preven-ção, diagnóstico precoce e tratamento da doença. Na parte fi nal, base-ando-se em conhecimento disponível sobre a doença e em experiências vividas por outros países, propõe-se a elaboração de algumas diretrizes, tentando com isto estimular o debate para que um novo modelo de atenção ao câncer seja criado. Seu foco principal é oferecer subsídios para que seja elaborado um Plano Diretor de Oncologia para o Estado de São Paulo, que tenha como objetivos principais defi nir estratégias para a prevenção, a detecção precoce, o tratamento e a paliação, fa-zendo sempre o uso racional dos recursos disponíveis e tendo como norteadores os princípios de universalidade, eqüidade, integralidade e garantia de acesso.

O câncer no Estado de São Paulo

Diferentes instituições estão envolvidas nas ações de prevenção, diag-nóstico precoce e tratamento do câncer no Estado de São Paulo, tanto a

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nível municipal como estadual, não existindo de fato uma instância pública responsável pela coordenação das ações.

Além do trabalho desenvolvido pelos municípios, pode-se apontar diver-sos atores envolvidos na atenção ao câncer em São Paulo, sendo que para as ações de prevenção e diagnóstico precoce podem ser listados, dentre outros da esfera pública, o Centro de Vigilância Epidemiológica - CVE, a Fundação Oncocentro de São Paulo - FOSP, o Centro de Referência do Álco-ol, Tabaco e Outras Drogas – CRATOD e o Instituto Adolfo Lutz - IAL.

As ações vinculadas ao diagnóstico e tratamento do câncer são desenvolvidas por diferentes instituições, tanto públicas como privadas, conveniadas ou não ao SUS, sendo que as referentes à esfera pública são mediadas pelas secretarias municipais e estadual de saúde, através de seus órgãos competentes. Universi-dades, sociedades científi cas e organizações não governamentais inserem-se em projetos diversos e têm papel importante no trabalho desenvolvido.

Para caracterizar o câncer no Estado de São Paulo e seu impacto na saúde, apresentam-se a seguir alguns dados referentes à epidemiologia do câncer, as principais medidas executadas para a prevenção e diagnóstico precoce da doença e também o atual modelo de assistência oncológica.

Dados de incidência

Conhecer a incidência de determinada doença é sempre de fundamen-tal importância epidemiológica. Entretanto, a obtenção de dados de inci-dência de câncer, quer seja para o Brasil e suas regiões ou para o Estado de São Paulo, é extremamente difícil.

Na verdade dados reais de incidência praticamente inexistem e o que se trabalha usualmente é com as estimativas anuais de casos novos publica-das pelo Instituto Nacional de Câncer – INCA. Exceção se faz às capitais ou outras cidades com Registro de Câncer de Base Populacional implantado, onde é possível conhecer incidência para estes locais. Mas em geral a de-fasagem de período de levantamento de dados é considerável, não sendo possível obter dados atualizados.

Estes estudos divulgados pelo INCA trazem para o Brasil, unidades da federação e capitais, o número estimado de casos novos de câncer como um todo e para localizações primárias selecionadas, segundo sexo. Esta seleção leva em conta principalmente a magnitude e a importância de de-terminadas neoplasias malignas, na mortalidade ou na incidência, como é o caso do câncer de mama, próstata, pulmão e pele não melanoma ou ainda aspectos ligados a programas de prevenção – câncer de colo de útero e cavidade oral.

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No caso do Estado de São Paulo tem sido considerados como fonte de informação para a estimativa de casos novos os Registros de Câncer de Base Populacional dos municípios de São Paulo e Campinas.

De acordo com estas estimativas (1), em 2005 o Brasil teria 467.440 casos novos de câncer e o Estado de São Paulo 137.310 (29,4% do total de casos do país).

As tabelas 1 e 2 apresentam as estimativas de casos novos e respectivas taxas brutas de incidência para o ano de 2005 no Estado de São Paulo, segundo sexo e localizações primárias selecionadas.

Tabela 1: Estimativa do número de casos novos de câncer e das taxas brutas de incidência no sexo masculino*, segundo localização primária. Estado de São Paulo, 2005.

Localização primáriaEstimativa de casos novos

Casos Taxa Bruta

Pele não Melanoma 17.720 89,44

Traquéia, brônquio e pulmão 4.960 25,04

Estômago 4.730 23,88

Próstata 13.020 65,71

Cólon e reto 4.760 24,02

Esôfago 2.280 11,50

Leucemias 1.370 6,90

Cavidade oral 3.520 17,77

Pele melanoma 1.040 5,28

Outras localizações 16.690 84,26

Total 70.090 353,83

* por 100.000 homens

Fonte: INCA

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Tabela 2: Estimativa do número de casos novos de câncer e das taxas brutas de incidência no sexo feminino *, segundo localização primária. Estado de São Paulo, 2005

Localização primáriaEstimativa de casos novos

Casos Taxa Bruta

Pele não Melanoma 14.350 69,54

Mama Feminina 16.090 78,01

Traquéia, brônquio e pulmão 2.380 11,56

Estômago 2.350 11,40

Colo do útero 4.240 20,56

Cólon e Reto 4.970 24,11

Esôfago 490 2,39

Leucemias 1.120 5,43

Cavidade oral 1.150 5,59

Pele melanoma 1.170 5,69

Outras localizações 18.910 91,65

Total 67.220 325,80

* por 100.000 mulheres

Fonte: INCA

A incidência de câncer pediátrico (faixa etária de 0 a 18 anos) é estimada pelo INCA como de 3% a 4% do total das neoplasias malignas diagnosticadas.

Dados de mortalidade

A mortalidade por câncer vem crescendo signifi cativamente nas últimas décadas, no mundo todo. Estudo desenvolvido pelo IARC – International Agency for Research on Câncer (2) mostra que considerando o conjunto de óbitos por todas as causas no mundo no ano 2000 (aproximadamente 56 milhões de mortes), o câncer teria sido responsável por 12% delas.

Também no Brasil e no Estado de São Paulo a importância que as neo-plasias malignas vêm alcançando nas últimas décadas pode ser constatada. O câncer, excluindo-se as causas mal defi nidas, apresenta-se como a segun-da causa de óbito na população brasileira (SIM/MS, 2002), com coefi cientes inferiores apenas ao das Doenças do Aparelho Circulatório.

Em 2002, no Brasil, as neoplasias foram responsáveis por 13,2% do total de óbitos registrados (982.807), sendo que os maiores percentuais, tanto para o sexo masculino como para o feminino foram encontrados nas regiões Sul e Sudeste.

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Da mesma forma para o Estado de São Paulo, ao se analisar a morta-lidade proporcional pelas principais causas, observa-se as neoplasias ocu-pando a segunda posição, tendo apresentado crescimento importante no percentual em relação ao total de óbitos. A publicação “Mortalidade por Câncer no Estado de São Paulo: tendência temporal e características re-gionais – 1987 a 2003” (3), da Fundação Oncocentro de São Paulo - FOSP, confi rma esta tendência, ao analisar o período de 1980 a 2000, conforme pode ser visto na tabela 3.

Tabela 3: Mortalidade proporcional segundo principais causas de óbito. Es-tado de São Paulo, 1980 a 2000

Causa de óbito (Capítulo da CID) 1980 1990 2000

Doenças do aparelho circulatório 33,1 32,6 30,4

Neoplasias 10,6 12,3 14,9

Causas externas 10,0 13,4 14,2

Doenças do aparelho respiratório 10,5 10,9 10,5

Nota: capítulo “neoplasias” inclui malignas, benignas, in situ e de comportamento incerto

Fonte: Ministério da Saúde / FOSP

A partir da avaliação dos coefi cientes de mortalidade por câncer no Es-tado de São Paulo, disponibilizados pela mesma publicação e considerando o biênio 2002/2003, verifi ca-se que as principais topografi as, em ordem decrescente de mortalidade são: traquéia/brônquios/pulmão, estômago, próstata, cólon/reto/ânus, lábio/cavidade oral/faringe e esôfago para o sexo masculino e mama, cólon/reto/anus, traquéia/brônquios/pulmão, estôma-go, colo do útero e pâncreas para o feminino.

O comportamento da mortalidade para estas topografi as, no período de 1987 a 2003, pode ser observado a partir dos gráfi cos 1 e 2.

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Gráfi co 1: Coefi cientes (*) de mortalidade por câncer no sexo masculino segundo topografi as selecionadas. Estado de São Paulo, 1987 a 2003

Fonte: Fundação SEADE

* Coefi cientes ajustados por idade, padronizados pela população mundial

Gráfi co 2: Coefi cientes (*) de mortalidade por câncer no sexo feminino se-gundo topografi as selecionadas. Estado de São Paulo, 1987 a 2003

Fonte: Fundação SEADE

* Coefi cientes ajustados por idade, padronizados pela população mundial

A tabela 4 apresenta os coefi cientes de mortalidade no Estado de São Paulo segundo sexo e topografi a para o período de 1987 a 2003, onde pode-se observar comportamentos diferentes ao longo do período em diversas topografi as.

20,621,6

21,921,2 21,5

20,018,3

15,7

10,712,9

16,615,5

6,87,9

9,210,27,8 8,6 8,58,5 8,8 8,6 9,1

8,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

taxa

po

r 10

0.00

0 h

ab 87-88 92-93 97-98 02-03

traq/bronq/pulmão estômago próstata esôfagocólon/reto/ânus lábio/c.oral/faringe

13,814,8

15,815,0

6,2 6,98,1 8,8

5,96,3 7,0 7,4

8,7 8,1 6,85,9 5,1 5,1 4,6 4,2

3,13,5 4,0 4,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

taxa

po

r 10

0.00

0 h

ab

mama cólon/reto/ânus pulmão estômago colo de útero pâncreas

87-88 92-93 97-98 02-03

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Tabela 4: Coefi cientes* de mortalidade segundo sexo e topografi a. Estado

de São Paulo, 1987 a 2003

Topografi aMasculino Feminino

87/88 92/93 97/98 02/03 87/88 92/93 97/98 02/03

Lábio, Cavidade Oral e Faringe

7,8 8,6 8,5 8,5 1,3 1,2 1,3 1,2

Esôfago 8,8 8,6 9,1 8,0 1,8 1,5 1,6 1,4

Estômago 21,5 20,0 18,3 15,7 8,7 8,1 6,8 5,9

Cólon/Reto/Ânus 6,8 7,9 9,2 10,2 6,2 6,9 8,1 8,8

Fígado e VBIH 4,8 4,8 5,2 5,6 3,2 3,3 3,1 3,1

Pâncreas 4,7 5,1 5,2 5,2 3,1 3,5 4,0 4,0

Laringe 5,8 6,1 6,5 5,4 0,5 0,5 0,6 0,4

Traquéia/Brônquios/Pul-mões

20,6 21,6 21,9 21,2 5,9 6,3 7,0 7,4

Melanoma maligno da pele

0,9 1,3 1,3 1,2 0,6 0,8 0,8 0,8

Mama 0,1 0,1 0,1 0,1 13,8 14,8 15,8 15,0

Colo do útero - - - - 5,1 5,1 4,6 4,2

Corpo do útero e útero SOE

- - - - 5,1 5,3 4,8 3,9

Ovário - - - - 3,2 3,4 3,6 3,7

Próstata 10,7 12,9 16,6 15,5 - - - -

Bexiga 3,4 3,7 3,5 3,7 1,0 1,0 1,1 1,0

Meninges/Encéfalo 2,0 1,9 5,4 5,1 1,3 1,3 4,0 4,0

Linfoma não Hodgkin 2,6 3,0 3,4 3,2 1,8 1,9 2,3 2,3

Mieloma/Plasmócitos 1,1 1,2 1,5 1,8 0,8 1,0 1,2 1,4

Leucemias 4,1 3,9 4,2 4,2 3,1 3,0 3,3 3,0

Outras neoplasias malignas

22,2 21,5 21,6 20,2 18,4 18,2 16,8 15,2

Total 128,2 132,5 141,4 134,7 84,9 87,3 90,8 86,8

Fonte: F.SEADE/FOSP

* coefi cientes ajustados por idade, padronizados pela população mundial

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Dados de sobrevida

Avaliar sobrevida em câncer signifi ca basicamente medir o tempo decorrido entre o diagnóstico do tumor e a ocorrência de algum evento determinado, que pode ser o aparecimento de recidiva, de metástase ou o óbito, dentre outros, sendo este último o mais freqüentemente analisado.

De forma mais usual costuma-se avaliar a sobrevida em cinco anos, res-saltando-se que para tumores de alta mortalidade um tempo menor que este pode ser sufi ciente, enquanto para outros, mais raros, pode ser neces-sário tempo maior de observação.

No Brasil e, da mesma forma no Estado de São Paulo, não se dispõe de análises completas de sobrevida em câncer, por tipo de tumor, por exemplo. O que se encontra são estudos pontuais que não permitem avaliações completas de situação e muito menos comparações ao longo do tempo.

Uma das questões relaciona-se ao fato de que uma das principais fon-tes de dados para análises de sobrevida são os Registros Hospitalares de Câncer, cuja implantação vem crescendo nos últimos anos, principalmente em nosso Estado, porém não tendo atingido, na maioria deles, um tempo mínimo de observação para estudos mais aprofundados.

Como ilustração, a tabela 5 apresenta dados de sobrevida relativa (%) em cinco anos, por topografia selecionada, considerando casos diagnosticados nos Estados Unidos e na Europa e ainda valores per-centuais de sobrevida máximos e mínimos observados em países em desenvolvimento (4).

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Tabela 5: Sobrevida relativa (%) em cinco anos de casos de câncer(*) diag-nosticados nos Estados Unidos (população branca) e Europa e percentuais mínimos e máximos de sobrevida em países em desenvolvimento segundo topografi a. EUA, 1974 a 1991, Europa 1985 a 1999 e países em desenvolvi-mento, 1982 a 1992

Topografi aEUA (brancos) Europa 1985-1989

Países em desenvolvimento

1974-1986 1986-1991 Homens Mulheres 1982-1992

Esôfago 9,4 12,7 7,4 12,2 3,3 – 26,5

Estômago 16,8 19,5 19,3 23,6 7,5 – 28,2

Colon 55,2 62,5 46,8 46,7 29,1 – 45,4

Reto 53,9 61,8 42,6 42,9 22,6 – 45,7

Fígado 6,5 10,3 4,6 4,7 0,6 – 12,9

Pâncreas 4,2 5,6 4,1 3,9 2,5 – 7,2

Pulmão 14,6 15,7 8,9 9,9 3,2 – 13,8

Melanoma 81,5 87,2 68,2 81,4 39,2 – 47,0

Mama (mulheres) 76,1 83,6 72,5 44,1 – 72,7

Colo uterino 68,2 70,1 61,8 28,0 – 64,9

Corpo de útero 88,8 88,2 73,2 58,7 – 76,7

Ovário 45,1 53,2 32,9 33,6 – 45,0

Próstata 75,3 88,9 55,7 34,5 – 45,9

Bexiga 81,1 86,1 65,2 59,7 23,5 – 66,1

Rim 56,4 64,0 47,7 49,3 19,1 – 49,2

Doença de Hodgkin 77,3 79,6 70,7 73,1 30,5 – 59,0

Linfoma não Hodgkin 55,7 54,2 45,2 48,4 17,7 – 37,4

Leucemia 39,9 48,1 33,5 35,3 4,7 – 22,6

Fonte: Programas Nacionales de Control del Cancer- Políticas y Pautas para la Gestion-OMS

(*) todos os estádios

O impacto do câncer em São Paulo

A análise dos principais dados disponíveis sobre o comportamento do câncer no Estado de São Paulo leva-nos a entender sua importância como um grande problema de saúde pública.

Conforme citado anteriormente, o Instituto Nacional do Câncer

159

– INCA estimou para 2005 um total de 137.310 casos novos para o Estado de São Paulo, correspondendo a quase 30% do total de casos do país.

Não se dispõe de informações sobre prevalência da doença, mas dados referentes à população norte-americana estimam que cerca de 3% do total de habitantes estariam vivendo com um diagnóstico de câncer, excluindo-se os tumores de pele não melanoma. Dados semelhantes são observados para a região da Catalunha (5), na Espanha, onde estima-se que a preva-lência de câncer seja de 3,6% da população.

Em junho de 2005 a base de dados estadual do Registro Hospitalar de Câncer, da Fundação Oncocentro de São Paulo, apresentava 154.918 casos novos cadastrados e diagnosticados a partir de janeiro de 2000, correspon-dendo a pacientes em tratamento em 62 hospitais onde o Sistema encon-trava-se implantado.

Embora esta base de dados não possibilite inferir sobre a incidência para o Estado de São Paulo, permite avaliar os tipos de câncer mais freqüente-mente encontrados, para cada sexo, segundo grupo de tumores, a saber: pele (20%), órgãos genitais masculinos (18%), órgãos digestivos (18%), aparelho respiratório e órgãos intratorácicos (13%), lábio, cavidade oral e faringe (11%) no sexo masculino e mama (27%), órgãos genitais femininos (21%), pele (19%), órgãos digestivos (11%), aparelho respiratório e órgãos intratorácicos (4%) para o feminino.

Outro dado importante refere-se ao estadiamento dos tumores quando diagnosticados. Considerando a mesma base de dados (6), referente aos tumores diagnosticados entre 2000 e 2003, e excluindo-se os tumores de pele, sem detalhar por topografi a, observa-se que 52% destes foram diag-nosticados nos estádios III e IV, ou seja, estágios mais avançados da doen-ça. E esta realidade mostra-se ainda mais grave quando se analisam tipos específi cos de câncer. Para mama feminina, por exemplo, o câncer mais freqüente entre as mulheres, vê-se que apenas 22% dos tumores foram diagnosticados nos estádios iniciais (O e I).

A prevenção do câncer

As ações de prevenção devem representar papel fundamental na estra-tégia de combate ao grupo de enfermidades denominadas Doenças Crôni-cas não Transmissíveis - DCNT, onde o câncer assume destaque.

Várias medidas merecem atenção, podendo ser citadas como funda-mentais no combate ao câncer o controle do tabaco, o incentivo à dieta saudável e prática de atividades físicas, o combate à obesidade, ao consu-

160

mo de álcool e à exposição solar excessiva, a imunização contra o vírus da hepatite B e a redução das exposições ocupacionais.

Um programa consistente de prevenção ao câncer diminui tanto a inci-dência como a mortalidade atribuível à doença. No estudo de Doll e Peto (4), que mostra a proporção de óbitos por câncer atribuíveis a cada um dos di-ferentes fatores de risco conhecidos, observa-se a importância que o fumo e a dieta representam na prevenção da mortalidade por câncer.

O conjunto destas ações, conceitualmente chamadas de vigilância epi-demiológica em DCNT, ainda não está bem defi nido e estabelecido no Brasil e no Estado de São Paulo. A atividade é recente e, conforme já explicitado anteriormente, a falta de coordenação das diferentes ações leva a um cenário onde medidas são executadas por instâncias diversas, sem uma adequada estratégia voltada para a avaliação do impacto das ações.

O Programa Nacional de Controle de Tabagismo no Brasil é coordenado pelo Instituto Nacional de Câncer, em parcerias com as secretarias de saúde estaduais e municipais. No Estado de São Paulo as ações são coordenadas atualmente pelo Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (CRATOD) que baseia suas linhas de atuação em atividades educativas, nor-mativas e legislativas, e se estrutura em dois pilares sustentadores: um vol-tado para a prevenção da iniciação do tabagismo e outro envolvendo ações de estímulo à cessação do hábito de fumar.

Pode-se constatar, porém, que as ações que objetivam oferecer suporte à cessação do hábito de fumar são ainda bastante incipientes em São Pau-lo, conforme dados disponibilizados no estudo “Nicotina: Droga Universal (7)”, publicado pelo Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) em 2003. Nesta encontra-se a relação das instituições SUS catalogadas como Centros de Atendimento ao Fumante, podendo ser observada uma quantidade ir-risória de serviços frente às necessidades: quatro na Capital e mais três no Interior.

Não existem dados disponíveis sobre a prevalência do tabagismo no Es-tado de São Paulo, sendo que os principais estudos realizados têm como foco apenas a cidade de São Paulo, à semelhança do trabalho publicado pelo INCA em 2004 – “Inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis: Brasil, 15 capitais e Distrito Federal” (8), cujos principais resultados para a Capital de São Paulo foram: 19,9% da população maior de 15 anos eram fumantes regulares de cigarro, sendo 23,1% de homens e 17,5% de mulheres; maior concentração de fumantes na faixa etária de 25 anos ou mais; maior con-

161

centração de fumantes entre os que não concluíram o ensino fundamental (22,3%), contra 18,4% com o ensino fundamental concluído ou mais anos de estudo.

As atividades de prevenção do câncer vinculadas à alimentação sau-dável e combate à obesidade estão vinculadas à Divisão de Doenças Crô-nicas do CVE, sendo que não são conhecidos estudos de avaliação do impacto resultante destas ações, apesar da importância crescente da obe-sidade como fator de risco para inúmeras doenças crônicas, entre elas o câncer (9).

Um convênio entre a SES-SP e o CELAFISCS – Centro de Estudos do La-boratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul, resultou no Programa Agita São Paulo (10), criado para combater o sedentarismo em nosso Estado, que tem desenvolvido uma série de ações educativas visando estimular a prática de atividades físicas.

Finalmente, merece ser citado que a vacinação contra o vírus da hepa-tite B faz parte do calendário de vacinação das crianças e grupos de risco do nosso Estado, estratégia recomendável para a prevenção do câncer de fígado.

Ações para o controle do câncer de colo de útero e de mama

A prevenção secundária ao câncer de colo de útero utiliza como estra-tégia o diagnóstico precoce das lesões de colo uterino, a partir das técnicas de rastreamento que empregam o exame de colpocitologia oncótica ou Teste de Papanicolaou.

No Estado de São Paulo o exame foi introduzido na década de 70, sendo que o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM, surgido em 1983, ampliou o seu uso.

Desde 1988 o Ministério da Saúde adotou a recomendação da Orga-nização Mundial da Saúde para o teste de Papanicolaou, que preconiza a realização periódica do exame no grupo etário de 25 a 59 anos. A perio-dicidade recomendada é inicialmente de um exame ao ano, e no caso de dois exames normais seguidos, com intervalo de um ano entre eles, sua realização a cada três anos.

Diferentemente do ocorrido nos países desenvolvidos, onde o rastrea-mento pelo exame de Papanicolaou mostrou-se efi ciente em reduzir a mor-bi-mortalidade por câncer de colo de útero, nos países em desenvolvimento o mesmo não pode ser observado, sendo a baixa cobertura populacional apontada como um fator importante, ao lado da qualidade muitas vezes insatisfatória dos exames realizados.

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Alguns fatores estão claramente envolvidos no sentido de prejudicar uma avaliação consistente sobre a cobertura do exame colpocitológico no país e também no Estado de São Paulo, sendo considerados como os mais importantes o desconhecimento dos exames realizados fora do SUS - tanto na sua quantifi cação quanto em relação à qualidade dos testes, e também a ausência de informação sobre a periodicidade dos exames realizados pelas mulheres. Desta forma, além de escassos, são bastante discrepantes os resultados das estimativas de cobertura do Papanicola-ou em São Paulo, estando os estudos geralmente restritos à cidade de São Paulo.

Em 2002, por solicitação da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, o IBOPE realizou estudo (11), através de entrevistas domiciliares, para levantar o grau de conhecimento e realização do exame de Papa-nicolaou e também do auto-exame das mamas. O estudo foi realizado de modo a possibilitar que os resultados contemplassem as Direções Regionais de Saúde do Estado, sendo que as principais conclusões re-latadas foram: 4% das mulheres entrevistadas nunca tinham ido a um ginecologista; a maioria das mulheres utilizava somente os serviços pú-blicos de saúde, estando este comportamento ligado à renda familiar, pois nas mulheres que viviam em famílias que ganhavam até 2 salários mínimos o percentual chegava a 79%; 98% das entrevistadas já tinham ouvido falar no exame Papanicolaou, tendo havido pouca variação de respostas entre as Regiões de Saúde, e 77% das mulheres associaram o exame à prevenção do câncer de colo do útero. Quanto à freqüência de realização do exame citológico, 11% das mulheres referiram nunca ter feito o exame. As razões apresentadas como motivo para nunca ter feito o exame foram bastante variadas, sendo que as mais citadas foram: ter vergonha de fazer (29%), o médico nunca ter pedido (19%), falta de vida sexual ativa (15%), ter medo de doer (9%) e demora para marcar o exame (8%). Cerca de 95% das mulheres responderam que o exame deveria ser feito a cada 6 meses ou uma vez ao ano.

O último inquérito específico para a Capital, realizado em 2002 (12), mostrou uma prevalência de realização do teste de 86% (alguma vez na vida), e de 77% para a realização de ao menos um exame nos últimos três anos, tendo sido estudada a população feminina de 15 a 49 anos.

Em 2002/2003, estudo realizado pelo INCA já anteriormente citado - Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis (8), teve a cidade de São Paulo

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incluída no trabalho. Os principais resultados observados para a Capital, referentes à realização do exame de Papanicolaou mostraram que 81% das entrevistadas referiram ter realizado pelo menos um teste nos três últimos anos anteriores à pesquisa; não houve diferença importante quanto à rea-lização do teste nos grupos etários estudados (25 a 34 anos, 35 a 49 anos e 50 a 59 anos); 73% das mulheres com o ensino fundamental incompleto referiram ter realizado ao menos um teste nos últimos três anos e entre as que possuíam o ensino fundamental completo ou mais anos de estudo este percentual foi de 87%. Em relação ao serviço onde o exame foi reali-zado, 43,4% das entrevistadas referiram ter feito o exame pelo SUS, contra 56,6% de mulheres que utilizaram a rede não SUS.

Os diferentes estudos parecem indicar que, além da cobertura ser re-lativamente defi ciente, ela se distribui de forma desigual na população, sendo que de modo geral a realização do teste se concentra nos grupos de menor risco.

De forma concreta pode-se afi rmar que o câncer de colo de útero ainda é epidemiologicamente importante no Estado de São Paulo, estimando-se que represente 6,3% dos casos novos de câncer no sexo feminino (1), além de um coefi ciente padronizado de mortalidade de 4,2 por 100.000 habi-tantes, no biênio 2002/03 (3). Além disso, dados da base estadual do Regis-tro Hospitalar de Câncer mostram que, entre 2000 e 2003, os casos novos de câncer de colo de útero estadiados como III ou IV somavam 29,3% do total, revelando um diagnóstico tardio deste câncer em grande parte das mulheres (6).

Por outro lado, embora não existam estudos que contemplem as-pectos locais ou regionais sobre a incidência da neoplasia, diferenças regionais importantes podem ser observadas na mortalidade por este câncer.

O estudo sobre mortalidade da Fundação Oncocentro de São Paulo (3), que analisa as características regionais dos óbitos por câncer, mostra a evo-lução temporal da mortalidade e as diferenças entre as Regiões de Saúde de São Paulo (tabela 6).

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Tabela 6: Coefi cientes bruto e padronizado de mortalidade por câncer de colo do útero segundo Direções Regionais de Saúde. Estado de São Paulo, 1987 a 2003.

DIR

Coefi ciente Bruto Coefi ciente Padronizado

87/88 92/93 97/98 02/03 87/88 92/93 97/98 02/03

I Capital 4,4 4,5 5,2 5,0 5,1 5,0 5,4 4,8

II Santo André 1,6 4,3 3,4 3,2 2,1 5,6 4,1 3,5

III Mogi das Cruzes 4,5 4,7 4,1 4,2 6,4 7,1 5,6 5,6

IV Franco da Rocha 3,8 4,4 3,5 3,1 6,7 7,5 4,8 4,1

V Osasco 3,6 4,0 4,2 5,1 6,2 6,5 6,5 7,0

VI Araçatuba 3,0 2,8 3,4 3,2 3,4 3,1 3,3 3,0

VII Araraquara 4,8 4,7 3,6 4,2 5,6 5,0 3,8 3,7

VIII Assis 5,4 5,0 3,4 2,5 6,2 5,4 3,4 2,3

IX Barretos 6,9 8,1 5,5 5,0 7,5 9,0 5,6 4,7

X Bauru 5,0 4,8 4,6 4,0 5,5 5,2 4,5 3,8

XI Botucatu 3,6 5,1 5,4 2,8 4,1 5,6 5,7 2,8

XII Campinas 4,3 4,3 3,3 3,4 5,1 5,2 3,7 3,4

XIII Franca 3,9 3,1 3,0 2,4 4,9 3,8 3,5 2,5

XIV Marília 4,4 4,8 3,0 3,3 4,9 5,0 3,0 3,1

XV Piracicaba 3,1 3,1 2,6 4,1 3,5 3,4 2,8 3,9

XVIPresidente Prudente

3,5 3,3 3,8 4,0 4,4 3,8 4,0 3,5

XVII Registro 3,3 3,9 5,0 2,9 4,5 5,2 6,3 3,6

XVIII Ribeirão Preto 4,5 4,2 5,2 3,9 5,2 4,6 5,5 3,8

XIX Santos 8,1 5,3 4,4 4,1 9,0 5,8 4,1 3,9

XXSão João da Boa Vista

4,1 3,9 2,9 2,1 4,6 4,2 3,0 2,0

XXISão José dos Cam-pos

5,8 3,7 2,7 3,7 8,4 5,1 3,4 4,2

XXIISão José do Rio Preto

2,7 3,5 4,0 3,5 3,0 3,6 3,9 3,0

XXIII Sorocaba 4,5 4,7 4,4 3,0 5,6 6,0 5,1 3,3

XXIV Taubaté 4,1 3,3 2,7 5,4 5,2 3,8 3,0 5,5

Fonte: Fundação SEADE/FOSP

No que se refere à prevenção do câncer de mama, o Brasil e o Estado de São Paulo ainda adotam estratégias pouco efi cientes na detecção pre-

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coce deste câncer, que é o incentivo ao auto-exame das mamas. Estudos disponíveis indicam que um programa baseado somente no auto-exame não reduziria a mortalidade por câncer de mama, mesmo que associado ao exame clínico. Desta forma, a OMS é bastante clara em não recomendar que o rastreamento do câncer de mama tenha como estratégias somente o auto-exame e a exploração física das mamas.

Experiências internacionais indicam que o rastreamento do câncer de mama mediante a mamografi a, com ou sem o exame físico, mas com o seguimento das pacientes com resultados positivos ou suspeitos, reduzem em até um terço a mortalidade por câncer de mama em mulheres com idade entre 50 e 69 anos.

Dentro deste contexto, o Ministério da Saúde, em trabalho conjunto com o INCA e a Área Técnica da Saúde da Mulher, com o apoio da Sociedade Brasileira de Mastologia, realizou em 2003 uma ofi cina de trabalho a partir da qual foi elaborado um documento técnico referente ao diagnóstico e tratamento do câncer de mama: Controle do Câncer de Mama – Documen-to de Consenso (13). No que se refere à detecção precoce, o rastreamento por meio do exame clínico de mama para todas as mulheres, a partir dos 40 anos, realizado anualmente e inserido dentro do atendimento integral à saúde da mulher, o rastreamento por mamografi a, para as mulheres com idade entre 50 e 69 anos, com intervalo máximo de dois anos entre os exames, exame clínico da mama e mamografi a anual, a partir dos 35 anos, para as mulheres pertencentes aos grupos populacionais de risco elevado para o câncer de mama e garantia de acesso ao diagnóstico, tratamento e seguimento para todas as mulheres com alterações nos exames realizados foram os principais pontos destacados no documento.

O modelo atual da assistência oncológica

O Sistema Único de Saúde estabeleceu regras no sentido de que as ações assistenciais aos pacientes com câncer sejam realizadas por algumas insti-tuições, em teoria aquelas mais equipadas e capacitadas para o tratamento oncológico. Nos parágrafos seguintes discorre-se sobre a legislação que permeia a matéria, a rede assistencial credenciada no Estado de São Paulo, alguns dados referentes à produção de serviços pelos prestadores, além de considerações sobre os principais aspectos relacionados ao tratamento realizado a pacientes com câncer.

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Legislação

A assistência oncológica do SUS tem sido regulamentada pelo Ministério da Saúde desde 1998 com base em algumas Portarias específi cas, poden-do ser apontadas como as principais as Portarias 3.535 e 3.536, ambas de setembro de 1998 (14). A partir de dezembro de 2005, estas foram revoga-das uma vez que em 08/12/05 a Portaria GM 2.439 institui nova Política Nacional de Atenção Oncológica e em 19/12/05 a Portaria SAS 741 defi ne normas para sua implementação. Uma vez que estas últimas ainda não estão vigentes na prática, apresenta-se abaixo, em linhas gerais, a legisla-ção estabelecida até dezembro/05 por ser a forma como os serviços estão organizados até o momento e também o que é proposto a partir das novas regras.

A Portaria 3.535 estabeleceu critérios para cadastramento de centros de atendimento em oncologia, defi nindo os Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) como aqueles que ofereceriam assistência especializada e integral aos pacientes com câncer, atuando na área de prevenção, detecção precoce, diagnóstico e tratamento do paciente. Defi niu que a prestação da assistência deveria abranger sete modalidades integradas: diagnóstico, cirur-gia oncológica, oncologia clínica, radioterapia, medidas de suporte, reabilita-ção e cuidados paliativos e classifi cou os serviços prestadores em CACON I, II e III. O primeiro (CACON I) seria um hospital geral onde seriam feitos o diag-nóstico e tratamento dos tipos mais freqüentes de câncer, podendo possuir ou não a modalidade de radioterapia. CACON II referia-se a uma instituição dedicada prioritariamente ao controle do câncer, com ações de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento dos tipos de câncer mais freqüentes e CACON III, instituições voltadas exclusivamente ao controle do câncer, com ações de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento de todos os tipos de câncer, em todas as modalidades assistenciais.

Posteriormente uma Portaria MS/SAS nº 113, de 1999, defi niu critérios para o cadastramento de Serviços Isolados de Quimioterapia ou Radiotera-pia, em caráter temporário e vinculados obrigatoriamente a um CACON.

A Portaria 3.536 defi niu as normas de autorização e a codifi cação dos procedimentos de quimioterapia e radioterapia no âmbito do SUS, repre-sentando o instrumento que inclui conceitos, orientações e compatibili-dades necessárias para autorização dos procedimentos ambulatoriais de quimioterapia e radioterapia.

A Portaria 2.439 de dezembro/2005 defi ne que a Política Nacional de Atenção Oncológica deve ser constituída por promoção e vigilância em saúde, atenção básica, média complexidade e alta complexidade, sendo

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que a assistência na alta complexidade se dará através de Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia, estes últimos também exercendo um papel auxiliar aos gestores do SUS.

Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia refere-se ao hospital que possua condições técnicas, instalações físicas, equipamen-tos e recursos humanos adequados à prestação de assistência especializada de alta complexidade para o diagnóstico defi nitivo e tratamento dos cânce-res mais prevalentes no Brasil, devendo contar minimamente com Cirurgia Oncológica e Oncologia Clinica. Poderão ser credenciados como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia hospitais exclusivos de Hematologia ou de Pediatria.

A realização de cirurgias oncológicas em hospitais gerais poderá ser au-torizada, desde que os mesmos estejam vinculados a uma Unidade ou a um Centro de Alta Complexidade em Oncologia e a produção das Unidades credenciadas na região não seja sufi ciente.

Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) refere-se ao hospital que possua as condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados à prestação de assistência especializada de alta complexidade para o diagnóstico defi nitivo e trata-mento de todos os tipos de câncer, e que exerça o papel auxiliar, de caráter técnico, ao Gestor do SUS nas políticas de Atenção Oncológica.

Os atuais Serviços Isolados de Quimioterapia e/ou Radioterapia poderão ser mantidos, desde que estejam vinculados a uma Unidade ou CACON e que a produção destes não seja sufi ciente.

As novas portarias defi nem critérios e parâmetros como base para o cálculo de necessidade de serviços: população, necessidade de cobertura assistencial, capacidade técnica e operacional dos serviços e série histórica de atendimentos realizados. Fica defi nido ainda que as unidades e centros credenciados deverão submeter-se à regulação, fi scalização, controle e ava-liação do Gestor estadual e municipal, conforme as atribuições estabeleci-das nas respectivas condições de gestão.

O planejamento da rede de atenção oncológica deverá ser feito pelo respectivo Gestor Estadual do SUS, considerando os parâmetros defi nidos a partir da realidade local. Para o planejamento da rede, deverá ser consi-derado o número de casos novos anuais por Unidade da Federação, sendo que para 2005, no Estado de São Paulo, esta estimativa é de 40.440.864 habitantes e 105.240 casos novos

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Rede assistencial

Atualmente estão cadastrados pelo SUS para a assistência oncológica no Estado de São Paulo 52 Centros de Alta Complexidade em Oncologia - CA-CON, sendo 48 classifi cados como CACON I, 3 como CACON II e 1 como CACON III, além de 15 Serviços Isolados de Quimioterapia ou Radioterapia (situação em dezembro/2005).

Aspectos da assistência

A assistência ao paciente oncológico no Estado de São Paulo deveria se dar basicamente em unidades cadastradas como Centros de Alta Comple-xidade em Oncologia (CACON), que seriam responsáveis até então pelo atendimento integral ao paciente. Na realidade não é desta forma que ocorre, encontrando-se, com exceção de procedimentos de radioterapia, ações realizadas também em diversas outras instituições não credenciadas para este tratamento especializado.

Vários fatores contribuem para esta situação. Muitas vezes o pacien-te com diagnóstico confi rmado de câncer, devido à ausência de mecanis-mos claros de referência ou de serviços especializados, acaba buscando tratamento em hospitais onde o acesso é mais fácil, em alguns casos uma instituição não cadastrada como CACON. Outras vezes, parte do tratamen-to é realizada em determinado serviço, sendo o paciente posteriormente encaminhado para um Centro de Alta Complexidade em Oncologia. Isto acontece com freqüência nos casos em que o diagnóstico é feito fora da rede CACON, e freqüentemente observa-se a realização de uma cirurgia oncológica em determinado hospital (da região ou não), e a eventual com-plementação com outras modalidades terapêuticas - radioterapia e/ou qui-mioterapia, sendo realizada em um Centro de Alta Complexidade.

Ressalte-se que este encaminhamento na maioria das vezes não se dá a partir de qualquer sistema de referência e contra referência, tampouco respeitando aspectos básicos do tratamento oncológico, que são o plane-jamento terapêutico global do paciente, defi nido a partir do diagnóstico e estadiamento do tumor, e a integralidade assistencial.

Observam-se ainda casos em que o seguimento do paciente passa a ser feito pelo CACON que executa a radioterapia ou a quimioterapia, sem qual-quer outro retorno à instituição responsável pelo procedimento cirúrgico.

Desta forma encontram-se hospitais não CACON que em alguns ca-sos realizam procedimentos cirúrgicos em número até maior que diversos CACON.

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O mesmo ocorre em relação a exames complementares necessários para o acompanhamento do tratamento, que muitas vezes é realizado por um outro serviço SUS, não necessariamente CACON.

Outra questão refere-se ao tempo entre diagnóstico e tratamento. In-formações resultantes da base de dados estadual do Registro Hospitalar de Câncer do Estado de São Paulo (6) demonstram que este tempo, em aproximadamente 95% dos casos, não é superior a 3 meses, quando o diagnóstico é realizado em um CACON. A demora maior, e em muitos ca-sos, extremamente grande, se observa no acesso a determinados serviços a partir de um diagnóstico confi rmado fora das instituições credenciadas como Centros de Alta Complexidade em Oncologia.

Por outro lado, existem serviços que tradicionalmente tratam câncer no Estado e que são naturalmente procurados pelos pacientes. Aliando-se a isso a questão de facilidade de acesso por rodovias melhores ou por proximidade física, a análise de atendimentos por local de residência dos pacientes mostra um perfi l bastante heterogêneo e muitas vezes absurdo de deslocamentos pelas instituições. Tal fato se agrava porque existem regionais de saúde no Estado com grande concentração de CA-CON (São Paulo, Campinas, Piracicaba, Ribeirão Preto) e outras com ne-nhum (Registro, Assis) ou apenas um (Presidente Prudente, Araraquara, Araçatuba).

A análise dos dados de produção de internações, pacientes atendidos em radioterapia e quimioterapia demonstra ainda um outro fato: deter-minado grupo de serviços concentra sempre um número maior de atendi-mentos. Temos assim que, no ano de 2004, de um total de 37 serviços no Estado que realizaram procedimentos de radioterapia, 71% dos pacientes estavam concentrados em 15 instituições. Da mesma forma, 15 instituições concentraram 60% dos pacientes em quimioterapia e 50% das internações em câncer, de um total de 52 CACON.

Uma última questão a ser abordada refere-se aos cuidados paliativos. Não existem dados que permitam avaliar concretamente as ações realiza-das, mas a percepção é que muito pouco tem sido oferecido nesta área. Ressalte-se que duas Portarias do Ministério da Saúde tratam da questão: GM/MS nº 19, de 03/01/2002, que institui o Programa Nacional de Assis-tência à Dor e Cuidados Paliativos e GM/MS nº 1.319, de 23/07/2002, que regulamenta o cadastramento de Centros de Referência em Tratamento da Dor Crônica, a partir da qual todos os CACON estariam automaticamente incluídos como tal.

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O sistema de informações

Diferentes sistemas de informações permeiam a atenção ao câncer, des-de os vinculados ao pagamento dos procedimentos realizados pelos pres-tadores, os relativos à mortalidade, até aqueles mais específi cos, como os registros de câncer.

O principal ponto a ser destacado neste conjunto não uniforme de siste-mas com diferentes fi nalidades é a falta de integração entre estas diversas bases de dados, o que difi culta sobremaneira o trabalho de planejamento dos gestores envolvidos com a área de atenção ao câncer.

No que se refere aos sistemas informatizados vinculados ao pagamento dos prestadores, podem ser apontados principalmente o SIA-SUS e o SIH-SUS, sendo o primeiro vinculado à área ambulatorial e o segundo específi co para as internações hospitalares. A área de quimioterapia e radioterapia em nível ambulatorial está contemplada por um sistema informatizado que inclui as regras estabelecidas para a área oncológica das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade- APAC.

O SIA-SUS, base de dados referente aos atendimentos ambulatoriais realizados, ao contemplar a variável idade na sua estrutura apenas para alguns procedimentos, não permite, por exemplo, que se conheça a faixa etária das mulheres submetidas à mamografi a, método de escolha para o screnning na detecção precoce do câncer de mama.

Alguns sistemas específi cos que foram implantados buscando maior detalhamento dos dados no SIA-SUS também não suprem por completo determinadas necessidades. Um exemplo refere-se ao câncer de colo de útero. A implantação do SISCOLO (Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero) e mais recentemente o SISCAM (Sistema de Informações do Câncer da Mulher), contempla os dados referentes apenas aos exames realizados e registrados por prestadores vinculados ao SUS, além de serem ainda bastante precárias as informações referentes ao seguimento das mu-lheres com lesões suspeitas ou positivas para o câncer de colo uterino.

Também os dados referentes às internações hospitalares apresentam problemas, podendo ser citada a ausência de mecanismos efi cazes de con-sistência entre diagnóstico e procedimento realizado, o que pode resultar em diagnósticos de câncer vinculados a procedimentos incompatíveis com a doença, e vice-versa. Este fato difi culta inclusive a defi nição do que seria internação por câncer.

A área ambulatorial de quimioterapia e radioterapia, baseada nas APAC, utiliza o sistema informatizado elaborado para o registro destas informações que também apresenta problemas, podendo ser citado como o principal o

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fato de que a autorização do procedimento não está informatizada, o que torna bastante difi cultoso o trabalho do profi ssional responsável pelas auto-rizações, dada a quantidade e complexidade das regras envolvidas. Como conseqüência, também é difi cultado o trabalho de controle e avaliação, que vincula o que foi autorizado com o que foi cobrado pelo prestador.

Os registros de câncer constituem-se, em teoria, na principal fonte de dados disponível para o estudo da Epidemiologia do Câncer, sendo que os registros de base populacional, conforme já salientado, são utilizados principalmente para as estimativas de incidência de câncer, enquanto que o registro hospitalar tem como principal foco o registro e acompanhamento dos casos tratados pelos hospitais, base para o estudo de sobrevida por neoplasias malignas. Ambos possuem sistemas informatizados específi cos para o registro dos casos de câncer.

No Estado de São Paulo os Registros de Câncer de Base Populacional estão implantados somente na Capital e em Campinas, e apresentam difi -culdades operacionais claras, fatores que têm infl uenciado nas estimativas de incidência de câncer no nosso Estado.

O Registro Hospitalar de Câncer, coordenado pela FOSP, construiu uma base de dados estadual que, embora ainda sem a cobertura adequada, uma vez que não inclui vários hospitais que tratam câncer em São Paulo, permitirá em breve a elaboração de trabalhos específi cos referentes ao es-tudo da sobrevida por câncer.

Para fi nalizar, merece citação o fato de que as informações referentes à mortalidade estão disponíveis tanto no Sistema de Informações de Morta-lidade – SIM, administrado pelo Ministério da Saúde, como na base de da-dos vinculada à Fundação SEADE, instância responsável no Estado de São Paulo pelo sistema de informações referente à mortalidade, não existindo uma defi nição clara sobre qual base deva servir de padrão e ser adotada por todos os diferentes profi ssionais de saúde envolvidos de alguma forma com o planejamento ou a Epidemiologia do Câncer.

Considerações sobre o atual modelo de atenção ao câncer

Inúmeras ações são coordenadas pelo poder público no Estado de São Paulo para a prevenção, diagnóstico precoce e tratamento do câncer, es-tando envolvidas neste processo diferentes instâncias. Embora possam ser apontadas algumas ações integradas e coordenadas, pode-se afi rmar que, como regra, a falta de articulação entre os vários atores caracteriza o pro-grama de atenção ao câncer no nosso Estado, refl etindo o que também ocorre no país. A falta de uma instância coordenadora da política de câncer

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faz com que o trabalho resulte em ações desarticuladas e pontuais, quando não redundantes ou sem respaldo científi co.

O diagnóstico dos casos suspeitos ainda ocorre tardiamente, nas fases mais avançadas da doença, fato que complica o tratamento e diminui a sobrevida dos pacientes, e mecanismos de gestão ainda incipientes concor-rem para que o acesso ao tratamento não seja realizado com a eqüidade e agilidade exigidas.

Conforme já analisado anteriormente, o tratamento da doença não con-templa, como regra, a assistência integral ao paciente, pois grande parte das instituições responsáveis pelo tratamento não possui os recursos hu-manos e de estrutura necessários. Protocolos de tratamento, baseados na melhor evidência científi ca possível, ainda são pouco utilizados, fato que difi culta a desejável equidade terapêutica.

Em síntese, pode-se concluir afi rmando que o atual programa de aten-ção ao câncer implementado no país e também no nosso Estado não é o mais adequado, fato que difi culta o propósito de diminuir a morbi-morta-lidade da doença.

Um novo modelo de atenção oncológica

Pode-se afi rmar que alguns objetivos determinam a atenção oncoló-gica, podendo ser citados: a redução da incidência e da mortalidade, o aumento da sobrevida e da qualidade de vida, e a melhora do acesso à rede assistencial, garantindo um diagnóstico precoce e o tratamento adequado.

A construção de um novo modelo de atenção, que cumpra estes ob-jetivos, é tarefa complexa e vincula-se a uma série de medidas e fatores implicados, muitos deles apontadas na seqüência.

Diretrizes para um novo modelo de atenção ao câncer

A elaboração e principalmente a execução de um Plano Diretor de On-cologia para o Estado de São Paulo requer que previamente alguns pres-supostos fundamentais estejam defi nidos e pactuados, balizando todas as etapas inerentes a um projeto complexo como este. Pode-se apontar como os principais:

O entendimento do câncer como prioridade: O impacto do câncer no Estado de São Paulo pode ser comprovado tanto pelos diversos indica-dores epidemiológicos como pelos custos fi nanceiros envolvidos, e todos os

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estudos disponíveis na literatura apontam para um crescente aumento da magnitude do problema, principalmente nos paises em desenvolvimento. Somente a compreensão plena desta realidade poderá fazer com que os diferentes gestores que atuam na área possam defi nir o câncer como uma das prioridades da saúde do nosso Estado.

A pactuação entre os gestores: a discussão sobre o papel a ser exer-cido pelos gestores municipais e o estadual num novo projeto de atenção ao câncer constitui-se fator fundamental para o êxito de qualquer ação a ser desenvolvida. Um programa adequado de atenção ao câncer deve englobar as ações de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento, o que necessariamente garante ao município o papel principal nas ações desen-volvidas. Entretanto, pode ser afi rmado com clareza que o problema câncer extrapola o âmbito municipal, tendo em vista tanto as características epide-miológicas da doença, bem como o grau de especialização requerido para grande parte das ações desenvolvidas, principalmente aquelas referentes ao tratamento.

Desta forma, torna-se fundamental um processo de pactuação entre os gestores municipais e o Estado, no sentido de que se construa um progra-ma estadual que seja politicamente exeqüível, com ações coordenadas e respaldadas cientifi camente, de modo a se evitar desperdício de recursos e estratégias equivocadas ou pontuais.

A defi nição da instância coordenadora das ações: o atual modelo

de atenção ao câncer se caracteriza pela pulverização das ações nas di-ferentes instâncias e estruturas do sistema. Tal fato se traduz em falta de defi nição de responsabilidades, ações desconexas, parciais ou redundantes e o conseqüente desperdício de recursos. Experiências internacionais ava-liadas pela OMS mostram que na ausência de um mecanismo coordenador da política de atenção ao câncer, é provável que os recursos, normalmente limitados, sejam dirigidos prioritariamente ao tratamento dos pacientes, contemplando procedimentos de alto valor fi nanceiro e sem a devida ava-liação de sua real efetividade em aumentar a sobrevida ou melhorar a qua-lidade de vida dos pacientes (4).

A defi nição de uma instância que coordene a política de atenção ao cân-cer, com seus componentes de pesquisa, prevenção, detecção precoce e tratamento seria condição essencial para um melhor impacto das ações. A Fundação Oncocentro de São Paulo, desde que reestruturada e capacitada, poderia exercer este papel.

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A implantação de mecanismos de gestão: parece clara a necessi-dade de que as diferentes instâncias do SUS incorporem de maneira mais concreta em suas ações alguns mecanismos de gestão fundamentais. A incorporação de mecanismos de regulação do acesso à assistência à saúde seria fundamental para garantir maior equidade no acesso, a otimização dos recursos disponíveis e a efi cácia terapêutica.

Outro aspecto que também merece mais atenção diz respeito aos pro-cessos de avaliação e controle da atenção ao câncer. A avaliação das ações de prevenção do câncer e seu impacto na redução da incidência, a avaliação das políticas de rastreamento do câncer, a avaliação da demora no diag-nóstico e o acesso ao tratamento, a avaliação da sobrevida dos pacientes levando em conta os diferentes tumores, seu estadiamento e tratamento, a avaliação da incorporação de novas tecnologias e novas drogas de tra-tamento do câncer, geralmente de custos bastante elevados, são aspectos essenciais de um programa de atenção ao câncer e devem ser incorporados à prática de trabalho dos envolvidos com a questão.

A abordagem integral na atenção ao câncer: qualquer política estru-turada de combate ao câncer deve incorporar estratégias claras que con-templem todos os aspectos da atenção ao câncer. A prevenção da doença, com todas as suas vertentes (combate ao tabagismo, reeducação alimentar, incentivo à atividade física, proteção da radiação solar, etc.), a detecção precoce e os métodos de rastreamento populacional, o tratamento dos pacientes com ênfase em um programa consistente de cuidados paliativos devem ser encarados como aspectos particulares, porém indissolúveis de uma política única de combate ao câncer.

A integralidade assistencial: um aspecto sempre muito criticável no atual modelo de assistência ao paciente com câncer é a pulverização das ações terapêuticas. O tratamento geralmente não é feito em uma única instituição, pois são poucas as realmente equipadas e capacitadas para pro-porcionar uma atenção integral ao paciente oncológico. Já existe consenso sobre o fato de que a terapia é mais efetiva quando administrada em um contexto de equipe multidisciplinar, que tem a seu dispor todos os recursos necessários e a experiência sufi ciente para levar ao término o planejamento e o tratamento oncológico.

A participação de todos os níveis assistenciais: o câncer é uma

enfermidade freqüente o sufi ciente para exigir que os diferentes níveis

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de atenção do sistema de saúde contribuam para o seu controle. Por outro lado, apresenta especifi cidades e necessidade de incorporação de tecnologia e conhecimentos, particularmente nas ações relacionadas ao diagnóstico e tratamento, que requerem como estratégia a centralização dessas atividades. A elaboração de uma política bem estruturada de aten-ção oncológica exigirá a participação dos diferentes níveis assistenciais, assim como a defi nição das responsabilidades esperadas de cada uma destas instâncias.

A adequação do sistema de informações: várias discussões têm sido feitas no sentido de priorizar um trabalho de melhoria dos sistemas de informação vinculados ao SUS. Apesar disto, pouco se tem avançado no problema. Considera-se essencial sistematizar e qualifi car as informações que permeiam a atenção oncológica, sem o que qualquer tentativa de re-organização da atenção fi cará prejudicada.

A prevenção do câncer

A prevenção é peça chave em qualquer programa consistente de con-trole do câncer. Dentre as principais ações a serem enfocadas podemos listar: o controle do tabaco, a adoção de uma dieta saudável, o incentivo às atividades físicas e o combate à obesidade, a redução do consumo de álco-ol, a imunização contra o vírus da hepatite B, a diminuição das exposições ocupacionais e a orientação para se evitar a exposição prolongada ao sol, conforme preconizado no Código Europeu contra o Câncer, de 1994.

Várias destas ações já são de uma forma ou outra desenvolvidas no Estado de São Paulo, mas sem uma coordenação única estadual e sem a integração necessária para que seu impacto seja mais efetivo.

A detecção precoce do câncer

A detecção precoce é uma das etapas mais importantes de qualquer pro-grama de controle do câncer, e as suas ações baseiam-se em aspectos distin-tos: o diagnóstico precoce e os métodos de rastreamento populacional.

O diagnóstico precoce

As informações necessárias para que se reconheçam os sinais e sinto-mas do câncer são essenciais para um diagnóstico precoce da doença e o conseqüente tratamento mais efi caz. Alguns estudos reconhecem-se como suscetíveis de serem diagnosticados precocemente os tumores da cavidade

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bucal, do estômago, do cólon e reto, os de pele (incluindo-se o melanoma), o câncer de mama, colo uterino, ovário, bexiga e próstata. O quadro abaixo resume as estratégias recomendadas para a detecção precoce do câncer segundo os recursos disponíveis:

Topografi a Sinais de advertência Rastreamento

Cavidade bucal SIM NÃO

Nariz e faringe SIM NÃO

Esôfago NÃO NÃO

Estômago SIM NÃO

Cólon e reto SIM NÃO

Fígado NÃO NÃO

Pulmão NÃO NÃO

Melanoma cutâneo SIM NÃO

Outros tumores de pele SIM NÃO

Mama SIM SIM

Colo do útero SIM SIM

Ovário SIM NÃO

Bexiga SIM NÃO

Próstata SIM NÃO

Medidas efi cazes para o diagnóstico precoce envolvem disponibilizar informações para uma maior consciência do problema entre médicos, ou-tros profi ssionais de saúde e o público em geral. Além deste enfoque edu-cativo, cumpre também desenvolver ações para que os casos suspeitos te-nham a confi rmação diagnóstica o mais rápido possível, bem como para garantir que os casos diagnosticados tenham o tratamento apropriado e de forma ágil.

Métodos de rastreamento populacional

O rastreamento consiste na utilização de exames ou procedimentos que podem ser aplicados com rapidez para a detecção de casos não identifi -cados de doenças, sendo que seus métodos devem utilizar técnicas com sensibilidade elevada (para evitar falso-negativos) e especifi cidade também elevada, para evitar procedimentos desnecessários nos casos falso-positi-

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vos. Além disto, não devem ser aplicados em doenças com prevalência muito baixa.

Atualmente existem evidências sufi cientes para afi rmar que a efetivi-dade de rastreamento está claramente demonstrada para dois tipos de câncer: o câncer de colo do útero e o câncer de mama. Alguns estudos apontam uma redução da mortalidade por câncer colorretal com o rastre-amento por sigmoidoscopia ou pesquisa de sangue nas fezes, mas ainda existem dúvidas sobre a aplicabilidade e o custo-benefício dos métodos. Para outros tipos de câncer, como o de pele, próstata, testículo e cavidade oral não existem evidências sufi cientes para a indicação do rastreamento populacional.

Rastreamento para o câncer de colo uterino

A estratégia adotada pelo Ministério da Saúde, e implementada pelos estados e municípios, recomenda que o teste de Papanicolaou seja reali-zado a cada três anos no grupo etário de 25 a 59 anos, após dois exames anuais negativos.

Conforme já citado, vários estudos parecem indicar uma cobertura defi -ciente do exame de Papanicolaou, fato agravado pela forma desigual com que ocorre o acesso ao teste, sendo que, como regra, os grupos populacio-nais de menor risco são aqueles que apresentam maior acesso ao exame.

Desta forma, aumentar o acesso do grupo de mulheres com maior risco para o desenvolvimento do câncer de colo de útero ao exame preventivo parece ser um dos maiores desafi os a ser enfrentado pelos gestores, tanto o estadual, como os municipais. Merece ser citado que a Organização Mun-dial de Saúde indica uma cobertura populacional mínima de 85% como aquela capaz de reduzir a morbi-mortalidade da doença através do exame colpocitológico.

Para que ocorra o aumento da cobertura do exame, entende-se como fundamental o papel do Estado em viabilizar estudos regionais e locais que respondam o porquê de determinada parcela da população ainda não ter acesso adequado ao exame. As causas para uma cobertura inadequada do exame podem ser múltiplas, podendo estar vinculadas tanto ao plano individual das mulheres - características sociais, crenças, suscetibilidade à doença, etc., como ser decorrentes das características locais do programa de prevenção do câncer – acesso difícil ao sistema de saúde, informação insufi ciente, falta de abordagem integral da mulher, qualidade baixa da atenção, descontinuidade do cuidado, etc (15). O conhecimento das carac-terísticas regionais dentre os inúmeros fatores envolvidos poderia facilitar o

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objetivo de incluir no programa de prevenção aquela parcela de mulheres não atendida pelas estratégias usuais.

Para que se amplie a cobertura do teste, julgamos fundamental o papel representado pela atenção primária de saúde, que deve ser capacitada para executar as ações de screening com a utilização da colpocitologia. Merece ser lembrado que é crescente a cobertura populacional do Programa de Saúde da Família no Estado de São Paulo, sendo que em várias Regiões de Saúde esta cobertura é superior a 50% e engloba preferentemente a par-cela menos assistida da população.

Outro ponto fundamental para o sucesso do programa de rastreamento diz respeito à logística envolvida na realização do exame colpocitológico. Necessário se faz avaliar regionalmente o fl uxo dos exames colhidos e os recursos laboratoriais disponíveis, de modo a garantir agilidade e qualidade nos resultados. Neste sentido, a OMS é bastante enfática ao valorizar a qualidade do exame de Papanicolaou como fator de sucesso de um progra-ma de prevenção de câncer de colo de útero. O atual programa de controle de qualidade dos exames colpocitológicos realizado pela parceria FOSP/IAL deve ser expandido, de forma a incluir na avaliação os laboratórios não vinculados ao SUS.

As informações hoje disponíveis sobre o processo de rastreamento do câncer de colo de útero no Estado de São Paulo são bastante incompletas. Apesar disto, diferenças regionais importantes podem ser observadas na epidemiologia do câncer de colo de útero, sendo isto confi rmado pelos dados de mortalidade. O trabalho apresentado pela FOSP (3) mostra que, no biênio 2002/03, os coefi cientes padronizados de mortalidade por câncer de colo de útero foram iguais ou superiores ao apresentado para o Estado como um todo em seis Direções Regionais de Saúde, devendo estas receber atenção especial por parte dos gestores: Capital, Mogi das Cruzes, Osasco, Barretos, São José dos Campos e Taubaté.

Rastreamento para o câncer de mama

Conforme já referido, experiências de países que utilizaram a mamogra-fi a como estratégia para o rastreamento do câncer de mama mostraram resultado satisfatório, diminuindo a morbi-mortalidade da doença. Diante deste quadro, entende-se que todo o esforço possível deve ser feito no sentido de viabilizar recursos para a implantação efetiva deste programa de detecção precoce do câncer de mama, conforme o preconizado pelo Minis-tério da Saúde e Sociedade Brasileira de Mastologia, que propõe, conforme anteriormente citado:

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• rastreamento por meio do exame clínico de mama para todas as mu-lheres, a partir dos 40 anos, realizado anualmente e inserido dentro do atendimento integral à saúde da mulher;

• rastreamento por mamografi a, para as mulheres com idade entre 50 e 69 anos, com intervalo máximo de dois anos entre os exames;

• exame clínico da mama e mamografi a anual, a partir dos 35 anos, para as mulheres pertencentes aos grupos populacionais de risco elevado para o câncer de mama;

• garantia de acesso ao diagnóstico, tratamento e seguimento para todas as mulheres com alterações nos exames realizados.

Apesar das evidências claras no sentido de que o rastreamento pela mamografi a seja recomendado, alguns aspectos relacionados ao exame de-vem ser criteriosamente avaliados previamente à decisão de ofi cializar esta política saúde.

Um primeiro ponto a ser considerado diz respeito aos custos elevados da mamografi a, além da necessidade de qualifi cação adequada para sua realização e interpretação, fato que torna seu emprego inviável em vários paises. Com base no documento de consenso, e tomando-se como padrão a população estimada para 2005, pode-se calcular que, somente para a faixa etária de 50 a 69 anos, aquela alvo do rastreamento, seriam neces-sários 838.802 procedimentos anuais de mamografi a para a cobertura do Estado de São Paulo. Merece ser lembrado que a produção ambulatorial de mamografi a pelo SUS, para 2004, no Estado de São Paulo, foi de 661.583 procedimentos (16), não havendo informação disponível sobre a distribuição dos exames realizados pelos diferentes grupos etários.

Outro aspecto relevante relaciona-se com o grau de cobertura populacio-nal exigida para que o programa de rastreamento seja efi ciente. Neste sen-tido, a OMS recomenda que a mamografi a não deva ser empregada para o rastreamento populacional caso não se disponha de recursos sufi cientes para assegurar uma cobertura de pelo menos 70% da população alvo.

Além disto, vários outros procedimentos estão envolvidos no diagnósti-co precoce do câncer de mama feminina, todos decorrentes do exame clí-nico das mamas ou da mamografi a, sendo necessário dimensioná-los ade-quadamente para que a proposta de rastreamento obtenha êxito. Podem ser citados, dentre outros, a ultrassonografi a da mama, punção por agulha fi na, biópsias cirúrgicas, exames histopatológicos, etc.

Por fi m, e com certeza o principal aspecto a ser considerado previamen-

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te à decisão de implantar o rastreamento, é o que se relaciona à dispo-nibilidade de recursos sufi cientes que garantam agilidade e qualidade no tratamento dos casos diagnosticados.

Merece ser lembrado que o câncer de mama, apesar da sua importância epidemiológica marcante, também apresenta diferenças regionais impor-tantes (3), e estas diferenças observadas no perfi l epidemiológico regional, aliadas às outras características locais, como a oferta de recursos e a exis-tência de um trabalho mais articulado entre o gestor regional e os muni-cípios poderiam ser utilizados como critérios para a defi nição das regiões de saúde a serem priorizadas em uma fase inicial do programa estadual de detecção precoce do câncer de mama através da mamografi a.

O papel dos diferentes níveis de atenção

Um programa de atenção ao câncer deve estar inserido dentro das polí-ticas locais de saúde, apesar das peculiaridades da enfermidade, principal-mente aquelas inerentes ao tratamento e acompanhamento dos pacientes. Neste sentido, a OMS preconiza que o programa tenha um enfoque sistê-mico e integral, se incorporando aos outros sistemas de saúde e se adap-tando ao contexto social existente.

Dentro deste contexto, é imprescindível contar com a participação dos diferentes níveis de atenção do sistema de saúde no sentido de se obter sucesso na prevenção dos casos, diagnóstico precoce e tratamento dos pacientes.

Um modelo de vinculação entre os diferentes níveis assistenciais e as etapas da doença pode ser visualizado a seguir, sendo importante con-siderar as características regionais no que se refere à disponibilidade de recursos.

Fase diagnóstica:

• o nível de atenção primária exerce o principal papel na suspeita diagnós-tica; tem papel fundamental no diagnóstico precoce de alguns tumores, além de executar ações vinculadas ao rastreamento do câncer de colo do útero e de mama – coleta de colpocitologia e exame clínico da mama;

• todo caso suspeito deve ser encaminhado para o nível secundário ou para os centros especializados em câncer, dependendo dos recursos disponíveis em cada região, para a confi rmação diagnóstica. De forma semelhante serão encaminhadas as pacientes selecionadas para a reali-zação de mamografi a;

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• confi rmado o diagnóstico de câncer, sempre que possível com confi rma-ção microscópica, o caso deve ser encaminhado a um centro especializado para o diagnóstico de extensão do tumor e o conseqüente planejamento terapêutico. Este centro será aquele responsável pelo tratamento.

Fase de tratamento:

• o plano terapêutico deve ser elaborado em um centro especializado, por uma comissão formada por diferentes profi ssionais implicados no tratamento;

• o planejamento terapêutico deve ser baseado em protocolo clínico úni-co, a ser seguido por todos os envolvidos com o tratamento;

• o tratamento deve ser realizado preferentemente em um único centro especializado, sendo que, dependendo dos recursos disponíveis, poderá ser descentralizado, mas sempre baseado no protocolo assumido e sob a coordenação do hospital especializado responsável pelo caso.

Fase de seguimento:

• o acompanhamento do paciente é de responsabilidade do centro espe-cializado ao qual o paciente está vinculado;

• a atenção primária deve ter participação importante na identifi cação precoce das recidivas;

Fase avançada:

• aqui o papel de mais destaque corresponde às unidades de cuidados pa-liativos, sendo bastante importante a participação da atenção primária e também a assistência domiciliar;

• o suporte psicológico é muito importante em todas as fases, mas nesta é fundamental.

Considerações sobre um novo modelo da assistência ao câncer

Dentro de um programa de atenção ao câncer, os aspectos vinculados à assistência aos pacientes com diagnóstico confi rmado adquirem impor-tância fundamental, pois são aqueles que podem garantir a agilidade e a qualidade necessárias ao tratamento adequado da doença. Um modelo ideal de assistência ao paciente deve ser aquele que garanta acesso fácil

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e rápido a um centro especializado de tratamento, e que utilize o conhe-cimento cientifi co atualizado e comprovado para disponibilizar todos os recursos terapêuticos necessários para a cura ou controle temporário da doença, ao menor custo possível. Dentro destes critérios, pode-se afi rmar que o atual modelo de assistência oncológica do Estado de São Paulo não é o mais adequado, pois ainda não contempla na sua totalidade os aspectos da equidade e agilidade no acesso, assim como a assistência integral ao tratamento, sendo marcantes as desigualdades regionais.

Desta forma, um primeiro ponto a ser contemplado na defi nição de uma nova proposta assistencial ao câncer é a regionalização da assistência ao paciente oncológico. A constituição de Redes Regionais de Atenção On-cológica, organizadas em níveis hierarquizados, com estabelecimento de fl uxos de referência e contra-referência, garantindo acesso e atendimento integral aos pacientes parece um modelo bastante exeqüível. Este enfoque regional propiciaria a garantia da assistência a algumas Regiões de Saúde do Estado onde inexistem centros especializados de atenção ao câncer.

Para a formação desta rede regional de serviços entende-se como ne-cessário rever o processo de credenciamento dos prestadores ao SUS, de modo a buscar a integralidade da assistência ao doente oncológico. Mini-mamente se espera que um centro de tratamento oncológico disponha de serviço de cirurgia oncológica e quimioterapia, podendo ser a radioterapia realizada fora. Evidentemente a realidade regional deve ser considerada, mas entende-se que, como regra, serviços isolados de quimioterapia e/ou radioterapia e hospitais somente com tratamento cirúrgico devam ser enca-rados como exceção, e sempre de forma temporária.

Ainda no tocante ao credenciamento das instituições, torna-se clara a necessidade de que os Serviços responsáveis pelo tratamento dos pacientes sejam contratados segundo um novo modelo, que leve em consideração a capacidade da instituição em dar atendimento integral a um número defi nido de pacientes, e para aqueles tumores que o Serviço apresente ex-periência e capacitação adequadas.

A atual forma de pagamento dos prestadores, baseada em procedimen-tos, também não se constitui na maneira mais adequada. Estudos mais aprofundados deveriam ser desenvolvidos para a implantação um novo modelo de remuneração, que deveria contemplar algumas características inerentes à instituição, como por exemplo, o perfi l da clientela atendida, sendo que na oncologia os aspectos relacionados à topografi a, morfologia e estadiamento dos tumores são fundamentais. Outro fator a ser contem-plado na forma de remuneração diz respeito à estrutura do prestador: sua

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capacitação, grau de incorporação tecnológica e investimento em educa-ção poderiam ser citados como pontos a serem valorizados.

Defi nida a rede regional assistencial, parece clara a necessidade de que as diferentes instâncias do SUS incorporem em sua rotina alguns mecanismos de gestão, já citados anteriormente, como a regulação, avaliação e controle. Neste sentido, a criação de Centrais Regionais de Regulação em Oncologia, de-vidamente vinculadas a outras instâncias regionais de regulação, traria avanços signifi cativos tanto no diagnóstico como no tratamento dos casos de câncer.

Um dos problemas que geralmente surge nas discussões sobre a aten-ção oncológica é aquele relacionado ao custo elevado do tratamento, via de regra sem a correspondente avaliação da efetividade. Vários paises de-senvolvidos têm procurado resolver o problema através de protocolos con-sensuais de diagnóstico e tratamento, fi rmados em estratégias baseadas em evidências cientifi cas, o que além de racionalizar as ações avança no sentido de garantir a equidade diagnóstica e terapêutica.

Um dos exemplos que pode balizar esta discussão é o modelo adotado na região da Catalunha, na Espanha, baseado nos chamados Guias de Prática Clínica em Câncer – ONCOGUIAS (17), com esquemas completos e complexos para os principais tumores. No Brasil já existem alguns protocolos, organiza-dos pela Associação Médica Brasileira através do Projeto Diretrizes (18).

Outro aspecto que também deveria merecer mais atenção diz respeito ao processo de avaliação da atenção ao câncer. A avaliação das ações de prevenção, assim como das políticas de rastreamento do câncer, a avalia-ção da demora no diagnóstico e o acesso ao tratamento, a avaliação da sobrevida dos pacientes levando em conta os diferentes tumores, seu es-tadiamento e tratamento, e por fi m, a avaliação da incorporação de novas tecnologias e novas drogas de tratamento do câncer, geralmente de custos bastante elevados, são aspectos essenciais de um programa de atenção ao câncer e devem ser incorporados à prática de trabalho.

A readequação do sistema de informações deve ser encarada como um dos pilares de sustentação de um novo modelo de atenção ao câncer, e deve ser encarada como prioridade. Inúmeros aspectos difi cultam a análise das informações sobre o câncer, sendo que uma das principais questões se refere à não integração entre os diferentes sistemas. Entende-se que a construção de um sistema integrado que contemple todos os aspectos da atenção ao paciente oncológico seria um objetivo a ser buscado, sendo um aspecto fun-damental para a viabilidade deste novo modelo de controle do câncer.

Enquanto esta tarefa não fosse concluída, poder-se-ia atenuar o problema com a adoção do Cartão Nacional de Saúde (CNS) para os casos oncológicos,

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o que permitiria minimamente a identifi cação dos pacientes nas diferentes bases de dados. Algumas outras ações poderiam ser desenvolvidas no senti-do de melhorar o sistema de informações, podendo ser citadas melhorias nos sistemas SIA-SUS e SIH-SUS e o fortalecimento dos registros de câncer.

O alívio da dor e cuidados paliativos

A Organização Mundial de Saúde entende a assistência paliativa como uma ação que busca melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares no enfrentamento dos problemas decorrentes de enfermidades potencialmente letais. Deve ser encarada como um dos componentes fun-damentais de qualquer programa de atenção ao câncer.

Um programa adequado de cuidados paliativos deve incluir o alívio da dor e outros sintomas angustiantes, a reafi rmação da vida, o apoio ao paciente para que este possa viver tão ativamente quanto possível até a morte, o apoio para a família fazer frente à enfermidade do paciente e um enfoque de equipe para a abordagem das necessidades do paciente e seus familiares.

Estima-se que a maioria dos pacientes com câncer necessite de cuidados paliativos, sendo que nos países em desenvolvimento esta cifra pode che-gar a 80% dos casos.

Em geral os cuidados paliativos vinculados ao câncer diferem muito pou-co daqueles decorrentes de outras doenças crônicas, podendo ser citados como sendo os principais problemas a serem enfrentados a dor, a dispnéia, o estado confusional, a caquexia e o sofrimento psico-social. Dentro deste contexto, os programas de cuidados paliativos devem ser estruturados para incorporar pacientes portadores de uma série de transtornos crônicos, e potencialmente mortais.

Um programa adequado de alivio da dor e cuidados paliativos pressu-põe ações articuladas, podendo ser citadas: medidas educativas destinadas ao alivio da dor e outros sintomas, capacitação dos médicos e outros pro-fi ssionais da saúde em cuidados paliativos, garantia de assistência domici-liar para os casos avançados, recursos hospitalares que ofereçam apoio às ações e medidas que garantam uma adequada disponibilidade de medica-mentos - analgésicos opióides, não opióides e coadjuvantes, em particular a morfi na, para a administração oral.

A assistência paliativa deve estar bastante articulada com o sistema de saú-de local, sendo de responsabilidade de todos os níveis de atenção (19). Entretan-to, em países com poucos recursos, o mais importante é assegurar a adoção de normas mínimas para o alívio da dor e outros sintomas, além de uma cobertura a mais ampla possível para um programa de assistência domiciliar.

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Considerações fi nais

Conforme explicitado pela OMS, um programa de controle do câncer é um programa de saúde pública destinado a reduzir a incidência e a morta-lidade dos tumores malignos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes oncológicos, mediante a aplicação sistemática e eqüitativa de estratégias baseadas em dados para a prevenção, a detecção precoce, o tratamento e a paliação, fazendo o melhor uso possível dos recursos disponíveis.

A implantação de um programa de atenção ao câncer se faz necessária sempre que a doença tenha importância epidemiológica, exista uma ten-dência crescente dos fatores de risco e seja preciso utilizar recursos escassos de uma forma efi caz. Neste sentido, parece claro que no Brasil, e particu-larmente no Estado de São Paulo, as condições epidemiológicas já descritas referentes à doença apontam no sentido da premência para a defi nição de um novo programa de combate ao câncer.

Apesar disto, a tarefa não é fácil e o caminho é longo. Problemas de diversos aspectos podem ser apontados como obstáculos a serem ven-cidos, sendo que talvez o maior deles diga respeito à carência de recur-sos, resultado do pequeno investimento em saúde realizado pelo Brasil. Soma-se a isto uma estruturação ainda incipiente do SUS, a inadequação dos mecanismos de controle adotados pelo setor público e também um sistema de informações desarticulado, difi cultando ainda mais o planeja-mento adequado das ações.

A experiência já vivenciada por outros países indica que começar em pequena escala é o mais aconselhável, pois, como regra, o êxito gera êxito. Desta forma, a opção de concentrar esforços em um projeto piloto, em uma região que ofereça boas possibilidades de êxito, pode ser uma boa estratégia para a minimização das difi culdades.

De qualquer forma, necessário se faz avançar no sentido de implantar um novo modelo de atenção ao câncer, que contemple os objetivos de redução dos riscos da doença, detecção precoce dos casos, proporcionar terapia curativa e atenção adequada aos pacientes com doença avançada, tendo sempre como foco a redução das desigualdades.

Problemas à parte, diz o ditado que a vida está cheia de desafi os que, se aproveitados de forma criativa, transformam-se em oportunidades.

Referências

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