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WIIHIIjmiBlWMIIIlllM Universidade do Porto Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ENSINO DE CRIANÇAS MULTIDEFICIENTES: o caso de uma criança portadora da síndroma de Cornélia de Lange. Dissertação de Mestrado em Psicologia, realizada sob a orientação do Prof. Doutor Joaquim Bairrão na Área de Intervenção Precoce. Maria Margarida Moreira Ricardo Porto, 2002

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Page 1: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

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Universidade do Porto Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação

SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ENSINO DE

CRIANÇAS MULTIDEFICIENTES: o caso de uma criança portadora da

síndroma de Cornélia de Lange.

Dissertação de Mestrado em Psicologia, realizada sob a orientação do Prof. Doutor Joaquim Bairrão na Área de Intervenção Precoce.

Maria Margarida Moreira Ricardo Porto, 2002

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Universidade do Porto Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação

SUBSÍDIOS P A R A O E S T U D O D A COMUNICAÇÃO E ENSINO DE

CRIANÇAS MULTIDEFICIENTES: o caso de uma criança portadora da

síndroma de Cornélia de Lange.

Dissertação de Mestrado em Psicologia, realizada sob a orientação do Prof. Doutor Joaquim Bairrão na Área de Intervenção Precoce.

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Agradecimentos

A minha primeira palavra de agradecimento vai para o " Manuel", a

criança com quem trabalhei neste caso. Espero, sinceramente, que um dia

tenhas a possibilidade de entender como foste importante.

À Silvia, a quem devo grande parte do que sei sobre comunicação com

crianças multideficientes.

Quero agradecer, também, a todos os que participaram neste trabalho,

em especial à família do " Manuel" e à educadora Daniela.

Ao Professor Doutor Joaquim Bairrão, pela sua sabedoria e

disponibilidade demonstrada ao longo deste trabalho.

Um agradecimento especial à Professora Doutora Isabel Amaral, pelas

sugestões e colaboração dada ao longo do tempo.

À Professora Barbara McLetchie pela sua partilha de saberes e incentivos

para a realização deste trabalho.

À Professora Doutora Manuela Oliveira, pelos seus ensinamentos e ajuda

prestada no trabalho empírico.

À minha família e amigos, pelo apoio, tolerância e compreensão

demonstrada ao longo destes dois anos.

Ao Zé, pelo esforço incansável em me ajudar na revisão dos textos e na

forma determinada que sempre me incentivou, sobretudo nos momentos de

maior desânimo.

À Ana e à Joana, minhas filhas; cada uma à sua maneira me deram

forças e me souberam compreender, estando sempre do meu lado com uma

palavra e um carinho amigos.

A todos um muito obrigado e Bem- hajam!...

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Resumo

É difícil descrever por palavras os sentimentos de um profissional que trabalha

com crianças multideficientes, sem fala, que não utilizem um sistema de

comunicação. Sendo a Fala a forma que o indivíduo mais utiliza para comunicar e

para se relacionar com o meio envolvente, são por demais evidentes as dificuldades

e as limitações das crianças multideficientes sem Fala para comunicar e para

estabelecerem relações interpessoais, de que resultam injustiças e desigualdades

que urge combater.

Comunicar pressupõe, pelo menos, duas pessoas e que ambas conheçam o

processo comum de interacção. Daí que seja frequente diagnosticar em muitos

profissionais que trabalham com estas crianças um sentimento de impotência

quando, confrontados com as prementes necessidades destas pessoas, não

conseguem comunicar com elas por não possuírem um outro meio de comunicação

eficiente para estes casos.

Fundado que foi numa inquietação pessoal e nas necessidades que, neste

capítulo, muitos profissionais sentem e nas dificuldades com que deparam durante o

seu percurso profissional, este trabalho procurou aprofundar conceitos e abordagens

teóricas ao desenvolvimento da comunicação bem como o estudo das metodologias

de caso único, perspectivando a implementação de um sistema de comunicação por

objectos com uma criança multideficiente, que foi o principal objectivo deste estudo.

Assim se pretende dar um contributo positivo para um melhor desenvolvimento

de competências comunicativas com crianças multideficientes sem Fala, através de

um método de ensino estruturado, com estratégias de comunicação simples,

objectivas, adequadas e eficazes.

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Abstract

It's difficult to describe the feelings of a professional who works with multiple disabled children, who don't speak and use no form of communication to express their needs and desires. Since speech is the most common form of communication and of interchange with one's surroundings, the difficulties and the limitations faced by these children are starkingly evident. Limitations and obstacles which lead to an unfair and differentiated treatment that we need to urgently fight against and try to alter.

For communication to take place, it's necessary that there be at least two people who understand the common process of exchanging ideas and thoughts. Consequently, it's quite frequent to identify a feeling of impotence on the part of many professionals who work with multiple disabled children who lack the ability to speak, for the absence of any efficient means of communication which allows the individual to transmit his most pressing needs, make any form of contact between the professional and the child almost impossible.

Founded on a personal feeling of disquiet and the need to overcome the void one feels when faced with such difficulties in our professional field, the aim of this thesis is to study, in greater detail, the concepts and theoretical approaches which deal with the development of communication. Furthermore, the methodologies for unique cases were studied whilst putting into perspective a means of communication for multiple disabled children by using objects.

Thus, it is my wish to make a positive contribution to an improved development of communication skills for multiple disabled children who have no speech capacity, through the use of a structured teaching method and simple, adequate, objective yet efficient communication strategies.

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Résumé

C'est difficile à décrire par des mots les sentiments éprouvés par un

professionnel qui travaille avec des enfants handicapés qui ne parlent pas et

qui utilisent des formes de communication très restreintes. Étant donné que la

parole est le moyen le plus utilisé pour q'un individu puisse communiquer et se

rapporter avec son entourage, dans le cas des enfants handicapés, à cause de

leur manque évident d'interaction communicative, on constate l'existence

d'injustices et d'inégalités qui deviennent le but d'un combat urgent.

La communication a besoin, au moins, de deux personnes et que les deux

possèdent la connaissance d'un code commun pour établir l'interaction.

Fréquemment, les professionnels éprouvent un sentiment d'impotence et de

frustration vis-à-vis les besoins de ces enfants handicapés, car ils se sentent

coincés par le manque d'un système efficient de communication.

En partant d'une inquiétude personnelle et à cause des besoins et des

difficultés des professionnels qui travaillent avec ces personnes, j'ai essayé

d'approfondir les concepts et les perspectives théoriques aussi que les

méthodologies de 'cas unique', ayant par objectif final ('implementation d'un

système de communication qui utilise des objets.

En vue d'un meilleur développement des compétences communicatives

des enfants handicapés qui n'ont pas de langage, mon apport avec ce travail

c'est celui d'utiliser une méthode structurée d'enseignement et des stratégies

appropriées, faciles, objectives et efficaces.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 6

PARTE I- E N Q U A D R A M E N T O TEÓRICO 9

Capítulo 1. Educação Especial e Intervenção Precoce 10

Secção 1.01 Resenha histórica sobre a educação de crianças entre os0e6 anos 11

Secção 1.02 evolução do conceito de educação especial 13

Secção 1.03 Evolução do conceito e dos modelos de intervenção precoce 17 (a) Breve resenha histórica 17 (b) Abordagens fundamentais em Psicologia da Educação 18

(i) ABORDAGEM DESENVOLVIMENTAL 19

(ii) ABORDAGEM COMPORTAMENTAL 19

(m) ABORDAGEM ECOLÓGICA 20

(iv) MODELO TRANSACCIONAL 21

(c) Intervenção Precoce em Portugal 23 (i) ALGUMAS REFERÊNCIAS AO MODELO PORTAGE, EM PORTUGAL 23

(ii) MARCOS E REFERÊNCIAS LEGAIS DA INTERVENÇÃO PRECOCE EM PORTUGAL 24

Secção 1.04 A Intervenção Precoce e a multideficiência 26

Secção 1.05 Métodos para recolha de informação 28 (a) Entrevista 28 (b) Observação 29 (c) Avaliação baseada no currículo 30 (d) Questionários e escalas de avaliação 31

Secção 1.06 Avaliação de crianças multideficientes para intervenção precoce 32

Capítulo 2. Abordagem à comunicação 35

Secção 2.01 Introdução 36

Secção 2.02 Evolução das teorias relevantes da comunicação com crianças

multideficientes 36 (a) Enquadramento conceptual 36 (b) Atributos comuns a vários modelos de comunicação 37 (c) Axiomas exploratórios da comunicação humana 38

Secção 2.03 Teorias do desenvolvimento comunicativo e linguístico 39

Secção 2.04 Comportamento comunicativo a nível não-simbólico 45 (a) Aquisição inicial (do nascimento até aos 9 meses ) 45 (b) Dos nove aos doze meses 46 (c) Sensibilidade para os comportamentos precoces não- simbólicos 46 (d) Componentes da comunicação não-simbólica 49 (e) A comunicação não-simbólica na criança multideficiente 49

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Secção 2.05 Desenvolvimento da comunicação expressiva 53 (a) Níveis de desenvolvimento da comunicação 53 (b) Formas da comunicação expressiva 57 (c) Formas de comunicação alternativa 58

(i) SISTEMAS GESTUO-MOTORES 58

(II) SÍMBOLOS BIDIMENSIONAIS (IMAGENS) 59 (III) SÍMBOLOS TRIDIMENSIONAIS 60 (iv) TECNOLOGIAS ELECTRÓNICAS DE APOIO 62

(d) Selecção de formas de comunicação expressiva 63 (e) Função da Comunicação Expressiva 65 (f) Conteúdos da comunicação expressiva 66 (g) Técnicas de intervenção 68

Secção 2.06 Desenvolvimento da comunicação receptiva 70

(a) Formas de comunicação receptiva 71 (i) OBJECTOS-PISTA 72

(n) PISTAS TÁCTEIS 74

(ni) PISTAS GESTUAIS 74

(iv) FORMAS ABSTRACTAS DE RECEPÇÃO 75

(V) A ESCOLHA DE UMA FORMA RECEPTIVA 76

(b) Funções da comunicação receptiva 77 (c) Conteúdos da comunicação receptiva 79

Secção 2.07 A interacção no contexto natural para o treino da comunicação 81

Capítulo 3. Métodos de Caso Único 83

Secção 3.01 Introdução 84

Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85

Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a) A pesquisa de caso único como método de investigação científica 88 (b) Requisitos metodológicos 90

(i) AVALIAÇÃO CONTÍNUA 90

(ii) LINHA DE BASE 90

(m) PLANOS EXPERIMENTAIS A-B-A-B 92 (c) Vantagens e desvantagens das pesquisas de caso único 93 (d) Generalização dos resultados destas pesquisas 94

PARTE II- ESTUDO DE UM CASO: OBSERVAÇÃO E INTERVENÇÃO COM UMA CRIANÇA PORTADORA DE S.C.LANGE 96

Capítulo 1. Introdução 97

Secção 1.01 Justificação do estudo 98

Secção 1.02 Introdução ao estudo 99

Secção 1.03 Objectivo do estudo 700

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Capítulo 2. A Síndroma de Cornélia de Lange 107

Secção 2.01 Algumas referências sobre a problemática desta Síndroma 102

Secção 2.02 Factores de risco e incidência 102

Secção 2.03 Características das Crianças com a Síndroma Cornélia de Lange 103

Secção 2.04 Desenvolvimento da comunicação e da linguagem 106

(a) Dificuldades no desenvolvimento da linguagem verbal 107

Secção 2.05 Diagnóstico Precoce 108

Secção 2.06 Importância da intervenção precoce 109

Secção 2.07 Procedimentos para melhorar a sua comunicação 111

Capítulo 3. Método utilizado 113

Secção 3.01 Descrição geral 114

Secção 3.02 Amostra 115

Secção 3.03 Instrumentos e procedimentos 115

Capítulo 4. Observação e avaliação 117

Secção 4.01 Metodologia utilizada 118

Secção4.02 Dados de Identificação e composição do agregado familiar 119

Secção 4.03 História médica e dados de anamnese 120

Secção4.04 Desenvolvimento da criança 120

Secção 4.05 Dinâmica familiar e ambiente social 121

Secção 4.06 Observação da criança no jardim de infância 122

(a) Observação Naturalista 122 (b) Observação Sistemática 124 (c) Análise alguns comportamentos comunicativos 126 (d) Conclusão relativa à primeira fase de observação e avaliação 127

Capítulo 5. Primeira fase da intervenção 128

Secção 5.01 Definição de estratégias 129

Secção 5.02 Implementação do programa de comunicação 130

Secção 5.03 Organização da rotina e criação de uma estrutura física 131

Secção 5.04 Criação de uma rotina com indicador de actividade 132 (a) Estabelecimento da linha de base 134 (b) Processo de intervenção 134

(i) ACTIVIDADE : BRINCAR COM LEGO 137 (ii) ACTIVIDADE : HISTÓRIA COM LIVRO 137 (in) ACTIVIDADE DE HIGIENE: LAVAR AS MÃOS 139 (iv) ACTIVIDADE : COMER 140 (v) FOLLOW-UP 141

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Capítulo 6. Discussão dos Resultados e Conclusões finais 142

Secção 6.01 Condicionantes ao trabalho 143

Secção 6.02 Análise crítica dos resultados 144

Secção 6.03 Algumas conclusões 147

Bibliografia Citada ou Consultada 153

ÍNDICE DE QUADROS

□ Quadro 1—Síntese de comportamentos não-simbólicos dos 0 aos 9 meses 45

□ Quadro 2-Síntese de comportamentos não-simbólicos dos 9 aos 12 meses 46

o Quadro 3- Componentes comunicação não-simbólica 49

□ Quadro 4- Sequência das competências comunicativas 54 a Quadro 5 - Formas de comunicação associadas a níveis de comunicação 52-57 a Quadro 6 -Exemplos de símbolos tridimensionais, para crianças com visão reduzida

e crianças multideficientes 62

a Quadro 7- Quadro de objectos-pista funcionais 73

□ Quadro 8-Dados de identificação da criança-caso 119 a Quadro 9- quadro-resumo da observação e avaliação 127

ÍNDICE DE GRÁFICOS

a Exemplo de uma linha de base da frequência de um comportamento que serve para

prever o comportamento futuro 91

a Representação dos dados através da implementação de um plano AB-AB 92

□ Tempo em minutos na actividade brincar com lego 133

□ Evolução da frequência do comportamento meter objecto na boca durante o

processo de intervenção na actividade brincar com lego 135

□ Dados observados na utilização do plano experimental ABAB, para aquisição dos

comportamento analisados na actividade "Brincar como lego". 137

□ Dados observados na utilização do plano experimental ABAB, para aquisição dos

comportamento analisados na actividade "história com livro". 138 □ Dados observados através da utilização do plano experimental ABAB, para aquisição

dos comportamento analisados na actividade "Lavar as mãos". 139

□ Dados observados através da utilização do plano experimental ABAB, para aquisição

dos comportamento analisados na actividade "Comer". 140

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Introdução

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O atendimento de pessoas com deficiência tem sido, ao longo dos tempos,

muito influenciado pelos preconceitos e atitudes da sociedade ou de certos grupos

sociais. Tais posturas têm vindo a alterar-se, especialmente pela influência de

factores económicos, culturais, filosóficos e científicos.

A história da educação especial coincide com a história e com a evolução das

sociedades, reflectindo as perspectivas filosóficas humanistas e socializadoras. Nas

últimas décadas, a tendência das políticas sociais e educativas vai no sentido de

promover a integração e de combater a exclusão das crianças com deficiência,

encontrando-se esta ideia generalizada em quase todas as partes do mundo, o que

se reflecte no papel da educação especial.

A abordagem à problemática da comunicação com crianças multideficientes

também sofreu alterações tendo em conta a evolução da investigação, o apoio

teórico e a maior e melhor informação para melhorar e desenvolver a intervenção

com elas. Os estudos efectuados e a literatura existente têm dado mais ênfase à

forma de avaliação e à implicação da família nos serviços de apoio a estas crianças,

reconhecendo a natureza transaccional da relação entre os pais e profissionais no

processo de avaliação e intervenção (Simeonsson,1993).

Actualmente, a política educativa internacionalmente reconhecida é de carácter

global e baseada nos conceitos e princípios de que todas as crianças deverão

aprender em conjunto, umas com as outras, numa escola aberta, flexível e

abrangente que garanta uma qualidade de ensino para todos.

A escolha desta temática foi motivada pelas grandes dificuldades sentidas, ao

longo da minha actividade profissional de mais de 30 anos, para comunicar com as

muitas crianças que encontrei com graves problemas de comunicação, que

necessitavam de métodos e estratégias diferentes das comuns para desenvolver as

suas competências. Esta inquietação pessoal, também expressa por muitos colegas

de profissão, explica, em parte, o interesse e orientação que me motivaram a realizar

este trabalho o qual, por necessidades de aprofundar conhecimentos, obrigou a

pesquisa e revisão da literatura e a um rigor metodológico no trabalho empírico.

As exigências e especificidades que se colocam aos profissionais que

trabalham com estas crianças motivaram também esta investigação, no sentido de

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encontrar alternativas e ajudas para uma melhor intervenção com as crianças

multideficientes, visando inseri-las na sociedade e melhorar a sua qualidade de vida.

O estudo está organizado em duas partes.

A primeira parte, de enquadramento teórico, é constituída por três capítulos: no

primeiro apresenta-se uma breve resenha sobre a evolução do conceito de

educação especial e da intervenção precoce em Portugal, versando o segundo

capítulo sobre uma análise crítica da literatura sobre a comunicação com crianças

multideficientes; no terceiro capítulo trata-se a metodologia do caso único, que foi

utilizada no trabalho empírico.

Na segunda parte apresenta-se o caso estudado neste trabalho e a

implementação de um programa de comunicação por objectos, seguindo-se uma

descrição dos instrumentos e procedimentos metodológicos. Na apresentação e

discussão dos resultados pretende dar-se um contributo para o conhecimento de

intervenções mais eficazes e dar sugestões para futuros trabalhos que venham a

versar sobre este tema.

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Parte I- Enquadramento teórico

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Capítulo 1. Educação Especial e Intervenção Precoce

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Secção L O I R E S E N H A H I S T Ó R I C A S O B R E A E D U C A Ç Ã O D E C R I A N Ç A S

ENTRE OS 0 E 6 ANOS .

Segundo Bairrão e Tietze (1995), durante o sec° XIX os programas para

crianças em idade pré-escolar em instituição começaram a ser criados em todos os

países da Europa, para o que contribuíram factores sócio-económicos,

nomeadamente, o desenvolvimento da classe média, as consequências da

industrialização e da urbanização, as mudanças na estrutura familiar e o aumento

das mães trabalhadoras.

Em Portugal, ao contrário dos restantes países da Europa Ocidental, a

educação de infância só se desenvolveu a partir dos anos 70. Embora existam

referências sobre a criação de algumas instituições de infância durante a monarquia

(1834), foi necessário mais de um século para a criação de uma rede de Jardins de

Infância dependentes do Ministério da Educação (Gardona , 1997).

Após a revolta liberal, com a expulsão das ordens religiosas, é criada a 1a

instituição pública para crianças , a Sociedade das Casas de Infância Desvalida. Na

época, a educação regular estava quase integralmente dependente da Igreja e só

muito lentamente foi surgindo a educação pública (Lopes, 1997)

Após a implantação da República, (Decreto n° 198, de 25/8/1911) , os

benefícios da "educação de infância" começam a ser reconhecidos como preparação

para o "estudo primário complementar" (Veiga, 1995).

O Estado Novo, após a publicação da Constituição de 1933, extinguiu o ensino

infantil oficial, atribuindo às famílias a responsabilidade da educação formativa das

suas crianças, competindo ao Estado responsabilizar as famílias e incentivar as

iniciativas privadas para a assistência educativa da infância, sob o seu controle. Em

oposição aos conceitos republicanos do homem "naturalmente bom" , esta

concepção assenta nas desigualdades da natureza humana que era preciso " treinar

no bom caminho" (Benavente, 1990J. A educação de Infância passou, assim, a ser

entendida como uma questão de assistência.

Em consequência do movimento que se gerou a partir dos anos 60,

questionando o papel da escola como meio de selecção social, em que as crianças

dos meios sócio-económicos mais desfavorecidos eram as principais vítimas do

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insucesso escolar, alguns políticos trouxeram à discussão a importância da

educação pré-escolar, que culmina com a publicação da Lei 5/73 (Reforma

Educativa de Veiga Simão) que reconhece, por fim, a Educação Pré-Escolar como

oficial e onde se define a nova estrutura do Sistema Educativo Português, passando

ao Ministério da Educação a responsabilidade pela definição dos programas

educativos bem como pelo funcionamento dos Jardins de Infância. Todavia,

comparativamente com outros países europeus, a percentagem de crianças

atendidas no pré-escolar continuava ainda a ser muito baixa (Veiga, 1995)

Após a Revolução de Abril de 1974, foram implementadas medidas legislativas

para uma melhor organização e coordenação dos vários Ministérios envolvidos com

a educação pré-escolar, com o objectivo de proporcionar igualdade de direitos e

oportunidades às mulheres profissionalmente activas ( Dec° lei 542/79). Mais tarde,

com a Lei 5/77, de 1/7, generalizou-se a educação pré-escolar a toda a população,

com a criação da rede oficial destinada a crianças entre os 3 e os 6 anos, mas não

havendo qualquer referência às crianças com idade inferior. Para colmatar essa

lacuna do sistema público, que não assegurava nem respondia a esta necessidade

das famílias, em especial das mais carenciadas; foi implementado pela Segurança

Social o Programa de Amas, que são creches familiares constituídas por grupos de

amas residentes na zona geográfica, enquadradas e assistidas por Educadores de

Infância (Cardona, 1997).

Entre 1974 e 1985 proliferaram diversas iniciativas privadas de solidariedade

social apoiadas pelo Estado, através de compromissos com Ministério da Educação

mediante os quais instituições atenderiam crianças dos 3 aos 6 anos sem condições

ou recursos económicos suficientes, comparticipando o Estado por cada uma.

A Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar (Lei 5/97) clarificou, os conceitos de

rede pública ou privada, cabendo ao Estado promover a expansão de Jardins de

Infância, assegurando gradualmente a sua componente educativa - a educação pré-

escolar passa a ser considerada como a 1 a etapa da educação básica, assumindo o

Ministério da Educação a tutela pedagógica da rede institucional, pública ou privada.

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Secção 1.02 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

Embora a educação seja hoje um direito globalmente reconhecido e aceite, a

história referem muitos exemplos em que nem todos tiveram o direito fundamental à

educação, por serem diferentes.

A educação especial surgiu , de forma sistemática, na 2a metade do sec°. XIX ,

tendo-se desenvolvidos até aos anos 70 como actividade no âmbito dos

conhecimentos práticos. A partir da década de 70, o conceito de educação especial

sofreu uma evolução, definindo-se então como "um conjunto de estruturas de apoio

e adaptações que tem de ser incluídas no sistema regular, para ajudar crianças com

dificuldades no seu processo de ensino e aprendizagem" (Nuria,1992). O conceito

tem vindo a ser utilizado para designar uma actividade educativa diferente da geral

ou normal (Lopes, 1977) e tem sofrido uma evolução crescente no seu significado e

conteúdo, fruto de preocupações e investigações levadas a cabo em várias partes

do mundo.

A história da humanidade sempre referiu a existência de pessoas diferentes

devido a deficiências físicas ou mentais, congénitas ou adquiridas, em relação a

quem a sociedade desenvolveu receios, medos e superstições, bem como a

exclusão que provocou estigmas no indivíduo. De realçar, todavia, que essas atitude

tem evoluído ao longo da história o que, segundo Garcia e Garcia (1998) "reflecte a

maturidade humana e cultural de uma comunidade".

Kaufman ( 1986) afirma que o estudo da educação especial está associado ao

sistema de ideias assim como a à estrutura social em que se insere e se desenvolve.

Enquanto que, para Sonkoff e Meisels (1990), essa mudança nas atitudes e práticas

com crianças deficientes passou por fases bem delimitadas.

Caldwell, citado por Sonkoff e Meisels (1990) identificou três fases evolutivas

nas concepções e modelos de organização da educação especial:

♦ Na 1a fase "forget and hide" (esquecer e esconder), que durou até ao início

do sec° XX, as crianças deficientes eram isoladas e afastadas do público.

♦ Na 2a fase, "screen and segregate" (detectar e segregar), as crianças com

deficiência eram diagnosticadas e classificadas segundo as técnicas

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psicométricas do modelo médico, sendo depois rotuladas e isoladas em

instituições.

♦ A 3a fase, "identify and help " (identificar e ajudar), com início nos anos 70,

é marcada por um esforço na detecção precoce de crianças com

necessidades educativas especiais com o objectivo de lhe proporcionar

serviços de intervenção o mais precocemente possível, por forma a prevenir

a ocorrência de distúrbios mais graves e para apoiar as respectivas famílias,

numa palavra, para aumentar as oportunidades de todas as crianças de se

desenvolverem num contexto regular e natural de educação.

No Reino Unido, o Wamnock Report (1978), defende a "expansão da

educação especial"; segundo este estudo, uma em cada cinco crianças necessita de

educação especial; surge, pela primeira vez, a designação de N.E.E (Necessidades

Educativas Especiais), conceito que valoriza a necessidade do indivíduo e não o

estigma da deficiência.

Da reflexão histórica sobre as práticas de segregação, ficou demonstrada a

necessidade de experiências integradoras, tendo as crianças deficientes passado a

ter direito ao mesmo ambiente escolar e laboral que os não deficientes.

Segundo Garcia e Garcia, E. (1988), " normalizar não é pretender converter em

normal uma pessoa deficiente, mas sim reconhecer os mesmos direitos

fundamentais que os demais cidadãos, do mesmo país da mesma sociedade.

Normalizar é aceitar a pessoa deficiente tal como ela é, com as suas características

diferenciais e oferecer-lhe os serviços da comunidade para que possa viver o mais

normal possível".

O conceito de normalização propagou-se durante a década de setenta nos

países da Europa e América do Norte, caracterizando-se por um investimento e

preocupação com as crianças e pessoas com deficiência. Surgem programas e

treino de professores promovidos pelas Universidades para garantir a todas as

crianças uma educação pública gratuita e adequada às suas necessidades.

Nesta forma de pensar e estar em educação especial, produziram-se

importantes progressos no âmbito social e legal. Os direitos dos deficientes têm

vindo a ser traduzidos em legislação, para que tenham oportunidades de atingirem

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competências que lhe assegurem a entrada no mercado de trabalho, afim de lhes

ser assegurada a autonomia e a satisfação das suas necessidades básicas.

A educação de crianças deficientes em Portugal iniciou-se com a criação de

instituições para o atendimento de deficientes sensoriais no âmbito da visão e da

audição, com cariz de asilo-escola e com fins fundamentalmente assistenciais ,

sendo a deficiência apenas abordada numa perspectiva médica e psiquiátrica.

Tendo sido introduzida a escolaridade obrigatória no início do sec° XX,

passaram a ser detectados numerosos alunos com deficiências que tinham

dificuldades em seguir o ritmo normal e em conseguir um rendimento semelhante ao

dos companheiros. Em consequência, é institucionalizada a educação especial,

baseada nos níveis de capacidade intelectual e diagnosticada em termos de

quociente intelectual. As crianças com Q.I. abaixo da média eram retiradas e

rotuladas de atrasadas , sendo, depois, inseridas em classes especiais.

O Estado desresponsabilizou-se pela Educação de Deficientes, publicando, em

1952, legislação que dispensava as crianças deficientes da frequência escolar

obrigatória, bastando para isso a apresentação de atestado médico comprovativo.

Na década de 70, em especial a partir de 1976, com a criação das Equipas de

Educação Especial do Ministério da Educação, são dados passos importantes no

sentido do apoio por profissionais especializados, em regime de integração, a

crianças portadoras de deficiência ou com NEE.

A educação especial não se pode ver de forma isolada mas dentro do contexto

do sistema educativo em geral, o que só veio a acontecer em Portugal com a

entrada em vigor da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 46/86, de 14 de

Outubro). Este diploma, em especial os seus art°s 17° e 18°, estabeleceu e definiu

um conjunto de meios pelos quais se devia concretizar o direito à educação.

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de 9 de Março de 1990,

sugere que se criem condições de igualdade de oportunidades para todas as

crianças deficientes no acesso à educação.

Também as Resoluções tomadas pelo Conselho de Ministros da Comunidade

Europeia em 31 de Março de 1990 tinham, também, por objectivo intensificar

medidas de integração dessa crianças no sistema regular de ensino.

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A incorporação destas resoluções no direito português foi feita pela publicação

do Dec0 Lei 319/91, de 23 de Agosto, que as veio operacionalizar, através de

procedimentos concretos. Embora não faça ainda referência à educação de crianças

em idade precoce, os pressupostos que estão subjacentes traduzem alterações

importantes na forma de percepcionar as crianças com necessidades educativas

especiais bem como nos princípios orientadores e nas propostas de intervenção ao

nível do ensino básico e secundário.

Com a Lei-Quadro da Educação Especial (Lei 5/97) e com sua

regulamentação subsequente contida na Portaria 52/97 e no Despacho Conjunto

105/97, ao Ministério da Educação passou a estar incumbido de oferecer mais

oportunidades de acesso e melhor condições educativas para as crianças com

necessidades educativas especiais.

O Despacho conjunto 105/97 introduziu o conceito de "apoio educativo".

Passou-se, então, de uma perspectiva só orientada para o aluno para uma

intervenção mais orientada para a comunidade educativa: a prioridade da

intervenção dos profissionais especializados são os docentes de turmas do ensino

regular com alunos com N.E.E e, só depois, o próprio aluno, mas sempre no âmbito

da turma. A evolução destes serviços tem sido positiva e o Ministério da Educação

tem alargado, progressivamente, a sua capacidade de atendimento às crianças dos

0 aos 6 anos.1

Todavia, os progressos verificados em termos de recursos humanos e

materiais são ainda limitados e existem lacunas que urge colmatar, de que se

destacam a descoordenação entre os diferentes serviços e instituições que actuam

no apoio a estas crianças, que têm perspectivas e objectivos distintos entre si. Uma

outra lacuna importante situa-se ao nível do aproveitamento dos recursos afectos,

sejam humanos sejam materiais, com destaque para pobreza das equipas do

Ministério da Educação, exclusivamente constituídas por Educadores, sem acesso a

outras valências, facto que limita a inexistência de propostas de intervenção mais

adequadas.

Aguardam-se, entretanto, as implicações neste domínio das medidas de descentralização para as autarquias recentemente anunciadas pelo actual Governo.

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Secção 1.03 EVOLUÇÃO DO CONCEITO E DOS MODELOS DE INTERVENÇÃO

PRECOCE

(a) Breve resenha histórica

Nos últimos anos, tem-se assistido a um interesse crescente e a uma enorme

mudança na abordagem teórica e empírica no que se refere à intervenção precoce,

tal como em outros ramos de investigação.

O debate de ideias sobre as práticas de intervenção e as necessidades das

famílias de crianças com necessidades educativas especiais, levou a uma mudança

na filosofia nos serviços e práticas de intervenção precoce - de um modelo de

intervenção centrado na criança, passou-se para um modelo centrado na família.

O modelo de intervenção centrado na família vem, assim, corresponder ao

paradigma actual de intervenção precoce que tem como filosofia a concepção de

que o desenvolvimento da criança se processa dentro do sistema familiar, em

permanente mudança, gerado a partir das interacções e características de todos os

membros da família. Contrariamente ao modelo tradicional, este novo modelo vem

permitir aos pais um papei activo em todas as fases do processo do programa

educativo de intervenção e em todas as tomadas de decisão.

Na década de 60, iniciaram-se nos EUA os primeiros programas de intervenção

precoce. Visavam uma educação compensatória e tinham como objectivo ajudar as

crianças pobres nos primeiros anos de vida. Acreditavam os pesquisadores que uma

intervenção nesse período de vida teria efeitos de prevenção e de remediação.

O programa mais conhecido foi o "Head-Start", cujos trabalhos foram sujeitos a

uma avaliação criteriosa durante a década de 70. Estudos efectuados durante essa

década levaram à tomada de consciência da importância da natureza transaccional

e ecológica no processo de desenvolvimento humano.

Uma referência importante no que respeita à Intervenção Precoce foi o "Modelo

Portage para Pais" que teve a sua origem nos EUA, em 1969, em Portage,

Winsconsin. Surgiu das necessidades de encontrar alternativas para as dificuldades

encontradas nos serviços de educação especial para o atendimento de crianças com

deficiência, em idade precoce. Assentava no apoio domiciliário de carácter psico-

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educacional, valorizando o papel dos pais como co-participantes na implementação

dos programas de intervenção , com a presença de um técnico domiciliário. Nos

anos 70, este modelo foi difundido no Ganadá, em Inglaterra e em outros países da

Europa, assim como na Ásia e na América dos Sul (Veiga, 1995).

Iniciou-se, então uma nova era na concretização de Programas de intervenção

Precoce que se reflectiram em novas concepções acerca das crianças com

deficiências, das suas famílias e sobre o papel dos profissionais. O conceito

"Intervenção Precoce" passou a ser entendido como um conjunto de serviços para

crianças com necessidades educativas especiais e suas famílias, influenciando,

assim, as tomadas de decisão e opção dos profissionais .

Para Bailey & Wolery (1992), Intervenção Precoce é, hoje, um vasto conjunto

de investigações que se caracteriza por contributos e perspectivas teóricas e

filosóficas cujo estudo é de grande relevância.

(b) Abordagens fundamentais em Psicologia da Educação

Pretendem documentar-se, de forma sucinta, alguns aspectos teóricos sobre a

evolução dos modelos e das teorias mais relevantes para a intervenção com

crianças e com as respectivas famílias, referenciando as três perspectivas

fundamentais na Psicologia da Educação: desenvolvimental, comportamental e

ecológica, com referência ao modelo transaccional.

O interesse dos enquadramentos teóricos reside em que eles servem para

fundamentar as práticas.2 Para um melhor entendimento destas perspectivas

filosóficas, é importante referir, ainda que de uma forma breve, os modelos teóricos

relativos ao desenvolvimento da criança e à aprendizagem que está subjacente às

práticas de intervenção precoce.

A título de exemplo, o modelo A.C.A. - Análise Comportamental Aplicada- serve para a análise de tarefas, ensino

sequenciado, etc.. e o transaccional / ecológico para a elaboração de currículos com envolvimento das famílias

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( i ) A B O R D A G E M D E S E N V O L V I M E N T A L

Nesta abordagem, o crescimento e o desenvolvimento da criança é atribuído

sobretudo a factores maturacionais - a criança, quando nasce, tem capacidades

físicas e cognitivas; à medida que cresce, estas capacidades vão-se desenvolvendo,

permitindo assim um melhor desempenho. As estruturas cerebrais desenvolvem-se

e vão permitir um funcionamento intelectual e emocional mais complexo e integrado.

Os defensores desta perspectiva desenvolvimental, acreditam que estas

capacidades intrínsecas para explorar o meio ambiente são o produto da maturação

das interacções da criança com o meio físico e social.

O pediatra e psicólogo Arnold Gesell, foi um grande defensor desta

perspectiva, realizando estudos acerca das competências de desenvolvimento das

crianças normais e das crianças com síndroma de Down (Gesell, 1929, cit. Bessa

1999). Também Piaget defende que a criança demonstra que progride, através da

sua maturação cognitiva e na sua capacidade de dominar conceitos cada vez mais

complexos, marcados por estádios de desenvolvimento que caracterizam o

pensamento e a sua actividade. De uma maneira geral, os defensores desta

perspectiva acreditam que a criança nasce com uma motivação intrínseca para

explorar e dominar o seu meio ambiente, reconhecendo, embora, o papel das

experiência e práticas educacionais como facilitadoras do seu desenvolvimento.

Os trabalhos de Jean Piaget e de Vygostsky, seu contemporâneo, foram

contributos importantes no desenvolvimento das teorias da perspectiva

desenvolvimental, mas que se encontram na génese de outros modelos,

nomeadamente, o orgânico - sistémico e o transaccional ( Altman & Rogoff, 1987)

(ii) ABORDAGEM COMPORTAMENTAL

Nesta abordagem, a aprendizagem é o aspecto mais importante no

desenvolvimento das crianças - estas nascem com capacidades para aprender e vão

adquirindo comportamentos através de interacções ou trocas com o meio que as

cercam.

Os defensores desta perspectiva acreditam que a aprendizagem é um

acumular de associações estímulo-resposta, o que pressupõe repetição e exercício.

É através dos reforços e repetições em interacção com o meio ambiente que a

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criança aprende comportamentos. A criança é tida como um receptor passivo do

conhecimento e este é adquirido através da imitação e prática, sendo interiorizado

através de processos de castigo e recompensa.

Bairrão (1992), considera que a Análise Comportamental Aplicada, que se

inspira nessa perspectiva, permite, simultaneamente, gerir o uso de estratégias

diversas, facilmente aplicáveis nos contextos educacionais, e, paralelamente,

introduz determinado rigor metodológico na investigação, uma vez que os resultados

se baseiam na medida simples e directa do comportamento.

A análise Comportamental aplicada vai ter grande influência e utilização na

educação, em especial no que se refere ao controle de comportamentos

inadequados, organização de currículos, ensino de competências e gestão do tempo

na sala de aula (Raybould, 1984, cit Bairrão, 1992)

(iii) ABORDAGEM ECOLÓGICA

Nesta abordagem, o desenvolvimento resulta das interacções e transacções

complexas que se estabelecem ao longo do tempo entre a criança e o meio

ambiente - o desenvolvimento da criança deve ser compreendido e analisado no

contexto do sistema familiar onde a criança e a família se desenvolve e nunca se

pode ver de uma forma isolada.

Do mesmo modo, as famílias também estão inseridas em outros sistemas,

como seja: vizinhos, comunidade, estruturas sociais, políticas e religiosas.

Determinar as competências da criança, conhecer as características do meio

ambiente, necessidades, recursos e expectativas da família, são referências de

orientação importantes para práticas eficazes em Intervenção Precoce.

Estes modelos tiveram grande influência na educação das crianças com necessidades educativas especiais e suas famílias nas últimas décadas.

Tradicionalmente, os pais de crianças deficientes eram vistos como focos de

perturbação emocional para a criança e eram descritos em termos de culpabilidade,

ansiedade incontrolada, superproteção, rejeição; em consequência, o tipo de

abordagem ou intervenção estava condicionada ao modelo vigente (modelo

patológico) procurando soluções para as crianças, sem envolvimento nem

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participação efectiva dos pais nos programas de educação dos filhos ; por outro

lado, não se investia no reforço das suas capacidades parentais.

Hoje, assiste-se a uma evolução da avaliação e da intervenção em termos

curriculares - de um modelo de ensino centrado na criança, para um modelo de

ensino centrado na família.

Com o avanço dos trabalhos de investigação, foi-se dando cada vez mais

importância às interacções mãe-bebé e à influência desta no processo de

desenvolvimento da criança. Segundo Barker (1968), cit. por Bairrão (1992), os

comportamentos das crianças poderão ser prognosticados de modo mais correcto,

se forem observadas nos contextos em que se inserem, em vez de, exclusivamente,

a partir das suas características individuais.

A importância dos trabalhos de Bronfenbrenner (1979), levaram a desenvolver

programas de intervenção precoce centrados na interacção, nos quais a criança

passou a ser considerada em relação aos seus contextos de vida e, por

conseguinte, enquadrada na família e na comunidade. O enfoque, que antes era

quase exclusivo na criança, passou a centrar-se na família e na comunidade

envolvente. Os programas de intervenção reflectem, agora, uma viragem no papel e

no interesse demonstrando pelas famílias, o que traduz uma mudança para uma

perspectiva ligada aos sistemas ecológicos que enfatizam o papel da família e da

comunidade no desenvolvimento da criança ( Powell, 1988).

(iv) MODELO TRANSACCIONAL.

No modelo Transaccional (Sameroff & Chandler, 1975; Sameroff & Fiese,1990;

Sameroff & Fiese, 2000) enfatizam-se as variáveis de contexto. O desenvolvimento

da criança é visto como o produto das interacções dinâmicas e contínuas com a

experiência proporcionada pela família e o contexto social. Os programas de

intervenção precoce não podem ter sucesso se as mudanças forem feitas só e

exclusivamente na criança.

Os autores acima citados referem que o produto do desenvolvimento da

criança em qualquer estádio de desenvolvimento não é uma função da condição

inicial da criança, nem da condição inicial do meio ambiente, mas antes uma função

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complexa das interacções entre criança e meio ambiente, ao longo do seu

desenvolvimento.

Mais do que um somatório de interacções e transacções, estes produtos finais

são uma função de como o indivíduo interpreta, percebe e define as suas

experiências.

Este modelo, apresenta-nos uma organização social que regula a forma como

o indivíduo se adapta à sociedade. Essa organização é similar à organização

biológica do genótipo, a que se deu o nome de "environtype" (mesótipo),3 que opera

através de padrões de socialização, familiares e sociais ( Sameroff & Fiese, 2000).

O "código cultural" organiza o sistema que é usado pela criança para a sua

educação, regulando o ajustamento do indivíduo ao sistema social. O "código

familiar" organiza o indivíduo dentro do sistema familiar; esta regulação no

desenvolvimento da criança é feita através de uma variedade de processos como

seja: histórias, rituais, mitos e paradigmas. No "código individual", o profissional deve

reconhecer os pais como fonte de regulação fundamental e interpretar, de forma

individualizada, os códigos familiares e culturais, reconhecendo-se, no entanto, que

o comportamento parental tem as suas raízes nos outros dois códigos já referidos

(Sameroff & Fiese, 1990)

Estes autores sugerem que os profissionais devem também aplicar um modelo

transaccional de intervenção, encarando as situações como produto das

experiências e das percepções dos participantes acerca dessas experiências.

Intervenção eficaz é a que toma em consideração múltiplos efeitos e

perspectivas e aplica estratégias em múltiplos sistemas. O modelo transaccional

reforça a complexidade do desenvolvimento humano: os factores relacionais e

contextuais mais importantes são sobretudo aqueles que se encontram relacionados

com a família e com factores externos que influenciam a dinâmica familiar, sendo a

família o principal contexto de desenvolvimento da criança, independentemente da

deficiência, risco ou nível de desenvolvimento.

Tradução proposta por J. Bairrão.

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Estes modelos teóricos tiveram grande influencia nas práticas de educação

parental.

Enquadrados pelo modelo ecológico de desenvolvimento de Brofenbreenner,

tem-se assistido a uma evolução dos currículos para crianças com necessidades

educativas especiais e suas famílias, em termos de intervenção, estratégias,

avaliação e programas.

(c) intervenção Precoce em Portugal

As importantes medidas tomadas nos anos 70 na Educação Especial tiveram

consequências em Portugal, que se vieram a traduzir na valorização dos programas

de intervenção Precoce, que ocorreu na década de 80.

Em 1981, por ocasião das comemorações do "Ano internacional do Deficiente",

o Estado, através do envolvimento conjunto dos Ministérios da Educação e da

Segurança Social, deu passos importantes no sentido de mobiliar e organizar

recursos para o diagnóstico precoce, especialmente nas áreas de da saúde, que

possibilitou a identificação de crianças elegíveis para serviços adequados de

Intervenção Precoce.

(i) A L G U M A S REFERÊNCIAS AO MODELO PORTAGE, EM PORTUGAL

Conhecida que era a sua eficácia, o modelo Portage foi introduzido em

Portugal , em meados dos anos 80, pela iniciativa do DSOIP (Direcção de Serviços

de Orientação e Intervenção Psicológica) do CRSS de Lisboa, com o apoio da

Fundação Gulbenkian.

Previamente, o modelo foi estudado, avaliado e adaptado, tendo sido também

ministrada formação e estágio a técnicos da equipa daquele organismo em Inglaterra

e na Universidade da Garolina do Norte, nos EUA. Mais tarde, esse técnicos

promoveram a divulgação e a formação sobre o modelo junto de outras Instituições e

dos respectivos profissionais. De referir, também, a importância que a Associação

Portage, entretanto criada em 1992, teve na difusão e dinamização da

implementação do modelo por todo o País.

Esta forma de intervenção, que tem como os Pais como principais agentes educativos e, por isso, parceiros dos técnicos na educação das crianças com

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deficiência, representa um ruptura importante com a prática existente e com a a

filosofia que lhe era subjacente - de uma prática baseada em critérios

essencialmente médicos e centrada nos técnicos, passou-se a considerar os pais

como interventores no contexto natural da criança, integrados no grupo de técnicos,

com uma organização e uma avaliação contínua e sistemática.

Segundo Bairrão e Alves (1999), a partir dos anos 90 a perspectiva

comportamental, principal filosofia do programa Portage original, mais centrado na

criança, dá lugar a uma perspectiva ecológica, mais centrada na família, de acordo

com o modelo ecológico-sistémico.

(ii) MARCOS E REFERÊNCIAS LEGAIS DA INTERVENÇÃO PRECOCE EM PORTUGAL

A Lei 46/86 -Lei de Bases do Sistema Educativo- e outras medidas legislativas

subsequentes, foram essenciais na expansão de projectos e serviços de

atendimento a crianças com necessidades educativas especiais, em idade precoce,

e suas famílias.

Em 1991, foram implementados, a título experimental, três projectos de

Intervenção Precoce cujo enquadramento conceptual visava a intervenção centrada

na família (Silva, 1996). Estes projectos, que não tiveram continuidade nem foram

alargados a outras zonas de intervenção, procuravam implementar um modelo de

atendimento baseado em "Salas de Intervenção Precoce", em apoio domiciliário ou

soluções mistas, de acordo com as necessidades das crianças e das suas famílias.

A portaria 52/97, publicada na sequência da Lei-Quadro da Educação Especial

(Lei 5/97), reconhece, formalmente, um conceito operacional de intervenção

precoce, enquanto "actividades desenvolvidas em articulação com as Equipas de

Educação Especial, dirigidas às famílias e às crianças entre os 0 e os 6 anos, com

deficiência ou em situação de alto risco, em complemento da acção educativa

desenvolvida no âmbito dos contextos educativos normais, formais ou informais, em

que a criança se encontra inserida."

O Despacho 105/97, já referido, também incorpora referências à Intervenção

Precoce. É o que dispõe o seu art.0 14° que se refere ao papel a desenvolver pelas

E.C.A.E. (Equipas de Coordenação dos Apoios Educativos), na promoção, no

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desenvolvimento e na coordenação das diferentes iniciativas locais no âmbito das

diferentes modalidades de intervenção precoce.

Em finais de 1999, o Despacho Conjunto 891/99 dos Ministérios da Educação,

Saúde e do Trabalho e Segurança Social veio definir "as orientações que regulam a

intervenção precoce para crianças, com idades entre os 0 e os 6 anos, em especial

até aos 3 anos, com deficiência ou em risco de atraso grave de desenvolvimento, e

para as suas famílias".

A legislação portuguesa em vigor, como se referiu, prevê a intervenção com

enfoque na família e no contexto natural da criança, inserindo-se por isso nas

correntes e modelos actualmente defendidos em Intervenção Precoce dos quais se

fez referência. Ao enfatizar o contexto familiar como unidade funcional da

comunidade, os objectivos de Intervenção Precoce previstos nos diplomas referidos,

apontam para uma perspectiva transacional-ecológica.

Não sendo um objectivo deste trabalho a análise ou estudo da regulamentação

dos procedimentos em Intervenção Precoce, julgou-se oportuno e útil realçar a

importância de alguns marcos referenciais neste capítulo.

Por outro lado, também não tratamos nem sabemos em pormenor as

consequências desta legislação ao nível pragmático e funcional, nas equipas

intervenção directa e na sua articulação com as E.C.A.E., mas a nossa prática não

encontramos essa articulação, sendo de registar, todavia, a preocupação de

descentralizar os Serviços de Intervenção Precoce,.

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Secção 1.04 A INTERVENÇÃO P R E C O C E E A MULTIDEFICIÊNCIA.

Apesar dos progressos verificados no sistema legal no que respeita ao

atendimento educativo de crianças com N.E.E, com idades entre os 0 aos 6 anos, as

crianças multideficentes constituem um grupo muito heterogéneo, com

características e contextos muito particulares e o seu sucesso educativo depende de

uma rigorosa identificação e avaliação das suas características bem como das suas

necessidades e capacidades específicas.

Segundo Chen & Dote-Kwan, cit. por Nunes (2001), as crianças com

multideficiência são "indivíduos com atraso mental severo ou profundo, com uma ou

mais deficiências sensoriais ou motoras e/ou necessidade de cuidados especiais".

Cada criança multideficiente não é um somatório ou associação de deficiências; as

crianças multideficentes são um grupo muito específico de indivíduos com

características distintas e particulares. A sua inclusão no sistema regular de ensino é

um grande desafio para as famílias bem como para os educadores e os outros

profissionais que venham a lidar com elas.

O desenvolvimento do trabalho com esta população exige um bom nível de

colaboração e de coordenação entre a família e os profissionais envolvidos no plano

de ensino e de desenvolvimento.

Por outro lado, a especificidade destas crianças requer a existência

coordenada de uma equipa multidisciplinar que intervenha na avaliação e na

implementação do programa educativo, o que possibilitará minorar o isolamento e a

incerteza com que se debatem os Pais e Educadores destas crianças. A família e o

educador serão sempre os principais interventores, competindo aos outros técnicos

a colaboração no processo de avaliação ou na definição de estratégias específicas a

implementar nos ambientes naturais dessas crianças (Nunes, C, 2001).

Muitas crianças com multideficiência apresentam dificuldades em se envolver e

em explorar o meio ambiente, bem como em resolver problemas e em fazer

escolhas; apresentam problemas específicos de aprendizagem, requerendo mais

tempo para processar a informação, necessitando de receber sistematicamente dos

adultos "informação apropriada à sua idade e também às suas capacidades de

participação activa e significativa nas situações de rotina diária".

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As questões que permitem avaliar os efeitos dos programas de intervenção

precoce com crianças com N.E.E e sua família são comuns às crianças

multideficientes; também para esta população é necessário avaliar os serviços

prioritários e os desafios metodológicos que se colocam. Bailey et ai. (1988)

sugerem que as medidas a utilizar devem abranger um conjunto de serviços a

prestara às crianças e respectivas famílias, que reputam indispensáveis para um

bom desempenho, considerando os aspectos seguintes:

♦ Qualidade dos serviços no âmbito de apoio educativo, terapias várias,

assim como de outros serviços, nomeadamente os sociais e os de saúde;

♦ Qualidade dos serviços, medida em termos da atitude dos profissionais;

♦ Em que medida os Pais consideram que os serviços influenciam o

desenvolvimento da criança;

♦ Se os objectivos estabelecidos para a criança e família, no plano dos

serviços individualizados, foram atingidos.

Estas questões, e outras já referidas, podem considerar-se como princípios

orientadores para o trabalho com crianças multideficientes, sem esquecer que as

estratégias educativas adequadas a um determinado indivíduo poderão não o ser

para outro, o que dificulta a generalização no sentido de encontrar a abordagem

mais correcta, igual para todos. Ainda assim, há alguns princípios indispensáveis

que podem e devem ser seguidos para servir de orientação à intervenção, de que se

destacam os métodos de recolha de informação e de avaliação das crianças

multideficentes.

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Secção 1.05 MÉTODOS PARA RECOLHA DE INFORMAÇÃO

Investigações levadas a cabo, sobretudo a partir da década de oitenta, levaram

ao enriquecimento da recolha de informação sobre as necessidades da criança e da

família e a enquadramentos conceptuais importantes.

Bailey & Simeonsson (1988), Dunst, Trivette & Deal (1988) proporcionaram

instrumentos preciosos de avaliação no contexto da implementação de programas

de intervenção precoce.

Contudo, estes instrumentos não proporcionam informação suficiente e

detalhada para desenvolver um sistema de comunicação com crianças

multideficientes apropriado. Uma avaliação apropriada para o desenvolvimento de

um sistema de comunicação, deveria avaliar as seguintes áreas funcionais:

cognição, funcionamento motor, capacidades sensoriais, linguagem e comunicação

da criança, actuais e perspectivas para o futuro (Musselwhite & St. Louise, 1982, cit.

Helmstetter & Baumgart,1990).

Para avaliar as necessidades da criança e família é necessário mais do que um

instrumento de avaliação, afim de se obter o máximo de informação da criança e

família Por isso, no âmbito deste trabalho, serão considerados e utilizados alguns

instrumentos de avaliação, que se descrevem a seguir.

(a) Entrevista

Este método de recolha de informação tem a vantagem de se adequar a

diferentes situações e de se obter informação para iniciar um processo de trabalho.

A entrevista pode ter uma estrutura formal ou informal, com questões abertas e

fechadas permitindo uma recolha de dados de extrema importância.

A forma como irá decorrer a entrevista depende dos objectivos do

entrevistador. Este deverá definir o tipo de informação a recolher e a discutir, o

tempo que esta demorará, e o destino final a dar à informação recolhida.

O entrevistador, como sugere Winton (1988), deve fazer um bom uso das capacidades de comunicação, deve saber escutar e deve colocar as questões apropriadas.

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A entrevista deve ter a flexibilidade suficiente para permitir às famílias e aos

profissionais seguir tópicos de interesse que podem ocorrer ao longo da

conversação.

Deve também ser estruturada de modo a permitir assegurar que os objectivos

da entrevista são alcançados.

Finalmente , deve-se fazer uma síntese dos assuntos tratados, de forma a

rever e compreender a informação obtida de forma compreensiva para os pais e

profissionais.

(b) Observação

" Ao observarmos temos um objectivo em vista: Melhorar o ensino e a

aprendizagem. Para atingir esse objectivo necessitamos de ver com olhos de ver o

que acontece dentro e fora da sala de aula a fim de analisar os alunos, o seu

relacionamento consigo próprios, com o professor, com a escola, com a família, com

a sociedade e com o conhecimento. E tudo isto no seu processo de aprendizagem."

(Tavares e Alarcão, 1995, p.188)

Observar consiste, pois, em recolher informação sobre o objectivo considerado,

sem formar a priori opiniões ou juízos de valor sobre ele.

A observação também é um método de recolha de dados; apesar de terem sido

desenvolvidas uma série de técnicas apara a observação, a essência do seu

procedimento é o de recolha de informação para ser analisada.

A observação deve ser feita em contextos naturais ( em casa e na sala de aula)

individualizada ou em grupo. Deve-se registar tudo o que se observa num

determinado período de tempo para documentar o que acontece. Este registo é

muito útil, quando o profissional está interessado no que a criança faz e como faz.

Ao observar determinada capacidade de desempenho, devemos ter em

atenção as competências físicas da criança em termos de adequação às tarefas e

em termos de contextos.

A observação deverá ser objectiva, no pleno sentido do termo, não se limitando

à sala de aula. Para que o educador observe de uma forma objectiva e precisa,

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deverá possuir conhecimentos, formação e treino nas técnicas de registo que melhor

se adaptem à situação.

A observação permite ao educador/professor:

♦ Conhecer o contexto sócio-educativo da criança ;

♦ Avaliar, constantemente, a relação entre as práticas pedagógicas e a

mudança nas atitudes, opiniões e conhecimentos da criança;

♦ Colaborar com os pais e com outros profissionais ligados à educação da

criança;

♦ Implementar um programa adequado para a criança e família.

(c) Avaliação baseada no currículo.

Para uma melhor planificação da intervenção, é bastante útil a avaliação

baseada no currículo. Este tipo de avaliação permite traçar o progresso da criança

ao longo de um contínuo de objectivos, com uma sequência de perfil de

desenvolvimento da criança. Esta forma de avaliar ajuda a verificar as competências

actuais da criança, obtendo-se dados que informam se a criança adquiriu

determinada competência, normalmente adquirida pelas crianças da mesma idade.

Alguns autores referem limitações neste tipo de avaliação.

Na verdade, apesar de ser útil para avaliar todas as áreas de desenvolvimento,

esta não se pode considerar como única forma de avaliação, uma vez que os

currículos têm sequências de items muito diferentes relativos ao mesmo domínio de

desenvolvimento. Alguns não apresentam boas sequências de aprendizagem e

como tal não se pode validar ou testar a sua fidelidade.

Contudo, podem ser utilizados para identificar áreas de desenvolvimento ou

determinadas competências apropriadas para cada criança no processo de

intervenção.

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(d) Questionários e escalas de avaliação.

Ao longo das últimas décadas de investigação, foram construídos questionários

e escalas de avaliação que, de uma forma mais objectiva, permitem recolher

informação sobre as reais necessidades, problemas e capacidades das crianças e

suas famílias.

Estes instrumentos têm permitido trabalhos de investigação na área de

intervenção precoce e no trabalho centrado na família.

Os mais utilizados no contexto da intervenção precoce são, entre outros :

♦ Inventário das necessidades da família de (Bailey & Simeonsson, 1988) ;

♦ Escala do estilo de funcionamento da família de (Dunst, Trivette &

Deal, 1988)

♦ Na comunicação, a escala de comunicação pré-verbal de Kiernan & Reid.

Apesar desta formas variarem na sua extensão, todas elas enfatizam a

necessidade dos pais e outros responsáveis indicarem as suas necessidades e se

gostariam de receber serviços relacionados com as questões que lhes foram

formuladas.

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Secção 1.06 AVALIAÇÃO DE CRIANÇAS MULTIDEFICIENTES PARA

INTERVENÇÃO PRECOCE

A avaliação tem como função recolher informação relevante com o objectivo de

uma tomada de decisão para a planificação da intervenção com a criança e a

família.

Tradicionalmente, a avaliação era centrada na criança e era feita pelos

profissionais, sendo o ênfase dado ao nível de desenvolvimento da criança. Por

vezes, era baseada em testes formais para estabelecer um diagnóstico de

categorização e comparavam-se os conhecimentos acerca do desenvolvimento

normativo.

A avaliação assim concretizada, colocava o ênfase na identificação das

deficiências da criança, reflectindo a perspectiva dos traços que identificam e

enfatizam as características e processos individuais.

Segundo Bairrão (1994), a tendência actual em intervenção precoce remete os

profissionais para uma avaliação centrada na família, na criança e nos contextos

onde esta se desenvolve.

Os contributos e reconhecimento de um processo transaccional de

desenvolvimento, valorizando uma perspectiva ecológica, apontam para uma

avaliação contextualizada nos cenários da vida, salientando as variáveis do sistema

que têm maior ênfase no desenvolvimento da criança.

A reflexão feita acerca desta problemática e a necessidade de resolução de

alguns problemas associados às tendências tradicionais de avaliação da criança,

permitiram clarificar de uma forma mais explícita os objectivos da avaliação no

contexto da intervenção precoce.

Bailey & Wolery (1992), sugerem que o processo de avaliação deve seguir os

seguintes passos:

1. Determinar a elegibilidade das crianças para um programa de serviços de

intervenção precoce.

Os critérios de elegibilidade, prendem-se com a natureza e falta de recursos,

que são limitados.

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As crianças alvo de intervenção devem ser as crianças com deficiência ou em

risco biológico ou ambiental e atraso de desenvolvimento.

Para a definição destas condições é necessário recorrer a profissionais de

diversas áreas e utilizar instrumentos para obter informação relevante; além

disso, é imprescindível a capacidade do avaliador em relacionar os resultados

obtidos na avaliação inicial com as necessidades e circunstâncias da criança,

de modo a obter uma melhor adequação de ambientes alternativos compatíveis

com as necessidades e preferências das famílias.

2. Identificar objectivos de intervenção adequados e funcionais.

Para atingir estes objectivos, é necessário um conhecimento das expectativas

da família e uma análise do contexto familiar, escolar e comunitário, afim de

possibilitar uma intervenção adequada.

3. Identificar estilos únicos de interacção criança- família.

A organização de uma planificação, para uma intervenção individualizada

eficaz, exige o conhecimento das preferências da criança nas actividades e

suas competências, comportamentos relevantes e o conhecimento das

interacções entre pais e criança.

4. Identificar os objectivos dos pais para os filhos, assim como as necessidades

destes.

Tradicionalmente, eram os profissionais a definir os objectivos e estratégias

para cada criança. Os modelos actuais enfatizam a importância de envolver a

família no processo de identificar as suas preocupações, assim como os

objectivos para a criança ou outros membros da família.

Quando os pais são envolvidos no processo de avaliação e as suas

necessidades e prioridades são entendidas pelos profissionais, será provável

que os objectivos de intervenção reflictam as reais necessidades da criança .

5. Construir e reforçar o sentido de competência dos pais.

A ênfase é colocada nas competências e potencialidades dos pais, reforçando

o conhecimento que têm dos seus filhos e valorizando as suas opiniões no

sentido da suas necessidades e aspirações.

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6. Desenvolver uma perspectiva de avaliação partilhada e integrada acerca das

necessidades e recursos da criança e família.

A importância deste objectivo deriva da implicação de outros profissionais no processo de avaliação, o que permite uma comunicação efectiva, partilhada e integrada de todos os participantes, incluindo a família.

7. Criar um compromisso para os objectivos de intervenção.

Desta forma, os membros da equipa e os pais têm mais probabilidades de seguir as recomendações se concordarem com elas.

8. Avaliar a eficácia dos serviços para cada criança e família.

A avaliação deverá ser concretizada de forma a permitir que a informação seja usada como ponto de referência, para avaliar a eficácia do programa. Nesse sentido, os objectivos devem ser claros e com estratégias bem documentadas.

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Capítulo 2. Abordagem à comunicação

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Secção 2.01 INTRODUÇÃO

No capítulo anterior ficou expresso o interesse de que se reveste a avaliação e

o enquadramento para efeitos de intervenção precoce.

Considerando as particularidades e especificidades das crianças com

multideficiência, a intervenção precoce com este tipo de população necessita de

abordagens e de métodos específicos e precisos de modo a perspectivar o

desenvolvimento de aprendizagens significativas para elas.

Nesse sentido, considerando que muitas das dificuldades se relacionam com

problemas ao nível da comunicação e da interacção, propomo-nos analisar o

desenvolvimento da comunicação e, em particular, da comunicação com crianças

multideficentes, como forma de contribuir para elas desenvolverem mais

competências e para melhorarem a sua autonomia e bem-estar.

Secção 2.02 EVOLUÇÃO DAS TEORIAS RELEVANTES DA COMUNICAÇÃO COM CRIANÇAS MULTIDEFICIENTES.

(a) Enquadramento conceptual

Comunicar é o meio mais eficiente e organizado que temos para troca de

informação, de controlar o meio em que se vive ou de interagir com ele. É também

um meio de afectar os pensamentos e acções de outras pessoas. Através da

comunicação, o ser humano tem maior independência.

Comunicar exige interacção, processo que envolve duas pessoas, com partilha

de papeis, o que pressupõe uma intenção de provocar algum efeito no indivíduo.

Comunicamos sobre um assunto, um tópico... temos uma função, um objectivo e

utilizamos os meios que temos ao nosso dispor, normalmente a fala.

Comunicar é inerente à espécie humana. O homem é um ser iminentemente

social e, de todos os animais, é o que nasce mais dependente do meio social.

Apesar de trazer consigo as competências comunicativas, necessita, para as

exercer, de interagir com outras pessoas4

Talvez isto explique porque é que o rosto humano é tão importante para o estímulo da criança.

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A comunicação humana tem sido conceptualizada das formas mais diversas.

Porém, dado que nenhum modelo de comunicação pode ser, só por si,

universalmente aceite (Friend e Cook, 1992), analisam-se de seguida alguns

elementos conceptuais comuns a esses modelos.

(b) Atributos comuns a vários modelos de comunicação

De uma maneira geral, pode considerar-se a comunicação como um meio

através do qual a informação é transmitida. É um comportamento de partilha, uma

vez que requer a participação de pelo menos dois parceiros que, por definição,

partilham entre si vários aspectos do processo de comunicação.

Nas interacções humanas, os canais mais utilizados são o auditivo e a visão,

pois as mensagens são normalmente vistas ou ouvidas. É através desses dois

meios que lhes é atribuído um significado. As mensagens podem ser classificadas

como verbais ou não verbais; o modo de comunicação é naturalmente partilhado,

quer se trate de fala, linguagem gestual ou escrita..

Quem comunica procura partilhar com o parceiro um tópico, ou a sua

perspectiva sobre o tópico - o interlocutor procurará partilhar com o parceiro um

determinado objectivo. Para que haja essa partilha de informação, são necessários

um emissor, um receptor e um canal de comunicação, ou seja um meio pela qual a

informação é transmitida.5

Outros dois conceitos identificados como elementos-chave de qualquer modelo

de comunicação humana são, por um lado, a existência de uma contínua retracção,

isto é, o processo através do qual os indivíduos recebem uma indicação constante

de como a sua mensagem está a ser recebida (Molyneaux & Lane, 1982, cit. por

Friend & Cook, 1992) assim como a possibilidade de a mensagem ser emitida por

múltiplos canais , verbais e não verbais.6

Haverá uma partilha de papéis com um dos parceiros tomando o lugar do emissor e dando deixas ao receptor para que este tome a sua vez como emissor.

É fácil de perceber como é que estes aspectos da comunicação são partilhados na troca comunicativa que, com toda a normalidade, se estabelece oralmente entre dois parceiros.

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" A eficácia da comunicação entre indivíduos é determinada pelo grau em que

tanto o emissor como o receptor, compreendem igualmente a mensagem a ser

transmitida" (Pugach & Johnson, 1995).

A retracção contínua - permite a partilha de informação e alteração da

mensagem, bem como a clarificação se houve ou não mal entendido. A retracção

pode ser directa (verbal ou não verbal), se o receptor demonstra através das suas

acções que compreendeu a mensagem. É indirecta, quando o receptor indica que,

embora tenha consciência que foi enviada uma mensagem, não conseguiu atingir o

seu significado.

Outro conceito de particular relevância, quando se estuda a comunicação

humana, é a multiplicidade de canais que podem interferir na compreensão de uma

mensagem. A existência de elementos perturbadores no meio ambiente onde uma

interacção ocorre, como por exemplo o ruído em exagero, pode influenciar a

compreensão de uma mensagem

(c) Axiomas exploratórios da comunicação humana

Watzlawik et ai. , (1989) consideram que existem propriedades simples na

comunicação que ao encerrarem consequências interpessoais básicas, participam

na natureza dos axiomas dentro de um cálculo hipotético da comunicação humana.

> A IMPOSSIBILIDADE DE NÃO COMUNICAR

Os autores referem que toda a conduta é comunicação, enquanto conjunto

fluído e multifacetado de muitos tipos de condutas (verbal, postular, tonal,

contextual) uma vez que não existe não-conduta. É impossível não nos

comportarmos; assim sendo, toda a conduta em situação de interacção, toma o valor

de comunicação

Não se pode deixar de comunicar. A actividade, como a inactividade, as

palavras ou o silêncio têm valor de comunicação. Romano & Salzer (1990), referem

que, mesmo que nos recusemos a falar, somos actores numa comunicação na

medida em que a presença física (postura, mímica, posicionamento no espaço) é

percebida e interpretada pelos outros.

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> NÍVEIS DE CONTEÚDO E RELAÇÃO NA COMUNICAÇÃO

Ao afirmarem que toda a comunicação implica um compromisso e, como tal,

define uma relação, os autores acima citados referem-se ao facto de a comunicação

não se limitar a uma transmissão de informação mas também à imposição de

condutas.

A relação engloba as formas através das quais as pessoas se relacionam pelo

que o mesmo conteúdo inicial, quando transmitido através de diferentes relações,

pode não ser o mesmo conteúdo recebido. Toda a comunicação tem um aspecto de

conteúdo e um aspecto relacional tais que o segundo classifica o primeiro

constituindo-se como uma metalinguagem.

Em resumo, pode-se dizer que a impossibilidade de não comunicar faz com

que todas as situações, nas quais participam duas ou mais pessoas, sejam

interpessoais e comunicacionais.

Secção 2.03 TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO COMUNICATIVO E LINGUÍSTICO

A observação e a investigação empírica de crianças normais teve uma grande

preponderância nas pesquisas centradas na aquisição da linguagem das crianças

com deficiências.

A intervenção educativa baseava-se, parcialmente, nestas pesquisas e era o

reflexo dos conhecimentos científicos que identificam uma sequência " normal" para

o desenvolvimento linguístico. No futuro, poderá concluir-se que um modelo de

comunicação baseado em sequências "normais" é desadequado para esta ou

aquela população.7

Pretende-se analisar alguns aspectos do desenvolvimento pré-linguístico

indispensáveis ao desenvolvimento da comunicação através da linguagem de

símbolos. Serão ainda discutidas as adaptações que vão ajudar a criança a fazer a

"transição" da pré-linguagem à linguagem.

Neste momento, a melhor hipótese é assumir que a adaptação da sequência do desenvolvimento "normal" facilita o estudo do desenvolvimento comunicativo.

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Durante os últimos 20 anos, o conceito de comunicação alterou-se

radicalmente. Antes dos anos 70, a comunicação era geralmente vista como um

comportamento que só se podia manifestar através do uso de linguagem formal. As

referências tinham como base os estudos clássicos da educação da infância

referentes às escalas de desenvolvimento (Gesell, 1995 e Bayley et ai, 1969, cit. por

Lock, 1999) e que continham algumas referências relacionadas com a comunicação

da criança.

Actualmente, a pesquisa a nível de literatura e o trabalho empírico são uma

ajuda fundamental na investigação, na medida em que, enquadrados por diversas

perspectivas filosóficas cujo estudo é relevante, constituem uma referência para a

prática, tendo os avanços tecnológicos noutras áreas sido fulcrais para o

crescimento desta pesquisa em geral.8 Para Lock (1999) os termos teóricos e

conceptuais que agora são tomados como certos e que legitimaram e centralizaram

questões como as que se referem ao desenvolvimento nas crianças da capacidade

de comunicação intencional, tiveram uma história de altos e baixos, tendo sido uma

preocupação, para muitos pesquisadores, descobrir como as crianças aprendem a

significar.

Para este autor, o desenvolvimento da comunicação pré- verbal é pontuado por

três grandes transições durante o primeiro ano da vida, sendo que antes ainda não

interage quer pré-verbal quer verbalmente.

♦ A 1a transição ocorre por volta dos dois meses de idade, quando a criança

começa a interagir, comunicando com o adulto. Esta mudança é repentina,

e está relacionada com mudanças noutras áreas das capacidades da

criança.

♦ A 2a transição ocorre após o quinto mês de idade, quando os bebés,

também subitamente, parecem perder o interesse nas interacções cara-a-

cara com os adultos e ficam fascinados com os objectos que podem

manipular (Lamb, Morrison & Malkin,1987; Messer & Vieteze. 1984, cit. por

Lock, 1999).

O vídeo é dos exemplos mais significativos, pois permite captar e repetir acontecimentos em tempo real e ambientes reais. Esta familiaridade leva-nos a esquecer, que o equipamento de vídeo só está disponível há cerca de vinte cinco anos e a possibilidade de ligar o vídeo à análise de computado é ainda mais recente

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♦ A 3a transição não é tão nítida mas ocorre aos nove / dez meses de idade,

envolvendo o interesse do bebé com os objectos e com a emergente

apropriação das capacidades de interagir com outras pessoas. Começa a

emergir a verdadeira comunicação.

As crianças começam a "usar" os seus parceiros para atingir os seus

objectivos. A terceira transição está associada a um número de novas capacidades

emergentes que têm em comum o mesmo desenvolvimento básico - a "apropriação"

da sua própria acção e da acção dos outros.9 As mudanças que vão surgindo nas

capacidades cognitivas, biologicamente determinadas, indicam que os factores de

maturação e o curso natural do desenvolvimento são as principais causas das

mudanças que se observam nos comportamentos das crianças (Lock, 1999).

Para alguns autores, o período que decorre desde o nascimento até aos dois

meses de idade do ser humano é um período difícil de ser tratado cientificamente;

fundamentam-se em que dois parceiros, pelo menos, terão de estar envolvidos no

processo, quando se lida com o desenvolvimento da comunicação.

Não é evidente que a" unidade de análise" mais apropriada seja individual ou o

binário que a constitui. A comunicação é um fenómeno muito variável, pelo que

alguns dos seus aspectos poderão ser tratados como uma abordagem objectiva,

podendo então falar-se de "sinais comunicativos" produzidos individualmente por

animais que ficaram a pertencer a uma cadeia colectiva por produzir certos padrões

de comportamento. De referir, contudo, que a comunicação a este nível é apenas a

coordenação de actividades de dois indivíduos. Não é este o caso da comunicação

linguística, que tem aspectos intencionais e significativos que ultrapassam o nível

puramente objectivo da descrição e da explanação.

Uma perspectiva mais actual sobre comunicação afirma que a linguagem é o

culminar da competência comunicativa que se inicia muito cedo na vida da criança,

As capacidades de uma criança em particular, viram agora em direcção à comunicação verbal, dependendo das diferentes áreas da sua apropriação e das suas capacidades de representação e de como estas foram elaboradas na construção de habilidades especificas.

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mas esta não pode estar à margem de outras áreas de desenvolvimento como

sejam a cognitiva, social e emocional.10

A primeira tendência deriva de uma vasta pesquisa sobre o desenvolvimento

(Bateson, 1975; Condon & Sander, 1974, Lewis & Rosenblum, 1977; Schaffer,

1977), que descreve as capacidades sofisticadas de recepção e sinalização da

criança demonstradas pelas trocas vocais e visuais entre os pais e os

recém-nascidos.

A segunda tendência deriva de um renovado interesse pelos aspectos

pragmáticos da linguagem apresentados por Austin há alguns anos (1962) .11

Dore (1974) e Halliday (1975), estudaram e categorizaram as funções ou

intenções patentes nos actos de fala de crianças pequenas.

Bates (1976), Benigni, Bretherton, Camaioni e Volterra (1977) e Sugarman-Bell

(1978) alargaram a análise pragmática aos comportamentos pré-verbais dos bebés e

descobriram que muitas das propriedades funcionais da linguagem se manifestam já

nesses comportamentos. Estas pesquisas querem dizer que as crianças normais

usam, com sucesso, uma diversidade de comportamentos pré-verbais quando agem

sobre o meio ambiente, mesmo antes do aparecimento de uma qualquer linguagem

formal.12 Este repertório gestual pré-verbal permite à criança referenciar objectos,

pessoas e actividades no meio ambiente mais próximo dela, quer os aponte, os

toque ou olhe para eles.

Os símbolos são necessários mas para referenciar entidades ambientais que

não estão imediatamente presentes. Os primeiros símbolos adquiridos apresentam

uma relação perceptiva bastante óbvia com os seus referentes13. Embora a

brincadeira da criança já não esteja limitada ao seu corpo, começam a aparecer as

primeiras combinações. O simbolismo completa-se quando a criança atinge um nível

mais independente de representação, ou seja, a brincadeira simbólica toma-se

Esta perspectiva é o resultado de tendências convergentes na literatura sobre aquisição de linguagem e do desenvolvimento psicológico.

O ênfase da perspectiva pragmática situa-se nos usos ou funções da linguagem.

Um pedido pode ser feito eficientemente quando o bebé recorre a certas estratégias, tais como fazer "birra", estender os braços para.... ou apontar.

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verdadeiramente representativa quando a criança começa a usar substitutos

simbólicos que podem corresponder a objectos, gestos ou palavras. Posteriormente,

vão aparecer símbolos mais abstractos, palavras faladas, que assumem uma

relação arbitrária com as propriedades perceptivas do referente.

De acordo com Werner e Kaplan (1963), os símbolos convencionados que

finalmente substituem esses primeiros símbolos conservam uma relação perceptiva

com vestígios do referente concreto, pelo menos na perspectiva da criança.

Finalmente, a criança começa a associar estes símbolos convencionados numa

regra muito próxima da regra padrão, para produzir enunciados em linguagem formal

de acordo com as convenções sintácticas.

O uso de símbolos marca uma nova etapa em termos de desenvolvimento

infantil. No fim do primeiro ano de vida, a criança já consegue executar sozinha,

coordenar objectos e pessoas para conseguir as suas intenções. Usa gestos para

especificar em parte as suas intenções, subordinar as suas próprias acções a um

controlo regulado dum número limitado de palavras de outros, refina algum controle

sobre o seu próprio repertório na produção do som e é capaz de usar objectos, por

exemplo, de uma forma inventiva para simbolizar outros objectos pretendendo

brincar e reproduzir acções - imitação diferida - (Block, 1999).

Werner e Kaplan (1963) acreditavam que a simbolização era um processo

cujos fundamentos se encontravam nas relações entre os bebés, as mães e os

objectos ou acções ocorridas no meio ambiente. 0 distanciamento físico e

perceptivo entre a mãe, o bebé e o objecto/acção (ou referente) aumenta

progressivamente à medida que os veículos simbólicos (gestos, fala) adquirem

propriedades referenciais. A separação entre estes elementos é descrita através do

duplo processo de descontextualízação e desnaturalização.

O processo de "descontextualízação" remete para o distanciamento espacial e

temporal entre os elementos da comunicação. A um aumento de sofisticação da

Talvez um gesto descritivo como dar uma pancadinha na cadeira sirva para représenta^ senta-te), ou o som (mmm) para representar comida.

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comunicação vai a criança corresponder com a emissão de mensagens

especialmente afastadas do referente .14

O processo de "desnaturalização", remete para diminuição das semelhanças materiais entre os símbolos e os referentes. Se os símbolos precoces apresentavam semelhanças perceptivas muito fortes com os seus referentes, os símbolos posteriores mostram já uma relação arbitrária. Estes conceitos tornam-se decisivos à medida que a criança desenvolve um sistema de comunicação que pode ser partilhado com outra pessoa.

A criança pode fazer referência a um objecto que se encontra numa outra sala, rotulando-o com uma palavra, em vez de o tocar ou apontar realmente. A criança pode também comunicar sobre um referente que se encontra temporalmente distante , como por exemplo, um acontecimento passado na véspera ou que se vai passar no dia seguinte.

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Secção 2.04 COMPORTAMENTO COMUNICATIVO A NÍVEL NÃO-SIMBÓLICO

A comunicação é um processo complexo e multifacetado de desenvolvimento

de capacidades pelo que, em geral, a análise da comunicação não-simbólica é uma

responsabilidade partilhada entre um especialista de comunicação e os educadores

ou pais.

A análise das capacidades de comunicação não-simbólica deve ocorrer em

conjunção com outras análises nas áreas da visão, audição, estado neurológico,

aptidões motoras e perceptivas , bem como de competências sociais, numa base

individual e atendendo sempre ao nível de funcionamento de cada criança.

(a) Aquisição inicial (do nascimento até aos 9 meses )

A análise inicial deve concentrar-se nas demonstrações de expressões não

simbólicas ( sem palavras ) de contentamento, desagrado, fome, sede, protesto,

pedido, chamada de atenção, cumprimento e preferência. Crianças que demonstram

comunicação não simbólica usam os movimentos do corpo, olhos, expressões

faciais, tacto, riso, gestos e sons.

Siegel & Downing (1987), sintetizam em vários pontos as características dos

comportamentos não simbólicos e que se desenvolvem aproximadamente desde o

nascimento até aos 9 meses e incluem. O quadro seguinte apresenta algumas

dessas características:

Respostas Sensoriais • Fixa e percorre visualmente; usa discriminação e localização auditiva;

• Capta a atenção por contacto visual, expressão facial ou sons.

Interacções Sociais • Demonstra uma expressão facial de contentamento a uma voz ou presença familiar; demonstra comportamento positivo (sorriso, riso, relaxação); participa nas rotinas familiares; indica descontentamento; continua com uma gama de movimentos familiares.

Interacções a Nível do Objecto

• Aumenta/diminui o nível de actividade ao ver/tocar o objecto do seu interesse. Usa uma variedade de acções com objectos.

Desenvolvimento Expressivo-Não Vocal

• Associa objectos familiares com acções específicas; • Coloca as mãos do adulto no objecto desejado

Vocal: • Usa um choro diferenciado; vocaliza para indicar um estado, como de contentamento, medo ou fome.

Quadro 1—Síntese de comportamentos não-simbólicos dos 0 aos 9 meses (adaptado de Siegel & Downing , 1987)

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(b) Dos nove aos doze meses

Aproximadamente entre os 8 e os 10 meses, as crianças adquiriram já

comportamentos intencionais e a capacidade de utilizar comportamentos não-

simbólicos para obter respostas ou interacções desejadas. Dos 9 meses até 12-15

meses, aproximadamente, a criança continua a adquirir mais comportamentos não-

simbólicos, até começar a usar a primeira palavra (exemplo: gesto para "não").

Os processos da precoce expressão não-simbólica permitem à criança

aperfeiçoar as capacidades de comunicação que vem desenvolvendo desde o

nascimento até aos 9 meses.

O quadro seguinte apresenta alguns comportamentos.

Interacções Sociais • Responde a um "não" ; • Repete o comportamento de sorrir para alguém; • Usa gestos para chamar a atenção; • Mostra objectos para demonstrar intenção.

Interacções a Nível do Objecto

• Dá o objecto pedido; • Acha objectos escondidos.

Desenvolvimento Expressivo- Não Vocal

• Demonstra o uso social dos objectos; • Abana a cabeça para dizer "não" e faz gestos no contexto de

"sim", "ajuda", etc.; • Dá o objecto ao adulto quando a acção termina.

Vocal: • Demonstra cinco combinações diferentes de pairar; • Imita sons não verbais ( tosse, estalido da língua, etc.); • Imita os sons do adulto.

Desenvolvimento Receptivo -Não Vocal

• Termina uma actividade com um "não" ou um "pára"; • Responde ao seu próprio nome.

Quadro 2- Síntese de compor tamentos não-s imbó l icos dos 9 aos 12 meses ( adapatado de Siegel & Downing,1 987)

Os comportamentos acima descritos permitem ajudar o processo de análise

concentrando-se na perspectiva e progressão do desenvolvimento não simbólico.

(c) Sensibilidade para os comportamentos precoces não- simbólicos

A importância da interacção social e do contexto social para a comunicação

precoce é realçada pelo facto de que bebés e crianças aprendem que o seu

Os comportamentos não-simbólicos incluem o aperfeiçoamento de comportamentos não verbais para exprimir vontades, necessidades, sentimentos e preferências.

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comportamento tem significado comunicativo e efeito através das respostas dos

outros, particularmente se existe uma deficiência simultaneamente mental e física

(Bakeman & Adamson, 1981; Bricker & Carlson, 1981).16

Vários autores encaram a influência da mãe, pai ou seu substituto, durante o

estádio pré-verbal (não simbólico) como vital para o futuro da aptidão comunicativa e

sua progressão (Bakeman & Adamson, 1984; Mcclowry & Guilford, 1981; Odom,

1983).

A importância das interacções mãe-bebé para o futuro crescimento

comunicativo é largamente defendida por Odom (1983): " Desde o nascimento, a

sobrevivência da criança, depende da capacidade em interagir com outros seres

humanos dum modo recíproco. Durante os primeiros meses de vida, os efeitos

ambientais são interpostos através da relação social interactiva entre bebé e mãe ".

Durante este período o bebé desenvolve um sentimento de segurança no seu

mundo. Isto contribui para a confiança do bebé em explorar o que o rodeia numa

base firme que é estabelecida para futuras tentativas de comunicação e outras

aptidões sociais.

A capacidade da mãe em prever e interpretar os sinais do bebé asseguram-lhe

o sentimento de que os seus sinais dão origem a uma resposta social e previsível da

mãe. Por outro lado, o sucesso em responder apropriadamente aos sinais do bebé

causa um sentimento de competência na mãe. Estes dois aspectos combinados

resultam num desenvolvimento de frequentes e mútuas interacções satisfatórias

Clark & Seifer, (1980).17

A informação compilada da pesquisa sobre o estádio não-simbólico é

particularmente relevante no estudo de crianças multideficientes, visto que muitas

delas funcionam num estádio de desenvolvimento muito similar ao nível não-

simbólico das crianças normais (Siegel & Downing, 1987),

Estas incapacidades simultâneas podem reduzir significativamente as interacções sociais e as explorações do meio do indivíduo e, consequentemente, a limitada oportunidade para exploração e interagir pode afectar a comunicação individual e a progressão da linguagem ( Bates, 1976; Bruner, (1977).

Carlson & Bricker, (1982) defendem que a capacidade de resposta por parte da mãe pode estar directamente relacionada com o sucesso e/ou insucesso do bebé em aprender a comunicar.

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Crianças multideficientes e crianças normais muito jovens funcionam, ambas, a

um nível não- simbólico usando meios vocais, gestuais e tácteis para comunicar,

pelo que o estudo das interacções não-simbólicas entre bebé e mãe pode fornecer

importantes informações relacionadas com a facilidade de comunicação não-verbal.

Algumas crianças portadoras de graves deficiências físicas e/ou mentais,

acompanhadas de incapacidades sensoriais, podem funcionar em níveis de

desenvolvimento similares aos da criança pequena. Os seus comportamentos

incluem muitos dos mesmos reflexos, padrões motores e níveis não-simbólicos de

comunicação observados na infância.

Existem, no entanto, algumas diferenças entre o desenvolvimento da criança

normal e o da criança multideficiente. Estas diferenças ocorrem no desenvolvimento

e uso de comportamentos visuais e faciais, e no comportamento expressivo.18

Os dois factores mais significativos no desenvolvimento dum sistema de

comunicação compreensível parecem ser o estabelecimento de padrões de olhares

entre mãe e filho e subsequente comportamento do sorriso da criança . Claramente,

o processo interactivo é afectado se estes comportamentos estão ausentes nos

indivíduos com multidificiências. Estas crianças podem também diferir em termos de

desenvolverem um sentido de causalidade, parecendo não terem consciência de

que os seus comportamentos têm um impacto.19

No seu estudo de crianças multideficientes , Walker & Kershman (1981),cit. por

Siegel & Downing (1987), encontraram poucas vocalizações, menos descontracção,

mais afecto neutral e menos predictabilidade nestas crianças comparando-as com as

crianças normais. Também verificaram que as crianças multideficientes ofereciam

poucas oportunidades aos educadores (mãe , pai ou substituto) para iniciar em

sequências interactivas. Os sinais das crianças com incapacidade sensorial ou

outras deficiências são muitas vezes confusos (Odom, 1983); os educadores e pais

estão menos preparados para os entender (Clark & Seijer, 1983) e,

consequentemente, menos aptos para dar a respostas apropriadas. As interacções

Comportamentos ligados ao olhar fixamente (fitar) e ao sorrir, é largamente enfatizada por Langley (1980).

Esta ausência de sentido de causalidade resulta em poucas repetições, vocalizações ou outros comportamentos (Langley, 1980) e, consequentemente, poucas oportunidades para as respostas da mãe ou educador.

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dos pais com a criança deficiente reflectem respostas únicas em termos de

sensibilidade, tempo e contingência.

(d) Componentes da comunicação não-simbólica

Os defensores desta perspectiva delinearam quatro grandes categorias para

representar os componentes básicos da comunicação não-simbólica.

A inter-relação dessas componentes é especificada no quadro seguinte:

Consciência: • Reage a necessidades fisiológicas e a mudanças do meio envolvente;

• Reconhece pessoas familiares e antecipa acontecimentos familiares ;

• Actua sobre os objectos, mas não para comunicar.

• Reage a necessidades fisiológicas e a mudanças do meio envolvente;

• Reconhece pessoas familiares e antecipa acontecimentos familiares ;

• Actua sobre os objectos, mas não para comunicar.

Interacções • Rejeita a presença ou acção de pessoas; • Pede continuação duma actividade física ou social; • Dirige o comportamento intencionalmente para obter a

presença de outros ; • Demonstra afectos.

sociais

• Rejeita a presença ou acção de pessoas; • Pede continuação duma actividade física ou social; • Dirige o comportamento intencionalmente para obter a

presença de outros ; • Demonstra afectos.

• Rejeita a presença ou acção de pessoas; • Pede continuação duma actividade física ou social; • Dirige o comportamento intencionalmente para obter a

presença de outros ; • Demonstra afectos.

Interacções • Usa objectos para pedir continuação duma actividade física ou social,

• Usa objectos para rejeitar acontecimentos • Usa objectos para oferecer.

físicas:

• Usa objectos para pedir continuação duma actividade física ou social,

• Usa objectos para rejeitar acontecimentos • Usa objectos para oferecer.

Interacções • Chama a atenção dos outros antes de usar objectos para comunicar intencionalmente,

• Chama atenção dos outros, antes de usar gestos ou vocalizações, para comunicar intencionalmente.

combinadas:

• Chama a atenção dos outros antes de usar objectos para comunicar intencionalmente,

• Chama atenção dos outros, antes de usar gestos ou vocalizações, para comunicar intencionalmente.

• Chama a atenção dos outros antes de usar objectos para comunicar intencionalmente,

• Chama atenção dos outros, antes de usar gestos ou vocalizações, para comunicar intencionalmente.

Quadro 3- Componentes comunicação não-simbólica (adaptado de Siegel & Downing, 1987)

(e) A comunicação não-simbólica na criança multideficiente

As pessoas com deficiências severas e ou multideficientes têm as mesmas

necessidades e os mesmos sentimentos que as outras pessoas.

A grande dificuldade reside em reconhecer a forma como se exprimem,

levando-nos a não identificar as suas necessidades e sentimentos. Uma pessoa que

tem dificuldades em mover o corpo, ou em compreender o uso da palavra falada, vai

encontrar dificuldades em expressar-se de uma forma convencional, desenvolvendo

formas altamente individualizadas e difusas de se exprimir. Em geral, têm formas

diferentes e extremamente individuais de se exprimir, pelo que se exige das

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pessoas que lidam com estas crianças uma grande sensibilidade para responderem

a estas expressões de necessidade e sentimentos.20

Uma das características mais comuns nas crianças multideficientes é a sua

passividade. Para que tenham uma possibilidade de se desenvolverem, é importante

que as pessoas respondam às suas formas muito próprias de actividade e de

comunicação, desenvolvendo em conjunto um sistema de comunicação apropriado

às suas necessidades e capacidades.21

Nos últimos anos desenvolveram-se estratégias educacionais para fornecer

informação com procedimento para desenvolver competências comunicativas a

crianças com deficiências profundas. Contudo, quando se adopta esta ou aquela

estratégia de aprendizagem, procurando que sejam funcionais e naturais, por muita

boa vontade que se tenha, é muito provável que as etapas iniciais de aprendizagem

da comunicação por uma criança com deficiências severas de ordem física,

sensorial ou cognitiva, atinjam uma qualidade forçada e artificial (Rowland &

Stremel-Campbell1987).

Assumir a partilha total da troca comunicativa nestas circunstâncias é

extremamente difícil embora seja um objectivo fundamental. Pretender que a criança

venha a poder dar completamente conta do processo de comunicação nos seus dois

sentidos, toma-se difícil devido à sua incapacidade de conceptualizar uma actividade

desejada.22

Pretender que as pessoas com multideficiência comuniquem com o meio e

desenvolvam a comunicação implica dar atenção aos comportamentos intencionais,

estar atento aos sinais que a criança emite e dar-lhe significado. Para comunicar é

necessário que a criança tenha estabelecido uma relação privilegiada com a mãe ou

seu substituo. Esta relação vai influenciar o modo como a criança se vai relacionar

e interagir com as outras pessoas; ela começa a entender que pode controlar o

Todo o ser humano requer que as suas acções gerem uma resposta compreensível, se não surgir nenhuma resposta, o meio ambiente é percepcionado como incompreensível e imprevisível.

Toda a actividade é comunicação pelo que toda a atitude da criança deve ser interpretada como comunicativa, assim como a atitude do adulto deve também é comunicativa.

A comunicação toma-se deliberada quando se recebe uma resposta regular, e, os objectivos para as actividades existem no meio ambiente da criança.

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meio,23 desenvolvendo-se assim a intencionalidade : a criança começa agora a

entender que, comunicando, pode adquirir o que deseja mais rapidamente.

Enquanto transmissão bem sucedida de uma mensagem de uma pessoa para

outra, a comunicação é de crucial importância para todos os indivíduos. É uma

aptidão dentro da capacidade de cada indivíduo, não importando o quanto o seu

comportamento esteja limitado devido a incapacidades físicas, sensoriais e/ou

mentais.

As dificuldades na comunicação surgem, especialmente, quando na interacção

social estão envolvidas pessoas com Multideficiência. Estas incapacidades

simultâneas podem reduzir significativamente as interacções sociais e as

explorações do meio ambiente onde o indivíduo está inserido. Consequentemente,

a limitada oportunidade para exploração e interacção pode afectar a comunicação

individual e a progressão da linguagem ( Bates, 1976; Bruner, 1977, cit. por Siegel &

Downing , 1987 ).

Pessoas com Multideficiência não usam o discurso ou outros sistemas

simbólicos convencionais para exprimir as suas mensagens.24 Em vez disso, utilizam

modos não-simbólicos alternativos para comunicar, tais como, gestos, sons vocais,

movimentos do corpo, contacto visual e expressões faciais.

Uma interacção não-simbólica exige que o receptor interprete a mensagem

recebida e responda dum modo comunicativo. Uma comunicação não eficaz ocorre

frequentemente quando a pessoa normal falha em reconhecer e responder às

expressões comunicativas da pessoa com deficiência. Já que a comunicação

envolve os esforços de, pelo menos, duas pessoas, é maior a necessidade em

concentrar os esforços de intervenção no processo interactivo do que os concentrar

estritamente na remediação do repertório limitado dum indivíduo. Os serviços

prestados às famílias e aos amigos das crianças com deficiência devem facultar

treino que envolva facilidades na comunicação a um nível não-simbólico.25

O controle do meio é indispensável para que se estabeleça comunicação. I

Embora possam aprender a compreender o que as pessoas lhes comunicam e responder apropriadamente, estas pessoas podem ter dificuldade extrema em desenvolver um sistema simbólico de comunicação expressivo ( discurso, linguagem de sinais ). ;

Peck & Schuler, (1984) fizeram notar a importância crítica deste treino, visto que, em muitas salas de aula os educadores não respondiam às tentativas básicas não-simbólicas de comunicação das crianças.

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A comunicação não-simbólica refere-se à transmissão de mensagens sem o

uso de símbolos ( palavras, sinais, desenhos ). O indivíduo pode usar movimento do

corpo, expressão facial, olhar fixo, sons vocais para estabelecer uma mensagem

não-simbólica.

Embora seja geralmente reconhecido que as crianças multideficientes são

pouco similares, é nosso propósito concentrar-nos nas pessoas que são

gravemente limitadas na sua capacidade para responder a estímulos visuais,

auditivos e que precisam de informação adicional de modos sensoriais alternativos

(tácteis, gustativos, olfactives, vestibulares e kinestéticos) para efectivamente

comunicarem.26 Estes indivíduos comunicam, mas não usam discurso ou outros

símbolos.

Os bebés aprendem a comunicar não-simbolicamente com os seus olhos,

gestos, expressões faciais e movimentos do corpo, muito antes de adquirirem um

sistema formal de linguagem como o discurso ou a linguagem gestual. Indivíduos

com graves deficiências funcionam a um nível de comunicação não-simbólico e

podem não ter um meio convencional de exprimir as suas necessidades,

preferências ou ideias. Investigadores do desenvolvimento da comunicação nas

crianças com deficiências ( Bricker & Carlson, 1980 ; Brinker & Lewis, 1982; Odom,

1983; Rogow, 1984; Stillman & Battle, 1985 ) reconhecem que os indivíduos que

comunicam duma maneira não-simbólica precisam de meios para exprimir os seus

gostos ou rejeições, para fazer escolhas ou pedidos e para protestar.

26 Adicionalmente, podem ter graves limitações mentais e/ou físicas, tornando mais difícil para as outras pessoas perceber e

interpretar as suas mensagens comunicativas.

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Secção 2.05 DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO EXPRESSIVA

A comunicação é composta por duas vertentes muito poderosas e distintas: A

receptiva e a expressiva. A comunicação receptiva refere-se à compreensão ou

interpretação da criança do "input" comunicativo. A comunicação expressiva refere-

se à produção da criança do uso do "output" comunicativo.

A linguagem falada é a uma forma expressiva de grande complexidade,

implicando os mecanismos de controlo da respiração e dos movimentos vocal-

motores. A percepção da fala é a forma receptiva que conta com a discriminação

fina e a análise do "input" auditivo.

Contrariamente às crianças normais, muitas das crianças com deficiência vão

usar diferentes modos de comunicação receptiva e expressiva. Rowland & Stremel-

Campbell (1987), analisam em separado estas duas vertentes da comunicação,

contribuindo assim para a análise de dois sistemas independentes que podem ser

usados com crianças multideficientes.27

A actual perspectiva sobre o desenvolvimento da comunicação e da

linguagem é bastante optimista quanto às sua implicações na intervenção sobre os

problemas graves de comunicação. Agora é possível avaliar e virtualmente intervir

sobre o desenvolvimento das capacidades genéricas de desempenho comunicativo

que podem ser evidenciadas através de um meio não-simbólico ou de um meio

simbólico.

(a) Níveis de desenvolvimento da comunicação

O quadro seguinte mostra uma sequência do desenvolvimento da comunicação

desde os comportamentos não intencionais até à manifestação dos primeiros

comportamentos linguísticos. A utilização desta sequência como um quadro de

referência, pelos profissionais envolvidos na educação sirvam dela, permite-lhes

analisar o nível de funcionamento actual de cada aluno, o nível de desenvolvimento

a atingir e as expectativas a longo prazo.

Para se partilhar um sistema comunicativo com uma criança multideficiente, temos de considerar tanto o input como o output.

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A avaliação do funcionamento actual de um aluno deve ser usada apenas

como um ponto de partida no sentido de o levar a atingir níveis superiores na

comunicação.

NÍVEIS COMPORTAMENTOS SALIENTES

1 Comportamentos pré-

intencionais

• Comportamentos pré intencionais ou reflexos que expressam o estado do sujeito (sentir fome, ou estar molhado, por exemplo), estado que e interpretado pelo observador

2 Comportamentos intencionais • Comportamentos intencionais mas não intencionalmente comunicativos, afectando porém o comportamento do observador, desde que este deduza a intenção

3 Comunicação pré-simbólica

não convencionada

• Gestos não-convencionados usados com a intenção de condicionar o comportamento do observador

4 Comunicação pré simbólica

convencionada

• Gestos convencionados usados com a intenção de condicionar o comportamento do observador

5 Comunicação simbólica concreta

• Uso restrito de símbolos concretos (ícones) para representar entidades do meio ambiente; correspondência um-a-um entre o símbolo e o referente

6 Comunicação simbólica

abstracta

• Uso restrito de símbolos abstractos (arbitrários) para representar entidades do meio ambiente. Os símbolos são usados isoladamente

7 Comunicação simbólica formal (linguagem)

• Começa a usar regras quando utiliza um sistema simbólico arbitrário.

• Combinações ordenadas de dois ou mais símbolos, de acordo com as regras sintácticas

Quadro 4- Sequência das competências comunicativas ( Adaptado de Rowland & Stremel-Campbell, 1987)

Na criança normal, os sete níveis de desenvolvimento apresentados no Quadro

anterior ocorrem entre o nascimento a os 24 meses de idade. Esta sequência

aplica-se igualmente às crianças com deficiências sensoriais e multideficientes.

O nível 1 representa comportamentos reflexos ou reactivos que não podem ser

controlados voluntariamente pela criança. Estes comportamentos, seguramente

associados a estados específicos do bem-estar da criança - tais como fome,

conforto, dor - levam o educador a interpretá-los como comunicativos, embora o

comportamento, em si, não seja intencional nem, muito menos, intencionalmente

comunicativo.

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No nível 2 , a criança manifesta já comportamentos intencionais mas não tem a

intenção de condicionar, através deles, o comportamento do outro; embora controle

voluntariamente muitos comportamentos, não tem consciência do seu impacto 28

comunicativo.

No nível 3, a criança toma consciência de que os seus comportamentos podem

condicionar os das outras pessoas e começa a usar meios primitivos ou não

convencionados para comunicar intencionalmente um número limitado de

mensagens.29 Os meios que a criança usa nesta etapa para comunicar - afastar,

puxar pelas pessoas; guinchar, lamuriar...- são eficazes mas não são meios

aceitáveis em indivíduos mais velhos.

Os quatro níveis seguintes envolvem a comunicação intencional através de

meios convencionados e diferenciam-se pelo grau de abstracção do comportamento

comunicativo.

No 4o nível, os gestos não-convencionados do terceiro nível, são substituídos

por gestos convencionados - tais como apontar, dar, mostrar, acenar e abanar a

cabeça. Estes gestos convencionados expressam significados específicos de acordo

com as convenções que regem a sociedade e a cultura onde a criança se insere.

Continuarão a pertencer ao repertório da criança ao longo da vida adulta, como

acréscimo admissível e informativo à linguagem formal (McNeill, 1985).

No 5o nível, a criança, começa a comunicar através de símbolos. Neste nível, a

criança começa a associar representações simbólicas concretas com referentes

específicos do meio ambiente, adquirindo o importante conceito de correspondência

um-a-um entre o símbolo e o referente.30

No 6o nível , a criança adquire e passa a usar um número restrito de símbolos

abstractos como veículos comunicativos.31 Nesta etapa, a criança é capaz de usar

Certos comportamentos têm função comunicativa, na medida em que os educadores assim os interpretam.

Pistas como o contacto visual, a persistência e a substituição de meios (Bates, Camaioni & Volterra, 1975; Dore, 1974) dão uma clara indicação da intencionalidade do comportamento comunicativo.

Diz-se que estas representações são "concretas" no sentido em que têm em comum com os seus referentes uma ou mais características perceptivas. A título de exemplo, a criança bate no chão quando se refere a "sentar", emite um som "mmm" quando quer indicar "comer".

Estes símbolos são abstractos na medida em que tem uma relação arbitrária com os referentes e não existe laço algum entre os símbolos e as características perceptivas do referente.

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palavras ou gestos isolados, que se aproximam das formas que o adulto usa quando

fala, para se referir a um número restrito de coisas que são altamente salientes na

sua experiência.

Finalmente, no 7o nível, a criança começa a adquirir as regras do sistema da

linguagem formal, que ditam a ordem pela qual os símbolos abstractos, ou palavras,

se podem associar. Nesta etapa, a criança consegue produzir enunciados de 2 ou 3

palavras, variando propositadamente a ordem das palavras para exprimir diferentes

significados.

As etapas de transição entre a comunicação pré-simbólica e a comunicação

simbólica formal - a verdadeira linguagem- são decisivas mas difíceis para muitas

crianças portadoras de deficiências graves ou multideficientes .

Uma criança sem deficiência parece passar, virtualmente da noite para o dia,

da comunicação pré-verbal para o uso de algumas palavras. Para a maioria das

crianças sem deficiência, a comunicação através de símbolos concretos, que

caracteriza o 5o nível, não parece emergir como uma etapa de desenvolvimento; ao

contrário, encontra-se misturada com o uso de gestos convencionados e a

linguagem precoce.

A transição da comunicação através de gestos convencionados para o uso de

símbolos abstractos não é frequentemente realizada pelas crianças com deficiências

graves. Muitas destas crianças foram sujeitas prematuramente durante anos a

aprendizagem de um sistema de linguagem formal, como por exemplo a linguagem

gestual (níveis 6 ou 7) antes de terem adquirido a capacidade para usar os símbolos

numa correspondência um-a-um com os seus referentes específicos (nível 5).

Não será surpresa que esse treino da linguagem se venha a revelar inútil. As

crianças podem ter adquirido um vocabulário de 3 a 5 gestos, mas usam-nos

indiscriminadamente. 32 Parece faltar-lhes o conceito decisivo da correspondência

um-a-um entre o símbolo e o seu referente especifico. Os gestos usados nos níveis

Um dia, produzirão o gesto de "rebuçado" sempre que um qualquer gesto lhes seja exigido; num outro dia percorrerão todo o seu repertório -"rebuçado", "comer", "casa de banho", "mais"- nessas mesmas circunstancias. Ou então, poderá afigurar-se que adquiriram o uso de gestos sem qualquer especificidade, como "mais" a "comer", que são apropriados em qualquer altura do dia, em qualquer contexto, mas não adquiriram gestos específicos que se adequem apenas a um n° restrito de circunstâncias.

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três a quatro têm, apesar de tudo, uma utilização não específica e não partilham do

conceito de correspondência um-a-um entre o símbolo e o referente.

Até aqui, apresentou-se uma sequência do desenvolvimento da comunicação

expressiva e apontaram-se algumas das etapas mais difíceis para as crianças com

deficiências sensoriais. Seguidamente, vai-se mais longe na análise deste processo,

incidindo a atenção sobre as componentes da comunicação expressiva.

Abordam-se as três componentes decisivas da comunicação expressiva: a

forma, a função e o conteúdo.

(b) Formas da comunicação expressiva

É possível comunicar e usar uma linguagem por meio de um grande número de

formas ou modos, além da fala.. A escolha de uma forma de comunicação

apropriada é decisiva para os trabalhos de intervenção sobre a comunicação, dado

que muitas crianças não usam a fala

Vários sistemas simbólicos que dispensavam a fala no processo da

comunicação foram desenvolvidos tendo em vista clientes que não usavam este

modo de expressão. Fristo & Lloyd (1979), Musselwhite & St. Louis (1982),

Schiefelbusch (1980) e Silverman (1980) fizeram uma revisão crítica desses

sistemas, os quais têm sido cada vez mais usados, com resultados claramente

encorajantes, para estimular a comunicação de pessoas com deficiências severas e

que não usam fala (Kiernan, 1983; Lloyd & Karlan, 1984). Certos modos de

comunicação correspondem a diferentes níveis do desenvolvimento comunicativo.

As vocalizações pré-verbais e os gestos naturais permitem, por exemplo, a

comunicação de necessidades básicas mas não estabelecem referências

simbólicas.

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Page 64: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

O quadro anterior ilustra o modo como 5 importantes modos/formas de

comunicação se adequam a cada um dos 7 níveis da comunicação expressiva

referidos anteriormente..

Não se analisa em pormenor a comunicação vocal, dado que é a forma

de comunicação que tem menor probabilidade de emergir em crianças

multideficientes ou com deficiências sensoriais.

(c) Formas de comunicação alternativa

Assumindo os comportamentos descritos no ponto anterior como formas

de comunicação, seguidamente vamos abordar as quatro formas de

comunicação alternativa, onde se dará realce às formas simbólicas e

convencionadas.

(i) SISTEMAS GESTUO-MOTORES

Siegel-Causey & Downing (1987) realçaram a importância das respostas

a dar aos movimentos corporais precoces para os transformar em

comportamentos intencionais. À medida que, repetidamente, se vai dando

resposta a estes comportamentos intencionais, considerando-os como "tendo

valor comunicativo", passarão a ter potencial para serem usados como formas

ou comportamentos comunicativos intencionais pré-simbolicos.

Muitas crianças usam espontaneamente gestos não-convencionados

(nível 3), tal como afastar objectos de que não gostam ou entrar em contacto

físico com as pessoas (agarrar a mão do guia), comunicando-lhes as suas

necessidades básicas. Algumas farão facilmente a transição entre o uso dos

gestos primitivos e o uso dos gestos convencionados, tais como dar e acenar

com a mão (nível 6).33

Os gestos podem ser usados também como símbolos precoces. Gestos

descritivos (tais como os gestos para "adeus" e o gesto natural - gesto

Muitos dos gestos convencionados (por exemplo: apontar, mostrar, olhar alternativo) exigem referências visuais e podem não ser apropriados às crianças com deficiências visuais graves.

58

Page 65: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

convencionado- para comer) podem ser usados para referenciar objectos ou

acontecimentos específicos. A criança com boa destreza manual, memória e

capacidades de representação pode ser capaz de avançar para formas mais

simbólicas pela aquisição de gestos manuais abstractos.

(ii) SÍMBOLOS BIDIMENSIONAIS (IMAGENS)

Algumas crianças poderão não usar gestos naturais ou gestos

convencionados em virtude das suas limitações nas áreas da motricidade fina

ou da memória.

Para as que usam poucos símbolos concretos e que possuam alguma

visão funcional, a escolha de um sistema simbólico pode recair no uso de

símbolos bidimensionais. Estes sistemas podem incluir fotografias a duas

dimensões, desenhos de contorno, escrita e alguns sistemas de gráficos

simbólicos, tais como "Bliss", "PIC" e "SPC", que podem ser usados de acordo

com as regras de um sistema sintáctico formal.

As maiores vantagens dos sistemas bidimensionais residem no facto de

apenas ser exigida uma resposta por meio de uma indicação ou de uma

selecção e por serem constituídos por símbolos permanentes, ao contrário da

fala ou da linguagem gestual.

Uma vez que a criança tem acesso a um quadro permanente de

símbolos, apenas necessita de reconhecer o símbolo correcto em vez de o ir

buscar à memória. Contudo, é necessária alguma precaução pelo que se

devem aplicar pré-testes para avaliar se a criança sabe associar fotografias ou

desenhos de contorno aos referentes.

Os símbolos bidimensionais podem ser apresentados de várias maneiras,

dependendo das capacidades da criança para fornecer respostas por meio de

indicações.

As crianças com uma boa motricidade fina podem virar bruscamente as

páginas de um livro de imagens ou serem descuidadas a baralhar cartões com

imagens. Outras, com capacidades motoras mais limitadas, podem apontar ou

tocar imagens isoladas que estejam incluídas num expositor sobre um

59

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tabuleiro, na cadeira de rodas ou num livro. Outras, ainda, poderão precisar de

usar a tecnologia dos micro-dispositivos que lhes permita fazer o varrimento e a

selecção dos símbolos gráficos.34 Muitos professores e pais decidem tirar as

suas próprias fotografias ou fazer desenhos simples das pessoas, objectos,

locais e da actividades mais importantes para cada aluno.

No estádio simbólico-concreto (nível 5), o vocabulário está limitado a

coisas com significado que podem ser representadas por uma fotografia ou

desenhos.35 Um certo número de sistemas simbólicos (nível 6), utilizando

imagens abstractas, estão também disponíveis no mercado, 36 Gráficos

abstractos, letras ou palavras impressas podem também ser usados com

crianças cujas capacidades cognitivas e de discriminação visual sejam

adequadas.

(i i í) SÍMBOLOS TRIDIMENSIONAIS

Os símbolos bidimensionais não são, infelizmente, apropriados a crianças

sem visão funcional ou que não compreendem a associação entre imagens

referentes. Para estas crianças, podem usar-se os símbolos tridimensionais,

que têm as mesmas vantagens que os bidimensionais, mas possibilitando

também a sua discriminação táctil.

Os sistemas tridimensionais mais conhecidos e usados são os seguintes:

objectos em miniatura, representando objectos do dia-a-dia; sistema

"Non-SLIP" (Carrier & Peak, 1975) que incorpora um conjunto restrito de

formas abstractas em plástico numa gramática artificial; Sistema Braille, que

reflecte, naturalmente, o potencial semântico e gramatical das linguagens oral e

escrita.

Alguns destes sistemas de imagens concretas, tais como os sistemas REBUS e SPC estão disponíveis no circuito comercial (Johnson, 1981 ;Woodcock, Clark & Danes, 1969; Carlson & James, 1980).

; Conceitos abstractos (Sim, não) são difíceis de representar sob uma forma concreta.

' Destacam-se o Sistema BUSS (MeNaughton & Kates, 1980) e REBUS (Woodcock et al, 1969), que incluem tanto símbolos concretos como abstractos.

60

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Estes sistemas tridimensionais, à excepção do Braille, são novidade na

literatura especializada em educação especial e não estão ainda

suficientemente investigados. Contudo, Van Dijk (1964, 1966, 1967) usou

objectos como símbolos nos seus trabalhos de com crianças que

apresentavam duas deficiências sensoriais.37.

Stillman e Battle (1984) descreveram o uso de objectos concretos como

símbolos no contexto dos "sistemas de calendários concretos", os quais usam,

inicialmente, objectos como pistas receptivas num sistema de gestão do tempo.

Os objectos tridimensionais podem também ser usados nos sistemas de

comunicação expressiva.

A criação de um sistema de comunicação expressiva que use símbolos

tridimensionais exige planeamento e previsão sistemáticos. Previamente,

devem considerar-se os parâmetros mais importantes relativos não só aos

símbolos como à sua disposição; quando em uso, o sistema deve ser

constantemente avaliado e revisto de forma a fomentar um progresso seguro

no sentido de se atingirem níveis superiores de comunicação.

Segundo Rowland e Schweigert (1998), cit. por Nunes, C. (2001), os

símbolos devem obedecer às seguintes propriedades:

• Devem ter uma relação perceptiva clara com o referente, de modo a que a criança compreenda relação

• Devem ser permanentes • Devem ser manipuláveis • Devem poder ser seleccionados facilmente através de respostas

motoras simples

O educador deve, também, ter em consideração o bom posicionamento

da criança, o tamanho e a posição do símbolo, assim como o suporte em que

está colocado.

Este autor, por sua vez, fundamenta essa abordagem nas teorias de Werner e Kaplan (1963)

61

Page 68: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

Como sugerem Mcletchie, B. e Amaral,!, (1993), a criança pode expandir,

com ajuda, as suas capacidades comunicativas, tendo mais controle sobre as

suas próprias vidas, o que lhes proporciona uma melhor qualidade de vida.

Durante as etapas iniciais do uso dos símbolos concretos (nível 5), a

selecção dos símbolos deve permitir que estes sejam usados frequentemente

ao longo do dia, num pequeno quadro de modo a que estejam relacionados

funcional ou perceptivelmente com os seus referentes.

O quadro seguinte mostra exemplos de símbolos, para pessoas com

visão funcional, numa progressão de iconicidade perceptiva ou aumento da

arbitrariedade.

Níveis de Comunicação

Relação ícónica Níveis de Comunicação

Relação ícónica o i m u o i o s rs c 1 c i e i I t ca Níveis de Comunicação

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Nível 5 -Símbolos Concretos

Miniaturas de objectos Telefone de brincar Telefone Nível 5 -Símbolos Concretos

Partes de objectos Fivela de cinto Carro / sair Nível 5 -Símbolos Concretos Objecto associado Cabide Casaco

Nível 5 -Símbolos Concretos

Uma característica comum

Material de bola de futebol ( textura usual) ou bola de pingue-pongue ( forma usual)

Bola de futebol

Nível 6 -Símbolos Abstractos

Arbitrária Forma tri-dimensiona! abstracta

"Acabou"

Quadro 6 -Exemplos de s ímbolos t r i d imens iona is , para c r ianças com visão reduz ida e cr ianças mul t ide f ic ien tes (Adaptado de Rowland S, S t remel -Campbe l l y, 1987)

Num sistema que usa símbolos tridimensionais abstractos, os professores

podem criar as suas próprias formas tridimensionais a serem usadas como

símbolos no nível seis. Uma peça com a forma da letra "C" pode representar

"casa de banho", por exemplo. Letras e palavras em Braile são símbolos

tridimensionais que podem ser usados por pessoas com óptimas capacidades

de discriminação táctil e um alto funcionamento cognitivo.

(iv) TECNOLOGIAS ELECTRÓNICAS DE APOIO

Com crianças com graves problemas ortopédicos, pode ser necessário

usar tecnologia electrónica e de micro-computadores para lhes garantir um

meio de expressão.

62

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Podem-se ligar vários comutadores para reforçar os estímulos ou para

que a exibição de um símbolo possa ser activada através de uma resposta

motora mínima, tal como um ligeiro voltar da cabeça ou um leve toque com a

mão.

As crianças com um funcionamento cognitivo mais baixo podem,

inicialmente, ter os seus comutadores ligados a simples objectos de reforço

sensorial, permitindo-lhes ganhar uma consciência das contingências do meio

ambiente ou a noção de que podem ter algum controle sobre o ambiente

animado ou inanimado (Brinker & Lewis, 1982).

Com o objectivo de criar um sistema de comunicação, pode vir a incluir-se

o uso de um comutador que active um "dispositivo de chamada" (simplesmente

para chamar a atenção de outra pessoa), o uso de um comutador para uma

escolha entre duas opções e o uso de outro para indicar "sim" versus "não".

Uma criança nestas condições e que tenha um alto funcionamento

intelectual e uma grande motivação de ordem social pode precisar apenas que

lhe seja garantido um meio de selecção de símbolos de forma a estabelecer a

comunicação através de um dispositivo como o "Zygboard", o "Dial Scan" ou o

"Touch Talker"(Rowland & Stremel-Campbell, 1987).

(d) Selecção de fornias de comunicação expressiva

Uma das necessidades mais urgentes da investigação na área da

comunicação para pessoas com deficiências graves, é a avaliação da

progressão desde a intervenção inicial.38 A selecção de formas de

comunicação expressiva depende, em larga medida, das capacidades

sensoriais e motoras da criança. Outro factor significativo a considerar, nesta

decisão, são as capacidades cognitivas da criança, incluindo a memória e o

nível de representação.

Quando se dão ajudas técnicas, deve-se não só oferecer a possibilidade de transmitir mensagens, mas também um suporte eficaz no processamento da interacção e comunicação com o meio ambiente.

63

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Romsky, Sevcik & Joyner (1984) abordam as vantagens e desvantagens

dos sistemas simbólicos não-vocais. Segundo estes autores, não é necessário

reduzir as opções a uma só. É inteiramente correcto trabalhar com dois ou

mesmo três sistemas expressivos, simultaneamente, desde que esta

abordagem tenha sido delineada para que a criança avance sistematicamente

para níveis de comunicação progressivamente mais altos.

Uma criança pode usar um vasto repertório de gestos convencionados

para expressar necessidades básicas assim como também pode usar objectos

concretos como símbolos de uma forma que lhe permita comunicar mais

especificamente do que através do gesto. O professor pode querer que essas

mesmas crianças associem gestos manuais aos vários objectos concretos,

numa tentativa de as fazer avançar para um sistema simbólico mais abstracto.

Uma criança usará modos de expressão diferentes à medida que as suas

capacidades comunicativas se desenvolvem. Deverá ser ensinada e

encorajada a usar sistemas de comunicação cada vez mais abstractos e

convencionados, baseados no seu desenvolvimento social e cognitivo.

Se uma criança usa um sistema de comunicação altamente artificial, tal

sistema deve ser acessível e compreendido pelos seus pares e pelas demais

pessoas da escola que não costumam estar na sua sala de aula, como, por

exemplo, as auxiliares de acção educativa. Os símbolos Bi e Tridimensionais

devem ser rotulados de forma a que a família da criança a os seus amigos

compreendam o que eles representam.

Crianças com deficiências severas podem usar uma única forma de

comunicação, tal como um sistema de comunicação por imagens ou um

dispositivo electrónico, que não é partilhada por qualquer outra criança da sala

de aula ou pelo professor.

A criança pode ser obrigada a usar esta forma de comunicação mas,

porque mais ninguém a usa, a dupía função - expressiva a receptiva- deste

sistema comunicativo falha. Para que todo o potencial comunicativo de um

sistema alternativo seja posto em prática, a criança deve compreender que ele

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Page 71: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

pode ser usado também por outra pessoa. A responsabilidade de partilhar com

a criança este único sistema de comunicação recai, no professor e família.39

(e) Função da Comunicação Expressiva

A perspectiva pragmática sobre o desenvolvimento da comunicação

tem-se centrado na sua função social. As funções básicas da linguagem e

comunicação definem-se pelos seus efeitos no seio das trocas sociais. As

formas de comunicação abordadas na secção anterior deste texto podem

expressar diferentes funções comunicativas.

Carente, Mastergeorge & Coggins, (1983), cit. por Rowland & Stremel-

Campbell (1987), estudaram os padrões de aquisição dos comportamentos

comunicativos intencionais não-verbais de seis bébés, desde os 8 aos 15

meses de idade., tendo encontrado uma forte tendência para o surgimento das

funções comunicativas pela seguinte sequência:

> Protesto;

> Pedido de uma acção,

> Pedido de um objecto;

> Comentário sobre uma acção;

> Comentário sobre um objecto ;

> Resposta.

As funções comunicativas básicas, tais como o protesto, o pedido, a

chamada de atenção, podem ser realizadas por meios pré-simbólicos, como

tocar, mostrar objectos a apontar, formas que só ganham eficácia na presença

do objecto. As funções correspondem às necessidades da finalidade da

comunicação, ou seja, entender a necessidade e compreender as intenções da

criança40

Um sistema partilhado fará com que o professor faça o uso correcto do sistema e a criança aprenda que a comunicação é uma troca que se processa nos dois sentidos. )

Será a nossa sensibilidade aos sinais de cada criança, que vai ajudar a conhece-la e a interpretar as formas que ela utiliza.

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A aquisição de capacidades de referenciação concreta e abstracta amplia

as funções comunicativas que a criança tem ao seu dispor, acrescentando

duas funções poderosas ao seu repertório: primeira, a criança é capaz de

nomear ou rotular objectos, pessoas a actividades; segunda, a capacidade

para nomear permite-the comunicar sobre "coisas" que se encontram espacial

e temporalmente distantes.

Os professores e os educadores devem aprender a utilizar, eles próprios,

um vasto leque de funções comunicativas bem como a dar à criança

oportunidades para que ela use um leque igualmente vasto de funções.

Um exercício útil para a criação das bases sobre que assenta a partilha

das funções é aquele em que se procede à recolha de uma amostra dos

comportamentos verbais dos pais ou dos professores, e dos comportamentos

pré-verbais ou verbais da criança, categorizando de seguida as diferentes

funções comunicativas exibidas por ambos os parceiros (Rowland & Stremel-

Campbell ,1987)

É certo que muitas crianças não serão capazes de reproduzir a gama

completa de funções de que o professor é capaz mas, mesmo assim, será

talvez possível obter uma partilha mais equilibrada das funções comunicativas.

(f) Conteúdos da comunicação expressiva

Por conteúdos referimo-nos ao significado da comunicação ou, em termos

mais convencionais, à semântica. Vários autores estudaram os significados

iniciais na comunicação de crianças sem deficiências e classificaram os itens

lexicais iniciais em diferentes grupos de categorias (Bloom, 1973; Guillaume,

1978).

Os primeiros tópicos de conversação foram, como se esperava, e tal

como se expressam no período halofrásico, tópicos de muito interesse para a

criança 41 Além disso, as crianças parecem ser bastante económicas quanto à

Destes tópicos,destacam-se os relativos a pessoas (mamã, papá), objectos e comida (brinquedos favoritos, tempos livres, brinquedos) a palavras relacionadas com acções ou desejos (mais, não, para cima, para baixo..).

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escolha de palavras, guardando-as para contextos onde meios não-verbais se

revelam insuficientes para a comunicação das suas mensagens (Moerk, 1977).

Foster (1985) avaliou o desenvolvimento dos tópicos na comunicação de

crianças a um nível mais alargado que o proporcionado pelos estudos sobre o

léxico. Num estudo longitudinal sobre o desenvolvimento de tópicos em cinco

crianças com idades de 1 a 30 meses, Foster concluiu que o tópico de

comunicação mais precoce era o "auto-tópico", centrando-se na própria

criança, seguido por "tópicos ambientais", em que a criança dirige a sua

atenção para fora de si; a estes se seguiam outros tópicos "abstractos" ou

"deslocados", os quais regra geral requeriam comportamentos linguísticos.

Quando os professores e educadores se acharem na posição de serem

eles próprios a escolher o sistema de comunicação dos seus alunos, vão

deparar-se com duas importantes esferas de influência:

♦ Em primeiro lugar, terão de decidir sobre o léxico inicial que por sua

vez vai ditar o leque dos significados sobre os quais a criança pode

comunicar42 De acordo com Luftig (1984), os parâmetros que se

devem tomar em consideração ao escolher o léxico gestual inicial são:

"variáveis de produção" - as que se relacionam com a facilidade de

produção; "variáveis psicolinguísticas" , tais como a abstracção e a

frequência; "variáveis sóeio-pragmáticas" tais como a funcionalidade e

a importância para o indivíduo43 O léxico escolhido deve ser

posteriormente encurtado de forma a que se excluam itens

classificados como difíceis em termos das variáveis de produção ou

das variáveis psicolinguísticas.

♦ Em segundo lugar, uma outra forma de o professor poder ter impacto

sobre o conteúdo da comunicação expressiva do aluno é a de lhe

possibilitar ambientes interessantes para que assim possa ter alguma

42 Alguns autores apresentaram estratégias e parâmetros para a selecção do léxico inicial de gestos manuais (Griffith,

Robinson, & Panagos, 1983; Karlan & Lloyd, 1983; Luftig, 1984) e de símbolos gráficos (Wilson, 1980). 43

Idealmente, os parâmetros sócio-pragmaticais devem ser considerados em primeiro lugar, dai resultando a selecção de um léxico que terá de ser necessariamente importante para o indivíduo, selecção essa baseada numa análise do

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coisa sobre que comunicar. Não é provável que uma criança

confinada a um ambiente estéril e monótono se possa sentir muito

estimulada para comunicar. Embora este seja um problema difícil para

o professor ou o terapeuta corrigir, é uma área extremamente

importante na intervenção.

Halle (1984) e Snyder-McLean et ai. (1984), sugerem algumas estratégias

para o aumento do valor do conteúdo comunicativo do ambiente que rodeia o

aluno. Ao criarem ambientes interessantes que estimulem a criança e a levem

a comunicar, os professores estão também a dar tópicos para uma "discussão"

com os alunos. Partilhando os seus interesses, o professor assegura que é

sobre conteúdos partilhados pelos parceiros que a comunicação se processa44

É claro que o jovem comunicador deve aprender a comunicar sobre

conteúdos que não estejam apenas centrados na sua pessoa. Com crianças

com grandes atrasos no processo de comunicação, deve-se, contudo, criar

uma "ambiente" comunicativo extremamente motivante, sendo que o

professor/educador terá de ir atrás da vontade do aluno durante mais tempo do

que o faria com uma criança normal.

(g) Técnicas de intervenção

Frequentemente, as crianças com deficiência sensoriais e com

deficiências graves, usam apenas algumas funções comunicativas : chamar a

atenção, pedir "mais" (normalmente comida) e protestar.

Curcio (1978), concluiu que as crianças com comportamentos autistas

comunicavam para pedir, recusar e cumprimentar mas não apontavam nem

mostravam nada para expressar comentários ou dirigir a atenção do outro

sobre o referente.

funcionamento actual do aluno em combinação com dados sobre o vocabulário inicial das crianças que não são deficientes. \

O aluno que funciona, tipicamente, a um nível precoce da comunicação expressiva está mais provavelmente interessado em poder movimentar-se no ambiente que o rodeia (para baixo, para fora) do que em nomear animais.

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Donnellan, Mirenda, Mesaros & Fassbender, (1984) notaram que muitos

dos comportamentos "inapropriados" exibidos por pessoas com deficiências

graves - comportamentos de auto-agressão, estereotipais...- tinham funções

comunicativas. Categorizaram alguns desses comportamentos, assim como as

funções que eles poderiam expressar e sugeriram que os profissionais

envolvidos neste processo não só dessem bastante atenção às intenções

comunicativas de tais comportamentos como também apresentassem

estratégias para os eliminar, podendo inclusivamente substitui-los por

comportamentos comunicativos convencionados.45

Nas poucas pesquisas disponíveis sobre as aprendizagens das funções

comunicativas, Reichle Rogers & Barret, (1984), usaram uma técnica em que

se cria um determinado ambiente que fornece contextos obrigatórios para a

produção de funções específicas, semelhante às técnicas de avaliação da

linguística referidas por Chapman, (1981), Craighead (1984) , Snyder-McLean,

Solomonson, Mclean & Sack, (1984)46

Algumas crianças com deficiências sensoriais parecem pedir a

continuação da acção ou pedir "mais" por um objecto em vez de fazerem um

pedido por uma nova acção ou objecto. Esta função de "continuação da acção"

pode ser uma forma de descontextualização por que deve passar uma criança

com deficiências graves (Werner & Kaplan, 1963)47

Depois de repetidas oportunidades para treinar a função de "pedir mais" e

as respostas formais pré-simbólicas, a criança deve finalmente aprender a

pedir por qualquer meio sem que esteja de facto envolvida numa actividade.

Em muitos casos, as funções mais primitivas - protesto, pedido- podem

não precisar de treino além da simples criação de oportunidades adequadas

É tarefa do educador alargar o repertório das funções comunicativas do aluno, e também aumentar as formas especificas de comunicação de itens vocabulares.

Para treinar a função de protesto, por exemplo, pode-se apresentar ocasionalmente a criança um objecto de que se tem conhecimento que ela não gosta. Para treinar uma criança a pedir "mais" por uma determinada actividade, podemos envolver-nos numa actividade altamente desejada pela criança, cessá-la e recusar retomá-la até que a criança faça o gesto apropriado.

Isto é, a criança tem de estar envolvida directamente numa actividade para que dessa forma saiba que tem oportunidade para fazer um pedido.

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onde a criança as pode expressar. É o treino de funções mais sofisticadas-

como oferecer, comentar, questionar e responder a perguntas- que exige um

grande esforço para lá da mera criação de oportunidades no meio ambiente.

Esta é uma área de intervenção que requer ainda uma investigação mais

vasta. (Rowland & Stremel-Campbell,1987).

Secção 2.06 DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO RECEPTIVA

O ênfase colocado na partilha de um sistema de comunicação para a

criança deve também remeter-nos para a comunicação do professor com a

criança. Os critérios para a escolha de um sistema de comunicação receptiva

devem incluir a avaliação do sucesso ou insucesso das trocas comunicativas.

Mahoney (1975) propõe, para um eficaz desenvolvimento da linguagem, que os

alunos devam ser capazes de detectar o significado das mensagens através de

alguns meios não-verbais. 48

Estudos sobre a comunicação não-verbal das mães, mostram que as

mães de bebés muito pequenos usam indicadores exactos, tais como tocar na

criança, tocar ou manipular um objecto, além dos gestos naturais

convencionados e das ordens verbais (Alan & Shatz, 1983; Murphy & Messer,

1977; Schaffer & Crook, 1979). As mães associam estes indicadores exactos

aos seus enunciados verbais. O uso desses indicadores associados às ordens

verbais parece aumentar a anuência da criança às ordens que se destinam a

chamar-lhe a atenção (Schaffer & Crook, 1980).

Os pais devem também ser capazes de determinar, a partir das pistas

não-linguísticas da criança, se as suas tentativas de comunicação são ou não

demasiado complexas para ela. Não existe ainda uma investigação específica

mais extensa para o papel dos comportamentos não-linguísticas das mães no

A literatura sobre o desenvolvimento da criança mostra numerosos estudos onde se conclui que as crianças pequenas reagem as curvas de entoação, aos traços supra-segmentais, às expressões faciais e aos gestos naturais, antes de reagirem às palavras (Chapman, 1981; FolgerS Chapman, 1978; Moerk, 1975; Rondai, 1978).

70

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desenvolvimento comunicativo e receptivo dos seus filhos (Schaffer, Hepburn &

Collins, 1983).49

Crianças com deficiências sensoriais irão ter dificuldade em compreender

a mensagem de um interlocutor se não apreenderem as pistas faciais e

gestuais ou ouvirem os padrões de entoação ou as pausas que dão à indicação

para tomar a vez. Por conseguinte, as variáveis de forma, função e conteúdo

devem também ser consideradas no desenvolvimento da intervenção sobre a

comunicação receptiva, tendo em conta as limitações sensoriais, motoras e

cognitivas da criança.

(a) Formas de comunicação receptiva

Tal como acontece com a comunicação expressiva, existem variadas

formas de comunicação receptiva que se adaptam especificamente a certos

alunos, de acordo com as suas capacidades sensoriais e motoras. Muitas

crianças não compreenderão sequer os elementos mais simples da linguagem

gestual ou oral, pelo que os professores, educadores e pais devem considerar

formas alternativas de comunicação receptiva, tais como o aproveitamento de

pistas ambientais e indicadores exactos nas actividades levadas a cabo em

cada momento:

O uso de indicadores exactos e de "input" (entrada) linguístico através do

sentido do tacto do aluno deve ser explorado e desenvolvido em intervenções

mais sistemáticas. Será preciso usar certas formas especiais de indicadores

exactos, adaptadas aos alunos com deficiências sensoriais, se estes forem

capazes de compreender as mensagens dos outros. Estes indicadores exactos

devem ser usados constantemente em todas as interacções com os alunos e

deverão ter um significado especifico (conteúdo) bem como funções

específicas.

Os pais tem que modificar o seu estilo de comunicação com as crianças de forma a que estas possam compreender as suas cada vez mais complexas mensagens linguísticas e nao-linguísticas.

71

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De seguida, abordam-se os três tipos de pistas receptivas não verbais:

objectos-pistas; pistas tácteis e pistas gestuais, sugeridos por Campbell e

Rowland, (1987).

(i) OBJECTOS-PISTA

São objectos de que diariamente nos servimos e que, usados

consistentemente, fornecem uma informação específica. Inicialmente, os

objectos-pista ou classes de objectos-pista (Mclnnes & Treffrey, 1982) podem

apenas fornecer informação sobre o que está para acontecer ao aluno (por

exemplo, "vamos comer", "vou tirar-te da cadeira de rodas").

O potencial destas pistas precoces está na possibilidade de reduzirem

certos comportamentos motores (sobressaltos, por exemplo) e outras formas

de comportamento inapropriados, uma vez que deixam o aluno antecipar o que

lhe vai acontecer. Dado que muitos alunos não podem servir-se da visão ou da

audição para a recepção das pistas que ocorrem nas interacções, os

objectos-pista podem ser adaptados para servir de "input" receptivo.

Objectos-pista precoces são aqueles que se encontram intimamente

relacionados com as actividades de rotina ligadas as necessidades pessoais

(alimentar-se pelo biberão, alimentar-se com a colher, mudança de fraldas,

mudança de posição, movimentar-se para outros sítios). Inicialmente, pode dar­

se ênfase às propriedades de temperatura, odor e textura ligadas a esses

objectos, de forma a aumentar o nível do "input" sensorial. Consequentemente,

deve dar-se uma oportunidade ao aluno para que dê uma resposta específica e

activa ao objecto-pista, como, por exemplo, abrir a boca quando se lhe

apresenta uma colher, no momento em que ele faz uma refeição.

Os objectos-pista podem também dar informação sobre o acesso e ou a

deslocação para diferentes sítios. "Por exemplo, pode dar-se as chaves do

carro ao aluno para indicar que ele e a mãe ou avó vão passear de carro"

Os objectos-pista seleccionados devem ter em linha de conta a idade do

aluno, as suas preferências e as oportunidades específicas que o meio lhe

proporciona para realizar as actividades e desenvolver interacções.

72

Page 79: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

Muitos dos objectos inicialmente usados como pistas de recepção ou de "input" podem mais tarde servir para a criança, como formas de expressão, permitindo-lhe, a partilha do sistema de comunicação.

No quadro seguinte, apresenta-se uma lista onde se sugerem vários objectos que podem funcionar como pistas.

OBJECTOS-PISTA FUNCIONAIS-CONSOANTE A IDADE SIGNIFICADO OBJECTO-PISTA

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Identificação pessoal Específico a cada criança (anel, cabelo, pulseira, bigode)

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Comer Colher

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Beber Copo CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Mudar de roupa Calções ou fraldas, consoante as idades CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Andar Andarilho

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Acabou Caixa onde coloca Objectos

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Cama/dormir Manta, almofada ou boneco da criança

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Sentar-se no tapete Pedaço de tapete

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Ir para o recreio Um brinquedo(bola)

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Ir para o ginásio Fita no pulso; corda para saltar.

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Tomar banho Sabonete ou esponja

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Vestir Camisola

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU Ir para a rua Carteira, mochila ou sacola

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Passear de carro Chaves do carro

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Nadar Fato de banho/touca

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Trabalho na sala Horário

CO < o o _ l CO < o CO <

! OQ CO LU O < a

í to 1 CO

LU O LU

Ir às lojas/compras Porta-moedas, saco ou carteira.

MA

TER

IAIS

ES

PEC

ÍFIC

OS

Gravador de musica Cassete de áudio

MA

TER

IAIS

ES

PEC

ÍFIC

OS Bolas de sabão Tubo para soprar as bolas

MA

TER

IAIS

ES

PEC

ÍFIC

OS

Baloiço Ferro, borracha ou corda de nylon.

MA

TER

IAIS

ES

PEC

ÍFIC

OS

Bebidas Copo/garrafa

MA

TER

IAIS

ES

PEC

ÍFIC

OS

Iogurte Copo de iogurte MA

TER

IAIS

ES

PEC

ÍFIC

OS

Bolacha Caixa das bolachas

MA

TER

IAIS

ES

PEC

ÍFIC

OS

Lanche Chávena Quadro 7- Quadro de ob jec tos-p is ta func iona is

( Adaptado de Rowland & Stremet -Campbel t ,1987)

73

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(ii) PISTAS TÁCTEIS

As pistas tácteis são sinais executados no corpo da criança para lhe

fornecer uma mensagem específica , como , por exemplo, um toque no ombro

para indicar "senta-te". As pistas tácteis são frequentemente usadas em

conjunção com os objectos-pista. As pistas tácteis mais precoces devem incluir

um toque na criança para que ela se aperceba da presença de uma pessoa e

de que pode travar uma interacção com ela.

As actividades que não envolvem objectos são frequentemente

assinaladas com pistas tácteis. Por exemplo, deve ser dada prioridade a uma

pista para "Vou levantar-te, vou pôr-te no lugar" em vez de pura e

simplesmente se agir sobre a criança sem lhe dar qualquer informação.

Determinadas formas de pistas tácteis não estão normalizadas pelo que

são frequentemente usadas sem consistência. Muitas vezes, os professores e

os pais usam diferentes pistas tácteis para expressarem uma mesma

mensagem.

Não é uma questão decisiva usar esta ou aquela pista; contudo, o uso de

uma pista por diferentes pessoas, em diferentes momentos ou espaço, é

decisivo para que o aluno aprenda o seu significado e demonstre responder

adequadamente.50

(iii) PISTAS GESTUAIS

As pistas gestuais incluem tanto os gestos naturais convencionados como

a pantomima, mimando uma acção, ou a forma de um objecto. As pistas

gestuais devem ser usadas dentro de uma interacção motivada e não como

directrizes.

Para os alunos que têm uma visão reduzida, as pistas gestuais podem,

ao fim a ao cabo, substituir os objectos-pista ou as pistas tácteis. Por exemplo,

se o professor/educador gestualizar "para cima" e o aluno não responder, ficará

Recordemos: nunca se deve agir sobre uma pessoa com deficiência sensorial e/ou outra sem que primeiro seja informada sobre o que se vai passar.

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então a saber que houve uma quebra na troca comunicativa, podendo então

apresentar-se uma pista táctil ou um objecto - pista associado à pista gestual,

alterando assim a natureza do estímulo recebido pela criança - Tawney & Gast,

(1985), citado por, Siegel & Downing (1987). Desta forma, a pista gestual

começa a ganhar significado quando a associada a uma pista que já é

portadora de significado para a criança. Gradualmente, o objecto ou a pista

táctil começarão a distanciar-se da pista gestual, procedimento que configura

uma estratégia de desvanecimento temporal (Touchette, 1971 ).

Durante as primeiras fases da intervenção, as pistas gestuais e outras

pistas de recepção devem ser usadas em interacções motivantes e não apenas

para veicularem ordens.51 O aluno que responde a objectos ou a pistas tácteis

poderá aprender a responder as pistas gestuais equivalentes se estas forem

associadas consistentemente com as primeiras.

(iv) FORMAS ABSTRACTAS DE RECEPÇÃO

A partir do momento em que o aluno responda a pistas tácteis ou a pistas

gestuais convencionadas cada vez mais complexas, podem-se introduzir

sistematicamente formas abstracto-simbólicas de recepção nas tarefas de

rotina funcionais nas quais o aluno se concentra em determinadas pessoas,

actividades ou acontecimentos.

Essas formas simbólicas podem incluir gestualização mão-na-mão (táctil)

e o seu treino precoce pode implicar que se ensine a criança a estender as

mãos para antecipar a mensagem do interlocutor, deixando que este a

gestualize sobre elas. A criança deve demonstrar ter boas capacidades de

discriminação táctil e um funcionamento cognitivo razoavelmente alto para que

possa receber as subtis pistas tácteis através da gestualização táctil numa ou

nas duas mãos.

Por exemplo, pistas tais como "dá-me", "toma", "procura", "vamos embora" a "aqui" podem ser mais motivantes e mais orientadas para a interacção do que "senta-te", pela razão de que com aquelas pistas o aluno recebe algo em troca.

75

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Para os alunos que tem alguma visão, os objectos ou as pistas gestuais

podem ir desaparecendo gradualmente , sendo substituídos por gestos

manuais (Stremel-Campbell, Cantrell & Halle, 1977) por forma a que comecem

a compreender formas de "input" mais abstractas. A fala, a escrita, os sistemas

pictográficos e o braille são outras formas abstracto-simbólicas que podem ser

usadas.

(V) A ESCOLHA DE UMA FORMA RECEPTIVA

Ainda que os professores usem como pistas formas visuais ou gestuais,

ao mesmo tempo que usam a fala, o seu uso com alunos portadores de

deficiências sensoriais não sofreu ainda uma avaliação sistemática.

As primeiras questões a levantar prendem-se com a selecção das formas

em relação à receptividade do aluno. A questão fundamental, quando se trata

de escolher formas de recepção, não se prende com as capacidades sensoriais

do aluno, tendo antes de se averiguar se o aluno responde ou não.

Tal como na comunicação expressiva, usa-se, frequentemente e em

simultâneo, mais do que uma forma de comunicação receptiva. Muitos

professores usam a fala para comunicar com os seus alunos, mesmo que estes

tenham uma acuidade auditiva reduzida.52

Embora os sistemas simbólicos Bi e Tridimensionais sejam considerados

frequentemente como formas para uso do aluno, os pais e os professores

devem também reflectir sobre o potencial receptivo que esses modos

encerram.53

Importa, contudo, não ultrapassar limites realistas no que diz respeito ao

uso das diferentes formas de recepção O uso de demasiadas formas de "input"

pode criar a confusão em algumas crianças, razão porque quando uma criança

O contrário, ou seja não falar, pode privar o aluno de uma ou outra pista dada pela entoação ou pela expressão facial que o aluno podia apreender. 5

Não se pode esperar que uma criança use espontaneamente um determinado modo expressivo se não entender que ele é também usado comunicativamente por outras pessoas; ou, por outras palavras, o sistema deve ser partilhado.

76

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já está a responder a determinado nível, deve-se começar a reflectir sobre uma

forma receptiva de nível superior.

É importante usar pistas consistentes. Mesmo para crianças que não são

deficientes, o processo de comunicação que se segue ao ritmo natural é pouco

consistente. Para a criança multideficiente, é importante que haja consistência

nas formas de comunicação receptiva, tanto na família como na escola.

(b) Funções da comunicação receptiva

A função ou a intenção da mensagem que é dirigida à criança é um

aspecto crucial da comunicação receptiva, havendo duas importantes áreas a

ter em consideração no que diz respeito às funções da comunicação receptiva.

♦ A primeira área tem a ver com o fornecimento de pistas que permitam

ao aluno com deficiências múltiplas interpretar correctamente a função

das mensagens que lhe são dirigidas. As crianças sem problemas a

nível sensorial percebem as funções da comunicação antes de

poderem compreender o significado concreto das palavras.54

A criança deficiente auditiva pode ser capaz de inferir as pistas funcionais

a partir da entoação vocal, mesmo que não consiga discriminar determinadas

palavras. A criança que tenha uma perda auditiva total mas com resíduos

visuais pode ser capaz de interpretar a função da mensagem a partir das

expressões faciais, da "linguagem corporal" em sentido global e dos gestos

naturais. A criança multideficiente, contudo, encontra-se privada da recepção

de toda a qualquer pista funcional que ocorra naturalmente à sua volta.55

A criança multideficiente precisa de mais informação para interpretar a

função do "input" receptivo. A comunicação receptiva deve incluir pistas

gestuo/tácteis ou objectos-pista suplementares que possam servir de pistas

funcionais discriminativas informando o aluno sobre o objectivo ou função da

Aprendem que as perguntas, as ordens e os comentários têm diferentes funções e percebem-no através dos diferentes padrões de entoação vocal, expressões faciais e dos gestos naturais que acompanham a fala.

Quando o professor gestualiza "copo" sobre a mão de um aluno nessas condições, este terá dificuldade em compreender se o professor lhe pede uma acção, se está a fazer um comentário, se pede ao aluno que repita a palavra ou se espera uma resposta de tipo sim/não.

77

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mensagem do emissor ("faz o que eu acabei de fazer", "diz o que eu acabei de

dizer", "responde-me" ou "estou só a dar a minha opinião, não preciso que me

respondas").

♦ A segunda área, extremamente importante no que diz respeito às

funções da comunicação receptiva, é a criação de um vasto leque de

funções nas mensagens que se dirigem ao aluno com deficiência

sensorial multideficiente.

Alguns estudos sobre as interacções mãe-criança afirmam que as mães

dos alunos com perca auditiva (Goss, 1970; Henggeler & Cooper, 1983;

Wendell-Monning & Lumley, 1980) e de alunos com deficiência visual (Kekelis

& Anderson, 1984: Rowland, 1984) não interagem da forma que melhor possa

facilitar o desenvolvimento pré-linguístico e linguístico.

Outros estudos recentes sobre as funções da fala das mães em

interacção com os seus filhos deficientes (Cunningham, Reuler, Blackwell &

Deck, 1981; Eheart, 1982; Kekelis & Anderson, 1984) indicam que estas mães

são mais directivas e dão mais ordens aos filhos, não dando, frequentemente,

"feedback" positivo em relação as interacções em que os filhos cooperam

(Cunningham et ai. 1981). Um vasto conjunto de dados indica que o uso pelas

mães de uma grande proporção de ordens poderá ter uma influência negativa

na aquisição da linguagem (Cross, 1978; Field, 1977, 1980; McDonald & Pien,

1982), porque diminui a frequência e a complexidade do discurso espontâneo

(Hubbel, 1977) e porque resulta num ritmo mais lento na aquisição do

vocabulário (Nelson, 1973; Snow, 1979).

É importante que os professores possibilitem e criem amplas

oportunidades para o estabelecimento da comunicação e diminuam a grande

frequência de ordens .

78

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(c) Conteúdos da comunicação receptiva

Alguns estudos (Cross, 1978; Mueller, 1972; Phillips, 1970) indicam que

as pessoas que cuidam da educação de bebés e crianças centram o seu

discurso oral sobre o que, visualmente, desperta mais a atenção da criança ou

com aquilo com que estas interagem. Tem sido muito claro que o discurso oral

das mães está altamente sincronizado com o comportamento que as crianças

mostram a todo o momento nas interacções sociais de rotina (Collis, 1977;

Collis & Schaffer, 1975; Murphy, 1978).

Schaffer et ai. (1983), sugere também que as mães poderão, na

realidade, adaptar uma tarefa de forma e aumentar as hipóteses da criança no

cumprimento duma ordem ou na resposta a uma mensagem. Estas crianças

podem, por conseguinte, compreender uma mensagem baseada nas variáveis

do meio que as cerca ( pessoas, lugares, contextos) em vez de ficarem

dependentes das variáveis léxicas ou sintácticas.

Em relação às crianças que tem deficiências sensoriais, pode ser difícil

determinar sobre que e como é que elas centram a sua atenção ou interagem,

dado que as suas interacções são extremamente reduzidas. Os pais e os

professores vão ter necessidade de determinar, cuidadosamente, o que vai

despertar a atenção da criança. Pode ser necessário criar oportunidades para

interacções de rotina de forma a que ela fique a dispor de um

conteúdo/contexto onde se concentrar, antes de se tentar introduzir pistas não-

linguísticas e linguísticas no "input" receptivo.

Mervis (1983) sustenta que, para uma criança compreender palavras e vá

adquirindo, por conseguinte, um vocabulário, terá de haver uma relação

transparente entre a palavra e o seu referente. Portanto, o conteúdo

seleccionado para a aprendizagem da comunicação receptiva deverá

fundamentar-se sobre aquilo em que o aluno concentra a sua

atenção/interacção e nas palavras para as quais existe uma relação

transparente.

79

Page 86: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

Miller, Chapman, Branston & Reichle (1980) concluiram que as crianças

compreendem as palavras que se referem a objectos e a pessoas antes de.

compreenderem palavras que se referem a acções. Do mesmo modo,

compreendem as palavras que designam objectos que elas podem ver (e

possivelmente tocar) antes de o fazerem para as que designam objectos que

não estão "aqui e agora".

Estes dados sugerem que as crianças com deficiências sensoriais e

multideficientes podem aprender os nomes específicos dos objectos com que

lidam antes de aprenderem verbos, tais como "comer, sentar, ir". O conteúdo

ou os significados das mensagens recebidas pelas crianças devem ser

escolhidos com tanto cuidado como o conteúdo das mensagens que ela

expressa.

É de importância decisiva que pais e professores apresentem os gestos

naturais ou os símbolos, de forma a que a criança infira o seu significado e

aprenda a fazer a correspondência um-a-um entre o gesto natural/palavra e o

seu referente.

80

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Secção 2.07 A INTERACÇÃO NO CONTEXTO NATURAL PARA O TREINO DA COMUNICAÇÃO

As interacções a dois transcendem o use de sistemas específicos de

comunicação receptiva ou expressiva, exigindo antes a realização efectiva de

uma troca comunicativa.

Iniciar, responder e manter a comunicação entre dois parceiros são as

capacidades de desempenho consideradas necessárias a uma relação dual.

Consideram-se capacidades de interacção social, pois permitem que a síntese

das capacidades expressivas e receptivas, que existem em separado, se faça,

criando uma comunicação com sucesso.

Algumas das capacidades mais básicas de interacção dual envolvem:

♦ chamar a atenção do interlocutor antes de comunicar uma mensagem;

♦ orientar a atenção do interlocutor para o tópico da conversação;

♦ dar a oportunidade ao parceiro para tomar a vez;

♦ expressar a sua mensagem quando é a sua altura de tomar a vez na

troca comunicativa.

Sem estas capacidades de interacção a dois, os desempenhos isolados

de recepção e expressão não tem qualquer eficácia. Por outras palavras, uma

criança pode ser capaz de produzir e expressar respostas correctas em

determinadas situações e de responder correctamente a determinado "input" 56

receptivo, mas ser incapaz de efectivamente comunicar.

A interacção comunicativa é uma troca dinâmica que envolve pelo menos

duas pessoas; por isso, é importante que pais e educadores reconheçam que

as deficiências profundas e múltiplas afectam profundamente o modo dos

outros interagirem com a criança..

A eficácia das capacidades de desempenho comunicativo não pode ser avaliada fora de uma interacção entre dois parceiros . Por conseguinte, o contexto lógico para a intervenção ocorre numa interacção a dois.

81

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Borner, (1974 e1975,) mostrou que as funções sociais da comunicação

são o resultado das interacções duais precoces entre os pais a os bebés, as

quais implicam "acção conjunta" e "atenção conjunta".

Para algumas crianças com deficiências mais graves e que não prestam

atenção a objectos, as interacções precoces onde existe acção conjunta e

atenção conjunta, quer com os educadores quer com os pais, podem ser

apenas de ordem social, não necessitando de implicar o uso de objectos.

Siegei & Downing, (1987), sugerem que os pais e educadores devem

interagir fisicamente com a criança de um modo que seja agradável para a

criança. As interacções devem incorporar estimulação quinestésica, táctil,

gustativa, vibratória e olfactiva, em vez da habitual dependência das

modalidades visuais e auditivas de estimulação.

Os pais e educadores devem ter sensibilidade para as preferências e

rejeições das crianças, interagindo de forma a fazer uso das oportunidades

apropriadas de acariciar (beijar, abraçar), demonstrando uma variedade de

comportamentos afectivos para com ela e estabelecendo momentos de

actividades nas quais se vão imitar os comportamentos intencionais ou não da

criança.

Durante as interacções com pessoas ou objectos no meio ambiente que

rodeia a criança, devem observar-se as acções específicas que a criança

utiliza, afim de permitir à criança fazer escolhas sempre que possível.

82

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Capítulo 3. Métodos de Caso Único

83

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Secção 3.01 INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende fazer uma referência não-exaustiva ao

método do "estudo de caso" na psicologia clínica e educacional, pela

importância de que se revestiu na origem de descobertas científicas

importantes nesses domínios57.

Far-se-á, também , uma abordagem à "pesquisa de caso único" {single

research) enquanto metodologia válida de investigação científica pela eficácia

e pelo interesse já demonstrado na sua aplicação ao longo dos tempos

(Kazdin,1992 ; Woiery et ai., 1988).

Os planos experimentais de caso único surgiram na sequência da

aplicação dos procedimentos de intervenção educacional, baseados nas

teorias comportamentais, sendo que a necessidade de avaliar a eficácia dos

procedimentos da intervenção é um requisito básico do modelo

comportamental. Esta necessidade de avaliação levou ao desenvolvimento

deste tipo de planos experimentais que possibilitam ao professor / educador

avaliar com rigor científico a sua intervenção.

Nas secções seguintes deste capítulo far-se-á uma abordagem ao estudo

de casos e, de seguida, aos planos experimentais de caso único e das

respectivas especificidades.

57 O estudo de caso pode ser DESCRITIVO OU EXPLORATÓRIO e a sua utilização prende-se com a necessidade

de estudar um fenómeno único e complexo ( Yin, 2001).

84

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Secção 3.02 OS ESTUDOS DE CASO NA PSICOLOGIA CLINICA E EDUCACIONAL

Estes estudos são pouco frequentes e quase sempre limitados a

situações de investigações particulares (Almeida e Freire, 2000). 58 O seu

interesse inquestionável esteve na origem de descobertas científicas muito

importantes, em domínios como a Psicologia Clínica, a Etologia, a Psicologia

do Desenvolvimento e, mais recentemente, a Psicologia da Educação.

Investigadores como Freud e Piaget foram utilizadores desta metodologia

(Pinto, 1990). Segundo este autor, Freud foi o investigador que mais contribuiu

para o uso e aplicação do método de estudo de caso ao entrevistar pessoas

com perturbações, durante um elevado número de sessões, fazendo com que

as pessoas verbalizassem os seus medos, sonhos e fantasias. Freud deduziu,

assim, as suas hipóteses sobre o funcionamento mental do indivíduo. Esta

perspectiva veio mais tarde a ser integrada numa teoria geral de

funcionamento humano a que Freud chamou Psicanálise

Também Piaget usou o método de estudo de casos ao observar crianças .

observando pequenas tarefas dadas às crianças e analisando a forma como

elas eram ou não capazes de as resolver. A partir da análise dessas

observações, Piaget propõe uma teoria do desenvolvimento intelectual da

criança, com base em estádios de desenvolvimento (Pinto, 1990).

Os estudos de caso contribuíram, como fonte de informação única, para

a investigação experimental (Kazdin, 1992). Esta metodologia forneceu aos

investigadores uma variedade de dados cuja importância para a investigação

se reflecte nos aspectos seguintes:

♦ É uma fonte de ideias acerca do comportamento e desenvolvimento

humano. O estudo de casos, numa perspectiva clínica tão variada

como a psicanálise e a terapia comportamental, tiveram uma grande

influência nas teorias do comportamento humano.

Encontram-se na literatura vários exemplos destes estudos feitos por investigadores

85

Page 92: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

♦ Permite a adequação de estratégias de intervenção e a selecção de

determinados comportamentos com a finalidade de, introduzindo

modificações, poder avaliar certas hipótese específicas.

♦ Possibilita o estudo de fenómenos raros assim como de casos

intensivos e fornece informações únicas às quais não se teria acesso

com outra metodologia.

♦ Obriga o investigador a questionar ideias e teorias que até então eram

aceites universalmente.

Ao longo do desenvolvimento das teorias comportamentais, publicaram-

se vários estudos de caso tendo como referência os sucessos desses

tratamentos, sem questionar ou pesquisar sintomas alternativos. Estudos

efectuados posteriormente vieram demonstrar e questionar os pressupostos

até então aceites, pelo que se conclui que a intervenção ao nível dos sintomas

pode ser ineficaz.

Por si só e isoladamente, o estudo de caso não tem grande valor

científico mas tem a enorme vantagem de estimular outros investigadores a

avaliar e testar os resultados obtidos nesses estudos.

Daí que não se possa considerar o estudo de caso como uma verdadeira

produção do conhecimento científico, devido às seguintes limitações que

apresenta:

♦ As condições da observação não são controláveis e pode haver

explicações diferentes daquelas que o investigador aponta para

justificar as mudanças observadas no comportamento do indivíduo.

Por esse motivo, não pode estabelecer-se uma relação de

causalidade ente a variável independente- a intervenção- e a variável

dependente - o comportamento do indivíduo

♦ A falta de medidas objectivas sobre o comportamento do indivíduo e

os procedimentos da intervenção, não possibilitam que o estudo de

caso possa ser considerado como um método válido de rigor e

investigação científica, limitando, assim, a generalização a outros

casos e outras situações. Como existe uma grande dificuldade em

86

Page 93: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

encontrar medidas objectivas do comportamento dos indivíduos, os

juízos de valor e a interpretação do investigador têm um elevado peso

no que se quer realçar no estudo de um caso.

A título de conclusão, pode dizer-se que os estudos de caso, por não

permitirem uma relação de causalidade, não podem ser considerados como

investigação experimental. Apenas se pode afirmar que existe uma relação de

causalidade entre as variáveis manipuladas que tiveram influência no

comportamento e que essa manipulação provocou as mudanças observadas

no comportamento do indivíduo.59

Em síntese, parece haver divergência entre o estudo de caso e a

investigação empírica. Porém, alguns investigadores consideram que existem

métodos de investigação científica, como os métodos experimentais de caso

único, que permitem estudar o caso individuai e atender às suas necessidades

clínicas, terapêuticas e educacionais.

59 O estudo de caso começa com um elevado número de observações não controladas e que vão sendo delineadas e

analisadas pelo observador à medida que o estudo se desenvolve. O pesquisador está interessado fundamentalmente em produzir mudanças e saber as consequências dessas mudanças no indivíduo.

87

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Secção 3.03 MÉTODOS EXPERIMENTAIS DE CASO ÚNICO

(a) A pesquisa de caso único como método de investigação

científica.

É cada vez maior o interesse que os investigadores da área da psicologia

da educação têm demonstrado em estudos de caso único, pelo que este

método de investigação vem sendo utilizado em estudos exploratórios ou de

situações muito particulares (Freire e Almeida, 2000).

O estudo de caso único - o método do single case - visa a observação de

fenómenos pouco frequentes mas que se revestem de grande interesse na

medida em que revelam informação importante que pode ser utilizada para

questionar uma dada teoria e para fazer inferências válidas através do estudo

de sujeitos individuais ou casos únicos.

O interesse manifestado por este método de caso único surge na

sequência de intervenções metodológicas baseadas na teoria comportamental.

É um método que pretende observar e descrever de um modo preciso os

comportamentos de um indivíduo, sendo este o principal foco de observação

(Pinto, 1990).

Embora similar a outros, o "caso único" deve ser bem delimitado, distinto e com

um interesse próprio. Quando utiliza este método, o investigador é um

observador participante, fazendo ajustes e modificações no comportamento de

forma avaliar as hipóteses que foram definidas previamente. O interesse do

estudo de um caso reside naquilo que ele tem de único e particular, mesmo

que posteriormente tenha certas semelhanças com outros casos ou situações.

Quando se pretende estudar algo com um valor em si mesmo e único, é

aconselhável utilizar como metodologia o estudo de caso. 60

Nos estudos de caso único não é possível usar grupos de controle nem sistemas aleatórios, uma vez que a investigação é feita com um só indivíduo.

88

Page 95: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

Nos últimos anos, tem-se vindo a assistir a um aumento significativo na

utilização de planos experimentais de caso único, como metodologia de

investigação científica. Esse aumento tem-se manifestado em domínios

científicos diversos como a medicina, a psicologia, a educação e a reabilitação,

com influência de um número crescente de forças que têm potenciado a sua

pertinência e desempenho.

Os esforços para estabelecer uma prática baseada na evidência levaram

ao estabelecimento de princípios que distinguem as pesquisas de caso único

de outras metodologias de investigação científica.

Os planos experimentais de caso único tiveram a sua origem nos estudos

de caso, como fonte de informação. Este método é muito importante na

observação de efeitos associados a malformações genéticas ou da evolução 61

de determinadas situações bem como na avaliação da intervenção .

Nestas circunstâncias parece ser possível efectuar um estudo que se pode considerar experimental.

Esta afirmação baseia-se em duas razões e que são:

♦ A primeira tem a ver com a tradição histórica em investigação. Uma

grande parte dos estudos em psicologia experimental foram feitos com

um só sujeito (Pinto, 1990), e ainda hoje se mantém a validade de

muitas dessas conclusões.62

♦ A segunda tem a ver com o facto de a investigação experimental de

caso único estar sujeita a um controle e a uma observação rigorosa.

Os efeitos da intervenção são avaliados comparando a evolução do

indivíduo ao longo da intervenção e ao longo do tempo.

A investigação com sujeitos únicos remonta aos anos cinquenta e, nessa

época, era essa a regra de investigação na psicologia científica.

Na psicologia de desenvolvimento, este método tem servido para fazer avaliações longitudinais do desenvolvimento (Freire e Almeida, 2000).

" Exemplos, como os de Wundt, que utilizou um indivíduo bem trabalhado para aplicar o método de introspecção e o de Pavlov para elaborar as teorias do condicionamento, efectuando experiências com um único animal.

89

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Na pesquisa experimental de caso único, as inferências acerca do efeito

da intervenção são feitas comparando o comportamento do indivíduo ao longo

do tempo à medida que este está submetido às diferentes condições.

Skinner utilizou o estudo intensivo de um número restrito de indivíduos

sob condições de controle bem determinadas. Baseado no estudo do

condicionamento operante, Skinner pode demonstrar, através dos seus

estudos e das suas experiências com animais, a validade experimental desse

procedimento, tomando-se o modelo de investigação no estudo de sujeitos

singulares ( Pinto, 1990).

(b) Requisitos metodológicos

Os planos experimentais de caso único obedecem a requisitos bem

determinados sem os quais não será possível fazer validar os efeitos da

intervenção.

(i) AVALIAÇÃO CONTÍNUA

Um dos requisitos fundamentais desta pesquisa é a observação contínua

do comportamento do indivíduo.63

As observações devem ser efectuadas diariamente ou em várias ocasiões

ao longo da semana, abrangendo o maior número de situações possível. A

avaliação é um dos requisitos fundamentais no estudo de caso único pois

permite avaliar e analisar os efeitos da intervenção ao longo do tempo,

podendo, assim, o investigador verificar se aconteceram alterações no

comportamento do indivíduo e se essas alterações foram devidas à

manipulação da variável independente.

(ii) LINHA DE BASE

Para se determinar a linha de base, deve existir um período de

observação antes da intervenção, onde vai poder analisar-se o tipo de

Observar o comportamento do indivíduo antes da implementação da intervenção, e observação contínua durante e após a intervenção (Kazdin, 1992).

90

Page 97: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

comportamento e a sua estabilidade antes do início da intervenção. O estabelecimento da linha de base inicial vai fornecer informação objectiva para o início da intervenção. Na pesquisa de caso único, estabelecer a linha de base é de importância fundamental:

♦ Em primeiro lugar, porque nos fornece dados descritivos e detalhados sobre o nível real de funcionamento do indivíduo .

♦ Depois, porque dá informação sobre a grau de gravidade da problemática.

♦ Em terceiro lugar porque essa informação poderá também ser útil para se delinear um prognóstico.

64

Este procedimento experimental, que foi usado por Skinner nos anos trinta e quarenta, foi muito utilizado na terapia comportamental nos anos sessenta tomando-se num dos principais modelos de investigação clínica.

A linha de base é estabelecida durante a recolha de vários dias de observação, até se obterem dados suficientes .

LINHA DE BASE PREVISÃO DO COMPORTAMENTO FUTURO

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E 30

10 11

Sessões

Gráfico 1 - Exemplo de uma linha de base da frequência de um comportamento que serve para prever o comportamento futuro ( adaptada de Kazdím,1992)

64 Com base nessa informação, pode prever-se qual seria o nível de realização do indivíduo, caso não houvesse

intervenção.

91

Page 98: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

O estabelecimento da linha de base vai permitir prever o comportamento do indivíduo no futuro, se não houver intervenção, assim como avaliar a intervenção que ocorrer ao longo do tempo.

É importante que os dados recolhidos e analisados na linha de base sejam regulares e estáveis, o que nem sempre é possível obter. O grau de estabilidade da linha de base é, por vezes, muito difícil de definir devido à variabilidade dos dados e às frequentes mudanças no comportamento do indivíduo, facto que pode interferir com as conclusões válidas dos efeitos da

intervenção 65

(iii) PLANOS EXPERIMENTAIS A-B-A-B

Os planos experimentais A-B-A-B constituem o modelo mais simples e mais útil para planeamento de acções com sujeitos de caso único, devido à sua simplicidade e objectividade na demonstração dos efeitos da intervenção.

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1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

Sessões

Gráfico 2 - Representação dos dados através da implementação de um plano AB-AB ( adaptada de Kazdim,1992)

65 Para que a variabilidade seja reduzida, o ideal seria um registo horizontal dos níveis de comportamento, aceitando-

se, como índice de estabilidade da linha de base, as variações de registos na ordem de 5 a 10% em relação à média de todos os registos feitos durante a fase de estabelecimento da linha de base (Pinto, 1992).

92

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Caracterizando e descrevendo esta metodologia:

♦ A fase A corresponde à linha de base ao longo dos intervalos de

tempo. Os efeitos da intervenção avaliam-se modificando as condições

da linha de base.

♦ Na fase B inclui-se a primeira fase de intervenção e tem por objectivo

verificar se a intervenção é ou não eficaz para alterar o comportamento

observado durante o estabelecimento da linha de base inicial.

♦ Numa terceira fase, fase A1, é reintroduzida a linha de base a fim de

avaliar se o comportamento do indivíduo se modificou pela introdução

da intervenção ou se pelo contrário regressou à linha de base inicial.

♦ Na fase B1 é novamente reintroduzida a intervenção. Neste tipo de

plano, pode-se demonstrar que o tipo de intervenção utilizada pode ser

a causa da alteração do comportamento do indivíduo.

O plano A-B-A-B proporciona uma medida do impacto da intervenção,

assim como a vantagem de proporcionar ocasiões importantes para

observação dos efeitos da intervenção, permitindo tirar conclusões mais

eficazes sobre os efeitos da acção da variável manipulada.

Esta metodologia tem ainda a vantagem de se poder avaliar ao fim de

algum tempo depois de ter terminado a intervenção, numa fase conhecida por

seguimento ou follow-up.

Sumariando, este tipo de planeamento experimental, é simples e de fácil

aplicação e está adaptado a diversas áreas da educação.

(c) Vantagens e desvantagens das pesquisas de caso único

Os planos experimentais de caso único permitem uma avaliação rigorosa

dos efeitos da intervenção e diminuem a possibilidade de o comportamento

observado ser atribuído a outros factores que não seja a intervenção. Todavia,

exigem um controle muito eficaz que, dadas as circunstâncias , se torna por

vezes difícil.

Existe uma grande diversidade nos planos de caso único mas há

aspectos a ter em conta quando se pretende utilizar esta metodologia:

93

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♦ Ao estabelecer-se a linha de base, os valores do comportamento a

registar devem ser estáveis durante o período estabelecido.66

♦ Quando se trabalha com seres humanos e nos seus contextos

naturais , a alteração de uma única variável durante a intervenção,

quando se muda de uma fase para outra, pode ter influência na

eficácia dos resultados.67

♦ O tempo de duração de cada fase também é um factor a ter em conta. 68 Para evitar a influência de variáveis parasitas ou de outras não

consideradas, o tempo de intervenção nas diferentes fases deve ser

breve e ter idêntica duração assim como o mesmo número de registos.

Apesar de haver limitações à metodologia de caso único, esta continua a

ser a que mais benefícios oferece ao investigador quando este pretende

controlar de uma forma rigorosa os efeitos de uma ou mais variáveis sobre o

indivíduo. A pesquisa de caso único é, pois, um meio particularmente benéfico

para que os profissionais avaliem a eficácia do seu trabalho, possibilitando

medir e avaliar a mudança no comportamento do indivíduo e, ao mesmo

tempo, confirmar se foi causada pela sua actuação.

(d) Generalização dos resultados destas pesquisas

Talvez a maior desvantagem deste tipo de pesquisa seja a sua reduzida

validade externa, isto é, a possibilidade de generalização dos resultados do

estudo a outros indivíduos ou outras situações.

Todavia, os resultados obtidos nos planos experimentais de caso único

podem ser generalizados a outros casos se forem utilizados os mesmos

É o nível de desempenho registado durante o estabelecimento da linha de base que vai servir como termo de comparação em relação à eficácia da intervenção ou tratamento

Num estudo de modificação de comportamento de uma aluno dentro da sala de aula, se houver melhorias no comportamento ao aplicar-se como medida de intervenção a não ida ao recreio e ficar na sala sozinho sem os colegas, é difícil avaliar qual das duas variáveis ficar sem recreio ou ficar sem a companhia dos colegas foi responsável pela modificação do comportamento.

Há investigadores que entendem que deve prolongar-se o tempo de intervenção em cada fase até se obter uma estabilidade no comportamento; outros, porém, consideram que o prolongamento da intervenção nas diferentes fases pode levar um tempo excessivo até se obter um nível estável , afirmando também que, nesse caso, os resultados podem ser influenciados pela maturação do comportamento ou por outros acontecimentos não controlados, para além dos efeitos da intervenção.

94

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procedimentos experimentais e condições de aplicação semelhantes (

Berryman & Cooper, 1986, cit. por Aguiar, 1997).69 Alguns pesquisadores

afirmam, contudo, que o estudo da pesquisa só tem validade externa se outros

investigadores, utilizando os mesmos meios de intervenção com outros

indivíduos e com outras condições de ambiente, obtiverem resultados

similares.

Parece, assim, difícil determinar com segurança o nível de generalização

de um estudo experimental na medida em que a sua validade externa só seja

possível se os resultados obtidos na experiência poderem ser aplicados a

outros sujeitos que não os que fizeram parte da experiência.

A generalização dos resultados é a maior ambição dos investigadores,

pois é mais seguro generalizar os resultados obtidos através dos estudos de

um grupo do que do estudo de um caso único (Pinto, 1992). A verdade é que a

generalização das pesquisas efectuadas depende dos procedimentos de

avaliação, das características de cada sujeito, dos contextos onde foi efectuada

a pesquisa ; se isso acontecer, então pode considerar-se que um estudo está

bem documentado e que poderá servir de referência a outros estudos ou

investigações.

69 A replicação do estudo deverá utilizar os mesmos meios experimentais, em condições similares.

95

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Parte II- Estudo de um caso: observação e intervenção com uma criança portadora da Síndroma Cornélia de Lange.

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Capítulo 1. Introdução

97

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Secção L O I J U S T I F I C A Ç Ã O D O E S T U D O

A educação especial regula-se pelos princípios legais orientadores da

legislação sobre a matéria publicada nos últimos anos , conforme já se referiu

no capítulo 2 deste trabalho, que se fundamentam e baseiam nos Direitos

Fundamentais consagrados na Constituição Portuguesa e na Declaração

Universal dos Direitos da Criança bem como em resoluções de organizações

internacionais ( UNESCO, OCDE, CE ).

A Lei de Bases do Sistema Educativo e o Dec0. Lei n° 319/91, de 23 de

Agosto, dispõem sobre a integração das crianças deficientes no sistema de

ensino regular, com base nesse direitos fundamentais. Compete ao Estado

proporcionar às Crianças com Necessidades Educativas Especiais, enquanto

cidadãos e conforme as suas necessidades e as suas diferenças , as

condições para usufruto dos seguintes direitos:

♦ Direito à educação

♦ Direito à igualdade de oportunidades

♦ Direito a participação na sociedade

A materialização e o respeito por aqueles direitos implica que seja

proporcionado um programa de ensino individual que, atendendo ás suas

características e necessidades, lhes proporcione o desenvolvimento das suas

potencialidades. Pesquisas efectuadas e trabalhos realizados com crianças

multideficientes demonstraram que todas as crianças podem aprender se, para

tal, lhes for dado o apoio necessário o mais precocemente possível,

disponibilizando um sistema de comunicação apropriado às suas necessidades

bem como estruturas e serviços de apoio eficazes e competentes.

Quando se trata de crianças multideficientes, sem fala, a importância de

um programa de comunicação ganha especial relevo. A comunicação a criança

e os seus educadores tem de ser estabelecida, devendo orientar-se para o

conhecimento dos sinais comunicativos da criança e do conjunto das suas

características comunicativas, também no seu ambiente familiar.

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Comunicar através da fala é a forma de expressão mais utilizada pelo ser

humano quando pretende comunicar. Porém, há pessoas com deficiências

mentais severas e multideficientes que estão impossibilitadas de comunicar

através desse meio de comunicação e que têm as mesmas necessidades e

sentimentos como qualquer ser humano, mas têm formas extremamente

individuais de as expressar.

Influenciada por esta conjuntura e pelo facto de em Portugal não existirem

estudos que se debrucem sobre esta temática, duas razões fundamentais

levaram à escolha deste tema para o estudo levado a cabo neste trabalho:

♦ Conhecer as necessidades dos profissionais e da família de crianças

multideficientes, de forma mais objectiva, bem como a forma como os

profissionais trabalham a comunicação.

♦ Avaliar até que ponto a implementação de um sistema de

comunicação por objectos pode ajudar uma criança multideficiente,

sem fala, a desenvolver competências cognitivas e de independência

pessoal.

Secção 1.02 INTRODUÇÃO AO ESTUDO

O estudo empírico efectuado, que aqui se vai relatar, consistiu na

implementação de um programa de comunicação por objectos com uma

criança do sexo masculino, de quatro anos e quatro meses de idade, a

frequentar um jardim de infância, à qual foi diagnosticado uma Síndroma

Cornélia de Lange.

O estudo foi desenvolvido durante 5 meses, de Março a Julho de 2001.

Após a observação e a avaliação da criança em casa e no jardim de

infância, optamos por desenvolver um plano estruturado de actividades,

utilizando objectos reais para as identificar, afim de melhorar a capacidade de

antecipação às instruções verbais, visando aumentar a comunicação da

referida criança.

Para avaliar a eficácia das estratégias e acções implementadas durante o

processo de intervenção, foi utilizado o método experimental de caso único em

99

Page 106: SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO E ......Secção 3.02 Os estudos de caso na psicologia clínica e educacional 85 Secção 3.03 Métodos experimentais de caso único 88 (a)

alguns comportamentos identificados em actividades previamente

seleccionadas, tendo por base os critérios seguintes:

♦ Determinar a eficácia da utilização de objectos para comunicar com

crianças multideficientes (sem fala);

♦ Verificar a relação funcional entre a intervenção e os comportamentos

da criança;

♦ Documentar os procedimentos utilizados, bem como a sua eficácia,

para que possam ser replicados por outros técnicos com crianças que

apresentem dificuldades de comunicação que afectem o seu

desenvolvimento global.

Secção 1.03 OBJECTIVO DO ESTUDO

O objectivo principal deste estudo foi estudar o efeito da utilização de objectos

na antecipação de actividades .

100

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Capítulo 2. A Síndroma de Cornélia de Lange

101

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Secção 2.01 A L G U M A S REFERÊNCIAS SOBRE A PROBLEMÁTICA DESTA SÍNDROMA.

A Síndroma Cornélia de Lange, é uma doença genética de causas ainda

desconhecidas. Foi descrita pela primeira vez em 1916, por Brackmann. Estes

relatos só foram encontrados em 1933, quando a pediatra holandesa, Cornélia

de Lange, publicou um artigo com a descrição de duas crianças portadoras de

deficiência mental e que apresentavam características faciais muito

semelhantes.

A partir dessa altura a Síndroma ficou com o nome da pediatra, embora

se encontre na literatura também designado como Brackmann-Lange.

A "Síndroma Cornélia de Lange" é uma síndroma congénita que está

presente desde o nascimento não sendo, por vezes, reconhecida

imediatamente. Até ao momento ainda não foi encontrado o gene (ou genes)

responsáveis como causa desta perturbação.

As pessoas afectadas pela Síndroma apresentam uma translocação, do

cromossoma três, encontrando-se, noutros casos, uma zona "suspeita" com um

ponto de ruptura no braço longo do mesmo cromossoma (Feijòo,1998; Reis,

2001).

Contudo , existem outros estudos genéticos feitos em pessoas portadoras

da síndroma, onde não foi identificado qualquer alteração no cromossoma três.

Os avanços no projecto sobre o Genoma Humano são uma das grandes

esperanças para a descoberta da identificação da causa desta síndroma.

Secção 2.02 FACTORES DE RISCO E INCIDÊNCIA

É uma síndroma que ocorre em cada 10.000 nascimentos (Optiz,1985),

ou em cada 30.000 nascimentos (Goodban, 2000). Segundo Reis (2001), em

Portugal surgem dois casos novos por ano.

Hereditariedade: Existem casos raros em que mais que um membro da

família é portador da Síndroma, o que pode significar que esta pode ser

hereditária. A possibilidade de recorrência está estimada entre 1%o a 2%o.

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Secção 2.03 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COM A SÍNDROMA CORNÉLIA DE L A N G E

A Síndroma Cornélia de Lange é congénita e está presente desde o

nascimento não sendo, em alguns casos, imediatamente reconhecida; o exame

genético pode não revelar qualquer alteração.

As crianças afectadas apresentam normalmente muitas semelhanças,

mas há dois factores importantes que importa realçar:

♦ A criança portadora da Síndroma herda, igualmente, traços da sua

própria família;

♦ Para se fazer o diagnóstico não é necessário que todos os sinais e

sintomas estejam presentes.

Não existe um critério único para a identificação da Síndroma sendo os

diagnósticos da actualidade baseados em observações clínicas, que dependem

de uma série de sinais:

♦ Baixo peso à nascença- normalmente, abaixo dos 2,250kg

♦ Microcefalia,

♦ Atraso de crescimento estaturo-ponderal

♦ Características faciais: lábios finos e virados para baixo; nariz

pequeno e narinas antevertidas; queixo mais fino e pequeno do que o

normal ; as sobrancelhas são, normalmente, juntas e com um arco

característico e as pestanas são muito longas; implantação baixa de

cabelos e orelhas; eventualmente fenda palatina e/ou labial (Goodban,

2000).

♦ Deficiência mental- está presente na grande maioria dos casos, sendo

um sinal considerado indispensável para o diagnóstico.70

♦ Anomalias cardíacas.

♦ Anomalias intestinais

70 O nível de deficiência pode variar do ligeiro ao profundo, mas a maior incidência situa-se nos níveis moderados e

severos, estando presente na maioria dos casos estudados e podendo levar a alterações profundas do seu processo de desenvolvimento (Borghi, Giusti,& Bigozzi, 1954...)

103

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♦ Refluxo qastroesofâsico - é a patologia mais comum nas crianças com

a Síndroma Cornélia de Lange.71 Esta sintomatologia pode apresentar-

se de várias formas, tais como vómitos, diarreia, sensação de

queimadura, dor abdominal, irritabilidade, insónia e obstipação.72 O

tratamento do refluxo é feito através de dieta especial, medicação ou

intervenção cirúrgica

♦ Visão- quase sempre, estas crianças são míopes, têm conjuntivites

frequentes, olhos pegajosos ou lacrimosos e ptose das pálpebras. Em

situações graves, as crianças podem ser submetidas a uma

intervenção cirúrgica para levantar a sobrancelha. Muitas vezes não

conseguem fazer fixar o olhar durante muito tempo, evitam olhar ou

estão sempre a mudar o foco de visão. Pode ainda surgir atrofia

óptica, "microftalmia" e "nistagmos".

♦ Audição - também se têm verificado perdas de audição, que podem ir

de uma surdez ligeira a grave. É necessário um exame a cada caso,

no sentido de uma avaliação. 73

♦ Alimentação - algumas crianças apresentam intolerância à lactose,

dificuldades em ingerir, deglutir e digerir os alimentos. Dado que estas

crianças têm um atraso de crescimento estaturo-ponderal, devem ser

utilizadas tabelas de crescimento próprias para esta Síndroma.

♦ Problemas estomatolóqicos - em geral, detectam-se nas crianças

portadoras da Síndroma diversos problemas deste foro,

nomeadamente, a má dentição, mandíbula pequena, erosão dentária

provocada pelo refluxo esofágico, cáries, doenças das gengivas... em

face disto, os especialistas de estomatologia aconselham a 1a consulta

ao ano de idade e uma avaliação de seis em seis meses.

71 Não sendo tratado pode provocar complicações como a hérnia do hiato, esofagia, estenose do esófago (Goodban,

2000). 72

Quando o refluxo não é tratado, é provável que a criança esteja em sofrimento, não sendo capaz de o expressar verbalmente. Em vez disso pode recorrer a comportamentos de auto-agressão e a movimentos corporais pouco vulgares, tais como abanar a cabeça ou abanar o corpo, facto que leva a confundi-los com os do Síndroma de Sandífer.

73 Algumas crianças poderão necessitar de usar prótese auricular; noutros casos, a introdução de tubos no ouvido

médio pode ajudar a criança na melhoria de aquisição da linguagem e na sensibilidade ao som.

104

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♦ Problemas ortopédicos - na maioria dos casos existem mal-formações

dos membros superiores, mãos pequenas e o polegar colocado

próximo do pulso , limitações ao nível do cotovelo, com "sindactilia" ,

isto é, um ou mais dedos pegados (Goodban, 2000). Por vezes os

dedos, metacarpos e os ossos dos braços estão ausentes, o que

causa dificuldades na linguagem gestual e na comunicação

aumentativa.

♦ Cerca de 5 a 10% destas crianças têm anomalias na anca com risco

de luxação do fémur, o que pode interferir na aquisição da marcha.74

Outras características são : mãos e pés pequenos, quinto dedo

curvado (clinodactilia), e presença de membrana interdigital entre o

segundo e o terceiro dedos dos pés, assim como prega palmar.

♦ Problemas de comportamento - As crianças portadoras desta

Síndroma podem desenvolver problemas de comportamento. As

dificuldades de comunicação e de expressão verbal podem contribuir

para o agravamento de uma situação de tensão, por não conseguir

transmitir a causa do seu mal estar, recorrendo a comportamentos de

auto-agressão, e a movimentos corporais pouco vulgares, tais como os

de abanar a cabeça e abanar o corpo.75

♦ Na maior parte dos casos, apresentam hiperactividade, dificuldades de

atenção e concentração, bem como, comportamentos repetitivos,

confundindo-se com comportamentos autistas (Goodban, 2000).

♦ Termoregulacão - aparentemente, estas crianças podem apresentar

uma falta de sensibilidade à dor ou uma sensibilidade excessiva ao

tacto ( Goodban, 2000).

Uma grande percentagem destas crianças só inicia a marcha por volta dos três anos, e outras ainda mais tarde, o que fundamenta a importância de não descurar os tratamentos fisioterapêuticos e ortopédicos. ( Hawley et. Al., 1985).

Por vezes estas crianças têm graves problemas de comportamento, devido ao desconforto de dor em que se encontram e também devido à sua frustração em não poder ser entendidos pelos outros.

105

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♦ Dificuldades na linguagem e comunicação, são frequentes. O

desenvolvimento das capacidades de comunicação são atrasadas em

cerca de 96% dos indivíduos com a Síndroma (Goodban,2000).

Na década 80, iniciaram-se as primeiras observações e avaliações

destas crianças com a criação da Fundação Americana do S. C. L. 77 Em

Portugal foi constituída uma associação que tem como objectivo estudar o

processo de desenvolvimento destas crianças, ajudar os pais, formar

profissionais e fornecer literatura de apoio.

Secção 2.04 DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO E DA LINGUAGEM

Uma grande parte destas crianças apresenta atrasos de linguagem e

problemas de comunicação. Estas dificuldades variam de acordo com

diferentes factores e das patologias que estão associadas a esta Síndroma e

que já foram descritas nos pontos anteriores.

Até à bem pouco tempo, pensava-se que uma criança com o S.C.L.,

nunca iria aprender a falar e a comunicar, mas, graças aos esforços de muitos

investigadores e de técnicos que trabalham com esta população, sabemos hoje

que muitas crianças aprenderam a comunicar e desenvolveram a sua própria

forma de comunicar (Goodban, 2000).

Com base num estudo efectuado em 1993, com 116 casos de crianças

com a S.C L., Goodban verificou que 53% das crianças com quatro anos

juntavam duas ou mais palavras, 33% não produzia uma palavra e 4% tinham

capacidades de linguagem, mas abaixo dos padrões normais.

O palato é alto, estreito e arqueado (Ptacek, Opitz, Smith, 1985), embora esta não seja a justificação para que a maioria das crianças não tenha linguagem falada.

Esta fundação surge em consequência de contactos informais entre os pais de crianças com a Síndroma ao longo dos anos 70. Hoje a fundação conta com 4000 pais, 2500 profissionais e amigos, tendo 1000 sócios activos nos Estados Unidos da América e um grande número de Associações a nível internacional, nomeadamente em Portugal.

106

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(a) Dificuldades no desenvolvimento da linguagem verbal

♦ Dificuldades motoras vocais/orais - a apraxia motora oral (dificuldade

em produzir movimentos voluntários dos maxilares) está presente na

maioria dos casos de crianças com S. C. L.

♦ Maxilar inferior, pequeno e recuado - torna mais difíceis os

movimentos com a língua, necessários para a produção e articulação

das palavras.

♦ Desenvolvimento sincrónico das capacidades - as capacidades

receptivas são mais desenvolvidas do que as capacidades expressivas

e as capacidades receptivas estão equiparadas ao seu

desenvolvimento cognitivo (Goodban, 2000). Estas discrepâncias

afectam o desenvolvimento da linguagem .

♦ Qualidade vocal, volume, timbre, entoação - a maioria das crianças

revela qualidade vocal pouco vulgar: voz rouca , timbre baixo e

inflexões vocais limitadas.78

♦ Ressonância e vibração do som - a hipemasalidade - ressonância

excessiva pelo nariz- pode ocorrer se existir fenda no palato. A

hiponasalidade - a ressonância insuficiente pelo nariz- pode ocorrer se

a criança tiver as narinas muito pequenas. A voz poderá ser abafada e

muito alta, devido às deficiências na ressonância oral.

♦ A retro-micrognatia pode ser causada pela má colocação da língua. A

língua está colocada mais atrás do que o normal, afectando a

ressonância; a boca pode ser um pouco mais pequena em

consequência do maxilar inferior retraído

♦ Expressões faciais, gestos e comportamentos não verbais - As

expressões do rosto não têm a mesma variedade que as de uma

criança em desenvolvimento. As suas caras não mostram expressão e

o seu comportamento, nas interacções sociais, é comparado ao das

Algumas crianças tenham a voz mais rouca que outras; contudo, parece não haver uma ligação entre a qualidade da voz e as capacidades de linguagem expressiva.

107

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crianças com autismo (Goodban, 1985). Os gestos e os

comportamentos comunicativos não verbais são limitados.

Secção 2.05 DIAGNÓSTICO PRECOCE

Actualmente não existe nenhum teste pré-natal capaz de prognosticar a

ocorrência da Síndroma Cornélia de Lange. Embora a ecografia, a partir das 16

semanas de gravidez, possa identificar algumas anomalias, não é peremptória

para se poder afirmar que se está em presença da Síndroma. É necessário, por

isso, ter em atenção o atraso de crescimento intra-uterino - medidas dos ossos

dos pés, fémur, braços - a ausência de membros e a existência de problemas

cardíacos. O diagnóstico pré-natal é importante para a equipa de técnicos fazer

a avaliação e para organizar os meios para ajudar a família a lidar com o

problema .

As perturbações identificadas são muito diversas. Algumas crianças são

afectadas severamente na sua parte motora mas outras não apresentam

alterações motoras nem as expressões faciais características, o que causa

dificuldades no diagnóstico precoce.

108

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Secção 2.06 IMPORTÂNCIA DA INTERVENÇÃO PRECOCE.

Os autores são unânimes em afirmar que a intervenção precoce com uma

equipa multidisciplinar é condição indispensável para uma melhor normalização

e intervenção junto das famílias e profissionais.

Para além da avaliação precoce de eventuais défices auditivos e visuais,

entre outras patologias, é necessário que a criança tenha apoio, por técnicos

especializados, o mais precocemente possível, na área da comunicação e da

linguagem.

Goodban (1985), especialista na área da linguagem e da comunicação

com crianças com a S.C.L., considera imprescindível a avaliação e a

intervenção por técnicos especializados dessa área durante os primeiros

meses de vida da criança, de modo a ajudar as famílias e as crianças a

desenvolver a comunicação, ensinando os pais a utilizar técnicas e estratégias

e encorajando-os a fazer actividades que incluam linguagem de sinais e

gestos em conjunto com a palavra.

As pesquisas feitas revelam que as crianças que usaram os gestos e

sinais em conjunto com a palavra, desenvolveram capacidades de

comunicação transmitindo os seus desejos. A intervenção intensiva, em

conjunto com as famílias, logo após o nascimento, ajuda o desenvolvimento

linguístico.

A comunicação não é um elemento estático, envolvendo, ao contrário,

elementos mais complexos do que simplesmente transmitir uma mensagem. As

dificuldades que podem surgir a estas crianças, derivadas das suas

dificuldades, aumentam essa complexidade. Algumas crianças podem iniciar a

fala muito depois da idade cronológica -5 ou 10 anos- mas outras podem não

desenvolver a linguagem oral.

Se a criança não desenvolve a fala, deve-se então iniciar um sistema

alternativo / aumentativo de comunicação. Como qualquer outra criança com

deficiência grave, a criança com S.C.L. necessita de uma abordagem

individualizada antes da implementação de um sistema de comunicação.

109

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Conhecendo os seus interesses e motivações, pode-se tirar partido das suas

potencialidades, dando ênfase ao que é capaz de fazer e que lhe vai permitir

ter sucesso.

Goodban (2000) considera que para a selecção e implementação, com

algum sucesso, de um sistema de comunicação para crianças com o Síndroma

de Cornélia de Lange, têm que se considerar os seguintes factores:

♦ Capacidade de visuais e auditivas;

♦ Capacidades motoras;

♦ Capacidades receptivas de linguagem;

♦ Motivação para as interacções sociais.

♦ Funcionalidade do sistema de comunicação;

♦ Idade cronológica.

A autor referenciada considera que um sistema aumentativo e alternativo

de comunicação79 pode ajudar estas crianças a comunicar. Contudo, algumas

estratégias de comunicação aumentativa são difíceis de aprender por crianças

com dificuldades em compreender a comunicação gestual.

É o que acontece com muitas crianças com a S.C.L. que têm grande

dificuldade no processamento sensorial, na capacidade motora e de atenção.

Por isso, é necessária uma especial atenção aos comportamentos das crianças

ainda muito pequenas.

As actividades devem ser desenvolvidas num ambiente estruturado e

organizado. As rotinas das actividades diárias devem ser feitas sempre na

mesma sequência, às mesmas horas, nos mesmos locais e com as mesmas

pessoas, no seu meio natural. Esta organização e consistência, vai permitir à

criança antecipar o que vai acontecer e o que pode contar, interiorizando assim

as regras da convivência (Goodban, 2000).

Um sistema aumentativo e alternativo de comunicação é, normalmente, definido como um conjunto de ajudas, técnicas e estratégias para ajudar a criança com dificuldade de comunicar;

110

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Secção 2.07 PROCEDIMENTOS PARA MELHORAR A SUA COMUNICAÇÃO

Se a criança é totalmente não verbal e incapaz de comunicar, o quadro

de comunicação é útil para a ajudar a comunicar e, ao mesmo tempo, para lhe

ensinar a natureza básica da comunicação (Goodban, 2000). Fornecer, de uma

forma estruturada, objectos reais ou miniaturas desses objectos, assim como

fotografias desses objectos em contextos reais - como seja à hora da refeição

ou à hora de brincar - proporciona à criança oportunidade de interacção,

inserida no contexto natural e social de que faz parte.

O sistema de comunicação por objectos é indicado para crianças

severamente incapacitadas, não verbais, e que não têm outro método para

comunicar.

O sistema de comunicação através de imagens (SPC), é usado com

frequência nas escolas e por terapeutas da fala. A ideia base deste sistema é a

de que a criança apreenda a tocar figuras e a reconhecer o que as figuras

representam. É uma forma mais sofisticada de comunicação, mas nem todas

as crianças com a Síndroma têm essa capacidade.

Muitas destas crianças necessitam de sistemas de comunicação com

ajuda, como sejam: quadros de comunicação, tabuleiros, digitalizadores e

sintetizadores de fala, computadores. Estes sistemas devem ser seleccionados

e utilizados de acordo com as necessidades e capacidades de cada criança.

O importante é que sejam fornecidas as oportunidades que lhe permitam

desenvolver o seu potencial comunicativo e que sejam proporcionadas as

aprendizagens onde possa desenvolver a sua capacidade de escolha e de

iniciativa, respeitando as suas decisões e a sua individualidade.

O ambiente deve ser estimulante e as actividades adequadas à idade e

motivadoras, devendo fomentar-se a participação de colegas da mesma idade

e a partilha de actividades.

Partilhar actividades é uma das estratégias que ajuda a criança a

aprender, seja por palavras, gestos ou sinais. A actividade, feita em conjunto

com outra pessoa, permite a troca de experiências; os comentários sobre as

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actividades que se estão a realizar assim como o prazer da companhia são muito importantes para a criança multideficiente .

Para que a criança comunique, temos de comunicar frequentemente com ela e de reforçar positivamente tudo o que ela tenta comunicar. Estas crianças vão levar mais tempo a aprender e vão aprender de maneira diferente do que é habitual, mas é possível dar-lhe uma melhor qualidade de vida, aumentando e alargando o seu potencial comunicativo.

112

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Capítulo 3. Método utilizado

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Secção 3.01 DESCRIÇÃO GERAL

O método utilizado é o chamado método experimental de caso único. É

um método de observação que pretende descrever de uma forma precisa o

comportamento do indivíduo, sendo este o foco de observação (Pinto, 1990).

Este método refere-se a uma abordagem que procura avaliar fenómenos e

fazer inferências acerca das variáveis manipuladas, isto é, se a variável

independente causou mudanças na variável dependente. Espera-se de um

estudo de caso que abarque a complexidade de um caso particular, na sua

complexidade única. Estuda-se um caso quando ele tem um interesse especial

em si mesmo; o single case é um estudo da particularidade e complexidade de

caso singular (Stake, 1990).

Como já foi referido, o método experimental de caso único baseia-se nas

relações funcionais entre a intervenção e o comportamento do indivíduo; por

outro lado, documentando todos os procedimentos, abre a possibilidade de

utilização para futuras investigações ou para alterar práticas seguidas por

profissionais que trabalhem com crianças que manifestem alterações

semelhantes ao nível da comunicação ou de outros comportamentos que

necessitem de intervenção.

Irão descrever-se, pormenorizadamente, os comportamentos da criança,

os contextos e os registos utilizados, bem como as estratégias utilizadas ao

longo da intervenção para alcançar os objectivos a atingir, visando, com isso,

fornecer elementos necessários para que se admita a generalização dos

resultados obtidos, constituir, assim, um requisito fundamental para a validade

externa deste estudo de caso único.

Existem poucos estudos de casos únicos na literatura; esses estudos

aprofundados tiveram origem em estudos científicos importantes

nomeadamente no âmbito da Psicologia Clínica e Psicologia de

Desenvolvimento.

114

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Secção 3.02 AMOSTRA

Estudou-se o caso de uma criança multideficiente, do sexo masculino,

sem fala, e que não estava a utilizar, até ao momento, qualquer programa de

comunicação. Frequentava o jardim de infância, integrada num grupo de três

anos de idade.

Secção 3.03 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS

Para que o objectivo fosse atingido, houve que proceder a uma recolha de

dados sobre o processo comunicativo desenvolvido entre a criança e todos os

seus parceiros de comunicação.

Por tal motivo, a avaliação da criança foi feita no seu meio natural, numa

perspectiva ecológica , tendo sido utilizadas os seguintes instrumentos:

♦ Entrevista à família, â educadora e à médica assistente. O objectivo

destas entrevistas foi o de recolher informações importantes que

estivessem relacionadas com o dia a dia da criança e fossem

relevantes para a comunicação.

♦ Consulta do processo de anammese, de exames médicos e de

relatórios.

♦ Observação em casa da criança. Esta observação permitiu observar o

espaço de que dispõe, as formas utilizadas pela criança para

comunicar no seu meio e como estas formas são entendidas pelos

parceiros de comunicação dentro da família"

♦ Em casa e no jardim de Infância, fizeram-se registos das observações

em diversos contextos- sala de sala de aula, recreio, refeitório...

♦ Dentro da sala, observou-se e registou-se a interacção com os adultos

e com os colegas, em actividades de jogo livre e estruturado. Os

registos foram escritos de uma forma naturalista e sistemática e

gravados em vídeo. As gravações em vídeo foram feitas no ambiente

familiar da criança e no jardim de infância - antes, durante e no fim da

intervenção.

115

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Para avaliação das competências comunicativas, foram utilizados os

seguintes questionários :

♦ Avaliação das competências comunicativas actuais da criança;

♦ Questionário para os pais, sobre a utilização das funções 80

comunicativas ♦ Observação com testes e escalas de desenvolvimento

Para se implementarem estes instrumentos com crianças multideficientes,

é necessário fazer modificações que possibilitem respostas por parte da

criança. Contudo não se pode pretender um resultado normativo uma vez que

estas crianças não fizeram parte da amostra a quem foi passado e aferido o

respectivo teste. É apenas um auxiliar que permite controlar a subjectividade

do observador.

Neste caso, foram utilizadas as seguintes escalas e currículos de

desenvolvimento:

♦ Consulta de dados da observação e avaliação feita pela psicóloga do

Projecto de Intervenção Precoce (Matosinhos), em que foi utilizada a

escala de desenvolvimento mental de Griffiths, R.(1970);

♦ Escala de comunicação pré-verbal (ECPV), de Chris Kiernan, C. &

Reid, B. 1987, Tradução de: DSOIP).

♦ Currículo da Carolina do Norte ( adaptado)

♦ índice de Capacidades (Simeonsson & Bailey)

As características das crianças multideficientes são muito diversas e

existem muitas dúvidas quanto à avaliação que se faz delas e sobre os

programas que por vezes são aplicados. Apesar disso, existe uma certa

convergência de opinião nas investigações feitas sobre os factores que devem

ser considerados quando se pretende organizar e implementar um sistema de

comunicação com crianças severamente incapacitadas.

Estas fichas de avaliação foram adaptadas das fichas adoptadas no âmbito do projecto Inovação curricular na implementação de meios alternativos de comunicação em crianças com deficiência grave, com autorização dos respectivos autores.

116

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Capítulo 4. Observação e avaliação

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Secção 4.01 METODOLOGIA UTILIZADA

Para se obter o maior volume de dados e informações foram realizadas

duas entrevistas :

♦ A primeira, de carácter informal, foi realizada no Jardim de Infância,

com autorização da família, com o objectivo de fazer a recolha inicial

para este trabalho

♦ A segunda, mais formal, foi realizada na residência da família, com a

mãe a avó.

Previamente, visando a recolha, de forma sistemática, da informação

indispensável para a compreensão e interpretação de outros dados obtidos por

outras formas de observação e avaliação, foi elaborado um guião para esta 2a

entrevista cujos tópicos forma os seguintes:

♦ Composição do agregado familiar : - N° de pessoas; - Recursos financeiros; - Sistemas de apoio, ou redes de apoio; - História genética; - Etc...

♦ História médica da criança: - História pré-natal e parto; - Hospitalização; - Medicação,...

♦ Desenvolvimento da criança: - Marcos de desenvolvimento ( sentar, andar, 1

aS palavras) ; - Pontos forte e fracos em diferentes domínios; - Padrões de desenvolvimento menos comuns ;

♦ Ambiente social - Relações da criança com os outros elementos do agregado(

irmã, tio, avós) ; - Relações da criança com outros elementos da comunidade (

vizinhos)

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Secção 4.02 DADOS DE IDENTIFICAÇÃO E COMPOSIÇÃO DO AGREGADO FAMILIAR

Nome: (fictício) Manuel

Data de Nascimento 96/11/21

Idade no início do

acompanhamento

4 anos e 4 meses

Pai 43 anos

Operário da construção civil

Mãe 37 anos

Empregada de limpeza

Fratria segundo filho

Escolaridade Frequenta o jardim de infância, estando integrado no

grupo de crianças entre os três e quatro anos de idade.

Tem apoio de uma educadora dos apoios educativos,

duas vezes por semana (entre as 11e as 12h).

Antecedentes

familiares

Os pais e a irmã são saudáveis. Não família, não há

casos conhecidos de alterações genéticas ou de doença

grave.

Agregado familiar Para além dos pais da criança e da irmã, vivem com a

família um tio paterno, a avó materna e duas tis avós

maternas Quadro 8-Dados de identificação da criança-caso

119

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Secção 4.03 H ISTÓRIA MÉDICA E DADOS DE ANAMNESE

O Manuel nasceu de parto normal, a gravidez foi vigiada e decorreu em

condições normais. À nascença pesava 2870gr, media 47 cm, tinha um p .c.

de 31,1 cm e um Apgar 10 ao 5o minuto.

Tinha dificuldades em mamar e o biberão foi introduzido ao sétimo dia.

Os primeiros meses foram de grande preocupação e ansiedade para os

pais, pois o seu filho, além de não dormir durante o dia como as outras

crianças, apresentava algumas características preocupantes; segundo referiu a

mãe, " chorava muito e era muito diferente da irmã ".

Aos 6 meses, foi observado em consulta de desenvolvimento, tendo os pais

sido informados de que o seu filho apresentava um atraso psicomotor

acentuado. Nessa altura, foram encaminhados para o Instituto de Genética

Médica no Porto e, após terem sido realizados os exames necessários, foram

informados de que o seu filho era portador da síndroma Cornélia de Lange.

Seguiram-se dias difíceis pois não tinham conhecimento das consequências

desse síndroma no desenvolvimento do seu filho.

Secção 4.04 DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

Era um bebé calmo que gostava de se sentir acompanhado e que era

muito receptivo à fala da mãe; reagia a sorrir e fazia algumas vocalizações,

interagindo de forma calorosa.; a introdução de alimentos semi-sólidos foi

muito difícil.

Aos 12 meses era alimentado a biberão e a comida passada. Nesta altura

ainda tinha dificuldades em sentar-se com apoio, mas gatinhava. Participava

pouco nas brincadeiras e não procurava os brinquedos quando estes

desapareciam do seu campo visual. Quando se chamava por ele, inclinava a

cabeça para o lado esquerdo o que levou a suspeitas de défice auditivo.

Observado em consulta da especialidade, não se verificou haver

problemas auditivos. Foi também observado e avaliado em consulta de

oftalmologia, onde foram diagnosticados problemas graves ao nível da visão.

120

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Segundo refere a Mãe, o Manuel tem, neste momento, um défice visual do olho

direito bastante acentuado e em vias de perder a visão total desse olho num

curto espaço de tempo. A visão do olho esquerdo parece normal, apesar de

não existir uma avaliação médica formal da sua capacidade visual.

Não brinca com os brinquedos como as outras criança; pega nos

brinquedos, atira-os ao chão e depressa muda para outro. Manifesta

impaciência quando quer alguma coisa, faz birra e atira-se para o chão, se não

lhe dão o que quer.

Tem dificuldades em comer alimentos sólidos. Em casa não come

sozinho, embora faça tentativas; todavia, a mãe não o deixa comer sozinho

porque se suja e deita os alimentos para fora do prato.

Quando sai à rua, anda sempre ao colo. Gosta de passear e de observar

as coisas.

Em casa, passa grande parte do seu tempo em frente da televisão que

liga e desliga até parar nos canais onde ouve música. Não presta atenção aos

desenhos animados nem às imagens. Uma das suas preferências é estar junto

da irmã, sobretudo quando esta usa o computador que já consegue ligar ,

segundo afirma a mãe.

A família refere, como suas principais preocupações, a reduzida

informação que possui acerca do desenvolvimento futuro do seu filho. O facto

de ainda não falar, o problema de visão e o seu crescimento insuficiente são

alguns dos aspectos referidos como mais preocupantes. Consideram que o

seu filho fez bastantes progressos, mas ainda manifestam grande preocupação

e insegurança face ao futuro.

Secção 4.05 DINÂMICA FAMILIAR E AMBIENTE SOCIAL

O Manuel está integrado no jardim de infância desde os três anos de

idade mas foi difícil para a mãe aceitar a sua integração. Agora a mãe está

satisfeita com a integração, mas ainda tem algumas preocupações com o filho

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e, com receio de que algo lhe aconteça, não permite que ele vá aos passeios

com os outros colegas .

O Manuel regressa a casa por volta das dezasseis horas, ficando aos

cuidados da avó e do tio. Os pais trabalham e a irmã estuda. Apesar do pouco

tempo disponível, a mãe mostrou muito interesse em colaborar e participar em

tudo o que fosse em benefício do seu filho, quer em casa quer no jardim de

infância.

Parece haver um acordo entre o casal acerca do diagnóstico feito ao seu

filho, estando resignados com a situação e manifestando uma atitude algo

passiva face a ela.

O relacionamento entre o casal parece ser bom, assim como entre todos

os membros da família. Ambos concordaram com um programa que

desenvolva a linguagem e a comunicação do seu filho.

Secção 4.06 OBSERVAÇÃO DA CRIANÇA NO JARDIM DE INFÂNCIA

(a) Observação Naturalista

A observação naturalista foi o instrumento utilizado que se revelou

excelente na recolha de dados que possibilitaram caracterizar o dia a dia do

aluno-caso.

Segundo Landsheer, cit. por Estrela (1990), a observação naturalista é

um método de observação dos comportamentos dos indivíduos nas

circunstâncias da vida do quotidiano; é realizada no meio e no contexto

natural e é utilizada para descrever os comportamentos dos indivíduos. É uma

técnica de recolha de dados que, depois de articulados, permite uma visão

global dos comportamentos e dos motivos que os originaram, permitindo, assim

uma interpretação mais correcta.

As primeiras sessões de observação foram realizadas no jardim de

infância, durante todo o período da manhã. Foi observado todo o

comportamento comunicativo nas actividades dentro da sala, no recreio e nas

actividades funcionais : lavar as mãos, comer, higiene e hora de dormir.

122

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Foram efectuadas durante duas semanas, 2 vezes por semana (3a e 5a

feira), no período da manhã com a duração de 10 minutos (entre as 9h45 e as

9h55). Na actividade de lavar as mãos, o tempo de observação foi de 2

minutos, respeitando o horário das rotinas. Do mesmo modo se procedeu no

período da refeição e na hora de dormir.

Nesta fase, fez-se a observação de actividades não estruturadas dentro e

fora da sala, que, de seguida , se relata:

De mão dada com a mãe, o M... entra na sala, onde já estão os seus colegas sentados em roda. Olha para a educadora, para a mãe e para os colegas.

... Senta-se na manta e fica a olhar para a porta por onde saiu a mãe. Começa a chorar. A educadora chama-o para o colo; ele aceita e fica a olhar para os colegas. Enquanto a educadora fala com o grupo, o M. mexe na cabeça, bate com os pés, emitindo o som hi ! hi!.., até que sai do colo e anda pela sala.

... Quando todo o grupo vai brincar para os seus cantos preferidos, M. corre pela sala em bicos de pés, mexe na caixa dos legos e deita-a ao chão, pega no lego e mete-o na boca. Vai à garagem e mexe nos carros, permanece alguns segundos a friccionar o carro. Deita os carros ao chão. Pega um carro e roda-o por algum tempo.

... Corre pela sala em bicos de pés, abanando os braços.

... Aceitou que a educadora o conduzisse para a mesa do desenho e sentou-se na cadeira. Quando a educadora lhe deu a folha e o marcador, pegou nele e começou a rodá-lo e a colocá-lo na boca, não prestando atenção à folha. Quando a Educadora chamou a sua tenção para a folha, M...fez alguns riscos. Afastou a cadeira e saiu da mesa.

... Pegou numa peça de lego, rodopiou-a e meteu-a na boca.

... Demonstrou indiferença pelo observador.

... Interessou-se pelos materiais da casinha das bonecas, utilizando a colher e o prato de acordo com a função. Sempre que um colega chegava à sua beira, saía do local onde estava para outro e deitava os objectos ao chão.

... Foi várias vezes ao canto dos legos, mas não os manipulava de forma ajustada nem fazia encaixe.

... Durante um jogo frente ao espelho, no canto do teatro, evidenciou vários comportamentos de satisfação, nomeadamente quando tentava colocar o chapéu na cabeça e colocava o colar dentro do chapéu. Olhava para o espelho com ar de satisfação, modificando as suas expressões faciais.

123

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.,. Foi possível observar que tem um interesse especial por música e canções mimadas. Quando a educadora cantou uma canção acompanhada de alguns gestos para o grupo, M. sentou-se junto dos colegas, olhando para a educadora e colegas, sorrindo. No fim bateu palmas como os colegas.

... Na hora do recreio, foi com muito agrado que, ao ver os seus colegas a dirigir-se para o recreio, correu para lá. Durante todo o tempo que lá esteve, não brincou com os colegas e os seus movimentos limitaram-se a correr em bicos de pés e a subir e descer um degrau da escada. Várias vezes passou a língua pelo vidro da porta da entrada. Quando o adulto interrompia, chorava e voltava para a mesma actividade.

... A Educadora chamou todo o grupo para ir lavar as mãos e almoçar, mas M. continuou a correr pelo recreio, não prestando atenção aos colegas. A educadora foi buscá-lo e dirigi-o para o wc. Lavou-lhe as mãos e dihgiu-o para o refeitório.

... M. sentou-se na cadeira, pegou na colher, bateu com ela no prato, deitou parte da sopa fora. Olhou para a educadora que lhe disse: não se faz isso! Sorriu, pegou na colher, meteu dentro do prato e comeu algumas colheradas sozinho.

... A educadora deu-lhe o resto da refeição.

... Sem reagir, acompanhou a auxiliar, quando esta lhe disse: Vamos preparar para dormir.

... Correu pelo corredor em direcção ao dormitório, foi buscar a sua chupeta e esperou pelo adulto para lhe fazer a higiene. Com um sorriso, de agrado deitou-se na sua cama, mexeu no cabelo, abanou as pernas e adormeceu.

Durante as observações, verificou-se que a criança exibia

comportamentos comunicativos, alguns dos quais não eram aceites e que

necessitavam de intervenção urgente. Para que ela fosse eficaz, era

necessário comunicar com a criança, para esta entendesse o que se pretendia

transmitir-lhe e ensinar-lhe.

(b) Observação Sistemática

Para Reuchlin, a observação é sistemática quando há coerência entre os

processos e os resultados e quando são utilizadas técnicas rigorosas em

condições suficientemente bem definidas para serem "replicada". O observador

deverá dispor de um método de observação e de notação, orientado para a

recolha de dados, que seja susceptível de tratamento quantitativo

(Estrela, 1990)

124

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Dado que se verificaram na observação naturalista actuações diferentes

no que respeita comportamentos exibidos, partimos para uma observação

sistemática no intuito de verificar quais os comportamentos comunicativos e a

sua frequência nas actividades referidas na avaliação naturalista

Para isso, foi elaborada uma grelha com a finalidade de registar e

clarificar os aspectos e questões que se levantaram quanto aos

comportamentos exibidos durante a realização das tarefas.

À semelhança do que ocorreu na observação naturalista, as observações

sistemáticas foram realizadas nas actividades dentro da sala, no recreio e em

actividades funcionais já referidas, afim de verificar se as diferenças detectadas

na observação naturalista se deviam ao facto de as actividades serem

diferentes, verificando e analisando, também, quais as preferências

demonstradas pela criança.

A notação das observações fez-se através do quadro de categorias para

uma melhor definição e coerência entre os processos e os resultados

125

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(c) Análise alguns comportamentos comunicativos.

Explora primeiro os objectos com a boca e só depois é que olha para eles, manipulando-os antes de os atirar para o chão. Mostra acções diferenciadas com os objectos relacionados com comida, prato e colher. A forma como brinca com a colher no prato ajustava-se à forma como a utilizava na hora da refeição.

Não responde a fotografias de objectos como forma de representação dos mesmos. No entanto, gosta de ver fotografias de pessoas.

No jardim de infância, colabora nas actividades de movimento (recreio), jogos com canções mimadas, brincadeiras de faz de conta, na casinha das bonecas e no espelho. Foi capaz de folhear um livro, embora de uma forma desordenada. 0 seu envolvimento nas actividades era de curta duração, pois permanecia pouco tempo nas tarefas.

Manifesta interesse em manipular peças pequenas de objectos.

Reage quando chamamos por ele, mas não presta atenção quando a atenção é focalizada num objecto. Nas rotinas do dia a dia do jardim de infância- hora do recreio, comer, lavar as mãos - segue, por vezes, as pistas da ocasião - colegas a sair da sala; não entende o conteúdo de mensagens do tipo - vamos lavar as mãos.

Não aprecia o contacto físico dos colegas e não gosta que estes o toquem. Contudo, gosta de ser acariciado pelos adultos.

Não utiliza o contacto ocular para comunicar.

Tem graves problemas visuais no olho direito. Segundo informação da mãe, está a perder a sua capacidade visual, sendo considerado cego do olho direito (informação sujeita a confirmação médica). Este problema visual provoca que a criança, sempre que fixa o olhar, incline a cabeça para a esquerda e encoste os objectos ao olho esquerdo.

Vocaliza um som (Hi! Hil.j com diferentes intenções que tanto podem ser de satisfação ou de protesto. Não é claro o modo como este sinal é interpretado pelos outros parceiros.

Quando quer um objecto, estende o braço, grita e deita-se no chão. Para continuar uma actividade puxa pelo braço do adulto e grita ou chora, se é contrariado.

Tem poucas expressões faciais, mantendo quase sempre o mesmo tipo de expressão.

Quando está envolvido nas suas actividades preferidas estereotipadas, tolera mal a interrupção, chora e deita-se no chão. Tem grande dificuldade em esperar pela sua vez.

126

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(d) Conclusão relativa à primeira fase de observação e avaliação.

Trata-se é uma criança bastante activa, que comunica através do corpo e

que se revela incapaz de explorar de forma adequada o meio ambiente e os

objectos; também manifestando uma forte disposição para se envolver em

actividades estereotipadas e repetitivas. Os dados recolhidos demonstram que

existem grandes dificuldades na comunicação expressiva e compreensiva,

Apresenta-se, de seguida, um quadro-resumo em que se especifica, pelas

diferentes categorias, a observação e avaliação feita nesta fase :

• Comportamentos comunicativos:

• Exprime-se com o corpo: corre, sorri, olha para o adulto, chora, puxa, empurra, deita-se para o chão quando é contrariado, emite um som (Hi! Hi!) quando está contente, bate na mesa; é hiperactivo.

• Faz movimentos auto-estimulatórios, (rodar / fixar os objectos). • Identifica pessoas (educadora e auxiliar, amigos, pai, mãe,

avó, tio, irmã). Olha para eles quando chamado pelo nome. • Não usa referentes para comunicar as suas actividades.

• Interesses que demonstra

• Objectos: agarra-os e manipula-os de igual modo, fazendo-os rodar; leva-os todos os à boca e deita-os ao chão.

• Grande interesse pelo movimento: corre em bicos de pés e agita os braços, quando o faz.

• Gosta muito de música e de canções mimadas. • Audição: • Não há referência a problemas auditivos nos exames

hospitalares e na observação.. • Visão • Está a ser acompanhado no hospital em consultas de

avaliação, afim de se concluir qual o grau de dificuldade de visão, uma vez que parece não ver do olho esquerdo dada a forma como se inclina para observar os objectos e como os encosta ao olho direito.

• Autonomia e higiene

• Não solicita a ida ao w.c. Não adquiriu o controle esficteriano. • A mãe refere que gosta de tomar banho, mas é dependente do

adulto para a execução. • Não se veste nem despe sozinho • Dorme mal

• Alimentação • Revela dificuldades nos movimentos de mastigação e deglutição, tem dificuldade nos alimentos sólidos e não come a refeição por sua mão (sozinho), necessita da ajuda do adulto.

• Motricidade fina • Pega os objectos em pinça fina, coloca objectos dentro e fora de um recipiente.

• Motricidade ampla • Corre em bicos de pés, sobe e desce escadas com ajuda Quadro 9- quadro-resumo da observação e avaliação

127

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Capítulo 5. Primeira fase da intervenção

128

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Secção 5.01 DEFINIÇÃO DE ESTRATÉGIAS

Após uma profunda reflexão com a educadora e a mãe, foi acordado que

a intervenção se faria tendo como base um programa de comunicação que

seria implementado com os vários intervenientes ( casa e jardim de infância).

Na sua elaboração foram tidos em consideração os resultados da avaliação e o

conhecimento já adquirido sobre a criança, sobre as suas necessidades e as

da sua família.

Identificaram-se as rotinas relevantes assim como algumas estratégias a

utilizar.

♦ Combinou-se que, quando a criança terminasse uma actividade, se

diria a palavra (acabou) acompanhada do respectivo gesto,

proporcionando à criança uma indicação de que a actividade terminou

e de que pode passar à tarefa seguinte.

♦ A segunda estratégia consistiria, inicialmente, num sistema de

comunicação por objectos reais, seguido de um sistema de

fotografias, no sentido de aumentar a comunicação da criança.81

♦ Os adultos deveriam usar frases curtas e precisas quando

comunicavam com a criança, dadas as suas dificuldades de

compreensão.

81 Como não conhecia fotografias representativas de objectos, foi necessário recorrer a um sistema de comunicação

básico, baseado em objectos.

129

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Secção 5.02 IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE COMUNICAÇÃO

Foram os seguintes os objectivos deste trabalho :

OBJECTIVO GERAL:

♦ Desenvolver e estudar o efeito da utilização de objectos na

antecipação de actividades :

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS:

♦ Desenvolver a imitação de gestos.

♦ Interiorizar e desenvolver o conceito de tomar a vez

♦ Alargar os parceiros da comunicação

O desenho desta intervenção e a sua implementação pareceu

fundamental, devido às dificuldades apresentadas por esta criança quer ao

nível da comunicação com as pessoas quer ao nível do seu relacionamento

com os objectos, impedindo-o de se envolver em actividades construtivas muito

importantes para o seu processo de desenvolvimento e aprendizagem.

130

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Secção 5.03 ORGANIZAÇÃO DA ROTINA E CRIAÇÃO DE UMA

ESTRUTURA FÍSICA

A organização do quadro de rotinas no Jardim de Infância consistiu em

delimitar e identificar claramente as actividades onde se iria introduzir os

indicadores de actividade.

Foram seleccionadas actividades.dentro da sala de aula, de que são

exemplo as rotinas normais do dia a dia ( lavar mãos, comer, wc.)

Para as actividades de sala se aula, foi organizado um espaço físico que

seria o local para o M. trabalhar com a Técnica em sessões individuais, sem

ser interrompido pelos colegas. Nessa pequena sala ( biblioteca), existiam os

seguintes materiais : mesa, duas cadeiras, colchão, duas almofadas e um

escaparate com livros.

As actividades de pequeno grupo eram executadas na sala, junto dos

colegas.

Apesar da comunicação fazer parte de todo o programa e não poder ser

desligado das outras áreas, apenas foram seleccionadas as seguintes

actividades onde se inseria o indicador de actividade para o registo:

♦ Brincar com legos- uma peça de lego,

♦ Ouvir uma história- um livro

♦ Lavar as mãos - um pedaço de sabão;

♦ Comer- colher

131

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Secção 5.04 CRIAÇÃO DE UMA ROTINA COM INDICADOR DE ACTIVIDADE.

As actividades de rotina foram definidas da seguinte forma:

Primeiro trabalhar, depois brincar.

No inicio da manhã- pelas 9h30 - a criança era orientada para a sala pela

mãe e sentava-se junto dos colegas até às 9h45.

Quando o educador responsável pelo grupo perguntava a cada criança "

onde queres brincar?", com M. , a orientação para a actividade era feita pelo

educador que lhe mostrava o indicador de actividade para que, também com

ajuda verbal, a criança se dirigisse para o local de actividade.82 O tempo nesta

actividade variava em função da sua motivação e interesse.

Seguia-se um espaço de trinta minutos de actividades livres em grupo.

De seguida, mostrava-se outro indicador de actividade e a criança era

orientada para o local de trabalho individual.

Após se terem dado à criança dois objectos para escolha, iniciava-se de

imediato uma das suas actividades preferidas, tais como - contar uma história

com um livro, brincar com os animais(miniaturas), enfiar contas .

À medida que o tempo na tarefa foi aumentando e se tinha um melhor

conhecimento da criança, foram-se acrescentando , nas sessões de trabalho

individual, as tarefas que eram mais do seu agrado, com o objectivo de

aumentar o intervalo o tempo de permanência em actividade.

Quando os comportamentos manifestados pela criança - empurrar a

mesa, puxar a mão do adulto - indiciavam desinteresse pela actividade, era

autorizada a sair do local de actividade, excepto se atirasse os objectos ao

chão ou gritasse. Quando esse comportamento era verificado, tentava-se

A actividade foi seleccionada de acordo com as preferências manifestadas durante a observação inicial e do conhecimento que todos os parceiros de comunicação tinham da criança

132

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chamar a sua atenção para o que ele queria através de entoação da voz e do

gesto acabou.

Foi registado o tempo de permanência na tarefa individual na actividade

brincar com legos, cujo gráfico se apresenta de seguida:

Actividade: BRINCAR COM LEGO

10 11 12 13 14 15

Sessões 16 17 18 19 20 21 22 23 24

Gráfico 3 -Tempo em minutos na actividade brincar com lego de trabalho individualizado)

( área

O registo desse tempo permite verificar que as capacidades da criança

em permanecer em actividade aumentou rapidamente e a sua eficácia nas

actividades funcionais também aumentou de forma considerável, conforme os

registos demonstram ( anexo n°4.1 )

Nas actividades de grupo, não foi utilizado qualquer indicador; neste caso

e tal como os colegas, a criança deslocava-se pela sala e brincava com os

objectos da sua preferência. Nesta fase de actividades livres, foi possível

trabalhar a interacção e comunicação com os colegas.

No anexo (2) apresenta-se uma discriminação mais detalhada dos

objectivos e estratégias implementadas, baseados no modelo ABAB já descrito

anteriormente no capítulo 3 da Parte I

De seguida, apenas apresentam-se os aspectos mais relevantes para a

implementação de um programa de comunicação por objectos.

133

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(a) Estabelecimento da linha de base

As primeiras cinco sessões de intervenção serviram para se estabelecer a

linha de base em relação ao número de comportamentos apresentados pela

criança. Durante as sessões a Técnica brincava com a criança nos seus locais

de preferência. Os comportamentos alvo eram registados numa grelha de

frequência pela Técnica e Educadora durante um período de vinte minutos

(anexo n° 4.5)

Após os cinco dias de intervenção e observação, foi possível estabelecer

a linha de base em relação aos comportamentos comunicativos.

(b) Processo de intervenção

Seguidamente, deu-se início ao processo de intervenção com alguns dos

intervenientes ( família, educadora de apoio e educadora do grupo).

As estratégias para a intervenção foram amplamente discutidas com os

adultos que lidavam mais de perto com a criança. As indicações dadas à mãe

foram no sentido de melhorar a comunicação entre a família e a criança.

Foram identificadas algumas rotinas e introduzidos alguns indicadores

dessas mesmas rotinas 83,assim como o horário de rotinas para a família, que

não foi possível implementar de forma sistemática, dado que el tinha pouca

disponibilidade para o fazer.

Durante as sessões de intervenção, foram utilizados vários níveis de

ajudas M e registados alguns dos comportamentos. Foi também utilizada a

gravação em vídeo na fase de observação e avaliação , durante o processo de

intervenção e na fase de avaliação final.

O comportamentos considerado primitivo de explorar os objectos com a

boca, diminuiu de modo considerável ao longo da intervenção, estando neste

Ex° de indicadores de rotinas introduzidos ( mochila- escola, casaco- passear ; toalha- banho.; colher-comer ).

Nas ajudas no processo de intervenção, partindo do maior para o menor número de ajudas.

134

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momento extinto, apesar de não ter sido implementado nenhum programa

específico que visasse modificá-lo.

8

0 6 c « E

1 4 E o O o ■o .5 2 o c «D 3 D" £ u. 0

-2

Act iv idade : BRINCAR COM LEGO

8

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8

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8

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8

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-2

^X . . . . . .

8

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-2

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

8

0 6 c « E

1 4 E o O o ■o .5 2 o c «D 3 D" £ u. 0

-2 Sessões

8

0 6 c « E

1 4 E o O o ■o .5 2 o c «D 3 D" £ u. 0

-2

—♦—Meter Objecto na Boca

Gráfico 4- Evolução da frequência do comportamento meter objecto na boca verificada durante o processo de intervenção na actividade brincar com lego

O gráfico indica que houve uma diminuição gradual na frequência do

comportamento meter os objectos na boca, o que poderá dever-se ao facto do

interesse gradual manifestado pela criança nas diversas actividades e a

crescente capacidade de antecipar actividades através de indicadores, que

constitui uma fase importante do desenvolvimento cognitivo da criança. Os

comportamentos considerados negativos e primitivos de comunicação foram

diminuindo à medida que M. percebia e aceitava formas aumentativas e

alternativas de comunicação. A oportunidade de fazer escolhas entre duas

actividades ou alimentos é um objectivo fundamental e difícil de alcançar em

crianças com Multideficiência e com problemas de comunicação ; neste caso,

só foi possível alcançá-lo porque a criança teve a oportunidade de fazer

escolhas.

Seguindo o plano experimental A-B-A-B, e após estar estabelecida a linha

de base, foi implementado o programa de intervenção durante 10 sessões,

após o que se interrompeu o processo de intervenção durante 5 sessões.

Nessas sessões, o M. brincava livremente pela sala e o adulto brincava

nas mesmas actividades com a criança da mesma forma que tinha feito ao

longo do estabelecimento da linha de base; também durante essas 5 sessões,

135

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o adulto não utilizou o indicador de actividade nem orientou para a actividade,

apenas tendo como suporte a linguagem oral.

O programa descrito no anexo n° (2) foi implementado durante 4 meses,

de Março a Junho de 2001 , em 2 sessões semanais de trabalho individual com

duração de 40 a 60 minutos cada e com trabalho de pequeno grupo dentro da

sala. A Técnica acompanhou a criança durante as manhãs, das 9h00 às 13h00.

Mensalmente, havia uma reunião com a família onde era passado o video

gravado na sala em que estavam registadas as actividades desenvolvidas com

a criança, com o objectivo que a família utilizasse idênticas estratégias de

comunicação e que registasse os comportamentos significativos.

Nas sessões de trabalho individual, foram utilizadas as estratégias de

comunicação melhor adequadas às necessidades desta criança, baseadas nos

modelos comportamentais, como sejam : análise de tarefas, moldagem, ajudas

físicas e reforço positivo perante comportamentos adequados . Para

exemplificar as estratégias utilizadas, descrevem-se duas actividades

desenvolvidas dentro da sala em sessões de trabalho individualizado85 e duas

actividades funcionais, acompanhadas pela Técnica, por se considerarem as

mais importantes para que os objectivos fossem atingidos.

A capacidade da criança de olhar intencionalmente para o adulto, de olhar

e pegar o objecto para antecipar actividades, de imitar alguns comportamentos

nomeadamente batimentos rítmicos de canções foram aspectos fundamentais

na intervenção. No início, esta criança não antecipava actividades, era dirigida

pelo adulto para as actividades e não mantinha contacto ocular.

Os gráficos apresentam os resultados obtidos nos quatro

comportamentos analisados durante o processo de intervenção86. A sessões

da FASE A são relativas ao estabelecimento da linha de base ; as da FASE B

referem-se à 1a parte da intervenção; as da FASE A1 à reintrodução da linha

As actividades seleccionadas das desenvolvidas dentro da sala de aula foram as que correspondiam à preferência manifestada pela criança : brincar com legos e ouvir história com livro

Os comportamentos foram medidos em termos de S (verificação do comportamento) e N (ausência de comportamento).

136

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de base; segue-se a FASE B1 em que é retomado o programa de intervenção, seguindo-se um conjunto de sessões de FOLLOW-UP.

(i) ACTIVIDADE : BRINCAR COM LEGO

[Actividade : BRINCAR COM LEGol

FASE A FASE B FASE A1 FASE B1 FOLLOW-UP

r~ \ /

,...r~ \ , , . . /

\ . . . J \ . . . . . / . ' .

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 26 29 30 31 32 33 34 35

Na actividade Brincar com Lego utilizou-se o lego como indicador de actividade com ajuda verbal e física. . Para avaliar a eficácia desta técnica foi necessário registar os seguintes comportamentos-alvo : Olhar para o adulto ; Pegar no objecto ; Dirigir-se para o local de actividade ; Executara actividade.

Gráfico 5. Dados observados através da utilização do plano experimental ABAB, para aquisição dos comportamento analisados na actividade "Brincar como lego".

Da análise dos dados apresentados no gráfico, pode concluir-se que a estratégia de utilização de objecto para antecipar a actividade levou a um aumento significativo dos comportamentos-alvo, tendo-se verificado uma coincidência na aquisição dos comportamentos dirigir-se para o local de actividade e executa a actividade.

(ii) ACTIVIDADE : HISTÓRIA COM LIVRO

A capacidade da criança de olhar intencionalmente para o adulto, de olhar e pegar o objecto para antecipar actividades, de imitar alguns comportamentos nomeadamente batimentos rítmicos de canções foram aspectos fundamentais da intervenção. No início, esta criança não antecipava actividades, era dirigida pelo adulto para as actividades e não mantinha contacto ocular.

137

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Durante o estabelecimento da linha de base e no início do programa de intervenção , verificou-se que a maior parte das formas de comunicação que M. utilizava eram só para manter a interacção social e, talvez, um pedido de atenção

87.

Não dava sinais de uma atenção compartilhada. Com o decorrer da intervenção, foi cada vez mais claro verificar que havia intencionalidade nos seus comportamentos : olhar para o adulto, pegar o objecto e dirigir-se para o local de actividade eram sinais comunicativos que evoluíram de forma positiva.

A intervenção ao nível da percepção e atenção consistiu em ouvir uma história com livro. A observação recolhida durante o estabelecimento da linha de base e as informações recolhidas permitiram verificar que M. denotava uma certa motivação para folhear as páginas dos livros pelo que se aproveitou essa motivação para eleger o livro (sempre o mesmo) como indicador de actividade.

Para se avaliar da eficácia da técnica foram também analisados quanto a esta actividade os comportamento-alvo já referidos na actividade brincar com lego.

[ A c t i v i d a d e : H I S T Ó R I A

FOLLOW-UP

f f f

V - ^

1 2 3 4 5 6 7 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35

Olha o adulto • Pega o objecto Dirige-se para o local de actividade -■Executa a actividade j

Gráfico 6 -Dados observados através da utilização do plano experimental ABAB, para aquisição dos comportamento analisados na actividade "história com livro".

87 Utilizava um som (H/7, Hi!) e olhava brevemente para o adulto a uma certa distância.

138

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O adulto mostrava o livro à criança e dizia "vamos contar uma história". M. olhava o adulto, pegava o livro e dirigia-se para o local da actividade, num espaço preparado para o efeito fora da sala de aula.

88

Da análise dos resultados, que o gráfico demonstra, pode afirmar-se que se verifica coincidência entre a intervenção e a aquisição do comportamentos-

alvo por forma a que fossem atingidos os objectivos propostos.

(iii) ACTIVIDADE DE HIGIENE: LAVAR AS MÃOS

Como já foi referido, também foi utilizado indicador de actividade em duas actividades funcionais. No que se refere ao comportamento dirigir-se para o refeitório, esta aquisição foi treinada tal como as outras, respeitando os horários de acordo com a função. Esta competência era executada sempre que eram horas de comer.

O indicador de actividade utilizado foi um pedaço de sabão .

A c t i v i d a d e : L A V A R A S M Ã O S

FASE A FASE e FASE A1 FASE B1 FOLLOW-UP

s

N

/ ' ^ ^ \ \ t . . . _ y

S

N / ^ ' ' \

S . . . . _ y S

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/ • • • • N V . . . . / p

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35

♦ Olha o adulto - P e g a o o b j e c t o - D i r i g e - s e p a r a o l o c a l de a c t i v i d a d e - E x e c u t a a a c t i v i d a d e

Gráfico 7- Dados observados através da utilização do plano experimental ABAB, para aquisição dos comportamento analisados na actividade "Lavar as mãos".

Os resultados, que o gráfico evidencia, demonstram que a criança conseguiu realizar com facilidade esta actividade, estando nesta altura a utilizar o gesto para antecipar a actividade

88 Nas primeiras sessões foi necessário orientar a criança para o local mas, à medida que a criança melhor entendia o

significado do objecto e demonstrava padrões de resposta consistentes , o Técnico tinha o cuidado de não interferir na tarefa , deixando que a criança levasse o objecto ( livro ) até ao local de trabalho individual e pedisse que lhe contassem a história

139

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(iv) ACTIVIDADE : COMER

Durante o estabelecimento da linha de base, verificava-se que M. era dirigido pelo adulto para o refeitório e sentado no respectivo lugar. Os comportamentos registados e avaliados são os mesmos das actividades anteriormente mencionadas

Estabelecida a linha de base, iniciou-se o processo de intervenção que

consistia em: ♦ Eleger um indicador de actividade (foi escolhida a colher).

♦ Marcar a sua cadeira com um símbolo gráfico

No início foram necessárias ajudas físicas e verbais. A Técnica mostrava o indicador colher e dizia : M.: comeii A criança olhava o adulto, pegava no objecto e dirigia-se para o refeitório .

[Act iv idade: C O M E R I

FASE A FASE B FASE A1 FASE B1 FOLLOW-UP

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n \ . . . . n \ . . . . _y \

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» » . » ♦ » . / s

» » . » ♦ » / 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 16 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35

Gráfico 8- Dados observados através da utilização do plano experimental ABAB, para aquisição dos comportamento analisados na actividade "Comer".

A análise dos resultados permite concluir que o comportamento olha para o adulto foi mais rapidamente adquirido do que o Dirige-se para o local de actividade porque a criança tinha adquirido o hábito de ser dirigida para o refeitório e o de o adulto de dar parte da refeição, razão porque este comportamento levou mais tempo a ser adquirido.

Na 2a parte da intervenção, FASE B1, já foram adquiridos muito mais rapidamente e nesta altura M. já utiliza o gesto "comer" para antecipar a

140

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actividade. Após se ter constatado de que os comportamentos estavam

suficientemente adquiridos e de que se poderiam introduzir gestos, os objectos-

indicadores foram substituídos, respectivamente, pelos gestos de comer e pelo

de lavar as mãos

A mesma estratégia foi utilizada na escola e na família para ambas as

actividades.

(v) FOLLOW-UP

O "follow-up" feito um mês depois demonstrou que esta criança fez

progressos significativos na áreas em que incidiu a intervenção. Assim:

♦ É capaz de se dirigir para o refeitório quando lhe fazem o gesto comer

e come toda a refeição sozinho.

♦ Dirige-se para o WC. e é capaz de lavar as mãos sem ajuda do adulto.

♦ Está adquirido o uso de gestos para as actividades funcionais (lavar as

mãos e comer), já não necessitando de usar os objectos como

indicadores.

♦ Actualmente, está a usar um calendário ( quadro) de comunicação das

rotinas diárias, com fotos e objectos, que lhe permite antecipar, prever

e escolher quais as actividades que vai realizar.

♦ Os comportamentos repetitivos e inadequados diminuíram

significativamente, na escola e em casa.

Apesar dos progressos alcançados, ainda são muitas as dificuldades que

esta criança demonstra, nomeadamente na área da comunicação, ainda sendo,

por isso, prejudicada na sua compreensão e nas suas relações interpessoais.

Teria beneficiado ainda mais se tivesse sido alvo de um programa precoce de

intervenção na área da comunicação e de um programa de trabalho sistemático

e contínuo na comunicação aumentativa e alternativa, pois tem algumas

possibilidades para interiorizar um sistema de comunicação simples e para

adquirir maior autonomia e mais aprendizagens, nomeadamente na área da

cognição.

141

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Capítulo 6. Discussão dos Resultados e Conclusões finais.

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Secção 6.01 CONDICIONANTES AO TRABALHO

A análise crítica dos resultados e, principalmente, as conclusões deste

trabalho devem ser entendidas tendo em conta as limitações de natureza

diversa que se depararam à sua implementação.

Em 1 o lugar, a metodologia utilizada no processo de intervenção não era

conhecida dos profissionais envolvidos o que levou a que tivessem de ser

promovidos alguns encontros para se discutir e planear a sua implementação.

O grupo de crianças em que o aluno-caso estava inserido era bastante

numeroso (25 crianças) o que trouxe dificuldades acrescidas ao trabalho de

investigação, pelo que se tornou necessário organizar um espaço autónomo

para actividades individualizadas.

De referir, também, os constrangimentos relacionados com a inexistência

de instrumentos de avaliação da comunicação com crianças multideficientes.

Apesar de um dos objectivos deste trabalho ser dirigido também à

intervenção com a família, a reduzida disponibilidade de tempo manifestada por

alguns dos seus elementos limitou essa intervenção a algumas reuniões

pontuais e à sua colaboração em situações também pontuais, não tendo sido

possível, tal como aponta a literatura, uma intervenção sistemática no

programa de comunicação.

Mau grado as dificuldades e constrangimentos ao trabalho que aportaram,

estes condicionalismo não foram, todavia, motivos impeditivos da sua

realização, tendo funcionado, em muitas ocasiões, como incentivo e como um

desafio a vencer.

143

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Secção 6.02 ANÁLISE CRÍTICA DOS RESULTADOS

O estudo de caso apresentado consistiu na implementação de um

sistema de comunicação por objectos com uma criança multideficiente com a

Síndroma Cornélia de Lange' O aspecto fulcral da intervenção residiu em

respeitar a forma específica de comunicação desta criança e o modo como se

relacionava com os outros, aproveitando as suas iniciativas e seguindo as suas

motivações, procurando utilizar as estratégias adequadas às suas capacidades

e interesses, afim de a envolver activamente nas actividades.

A selecção e quantificação de alguns comportamentos comunicativos

possibilitou uma compreensão mais precisa e objectiva das trocas

comunicativas entre a técnica e a criança. Para se alcançar essa meta, houve

que, previamente, observar e registar, quantificando, os comportamentos

comunicativos que a criança manifestava de modo a que adquirisse a

sequência de comportamentos necessária para a execução das actividades.

A analise dos resultados que os gráficos demonstram, permite afirmar que

se verificou coincidência entre a aquisição dos comportamentos "Olha para o

Adulto" e "Pega o Objecto" , nas quatro actividades analisadas, havendo

alguma discrepância temporal entre os comportamentos líDirige-se para o local

da Actividade" e "Executa a Actividade". Em nossa a opinião, esse

desfasamento verificado fica a dever-se à forma como a criança era dirigida

para as actividades. Enquanto que nas actividades funcionais como a de

"Lavar as Mãos" a criança era mais dependente dos adulto para as executar,

nas actividades de sala, era livre de percorrer todos os espaços e de mexer em

todos os objectos, diferença que explica a discrepância verificada .Contudo,

nas quatro actividades observadas e registadas, pode-se constatar, que no 2o

período de intervenção ( FASE B1) , a criança foi mais rápida a tomar a

iniciativa e a executar as tarefas pedidas, do que conclui que interiorizou a

sequência de comportamentos de forma mais rápida e eficaz.

Procedendo a uma análise mais exaustiva e detalhada, temos que:

144

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♦ Durante o estabelecimento da linha de base, nenhum dos

comportamentos-alvo se verificou: a criança não respondia a ordens

ou instruções dadas oralmente.

♦ Durante a 1 a fase da intervenção, foram necessárias três sessões de

trabalho para que olhasse o adulto e pegasse no objecto, Com a

continuidade e a persistência do trabalho, ao fim de 5 sessões já era

capaz de fazer a sequência e comportamentos-alvo pretendida e de se

manter por algum tempo na actividade de que o objecto era referencia.

♦ Quando se deixou de usar o objecto-indicador e a instrução apenas

era dada oralmente, houve retrocesso aos comportamentos da linha

de base e a criança não executou a sequência nem a actividade.

♦ Após uma período de observação de 5 dias, o objecto-indicador foi

reintroduzido e novamente utilizado para todas as actividades.

♦ Na fase B1, pode concluir-se que os comportamentos-alvo foram

rapidamente adquiridos, tendo sido necessárias apenas 2 sessões

para que a criança fizesse toda a sequência.

♦ O follow-up efectuado 1 mês após ter terminado a intervenção,

confirmou que o quadro de rotinas com objectos continuava a permitir

á criança antecipar e prever as actividades que se iam realizar.

Este procedimento foi utilizado para todas as actividades.

De realçar que, na actividade brincar com lego, a criança olhava para o

adulto mas parecia não entender o que se pretendia; só a sistematização da

estratégia possibilitou que entendesse e executasse o que se lhe pedia

verbalmente.

Ao invés, na actividade história com livro, os comportamentos olhar o

adulto e pegar o objecto foram rápida e simultaneamente adquiridos, o que se

explica pelo interesse que a criança já demonstrava em folhear livros. Também

nesta actividade, quando se interrompeu a utilização do objecto e a instrução

verbal era desacompanhada , houve retrocesso nos comportamentos. Só com

a reintrodução e reutilização do objecto a sequência de comportamento passou

de novo a verificar-se , quando a criança entendeu que o objecto-livro

145

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significava ouvir histórias, passando então a dirigir-se para o local da sala

estruturado para a actividade.

Não pode deixar de referir-se que esta técnica de intervenção também

teve como efeito a diminuição de alguns comportamentos indesejados já

referidos (meter objectos na boca ; andar em bicos de pés; deitar-se em sinal

de protesto) e a um aumento do tempo de atenção e concentração nas tarefas.

Esta evidência leva-nos a reflectir, mais uma vez, sobre como uma

pequena alteração, neste caso uma ajuda suplementar, pode produzir

mudanças no comportamento de uma criança como esta, levando-a a executar

tarefas próprias da sua idade e a adquirir competências indispensáveis ao seu

desenvolvimento.

Pensamos que, por vezes, essas pequenas alterações devem ser feitas

nas atitudes dos adultos, principalmente nos profissionais que trabalhem com

crianças muitideficientes com problema de comunicação. Estas crianças

necessitam de programas de comunicação em idade precoce e não só a partir

da idade em que os adultos acham mais conveniente porque, se não existirem,

a criança não desenvolverá todo o seu potencial cognitivo.

A comunicação entre adulto e criança será mais eficaz se o adulto for

conhecedor das habilidades e competências da criança Por isso, foi necessário

investigar e adquirir um conhecimento geral da comunicação com crianças

muitideficientes e de como funcionavam as crianças portadoras da Síndroma

Lange, em particular, isto é, qual o seu estilo de aprendizagem, quais os seus

recursos de atenção, memória, motores, sensoriais e cognitivos. Este

conhecimento determinou a selecção apropriada de ajudas, técnicas e

estratégias de ensino, uma vez que, sem uma compreensão do que se vai

fazer e porque se faz de determinada forma, não será possível dar a estas

crianças oportunidades de aprendizagem.

146

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Secção 6.03 ALGUMAS CONCLUSÕES

A implementação do programa de ensino individualizado, que foi

elaborado tendo por base responder aos objectivos a que nos propusemos,

permitiu alcançar alguns resultados que não estavam previstos nem avaliados.

Durante a intervenção, pudemos confirmar que, à medida que a criança

adquiriu capacidade para utilizar os objectos de uma forma funcional, deixou de

demostrar comportamentos repetitivos e estereotipados, apesar de estes não

serem alvo de qualquer intervenção - a criança aprendeu a comunicar de uma

forma mais adequada, antecipando as actividades e mantendo-se mais tempo

em tarefa.

As competências adquiridas pela criança durante a intervenção, só foram

possíveis graças à cooperação da equipa de trabalho e da família.

O acordo pré-estabelecido entre os intervenientes no processo

(educadora, auxiliares e família) para o uso do gesto acabou no fim da cada

actividade permitiu interiorizar e desenvolver o conceito de inicio e fim das

actividade, o que torna possível uma maior independência e autonomia, na

medida em que a criança podia, assim, mudar de actividade quando

necessitava.

Da avaliação informal feita com as Educadoras no final da intervenção,

concluiu-se terem sido extraídos alguns benefícios:

♦ Todos os profissionais que trabalham com esta criança puderam

familiarizarem com uma nova forma de abordagem pratica ao processo

comunicativo com crianças deste tipo;

♦ O trabalho desenvolvido com a criança teve sequência e continuidade

noutras áreas ( jogo, plástica, recreio...)

♦ Alguns aspectos comunicativos da criança melhoraram, como resulta

da avaliação feita pela educadora e registada na escala de

comunicação pré-verbal de Kiernan & Reid (1987) anexo n° (1.4)89

.

Essa escala não foi trabalhada , tendo apenas servido como instrumento de avaliação inicial e final

147

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No que respeita ao trabalho com a família, consideramos negativo não ter

podido envolvê-la na implementação do programa de rotinas em casa, mas

mais não foi possível devido à sua relativa disponibilidade de tempo para o

efeito por razões de incompatibilidades dos horários de trabalho dos Pais uma

vez que ambos trabalham.

Todavia, a Mãe sempre demonstrou interesse em participar nas

actividades que fossem compatíveis com a sua disponibilidade de horários e

esteve presente nas reuniões intercalares que foram marcadas, onde eram

apresentadas as gravações em video do trabalho já realizado. Na reunião final

de avaliação, a Mãe referiu que o seu filho ..." prestava mais atenção quando

falava com ele", ..."está mais tempo a brincar sozinho" ,..."quer lavar as mãos e

comer sozinho ".

Os resultados positivos da intervenção, que se traduziram num aumento

da comunicação e , de certa forma, numa maneira diferente de a família olhar a

criança, parecem conformar a necessidade de uma abordagem e de uma

intervenção sobre a comunicação o mais precocemente possível.

No domínio da investigação e dos trabalhos práticos, há necessidade de

mais informação acerca destes sistemas de ajuda à comunicação e dos seus

benefícios, tal como do modo de envolver a família nestes programas; de referir

também que é escassa a documentação e informação sobre os instrumentos

de avaliação da comunicação; por último, consideramos urgente providenciar

formação específica aos profissionais que trabalhem ou venham a trabalhar

com crianças multideficientes.

Procurei fazer, neste trabalho, uma análise dos fundamentos da

comunicação, visando a sua aplicação numa intervenção com uma criança

multideficiente.

Todos reconheceremos que não é fácil entendermos e percebermos o

que estas crianças nos querem transmitir - em boa verdade, essa é, talvez, a

tarefa mais difícil de levar a cabo. Contudo, estamos certos de que se essas

dificuldades forem conhecidas e reconhecidas pelos profissionais, haverá mais

investimento na educação e intervenção educativa com estas crianças. É

148

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importante reconhecer que uma intervenção precoce devidamente planeada

pode permitir que estas crianças comuniquem de uma forma mais eficaz e

estabeleçam relações interpessoais com os seus pares.

A comunicação está em tudo aquilo que fazemos e todas as ocasiões são

boas para comunicar. Ora, a possibilidade de desenvolvimento da

comunicação destas crianças depende, em grande parte, da capacidade do

adulto de a entender e de valorizar as suas formas de comunicação. Não

podemos esquecer que, sem a nossa ajuda, a criança pode ficar limitada ao

seu pequeno mundo e que, para que isso não aconteça, devemos expandir a

sua comunicação dando-lhe oportunidades de se desenvolver em ambientes

naturais e funcionais, não esquecendo que a comunicação é um

comportamento de partilha e, como tal, requer uma acção recíproca entre ,

pelo menos, duas pessoas.

A abordagem feita à comunicação neste estudo, apresenta um pequeno

contributo para a explicação, compreensão e ajuda a este tipo de crianças.

Estando consciente de que muito está por fazer, julgo importante afirmar que o

sucesso educativo destas crianças exige esforços de todos os envolvidos no

processo: pais, educadores, terapeutas e comunidade em geral. Apesar de

todas as dificuldades é necessário estarmos conscientes de que a criança

precisa de comunicar connosco e o adulto com ela.

Durante muitos anos, foram negadas às crianças com multideficiência as

oportunidades de desenvolverem as suas potencialidades. Não era

equacionada a necessidade de os profissionais saberem como aprendem estas

crianças e o que é necessário elas aprenderem.

Tal como as outras, as crianças multideficientes têm necessidades

básicas, sentimentos e direitos. A capacidade de comunicar é importante não

apenas no contexto do desenvolvimento da linguagem da criança, mas,

sobretudo, para o seu desenvolvimento em geral. Por tal motivo, é necessário

encontrar formas para a criança comunicar o mais cedo possível,

proporcionando-lhe uma educação digna.

149

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A criança multideficiente não aprende de uma forma acidental; as suas

aprendizagens necessitam de muita sistematização, repetição e planificação

para que desenvolva, mesmo nos aspectos mais básicos e funcionais,

competências indispensáveis para um melhor funcionamento no futuro,

melhorando a sua qualidade de vida e tornando-a membro útil da sociedade. A

educação destas crianças deve privilegiar uma abordagem funcional baseada

nos modelos de intervenção transaccional. Dado que estas crianças têm

dificuldades em entender o mundo que as rodeia, é de crucial importância

estarem inseridas num contexto onde lhes é dada a oportunidade de fazerem

aprendizagens reais, inseridas nas rotinas diárias.

Para que estas crianças tenham uma educação de qualidade, é

necessário que os diferentes profissionais que integram a equipa de trabalho

sejam capazes de entender uma perspectiva transdisciplinar de avaliação e

intervenção, na qual a família é um elemento fundamental, quer ao nível da

partilha de saberes, quer ao nível da fundamentação teórica e do papel de

cada interveniente em todo o processo

Os progressos verificados no estudo desta problemática, na literatura e

em trabalhos empíricos na década de oitenta, vieram demonstrar que estas

crianças possuem capacidades aptas a serem desenvolvidas se para tal lhes

for dada uma educação e intervenção precoce, com métodos, técnicas e

estratégias adequadas, a partir do momento em que for detectada a sua

incapacidade.

Estas considerações irão influenciar na escolha e implementação de um

sistema de comunicação, mesmo que muito simples, e ajudar os profissionais

a evitar erros em todas as etapas de avaliação, assim como a determinar se

um sistema funciona adequadamente para cada criança, para os companheiros

de comunicação e para a família, nos diversos contextos.

De realçar que a avaliação assume uma importância fundamental, antes

de qualquer intervenção e durante todo o seu processo .

150

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Do estudo empírico efectuado é possível extrair algumas conclusões

relativamente à intervenção junto de uma criança multideficiente:

♦ Devem ser facultadas e ensinadas a todas as crianças formas eficazes

de comunicação, independemente das suas capacidades;

♦ Os sistemas aumentativos e alternativos disponíveis no mercado

podem não ser os mais adequados para se iniciar a comunicação com

crianças multideficientes;

♦ Para o trabalho com estas crianças deverá existir uma equipa

transdisciplinar, (educadores, terapeutas da fala, fisioterapeutas,

terapeutas ocupacionais, entre outras), sem esquecer os pais, que

ponha em prática uma forma organizada para desenvolver a

comunicação com a criança e com a família;

♦ Deve-se observar, avaliar e dar ênfase à comunicação receptiva não

simbólica;

♦ A equipa responsável pelo desenvolvimento do programa de

intervenção na área da comunicação para a criança, deverá ter em

conta as formas e funções de comunicação que a criança apresenta

actualmente;

♦ Os métodos e estratégias de ensino estruturado , podem ser

desenvolvidos no jardim de infância;

♦ O reforço positivo e a análise de tarefas são estratégias importantes a

utilizar nas intervenções com crianças com multideficiência, para, com

eficácia, se conseguir a aquisição de competências assim como a

diminuição de comportamentos socialmente indesejáveis.

Em jeito de conclusão:

♦ Todo o esforço despendido não foi em vão e valeu a pena

♦ Todas as crianças comunicam e aprendem qualquer coisa se:

> Se for ao alcance das suas necessidades > Se se respeitar o seu ritmo de aprendizagem

> Se forem estruturadas actividades com métodos e estratégias que respondam às suas necessidades.

151

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Terminamos, dando o maior ênfase à importância dos programas de comunicação baseados no modelo transaccional, tendo por base os contributos do modelo ecológico ao considerar a intervenção macrossistémica, competindo à sociedade disponibilizar os serviços e meios que forem mais adequados à criança e família.

152

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