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Storyboard - característica, utilização e análise de suas representações gráficas Resumo: O storyboard é uma narrativa sequencial gráfica que possui um objetivo bem definido: servir de guia visual entre o roteiro e a equipe de produção, possibilitando a todos uma pré-visualização do filme. Mesmo sendo uma das principais etapas da pré- produção de uma obra audiovisual, não existe uma normatização das suas representações gráficas e há pouca literatura específica sobre o tema. O artigo discute uma definição e as funções e importância do storyboard, apontando diferenças e semelhanças entre diversos tipos e identificando como as informações são representadas graficamente. Para isso, foram observados mais de 190 stroryboards e entrevistados dois diretores pernambucanos de cinema. Palavras-Chaves: Storyboard; linguagem gráfica; representação gráfica. Luiz Ataíde Neto Bacharel em Publicidade e Propaganda Faculdades Integradas Barros Melo – Aeso E-mail: [email protected] Marcos Buccini Mestre em Design da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Faculdades Integradas Barros Melo – Aeso E-mail: [email protected] Introdução O processo audiovisual consiste em um conjunto de etapas, que vai desde a concepção da história até a montagem final do filme. Entre essas fases, encontra-se o storyboard, que consiste numa prévia visualização do filme, trazendo informações como enquadramentos e movimentos de câmera, a caracterização dos personagens, entre outros detalhes que o diretor achar necessário para orientar a equipe de produção. Apesar de sua importância, é um tema pouco estudado na academia, existindo pouca literatura específica sobre o assunto, especialmente em português. Este artigo é a primeira parte de um estudo maior sobre o tema. Através de uma abordagem exploratória i , busca-se introduzir o conceito, as características e as funções

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Storyboard - característica, utilização e análise de suas representações gráficas

Resumo: O storyboard é uma narrativa sequencial gráfica que possui um objetivo bem

definido: servir de guia visual entre o roteiro e a equipe de produção, possibilitando a

todos uma pré-visualização do filme. Mesmo sendo uma das principais etapas da pré-

produção de uma obra audiovisual, não existe uma normatização das suas

representações gráficas e há pouca literatura específica sobre o tema. O artigo discute

uma definição e as funções e importância do storyboard, apontando diferenças e

semelhanças entre diversos tipos e identificando como as informações são representadas

graficamente. Para isso, foram observados mais de 190 stroryboards e entrevistados

dois diretores pernambucanos de cinema.

Palavras-Chaves: Storyboard; linguagem gráfica; representação gráfica.

Luiz Ataíde Neto Bacharel em Publicidade e Propaganda Faculdades Integradas Barros Melo – Aeso E-mail: [email protected]

Marcos Buccini Mestre em Design da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Faculdades Integradas Barros Melo – Aeso E-mail: [email protected] Introdução

O processo audiovisual consiste em um conjunto de etapas, que vai desde a

concepção da história até a montagem final do filme. Entre essas fases, encontra-se o

storyboard, que consiste numa prévia visualização do filme, trazendo informações

como enquadramentos e movimentos de câmera, a caracterização dos personagens,

entre outros detalhes que o diretor achar necessário para orientar a equipe de produção.

Apesar de sua importância, é um tema pouco estudado na academia, existindo pouca

literatura específica sobre o assunto, especialmente em português.

Este artigo é a primeira parte de um estudo maior sobre o tema. Através de uma

abordagem exploratóriai, busca-se introduzir o conceito, as características e as funções

dos storyboards como parte importante da realização de uma obra audiovisual. Propõe-

se uma abordagem geral sobre o tema, com o objetivo de produzir conhecimento técnico

e específico sobre o mesmo. Para tanto foi realizada uma pesquisa bibliográfica,

observação de mais de 190 storyboards e ainda entrevistas com dois diretores

pernambucanos de cinema.

Processo de produção audiovisual

Para se realizar uma obra audiovisual, seja ela uma animação, uma publicidade,

um vídeo ou um filme cinematográfico, independente de ser um curta ou um longa

metragem, faz-se necessário, na maioria das vezes, passar por todo um processo de

desenvolvimento. Este processo é dividido em pré-produção (story-line, sinopse ou

argumento, roteiro, storyboard); produção (captação ou geração das imagens); e pós-

produção (montagem, edição e finalização).

Storyboard

O storyboard é a última parte da etapa de pré-produção, mas antes de apresentar

definições de storyboard, faz-se necessário definir o que é um plano cinematográfico.

Segundo Leone e Mourão (1993), na filmagem de um cinema sonoro, a câmera capta as

imagens e os movimentos reais através de uma película também chamada de filme, que

é fisicamente composto por diversos quadros fotográficos chamados de fotogramas. A

justaposição de cada 24 fotogramas por segundo possibilita criar a ilusão de um

movimento cinematográfico, esses movimentos estarão presentes em cada plano do

filme. Eisenstein (1972) afirma que o plano é a menor unidade de um filme e o mesmo é

formado por uma seqüência de fotogramas em sequência. Leone e Mourão (1993)

comentam que o plano é o elemento do filme que captou uma imagem através de um

enquadramento determinado e que é definido pelo corte, ou seja, o plano é a imagem

que está entre dois cortes. De maneira geral, o storyboard representa em cada um de

seus quadros, um plano específico do filme. Cada quadro busca representar uma ação

completa.

Eisner (1999) define storyboard como: cenas “imóveis” para filmes, pré-

planejadas e dispostas em quadros pintados ou desenhados. Embora empreguem os

elementos principais da arte seqüencial, diferem das revistas e tiras em quadrinhos por

dispensarem os balões e os quadrinhos. Não são destinados à ‘leitura’, mas antes para

fazer a ponte entre o roteiro do filme e a fotografia final. Na prática, o storyboard

sugere “tomadas” (ângulos de câmera) e prefigura a encenação e a iluminação. Suas

ilustrações são mais técnicas, utilizando: símbolos como setas, por exemplo; numeração

dos quadros e das seqüências; tipos de plano; textos, que contém as falas e os

complementos que possibilitam um maior entendimento dos acontecimentos do plano;

entre outros elementos, deixando a funcionalidade em primeiro plano e em segundo, o

desenho em si.

Para Rabaça e Barbosa (2002, p. 694), storyboard é “uma seqüência de desenhos

que indicam e orientam, visualmente, determinadas tomadas descritas no roteiro de um

filme, anúncio ou programa a ser realizado”. Moreira e Pasquale (1997) acrescentam

que o storyboard contém as cenas desenhadas do filme e, pode ter também, o texto

correspondente ao áudio. Já Dantas (2006) define o storyboard como “a história em

quadrinhos que descreve com desenhos cada um dos planos de um filme segundo o

roteiro”.

Segundo Nemer (2006), o storyboard é uma etapa que está entre o roteiro e a

captação das imagens do filme, ajudando a equipe a visualizar o que se espera de cada

cena. A autora descreve o storyboard como:

Consiste em uma seqüência de quadros, no formato no qual serão filmadas as imagens do filme, onde são desenhadas as cenas da forma como imaginadas pelo diretor, incluindo o ângulo da câmera, a iluminação desejada, etc. Cada um desses desenhos pode ser acompanhado ainda de anotações sobre a cena, tais como a descrição da ação, do movimento, o som (ou sons) que a acompanharão, ou qualquer outra informação que se julgar importante.

Marel (2006) também entende que o storyboard descreve as cenas a partir de

uma linguagem gráfica, pois se trata de uma apresentação visual da idéia. Já Gouvêa

(2006) acrescenta que existem dois tipos de storyboard. Um que acompanha todo o

processo produtivo do filme, chamado de shooting board e o storyboard utilizado para a

propaganda do roteiro, com o objetivo de se conseguir algum investidor. Ela afirma que

o storyboard ajuda os cineastas na visualização prévia de como ficará o filme,

apresentando as seqüências, as expressões e ações dos personagens, a posição das

câmeras, entre outros aspectos.

Toni Rhoden (2006 apud GOUVÊA, 2006), designer gráfico, explica que para o

desenvolvimento de um storyboard não basta apenas saber desenhar ou ter um roteiro

em mãos.

O desenhista precisa conhecer área de enquadramento, profundidade, perspectiva, eixo de câmera, movimentos dela, como carrinho, pan, tilt, steadycam, etc. Não é necessário acrescentar muitos detalhes, tipo ‘a cor da meia do mendigo’, pois para isso existe a função de figurino e/ou cenário. O storyboard, basicamente, confere um dinamismo e praticidade para o set de filmagem, pois o diretor, fotógrafo, operador e ator (principalmente estes) têm uma noção única de como aquela seqüência será. Isso evita uma perda de tempo desnecessária, explicando para o ator aonde ele vai se posicionar e onde a câmera deve estar.

Entre o que foi comentado acima pelo autor, sobre as habilidades necessárias do

storyboarder, foram citados os conhecimentos sobre movimentos de câmera, os quais

serão colocados simplificadamente segundo Stasheff et al. (1978) para que possibilite

um maior entendimento do assunto.

Independentemente dos movimentos que ocorrem em cena, os movimentos de

câmera são os movimentos específicos realizados exclusivamente pela câmera através

de uma série de equipamentos que possibilitam tais ações. Apesar da classificação dos

movimentos poderem variar entre os autores e diretores, os mais comuns são: pan e tilt,

o primeiro é um movimento horizontal sobre o eixo da câmera, se dando para os lados,

esquerdo e direito, enquanto que o movimento para cima e para baixo recebe o nome de

tilt. Dolly in/out é o movimento da câmera em direção ao objeto filmado, aproximando-

se ou afastando-se em linha reta com o eixo fixo; travelling, truck ou dolly horizontal, é

um movimento igual ao dolly, apenas se diferencia por não ser um movimento em linha

reta e sim lateral; pião é um giro de 1 a 360 graus da câmera em relação ao objeto e

zoom é o movimento de aproximação e afastamento permitido pela lente, que é

projetada especialmente para possibilitar a variação da distância focal, a câmera em si

não se movimenta como ocorre no dolly.

A representação das informações trazidas nos storyboards, como movimentos de

câmeras, enquadramentos, diálogos, efeitos sonboras etc, não obedecem a uma norma.

Cada autor apresenta estas informações da forma que acha melhor. Estas informações

precisam ser basicamente visuais, para isso utilizam-se das regras da linguagem visual.

Linguagem visual

Segundo Dondis (2000) e Wong (1998), não há como simplesmente, conceituar

a linguagem visual, sendo possível entender que há certas linhas gerais para a

composição, mas inexistem classificações de nível tão organizado e complexo quanto na

linguagem escrita. Na linguagem gráfica existem elementos básicos, que facilitam a

compreensão das mensagens visuais, porém a base para se alcançar a inteligência visual

é o simples processo de observar a realidade, o meio ambiente que cerca o espectador.

Twyman (1979) define linguagem como “aquilo que serve como veículo de

comunicação” e gráfico como “aquilo que é desenhado ou feito visível em resposta a

decisões conscientes”. Twyman (1979) classifica a linguagem gráfica em três

elementos: verbal, pictórica e esquemática. Na primeira, a imagem é composta apenas

por palavras, na pictórica a composição é formada apenas por figuras, enquanto que a

última é composta por elementos que não sejam apenas verbais, numéricos ou

pictóricos, apresentando símbolos indicativos que fornecem alguma função informativa

para a compreensão da mensagem, como: setas, círculos que envolvem um objeto

específico, sublinhados, entre outros. Esses três elementos podem ocorrer

separadamente ou simultaneamente numa mesma imagem.

Resultado da observação dos storyboards

Os conceitos da linguagem visual de Dondis (2000), Wong (1998) e Twyman

(1979) servem para uma rápida observação dos 190 storyboards foram selecionados de

forma aleatória e por conveniência na internet. A observação pretende ser bastante

superficial, ficando uma análise mais detalhada destes storyboards em estudos futuros.

Como foi colocado pelos autores Gouvêa (2006), o storyboard apresenta

configurações diferentes entre si, variando a técnica de desenho, as representações dos

símbolos, os níveis de detalhamento dos desenhos, formatação, entre outros. Isso porque

o storyboard é criado baseado nas necessidades de cada projeto, que por sua vez

também tem suas peculiaridades. Embora não haja uma padronização definida, foi

possível encontrar semelhanças e diferenças entre eles

Os principais movimentos de câmera representados nos storyboards foram tilt,

travelling, zoom, pan e dolly. Destes, os tilts foram sempre representados por setas e por

textos indicando a direção do movimento, apesar de cada um ter suas características

como é possível observar nas figuras 01, 02 e 03.

O movimento de câmera pan, foi representado de forma bastante semelhante,

caracteriza-se por emendar dois ou mais quadrinhos formando uma única imagem de

todo o ambiente a ser filmado. Outra característica é o percurso da câmera ser definido

por uma seta com um texto de “start” e “stop” para orientar o começo e o fim da ação

(Figura 4).

Quanto à linguagem gráfica, que foi vista neste estudo sob a ótica de Twyman

(1979), os storyboards apresentaram-na na maioria das vezes de forma mista, porém os

Figura 4 – Exemplos do movimento de câmera Pan nos desenhos “Caverna do Dragão”, “Shera” e “Batman”.

Figura 1 - Tilt up do filme “Clube da Luta”

Figura 3-Tilt up do filme “De volta para o Futuro II” Figura 2 – Tilt down do filme “De Volta

para o Futuro”

elementos verbal, pictórico e esquemático podem se destacar mais que outros

dependendo do plano, como mostra a figura 5.

Conclusão

Este trabalho, por ser a primeira etapa do estudo da linguagem visual dos

storyboards, não pretende esgotar aqui o assunto e não pretende apresentar resultados

conclusivos.

O primeiro objetivo do estudo foi concluído: apresentar uma definição para o

storyboard e destacar suas principais funções, baseando-se em uma pesquisa

bibliográfica. Desta forma, pode-se dizer que o storyboard é uma ferramenta que

proporciona a pré-visualização do filme. Nesta etapa da produção, deve-se adequar e

transformar o roteiro em uma linguagem basicamente visual, que indicará movimentos

de câmera e enquadramentos. Estes planos, após aprovados, servirão como alicerces

para orientar o diretor e o restante da equipe na produção do filme.

Pretende-se continuar este estudo com a análise de diversos storyboards,

observando como eles utilizam a linguagem visual em sua composição. Será também

proposto uma tipologia destes storyboards. Finalmente, pretende-se que este estudo seja

a base para o estudo de um assunto tão pouco abordado em textos acadêmicos.

Referências Bibliográficas

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Figura 5 – Exemplo de linguagem verbal, pictórica e esquemática respectivamente de storyboards distintos.

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i Segundo Gil (1999), Aaker et al. (2001) e Malhotra (2001), a pesquisa exploratória geralmente envolve o método bibliográfico e documental, servindo para a aproximação do pesquisador ao tema, tendo em vista que o mesmo não tem a possibilidade de estudar previamente, devido à falta de conhecimento produzido sobre o assunto.