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Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa Silva Série FASE Entrevista Esta edição da Série FASE Entrevista conversou com o mestre em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA) Tarcísio Feitosa Silva, atualmente radicado no Rio de Janeiro (RJ), sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma ferramenta importante destinada a apoiar a ges- tão com o monitoramento de imóveis rurais, mas que no Brasil se converte, na prática, em um instrumento de legalização da grilagem e é usado como mecanis- mo para garantir os interesses dos que expropriam as populações tradicionais da Amazônia de suas terras. Confira nas próximas páginas. CAR é usado na legalização da grilagem Entrevista com Tarcísio Feitosa Silva Mestre em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Sus- tentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA) ORGANIZAÇÃO APOIO Setembro de 2017 FOTO: SOCORRO CORRÊA

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Page 1: Série FASE Entrevista Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa …©rie... · 2017-09-26 · Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa Silva rão ser inseridas informações georreferenciadas

Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa SilvaSérie FASE EntrevistaEsta edição da Série FASE Entrevista conversou com

o mestre em Agricultura Familiar e Desenvolvimento

Sustentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA)

Tarcísio Feitosa Silva, atualmente radicado no Rio de

Janeiro (RJ), sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR),

uma ferramenta importante destinada a apoiar a ges-

tão com o monitoramento de imóveis rurais, mas que

no Brasil se converte, na prática, em um instrumento

de legalização da grilagem e é usado como mecanis-

mo para garantir os interesses dos que expropriam as

populações tradicionais da Amazônia de suas terras.

Confira nas próximas páginas.

CAR é usado na legalização

da grilagemEntrevista com

Tarcísio Feitosa SilvaMestre em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Sus-

tentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA)

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Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa Silva

o

3 FASE Entrevista - O que vem a ser o CAR?

3 Tarcísio Feitosa da Silva - O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é uma das ferramentas na

gestão e monitoramento de territórios e unidades de produção rural (imóveis rurais), e pode

contribuir com a proteção das Terras Indígenas, Unidades de Conservação, Territórios Quilom-

bolas e florestas públicas não destinadas.

Não colocamos em xeque a importância da ferramenta (CAR), mas ela deve servir ao seu pro-

pósito máximo que é garantir o planejamento territorial com as retaguardas ambientais de pro-

teção aos ecossistemas e sua biodiversidade, de uso racional da terra e a recuperação de áreas

degradadas quando for o caso.

A base jurídica do CAR situa-se na Lei 12.651/12, no

artigo 29, com um foco principal no controle do desma-

tamento, mas também como subsídio de informações ao

Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente

(Sinima). A lei tornou obrigatória a criação de um regis-

tro público eletrônico de âmbito nacional, no qual deve-

Cadastro Ambiental Rural vira artifício pararegularizar terra ilegal “

Não colocamos em xeque a importân-cia da ferramenta (CAR), mas ela deve servir ao seu propósito máximo

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rão ser inseridas informações georreferenciadas dos imóveis rurais, e

promovida a integração de informações ambientais das propriedades

e posses rurais.

O CAR irá fortalecer o Sistema Nacional de Informação sobre Meio

Ambiente (Sinima) criado pela Política Nacional da Meio Ambiente,

previsto no inciso VII do artigo 9º da Lei nº 6.938/81, assim como o

Cadastro Nacional de Florestas Públicas.

Teremos uma base de informações geoespaciais destinada a proteger e

recuperar as florestas, garantir eficiência na produção e no transporte

de alimentos, organizar a distribuição de postos de saúde e escolas na

zona rural ou até mesmo definir o traçado de uma rodovia com pou-

cos danos aos rios na região.

3 FASE - O CAR garante a posse da terra?

3 Tarcísio - Não garante. O CAR não foi criado com este objetivo.

Este foi o grande problema que contaminou negativamente o CAR,

principalmente na Amazônia. O discurso do reconhecimento da posse

e regularização da propriedade rural foi feito como uma forma de

convencer principalmente grandes e médios detentores de terras (os

produtores rurais) a aderirem ao CAR.

Tal discurso de convencimento nasce no que chamamos hoje de

“República de Paragominas”, onde a suposta política do desenvol-

vimento verde teve sua raiz no Pará, seguiu principalmente à região

da Ilha do Marajó, onde ganhou aceitação com essa possibilidade de

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regularização de grandes latifúndios por três motivos. O primeiro pelo

desespero de regularizar áreas acima do limite constitucional. O segun-

do, pelo surgimento de territórios coletivos (principalmente Territórios

Quilombolas). E o terceiro pela aproximação do poder presente na

Capital das Mangueiras (Belém).

As resistências ao CAR estão localizadas exatamente onde o poder da

capital paraense é mais distante e tem pouca presença e há intermi-

tentemente operações de controle e fiscalização por parte do órgão

federal de proteção ambiental.

Um exemplo é o município de

Novo Progresso, na BR-163,

com a presença constante da

fiscalização do Ibama (Insti-

tuto Brasileiro do Meio Am-

biente e dos Recursos Naturais

Renováveis). Há o temor que

o CAR seja usado para delatar

os desmatadores, mas houve um investimento maciço de recursos de

doação internacional no convencimento para registro dos imóveis no

CAR.

Por outro lado, com o discurso de garantir a regularização com a

utilização do CAR, essa ferramenta se tornou um câncer malig-

no na Amazônia, induzindo à violência pela disputa da terra. E,

o que é pior, o CAR foi o grande indutor do desmatamento nos

últimos anos.

“(...)essa ferramenta se tornou um câncer maligno na Ama-zônia, induzindo à violência pela disputa da terra.

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A frase “Faz o CAR que o governo vai garantir a tua terra” foi e é

usada em vários lugares. Um exemplo claro é o Projeto de Desen-

volvimento Sustentável (PDS) Liberdade no município de Portel. Lá,

no interior deste PDS, há uma área de manejo florestal sob contrato

de transição junto ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB) que hoje se

tornou basicamente um grande pasto em cima de um CAR. Nem o

Serviço Florestal, nem o Incra (Instituto Nacional da Colonização e

Reforma Agrária) e nem a antiga empresa que explorou os recursos

florestais nessa área impediram o avanço do desmatamento em flores-

ta que pela legislação brasileira deveria guardar o pousio* por um ciclo

de 30 anos.

O restante do PDS Liberdade foi retalhado pelo desmatamento e um

tabuleiro de CAR que de certa forma autorizou a destruição da flores-

ta nessa região.

3 FASE - De quem é a responsabilidade pela elaboração do CAR de

Projeto de Assentamento (PA), PDS, Projeto de Assentamento Agro-

extrativista (PAE) e Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS),

áreas quilombolas e tradicionais? As populações precisam pagar por

esse serviço?

3 Tarcísio - Os territórios quilombolas são áreas protegidas, de uso

coletivo por populações humanas. Mesmo sendo matriculadas como

propriedade em nome de uma associação, tais áreas deveriam ser

inseridas automaticamente no sistema do CAR, no Cadastro Nacional

de Floresta, em qualquer base oficial de dados geográficos, da mesma

forma que são inseridas as Terras Indígenas e Unidades de Conserva-

1 Descanso ou repouso proporcionado às terras cultiváveis.

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ção, por um único motivo: terras quilombolas são consideradas áreas

protegidas similares às unidades de conservação de uso sustentável.

Em defesa dessa afirmação podemos convocar o Decreto nº

4.339/02, que institui princípios e diretrizes para a implementação da

Política Nacional da Biodiversidade e afirma o princípio da manuten-

ção da diversidade cultural nacional, citando os povos quilombolas

como tendo um papel importante na conservação e na utilização

sustentável da biodiversidade brasileira e o Decreto Legislativo nº 2,

de 1994, que aprova o texto da Convenção Internacional sobre Di-

versidade Biológica, invocando a necessidade de respeitar, preservar e

manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais

e populações indígenas como estilo de vida tradicional relevante à con-

servação e à utilização sustentável da diversidade biológica.

O problema é que a base de informações cartográficas consolidadas

dos Territórios Quilombolas é inexistente hoje no Brasil. E quando

há alguma informação, elas não estão disponíveis para acesso rápido.

Quando estão disponíveis há erros cartográficos absurdos e existe

uma série de sobreposições de CAR sobre tais territórios. Um exem-

plo disso é ocorre no Território Quilombola de Gurupá, em Cacho-

eira do Arari, na Ilha do Marajó. É emblemático: pelo menos 80% do

território onde há as florestas nativas de açaí estão sob o domínio de

fazendeiros de famílias ricas da capital.

Com o uso destes CARs e de documentos que não atestam a segu-

rança fundiária dos imóveis dentro do TQ, os fazendeiros arren-

dam o Território Quilombola do Gurupá para grupos de explo-

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radores de açaí, que em sua maioria usam

homens armados.

Nos assentamentos onde há lotes individuais

que ainda não foram emancipados pelo órgão

de gestão fundiária, assim como nos assen-

tamentos coletivos, a responsabilidade neste

caso é do Estado Brasileiro através de aporte

financeiro e técnico destinado as empresas

de assistência técnica para execução do CAR

coletivo ou individual.

3 FASE - Que aspectos positivos e negativos você identifica na exe-

cução/implantação do CAR?

3 Tarcísio - O aspecto positivo é que se o CAR for levado a sério,

tiver uma base de informações importante para o planejamento do

território, conservação da biodiversidade, garantir a recuperação de

áreas degradadas e impactos menores de abertura de estradas vicinais

há uma série de atividades que podem ser desenvolvi-

das com a base CAR.

O negativo é que o CAR foi contaminado na Amazô-

nia, passou a ser uma ferramenta de grilagem das terras

públicas e indutora de conflitos agrário e fundiário.

3 FASE - O CAR pode se tornar um instrumento

para legalização de grilagem de terra na Amazônia? Por

quê?

3 Tarcísio - O CAR erroneamente vem se tornan-

do este instrumento de legalização da grilagem na Amazônia. Há

processos judiciais em que a prova material de ocupação da terra

por um fazendeiro é a apresentação do CAR. Tal documento é

aceito sem questionamento na peleja judicial, pois de certa forma

é um documento oficial dentro de um cadastro eletrônico mantido

pelo poder público.

Tá ai a diferença. O CAR é um cadastro, não é um registro ou um

“O CAR foi contami-nado na Amazônia, passou a ser uma fer-ramenta de grilagem das terras públicas e indutora de conflitos agrário e fundiário.

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documento emitido pelo órgão ambiental. O órgão ambiental apenas recepciona as infor-

mações e as coloca em uma base de dados.

O CAR é como um cadastro que podemos fazer em uma farmácia do bairro com ob-

jetivo de conseguir descontos no remédio ou ser avisado de uma promoção. Nada mais

que isso, é declaratório, as informações não são

checadas em campo e não são validadas para

entrar em um registro. No máximo se cruzam

informações de imagens de satélite para aferir

as informações presentes no cadastro. Mas ele

não informa se há comunidades tradicionais,

quilombolas, de ribeirinhos, de castanheiros

que usam aqueles territórios agora transforma-

dos em um imóvel rural pelo CAR.

3 FASE - Muitas organizações da sociedade

civil da Amazônia estão engajadas em processos

de elaboração de CAR. Quais os riscos e possi-

bilidades a partir desse engajamento?

“O CAR é como um cadastro que podemos fazer em uma farmácia do bairro com objetivo de conseguir descontos no remédio ou ser avisado de uma promoção. Nada mais que isso, é declara-tório, as informações não são checadas em campo e não são validadas para entrar em um registro.

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3 Tarcísio - Temos um problema sério. Recentemente ouvi uma

frase que pode explicar: “A ambientalização do movimento agrário

é interessante, mas a agrarização do movimento ambiental pode ser

complicada”. É exatamente isso que estamos assistindo na Amazônia.

O movimento ambiental, que não tem aprofundamento nas comple-

xidades das questões agrárias, tornou o CAR o único instrumento de

trabalho e vai mais além: passa a propor ao órgão de gestão de terras

utilizar este cadastro como base para se iniciar a regularização fundiária

de um imóvel rural. Isso é um risco grande, pois embaixo deste CAR

em que só podemos ver de imagens de satélite, ou transformando

shape files em KML, com todas as distorções no Google Earth, há

ribeirinhos, quilombolas, indígenas, castanheiros, seringueiros e muitos

outros que não aparecem nas imagens.

Gosto muito da frase que

ouvi do seu Afonso Alves,

um velho sertanista da Funai

(Fundação Nacional do Índio),

durante uma viagem de uns

seis dias. Ele sempre dizia que sempre há alguém morando nas beiras

dos rios na Amazônia. Eu tinha uns 18 anos, e no final de tarde nessa

viagem sempre encontrávamos uma casa para pousar.

Uma família de ribeirinho usa uma média de 5 a 10 quilômetros de

floresta adentro para sobreviver. Lá tem caça, coleta frutas, se tira óleo,

etc. A Amazônia não é um vazio. Muito pelo contrário. Em cada pal-

mo dessa terra há alguém utilizando a floresta.

“(...) sempre há al-guém morando nas beiras dos rios na Amazônia.

FOTO: ARQUivO FASE

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3 FASE - O governo Jatene fala agora em Siscarf (Sistema de Ca-

dastro Rural Fundiário)? O que vem a ser esse sistema?

3 Tarcísio - Uma orga-

nização ambientalista muito

próxima do governo Jatene

vem realizando várias reuni-

ões com o órgão de gestão

fundiária no Estado do Pará.

O propósito dessas reuniões

é criar um sistema que possa

acelerar a regularização fundi-

ária no Estado do Pará.

Segundo as informações le-

vantadas pela Promotoria de

Justiça da Região Agrária de

Castanhal, que representa 75

municípios dos 144 do Estado

do Pará, o novo sistema apresentado pelo Iterpa (Instituto de Terras

do Pará) usa o CAR como base para regularização fundiária.

O próprio presidente do órgão de gestão fundiária do Estado do Pará

disse que o CARF (Cadastro Rural Fundiário) é um modelo ampliado

do Cadastro Ambiental Rural. Este novo sistema acendeu as luzes de

alerta do Ministério Público do Estado do Pará.

“(...) o CARF (Cadastro Rural Fundiário) é um modelo ampliado do Ca-dastro Ambiental Ru-ral. Este novo sistema acendeu as luzes de aler-ta do Ministério Público do Estado do Pará.O CAR não mostra os territórios das comunida-des tradicionais. A base deste novo sistema irá ampliar os conflitos agrá-rios e fundiários.

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Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa Silva

O CAR não mostra os territórios das comunidades tradicionais. A

base deste novo sistema irá ampliar os conflitos agrários e fundiários.

A preocupação com esse novo sistema teve tal impacto que todos os

promotores agrários do Estado do Pará recomendaram conjuntamen-

te ao Instituto de Terras do Pará a readequação do sistema, a retira-

da do CAR como pressuposto de iniciar a regularização fundiária, a

suspenção da operação do

sistema, a realização de consul-

ta a especialistas, pesquisado-

res, órgão de gestão fundiária,

operadores do direito agrário

e fundiário, juízes, promotores

de justiça, defensores públicos

e técnicos para estabelecer as

bases de arquitetura do progra-

ma de suporte do sistema a ser

desenvolvido e as organizações

da sociedade civil e a população interessada para estabelecer as bases

para criação da arquitetura do programa de suporte do sistema a ser

desenvolvido.

Não é comum que todos os promotores agrários assinem recomen-

dações em conjunto. Só quando o problema é bastante grave e pode

causar danos a paz no campo.

3 FASE - O CAR pode se tornar um instrumento para fortalecer

“Não é comum que todos os promotores agrários assinem recomendações em conjunto. Só quando o problema é bastan-te grave e pode cau-sar danos a paz no campo.

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Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa Silva

as lutas em defesa dos territórios?

3 Tarcísio - Este é o papel fundamental do CAR. Ser um instrumen-

to de gestão e de fortalecimento do território, observando, é claro, a

conservação da biodiversidade e a produção de alimentos saudáveis,

mas também identificar os territórios invisíveis que estão na Ama-

zônia. O CAR deve se comunicar com outras bases, por exemplo: a FOTO: ARQUivO FASE

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Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa Silva

“O CAR deve se co-municar com outras bases, por exemplo: a Cartografia So-cial, com a qual pes-quisadores se lançam com as comunidades para identificar seus territórios.

Cartografia Social, com a qual

pesquisadores se lançam com

as comunidades para iden-

tificar seus territórios. É um

grande avanço na academia

brasileira, que por muito tem-

po ficou entre muros na Ama-

zônia. Nessas bases há muitas

informações de territórios de

populações tradicionais, for-

mas de uso, sistema de orga-

nização local. Cruzando dados eliminaremos sérios problemas, como

encontramos na Região Metropolitana de Belém, onde um Aterro

Sanitário foi licenciado pelo órgão ambiental e implantado a menos de

2.000 metros de uma comunidade quilombola.

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Série FASE Entrevista | Tarcísio Feitosa Silva

* Tarcísio Feitosa da Silva nasceu em 1971 na região do Médio Xingu, no município de Altamira. Aos 17 anos ingres-sou na equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) da Prelazia do Xingu e trabalhou com povos indígenas da região. Em 2003 passou a integrar a equipe da Comissão Pastoral da Terra (CPT), atuando com a Irmã Dorothy Mae Stang. Foi assessor técnico da GTZ (Agência de Cooperação Alemã), é graduado em Licenciatura em Ciências Exatas e Naturais e tem mestrado em Agricultura Familiares e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA) no Núcleo de Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Susten-tável. Sua atuação é ligada aos movimentos sociais e orga-nizações não governamentais (ONGs) na defesa dos povos tradicionais e suas florestas. Pelo trabalho que desenvolve, foi um dos nomes incluídos na lista de lideranças ameaçadas de morte na Amazônia. Entre 2011 e fevereiro de 2017 foi assessor do Ministério Público do Estado do Pará na temática agrária, fundiária e socioambiental. Atualmente estuda Direito no Rio de Janeiro.

A Série FASE Entrevista é uma iniciativa da Ong FASE Programa Amazônia, com o apoio da Fundação Heinrich Böll (HBS). Ela tem como objetivo divulgar ideias, posicio-namentos e/ou avaliações de lideranças de movimentos sociais, pesquisadores(as) e de membros de Ongs acerca de temas que consideramos relevantes para o melhor conhecimento das novas dinâmicas socioterritoriais em andamento na nossa região, bem como de experiências coletivas executadas por organizações da sociedade civil e que merecem ser conhecidas mais amplamente.Dessa forma, esperamos contribuir para a construção e/ou fortalecimento de um pensamento crítico sobre o modelo hegemônico de desenvolvimento imposto à Ama-zônia, da democracia e de suas instituições e a afirmação de direitos individuais e coletivos.Os pontos de vista dos entrevistados não refletem necessariamente o posicionamento institucional da FASE e dos seus apoiadores.

FASE: Rua Bernal do Couto, 1329. Umarizal. CEP 66.055-080. Telefone: (91) 4005-3773. Fax: (91) 4005-3750. E-mail: [email protected]. Site: www.fase.org.br.

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