sons - hificlube

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Sons Mark Levinson é um nome mítico da alta fidelidade mundial. O homem, que lhe deu o nome, e a obra, que o ostenta, já não têm qualquer relação. A obra divorciou-se do seu criador e assina agora Madrigal Audio Laboratories. Teias que a Bolsa tece Doce madrigal Mark Levinson No.383 TEXTO DE JOS VICTOR HENRIQUES O crtico de udio um pouco como o fo- tgrafo de moda: passam-lhe pelas mos belas mulheres que nunca chega a pos- suir; limita-se a captar a sua imagem atra- vs da objectiva. Para que a fotografia re- sulte, tem contudo de haver uma empa- tia, quase que um flirt, um jogo de sedu- o. Por vezes casa com uma das mode- los, mas sol de pouca dura, porque so sempre precisos rostos novos e frescos, diferentes esprito pairar acima da cruel realidade do ser. Hoje o corpo conta mais que o esp- rito, e fazem-se sacrifcios para o manter firme e belo como se a vida eterna de- pendesse disso. As fotos que a Madrigal Laboratories me enviou do amplificador integrado Mark Levinson No.383 so to boas que me apeteceu public-las em pgina inteira apenas com uma legenda singela, bem ao estilo do DNA. O amplificador parece pai- rar no ar com uma leveza insustentvel. De facto, de construo robusta e pesa cerca de 30 quilos. Mas o fotgrafo pre- tendeu transmitir esta imagem de liber- dade, de leveza, de som etreo. Deve t- lo ouvido e com ele convivido. Flirtado, co- mo escreveu Garret. Foi tambm esta a imagem que me ficou do No.383; a de um amplificador que se liberta do corpo ao ponto de se tornar inexistente. Silncio total. Fantasmagrico. Um pouco escuro como convm introspec- o auditiva; e, contudo, claro e transpa- rente como um livro aberto Leio nas mi- Para conseguir que certas mulheres se dispam perante a objectiva tem de ganhar antes um certo estatuto: a fronteira entre a arte e a violao da dignidade muito tnue. Uma fotografia pode, passe o apa- rente paradoxo, destruir uma imagem. As- sim, uma mulher quando se entrega nas mos de um fotgrafo tem de ter con- fiana na sua sensibilidade artstica: a fo- to de um belo corpo no diz tudo - o se- gredo est na impossvel descrio figura- tiva do esprito que o anima. Todos os grandes msticos tentaram li- bertar-se do corpo em vida permitindo ao nhas notas. Onde esto as vozes crticas que apodavam os Mark Levinson de ˙Dark¨ Levinson? Nada se perde na fili- grana de harmnicos sobre a qual se mol- da a sua estrutura rtmica: os graves, ˙bai- xos¨ se preferirem, mais requintadamen- te musicais de toda a famlia Levinson. Talvez porque a cpula perfeita entre a seco de preamplificao (sem entrada phono) e os andares de amplificao dis- pensam o preservativo (buffer). So dois corpos num s como Tristo e Isolda. So- bra-lhe em paixo e amor pela msica o que lhe falta em poder. No que 100W (que dobram para 200W numa carga de 4 mios) no sejam suficientes para as batalhas dirias que temos de travar. Mas no est fadado para vitrias por K.O. co- mo os seus irmos mais velhos. Um dia, j l vo quatro anos, aps um duelo sem trguas entre amplificado- res, escrevi extenuado e feliz sobre os Mark Levinson No.33: ˙Controlo absoluto do processo musi- cal em curso Boa focagem Imagem es- Mark Levinson No.383: pairando no ar com uma leveza insustentável

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Page 1: Sons - HifiClube

So

ns

Mark Levinson é um nome mítico da alta fidelidade mundial. O homem, que

lhe deu o nome, e a obra, que o ostenta, já não têm qualquer relação. A obra

divorciou-se do seu criador e assina agora Madrigal Audio Laboratories. Teias

que a Bolsa tece

Doce madrigalMark Levinson No.383

TEXTO DE JOS� VICTOR HENRIQUES

O cr�tico de �udio � um pouco como o fo-t�grafo de moda: passam-lhe pelas m�osbelas mulheres que nunca chega a pos-suir; limita-se a captar a sua imagem atra-v�s da objectiva. Para que a fotografia re-sulte, tem contudo de haver uma empa-tia, quase que um flirt, um jogo de sedu-��o. Por vezes casa com uma das mode-los, mas � sol de pouca dura, porque s�osempre precisos rostos novos e frescos,diferentes

esp�rito pairar acima da cruel realidade doser. Hoje o corpo conta mais que o esp�-rito, e fazem-se sacrif�cios para o manterfirme e belo como se a vida eterna de-pendesse disso.

As fotos que a Madrigal Laboratoriesme enviou do amplificador integrado MarkLevinson No.383 s�o t�o boas que meapeteceu public�-las em p�gina inteiraapenas com uma legenda singela, bem aoestilo do DNA. O amplificador parece pai-rar no ar com uma leveza insustent�vel.De facto, � de constru��o robusta e pesacerca de 30 quilos. Mas o fot�grafo pre-tendeu transmitir esta imagem de liber-dade, de leveza, de som et�reo. Deve t�-lo ouvido e com ele convivido. Flirtado, co-mo escreveu Garret. Foi tamb�m esta aimagem que me ficou do No.383; a deum amplificador que se liberta do corpoao ponto de se tornar inexistente.

Sil�ncio total. Fantasmag�rico. Umpouco escuro como conv�m � introspec-��o auditiva; e, contudo, claro e transpa-rente como um livro aberto Leio nas mi-

Para conseguir que certas mulheres sedispam perante a objectiva tem de ganharantes um certo estatuto: a fronteira entrea arte e a viola��o da dignidade � muitot�nue. Uma fotografia pode, passe o apa-rente paradoxo, destruir uma imagem. As-sim, uma mulher quando se entrega nasm�os de um fot�grafo tem de ter con-fian�a na sua sensibilidade art�stica: a fo-to de um belo corpo n�o diz tudo - o se-gredo est� na imposs�vel descri��o figura-tiva do esp�rito que o anima.

Todos os grandes m�sticos tentaram li-bertar-se do corpo em vida permitindo ao

nhas notas. Onde est�o as vozes cr�ticasque apodavam os Mark Levinson deÇDarkÈ Levinson? Nada se perde na fili-grana de harm�nicos sobre a qual se mol-da a sua estrutura r�tmica: os graves, Çbai-xosÈ se preferirem, mais requintadamen-te musicais de toda a fam�lia Levinson.Talvez porque a c�pula perfeita entre asec��o de preamplifica��o (sem entradaphono) e os andares de amplifica��o dis-pensam o preservativo (buffer). S�o doiscorpos num s� como Trist�o e Isolda. So-bra-lhe em paix�o e amor pela m�sica oque lhe falta em poder. N�o que 100W(que dobram para 200W numa carga de4 �mios) n�o sejam suficientes para asbatalhas di�rias que temos de travar. Masn�o est� fadado para vit�rias por K.O. co-mo os seus irm�os mais velhos.

Um dia, j� l� v�o quatro anos, ap�sum duelo sem tr�guas entre amplificado-res, escrevi extenuado e feliz sobre osMark Levinson No.33:

ÇControlo absoluto do processo musi-cal em curso Boa focagem Imagem es-

Mark Levinson No.383: pairando no ar com uma leveza insustentável

Page 2: Sons - HifiClube

So

ns

tereof�nica espectacular, cinem�tica mesmo, estendendo-se para l� dos limites dascolunas. Not�vel uniformidade da ilumi-na��o nos pontos mais rec�nditos, comos m�sicos perfeitamente aud�veis mes-mo no fundo do palco. Fabuloso o poder,articula��o e defini��o dos sons gravescom uma linha mel�dica distinta e limpacavalgando a complexa estrutura r�tmica,sem confus�o poss�vel entre cavaleiro emontada. Vozes cheias, presentes, natu-rais. Equil�brio favorece muito ligeiramen-te os registos m�dio-altos. Muito bem pre-servada a musicalidade intr�nseca de to-dos os trechos utilizadosÈ.

O No. 33 custa uma pequena fortuna.� o garanh�o da fam�lia. Neste contexto,o No. 383 � uma �gua Ð o primeiro ele-mento feminino a ostentar o nome deMark Levinson: a total aus�ncia de gr�ono agudo quase nos faz perder-lhe o ras-to, como o de um cometa sem a caudade poeira ac�stica; suave delicadeza dosregistos m�dios, macios e doces comouma pele negra. S� n�o t�m o poder do33. � s� isso que a ele lhe falta e a mimme faz falta. N�o � uma quest�o de watts,� uma quest�o de tomates.

De facto � um casamento feliz entreum amplificador Model No. 334 e um pr�-vio No.380. Mas reparem como se optoupela ambiguidade de um 8 vicioso paraseparar um 3 de outro 3, como a espadaque separava Trist�o de Isolda, enquantodormiam, para n�o ca�rem na tenta��o dacarne. Aqui d�-se tamb�m prefer�ncia �espiritualidade em detrimento da viscera-lidade.

O No. 383 �, por paradoxal que pare-�a, dos modelos da Mark Levinson queconhe�o (admito que ainda n�o ouvi to-dos), o que mais se aproxima do No.33(e 33H). Tamb�m ele tem aquela Çlinhamel�dica distinta e limpa que cavalga acomplexa estrutura r�tmica do graveÈ. Se� mulher s� poder ser amazona.

Eu sei que alguns leitores ficam frus-trados porque eu acabo por nunca des-crever os aparelhos como mandam as re-gras. Devia, por exemplo, explorar o factode o No. 383 utilizar um sistema operati-vo id�ntico ao do pr�vio in excelsis No.32que lhe permite fazer upgrades do soft-ware atrav�s da internet (porta RS-232).Ou falar da intrincada topologia interna (re-ceio ser criticado por meter a foice emseara alheia), da tripla fonte de alimenta-��o com os circuitos l�gicos e cada um

dos canais alimentados separadamente;do ultra-preciso controlo de volume mo-torizado que, apesar de ter leitura digital,funciona no dom�nio anal�gico Çcomme ilfautÈ; dos doze trans�stores bipolares porcanal com c�psula de pl�stico para evitaro efeito de microfonia; das entradas ba-lanceadas; do mostrador luminoso quemostra de facto (os caracteres s�o enor-mes e luminosos); da possibilidade de darnomes diferentes �s fontes (em vez de umleitor-CD an�nimo pode escrever qual); docontrolo remoto; do painel frontal ao esti-lo art-d�co, etc.

Mas, tal como o fot�grafo, eu vejo oMark Levinson No. 383 como o ouvi: le-vitando, como se n�o tivesse corpo, ten-do-o. Eu sei, porque toquei a insustent�-vel leveza do seu ser. E era um corpo demulher.

A boa not�cia � que n�o precisa de ficars� a olhar para o boneco, pode ir ouvi-lo naAudioElite, demonstrado por um dos maio-res especialistas portugueses na mat�ria,Jorge ÇLe Ma�treÈ Gaspar. Que est� dispos-to a provar-lhe que o No.383 pode ser fe-minino, mas tem p�lo na venta... ■

[email protected]

Distribuidor: AudioElite, telef. 21 795 1501 . Fax: 21 795 14 99

O No. 383 � dos mode-

los da Mark Levinson

que conhe�o (admito

que ainda n�o ouvi to-

dos), o que mais se

aproxima do No.33 (e

33H). Tamb�m ele tem

aquela Çlinha mel�dica

distinta e limpa que ca-

valga a complexa estru-

tura r�tmica do graveÈ

Painel frontal decorado no estilo art-déco

Controlo remoto: para o pôr a tocar sem lhe tocar