somos todos de outro planeta

5
7/26/2019 Somos Todos de Outro Planeta http://slidepdf.com/reader/full/somos-todos-de-outro-planeta 1/5 Somos todos de planetas diferentes por Carla Maiolino No dia 13/02/2013 teve início a Quaresma cristã, que se encerrou no dia 31/03, domingo de Páscoa. Nesse dia, os cristãos do mundo todo viveram seu mais profundo momento de fé: o momento em que Jesus, o Cristo, o Deus Vivo, venceu a morte e na Páscoa trouxe ao mundo a mensagem da redenção. Em todas as quintas-feiras Santas lembramos a última ceia, que marca o pilar da fé cristã, ou seja, a nova e eterna aliança feita em Cristo com o Pai. Todos os cristãos participam da mesma eucaristia, pois a ceia eucarística é um contínuo, apenas renovada em todas as missas quando o corpo e o sangue de Jesus são entregues à sua Igreja.  A penitência que o cristão vive na Quaresma deve permear todos os atos de sua vida e de sua fé, de modo que sua vida seja um hino de reconhecimento e de testemunho da bondade de Deus. Dia 09/07/2013 foi o primeiro dia do mês de Ramadã, que se encerrou no dia 07/08/2013. Nesse mês mais de um bilhão e meio de muçulmanos jejuaram a fim de glorificar a Deus por ter orientado os homens; agradecendo a Allah a revelação do  Alcorão. Durante o mês de Ramadã, mês em que foi revelado o Alcorão, o muçulmano  jejua numa busca da sua fortaleza espiritual. Por esta razão o jejum não deve estar limitado à comida e a bebida, mas também se deve buscar o sentido real do jejum: deixar de cometer pecados, deixar de falar o mal, perdoar os maldosos, se ocupar com penitências e adoração a Deus, praticar boas ações, que devem ser multiplicadas no Ramadã.  A partir do entardecer do dia 04/09/2013 até o entardecer do dia 06/09/2013, no calendário gregoriano, o judaísmo comemorará mais um ano novo, ou, Rosh Hashanah. Será o primeiro dia do mês de Tishrei  e o início do ano 5.774. Os rabinos traduzem a festa como sendo o aniversário da criação. Nos dez dias seguintes o  judaísmo convida a um momento de reflexão, no qual temos a oportunidade de anular as promessas que fizemos e não cumprimos, nos reconciliarmos com aqueles que temos alguma pendência, nos arrependermos dos nossos desvios e fazermos a reparação, ou tikun, nos escrevendo novamente no Livro da Vida. O ciclo se encerra no dia de Yom Kipur , ou Dia do Perdão, no qual vivemos como anjos na terra e temos nossa alma renovada para a nossa jornada mais profunda. Evidente que o resumo acima não abrange toda a complexidade teológica encerrada

Upload: sergio-lacerda

Post on 13-Apr-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Somos Todos de Outro Planeta

7/26/2019 Somos Todos de Outro Planeta

http://slidepdf.com/reader/full/somos-todos-de-outro-planeta 1/5

Somos todos de planetas diferentes

por Carla Maiolino

No dia 13/02/2013 teve início a Quaresma cristã, que se encerrou no dia 31/03,

domingo de Páscoa. Nesse dia, os cristãos do mundo todo viveram seu mais profundo

momento de fé: o momento em que Jesus, o Cristo, o Deus Vivo, venceu a morte e naPáscoa trouxe ao mundo a mensagem da redenção. Em todas as quintas-feiras

Santas lembramos a última ceia, que marca o pilar da fé cristã, ou seja, a nova e

eterna aliança feita em Cristo com o Pai.

Todos os cristãos participam da mesma eucaristia, pois a ceia eucarística é um

contínuo, apenas renovada em todas as missas quando o corpo e o sangue de Jesus

são entregues à sua Igreja.

 A penitência que o cristão vive na Quaresma deve permear todos os atos de sua vida

e de sua fé, de modo que sua vida seja um hino de reconhecimento e de testemunho

da bondade de Deus.

Dia 09/07/2013 foi o primeiro dia do mês de Ramadã, que se encerrou no dia

07/08/2013. Nesse mês mais de um bilhão e meio de muçulmanos jejuaram a fim de

glorificar a Deus por ter orientado os homens; agradecendo a Allah a revelação do

 Alcorão. Durante o mês de Ramadã, mês em que foi revelado o Alcorão, o muçulmano

 jejua numa busca da sua fortaleza espiritual. Por esta razão o jejum não deve estar

limitado à comida e a bebida, mas também se deve buscar o sentido real do jejum:

deixar de cometer pecados, deixar de falar o mal, perdoar os maldosos, se ocupar

com penitências e adoração a Deus, praticar boas ações, que devem ser multiplicadas

no Ramadã.

 A partir do entardecer do dia 04/09/2013 até o entardecer do dia 06/09/2013, no

calendário gregoriano, o judaísmo comemorará mais um ano novo, ou, Rosh

Hashanah. Será o primeiro dia do mês de Tishrei  e o início do ano 5.774. Os rabinos

traduzem a festa como sendo o aniversário da criação. Nos dez dias seguintes o

 judaísmo convida a um momento de reflexão, no qual temos a oportunidade de anular

as promessas que fizemos e não cumprimos, nos reconciliarmos com aqueles que

temos alguma pendência, nos arrependermos dos nossos desvios e fazermos a

reparação, ou tikun, nos escrevendo novamente no Livro da Vida.

O ciclo se encerra no dia de Yom Kipur , ou Dia do Perdão, no qual vivemos como

anjos na terra e temos nossa alma renovada para a nossa jornada mais profunda.

Evidente que o resumo acima não abrange toda a complexidade teológica encerrada

Page 2: Somos Todos de Outro Planeta

7/26/2019 Somos Todos de Outro Planeta

http://slidepdf.com/reader/full/somos-todos-de-outro-planeta 2/5

nos eventos tão basilares de cada uma das religiões abraâmicas abordadas. Serve

apenas como uma introdução para o diálogo que pretendemos iniciar.

O mais interessante, a meu ver, é que quando nos dispomos a analisar as filosofias e

religiões sem as lentes do etnocentrismo e livre de qualquer preceito religioso,

podemos encontrar tantos pontos de conexão e sinonímia que depois de tal exercícioé muito difícil entender o motivo de tanta desavença.

Nos três eventos descritos acima, verificamos uma profunda necessidade humana em

reverenciar ao Criador, enaltecer Sua criação e ter a convicção de nossa filiação

divina. Também percebemos que os homens, durante a vida, em diversos momentos,

sentem-se indignos dessa filiação, porém reconhecem a bondade de Deus que se

releva quando orienta Seus filhos, trazendo-os mais uma vez para a unidade da vida

espiritual. A aliança se estabelece e os homens relembram os dias de paz, quando

tinham consciência da sua natureza espiritual.

Todas as religiões preceituam o jejum, como sendo um momento de profunda conexão

com o espiritual, ou no dizer de um cabalista antigo “um dia para ser anjo na Terra”.

Essas ilhas de tranquilidade, na qual os homens procuram multiplicar suas boas ações

e restaurar ou reparar seus enganos, são necessárias para que os crentes possam se

sentir religados à fonte de sua fé.

Orações. Jejum. Meditação. Recolhimento. Prática da caridade. Ações em busca da

serenidade de espírito na jornada da humanidade para a paz. Poderíamos fazer essa

síntese de tudo o que é hodiernamente pregado pelas religiões.

 A teoria se distância da prática. Pelo menos é o que vemos nas notícias espalhadas

pelos mais diversos veículos de comunicação. Qual seria a razão disso? Essa

pergunta é tão antiga e gasta que chega a ser um chavão barato. Podemos afirmar

que ninguém tem uma resposta eficaz para ela, pois caso existisse já não seria feita.

No documentário “A convocação: todos pela paz mundial” o arcebispo sul -africano

Desmond Tutu pergunta: “que Deus é esse que precisa que eu O defenda?”. A

pergunta é interessante, pois as guerras religiosas se alternam nos objetivos: ou de

conquistar o mundo para Deus (eliminando todos os infiéis); ou converter os infiéis,

salvando suas almas, se necessário eliminando suas vidas. Saindo das três grandes

religiões monoteístas, incluiremos hordas de intolerância num crescente assustador.

Independente do que os cruzados modernos argumentem, a conversão pela força e a

conquista do mundo são objetivos ligados ao mundo material, pois o aumento de fiéis,

ou o aumento de territórios não deve interessar ao Criador, visto ser Ele quem tudo

Page 3: Somos Todos de Outro Planeta

7/26/2019 Somos Todos de Outro Planeta

http://slidepdf.com/reader/full/somos-todos-de-outro-planeta 3/5

criou.

 Aceitando essa premissa, quase pueril, na qual o conflito religioso é fruto do

pensamento humano, devemos procurar no homem as razões da intolerância.

 As diversas linhas de pensamento que discorrem sobre o assunto apresentam teorias

para todos os gêneros e gostos de pensamento. Desde as teorias conspiracionistas,nas quais tudo é fruto da necessidade humana de acumular capital, passamos pelas

mais amplas possibilidades do pensamento. A religião institucionalizada seria o móvel

de diversas campanhas humanas para a conquista e o controle de tudo no mundo.

Motivos políticos, mercadológicos, sociológicos, antropológicos, comerciais,

estratégicos podem justificar as atrocidades já cometidas em nome de um deus, mas

nunca explicar a necessidade humana de cometê-las, imputando a Deus suas culpas.

Nada disso esclarece de forma elucidadora a nossa necessidade em negar a verdade

do outro. Nada explica o motivo pelo qual o que é diferente pode me ameaçar.

Não pretendo achar a resposta para a questão; apesar de estar absolutamente

convicta de que a solução está próxima de tudo o que é mais simples e óbvio. Todos

que procuram estudar a sabedoria esotérica sabem que as grandes Verdades estarão

sempre esculpidas nas portas de todos os templos, a vista de todos, pois só assim

podem estar ocultas aos olhos dos tolos.

Nos últimos tempos, sempre que ouço falar de fatos tristes causados pela intolerância,

tenho me acalmado muito a seguinte estória:

“Um homem sábio pregava para alguns. Falava das maravilhas da

criação. Contava da infinitude de mundos e da vastidão de universos.

Dizia que o Criador havia feito para cada mundo seu sistema de leis

e os havia feito de forma muito diferentes para que todos pudessem

ser únicos na criação. Um belo dia, o Criador percebeu que muitos

de seus filhos amados tinham esquecido a infinitude de sua criação,

tornando-se cristalizados numa única forma de ser e de pensar,

causando, às vezes, desarmonia até em seus planetas nativos. Para

fazê-los compreender a vastidão e a pluralidade de sua criação, o

Criador escolheu o Planeta da Compaixão, aquele que havia criado

com muito amor, para que recebesse, junto com os habitantes que já

estavam lá, aqueles que haviam esquecido que o universo era belo

 por ser multifacetado. Todos teriam a oportunidade de exercitar a

compaixão e a tolerância: os visitantes e os nativos.

Page 4: Somos Todos de Outro Planeta

7/26/2019 Somos Todos de Outro Planeta

http://slidepdf.com/reader/full/somos-todos-de-outro-planeta 4/5

Então, vieram para a Terra seres de todos os rincões do universo, em

caravanas completas. Para que pudessem aceitar a pluralidade

existente, o Criador fez com que todos se esquecessem do seu

 planeta de origem e os espalhou sobre a Terra.

Estes seres habitaram a Terra juntamente com os terrestres. Cada

grupamento fez assim sua casa, sua família e sua nação.

Construíram, com a lembrança esfumaçada que tinham no fundo do

seu coração, a réplica imperfeita de sua origem. Em cada nação um

sistema completo de leis, crenças e organização que reproduzia a

origem.

Dessa forma, muitas nações diferentes se ergueram. Muitas religiões

diferentes, para deuses muito diferentes. Contudo, como todos eram

filhos do mesmo Pai, mesmo sob a aparência diferente, cultuavam o

mesmo Deus.

Os visitantes estariam exilados na Terra até o dia que pudessem ver

a completude da criação em milhares facetas da humanidade, tendo

adquirido novamente a virtude da compaixão. No dia em que todos

vivessem em plena compaixão, o paraíso estaria na Terra e todos

viveriam no reino de Deus”. 

 A poesia contida na fábula nos convida a um exercício imaginativo bastante

interessante. O que me causa estranheza seria alienígena, de uma natureza diferente

da minha. Na época da guerra fria tal metáfora foi muito popular. Hoje, em plena

“guerra ao terror” os cinemas estão novamente invadidos com essa temática, agora

mais variada, visto que além de extraterrestres inclui zumbis, vampiros e outras

criaturas sobrenaturais.

Mais uma vez podemos escolher construir pontes, optar pela conexão ao invés da

separação e eliminação proposta pelos filmes. Podemos pensar que: se tudo foi criado

por Deus, todas as manifestações da criação do universo são manifestações divinas,

ainda que se trate de seres alienígenas. As inúmeras formas de expressão diferente

da minha são alienígenas, portando de natureza – matéria – diferente da minha, ainda

que oriundas da mesma fonte, da mesma origem.

Considerando que somos de planetas diferentes, não é possível nenhuma

comparação entre nós  – alienígenas  – pois a natureza da matéria que os compõem

impede tal comparação. Não existe nem certo nem errado. Não há o bom e o mau.

Page 5: Somos Todos de Outro Planeta

7/26/2019 Somos Todos de Outro Planeta

http://slidepdf.com/reader/full/somos-todos-de-outro-planeta 5/5

Inexistem salvos ou condenados. Existem apenas seres diferentes, alienígenas entre

si. Criaturas de natureza e matéria diferentes, habitando o mesmo planeta, possuindo

uma origem Una.

Concluímos que, mesmo sendo extremamente difícil um homem aceitar o Deus de

outro homem, pois são homens de planetas diferentes, é possível não haver julgamentos. Os confrontos intermináveis ocorrem quando não percebemos isso,

quando ainda estamos esquecidos que o Universo é belo por ser multifacetado.

De tempos em tempos tenho a comprovação dessa verdade. Todos os surtos de

intolerância que explodem são provas incontestes, para mim, da nossa natureza

alienígena, da pluralidade de colônias alienígenas que povoam a Terra e ainda não

conseguem se enxergar como partes de um todo. Nestes momentos tristes, penso:

“essas pessoas só podem ser de planetas diferentes, por isso não conseguem se

entender!”. Em outros dias, quando ouço algo que para mim soa como absurdo,

suspiro: “ah! Esse aí tem que ser de outro planeta!”. 

É bem verdade que agora mesmo, nesse momento, depois de ler todo este texto,

você pode ter chegado a seguinte conclusão: “essa mulher tem que ser de outro

planeta!”. Acredito, sinceramente, que você deva ter razão!