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CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 519-532, Set./Dez. 2008 519 Robin Cohen Será que a diáspora subentende a terra natal? Segundo alguns estudiosos que impulsionaram o crescimento dos estudos diaspóricos na década de noventa, essa era uma condição sine qua non do conceito. Sob a pressão dos críticos do construcionismo social que tentavam descontruir as idéias básicas de “terra natal” e comunidade, surgiram noções mais complexas e indefinidas de “terra natal” e de “lar”. Essas, da realidade histórica à virtualidade pós-moderna, são aqui caracterizadas em uma escala decrescente “sólidas”, “dúcteis” e “líquidas”. Demonstro que essas três versões de “lar” ou “terra natal” possuem base histórica e empírica considerável, porém refuto o mero construcionismo social. Também há indícios de que as noções de “terra natal sólida” estejam recebendo cada vez mais atenção. PALAVRAS CHAVE: migrações internacionais, diáspora, construcionismo social, lar ou terra natal, agentes de desenvolvimento. Precisamos da terra natal para entender a diáspora? O simples fato de fazer essa indagação pareceria fora de propósito ou impossível em ter- mos lógicos e etimológicos, à geração mais antiga de estudiosos, que impulsionou o crescimento dos estudos da diáspora na década de noventa. Diáspora significava ‘dispersão’, e, se os povos estavam dispersos, estava implícito um ponto de origem, mais concretamente, uma terra natal. Um dos posicionamentos mais influentes que marca- ram o início dos estudos contemporâneos da diáspora foi o artigo de Safran, no número de aber- tura do novo periódico Diáspora (Safran, 1991, p. 83-99). Fortemente influenciado pelo caso paradigmático e latente da diáspora judaica, Safran percebeu acertadamente que muitos outros grupos SÓLIDAS, DÚCTEIS E LÍQUIDAS: noções em mutação de “lar” e “terra natal” nos estudos da diáspora 1 Robin Cohen * étnicos também vivenciavam experiências análo- gas, devido talvez às circunstâncias difíceis que envolviam suas partidas dos locais de origem e, consequentemente, sua aceitação limitada nos lo- cais de reassentamento. Naturalmente, Safran não foi o único a re- conhecer o uso difundido do conceito de diáspora, porém foi decisivo ao tentar adequá-lo cientifica- mente às novas demandas sociais e evitar que ele se tornasse difuso na linguagem jornalística. A ex- periência dos judeus continuou a influenciar a visão de Safran quanto à importância fundamen- tal da terra natal na definição de uma das caracte- rísticas essenciais da diáspora. Segundo ele, os membros da diáspora preservavam a memória co- letiva de “sua terra natal”; idealizavam seu “lar ancestral”, estavam comprometidos com a restau- ração da “terra natal original” e continuavam “liga- dos a essa terra natal” de formas diversas. Safran sustentou ainda que é possível utilizar o conceito de diáspora para descrever situações em que os membros de uma “comunidade minoritária expatriada” compartilham várias das seguintes ca- racterísticas: * Professorial Fellow, Queen Elizabeth House, Universida- de de Oxford. University of Oxford, 3. Mansfield Road, Oxford, OX1 3TB, UK. [email protected] 1 Este trabalho foi apresentado em versão preliminar pela primeira vez na Conferência sobre Dispersione, “globalizzazione” e costruzione dell’alterità: diaspore e migrazioni nel bacino del Mediterraneo ed oltre (XIX-XX secc.), Laboratorio di ricerche mediterranee di Marsala, Sicília, 19-21 de setembro de 2007. Os anais da conferên- cia serão publicados em italiano em 2008. Está em nego- ciação a tradução em inglês, também para 2008.

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Será que a diáspora subentende a terra natal? Segundo alguns estudiosos que impulsionaram ocrescimento dos estudos diaspóricos na década de noventa, essa era uma condição sine qua nondo conceito. Sob a pressão dos críticos do construcionismo social que tentavam descontruir asidéias básicas de “terra natal” e comunidade, surgiram noções mais complexas e indefinidasde “terra natal” e de “lar”. Essas, da realidade histórica à virtualidade pós-moderna, são aquicaracterizadas em uma escala decrescente “sólidas”, “dúcteis” e “líquidas”. Demonstro queessas três versões de “lar” ou “terra natal” possuem base histórica e empírica considerável,porém refuto o mero construcionismo social. Também há indícios de que as noções de “terranatal sólida” estejam recebendo cada vez mais atenção.PALAVRAS CHAVE: migrações internacionais, diáspora, construcionismo social, lar ou terra natal,agentes de desenvolvimento.

Precisamos da terra natal para entender adiáspora? O simples fato de fazer essa indagaçãopareceria fora de propósito ou impossível em ter-mos lógicos e etimológicos, à geração mais antigade estudiosos, que impulsionou o crescimento dosestudos da diáspora na década de noventa.Diáspora significava ‘dispersão’, e, se os povosestavam dispersos, estava implícito um ponto deorigem, mais concretamente, uma terra natal. Umdos posicionamentos mais influentes que marca-ram o início dos estudos contemporâneos dadiáspora foi o artigo de Safran, no número de aber-tura do novo periódico Diáspora (Safran, 1991, p.83-99). Fortemente influenciado pelo casoparadigmático e latente da diáspora judaica, Safranpercebeu acertadamente que muitos outros grupos

SÓLIDAS, DÚCTEIS E LÍQUIDAS : noções em mut ação de “ lar”e “ terra nat al” nos estudos da diáspora 1

Robin Cohen*

étnicos também vivenciavam experiências análo-gas, devido talvez às circunstâncias difíceis queenvolviam suas partidas dos locais de origem e,consequentemente, sua aceitação limitada nos lo-cais de reassentamento.

Naturalmente, Safran não foi o único a re-conhecer o uso difundido do conceito de diáspora,porém foi decisivo ao tentar adequá-lo cientifica-mente às novas demandas sociais e evitar que elese tornasse difuso na linguagem jornalística. A ex-periência dos judeus continuou a influenciar avisão de Safran quanto à importância fundamen-tal da terra natal na definição de uma das caracte-rísticas essenciais da diáspora. Segundo ele, osmembros da diáspora preservavam a memória co-letiva de “sua terra natal”; idealizavam seu “larancestral”, estavam comprometidos com a restau-ração da “terra natal original” e continuavam “liga-dos a essa terra natal” de formas diversas. Safransustentou ainda que é possível utilizar o conceitode diáspora para descrever situações em que osmembros de uma “comunidade minoritáriaexpatriada” compartilham várias das seguintes ca-racterísticas:

* Professorial Fellow, Queen Elizabeth House, Universida-de de Oxford.University of Oxford, 3. Mansfield Road, Oxford, OX13TB, UK. [email protected]

1 Este trabalho foi apresentado em versão preliminar pelaprimeira vez na Conferência sobre Dispersione,“globalizzazione” e costruzione dell’alterità: diaspore emigrazioni nel bacino del Mediterraneo ed oltre (XIX-XXsecc.), Laboratorio di ricerche mediterranee di Marsala,Sicília, 19-21 de setembro de 2007. Os anais da conferên-cia serão publicados em italiano em 2008. Está em nego-ciação a tradução em inglês, também para 2008.

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§ Eles ou seus ancestrais foram dispersos de um“centro” original para duas ou mais regiões es-trangeiras.

§ Retêm a memória coletiva, a visão ou o mito acer-ca de sua terra natal original – sua localizaçãofísica, história e realizações.

§ Acreditam que não são – e talvez nunca venhama ser – totalmente aceitos nas suas sociedadesde acolhimento e, assim, permanecem parcial-mente isolados.

§ Sublimam seu lar ancestral e imaginam que, quan-do surgirem condições favoráveis, eles ou seusdescendentes vão retornar.

§ Acreditam que todos os membros da diásporadeveriam estar comprometidos com a manuten-ção ou restauração, segurança e prosperidade daterra natal original.

§ Continuam ligados a essa terra natal de váriasformas, o que contribui de modo importante paradefinir sua consciência e solidariedadeetnocomunitárias.2

CRÍTICAS SOCIAIS E CONSTRUCIONISTASDA DIÁSPORA

Embora a terra natal original já tenha sidofortemente enfatizada, alguns críticos, que descre-verei como ‘construcionistas sociais’, argumenta-ram que Safran, o autor desse trabalho, e outrosenfraqueceram o conceito.3 Influenciados por lei-turas pós-modernas, os construcionistas sociaistentaram decompor dois dos elementos fundamen-tais que anteriormente delimitavam e demarcavama idéia diaspórica, ou seja, “terra natal” e “comu-

nidade étnico-religiosa”. Argumentaram, em segui-da, que, no mundo pós-moderno, as identidadesforam desterritorializadas e afirmadas de modo fle-xível e situacional; consequentemente, os concei-tos de diáspora tiverem de ser radicalmente reor-ganizados em reação à esta complexidade. Não atri-buindo o devido valor à etimologia, à história, aoslimites, ao significado e à evolução do conceito dediáspora, eles tentaram desconstruir dois dos ele-mentos fundamentais da diáspora, lar ou terra natale comunidade étnico-religiosa.4

Este trabalho analisa o primeiro alvo dessadesconstrução: lar ou terra natal.

Embora meu trabalho anterior já tenha si-nalizado determinado grau de desacoplamentoentre diáspora e terra natal (Cohen, 1997; Brah,1996, p. 192), essa ruptura foi radicalizada porAvtar Brah. (1996, p. 192). A ideia de “lar” tor-nou-se cada vez mais vago, quase a ponto de desa-parecer. Em contraposição, seu conceito dediáspora ‘faz uma critica aos discursos de origensfixas, enquanto leva em conta o desejo por um“lar”, o que não é a mesma coisa que o desejo da“terra natal”’. Assim, a “terra natal” tornou-se odesejo por um “lar”, então o próprio lar foitransmutado em um lugar simbólico, embora reco-nhecidamente lírico. Segundo a colocação de Brah:

Onde está o lar? De um lado, “lar” é o local míticode desejo na imaginação diaspórica. Nesse senti-do, é o local do não-retorno, mesmo que seja pos-sível visitar o território geográfico concebidocomo o lugar de “origem”. Por outro lado, lar étambém a experiência vivida de um local. Seussons e aromas, calor e poeira, noites aprazíveisde verão, ou a excitação da primeira caída deneve, noites geladas de inverno, céus cinzentos esombrios em pleno meio dia… Tudo isso, media-do pela cotidiano historicamente específico dasrelações sociais (1996, p. 192).

Graças a essa e a outras contribuições seme-lhantes, atribui-se cada vez mais amplamente ao“lar” o significado de local de origem, de assenta-mento, ou um local nacional ou transnacional,

2 Todas as citações entre parênteses são de Safran“Diasparas in modem societies’, Safran (1991, p. 83-84), ênfase minha. Em resposta aos cânones normaisdo debate científico e social iniciado pelo autor desteartigo e por outros, Safran modificou e ampliou sua listapara chegar a um consenso significativo entre os estudi-osos da diáspora. Consulte Safran (2005, p.37).

3 Usei a expressão ‘construcionista social’ para exemplificaruma linha de raciocínio intimamente ligada ao pós-mo-dernismo, que sugere que a realidade é determinada pelainteração social (ou intersubjetividade) e não pela obje-tividade (a aceitação de um mundo material ou natural)ou subjetividade (o mundo determinado pelas percep-ções individuais). A perspectiva tende a favorecer ovoluntarismo e o agente coletivo humano em detrimen-to da estrutura, história e habituação.

4 Convém relembrar a percepção fundamental de Marx se-gundo a qual “Os homens (leia-se as pessoas) fazem a suaprópria história, mas não o fazem como querem... A tradi-ção de todas as gerações mortas oprime como um pesadeloo cérebro dos vivos”. Ver Marx ([1852], 1959, p. 321).

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comunidade virtual imaginada (conectada, porexemplo, pela Internet), ou ainda a matriz das ex-periências conhecidas e de relações sociais ínti-mas (concordando assim com a expressão popu-lar que diz que “lar é onde mora o coração”).

Anthias colocou mais lenha na fogueira aocriticar alguns estudiosos que utilizavam o que eladescreveu como “noções absolutistas de ‘origem’ e‘pertencimento verdadeiro’”.5 Segundo ela, o dis-curso diaspórico dedicou pouca atenção às divi-sões internas nas comunidades étnicas ou às pos-sibilidades de negociações culturais seletivas en-tre as comunidades:

…a falta de atenção dispensada à solidariedadetransétnica, à de classe, aos movimentos sociais e àluta contra o racismo é bastante inquietante do pontode vista do desenvolvimento da multiculturalidadee de noções mais abrangentes de pertencimento.Não é possível acomodar o discurso de antirracismoe mobilização social com uma feição transétnica(em oposição à transnacional) ao discurso dadiáspora, que mantém sua dependência à “terranatal” e à “origem”, não obstante sua configuração(Anthias, 1998, p. 577).

Dois anos mais tarde, Soysal intensificou acarga. Apesar de “veneradas”, as noções dediáspora privilegiam ou privilegiavam inadequa-damente “o modelo de Estado-nação e as forma-ções nacionalmente definidas, ao discorrerem so-bre um processo global, como é o caso da imigra-ção”.6 Ela sustenta que os desenvolvimentos dopós-guerra

… tornam a diáspora insustentável como catego-ria analítica e normativa e direcionam nossa dis-cussão às novas formas de participação, reivin-dicação e pertencimento – que permaneceminvisíveis aos conceitos convencionais de diásporaou que são frequentemente consideradas insig-

nificantes diante de seu peso normativo… Nessaformulação (errônea), as populações diaspóricasapegam-se à cultura e à terra natal. Do mesmomodo, suas atitudes em relação à cidadania ori-ginam-se dessa tendência de apego à terra natale de etnicidade (Soysal, 2000, p. 2-3).

Após sua crítica inicial à diáspora, Soysalconcentrou-se no caso da cidadania européia, po-rém retomou violentamente a aversão pelo conceitode diáspora no pósescrito, sustentando que a idéia

rompe a continuidade da experiência de imigra-ção entre países de origem e de acolhimento, ter-ras nativas e estrangeiras, desejos do caminho devolta e perdas – obscurecendo assim a nova topo-grafia e as práticas de cidadania, que são multi-conectadas, multi-referenciais e pós-nacionais(2000, p. 13).

A intenção fundamental dessas apreciaçõesfoi aumentar a dissociação intelectual entre as no-ções de “diáspora”, de um lado, e de “terra natal”,“local” e “comunidade étnica”, do outro. Segundoalguns autores – dos quais Anthias e Soysal sãoboas representantes – fica claro que a diáspora foiirremediavelmente maculada, não podendo serencaixada em suas agendas com o objetivo almeja-do. A diáspora, no caso de Anthias, não poderiaservir de plataforma para um movimentotransétnico, sensível ao gênero e antirracista, aopasso que, no caso de Soysal, não poderia favore-cer a compreensão de cidadania pós-nacional naEuropa.

A REAÇÃO

Uma reação possível a essas críticas dadiáspora seria considerá-las impróprias oudeslocadas, uma vez que refletiam agendas políticasque tinham pouco a ver com a história e com o signi-ficado do termo, ou com o fenômeno que procuravae continuava a explicar. Os teóricos da diáspora nãoreivindicaram explicar o espectro total das experiên-cias dos imigrantes, nem fundar, por mais desejávelque isso seja, um movimento progressista antirracista,nem mesmo tentar descrever padrões de sociabilida-de e cidadania desvinculados do parentesco anteri-or ou da filiação religiosa. Em outras palavras, o

5 Anthias (1998, p. 557-580). Ela inclui a noção de DiásporaGlobal de Robin Cohen nas suas críticas, mas penseique tivesse deixado claro que eu estava defendendo umanoção de origem mais complexa (veja Capítulos 3 sobreos africanos e 6 sobre os sikhs). Entretanto, concordoque o “pertencimento” não é dado, mas tem de ser esta-belecido, mobilizado e defendido nas práticas sociais,culturais e políticas. Minhas visões são exemplificadasmais detalhadamente em Cohen (1994, cap.1, 7).

6 Yasemin Nuho lu Soysal (2000, p. 1-2). Quase todos osteóricos da diáspora salientaram o fato de que a diásporaera um conceito que há muito antecedia o estado-naçãoe que as formações diaspóricas estavam constantemen-te em tensão com os Estados-nação. Ver, por exemplo,Robin Cohen (1996, p. 507-520).

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conceito de diáspora não é uma bala mágica quepossa ser usada para atingir todos os adversários.

Uma reação mais madura foi buscar possi-bilidades de diálogo entre os estudiosos dadiáspora, os consagrados e os novos, e os críticosconstrucionistas sociais. Tölölyan, o mais impor-tante estudioso da diáspora e editor do periódicoDiáspora, assumiu a liderança, escolhendo cuida-dosamente o caminho intermediário, embora ain-da insistisse que o apego ao lugar continuava sen-do importante para entender o conceito:

Os diasporistas moldados pelo discurso deglobalização descrevem verdadeiras erosões doelo entre os povos definidos pelo apego ao territó-rio, fazem seu diagnóstico como sendo irreversívele imediatamente reconhecem e aprovam sua con-tribuição ao mundo pluralístico, multicultural ehíbrido que aprovam. Os diasporistas, como é omeu caso, que desejam argumentar que o apegoao lugar era indispensável à vida diaspórica, e quepensavam assim até bem recentemente, e que,apesar do desgaste dessa forma de pensamento,continua sendo importante nos dias de hoje, de-vem pisar com cuidado para evitar as acusaçõesde que estamos imitando a retórica desacreditadados nacionalistas referente ao elo entre terra, povoe cultura, ou que permanecemos naïve [ingênu-os] em relação aos espaços globais abertos duran-te as últimas décadas (Tölölyan, 2005, p.138-139;Brubaker, 2005, p. 5-7).

Brubaker também insistiu que, apesar dafragmentação de significado, “... três elementosnucleares continuam amplamente aceitos comoconstitutivos da diáspora’. (Brubaker, 2005, p. 5)São eles a dispersão (seja traumática ou voluntária egeralmente além das fronteiras do Estado), em dire-ção à terra natal (seja uma terra natal real ou imagi-nária) e a manutenção das fronteiras (processos pelosquais a solidariedade do grupo é mobilizada e retida,mesmo aceitando a existência de processos contrá-rios à erosão de fronteiras) (2005, p. 5-7).

Embora a posição do construcionismo soci-al fosse nitidamente exagerada, sua contribuiçãogerou um novo questionamento e uma compreen-são mais sofisticada das mudanças na relação entre“terra natal” e “diáspora”. Consequentemente, sur-giram três versões principais de lar ou terra natal,as quais denomino de sólida (a necessidadeinquestionável da terra natal), dúctil (uma idéia in-termediária, mais complexa, da terra natal) e líqui-da (uma interpretação pós-moderna do lar virtual).

“TERRA NATAL” SÓLIDA

A ideia de “terra natal” está normalmenteimbuída de uma carga expressiva e um pathos sen-timental que parecem ser universais. Terra mãe,pátria, terra natal, torrão natal, Heimat, a terra an-cestral, a busca pelas “raízes” – todas essas noçõessemelhantes revestem a terra natal de “uma dimen-são emocional, quase reverencial” (Conner, 1996,p. 16-45; Levy; Weingrod, 2004). Muitas vezes, háuma interação complexa entre as versões masculi-nas e femininas de terra natal. Na interpretaçãofeminina, a terra-mãe é vista como um seio quente,abundante, do qual os povos sugam seu sustentocomo coletividade. Um poeta quirguiz proclamou,de modo mítico, que a relação entre humanidade eterra natal antecede o próprio nascimento (Conner,1996, p. 17): “Lembre-se que, mesmo antes de sugaro leite de sua mãe, você bebeu o leite de sua terranatal”. Sugerindo a mesma metáfora, dizia-se queda “Terra Prometida” da Bíblia “jorrava leite e mel”.

Em outras interpretações, o leite alvo e nutri-tivo da terra mãe é substituído pelo sangue dos sol-dados que corajosamente defendem sua pátria, san-gue que alimenta o solo e solo que define suaetnogênese. Blut und Boden (terra e sangue) foi ocomovente apelo de Bismarck à nação germânica; umaevocação reutilizada por Hitler duas gerações maistarde. Mesmo após o ajuste constitucional liberal edemocrático do pós-1945, os alemães seguem privi-legiando a definição de cidadania e pertencimento –jus sanguinis, a lei do sangue – com base na descen-dência e não no lugar de nascimento ou de residên-cia prolongada. Assim, a terceira e a quarta geraçãode “alemães étnicos”, originários da antiga UniãoSoviética, muitos dos quais não falavam mais ale-mão, receberam prontamente a cidadania alemã emdetrimento da segunda geração de turcos nascidos eeducados na Alemanha. Não raro se fundem as ima-gens de terra pátria e terra-mãe. As concepçõesandrógenas britânicas de terra natal evocam o virilJohn Bull, personagem exemplificado nos temposmodernos pelo herói invencível da época da guerra,Winston Churchill. Elas também se originam dasestórias conhecidas de Boudicca, Britânia, Rainha

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Vitória e, talvez de forma ainda mais imaginativa, daprimeira-ministra Margaret Thatcher.

A ideia de “terra natal” sólida ganhou forçanos últimos anos com o reconhecimento do cres-

cente papel desempenhado pelas diásporas comoagentes das políticas internacionais e de desenvol-vimento da “terra natal”. Evidentemente, há anosque as diásporas são importantes para as políticasinternacionais. Movimentos políticos como filo-helenismo, sionismo, garveismo, pan-africanismo,as tentativas de criação do Khalistan e de recons-trução da Grande Armênia são representados comoos únicos meios de superação da existência pre-cária e isolada no exílio. Planos de melhoria daterra natal também foram comuns em outrasdiásporas. Embora nascido na China, Sun Yixian

(Sun Yat-sen) desenvolveu sua consciência políti-ca em Hong Kong e em uma comunidade chinesano Havaí. Sua “Sociedade para Restauração daChina” foi o elemento crucial na promoção do

moderno nacionalismo chinês. Sem procla-mar serem essas causas justas ou não, é pos-sível observar recentemente o papeldesestabilizador da diáspora Tâmil no SriLanka em seu apoio ao Tigres Tâmeis (TamilTigers), o persistente esforço da diásporacurda para estabelecer um Estado curdo e oêxito da diáspora croata em seu apoio à cria-ção de um Estado croata independente.

Conforme ilustram os exemplos acima,o que mudou foi a desintegração da configu-ração bipolar das políticas internacionais apósa Guerra Fria. Na atualidade, Estados, ONGs,corporações poderosas, redes de comunica-ção e religiões competem por poder e influ-ência em um mundo mais complexo epluralista. No bojo desse entrelaçamento deinteresses conflitantes, as diásporas emergi-ram como elementos-chave nas políticas muitasvezes precárias de seus Estados de origem. Oprincipal achado de uma recente coletânea deestudos sobre diásporas em conflito é que elaspodem ser uma força para a estabilidade (pro-motoras da paz), como também uma força queamplifica ou mesmo cria conflitos (promoto-ras de conflito). Segundo os organizadoresdessa coletânea:

Ainda é preciso estudar o envolvimento diaspóriconos conflitos; no entanto o que se pode dizer é queas diásporas desempenham ‘papéis significativose diversos’ em toda a gama de atividades do ciclode conflito (Smith; Stares, 2007, p. 9).

Outro incentivo recente à ideia de “terra na-tal” sólida diz respeito à intensificação do papel dasdiásporas como agentes do desenvolvimento econô-mico. Os estudiosos das diásporas sempre tiveramconsciência de que as conexões diaspóricas causa-ram mudanças profundas nos locais de origem. Ati-vidades agrícolas em declínio ganharam um novoalento, famílias e parentes tiveram apoio durante avelhice e pobreza, e não raro começaram a ocorrer

Cinegrafista judeu reza diante do muro das lamentações, umremanescente sólido da velha terra natal.

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mudanças mais expressivas e abrangentes. Emboraesses efeitos já tenham sido há muito reconhecidospela literatura acadêmica, somente recentemente oforam por agências de fomento, ONG’s e países maisricos, com o objetivo de focar a ajuda no desenvolvi-mento. Por fim, a “ficha caiu” quando as agências defomento constataram que as ”remessas” de dinheiroenviadas pelos emigrantes do exterior aos seus paisesde origem são frações significativas e crescentes dofluxo das finanças internacionais. Em 2005, em tor-no de 188 bilhões de dólares estadunidenses foramtransferidos a países pobres, sendo que se esperavaque o montante crescesse 11 bilhões de dólaresestadunidenses em 2006, enquanto as remessas to-tais de países ricos e pobres totalizavam 268 bilhõesde dólares estadunidenses. Esses números são pro-venientes de um relatório do Banco Mundial, cujosautores ainda salientam que esses totais refletem ape-nas as transferências formalmente autorizadas. Acres-centam que:

... os fluxos não registrados por intermédio de ca-nais informais podem acrescentar 50 por cento oumais aos fluxos já registrados. Com a inclusão dosfluxos não registrados, o volume real dessas remes-sas torna-se maior que o fluxo de investimentosexternos diretos e duas vezes maior do que a ajudaoficial recebida pelos países em desenvolvimento(Mohapatra; Ratha; Xu, 2007, p. 3).

As agências de fomento não somente reco-nheceram que os atuais volumes de transferênciade recursos são massivos, mas que a canalizaçãopor intermédio das diásporas é preferível ao enviode recursos aos governos dos países pobres, sejapor causa da sua ineficiência, seja por causa dasua corrupção. Por razões práticas as ambiguidadesentre “lar” e “terra natal” foram abolidas, na medi-da em que os estudiosos da diáspora inauguramum novo campo de estudos aplicados da diáspora.

“TERRA NATAL” DÚCTIL

Gostaria agora de abordar a minha categoriaintermediária. Mesmo no caso prototípico dadiáspora judaica, a idéia de terra natal sólida pare-ce estar perdendo força. Curiosamente, William

Safran, cujo trabalho inicial sobre a necessidadede “terra natal” já foi anteriormente discutido, adotaagora um uso mais flexível (dúctil) de terra natal.Baseando-se, até certo ponto, em pesquisasatitudinais, Safran argumenta que, no caso de Is-rael, de um lado, e dos europeus e judeus ameri-canos, do outro, os elos entre o país de acolhi-mento e a terra natal estão ficando mais tênues(Safran, 2005, p. 193-200). Dentre os membros dadiáspora judaica que vivenciam o processo de “des-sionismo”, estão incluídos os grupos que Safrandenominou de secularistas, socialistas, investido-res potenciais em Israel, fiéis não-ortodoxos, ju-deus educados na cultura ocidental, ideólogos daesquerda, acadêmicos e outros desiludidos comas expressões do poder do Estado de Israel. O outrolado da moeda é que, não obstante as explosõesintermitentes do anti-semitismo, as condições devida na diáspora são atraentes e seguras e não es-timulam uma maior identificação com Israel.

Surpreendentemente, os proto-sionistas tam-bém promovem acampamentos de verão nos quais,em assentamentos rurais seguros nos EstadosUnidos, acontecem as aliya virtuais (migrações“para” Israel) completas, com bandeiras de Israel,aulas de hebraico, rituais religiosos, simulaçõesda vida em um kibutz e acesso a outros aspectosatraentes da cultura popular israelense (Safran,2005, p. 199-200). Como o próprio Safran reco-nhece, o conceito mais rígido de terra natal cedeulugar a noções mais maleáveis de “um lar encon-trado” na diáspora e de um “lar virtual” em umacampamento de verão – talvez alimentadas porvisitas ocasionais a Israel, ao invés de residir alipermanentemente. Gostaria de acrescentar que oinesperado, porém considerável fluxo de israelen-ses, veementemente desaprovado pelos sionistas,para os Estados Unidos e Europa, também modi-ficou substantivamente a relação entre a terra natale a diáspora judaica (Gold, 2002).

Gostaria também de frisar dois exemplosintrigantes ambos centrados em Bombaim. O pri-meiro refere-se aos sindis, historicamente estabe-lecidos na área atualmente definida como a pro-víncia mais ao sul do Paquistão. O Sind teve exis-

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tência prévia independente, porém foi governadopelos britânicos por pouco mais de cem anos, de1843 a 1947. A área é atravessada pelo rio Indo,que é navegável e que desemboca no outrora “MarSindi” (hoje Mar Arábico); os antigos marinheirosgregos, persas, árabes e sindis estavam ligados auma rede de comércio de longo alcance muito an-tes da chegada dos europeus Ali Shah, (1997, p.43). A província é estrategicamente importante, comuma fronteira extensa com a Índia e um porto deimportância vital que conecta o Sind à Ásia Cen-tral e à vastidão do comércio e negócios da regiãodo Golfo Pérsico e do Oceano Indico.

Falzon iniciou o estudo da história dossindis (Fazon, 2003, p. 602-683), concentrando-seespecialmente no caso dos sindis hindus (a maio-ria dos quais reconhece os ensinamentos do GuruNanak, o primeiro guru do siquismo, embora per-maneçam ligados ao hinduísmo). A primeira ondadiaspórica surgiu no começo da ocupação britâni-ca e constituiu-se na diáspora clássica de naturezacomercial. A segunda, e muito mais numerosa

onda, acompanhou o fim da terrível dominação edivisão britânicas. Os sindis hindus, que se en-contravam no Paquistão muçulmano, deslocaram-se em massa para a Índia, especialmente para Bom-baim e sua cidade-satélite, Ulhasnagar (renomeadaSindhunagar, em razão da forte presença dossindis). Já existiam fortes laços administrativos,educacionais e comerciais com Bombaim, e a saí-da marítima para lá era o rumo mais seguro para asequência de ações dos refugiados.

A Índia tem sido generosa com os sindis, ea comunidade deles em Bombaim é amplamenteconsiderada como politicamente integrada e eco-nomicamente bem sucedida. A evidênciaemblemática desse sucesso foi a eleição de L. K.Advani para o cargo de vice-primeiro ministro daÍndia e a eminência (às vezes cercada de publici-dade) dos incrivelmente ricos irmãos Hinduja. Àsemelhança dos irmãos Hinduja que alçaram vôo,muitos sindis indianos seguiram adiante, mudan-do-se e estabelecendo residência em aproximada-mente 100 países distantes, às vezes ligados aoscomerciantes sindis pioneiros. Será que os sindis

formaram uma diáspora desterritorializada?Falzon argumenta que “... a noção de uma terranatal (distante) ainda permanece central no ima-ginário diaspórico dos sindis hindus”, emboraa idéia de resgatar a “terra natal” do Sindhi his-tórico seja cada vez mais considerada como umaimpossibilidade política. Em contraposição, osbenefícios do estabelecimento de uma redetransnacional economicamente bem sucedida,centrada em Bombaim, são visíveis a todos,exceção feita aos poucos “empreendedores cul-turais”, que saudosamente esperam pela terranatal perdida (Falzon, 2003, p. 668-669). Al-guns estão até mesmo prontos para argumen-tar que a divisão de 1947 foi uma “dádiva mas-carada”, enquanto um poeta declama extasiado:

O Sindhi! Que Deus esteja consigoQue você espalhe felicidadeOnde quer que encontre o seu povo, chame esselugar de lar.Onde quer que encontre sindis, chame o lugarde seu Sind (2003, p. 662).

Foto 2

Porto de Mumbai (Bombaim) ao qual chegaram muitos dosrefugiados sindis provenientes do Paquistão na época da divisão.Bombaim é hoje a terra natal dos deslocados, muito embora asligações férreas com Karachi ainda precisem ser restauradas.

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Embora a população sindi de Bombaim per-maneça numerosa, os sindis diaspóricos, em mui-tos casos, possuem ali um segundo lar e para láretornam a fim de desfrutar os prazeres conheci-dos da cidade, encontrar amigos e familiares, par-ticipar do próspero mercado de casamentos de seusfilhos e fechar negócios com novos e velhos par-ceiros comerciais. Como Falzon explica, Bombaimtornou-se o “coração cultural” de uma diásporadesterritorializada:

Reputação comercial, narrativas pessoais, indi-cadores de riqueza, virtudes e inúmeros outrosaspectos pessoais e mais significativamente, fa-miliares chegam periodicamente em Bombaimdos quatro cantos do globo, e, por intermédio dainteração ocorrida na cidade, são re-exportadospara as várias localidades da diáspora. A presen-ça na cidade de hotéis cinco estrelas, restauran-tes sofisticados e empório de saris são uma exce-lente oportunidade para o tipo de consumo ex-travagante pelo qual os sindis são estereotipados,embora não de modo injustificado, independen-temente de onde estejam (2003, p. 673).

Bombaim (renomeada Mumbai pelos nacio-nalistas) é notoriamente, como se sabe, uma cidadecosmopolita, a cidade de intelectuais diaspóricos fa-mosos, como, por exemplo, Salman Rushdie, osquais celebram a diversidade da cidade. Os persona-gens principais de seu romance O último suspiro domouro foram inspirados nos judeus Cochin (da re-gião de Cochin, sul da Índia) e nos cristãos portu-gueses da cidade. A cidade tornou-se o “lar”, oulugar de passagem de muitos povos diaspóricos. NaRua Meadows, encontra-se uma igreja armêniaedificada em 1776. Em 1864, observou Ewald: “...mais da metade dos dois mil africanos (provavel-mente sub-registrados) em Bombaim ganhavam seusustento como marinheiros ou em atividades relaci-onadas ao trabalho marítimo” (Ewald, 2000). Em fun-ção dessa diversidade, não é de se estranhar, portan-to, que em Bombaim se encontre significativa comu-nidade zoroastriana conhecida como parses. Osparses tornaram-se parte consagrada do cenário dacidade já em 1640, porém só em 1673 a CompanhiaBritânica das Índias Orientais consentiu que seusrituais funerários, nos quais os corpos são entreguesaos abutres para serem devorados, fossem realizadosna Torre do Silêncio, na Montanha de Malabar.

Como Hinnells explica em seu estudo mo-numental da diáspora zoroastriana, em Bombaim,os parses tornaram-se a principal referência cultu-ral e religiosa da comunidade em todo o mundo,a partir do século dezoito em diante (Hinnells,2005, cap. 2). Ele levou em consideração os exem-plos de outras onze comunidades zoroastrianas(em Hong Kong, Leste da África, Grã-Bretanha,Europa Continental, EUA, Canadá e Austrália),mostrando como os padrões endogâmicos, mobi-lidade social e casamento tardio reduziram gradu-almente essa antiga comunidade para aproxima-damente cem mil membros. Todavia a principalameaça aos zoroatrianos manifestou-se na própriaterra natal, o Irã (a antiga Persa), onde a emigração econversão, desde a revolução islâmica de 1979, re-duziram a comunidade para aproximadamente vin-te e dois mil membros. Estabelecidos há séculosnaquele país, os zoroastrianos ocuparam uma vez otrono persa, antes de serem expulsos pela domina-ção muçulmana em 652 d.C. Apesar da permanên-cia de algumas relíquias sagradas, tais como o tem-plo Chak-chak no Irã, que ainda é local de peregrina-ção, a diáspora tornou-se quase que completamentedesterritorializada, com suas principais religiões ereferências culturais ancoradas em Bombaim.

“LARES” LÍQUIDOS

Vivemos o mundo da “modernidade líqui-da”, afirma Zygmunt Bauman, no qual “testemu-nhamos a represália do nomandismo contra osprincípios de territorialidade e de povoamento”(Bauman, 2003, p. 13). A evocação da liquidez edo movimento constante faz lembrar a citação deMarx e Engels no Manifesto Comunista: “Tudo oque é sólido se desmancha no ar e tudo o que ésagrado se profana”. Marshall Berman, acadêmicoliterário, faz reverberar a citação:

Ser moderno é experimentar a existência pesso-al e social como um torvelinho; ver o mundo e asi próprio em perpétua desintegração e angústi-as, ambiguidade e contradição: é fazer parte deum universo em que tudo o que é sólido se des-mancha no ar (Berman, 1982, p. 345-346).

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Será que podemos dilatar ainda mais os sen-tidos históricos do conceito de lar diaspórico paraincluir novas formas de mobilidade e deslocamentoe a construção de novas identidades e subjetivida-des? Proponho que adotemos a expressão “diásporadesterritorializada” para incluir as feições de umasérie de experiências diaspóricas incomuns.7 Nes-ses exemplos, supõe-se que os grupos étnicos per-deram os pontos convencionais de referênciaterritorial, tornando-se, de fato, culturas móveis emultilocalizadas com lares virtuais ou incertos.

Pode-se facilmente pensar em certos grupospopulacionais como culturas nômades, uma vezque eles sempre tiveram uma característica erran-te. Imediatamente vêm à mente os tuaregues,beduínos, san, qashquai, maasai e bérber. Contu-do, se o “lar” sempre esteve em movimento, équestionável que o termo “diáspora” possa acres-centar algo de útil ao uso tradicional da expressão“nômade”, a não ser fornecer um novo rótulo. Umexemplo bem mais intrigante é o dos romas (ciga-nos), que possuem uma narrativa de etnogênesena Índia, mas que perderam qualquer vínculo sis-temático com o subcontinente indiano. Considerá-los diaspóricos é um desafio estimulante.8 Toda-via, o caso mais importante de uma diásporadesterritorializada, com um “lar líquido”, é a dospovos caribenhos.

A população principal do Caribe deslocou-se várias vezes e continua suas tradições migrató-rias – da África, dentro do próprio arquipélagocaribenho, e até muito além. Os primeiros povosassentados do Caribe, os caraíbas e arauá, nãoconseguiram sobreviver às glórias da civilizaçãoocidental – quase todos morreram em consequênciadas conquistas, do excesso de trabalho e de doen-

ças.9 Praticamente todos os que se estabeleceramno Caribe vieram de outro lugar – escravos africa-nos do oeste da África, colonos europeus bran-cos, agricultores e administradores vindos da Eu-ropa, indianos que chegavam como trabalhadorescom contrato de servidão e comerciantes do Ori-ente Médio. Geralmente, as sociedades de colonose imigrantes são vistas como pontos de chegada, enão de partida; locais de uma coletividade renova-da, e não de dissolução, emigração ou dispersão.

Não obstante, os povos caribenhos podemser considerados um caso exemplar de diásporadesterritorializada. Isso se deve, em primeiro lu-gar, à sua história comum de dispersão forçada,devido ao comércio de escravos – ainda comparti-lhada por quase todos os povos de descendência

7 Adotei a expressão “diáspora desterritorilizada” na se-gunda edição revisada de Global diasporas: anintroduction (Diásporas Globais; uma introdução) (dis-ponível em 2008), para substituir “diásporas culturais”,usada na primeira edição do livro, mas que, por não sersuficientemente precisa, gerava equívocos.

8 Sou grato à minha colega de Warwick, Paola Toninato,que me falou da importância da literatura romana nodesenvolvimento da consciência diaspórica. O seu arti-go a ser publicado sobre o tema é muito útil É ampla aliteratura sobre os romãs ou ciganos; uma coletânea bemespecializada é a da Universidade de Leeds. Disponívelem: www.leeds.ac.uk/library/spcoll/spprint/26600.htm

9 Em uma recente visita à ilha (2007), fiquei muito satis-feito em saber que cerca de três mil pessoas em Dominicareivindicam serem caraíbas e buscam obter certa auto-nomia territorial. Ainda que muitas dessas pessoas pos-suam uma tradição mista, sua identificação cultural comos caraíbas é bastante marcante.

Homem caribenho contempla o “Atlântico negro”. Enquantoidéias, pessoas e a cultura popular entrecruzavam a África,as Américas e a Europa, foi surgindo a idéia de uma diásporadesterritorializada e de pátria fluida.

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africana, a despeito de sua subsequente libertação,povoamento e cidadania em vários países do NovoMundo e mais além. Até certo ponto, é uma ques-tão de visibilidade. Diferentemente do caso dosjudeus e dos armênios, cuja perda das caracterís-ticas físicas mais evidente é possível, na Europa eAmérica do Norte, com a exogamia, nos descen-dentes de origem africana, a cor da pele normal-mente permanece, apesar da exogamia, como umtraço característico durante duas, três ou mais ge-rações. A utilização da cor da pele, em muitas so-ciedades, como símbolo de status, poder e opor-tunidade, torna impossível a qualquer pessoa dedescendência africana evitar a estigmatização raci-al. Conforme um escritor britânico formulou demodo inequívoco: “nossa imaginação está condi-cionada por uma proximidade duradoura com osregimes de terror racial” (Gilroly, 1993, p.103).

Paul Gilroy, em seu livro Atlântico Negro,realizou a tentativa intelectualmente mais ambici-osa de definir o “lar fluído” caribenho (1993). Eleentende que a consciência da diáspora africana seforma a partir de uma complexa mescla cultural esocial entre África, Europa e Américas. Contudo,o resultado não é a uniformidade cultural, massim o reconhecimento de “multiplicidadestransnacionais e inter-culturais”. Evidentemente,deve existir algum grau de unidade entre as cultu-ras diaspóricas dos africanos das bordas do Atlân-tico, para que possam ser consideradas um im-pulso compartilhado e uma forma de consciência.Essa cultura emergente é classificada como “oAtlântico Negro”, um verdadeiro lar líquido.

De fato, uma idéia de África permaneceu noimaginário do Caribe francofônico e anglofônico.Em se tratando de intelectuais como Césaire, a idéiade retorno era subconsciente, figurativa e simbóli-ca (Césaire, 1956). No Caribe anglófono, a idéia devínculos com a África disseminou-se não só entreos intelectuais, alcançando as massas – graças aosmovimentos garveista e rastafári. Entretanto, a idéiade África era uma invenção, uma Etiópia mentalque raramente se traduzia em um movimento ver-dadeiro de retorno ou de associação permanente.Os vínculos reais não eram com a África, mas com

os outros povos dispersos de origem africana. Essaquestão foi especialmente significativa em relaçãoà cultura popular – música, literatura, carnaval,artes visuais e cênicas e formas de linguagem – naqual ocorria considerável polinização cruzada deidéias, imagens e conceitos que singraram os ocea-nos e atravessaram as nuvens, em perfeita sincroniacom a tese do Atlântico negro. As fronteiras daregião estendem-se além do Caribe – tanto na cons-ciência, como também na conduta social, nos pa-drões de migração e na realização dos povoscaribenhos nos locais de estabelecimento e per-manência temporária.

Se remontarmos à história das diásporas,encontraremos outras formas de “lar líquido” nasconexões entre religião e diáspora. A diáspora pas-sou a fazer parte da história judaica com a tradu-ção da Bíblia para o grego, sendo que, no primeiroséculo d.C., segundo Bauman, os cristãos adota-ram e alteraram seu “significado soteriológico deacordo com a escatologia cristã”. Ele continua:

O Novo Testamento utiliza três vezes o substanti-vo diáspora e o verbo diaspeirein. Sem entrarem detalhes quanto aos usos complexos, os escri-tores das diferentes histórias e Epístolas inter-pretaram a Igreja primitiva “como uma comuni-dade peregrina, de permanência provisória e dis-persa, interpretando-a como sendo o povoescatológico de Deus”. Os cristãos, vivendo emdispersão sobre a terra, serviriam de “sementes”,disseminando a mensagem de Jesus. A verdadei-ra pátria cristã, no entanto, estava na “cidade ce-leste de Jerusalém”, a aspiração da peregrinaçãocristã.10

Algumas comunidades cristãs comporta-ram-se exatamente segundo a tradição que Baumandescreve. Os menonitas (cristãos anabatistas doséculo dezesseis) são um bom exemplo. A disper-são ocorreu em decorrência de cisões internas (nãoraro em torno de diferenças teológicas aparente-mente sutis), em reação à perseguição aberta ouem resposta às tentativas realizadas pelos Estados

10 Martin Baumann (2000, p. 319). A longa citação dentrodo bloco de citação é da tese de doutorado de AiyenakunP. J. Arowele, citada integralmente no artigo de Baumann.Sou grato à Martin Bauman, Steven Vertovec e StéphaneDufoix, os quais de várias formas aprimoraram direta-mente as conexões entre comunidades religiosas ediáspora.

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de submeter as comunidades religiosas ao sistemade tributação e colocá-las sob seu controle. Paraaqueles que acreditavam unicamente no Reino deDeus, propagando a semente do cristianismo emoutras partes do mundo, era o óbvio a ser feito. Osmenonitas acabaram, em grande parte, em peque-nas comunidades rurais, dispersando-se em 51países em toda a África, Europa e Américas. AlainEpp Weaver, teólogo menonita, argumenta que há(ou que, ao menos, deveria existir) um paraleloestreito entre cristãos e judeus. Ambos, sustenta oautor, cometeram graves equívocos quando se su-bordinaram ao poder do Estado. No caso dos cris-tãos, o estabelecimento do cristianismo como reli-gião oficial do Estado pelo imperador romanoConstantino (280–337 a.C.) e, no caso dos judeus,a criação do estado de Israel. Deixando-se envol-ver pelas instituições temporais, judeus e cristãosinsensatamente abandonaram suas missões espi-rituais. Weaver argumenta que ambos “são chama-dos a uma fé diaspórica e de exílio que incorporauma política alternativa em meio às Babilônias domundo” (Weaver).

Ninian Smart descreve, embora de formasucinta, o destino das religiões diaspóricas nostempos globais (1987, p. 288-297). A base de suaargumentação é que, com o ritmo acelerado daconectividade, especialmente no tocante às viagensde longa duração e de baixo-custo, até mesmo co-munidades religiosas pobres podem manter con-tato com os principais epicentros de suas religi-ões: os judeus com Jerusalém e o Muro dasLamentações, os católicos com Roma e Lourdes,os hindus com Varanasi e Ganges, os siques comAmritsar e o Templo de Ouro, os muçulmanos comMeca e a Caaba, e assim por diante. Os contatosfrequentemente tomam a forma de peregrinação aoslugares religiosos importantes – não raro a chamada paixão religiosa é alimentada pela longa separa-ção seguida de formas ritualizadas de conectividadecomo, por exemplo, o Hajj. O Hajj, o quinto pilardo Islã, é fonte de inspiração e união para a comu-nidade islâmica mundial, os Umma. Os fiéis comsaúde e que podem arcar com os custos da jorna-da são obrigados a viajar a Meca ao menos uma

vez em suas vidas: aproximadamente dois milhõeso fazem a cada ano. De vez em quando, a multidãoentusiasta lota os locais sagrados. Em 2006, tre-zentos e quarenta e cinco peregrinos perderam suasvidas durante o Hajj, em uma debandada motiva-da pelo pânico, próximo aos três pilares diantedos quais o demônio surgiu perante Abraão e ondeos fiéis são estimulados a atirar pedras.

As peregrinações cristãs também experimen-taram o ressurgimento massivo com a redução doscustos e a maior acessibilidade do transporte in-ternacional.11 Possivelmente, o exemplo mais fa-moso, nesse caso, é o de Lourdes, pequena cidadenos Pireneus franceses. Anualmente, milhões depessoas viajam a Lourdes (Smither, 2004). Comuma população permanente de apenas quinze milhabitantes, a cidade possui duzentos e setenta ho-téis e é a segunda francesa em número de leitos,perdendo apenas para Paris. Como sempre acon-tece nos locais de peregrinação, a aura religiosaque envolve Lourdes surgiu da aparição misterio-sa de uma figura religiosa. No caso em questão,alega-se que uma jovem de 14 anos presencioudezoito aparições da Virgem Maria em 1854. Acre-dita-se que as águas de Lourdes sejam milagrosas,e muitos dos doentes (alguns em cadeiras de rodaou em macas) chegam à cidade na esperança deconseguir uma das sessenta e seis curas milagro-sas reconhecidas oficialmente. As peregrinaçõestambém adquiriram novos significados em outrasreligiões. Um número cada vez maior de budistase taoístas retorna ao Monte Tai, no nordeste chi-nês, onde santuários foram vandalizados pelaGuarda Vermelha maoísta, porém restaurados após1976. Sacerdotes xintoístas promovem pelo me-nos quinze festivais anuais para acolher bem osperegrinos em Taisha, Japão.

11 Esta parte baseia-se em Global Sociology de Robin Cohene Paul Kennedy, Basingstoke: Palgrave, 2007, cap.16. Trad.Sociologia Global.

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CONCLUSÃO

Se analisarmos criticamente os usos diver-sos das idéias de “lar” e “terra natal” nos estudosdas diásporas, encontraremos uma boa baseempírica e histórica para as três noções aqui de-fendidas – sólida, dúctil e líquida. Os mitos deorigem comum são frequentemente territorializados,enquanto que os mitos altamente sentimentais, po-rém poderosos, do “país ancestral” são reconheci-dos. Na “terra prometida” dos judeus jorrava leite emel. Os cedros antigos e a fragrância de hortelã noMonte Líbano podem ser acionados para dissipar oodor dos cadáveres produzidos pelas recentes guer-ras civis e invasões. As construções imponentes noZimbábue permanecem como prova de que os afri-canos uma vez possuíram civilizações superiores egrandes impérios, o que constitui uma clara refuta-ção do seu freqüente status inferior na diáspora. Osassírios em Londres e Chicago comentam seu elocom a grande civilização da Mesopotâmia, enquan-to seus arquirrivais, os armênios, organizamdispendiosas expedições arqueológicas a fim deescavar seus palácios e santuários.

Observamos também que, em alguns casos,a “terra natal” cedeu lugar a uma noção mais dúctil,que pode ser deslocada, como no caso dos sindise parses de Bombaim, ou de algum modo atenua-do como no caso da dessionização. Presenciamostambém que “lares virtuais”, desterritorializados elíquidos podem ser construídos por intermédiode ligações culturais, como é o caso caribenho, pelasubstituição de monumentos sagrados, rios, íconese santuários pela pátria, como nas diásporas reli-giosas. Talvez seja importante salientar que a Áfri-ca não desapareceu do imaginário caribenho, damesma forma que os sindis e parses hindus aindase lembram do Sindi e da Pérsia, não importa oquão longinquamente. Em vez de um processocompleto de apagamento, as condições na terra nataltornaram-se tão hostis (e as condições relativamentepropícias em partes da diáspora tão atraentes), quea recuperação da terra natal foi sendo adiada inde-finidamente e substituída por novos centros derealização religiosa, cultural e econômica.

Como podemos fazer a mediação desses trêsusos? Uma forma viável de lidar com essa intensi-ficação é permitir que prevaleça o critério auto-declaratório. Pátria e terra natal é o que dizemosque são. Quem somos nós para contestar? Outraestratégia é seguir a tática adotada por Procrustes,na Grécia antiga, que oferecia hospitalidade aostranseuntes em sua cama de ferro. Para adaptá-losperfeitamente à cama, ele alongava os mais baixose decepava os membros superiores dos mais altos.Por analogia, poderíamos adotar uma série de cri-térios absolutamente rígidos, segundo os quaistodas as noções de “lar” ou “terra natal” teriam dese adequar, antes que lhes fosse permitido deitarem nossa cama conceitual. Rejeitando as duas es-tratégias, continuo a insistir no embasamentoempírico e histórico de qualquer conceito de “lar”ou “terra natal”. As críticas pós-modernas, na suamaior parte pouco fundamentadas, insinuam aexistência de um movimento de mão-única, quevai das noções sólidas de terra natal às noções lí-quidas de lar. Todavia, como já argumentei, a cate-goria intermediária de dúctil continua sendo im-portante, e as versões de terra natal sólida recebemapoio cada vez maior, enquanto as diásporas semobilizam para desempenhar um papel de desta-que nas políticas nacionais e internacionais e nodesenvolvimento econômico e social de seus terri-tórios de origem.

Tradução: Maria Lavínia Sobreira de Magalhãese Daniel Sobreira de Magalhães

Revisão Técnica: Eduardo Paes-Machado

(Recebido para publicação em setembro de 2008)(Aceito em novembro de 2008)

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SÓLIDAS, DÚCTEIS E LÍQUIDAS: noções em mutação ...

SOLID, DUCTILE AND LIQUID: changing notions ofhomeland and home in diaspora studies

Robin Cohen

Does diaspora imply a homeland? For a number ofscholars who pioneered the growth of diasporic studiesin the 1990s this was the sine qua non of the concept.Under the weight of social constructionist critics, whosought to deconstruct the foundational ideas ofhomeland and community, more complex and vaguerideas of homeland and home emerged. These arecharacterized here as “solid”, “ductile” and “liquid”,on a diminishing scale from historical reality topostmodern virtuality. I show that all three versions ofhome/homeland have some historical and empiricalsupport, but I reject the pure social construcionism.There is also some evidence that solid notions homelandare gaining increasing attention.

KEY WORDS: international migrations, diaspora, socialconstrucionism, home/homeland, agents of development.

Robin Cohen - Professor da Universidade de Oxford e Professor Honorário da Universidade de Warwick,onde foi professor de sociologia, entre 1979-2007. Foi Reitor na área de Humanidades da Universidade deCape Town, África do Sul (2001-2003). Ensinou em várias universidades, como Ibadan, Birmingham, WestIndies, Stanford, Toronto e Berkeley. É editor da coleção Global Diaspora da editora Routledge e coordenadorda pesquisa sobre “Migração Mundial” em Cambridge (1995).Seus livros incluem: Labour and politics inNigéria ([1974]1982); Endgame in South África? (1986); The new helots: migrants in the internationaldivision of labour (1987, 1993, 2003); Contested domains: debates in international labour studies (1991);Frontiers of identity: the British and the others (1994); Global diasporas: an introduction (1997, 1999, 2001,2004); Global sociology (em co-autoria, 2000, [2001]2007) e Migration and its enemies (2006). Editou ou co-editou mais de 18 livros com foco na sociologia e política dos países em desenvolvimento, etnicidade,migração internacional, transnacionalismo e globalização. Seus trabalhos mais importantes estão traduzi-dos em dinamarquês, francês, alemão, grego, italiano, japonês, mandarim, português e espanhol.

SOLIDES, DUCTILES ET LIQUIDES: des notions quichangent, celles de foyer et de terre maternelle dans

les études sur la diaspora

Robin Cohen

La diaspora sous-entend-elle la terre maternelle?Selon certains studieux qui ont stimulé ledéveloppement des études sur la diaspora dans lesannées quatre-vingt-dix, il s’agissait d’une condition sinequa non pour ce concept. Sous la pression des critiquesdu constructionisme social qui essayaient dedéconstruire les idées basiques de terre maternelle etde communauté, des notions plus complexes etindéfinies de “terre maternelle” et de “foyer” ont surgi.Celles-ci sont caractérisées ici comme “solides”,“ductiles” et “liquides”, par ordre décroissant, allant dela réalité historique à la virtualité post-moderne. Nousdémontrons que ces trois versions de “foyer” ou de “terrematernelle” ont une base historique et empiriqueconsidérable, cependant nous refusons le simpleconstructionisme social. Il existe aussi des indices quidémontrent que les notions de “terre maternelle solide”sont de plus en plus dignes d’attention.

MOTS-CLÉS: migrations internationales, diaspora,constructionisme social, foyer ou terre maternelle,agents de développement.