socrates encontra descartes - peter kreeft ()

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    PETER KREEFT

    SCRATES

    ENCONTRA

    DESCARTES

    O Pai da Filosofia Interroga oPai da Filosofia Moderna e seuDiscurso do Mtodo

    Traduo de Gabriel Melatti

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    Sumrio

    apaolha de Rostoedicatria

    ntroduo

    O EncontroO Argumento CentralO PrincpioA Filosofia uma Cincia?O Plano Secreto de DescartesA Finalidade do ConhecimentoA Busca da CertezaA Razo do Novo MtodoA Quem se Destina o Novo Mtodo?

    0. O Mtodo1. O Matematicismo de Descartes2. A Moral Provisria de Descartes3. Primeiro Passo do Sistema Filosfico Cartesiano: A Dvida Universal4. Segundo Passo do Sistema Filosfico Cartesiano: Penso, logo existo5. Terceiro Passo do Sistema Filosfico Cartesiano: O que sou6. Quarto Passo do Sistema Filosfico Cartesiano: O Critrio de Veracidade7. Quinto Passo do Sistema Filosfico Cartesiano: As Provas da Existncia de Deus8. Sexto Passo do Sistema Filosfico Cartesiano: A Prova da Existncia do Mundo Material9. Descartes e o Futuroda Humanidade0. O Legado Cartesianorditosobre o Autorobre a Obra

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    Para Joseph Flanagan, S

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    Introduo

    Scrates e Descartes so provavelmente os dois filsofos mais importantes que jxistiram, pois foram os que influenciaram de m odo mais profundo toda a filosofia que osucedeu. Scrates chamado o Pai da Filosofia, enquanto Descartes o Pai da Filosofia

    Moderna. Estas duas alternativas filosficas fundamentais, a clssica e a moderna, tiveram em

    crates e Descartes, respectivamente, os seus fundadores.H pelo menos sete caractersticas comuns aos dois filsofos, e que os distinguem de tod

    s dem ais.

    Primeiro, ambos foram iniciadores, revolucionrios, praticamente sem ningum que osrecedesse. No houve filsofo, alm dos dois, que tenha dependido to pouco dos antecessoreo m esmo tempo que tornava os pensadores seguintes to dependentes de si. O mtodo, aserguntas e as respostas de Scrates eram quase que totalmente diferentes das dos filsofos ditopr-socrticos; Descartes, por sua vez, tentou recomear a filosofia toda do zero, como se osois mil anos que o precederam simplesmente no houvessem existido. Ningum mais na histo pensam ento fez o que os dois fizeram , nem to completamente quanto o fizeram.

    Segundo, ambos comearam duvidando e questionando tudo, ou quase tudo, mesmoqueles lugares-comuns que todo mundo julgava indiscutveis. Ambos compreenderam que orimeiro passo, e o mais importante, para um mtodo verdadeiramente cientfico nada supore antemo, ou, no mnimo, questionar as pressuposies, removendo os preconceitos do ladoubjetivo da conscincia e colocando-os no lado objetivo, onde faro parte do grupo dosxam inados, e no mais dos exam inadores.

    claro que muitos filsofos concordam com isso, mas nenhum realizou este ideal de

    odo to completo e original quanto os dois. Na poca de Scrates os livros eram poucos, noavia universidades e a tradio filosfica com que trabalhar era limitada; Descartes tinha tudoso em abundncia, mas resolveu duvidar de tudo, ou pelo menos tentou. Assim, ambosonfiavam na experincia direta e no pensamento individual em vez de na autoridade e naadio da comunidade.

    Terceiro, ambos fizeram da busca pelo conhecimento do eua busca filosfica central,nda que com euquisessem dizer coisas um pouco diferentes. O que Scrates queria dizer com

    conhece-te a ti mesmo era conhece a essncia do Homem, a natureza humana universal; ue Descartes queria dizer era conhece tua prpria existncia enquanto indivduo.

    Tambm as razes por que empreenderam essa busca eram diferentes. A razo decrates era a obedincia ao comando do deus do orculo de Delfos, em cujo tem plo via-se anscrio Conhece-te a ti mesmo. A razo de Descartes era superar o ceticismo quecometera muitos dos melhores pensadores da poca (especialmente Montaigne) m ediante aescoberta da nica certeza absoluta, que pudesse ser usada como ponto de partida de umalosofia nova e mais certa: Penso, logo existo. De qualquer forma, ambos se voltaram para eu, para a alma, a mente, o esprito, como objeto de interesse fundamental, muito mais do qualquer outro filsofo. (Os nicos rivais de Descartes, neste aspecto, so Pascal, seuontemporneo, e Agostinho, doze sculos antes; Scrates no teve predecessores ou

    ontemporneos que o pudessem rivalizar.)Quarto, ambos identificaram o eucom a alma, e no com o corpo. Ambos eram

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    dualistas, isto , acreditavam que a realidade dual (dupla): matria (incluindo nossos corposesprito (incluindo nossas almas). No houve dualistas mais famosos que Scrates (atravs de

    eu discpulo Plato) e Descartes.

    Quinto, ambos concentraram-se na questo epistem olgica, ou o problem a crtico decomo sabem os? Scrates fazia essa pergunta diante de toda afirmao especfica, enunciadaor algum, sobre o que quer que fosse, enquanto Descartes fazia essa pergunta a si mesmo e aspeito do conhecimento em geral. Diferentemente de Scrates, Descartes exigia uma razo

    ara crer na prpria razo antes de us-la para construir um a filosofia, como um carpinteiro qu

    erifica suas ferramentas antes de construir uma casa. Talvez essa questo tenha resposta, talvo. De qualquer forma, nenhum outro filsofo concentrou maior ateno sobre a perguntacomo sabemos do que os dois.

    Em sexto lugar, cada um deles criou um novo mtodo filosfico, posto que, atravs deeus mtodos, ambos tenham chegado s concluses tradicionais. Nos dois casos, o novo mtodxigiu critrios mais rigorosos, bem como razes mais precisas e mais bem fundamentadas paustificarmos nossas crenas e opinies. Ambos, cada um a seu modo, restringiram o conceitoaquilo que se entendia por razo. Antes de Scrates, ela inclua mito, intuio e tradio. Sejeitar nenhuma dessas coisas mais antigas, Scrates exigiu algo novo: definies claras e

    rgumentos lgicos. Descartes, por sua vez, restringiu ainda mais o conceito de razo; a partiele, a sabedoria dava lugar cincia, a lgica filosfica lgica cientfica e o mtodoaltico de Scrates (o mtodo do dilogo), dava lugar ao mtodo cientfico. Nenhum outrolsofo ofereceu um mtodo que modificasse to completamente o pensamento filosfico. Eenhum outro mtodo, de nenhum outro filsofo, foi to universalmente imitado pelos filsofososteriores, quanto os deles dois.

    Em stimo lugar, ambos acreditavam ter sido encarregados de filosofar por uma foravina, que agia por intermdio de um sinal sobrenatural. No caso de Scrates, foi o orculo deelfos que, tendo anunciado ao seu amigo Querofonte no haver ningum mais sbio do que

    crates, induziu o filsofo a questionar as pessoas com o propsito de encontrar algum queosse mais sbio do que ele mesmo, induzindo-o assim a desenvolver o mtodo socrtico delosofar por meio do exame racional.

    Scrates tam bm dizia possuir um sinal espiritual ou voz divina pessoal, a qual, aindue no o comandasse a fazer algo especfico, freqentemente o impedia de realizar algumao prejudicial. Como a maioria dos cidados atenienses de seu tempo, Scrates aspirou arreira poltica, mas a voz divina o proibiu. Assim, em conjunto, tanto o orculo de Delfosomo a voz divina o conduziram filosofia. Em suaApologia, defende no apenas a si mesmas a sua encrenqueira vocao de filsofo, e toda vez que menciona a filosofia nesse discursoenciona tambm o deus como origem de sua vocao filosfica.

    Tambm Descartes tornou-se filsofo, ao que parece, devido a uma interveno divina.om vinte e trs anos de idade ele j era considerado um gnio cientfico, e s adiou aublicao de seus trabalhos por causa da condenao de Galileu. Na noite de 10 de novembroe 1619, Descartes teve um sonho que mudou sua vida, um sonho no qual, segundo acreditava,ora visitado pelo divino Esprito da Verdade, que o instrua a filosofar.

    No preciso acrescentar que a maioria dos filsofos e a maioria das filosofias noomeam assim. Scrates e Descartes so, nesses sete aspectos, espantosam ente diferentes do

    utros filsofos, ao m esmo tempo que so espantosam ente parecidos um com o outro. Nontanto, tam bm so muito diferentesum do outro, to diferentes como as vises de mundo

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    ntiga (clssica) e moderna (cientfica), que aj udaram a fundar.

    Por isso, um dilogo entre Scrates e Descartes tambm um dilogo entre os doisstgios fundam entais das histrias da filosofia, da cincia e da civilizao ocidental.

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    O Encontro

    ESCARTES: Eu devo estar sonhando. Estava morrendo, e agora me sinto bem vivo. Era uomem velho e doente, e agora me sinto jovem e saudvel. Pensava estar deitado em uma camia, no mido e sombrio inverno da Sucia, e agora estou aqui, cavalgando este magnfavalo branco, ao longo desta estrada ensolarada, nesta bela regio que lembra o sul da Frana

    vem algum adiante, acenando para eu parar. Ser um anjo? Ah, no. Um anjo no se pareom aquilo. Parece mais um porco ou um sapo parece at Scrates por Zeus, que de fatocrates!

    CRATES: Na terceira acertaste, Ren. Como dizamos l na Grcia, terceira de vez.

    ESCARTES: s tu... um anjo?CRATES: bastante improvvel!

    ESCARTES: E isto aqui... o paraso?

    CRATES: Ainda no, mas o caminho.

    ESCARTES: Tu me foste enviado por... Autoridades Superiores?

    CRATES: Eu fui.

    ESCARTES: Ento estoumorto. Ou melhor, meu corpo est.

    CRATES: Teu antigo corpo, de qualquer forma.ESCARTES: Ento o que est cavalgando este cavalo? Tenho o direito de saber!

    CRATES: As Autoridades Superiores no me permitem responder a tais questes pnquanto.

    ESCARTES: E o que as tuas Autoridades Superiores querem que eu faa, ento?

    CRATES: Que desas do cavalo.

    ESCARTES: Ah. Tudo bem. Eis-me aqui. Pronto. E agora? Vais me conduzir ao cu?

    CRATES: Antes preciso mandar o teu cavalo para o cu. Vai, ests dispensado!ESCARTES: E no que sabe o caminho? Olha l ele voando! Mas por que eu tenho

    sperar? Por que o meu cavalo vai para o cu antes de mim?

    CRATES: Porque aqui no cometem os erros; e todo mundo sabe que um erro pr a carroa frente dos bois ou Descartes antes do cavalo.

    ESCARTES: Pode at ser verdade que aqui no cometeis erros, mas os trocadilhos qometeis so decerto terrveis. E por que estamos falando portugus, e no francs ou grego?

    CRATES: Porque portuguesa a lngua do autor do livro em que estam os.

    ESCARTES: Ah. S espero que ele no seja viciado em trocadilhos. Sabias que o trocadilho orma m ais baixa de humor? um tipo de doena literria. essa a idia de piada que ele tem

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    CRATES: No, a que Ele tem.

    ESCARTES: Quem?

    CRATES: O Autor do autor do livro em que estamos: o Criador.

    ESCARTES: Ah. Talvez o meu senso de humor tambm precise descer do cavalo. Parece qCriador transcendente rebaixa-se a profundezas humorsticas verdadeiramente abissais.

    CRATES: Ah, mas Ele j se rebaixou a profundezas muito maiores que essas...

    ESCARTES: Ento Ele um comediante?CRATES: Mas claro!

    ESCARTES: Perdoe-me se pareo surpreso, e mesmo um tanto ctico, mas aquele trocadilo traz consigo a marca de um grande comediante. No tem a graa e o estilo de um...

    CRATES: De um aristocrata francs? No. alguma surpresa descobrires que Deus no uristocrata francs?

    ESCARTES: Bem, no. Mas o Criador...

    CRATES: J paraste para observar atentamente as Suas criaes? J ficaste face a face co

    m avestruz? J viste suricates brincando? Ou aristocratas franceses, que seja?ESCARTES: Touch, Scrates. Tu s mesmoo verdadeiro Scrates.

    CRATES: Tanto quanto tus o verdadeiro Descartes.

    ESCARTES: Ests brincando comigo?

    CRATES: No, eu te estou testando. Duvidas da tua prpria existncia?

    ESCARTES: No.

    CRATES: Ento no duvides da minha.

    ESCARTES: Para falar a verdade,j duvidei de minha prpria existncia, assim como xistncia de tudo o mais. A dvida universal era o primeiro passo do mtodo que ensinei.

    CRATES: Ento no segues o que ensinaste.

    ESCARTES: No, no, eu no ensinei ceticismo. Ceticismo significa duvidar de tudo o temnteiro. O meu mtodo uma resposta ao ceticismo. Uma vez ultrapassada a dvida universodem os nos arrogar conhecimento certo a respeito de quaisquer idias que, durantexperincia, se tenham mostrado incontestveis em primeiro lugar, a idia de nossa prpxistncia.

    CRATES: Penso ver a uma analogia. A dvida universal como uma espcie de mortedia da prpria existncia como a alma; a indubitabilidade da prpria existncia comomortalidade da alma; e o conhecimento certo obtido dessa forma como a Viso Beatfica araso; por fim, passar pelo teu mtodo filosfico como uma ressurreio. No assim?

    ESCARTES: Isso me parece um pouco... um pouco dem ais! Nunca cheguei a pensar nas coiessa maneira.

    CRATES: Ento como de fatoas concebeste?

    ESCARTES: Simplesmente como um modo de superar o ceticismo debilitante, estabelecen

    ssim um fundamento para todas as cincias. Como expliqueino meuDiscurso do Mtodo...

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    CRATES: Este livro aqui, tu queres dizer?

    ESCARTES: Tu o tens a?

    CRATES: V com teus prprios olhos.

    ESCARTES: Ento h livros no paraso?

    CRATES: Quem disse que isto aqui o paraso? Pensei que no fizesses suposies; no eprimeiro passo do teu mtodo?

    ESCARTES: Nunca recomendei que o meu mtodo fosse utilizado no dia-a-dia; na verdadeuem sabe eu tenha uma charada para ti, Scrates. Qual a diferena entre Descartes e a Virgeantssima?

    CRATES: Qual...?

    ESCARTES: que muitos testemunharam a Sua Assuno, poucos a minha suposio.

    CRATES: Se o trocadilho a doena literria, parece que uma doena contagiosa.

    ESCARTES: Ento isto aqui no o paraso?

    CRATES: Ainda no. No para ti, pelo menos.

    ESCARTES: No para mim; ao contrrio do meu cavalo?CRATES: Ao contrrio de mim. Isto aqui o paraso para mim, mas para ti o purgatrers, portanto, de suportar o exame racional do teu livro.

    ESCARTES: Ah, mas este um purgatrio muito, mas muito mais agradvel do que esperavodes examinar vontade, Scrates. L na Terra, em minha busca pela verdade, travmeros dilogos agradabilssimos e mantive correspondncia com muitos sbios; mas isto q

    amos fazer agora muito, mas muito melhor do que tudo o que j fiz.

    CRATES: E se ests em busca da verdade, irs para um lugar muito, mas muito melhor

    ue qualquer outro em que estiveste.

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    O Argumento Central

    CRATES: Antes de comearmos o exame e avaliao do teu livro, precisamos entenderzes que tiveste para escrev-lo. Que problema ele buscou solucionar? Deve ter sido u

    roblema muito grande, visto o grande sucesso que obteve ao longo dos muitos sculos que eguiram tua morte. Foi um dos livros que mais profundamente transformaram a maneira ensar dos homens.

    ESCARTES: Ento daqui podes ver o futuro?

    CRATES: No h futuro aqui, seno o eterno presente.

    ESCARTES: Tens ento o conhecimento de todas as coisas?

    CRATES: claro que no.ESCARTES: Quanto sabes?

    CRATES: Tanto quanto necessrio.

    ESCARTES: Mas no tanto quanto gostarias?

    CRATES: No assim. Eis a diferena entre este mundo e o antigo: aqui no escontinuidades, seja o intervalo entre o presente e o futuro, seja o hiato entre desejosecessidades.

    ESCARTES: Ento esse o segredo de tua felicidade, tal como ensinou Marco Aurlio. Dize uma coisa, ele est por aqui?

    CRATES: Mais tarde, haver tempo de sobra para tais indagaes.

    ESCARTES: Mas tenho boa memria, e lembro-me de teres dito que aqui no h mescontinuidades, no h mais intervalo entre desejos e necessidades. E eu desejosaber onde e

    Marco Aurlio.

    CRATES: Tu no tens boa memria. Pois te esqueces de que isto aqui s o paraso paim; para ti o purgatrio.

    ESCARTES: Ah. Que devo fazer, ento...?CRATES: Por enquanto, tua tarefa ajudar-me a explorar as questes que esto no teu livroo satisfazer a tua curiosidade acerca deste mundo.

    ESCARTES: Por que justamente tu que me foste enviado?

    CRATES: Porque o teu livro revolucionou a filosofia, empreendimento este que eu tive a borte de comear, ou melhor, de ter sido o instrumento divino para que outros o pudesseomear. Comea ento dizendo, por favor, qual foi o problema que observaste no mundoomo o procuraste resolver com teu livro.

    ESCARTES: Eu o farei de boa mente. E acredito poder resumi-lo mediante duas imagensrimeira, o declnio da filosofia; a segunda, a ascenso de todas as outras cincias.

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    Ao contemplar o panorama filosfico diante de mim, enxerguei apenas trs alternativasenhuma delas com futuro promissor. Primeiro, havia os filsofos escolsticos do final da Idad

    Mdia, debatendo obsessivamente diferenas puramente verbais, palavreando mecanicamenteuas frmulas antiquadas, multiplicando indefinidamente um sem-nmero de distinesutilssimas e tratando abstraes como se fossem a nica realidade. Segundo, havia os msticoaturais: ocultistas, alquimistas e astrlogos. No meu entender, tanto estes quanto os escolsticoram figuras cmicas. As mentes filosficas srias estavam se tornando cticas, como

    Montaigne. E esta era a terceira opo: o ceticismo. Eu queria oferecer uma alternativa radica

    das as trs, uma que, partindo da refutao do ceticismo, prosseguisse em direo a umalosofia realmente cientfica.

    CRATES: Que queres dizer com cientfica?

    ESCARTES: Este de fato um conceito-chave. Enquanto a filosofia definhava nos remansos stagnao, todas as outras cincias progrediam admiravelmente. Para falar a verdade, houais progresso cientfico em um nico sculo do que em todos os sculos anteriores juntos. Enz a mim mesmo a pergunta bvia: por qu? Por que este progresso tremendo no se repetiu losofia? E a minha resposta foi, em uma palavra: mtodo. O mtodo cientfico foi a maiescoberta da histria das cincias, sendo a chave-mestra que lhes abriu todas as portas. Exc

    s da filosofia. Foi por isso que decidi escrever oDiscurso do Mtodo; como um experimentom de verificar a hiptese de que o mtodo cientfico era capaz de revitalizar tambmlosofia.

    CRATES: Teu experimento me parece muitssimo razovel. Sem dvida compreendesremissa por trs dele?

    ESCARTES: Eu nada presumi. Era um experimento; no pressupus nenhum resultado ntemo.

    CRATES: Mas tu presumiste que a filosofia uma cincia, ao supores que nela poderam

    mpregar o mtodo cientfico, no isso?ESCARTES: Sim, claro, uma cincia no sentido amplo: um corpo organizado

    onhecimentos que explica as coisas pelas suas causas e prova verdades por meio emonstraes racionais. Eu sei que ela no como as outras cincias, uma vez que, nossuindo nenhum campo de atuao em particular, toma todos os campos como seus, semitar-se aos dados sensveis. Neste aspecto como a matemtica, mas diferentemente delalosofia no lida com medies quantitativas. A minha esperana, no entanto, era encontrassncia mesma do mtodo cientfico, comum s cincias empricas, s cincias matemticas cincias filosficas. Se eu conseguisse encontr-la, defini-la e resumir suas regras bsic

    r-se-ia ento o que faltava: um nico mtodo essencial que pudesse ser aplicado filosofia tficazmente quanto o fora s outras cincias.

    por isso que a palavra m ais importante no ttulo do meu livro,Discourse de la methodeustamente a palavra la (o). Este era omtodo que havia transformado todasas cincias eue, conforme esperava, haveria de transformar tambm a filosofia.

    CRATES: Posso compreender muito bem tua esperana. Mas no podes ter deixado erceber o quo radical e revolucionria era essa idia. A educao que recebeste roporcionou extensa cultura filosfica, e certamente aprendeste que Aristteles, o mais influe

    lsofo do mundo (e o mais provido de bom senso) ensinava que cada cincia exigia um mtoferente, uma vez que o mtodo proporcional ao objeto que se estuda, e que cada cincia tr

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    e seu prprio objeto.

    ESCARTES: Tens razo. Mas tendo em vista que Aristteles se revelara equivocado em tantutros pontos no que diz respeito s cincias, julguei possvel que ele se tivesse enganadospeito do mtodo tambm. Ou que, pelo menos, tivesse deixado algo escapar. evidente quetodos das cincias precisam variar de acordo com o objeto estudado, mas, entre todos esstodos, apenas um pouco diferentes uns dos outros, no haver algo em comum que n

    ermita cham ar a todos de mtodos cientficos? Se eu fosse capaz de isolar essa essnomum e formular seus princpios bsicos, teria feito com o mtodo cientfico aquilo q

    ristteles fez com os princpios da lgica: abstrair do especfico o universal, e do geralarticular.

    CRATES: Mas na verdade no justam ente isso o que faz todopensamento racional?

    ESCARTES: Sim, mas o meu objetivo no era apenas terico encontrar os princpios gero mtodo que fora utilizado com tamanho sucesso nas cincias mas tambm prtico: tenncontrado e formulado esses princpios gerais, eu os queria aplicar filosofia como ninguntes aplicara, permitindo a ela que fizesse o que nunca fizera, e que todas as outras cinciasstavam fazendo, isto , decidir as questes em definitivo, resolver as disputas controversas

    ma vez por todas, chegar a respostas inequvocas que satisfizessem a todas as dvidas razovecabando, dessa forma, com as tristes divises entre as diferentes escolas de pensamento.

    Vej a bem, no meu tempo os filsofos ainda estavam divididos pelas mesmssimasuestes que os dividiram no passado, fosse na Grcia, na poca em que viveste, fosse maisrde, em Roma, ou ainda durante a Cristandade medieval. Mas os cientistas j no estavam del forma divididos. Eles aprenderam a resolver as disputas incessantes que tiveram no passadoorque descobriram esta maravilhosa ferramenta para acabar com todas as discordncias: otodo cientfico. Assim, minha esperana era que, aplicando essa mesma ferramenta losofia, nela obtivesse os mesmos resultados. E isso seria de uma importncia muito maior, vi

    ue a filosofia a mais importante das cincias e trata da mais importante das questes. Mas am de utilizar a ferramenta, era preciso que, primeiro, eu a isolasse e definisse. Eis o propsitoo meu livro.

    CRATES: Tu o tornaste admiravelmente claro. Poderias agora explicar a diviso do livro eeis partes, em seis narrativas?

    ESCARTES: Sim. Eis como as resumi no prefcio: Na primeira parte se encontraro diveronsideraes relativas s cincias. Aqui eu descrevo como vim a descobrir o mtodo. Dou itor uma pequena autobiografia.

    Na segunda [parte], [esto] as principais regras do mtodo que o autor buscou. A buscue empreendi descrita na Primeira Parte, o tesouro que encontrei, na Segunda.

    Na terceira, [esto] algumas das regras da moral que [o autor] tirou desse m todo. Esa minha primeira aplicao do mtodo: moralidade, de forma bastante preliminar erovisria.

    Na quarta, [esto] as razes pelas quais o autor prova a existncia de Deus e da almaumana, que so os fundamentos de sua metafsica. Esta a m inha segunda aplicao dotodo: filosofia e teologia filosfica. Mais tarde expandi este breve captulo em um livroteiro, asMeditaes.

    Na quinta ... [esto as] questes de fsica que [o autor] buscou.... Esta a minha terceplicao do mtodo: s cincias fsicas, especialmente m edicina; novamente, de modo

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    astante introdutrio.

    Na ltima, algumas coisas que o autor julga necessrias para ir mais adiante na pesquia natureza. Neste captulo est o meu prognstico, previso ou profecia a respeito do tanto que h de realizar no futuro por esta maravilhosa ferramenta.

    CRATES: Quo perfeitamente claro e ordenado me parece! Comecemos, portanto, a exploste livro extraordinrio.

    ESCARTES: Por onde queres comear?

    CRATES: Ora, pelo comeo, claro.

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    O Princpio

    CRATES: Ns, os gregos de outrora, tnhamos um ditado: Comear bem ter feitoetade. Significa que o momento crucial de qualquer empreendimento o seu comeo.

    elho Arquimedes dizia, Dai-me uma alavanca suficientemente grande e um ponto em qpoi-la, e eu levantarei o mundo. Precisamos ento, em primeiro lugar, examinuidadosamente o teu ponto arquimdico, aquele em que se apia todo o restante do que irzer.

    ESCARTES: Tal ponto de fato existe, Scrates. Em certo sentido, ele todo o sentido inha filosofia: uma nova fundao, uma certeza slida em que apoiar todo o pensamen

    ubseqente. Tal o meu cogito ergo sum, Penso, logo existo. Esta a primeira afirmao

    eu sistema filosfico. No entanto, s na Quarta Parte do Discurso do Mtodo que fao usumo deste sistema.

    CRATES: Ento h outro ponto de partida, ponto arquimdico ou princpio anterior a esse.

    ESCARTES: Sim.

    CRATES: E, se o teu livro reflete o teu pensam ento, o incio do teu pensamento encontrar-seo incio do teu livro, no assim?

    ESCARTES: isso mesmo.

    CRATES: Precisamos ento examinar muito cuidadosam ente o seu primeiro pargrafo.ESCARTES: Sim. Pois ele fala da razo, que a ferramenta com que realizamos todo o nosciocnio, seja em filosofia, seja nas outras cincias. Acredito que, antes de construirmos noss

    difcios, devemos examinar as ferramentas de que dispomos. Isso verdade tanto paraabalho mental quanto o para o trabalho braal.

    Mas como posso conseguir outra cpia do meu livro, para que eu o possa ler tambm?nde conseguiste essa que tens a? Oh! uma cpia apareceu em minhas mos to logo a

    oncebi em pensamento e a desejei! assim que as coisas acontecem por aqui?

    CRATES: No, no todas, somente aquelas que precisam acontecer assim.

    ESCARTES: Eu queria saber...

    CRATES: Sim, querias. Confisso aceita; eis aqui a penitncia: deves concentrar-te no assunm questo, isto , no teu antigo livro, e no no teu novo mundo.

    ESCARTES: No h tempo bastante para isso?

    CRATES: H tempo bastante para tudo aqui. No entanto, aqui ele medido em momenresentes, os quais, por sua vez, so medidos, no pelo movimento de corpos materiais, comol e a lua, mas por tarefas delegadas. O momento em que estamos o agora de que foscumbido. E este agora hora de investigar o teu livro, no de satisfazer tua curiosidade.

    ESCARTES: Eu aceito a penitncia. Investiguemos, portanto, a minha primeira sentena.

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    CRATES: Aqui est: O bom senso a coisa do mundo mais bem partilhada. Eis aqui o tonto arquimdico: o bom senso igual para todos. isso mesmo?

    ESCARTES: Sim. E este de fato um novo ponto de partida para a filosofia, comoem ocracia para a Poltica, visto que iguala o que antes se pensava ser hierrquico e desiguto , algo de que uns poucos tm muito, e muitos tm pouco. Este , portanto, um novo comema nova raiz ou radix, e, por esse motivo, verdadeiramente radical.

    CRATES: E essa coisa que, segundo teu novo ponto de partida, igual para todos, tu

    enominas bom senso?ESCARTES: Sim.

    CRATES: E o que queres dizer com bom senso?

    ESCARTES: Ofereo algumas expresses equivalentes. Uma delas seria simplesmente senomum, pois afirmo que o bom senso comum a todos os homens. Outro sinnimo apareuas frases depois: o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso. E, ainda esma frase, eu ofereo mais um sinnimo: razo.

    CRATES: Admiravelmente claro! Logo, a tua primeira declarao, que a raiz ou radix

    ponto arquimdico ou princpio de tua novssima filosofia que a razo igual em todosomens.

    ESCARTES: Sim. Eu democratizei a razo.

    CRATES: Nenhum comeo deveria passar sem questionamento, no concordas?

    ESCARTES: Concordo.

    CRATES: Ainda mais um comeo to radical quanto este.

    ESCARTES: De fato.

    CRATES: Devemos, portanto, examinar as razes que tens para creres na veracidade deovo comeo.

    ESCARTES: Tu as encontrars no restante do primeiro pargrafo.

    CRATES: Ento devemos examinar esse pargrafo com o maior cuidado, pois ele o fulcobre o qual repousa a prpria alavanca da filosofia moderna. Com ele seremos capazes alavancar todo o resto. o princpio do princpio do princpio. Contigo, a quem chamaram a filosofia moderna, a filosofia comea de novo. E tu comeas com este livro, o qual, por sez, comea com este pargrafo.

    Dize-me ento como justificas este novo comeo?

    ESCARTES: Eu o apresentei em trs passos claros e distintos. (1) primeiro, fiz mineclarao fundamental de que a razo igual para todos os homens. (2) Em seguida, dei a razara crerm os nisso. (3) Por ltimo, extra a sua conseqncia ou corolrio. Estas so as toisas que afirmo no primeiro pargrafo.

    CRATES: Tu o poderias ler, por favor?

    ESCARTES:

    (DM 1, par.1)

    (1) O bom senso a coisa do mundo mais bem partilhada, (2) pois cada um penestar to bem provido dele, que mesmo os mais difceis de contentar em qualqu

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    outra coisa no costumam desejar t-lo mais do que o tm. No verossmil que todse enganem nesse ponto: antes, isso mostra que a capacidade de bem julgardistinguir o verdadeiro do falso, que propriamente o que se chama o bom senso ourazo, naturalmente igual em todos os homens; (3) e, assim, que a diversidade nossas opinies no se deve a uns serem mais racionais que os outros, mas apenaque conduzimos nossos pensamentos por vias diversas e no consideramos as mesmcoisas. Pois no basta ter o esprito bom, o principal aplic-lo bem. As maioalmas so capazes dos maiores vcios, assim como das maiores virtudes; e os q

    andam muito lentamente podem avanar muito mais se seguirem sempre o cam inreto, ao contrrio dos que correm e dele se afastam.

    (Le bon sens est la chose du monde la mieux partage; car chacun pense en tre si bpourvu, que ceux mme qui sont les plus difficiles contenter en toute autre chose npoint coutume den dsirer plus quils en ont. En quoi il nest pas vraisemblable qtous se trompent: mais plutt cela tmoigne que la puissance de bien juger et distingule vrai davec le faux, qui est proprement ce quon nomme le bon sens ou la raison, naturellement gale en tous les hommes; et ainsi que la diversit de nos opinions vient pas de ce que les uns sont plus raisonnables que les autres, mais seulement de que nous conduisons nos penses par diverses voies, et ne considrons pas les mmchoses. Car ce nest pas assez davoir lesprit bon, mais le principal est de lappliqubien. Les plus grandes mes sont capables des plus grands vices aussi bien que des p

    grandes vertus; et ceux qui ne marchent que fort lentement peuvent avancer beaucodavantage, sils suivent toujours le droit chemin, que ne font ceux qui courent et q

    sen loignent.)

    CRATES: Dessas trs afirmaes, (1) aquela que fazes acerca da razo, (2) as premissaartir das quais tu a deduziste, (3) o corolrio que dela se extrai, qual das trs, no

    ntendimento, a mais importante?ESCARTES: O corolrio, sem dvida. Pois se a diversidade de opinies nasce, no ferenas inatas na razo, mas to somente do uso de diferentes mtodos, ento o uso dtodo permitiria humanidade, pela primeira vez na histria, superar aquelas entranhadferenas de crena e opinio que, em todas as pocas e lugares, foram causa de guerr

    obretudo de guerras religiosas. Ningum antes pensou que isso fosse possvel. Mas agoraoena curvel porque a sua causa foi diagnosticada corretamente.

    CRATES: Compreendo. O teu mtodo poderia trazer enormes conseqncias para o mundo

    ESCARTES: Realmente. claro que no ousei diz-lo com todas as letras no livro. No mmpo, os poderes constitudos tem iam qualquer m udana radical, ainda que fosse para melhor

    CRATES: Tu afirmas que as diferenas de opinio nosurgem de diferenas inatas na razferenas estas que no se poderiam jamais mudar ou superar, mas surgem to somente ferenas de m todo, o qual sepodemudar. isso mesmo? isso tudo o que precisamos fazsar o mesmo m todo?

    ESCARTES: Eu menciono dois aspectos do mtodo cientfico: o fato de conduzirmos nosensamentos por vias diversas (voies), com isto quero dizer, essencialmente, mtodosdiversos

    fato de no considerarmos (considerons) as mesmas coisas, isto , no consideramos esmos dados.Mas podemos compartilhar os dados de que dispomos uns com os outros, com

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    zem os bons cientistas; e podemos todos concordar em usar o mesmo mtodo, isto , omtomtodo cientfico, como tambm fazem os bons cientistas. E, uma vez tendo feito essas du

    oisas, teremos superado as duas fontes do desentendimento, sendo todos por fim conduzidoesma verdade. No possvel compartilhar ou trocar as nossas diferenas inatas; assim, s

    azo for, desde o nascimento, diferente em cada indivduo, no haver esperana ntendimento. Mas se, e somente se, a razo for igual para todos, poderemos ter a esperana nalmente alcanar na filosofia aquela espcie de concordncia universal que se alcanou nutras cincias.

    CRATES: Estou impressionado com a simplicidade, clareza e obviedade da tua idia, beomo com a sua abrangncia e poder, com a capacidade que tem de, por assim dizer, sacudiundo.

    ESCARTES: Muito obrigado, Scrates. Fico profundamente grato por teres aprovado mindia; eu, que sempre me considerei teu discpulo e admirador, agora te vejo retribuir mindmirao! Sabia que poderia contar contigo como aliado na guerra contra a irracionalidade.

    CRATES: No to depressa, Ren. Eu disse que estava impressionado pela simplicidade da dia e pelo seu poder. Mas nada afirmei at agora acerca de sua veracidade.

    ESCARTES: Julgas que falsa?CRATES: No, como poderia saber antes de examin-la?

    ESCARTES: Ah. claro. Bem, vamos examin-la, ento. Estamos aqui para investigar o livteiro, no estamos?

    CRATES: Sim, m as um argumento de cada vez. E primeiro as coisas primeiras. Examinemortanto, o teu primeiro argumento, o teu ponto arquimdico, aquele que diz ser a razo igara todos: ser isso verdade, ou no?

    Tu ofereces dois argumentos a favor de sua veracidade. Eis o primeiro:

    (DM 1, par. 1)

    O bom senso a coisa do mundo mais bem partilhada: pois cada um pensa estar tbem provido dele, que mesmo os mais difceis de contentar em qualquer outra cono costumam desejar t-lo mais do que o tm. [E] no verossmil que todos enganem nesse ponto: antes, isso mostra que [...] a razo, naturalmente igual etodos os homens.

    Posso colocar o argumento em forma silogstica?

    ESCARTES: Pois no. Afinal, tu s o inventor do silogismo!CRATES: A concluso que a razo igual em todos os homens.

    A premissa explcita que todos crempossu-la suficientemente.

    Percebes qual a prem issa implcita que deves pressupor a fim de provares a concluso?

    ESCARTES: Certamente que aquilo em que todos os homens, por natureza, crem verdad

    CRATES: Pois bem, e essasuposio, por sua vez, por que seria verdade?

    ESCARTES: Porque se deve confiar na razo humana. justamente porque os homens

    ossuem todos na mesma medida que podem os confiar no seu testemunho quando todoncordam a respeito de alguma coisa. Tu percebes, por certo, a consistncia da min

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    rgumentao.

    CRATES: Ah, mas eu diria circularidade em vez de consistncia. Tu declaras que tods homens so igualmente sbios, ou racionais, porque crem s-lo; e declaras tambm que a srena de que so sbios verdadeira porque so todos igualmente sbios. Parece, desdrincpio, um argumento circular: um argumento circular para o teu princpio, para o teu porquimdico. No parece um comeo muito auspicioso para uma nova filosofia cuja ambier m ais crtica e mais cientfica do que todas as anteriores!

    ESCARTES: , Scrates, eu no sou to desconhecedor assim da lgica! Tu interpretas maeu objetivo nessa frase, na primeira razo que dou para o meu ponto arquimdico: noara ser umaprova, um argumento demonstrativo. Eu a proponho to somente comopista. Nm raciocnio do tipo que Aristteles e os lgicos escolsticos denominavam uma demonstraerfeita, o qual, partindo das causas, vai at os efeitos; mas ao contrrio, partindo do eferossegue em direo s causas, como da impresso digital se vai ao dedo. Ele aponta, indireciona a ateno para aquilo que lhe causa. Se a minha declarao inicial verdadeira se

    erdade que a razo igual para todos ento h certas conseqncias, a comear pelo fato s homens estarem todos satisfeitos com o tanto que lhes coube de razo, da mesma forma qsto todos satisfeitos com o tanto que lhes coube de olhos e de ouvidos.

    CRATES: Agora compreendo a tua lgica. Mas no a tua psicologia.

    ESCARTES: Que queres dizer?

    CRATES: Tu dizes que os homens esto todos satisfeitos com o tanto de razo que lhes coubcho notvel que tenhas tomado a satisfao consigo prprio como sinal desabedoria. Tu, que

    onsideras meu discpulo! Eu a tomei como um sinal de tolice. Foi assim que interpretei o enigmo orculo de Delfos, que dizia no haver no mundo ningum mais sbio do que eu. Foi por caua minha insatisfaocom minha prpria sabedoria sabedoria esta que eu julgava ser zeroue fui considerado mais sbio do que aqueles que, possuindo tanta sabedoria quanto eu, estavao entanto, satisfeitos com ela. E agora supes que eles que tm razo e so sbios, ao invs zeres que so tolos e esto equivocados.

    ESCARTES: Quando afirmei isso?

    CRATES: Quando disseste: no verossmil que todos se enganem nesse ponto.

    ESCARTES: Ah.

    CRATES: E eis aqui o que parece ser outra ironia. No, pior que uma ironia, um paradoxo, pior que um paradoxo, uma contradio.

    ESCARTES: Eu pensei ter tomado o cuidado de sempre seguir a boa lgica e eviontradies. O que ?

    CRATES: Tu foste, provavelmente, o homem mais inteligente do mundo no teu tempo, noste?

    ESCARTES: Visto que aqui a falsa modstia no prevalece sobre a sinceridade, deconhecer que sim.

    CRATES: E no foste tu o primeiro a criar esta nova filosofia?

    ESCARTES: Sim.

    CRATES: E esta filosofia, no ela baseada nas prem issas que expuseste no incio do primeargrafo?

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    ESCARTES: Sim.

    CRATES: E no diz uma dessas premissas que nenhum homem mais ou menos inteligeno que outro?

    ESCARTES: Ah.

    CRATES: Tua brilhante e original filosofia,uma filosofia que ningum fora capaz de crntes de ti, repousa sobre a premissa de que nenhum homem pode ser m ais genial do que o out

    ESCARTES: Talvez seja preciso genialidade para descobrir que a genialidade comum a tod

    s homens. Eu democratizei a razo, e isso foi radicalmente novo.CRATES: E o que dizer ento dos homens do passado? Ao democratizar a razo, por qnoraste a democracia dos mortos?

    ESCARTES: A democracia dos mortos?

    CRATES: A tradio. Se pretendias estender a franquia a todos os homens, porque exclusteortos, que so a grande m aioria deles?

    ESCARTES: Eu fui sem dvida um progressista, e no um conservador, mas isso noontradio, mesmo que seja um erro. Por que j ulgas haver contradio?

    CRATES: Porque comeas redefinindo a razo como igual para todos os homens, mas a trpria redefinio igualitria da razo um ato de elitismo! Pois a maioria dos homens discorela.

    ESCARTES: Tua argumentao muito inteligente, Scrates. Mas a minha resposta mumples.

    CRATES: Estou esperando.

    ESCARTES: Eu no me contradigo nesse ponto porque eu no me declaro elitista, nem mbio do que qualquer um. Na verdade, digo o seguinte:

    (DM 1, par.2)

    Quanto a mim, nunca presumi que meu esprito fosse em nada mais perfeito que oscomum; inclusive desejei seguidamente ter o pensamento to rpido, ou a imaginato ntida e distinta, ou a memria to ampla, ou to presente, como de alguns outros

    CRATES: Ah, mas a ests tu de novo a te contradizer! Pois agora dizes que tua menteferiora dos outros, ou seja, que a deles superior a tua; logo, que estavas errado ao afirmar qdas so iguais.

    ESCARTES: Isso no passa de um sofisma inteligente, Scrates.

    CRATES: Prova-me que no passa de um sofisma. Responde minha acusao de queontradizes.

    ESCARTES: No h contradio alguma. Tu no foste capaz de m ostrar uma nica contradigica entre duas frases quaisquer do meu livro.

    CRATES: A contradio no entre duas coisas que disseste, mas entre o que dizes e o aesmo de diz-lo. Se, como afirmas, no s superior aos outros, por que ages como se o fossnorando-os, sobretudo aos antigos, cuja sabedoria foi testada e peneirada pelo tempo? Por q

    nventares um comeo inteiramente novo para a filosofia, um tipo radicalmente novo losofia?

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    ESCARTES: Ainda que me contradiga, o prprio livro no se contradiz, se te limitares a j ulgavro em vez do seu autor.

    CRATES: Mesmo assim, ainda no temos razo suficiente para acreditar na tua primease, no teu ponto arquimdico. Ainda falta um cho em que assentar o fulcro de tua imenavanca.

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    A Filosofia uma Cincia?

    ESCARTES: Scrates, devo ser sincero: estou profundamente desapontado contigo. Tens uonte de refutaes inteligentes; soas, no entanto, mais como sofista do que cientista.

    CRATES: No sou nem sofista nem cientista: sou filsofo.

    ESCARTES: Mas a filosofia uma cincia; logo, se s filsofo, s tambm cientista.

    CRATES: Pois bem, isso depende daquilo que entendemos por cincia. Dize-me, por favque tu entendes. Comecemos com alguns exemplos. A lgica, para ti, uma cincia?

    ESCARTES: Sim.

    CRATES: E o amor uma cincia?

    ESCARTES: No.

    CRATES: E o amor sabedoria um amor?

    ESCARTES: Sim, por definio.

    CRATES: E a filosofia am or sabedoria?

    ESCARTES: Sim, literalmente.

    CRATES: Ento a cincia da lgica acaba de provar que a filosofia no uma cincia.

    ESCARTES: Reconheo que o amor no uma cincia. O amor umje ne sais qua, um nei qu. Mas a sabedoria, certamente, uma cincia, pois o conhecimento ordenado drincpios primeiros; ou tu negas que ela o sej a?

    CRATES: No. Nunca neguei que asabedoriafosse uma cincia. Neguei que afilosofia foma cincia, visto que a filosofia no sabedoria, mas o amor sabedoria. E o amor sabedoertence ao gnero am or, e no ao gnero sabedoria. E o am or, por sua vez, no umncia, como tu mesmo reconheceste.

    ESCARTES: Ah, mas o amor sabedoria pertence ao gnero sabedoria tanto quanto nero amor, sendo, portanto, uma cincia, visto que a sabedoria uma cincia. No

    abedoria amar a sabedoria?CRATES: De fato . A sabedoria nos instrui a am-la. Mas o servo que instrudo no esma coisa que a senhora que o instrui. O amor sabedoria pertence ao gnero sabedorinto quanto o conhecimento de cavalos pertence ao gnero cavalo, ou o ato de escalar umontanha pertence ao gnero montanha. Conhecer algo sobre cavalos um conhecimen

    o um cavalo; e o amor pelos cavalos um amor, no um cavalo. Da mesma forma, o amoabedoria um amor, no uma sabedoria.

    ESCARTES: Scrates, suspeito que o que ests fazendo comigo no sej a nada socrtico...

    CRATES: Tu queres dizer isto de dar respostas curtas e diretas ao invs de fazer pergunngas e indiretas?

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    ESCARTES: Sim. Por que mudaste o teu mtodo?

    CRATES: Estava apenas medindo o vento ovelha tosquiada.

    ESCARTES: Suspeito que fui gentilmente insultado.

    CRATES: Gostarias que eu retornasse ao meu estilo puro?

    ESCARTES: No, a no ser quanto a isto: tu tambm tens sido pouco socrtico por estasando termos como sabedoria, cincia e razo sem insistires em defini-los.

    CRATES: Pelo co, verdade!Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa!Que mau deme enganou? Absolutamente indesculpvel! Bem, parece que o meu segredo foi revelado: stava brincando quando disse que isto aqui era o purgatrio para ti, mas o paraso para miois se fosse mesmo o paraso, eu jamais teria cometido tamanha tolice. No, isto aquiurgao e purificao para ns dois, e ambos haveremos de errar, expondo a todos nostupidez.

    ESCARTES: Se no podes vir a concordar que a sabedoria igual para todos, quem sabe assdmitas, pelo menos, que a estupidez o seja!

    CRATES: Ai de ns! Nem mesmo ela pode ser igual, visto que o oposto da sabedoria,

    orma que, quanto maior a tolice de um indivduo, tanto menor ser a sua sabedoria, e quanaior a sabedoria, tanto menor a tolice. Assim que, se uma desigual, a outra tambm o ser.

    ESCARTES: No concordas que em todos os homens h certa mistura de sabedoria e estupide

    CRATES: Sim, mas no na mesma proporo.

    ESCARTES: Penso que no h nenhuma discordncia real entre ns dois quanto a esse poncrates, pois o que quero dizer com este bom senso que igual para todos os homens no esma coisa que quiseste dizer com a sabedoria, que desigual. por isso que o adverti

    ue j est m ais do que na hora de definirmos nossos term os.

    CRATES: Temo que j passou, e muito, da hora. Pois bem, dizem que tolo aquele qprende com a experincia, ento que pelo menos este tolo aqui aprenda algo com ela. Definirossos termos o que vamos fazer!

    ESCARTES: Pensaste que o que eu quero dizer com bom senso o mesmo que queres dizom sabedoria?

    CRATES: Sim, pois pensei que j o tivesses definido como a capacidade de bem julgarstinguir o verdadeiro do falso, definio esta que eu pensara ter compreendido e com a q

    oncordara. Suponho que foi essa a razo por que no insisti, como tenho por costume, em umnga discusso preliminar acerca da definio do nosso termo-chave. Mas agora vejo q

    resumi erroneamente. Retrocedamos ento s vezes esta a nica estrada para o progressperguntemo-nos o que cada um quis dizer com a capacidade de bem julgar, e distinguir

    erdadeiro do falso.

    Quiseste dizer a capacidade de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso a respeitoo que quer que seja? A respeito, por exemplo, de como curar a lepra, de qual a cor dos olhos domero, de quantos planetas existem, do porqu de os homens bons sofrerem, de quantos seis

    xistem num m ilhar, de a guerra ser boa em alguns casos ou no, de existirem muitos deuses,penas um, ou nenhum? Afirmas que os homens possuem todos a m esma habilidade para j ulga

    ada uma dessas coisas?ESCARTES: claro que no. Pois somente aqueles que viram Homero so capazes de diz

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    ual a cor de seus olhos. Quanto s outras questes, no entanto, creio que todos os homeossuem a mesma capacidade inata de descobrir a verdade a seu respeito, contanto que lhejam fornecidas as ferramentas apropriadas e que disponham de tempo. Que me dizes quantoso?

    CRATES: Digo que todos os homens, de fato, possuem a mesma capacidade de encontraerdade; mas somente a respeito de algumas dessas questes, no a respeito de todas. Distinguie todas as outras a questo acerca da cor dos olhos de Homero acertadamente, creio eu pomente a experincia sensvel pode nos mostrar a verdade a, e somente os poucos homens qonheceram Homero tiveram essa experincia, de forma que, nesse caso, a maioria no ncontra em p de igualdade com a minoria. Contudo, no que diz respeito s outras questesapel que a experincia sensvel desempenha em respond-las no o mesmo, certo? s vesse papel inexistente, como na questo acerca dos nmeros. Em outras ocasies, a experinensvel um elemento necessrio, mas que precisa ser complementado pelo uso do clcuatemtico, como na questo acerca do nmero de planetas. s vezes, a experincia sensv

    recisa ser complementada por experimentos, como na questo acerca da cura da lepra. Outezes, ainda que se mostre necessria, a experincia sensvel precisa ser complementada pma experincia que est alm do sensvel, bem como pelo discernimento moral, como se

    as questes acerca do porqu de os homens bons sofrerem, e de a guerra ser boa ou no. Pm, a experincia sensvel precisa, em alguns casos, ser complementada pela desenvoltura dar com conceitos metafsicos abstratos, bem como pela facilidade em realizar raciocngicos bastante complexos, como se v na questo a respeito de existirem muitos deuses, um,

    enhum. Concordas?

    ESCARTES: Acho que sei o que ests tramando. Ao me interrogares sobre mtodo, questioninha declarao de que estou dando humanidade o mtodo para encontrar todas

    erdades, ao contrrio de Aristteles, que julgava necessrio existirem muitos mtodos diferenara conhecer os muitos tipos diferentes de verdade. Muito bem , um mtodo s pode ser testa

    a prtica. Se o que afirmo sobre o mtodo for verdade, ento ele funcionar; se no erdade, no funcionar. Assim, s possvel verificar a minha primeira afirmao aquela qst no prprio ttulo do meu livro, isto , a afirmao sobre o mtodo verificando a maneomo utilizei este mesmo mtodo no restante do livro. Faamos o teste agora mesmo, se nomportares.

    CRATES: Se esta a tua nica suposio, quer dizer, que o teu novo mtodo funcionar pdas as coisas, e se tal suposio sobre o mtodo s pode ser testada por meio das vr

    plicaes deste mesmo mtodo, ento vamos ao teste. Mas, e se houver uma segunuposio? E se esta suposio disser respeito teoria, e no prtica; verdade, ao invs de

    tilidade? Nesse caso, parece-me, ser preciso question-la, no concordas? O primeiro princpo teu m todo no j ustam ente questionar todos os pressupostos?

    ESCARTES: Sim. Que outra suposio essa, que tu dizes que fao?

    CRATES: Ora, a que trata daquilo mesmo que estivemos investigando durante todo esmpo! A respeito de a razo ser igual para todos os homens ou no. Foi por isso que enumedas aquelas maneiras diferentes de se conhecer a verdade a respeito da matemtica,

    uerra, da lepra pois elas parecem refutar esse teu pressuposto.

    ESCARTES: Percebo a estratgia da tua argumentao. Mas no vejo como esses exemp

    odem refutar o pressuposto de que a razo a mesm a para todos os homens. Poisquipamento mental necessrio para descobrir a verdade a respeito de qualquer um dess

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    ssuntos est presente em todos: experincia sensvel, habilidade matemtica, discernimenoral, experincia das relaes humanas, poder de abstrao essas coisas so comuns a tod

    s homens. As diferenas inatas so apenas diferenas de velocidade. isso que queremos dizu que deveramos querer dizer, quando falamos em graus maiores ou menores de intelignclguns homens levaro mais tempo para desenvolver essas capacidades inatas, enquanto outrrogrediro mais depressa; alguns empregaro maior fora de vontade na tarefa, enquautros sero mais preguiosos; uns, portanto, alcanaro a verdade mais depressa do que outrlguns podero at mesmo necessitar de cirurgia para corrigir danos fsicos ao crebro. M

    dos podem alcanar a verdade, pois todos possuem os poderes naturais necessrios para tantodos os possuem porque esses poderes naturais fazem parte da natureza e da essncia humana natureza humana est presente em todos os seres humanos, e no apenas em alguns. Essa

    ma lei da lgica: a essncia est presente em todos os membros da espcie, enquanto cidentes o esto em alguns membros somente. Para falar em termos polticos, a essnciaualitria ao invs de elitista; somente os acidentes so elitistas. E a razo a essncia huma

    u parte dela. Por isso, a razo igualitria. E esta a minha provadaquilo que denominas cominha segunda pressuposio:

    (DM 1, par. 2)

    Pois quanto razo, ou ao senso, na medida em que a nica coisa que nos homens e nos distingue dos animais, quero crer que ela est por inteiro em cada umnisso sigo a opinio comum dos filsofos que dizem que h mais e menos apenas enos acidentes, e no entre asformas, ou naturezas, dos indivduos de uma mesmespcie.

    Logo, assim como os tringulos, sendo todos igualmente triangulares, so todos composte trs lados, da mesma forma os homens, sendo todos igualmente humanos, so todos raciona

    CRATES: A lgica da tua argumentao impecvel.ESCARTES: Podemos prosseguir ao restante do livro, ento?

    CRATES: No antes de aplicarmos mais um testezinho ainda tua hiptese, se me permitire

    ESCARTES: Que outro teste ainda requeres, se a argumentao perfeita?

    CRATES: O teste da experincia. Ser que ela corresponde tua concluso? Ser qncontraremos na vida real aquilo que o teu raciocnio prediz?

    ESCARTES: Tu podes ver que sim. Pois evidente que os princpios do raciocnio sonhecidos por todos. No h uma lgica grega e outra francesa, nem uma lgi

    asculina e outra feminina. H simplesmente lgica. Se todo A B, e todo B C; logo, to necessariamente C, seja na Grcia ou na Frana, seja homem ou mulher, sejam A, B e

    nimais, conceitos, deuses ou substncias qumicas.

    CRATES: Sim, mas o raciocnio lgico apenas uma parte daquilo que ns antigntendamos por razo.

    ESCARTES: Sem dvida precisamos definir os nossos term os.

    CRATES: justamente isso o que estamos fazendo. Estudaste a filosofia de Aristteles, nstudaste?

    ESCARTES: Sim. E eu o superei e corrigi alguns de seus erros...

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    CRATES: E a lgica de Aristteles? Tu a estudaste?

    ESCARTES: claro.

    CRATES: Alegas ter corrigido algum erro seu no que se refere Lgica? Tu por acaventaste uma nova Lgica?

    ESCARTES: No. No h outra Lgica, assim como no h outra Geometria alm da uclides.

    CRATES: timo. Mas na verdade houtra geometria, uma geometria que nega o axioma

    uclides a respeito das linhas paralelas. Ela foi inventada por um russo, chamado Lobaschevskns trezentos anos aps a tua morte, e funciona muito bem. Contudo, impossvel haver umgica que negue os axiomas de no-contradio e identidade...

    ESCARTES: Por favor, conte-me mais a respeito desse tal Lobaschevsky!

    CRATES: Amanh, talvez. Uma coisa de cada vez, por favor, um dia de cada vez, e um live cada vez. Pois bem, te recordas que, na lgica, Aristteles distingue entre os trs atos ente que compem a razo, elevando a m ente humana acima da dos animais?

    ESCARTES: Claro. Isso elementar.

    CRATES: Lembras de quais so os trs atos da mente?

    ESCARTES: claro. So eles: compreender o significado de um conceito, julgar a verdade ma proposio que une dois conceitos (um deles sujeito e o outro, predicado), raciocinar quanverdade de uma concluso partindo da aceitao de certas premissas. O primeiro e o terceos da mente so meios de se chegar verdade, que se encontra to somente no segundo ato ente, isto , no juzo. Tanto definir termos quanto raciocinar so meios de se chegar verdad

    o passo que somente asproposies que podem ser verdadeiras ou falsas. Os termos ou saros ou no so, enquanto os argumentos ou so vlidos, ou so falaciosos.

    CRATES: Exato. Mas, quando tu falas da razo, somente ao terceiro ato da mente, lvez ao segundo e ao terceiro combinados, mas no ao primeiro, que te referes. Talvez

    ompreenso no seja a mesma em todos os homens, ainda que a capacidade de julgaraciocinar o sejam.

    ESCARTES: Na verdade, a terminologia dos trs atos da mente vem dos filsoscolsticos medievais, no de Aristteles.

    CRATES: Mas a distino entre os trs atos foi feita por Aristteles, no foi? ainda queormulao sej a diferente.

    ESCARTES: Sim, mas a formulao importante, visto como a prpria terminologia pode,ezes, servir de impedimento ao progresso. Considera, por exemplo, a terminologia de Aristteferente s quatro causas. As distines que ele faz so vlidas, mas elas atrasaram

    rogresso das cincias por sculos, ao insistir que a causa final, ou o propsito de alguma coira a causa das causas e a sua explicao suprema. A cincia saiu caa de causas finaincontrou somente o incerto, o questionvel, o subjetivo. Somente a partir do momento em qa ps de lado essas categorias e modificou a sua terminologia, que comeou a progredir. Nmo Aristteles como autoridade, seja em cincia, seja em filosofia. Pois a filosofia po

    esencaminhar a cincia. E, de mais a mais, no que diz respeito filosofia, eu sempre preflato a Aristteles, como pensei que fizesses tam bm.

    CRATES: Ento vamos usar as categorias de Plato. Tu te recordas da linha dividida

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    nal do livro VI da Repblica?

    ESCARTES: Certamente. Por que a mencionas?

    CRATES: Porque, para Plato, ela era o mapa dos nveis de conhecimento e educao, qe depois retratou dramaticamente na parbola da fuga da caverna da ignorncia para a luz

    erteza, no comeo do Livro VII.

    ESCARTES: A imagem mais notvel da histria da filosofia! E com a qual me identifiessoalmente, por ter realizado eu m esm o a fuga da caverna a travs do meu mtodo.

    CRATES: E tu te lembras de como Plato, em seguida, detalha esses quatro estgios ducao no restante do Livro VII, estabelecendo o currculo de sua Academia, currculo eue permaneceu por dois mil anos, e que foi o mapa da tua prpria educao?

    ESCARTES: claro.

    CRATES: Podes me dizer, em linguagem clara e direta, como compreendes esses quastgios?

    ESCARTES: Comeamos sem duvidar de nada, aceitando todas as aparncias comerdadeiras, todas as imagens, figuras e opinies sobre as coisas, sem questionar essas image

    uerendo saber imagens de que coisas elas so. Tu vs, o primeiro passo do meu mtodovida, precisam ente o primeiro passo da educao tal como Plato a entendia: a exigncia scender um degrau acima na escada, de questionar as sombras no muro da caverna, uestionar toda a autoridade, toda a tradio e as opinies estabelecidas, que exatamente o q mesmo fizeste, Scrates, em cada um dos teus dilogos.

    CRATES: verdade, e por isso que continuo a faz-lo at hoje, e desta vez contigo.

    ESCARTES: Oh. Quer dizer que questionas a importncia de questionar? Pes em dvidaalor da dvida, que a primeira regra do meu mtodo?

    CRATES: No, isso seria ir rpido demais. Ns ainda no estamos investigando as quagras do teu mtodo, pois ainda no avanamos o suficiente na leitura do teu livro. Por enquan estamos investigando aquilo que entendes por razo. O primeiro nvel da linha dividida lato representa o primeiro nvel da razo, e tambm o mais baixo. Confiar em imagens, sejaas fsicas ou mentais, confiar em figuras e confiar na opinio convencional, isto , confiar

    utoridade da tradio no assim que todos comeamos a aprender quando crianodemos, mais tarde, questionar a tradio e as opinies, mas como poderamos faz-lo, seue primeiro as tivssemos absorvido? Eu mesmo, sempre iniciei meus dilogos perguntando autros pelas suas opinies, e somente depois disso comeava a question-las. Como podegum avanar ao segundo estgio da linha sem ter comeado pelo primeiro?

    ESCARTES: Tu queres dizer que mesmo a crena ingnua nas imagens, mesmo as sombrasuro da caverna, fazem parte da razo?

    CRATES: isso mesmo.

    ESCARTES: Mas a no h distino entre os homens e os animais, pois estes tambm creas aparncias, vivendo em funo delas. No compreendo como podes chamar isso de razo

    CRATES: muito simples: quando ns antigos definimos o homem como o animal racionanclumos no termo razo todas aquelas faculdades que encontrvamos na experincia e q

    stinguiam os homens dos animais, mesmo coisas to pouco rigorosas quanto a conscin

    oral, ou capacidade de distinguir entre o bem e o mal; a sensibilidade esttica, ou percepntuitiva da beleza e da feira; tambm a capacidade de ler as faces e os coraes humanos

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    orma intuitiva; e mesmo a conscincia do sagrado, de algo a que se deve adorao, de algumspcie de deus ou deuses. Todas essas coisas no passam de aparncias imediatas, ainda qo sejam aparnciassensveis.Na verdade, so aparncias imediatas para a nossa razo.

    ESCARTES: Compreendo o que queres dizer. Mas, e o segundo nvel da linha, a experincensvel dos entes fsicos reais no mundo, como difere da experincia dos animais?

    CRATES: Por distinguir-se do primeiro nvel, isto , por separar a realidade das aparnciuestionamos as aparncias e as testamos. No nvel sensorial, testamos as figuras e as image

    ravs da experincia sensvel direta das coisas que as produziram, ou seja, tendo visto ombras, ns nos perguntamos pelas coisas reais que as causaram. assim que comeamoossa educao. Os habitantes da caverna olham em volta de si, procurando encontrar os objeue projetam as sombras. S fazem isso porque, espantados, interrogam a si mesmos. Elesrnam filsofos (A filosofia comea com o espanto). Passam a buscar a verdade to somen

    orque desejam v-la. Os animais no fazem isso. Os animais no se tornam filsofos.uriosidade deles apenas uma curiosidade prtica.

    ESCARTES: Compreendo. Dessa forma temos uma interpretao dinmica da linha dividide Plato, ao invs de uma interpretao esttica: no so tanto os nveis em si mesmos, mas

    ovimento ascendente de um para outro o que constitui a razo.CRATES: Exatamente. Logo, a razo abrange os quatro nveis. O estudante sobe rimeiro nvel, isto , desde as imagens das coisas, at o segundo nvel, o das coisas emesmas, e da para o terceiro, isto , das coisas em si mesmas para as leis e princpios que

    xplicam. E estes princpios so os princpios da matemtica e da lgica, especialmente rincpios que governam o tipo de raciocnio que vai das premissas at a concluso, das hiptes conseqncias, do se ao ento. E isto, creio, o que tu queres dizer quando falas razo que a m esma em todos os homens: ela o terceiro nvel da linha de Plato.

    ESCARTES: Sim. por isso que eu disse que no existe uma lgica grega e outra france

    xiste apenas a Lgica.CRATES: E nisso ests absolutamente certo. Portanto, o moderno mtodo cientfico, qudaste a formular, , em essncia, a combinao destes dois nveis da linha de Plato

    xperincia sensvel do segundo nvel e a medio matemtica, juntamente com o raciocngico, do terceiro.

    ESCARTES: Eu diria, antes, que so dois movimentos, duas exigncias: primeiro, a exigncia m movimento que v do primeiro ao segundo nvel, ou seja, a necessidade de verificarmquelas aparncias, impresses e opinies do primeiro nvel por meio da experincia sensvel

    egundo nvel e, em segundo lugar, a exigncia de um movimento que v do segundo ao tercevel, ou seja, a necessidade de julgarmos a experincia sensvel dos entes fsicos no segunvel por meio dos princpios e das leis da lgica e da matemtica do terceiro nvel. Franacon enfatizou o primeiro desses dois movimentos, ou seja, a parte emprica do mtoentfico. Eu enfatizei o segundo, ou seja, o elemento matemtico.

    Creio que o velho Pitgoras tinha razo ao dizer que a matemtica a linguagem daatureza, de m odo que a m edio matemtica, os princpios matem ticos e o raciocnioatemtico constituem a chave da certeza em todas as cincias fsicas.

    CRATES: Creio que isso o que Plato quis dizer com o smbolo do fogo dentro da caverna

    ogo a luz da caverna, a luz que ilumina o mundo fsico. Mas ela to somente a luz do munsico, e no a luz do mundo superior, do mundo que est fora da caverna. Assim, no vejo com

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    teu mtodo matemtico possa ser um mtodo universal. Podemos fazer medies quantitativas coisas fsicas, mas no das coisas espirituais. No possvel medir Deus ou a alma com umta mtrica.

    ESCARTES: Mas ainda podemos usar o mtodo do raciocnio matemtico, obtendo, assierteza, e superando as divergncias de opinio que tm assolado a filosofia desde os serimrdios.

    CRATES: Crs que ser possvel utiliz-lo depois que tivermos atingido o quarto nvel

    inha? Crs ser possvel usar o raciocnio lgico-matemtico para conhecer e julgar ssncias das coisas?

    ESCARTES: Sem dvida. Tu mesmo o fizeste ou foi talvez Plato? quando raciocinaste conto acerto a respeito da j ustia, naRepblica.

    CRATES: No Livro I, sim. Mas lembra-te do que acontece no final: fiquei insatisfeito comnvestigao precisamente por no ter alcanado o quarto nvel: a compreenso da Formssencial da Justia.

    ESCARTES: Talvez tenha sido esse o motivo de Plato no ter descoberto o mtodo cientfic

    e tentou fazer coisas demais, quis incluir coisas demais na razo. Como disseste, Scratesrazo, tanto no teu entendimento, como no de Plato, bem como no entendimento da maioos filsofos antigos, abrangia todos os quatro nveis da linha. Ao excluir os nveis superioferior da linha de Plato, e ao combinar os dois restantes, ns, modernos, criamos o mtoentfico.

    como agrupar soldados que estivessem dispersos pelo campo de batalha, dispondo-osm uma falange densa e compacta, de modo que, em sua estreiteza, obtenham maior sucesso que em sua am plitude. Ou ento como um refletor que, concentrando a luz de palco em unico ator, concentrasse nele, dessa forma, toda a a teno da platia (por exemplo, enquanto

    amlet recita o solilquio Ser ou no ser, eis a questo) em vez de iluminar o palco inteiro aoesmo tempo com intensidade reduzida. Esse m todo de estreitar a razo obteve sucessootvel em todas as cincias.

    CRATES: Sim, realmente. Mas obter o mesmo sucesso quando aplicado filosofia? Ser o ser cientfico em filosofia, eis a questo.

    ESCARTES: Eu respondo: ser. Por isso que escrevi meu livro. Acho que o teu querido meslato estava errado ao julgar que cada um dos nveis da sua linha exigia um tipo ensamento e um mtodo diferentes.

    CRATES: Plato chegou a essa concluso depois de muita experincia. A tua conclusontrria a dele, parece ser uma hiptese a priori.ESCARTES: Ela no nem uma coisa, nem outra. uma hiptese a ser testada. E o meu livo teste.

    CRATES: Ento se faz necessrio testar o teste.

    ESCARTES: J estava na hora! Por que costumas falar durante tanto tempo sobre alguma contes de faz-la?

    CRATES: Talvez por eu ser como Hamlet. Ou, talvez, por eu ser demasiado pacientempaciente com a impacincia, por assim dizer. Ou, quem sabe, por no nos faltar tempo, aqu, o que mais provvel, porque desejo que nos tornemos muito mais claros e cuidadosos

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    ensar do que somos comumente.

    ESCARTES: Em outras palavras, por concordares com a exigncia fundamental do mtodo. Acho que somos muito parecidos um com o outro, Scrates. Que achas?

    CRATES: Acho que no h razo para irmos to depressa. Quem sabe. Ao fim, veremos.

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    eves te sentir, e com razo, extremamente satisfeito com tamanha humildade!

    ESCARTES: Lamento que no creias em minha humildade.

    CRATES: Ah, eu creio na crenaque tens em tua prpria humildade.

    ESCARTES: Mas no prximo pargrafo eu mostro o quo humildes so de fato as minhretenses:

    (DM 1, par. 5)

    Assim meu propsito no ensinar aqui o mtodo que cada um deve seguir para beconduzir sua razo, mas apenas mostrar de que maneira procurei conduzir a m inha.

    CRATES: Falaste realmente a srio isso a?

    ESCARTES: Acho que sim (parece que no consigo mentir neste lugar!). Foi por isto que detulo deMeditaes ao meu livro mais extenso. Por ser uma srie de meditaes xperimentos mentais a serem feitos somente por indivduos em particular, cada um a smpo, na privacidade de seus prprios pensamentos.

    CRATES: Mas como esses experimentos podem ser cientficos, se so to pessoais?

    ESCARTES: Porque a cincia tambm um empreendimento individual, ainda que, claro,entistas compartilhem os resultados de seus experimentos, convidando outros indivduosproduzi-los. Foi exatamente isso o que fiz, no laboratrio de minha prpria mente.

    CRATES: Mas a cincia busca verdades objetivas, universais e impessoais.

    ESCARTES: De fato; e a filosofia tambm. O ato de buscar, no entanto, subjetivo, individuaessoal.

    CRATES: verdade. Ento quando escreves: assim meu propsito no ensinar aquitodo que cada um deve seguir para bem conduzir sua razo, tu queres dizer isso mesmo?

    ESCARTES: claro.

    CRATES: Porm, quando acrescentas, mas apenas mostrar de que maneira conduziinha, no isso o que queres dizer.

    ESCARTES: Por que o dizes?

    CRATES: Respondo a essa pergunta fazendo-te outra: tu escreveste para leitor nenhum, paguns, ou para todos?

    ESCARTES: Para alguns: para todos aqueles que desejam filosofar.

    CRATES: E esses leitores, so todos convidados a repetir o teu experimento mental?ESCARTES: Sim.

    CRATES: E o que julgas haver de novo nesse teu experimento mental? Os leitores, qroveito tiram dos teus pensamentos, que no poderiam conseguir de outros, em especial dlsofos do passado?

    ESCARTES: Certeza, e concordncia universal: o fim das diferenas de opinio.

    CRATES: Esses fins, tu os considera desejveis?

    ESCARTES: Certamente.

    CRATES: E todos ns os desejamos?

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    ESCARTES: Sim.

    CRATES: E porque os teus leitores ho de obter esses fins universalmente desejados atrava tua filosofia, e no atravs das outras?

    ESCARTES: Ns j vimos a resposta a essa questo, Scrates. Em uma palavra, a resposta todo. No possuo mente superior a dos outros, tambm no ofereo um conjundicalmente novo de concluses filosficas: provo a existncia do Eu, da alma, de Deus,

    orpo e do mundo, que todos ns j sabamos existir. A diferena que encontrei um mto

    elhor.CRATES: E o que o torna melhor? No que difere dos mtodos anteriores?

    ESCARTES: Ele verdadeiramente cientfico.

    CRATES: E qual a diferena entre cincia verdadeira e autobiografia verdadeira?

    ESCARTES: A autobiografia revela verdades especficas a respeito de um indivduo earticular, ao passo que a cincia descobre leis universais, que so objetivas e impessoais ainue a buscapor essas leis seja pessoal.

    CRATES: Ento quando dizes que escreves apenas para mostrar como conduziste os te

    rprios pensamentos, e no para dizer aos outros como devem conduzir os seus, pretendpenas a uma verdade autobiogrfica, e no a uma verdade cientfica.

    ESCARTES: claro. No entanto, alguns querero trilhar os mesmos caminhos que eu,alizar os mesmos experimentos mentais, obtendo, assim espero, os mesmos resultados. Ma

    eciso de seguir os princpios cientficos e de buscar a verdade objetiva deve ser uma escolubjetiva, pessoal. No vej o contradio alguma nisso, ou mesmo qualquer problema. Tu vs?

    CRATES: Creio que sim. Estou tentando ler nas entrelinhas, como se diz, para melhompreender as tuas intenes neste livro. E penso ver, sim, uma contradio, quando lomente o que escreveste, sem levar em conta o que no escreveste.

    ESCARTES: Onde?

    CRATES: Na Segunda Parte, onde dizes novamente, desta vez com mais detalhes, aquilo q havias dito logo no incio do livro, naquela frase que estivemos examinando esse tempo todara falar a verdade, o arranjo que deste s palavras na Segunda Parte parece ter siancamente elaborado de modo a contradizer a primeira sentena do teu livro. Est no terceargrafo, onde escreves:

    (DM 2, par. 3)

    Por isso eu no poderia de modo algum aprovar esses tem peramentos perturbadoreinquietos que, no sendo cham ados, nem por seu nascimento nem por sua fortuna, manejo dos assuntos pblicos, no deixam de introduzir-lhes sempre, em idalguma nova reforma. [eis aqui a palavra que era o estopim das guerras de religio teu tempo] E, se eu pensasse haver neste escrito a menor coisa pela qual pudessesuspeitar-me tal loucura, ficaria muito aborrecido de aceitar que ele fosse publicaMeu propsito nunca foi alm de procurar reformar meus prprios pensamentosconstruir num terreno que todo meu. Se minha obra me agradou bastante e vmostro aqui o modelo, nem por isso quero aconselhar que a imitem... e o mundo

    compe quase s de dois tipos de espritos, aos quais [ela] no convm de moalgum. A saber, (1) aqueles que, acreditando-se mais hbeis do que so, no pode

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    impedir-se de j ulgar precipitadam ente... (2) Depois, aqueles que, tendo bastante razou modstia para julgar que so menos capazes de distinguir o verdadeiro do falso que outros pelos quais podem ser instrudos, devem assim contentar-se em seguir opinies desses, em vez de buscar por si prprios outras melhores.

    Ora , h algo bastante curioso aqui. Essas duas classes de pessoas que dizes nodever usateu mtodo so justamente as duas classes de pessoas que tu dizes que no existem, logo no

    rimeiro pargrafo da Primeira Parte!

    Primeiro, aqueles que se acreditam mais hbeis do que so. De acordo com o quescreveste no primeiro pargrafo, no existe ningum que se encaixe nesta descrio, visto quecada um pensa estar to bem provido dele [do bom senso] que mesmo os mais difceis deontentar em qualquer outra coisa no costumam desejar t-lo mais do que o tm. E logo depnda dizes que no verossmil que todos se enganem nesse ponto. Juntemos essas duas

    firmaes e surge a concluso de que todos possuem o mesmo bom senso ou capacidade ulgar e distinguir o verdadeiro do falso, bem como esto todos cientes dessa situao eatisfeitos com ela. Logo, no que diz respeito faculdade do bom senso ou razo, no h ninguue se acredite m ais hbil do que na realidade.

    E h m ais uma classe composta de indivduos inexistentes, que o segundo grupo deessoas ao qual a leitura do teu livro no recomendada: aqueles que, tendo bastante razomas no a possumos todos na mesma m edida? Tu disseste que sim.) para julgar que so menapazes de distinguir o verdadeiro do falso do que outros. Todavia, no primeiro pargrafo darimeira Parte disseste que: a capacidade de bem julgar, e distinguir o verdadeiro do falso, qupropriamente o que se chama o bom senso ou a razo, naturalmente igual em todos osomens. Mas se igual, ento ningum m enos capaz de raciocinar do que o outro.

    O arranjo que deste s palavras na Primeira Parte repetido com exatido na Segunda,

    e modo que o leitor atento, ao ler este pargrafo, lem brar-se- do anterior. La puissance deen juger et distinguer le vrai davec le faux, qui est proprement ce quon nomme le bons sens oraison aquilo que, na Primeira Parte, afirmas ser igual para todos. Mas na Segunda Parte

    zes: Puis de ceux qui, ayant assez de raison pour juger quils sone moins capable destinguer le vrai davec le faux que quelques autres. Logo, algumas pessoas possuem menoszo do que outras.

    Visto que s homem extremamente inteligente e racional, no possvel que to evidentontradio tenha sido mero descuido. Deve ser uma pista deixada de propsito. Mas pista deu?

    ESCARTES: Scrates, sem dvida s inteligente o bastante para responder a essa pergunta. Eual daquelas duas passagens eu acredito realmente, e qual delas foi escrita apenas para despiss inquisidores, que temiam qualquer novidade que ultrapassasse a esfera privada ou que fosferecida ao pblico como uma nova reforma, ainda mais num tempo em que a Reformausara a mais sangrenta guerra at ento? Tu, mais do que todos, deverias compreend-nseri esse pargrafo, Scrates, para escapar ao teu destino.

    CRATES: claro! Tu no terias escrito livro algum se no acreditasses que ele seria capaz formar os pensamentos. E no apenas os pensamentos privados, visto que o teu mtodo

    ustamente o oposto de um mtodo privado, destinado apenas a uns poucos indivduos; o teu todo cientfico, que pblico e universal. Foi esta a soluo que encontraste para o seguin

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    lema: publicar teus pensamentos radicalmente novos e ser perseguido pelos tolos que tentaatar idias matando pessoas, ou ento negar humanidade o mtodo atravs do qual esesmos tolos poderiam ser dominados, e por meio do qual, quem sabe, at mesmo as guer

    deolgicas cessariam de existir.

    ESCARTES: Muito bem, Scrates. Tua perspiccia revelou minha estratgia. Eu espalhei tanstas pelo meu livro quantas bastassem s raposas como tu, mas que os ces dos inquisidores n

    udessem encontrar.

    E para os bons entendedores a vai outra pista: no comeo da Segunda Parte, donde citaspargrafo que escrevi sobre reforma, descrevo a experincia de ter testemunhadoevastadora guerra religiosa, causada por diferenas apaixonadas de opinio. E o m eu novotodo, eu o ofereo como terapia para qu? Como libertao de qu? Diferenas de opinio!

    firmo que estas so curveis, pois so causadas no por diferenas inatas na razo, mas pelo ue diferentes abordagens ou mtodos. Subtraia a causa e ters subtrado o efeito. Remova asferenas de mtodo e acabars com as diferenas de opinio. Acabe com as diferenas depinio e ters acabado com as guerras religiosas.

    Percebes agora a importncia do meu livro, e porque eu no poderia t-lo publicado ant

    ue o incidente Galileu estivesse esquecido, ou pelo menos, que se tivesse amainado? E porquea ocasio de publicar o livro, tive de incluir pistas falsas para os inquisidores e indicaes oculara os sbios? Meu objetivo era ser um homem bom e honesto e trabalhar para o bem comumas nunca tive desejo ou vocao de m e tornar um m rtir.

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    A Finalidade do Conhecimento

    CRATES: Agora compreendo muito bem por que escondeste objetivos to radicaisvolucionrios dos poderes polticos de ento, ao mesmo tempo que sugeria esses objetivos aneira velada aos leitores inteligentes. (sei quo pouco inteligentes os censores podem seinda assim, revelas um bocado dessas tuas novas e radicais exigncias no relato autobiogrfue fazes da tua vida acadmica, em especial a tua profunda insatisfao com toda a filosofiaassado, sobretudo com a filosofia escolstica medieval que os Jesutas, os melhores professoa poca, te ensinaram.

    ESCARTES: Ah, sim. O clero implicava com tudo o que escrevia, tentando fazer condeneus livros pela Igreja. Mas eu s estava tentando alicerar aquelas crenas bsicas, que tod

    nhamos em comum, em terreno novo e mais firme, sobretudo as duas crenas religioundamentais: a crena na existncia de Deus e a crena na imaterialidade e imortalidade ma.

    CRATES: Coisa semelhante aconteceu comigo. Minha f ilosofia tambm oferecia um mtoovo, mas no um contedo novo. Tambm eu busquei um fundamento mais firme e maacional em que assentar as crenas tradicionais e por causa disso fui temido e mompreendido. Eu te acompanho, portanto, no esprito de tua jornada por enquanto, penos. Sigamos, pois, adiante neste teu caminho.

    Escreveste o seguinte:

    (DM 1, par. 6)

    Fui nutrido nas letras [lettres, livros] desde a minha infncia, e, convencido de qpor meio delas podia adquirir um conhecimento claro e seguro [assure, asseguragarantido, certo] de tudo o que til [utile] vida, eu tinha um desejo extremo aprend-las.

    Logo nessa primeira frase ns damos com trs razes para tua insatisfao com a filososcolstica que teus professores te ensinaram na verdade, para tua insatisfao com toda alosofia anterior. Tu buscavas uma filosofia baseada na experincia pessoal, e no nos livros;ma filosofia que fosse certa em vez de provvel e que no fosse apenas terica, mas tambmrtica, ou til.

    ESCARTES: Compreendes-me perfeitamente bem, Scrates. Compreendes tambm comssas trs coisas relacionam-se entre si?

    CRATES: Creio que sim. Na tua opinio, s o conhecimento certo realmente til e sonhecimento baseado na experincia, e no na confiana em autores de livros pode sonhecimento certo.

    ESCARTES: Ns somos mesmo espritos irmos.

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    CRATES: At certo ponto, pelo menos. A primeira das tuas trs exigncias bastanemelhante a minha. Voltando j mencionada linha dividida de Plato, o primeiro nvel, qe denominava conhecimento das imagens, parece-me que como as letras (livros) q

    studaste; se bem que Plato tivesse em mente, nesse nvel mais baixo, apenas as imagensfsicis como desenhos, figuras ou o reflexo de um espelho, podemos incluir a tambm as imageentais ou opinies. Esse tipo de conhecimento transmitido de uma pessoa para outra; eepende de intermedirios, bem como da tradio estabelecida e da confiana na autoridaaqueles que fundaram essa tradio. Assim como eu, quiseste ver com teus prprios olh

    onhecer por meio de tua prpria experincia (fosse ela sensorial, fosse intelectual). Tu noatisfizeste em confiar nos intermedirios sem question-los, os quais, no teu caso, no onstituam simplesmente de imagens, mas tambm de livros, professores e de toda a tradicumulada. Essa insatisfao o primeiro passo para a investigao racional crtica.

    ESCARTES: E, assim como Plato, eu no esperava que todo mundo desse esse primeiro pasonfiana naqueles que so os transmissores de uma tradio sempre foi o suficiente paraaioria dos homens. Eu no esperava fazer de todos os homens filsofos.

    CRATES: Mas eu sim. Eu fui mais igualitrio que Plato. Eu convidava a filosofar todqueles que encontrava, at mesmo o jovem escravo de Menon, que no recebera educaguma. Eu o trouxe at o nvel seguinte da linha dividida por meio de certa deduatemtica, se te recordas.

    ESCARTES: Que leitor do Menon poderia esquecer este maravilhoso exemplo de educareio, portanto, que ns dois tambm concordamos quanto necessidade deste passo, que vai

    egundo ao terceiro nvel, da experincia sensvel at a certeza da matemtica.

    CRATES: Sim, mas acho que discordamos no que diz respeito ao quarto nvel, o mais alto, io nvel da sabedoria filosfica, que consiste na intuio intelectual daquilo que Plato chama

    s Formas ou essncias. Era esse o meu propsito ltimo, e o mais alto tipo de certeza, um

    erteza que, ao contrrio da matemtica, no depende de premissas.ESCARTES: Mas os filsofos discordam sem cessar no que diz respeito sabedoria e

    ssncias. Logo, esse tipo de conhecimento no mais certo do que aquele da matemtica.

    CRATES: Penso ento que discordamos sobre onde encontrar esse teu ideal de certeza.enso tambm que discordamos quanto ao ideal de utilidade. Buscaste um conhecimento cee tudo quanto fosse til vida, enquanto busquei a verdade como um fim em si mesmuscaste um conhecimento cientfico logicamente certo a respeito das coisas mutveis deundo, a fim de que as pudesses usar, controlar e melhorar . Foste um seguidor de Bacon, e n

    e Aristteles, no s no que diz respeito ao mtodo para obter conhecimento, mas tamb

    uanto finalidade do conhecimento. Creste na mxima de Bacon, conhecimento podeuscaste a conquista da natureza pelo homem.

    ESCARTES: Eu dificilmente poderia esperar que compartilhasses do meu entusiasmo peonquista da natureza, Scrates. Vs, antigos, no tnheis idia do potencial da tecnologia.

    CRATES: Potencial para qu?

    ESCARTES: Para o progresso humano.

    CRATES: Talvez no tivssemos idia mesmo, mas uma idia que tenho muito clara a ecessidade de se definirem os termos. O termo progresso, por exemplo. Que queres diz

    om ele?

  • 8/9/2019 Socrates Encontra Descartes - Peter Kreeft ()

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    ESCARTES: Explico isto mais detalhadamente na Sexta Parte do meu livro. Com progressuero dizer o entendimento da natureza (em especial daquela parte da natureza que nos mrxima, ou sej a, os nossos prprios corpos) a fim de a conquistarmos, controlarmelhorarmos e usarmos para o alvio da condio humana.

    CRATES: O alvio de qu?

    ESCARTES: Do sofrimento. Negas que seja um propsito honrado?

    CRATES: No, mas...

    ESCARTES: Eu sabia que haveria um grande mas.CRATES: Ento, comsofrimentoqueres dizer dor?

    ESCARTES: Sim.

    CRATES: E a dor o contrrio do prazer?

    ESCARTES: Sim.

    CRATES: Julgas que o prazer seja o bem maior?

    ESCARTES: No.

    CRATES: Ento como pode o alvio da dor ser o bem maior?ESCARTES: No estou dizendo que o bem maior, mas somente que parte de um beaior, nomeadam ente, a felicidade humana.

    CRATES: Acho que podes adivinhar qual ser minha prxima pergunta.

    ESCARTES: Que a felicidade?

    CRATES: Sim. No ela a realizao de todos os desejos humanos? Aceitas essa definio licidade?

    ESCARTES: o significado usual do termo.CRATES: Assim a conquista da natureza (que os homens denominaro tecnologia) umentar a felicidade na medida em que dobra a natureza vontade do homem, satisfazendoeus desejos dessa forma que ela contribui para a felicidade?

    ESCARTES: Parece ser essa a conexo.

    CRATES: E a felicidade o bem maior?

    ESCARTES: Sim. Pois todos buscam tudo quanto leve a ela, e ningum a busca como mara outro fim.

    CRATES: Ns, antigos, acreditvamos que a felicidade, ou o bem maior, consistia onformao da alma humana realidade objetiva por exemplo, atravs do conhecimento erdade como um fim em si mesma e da adequao de nossos desejos a esta mesma verdaor meio das virtudes da sabedoria prtica, da justia, da coragem e do controle de si m esm

    Mas dizes que o bem maior consiste em conformar a realidade objetiva aos desejos da alma. Eutras palavras, dizes que o poder um bem maior do que o conhecimento.

    ESCARTES: No, no, eu no disse que o poder o bem maior, mas que a felicidade o beaior.

    CRATES: Mas julgas que o poder est mais perto do bem maior do que o conhecimento esois afirmas que o conhecimento um meio para obter poder e que o poder um meio pa

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    hegar felicidade.

    ESCARTES: Sim.

    CRATES: Ento nosso parentesco espiritual muito menor do que imaginas.

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    A Busca da Certeza

    CRATES: Continuando tua narrativa, escreves:

    (DM 1 par. 6)

    Fui nutrido nas letras desde a minha infncia, e, convencido de que por meio depodia adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo o que til vida, eu tinha udesejo extremo de aprend-las. Mas assim que conclu todo esse curso de estudos,cabo do qual costume ser admitido na classe dos doutos, mudei inteiramente opinio. Pois me vi embaraado em tantas duvidas e erros [...]

    Creio que devemos parar por aqui a fim de investigar estas duas palavras, dvidas eerros, j que resumem tua crtica dos dois mil anos de filosofia que te antecederam, e tambquilo que esperas obter com tua nova filosofia.

    ESCARTES: justo. Ambas incitaram minha busca como esporas incitam um cavalo. Eu m cavaleiro do esprito, Scrates como tu.

    CRATES: Se eram as dvidas que te deixavam insatisfeito, o que buscavas ento era o sontrrio, no isso?

    ESCARTES: Sim.

    CRATES: E qual o contrrio da dvida?ESCARTES: A certeza, ou incontestabilidade. Era este o atributo que eu via faltar na filosoadicional. Muitas de suas idias eram possivelmente verdadeiras, teis e profundas. No entano havia como eusaberse eram verdadeiras, mas to somente opinar.

    CRATES: E este atributo que buscavas, a incontestabilidade, durante a tua formao, chegaencontr-lo em algum lugar?

    ESCARTES: Sim, eu o encontrei.

    CRATES: Onde?

    ESCARTES: Em uma disciplina apenas: na matemtica.CRATES: E chegaste a encontrar a lgum filsofo antes de ti que acreditasse na possibilidade filosofiaalcanar a mesma certeza, ou grau de certeza, ou tipo de certeza da matemtica?

    ESCARTES: Nenhum.

    CRATES: Mas tupensaste ser capaz de encontrar esta certeza na filosofia?

    ESCARTES: Sim.

    CRATES: Por qu?

    ESCARTES: Porque todos os outros filosofaram no