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SOCIOLOGIA DA EDUCAO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING

Reitor Vice-Reitor Diretor da Eduem Editor-Chefe da Eduem

Prof. Dr. Dcio Sperandio Prof. Dr. Mrio Luiz Neves de Azevedo Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini

CONSELHO EDITORIAL

Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza Editores Cientcos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clves Cabreira Jobim Prof. Dr. Edson Carlos Romualdo Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atncio Paredes Prof. Dr. Joo Fbio Bertonha Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald Jos Barth Pinto Profa. Dra. Dorotia Ftima Pelissari de Paula Soares Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Valria Soares de Assis

EQUIPE TCNICA

Projeto Grco e Design Fluxo Editorial

Marcos Kazuyoshi Sassaka Edneire Franciscon Jacob Mnica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio Artes Grcas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercializao Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima

FORMAO DE PROFESSORES - EAD

Aparecida Meire Calegari-Falco(ORGANIZADORA)

Sociologia da Educao: olhares para a escola de hoje2. ed. revisada e ampliada

Maring 2009

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Coleo Formao de Professores - EADApoio tcnico: Rosane Gomes Carpanese Normalizao e catalogao: Ivani Baptista CRB - 9/331 Reviso Gramatical: Annie Rose dos Santos Edio e Produo Editorial: Carlos Alexandre Venancio Eliane Arruda Capa: Jnior Bianchi

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

S678

Sociologia da educao: olhares para a escola de hoje/ Aparecida Meire CalegariFalco, organizadora. 2. ed. rev. e ampl. -- Maring: Eduem, 2009. 155p. 21cm. (Formao de professores EAD; n. 10). ISBN 978-85-7628-188-7 1. Educao Sociologia. 2. Sociologia da educao. 3. Sociologia educacional. 4. Sociedade e educao. I. Calegari-Falco, Aparecida Meire, org.

CDD 21.ed. 370.19

Copyright 2009 para o autor Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo mecnico, eletrnico, reprogrco etc., sem a autorizao, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edio 2009 para Eduem.

Endereo para correspondncia: Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maring Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitrio 87020-900 - Maring - Paran Fone: (0xx44) 3261-4103 / Fax: (0xx44) 3261-1392 http://www.eduem.uem.br / [email protected]

S umrio

Sobre os autores

> 5 > 7 > 9 > 13

Apresentao da coleo

Apresentao do livro

CAPTULO 1

O debate sociolgico atual e as transformaes na sociedade capitalistaTarcyanie Cajueiro Santos

CAPTULO 2

Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamentoMrio Luiz Neves de Azevedo / Dalila Andrade Oliveira

> 25 > 41

CAPTULO 3

Consideraes sobre o trabalho como categoria explicativa do fenmeno educativoEloiza Elena da Silva

CAPTULO 4

A educao na obra de Brecht: representaes de conquistas e realizaes coletivas. Primeiros atos: possibilidades apresentadasMarta Chaves / Sonia Mara Shima Barroco

> 49

3

SOCIOLOGIA DA EDUCAO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE

CAPTULO 5

Construo do sujeito na era tecnolgicaTarcyanie Cajueiro Santos

> 63

CAPTULO 6

O conhecimento no projeto educativo da Sociedade do conhecimentoLizia Helena Nagel

> 77

CAPTULO 7

As funes sociais da escola na atualidadeMaria Eunice Frana Volsi

> 89 > 99

CAPTULO 8

Escola: ideologia e indstria culturalIris Yae Tomita / Tereza Kazuko Teruya / Vanderlei Siqueira dos Santos

CAPTULO 9

Segregao, integrao/incluso escolar: A educao de pessoas com necessidades especiaisNerli Ribeiro Nonato Mori

> 113

CAPTULO 10

Impossibilidade de educar para a no-violncia?: Reexes preliminaresLizia Helena Nagel

> 127

CAPTULO 11

Fracasso escolar: uma questo sociolgicaLuciana Grandini Cabreira / Luzia Grandini Cabreira

> 141

CAPTULO 12

Novas demandas educacionais na contemporaneidade: um olhar para a ecopedagogiaAparecida Meire Calegari-Falco / Jos Ricardo Penteado Falco

> 155

4

S obre os autoresAPARECIDA MEIRE CALEGARI-FALCOProfessora do Departamento de Teoria e Prtica da Educao da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educao (UEM). Doutoranda em Educao (UEM).

DALILA ANDRADE DE OLIVEIRAProfessora da Faculdade de Educao e do Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Cincias Sociais (UFMG), Mestre em Educao (UFMG), Doutora em Educao (USP) e Ps-Doutoramento (UERJ) na Universidade de Montreal (Canad). Pesquisadora do CNPq (bolsista de produtividade).

IRIS YAE TOMITAProfessora do Centro Universitrio de Maring (Cesumar). Graduada em Publicidade e Propaganda (Cesumar). Mestre em Educao (UEM).

JOS RICARDO PENTEADO FALCOProfessor do Departamento de Biologia Celular e Gentica da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduado em Cincias Biolgicas (Unesp-Rio Claro). Mestre em Biologia Celular (Unicamp) e Doutor em Biologia Celular e Estrutural (Unicamp).

LIZIA HELENA NAGELGraduada em Filosoa e Histria. Mestre em Ensino pela UFRGS. Doutora em Filosoa da Educao (PUC-SP). Pesquisadora na rea de Histria e Filosoa da Educao. Participa do Grupo de Pesquisa Transformao Social e Educao nas pocas Antiga e Medieval (UEM).

LUCIANA GRANDINI CABREIRAProfessora do Departamento de Teoria e Prtica da Educao da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduada em Psicologia (UEL). Mestre em Educao (UEL).

LUZIA GRANDINI CABREIRAProfessora do Departamento de Teoria e Prtica da Educao da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduada em Jornalismo (UEL) e Pedagogia (Fajan). Mestre em Educao (UEL).

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SOCIOLOGIA DA EDUCAO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE

MARIA EUNICE FRANA VOLSIGraduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educao (UEM). Professora da Fapar. Pedagoga da Rede Estadual Pblica de Ensino.

MRIO LUIZ NEVES DE AZEVEDOProfessor do Departamento de Fundamentos da Educao e do Programa de PsGraduao em Educao da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduado em Histria (UEM). Mestre em Educao (UFSCar-So Carlos). Doutor em Educao (USP). Pesquisador visitante do IESALQ-Unesco (1/2008) e do CNPq (bolsista produtividade).

MARTA CHAVESProfessora do Departamento de Teoria e Prtica da Educao da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educao (UEM). Doutora em Educao (UFPR).

NERLI RIBEIRO NONATO MORIProfessora do Departamento de Teoria e Prtica da Educao da Universidade Estadual de Maring (UEM). Mestre em Psicologia da Educao (PUC-SP). Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP).

SONIA MARI SHIMA BARROCOProfessora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduada em Psicologia (UEM). Mestre em Educao (UEM). Doutora em Educao (Unesp-Araraquara). Ps-Doutoramento pela USP. Pesquisadora do CNPq.

TARCYANIE CAJUEIRO SANTOSFormada em Cincias Sociais pela UFPE, Mestre, Doutora e Ps-Doutora em Cincias da Comunicao pela USP. Bolsista jovem pesquisadora da Fapesp, no Programa de Mestrado em Comunicao e Cultura da Uniso. Faz parte do Grupo de Estudos Filoscos da Comunicao-Filocom.

TEREZA KAZUKO TERUYAProfessora do Departamento de Teoria e Prtica da Educao da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduada em Cincias Sociais (Unesp-Marlia) e Histria (Faculdade Auxilium de Lins-SP). Mestre em Educao (Unesp-Marlia). Doutora em Educao (Unesp-Marlia).

VANDERLEI SIQUEIRA DOS SANTOSGraduado em Jornalismo (Faculdades Maring). Mestre em Educao (UEM).

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A presentao da ColeoA coleo Formao de Professores - EAD teve sua primeira edio publicada em 2005, com 33 ttulos nanciados pela Secretaria de Educao a Distncia (SEED) do Ministrio da Educao (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material didtico nos cursos de licenciatura ofertados no mbito do Programa de Formao de Professores (Pr-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edio foi de 2500 exemplares. A partir de 2008, demos incio ao processo de organizao e publicao da segunda edio da coleo, com o acrscimo de 12 novos ttulos. A concluso dos trabalhos dever ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o nanciamento para esta edio ser liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido pela Diretoria de Educao a Distncia (DED) da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que responsvel pelo programa denominado Universidade Aberta do Brasil (UAB). A princpio, sero impressos 695 exemplares de cada ttulo, uma vez que os livros da nova coleo sero utilizados como material didtico para os alunos matriculados no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educao a Distncia, ofertado pela Universidade Estadual de Maring, no mbito do Sistema UAB. Cada livro da coleo traz, em seu bojo, um objeto de reexo que foi pensado para uma disciplina especca do curso, mas em nenhum deles seus organizadores e autores tiveram a pretenso de dar conta da totalidade das discusses tericas e prticas construdas historicamente no que se referem aos contedos apresentados. O que buscamos, com cada um dos livros publicados, abrir a possibilidade da leitura, da reexo e do aprofundamento das questes pensadas como fundamentais para a formao do Pedagogo na atualidade. Por isso mesmo, esta coleo somente poderia ser construda a partir do esforo coletivo de professores das mais diversas reas e departamentos da Universidade Estadual de Maring (UEM) e das instituies que tm se colocado como parceiras nesse processo. Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais instituies que organizaram livros e ou escreveram captulos para os diversos livros desta coleo. Agradecemos, ainda, administrao central da UEM, que por meio da atuao direta da Reitoria e de diversas Pr-Reitorias no mediu esforos para que os trabalhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possvel. De modo bastante7

SOCIOLOGIA DA EDUCAO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE

especco, destacamos o esforo da Reitoria para que os recursos para o nanciamento desta coleo pudessem ser liberados em conformidade com os trmites burocrticos e com os prazos exguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE). Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do Departamento de Fundamentos da Educao (DFE), vinculado ao Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos ltimos anos empreenderam esforos para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educao a distncia, pudesse ser criado ocialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadmico e uma modicao signicativa da sistemtica das atividades docentes. No tocante ao Ministrio da Educao, ressaltamos o esforo empreendido pela Diretoria da Educao a Distncia (DED) da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educao de Educao a Distncia (SEED/MEC), que em parceria com as Instituies de Ensino Superior (IES) conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convnios para a liberao dos recursos fossem assinados e encaminhados aos rgos competentes para aprovao, tendo em vista a ao direta e eciente de um nmero muito pequeno de pessoas que integram a Coordenao Geral de Superviso e Fomento e a Coordenao Geral de Articulao. Esperamos que a segunda edio da Coleo Formao de Professores - EAD possa contribuir para a formao dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como de outros cursos superiores a distncia de todas as instituies pblicas de ensino superior que integram e ou possam integrar em um futuro prximo o Sistema UAB. Maria Luisa Furlan CostaOrganizadora da Coleo

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A presentao do livroA reedio desta obra nos possibilitou acrescentar, bem como suprimir, temticas que so emergentes nas discusses educacionais na atualidade. Buscamos identicar, junto aos tutores e professores/orientadores da disciplina, os limites e sugestes que por ventura pudessem ter surgido no trabalho efetivo com os alunos do Curso Normal Superior, a quem a primeira edio se destinava. Dessa forma, atendendo s demandas levantadas por eles e repensando o propsito desta obra, acrescentamos temas que tm por objetivo contribuir na construo de um arcabouo terico/prtico para a formao de professores, uma vez que permite tecer consideraes sobre tais problemas que envolvem diretamente a escola. Soma-se a essas questes a necessidade de apresentar um panorama relativo s novas possibilidades de atuao do pedagogo tambm nos espaos no escolares. Essa abordagem pertinente em um momento em que se repensa a prpria identidade dos cursos de Pedagogia e da prpria Educao, que indubitavelmente exibiliza-se em espao e tempo para acontecer nos mais diversos setores/lugares que antes sequer se cogitava pensar sob a perspectiva educacional. Franco Cambi1 dene com maestria o momento de reavaliao atual da pedagogia: acontece por solicitao de uma sociedade em profunda transformao e que est assumindo a forma de sociedade aberta (plural, dinmica e at mesmo conituosa). importante destacar que, apesar de atender em parte o conjunto de tais temticas, esta obra certamente pontuar somente as principais questes, uma vez que em seu limite no conseguir abarcar todas as demandas, considerando que estas se multiplicam rapidamente. imprescindvel que no percamos de vista a TOTALIDADE da questo envolvida, que apesar de oferecer um panorama das questes atuais, no se congura em uma abordagem da micro-histria; ao contrrio, busca compreend-las sob uma perspectiva histrica desse novo repertrio pedaggico. Agradecemos aos autores que se empenharam em contribuir com suas pesquisas para enriquecer a presente obra, permitindo, sob diferentes concepes tericas, desvelar temticas importantes para um curso de formao de professores. Desejamos aos leitores que possam se apropriar adequadamente dos temas que sero

1 Franco Cambi, pedagogo italiano, autos de Histria da Pedagogia (Editora Unesp, 1999).

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SOCIOLOGIA DA EDUCAO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE

abordados, com a certeza de que somente parte dessa pluralidade aqui se apresenta, mas no como um receiturio a ser seguido, e sim como um exerccio de compreenso de fatos sociais que interferem em nossas vidas, especialmente na comunidade escolar. Aparecida Meire Calegari-Falco Organizadora do Livro

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O debate sociolgico atual e as transformaes na sociedade capitalistaTarcyanie Cajueiro Santos

A Sociologia, cincia que se prope a estudar a sociedade, surgiu no sculo XIX, mas sua gestao remonta ao nal do sculo XVI e incio do sculo XVII, quando a sociedade feudal se desagrega e em seu lugar surge a progressiva consolidao da sociedade capitalista, no continente europeu. Esse fenmeno se insere em um outro ainda maior: o advento da modernidade. As transformaes que caracterizaram esse perodo, seja na dimenso social, poltica, econmica, seja na cultural e existencial, foram mais profundas que a maioria dos tipos de mudana caractersticos dos perodos precedentes (GIDDENS, 1991, p. 14) e produziram modos de vida sem correlao com os tipos tradicionais de ordem social. A modernidade, como uma organizao social correspondente a um estilo de vida, inaugura uma nova maneira de conceber o homem e repercute nas relaes sociais. O indivduo emerge progressivamente como sujeito detentor de seu destino. Esse novo modo de vida, cuja caracterstica principal a de ser emulada por um conjunto de descontinuidades que descentram o homem, trouxe consigo a produo de estilos diferentes dos das instituies sociais tradicionais (GIDDENS, 1991). A partir da modernidade, a natureza da vida social cotidiana radicalmente alterada, afetando os aspectos mais pessoais da existncia humana (GIDDENS, 1991, p. 9). As Cincias Sociais e a Sociologia so uma tentativa de resposta s transformaes geradas no homem e na sociedade pelo advento da modernidade, mais especicamente com a ruptura do tecido simblico que encerrava a sociedade do Antigo Regime (CAILL, 1991, p. 45). com a derrocada efetiva do mundo baseado na dominao da nobreza e com o surgimento da crena de que o homem o principal porta-voz de seu destino que as Cincias Sociais vo se desenvolver. Podemos armar que a partir do11

SOCIOLOGIA DA EDUCAO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE

nal do sculo XVIII tem incio o cumprimento histrico do projeto sociocultural da modernidade, assentado sobre os pilares da emancipao e da regulao. Esse projeto coincide com a emergncia do capitalismo como modo de produo dominante nos pases da Europa que integraram a primeira grande onda de industrializao (SANTOS, 1996, p. 78). Renato Ortiz, ao analisar a histria da modernidade, distingue dois momentos no sculo XIX francs: um primeiro, que se estende da Revoluo Francesa at a metade do sculo, e outro, que se inicia com a acelerao da Revoluo Industrial. Segundo o autor, duas modernidades caracterizariam esse perodo. A primeira, descrita por Baudelaire com ironia e vivacidade, associa-se Revoluo Industrial e as suas descobertas, como as estradas de ferro, a iluminao a gs, o telgrafo e a fotograa. A segunda anuncia elementos que marcaro o sculo XX e que tm como substrato outro sistema tcnico: o automvel, o avio, a eletricidade, a telecomunicao (rdio) e o cinema (ORTIZ, 1991, p. 30-31). Essas duas modernidades so, conforme Ortiz, descontinuidades que inauguram um novo patamar social. importante compreendermos bem o que ocorre entre o sculo XVIII e o sculo XIX, porque isto lana luz sobre a ruptura de sentido e a nova cultura que ento emerge e que se espelhar pelo sculo XX adentro, modicando as relaes do homem com o espao e com o tempo. Trata-se de uma mudana de viso dos homens em relao a si mesmos e ao mundo; uma transformao que reete o afastamento do capitalismo e dos seus avatares da tradio feudal e do Antigo Regime. Podemos pontuar que, com a nova secularidade da advinda, os padres religiosos de interpretao da ordem do mundo foram substitudos por padres seculares, que tinham a natureza e no mais Deus como princpio explicativo. Ou seja, o mundo deixou de ser visto e explicado como perfeio divina e passou a ser encarado como algo em si, imanente e, por isso, propenso a mudanas. O advento de uma nova organizao socioeconmica implicou um rompimento com os constrangimentos do sculo XVIII; promoveu um intercmbio entre espaos que estavam voltados para si mesmos. Se, durante o Antigo Regime, o tempo e o espao connavam-se em fronteiras seguras, com a Revoluo Francesa o espao urbano passa a ser pensado cada vez mais como um conjunto formado por partes conectadas entre si e no isoladas (ORTIZ, 1991, p. 198). Ou seja, o dinamismo que a modernidade imprime ao mundo deriva dessa separao do tempo e do espao, a qual remete ao desencaixe dos sistemas sociais, que desloca as relaes sociais de contextos locais de interao e sua reestruturao por meio de extenses indenidas de tempo-espao (GIDDENS, 1991, p. 29). Assim, a partir dessa poca, a cidade se especializa e o espao se transforma. As

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medidas revolucionrias introduzidas na sociedade rompem com o modelo do Antigo Regime, impulsionando o desenvolvimento do capitalismo, que tem se caracterizado pela acelerao do ritmo da vida e pela compresso do tempo-espao. O princpio de circulao, que emerge no sculo XIX juntamente com a racionalidade, a funcionalidade, o sistema e o desempenho, torna-se o elemento estruturante da modernidade. A racionalizao do espao e do tempo ao longo do sculo XVIII comps um processo de reorganizao social caracterizado por uma profunda dicotomia, cujo resultado nas pessoas que viveram no sculo XIX foi a sensao de habitarem dois mundos diferentes. Isto gerou um ambiente de constantes crises: de um lado, explosivas convulses em todos os nveis da vida social, pessoal e poltica; de outro, o sentimento de um mundo que no chega a ser moderno por inteiro (BERMAN, 1986). De acordo com Renato Ortiz, a cidade ainda guarda um passo provinciano, um tempo lento que se contrape rapidez da modernidade a vapor. Apesar do avano considervel do sistema de comunicaes, as impossibilidades tcnicas no efetivam o total encolhimento do espao, o qual sentido potencialmente, por meio da imprensa, das lojas de departamento e das exposies universais, como se as pessoas vivessem em um mundo unicado. nesse panorama de turbulncia ocasionado pela disseminao dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade da Revoluo Francesa, pela inovao tecnolgica e por uma industrializao causadora de misria e de desemprego em uma poca que, ao mesmo tempo, ainda respira os ares do passado, que os intelectuais vo pensar uma nova teoria da sociedade, buscando no apenas entender os problemas que surgiam, como tambm solucion-los. A esse respeito, Vilma Figueiredo, assinala que:Eram as condies inumanas de trabalho, a explorao de mo de obra infantil, as precrias condies de higiene, a misria generalizada, estruturas de poder pouco exveis e impermeveis aos anseios das grandes massas alguns dos principais temas que ocupavam grande nmero de intelectuais de ento (FIGUEIREDO, 2001, p. 5).

O debate sociolgico atual e as transformaes na sociedade capitalista

A resposta destes pensadores ao caos desse perodo, fazendo com que as pessoas sentissem o tempo e o espao fraturados, no apenas se deu no nvel intelectual, mas tambm no campo dos interesses prticos. A crena de que a sociedade era regida por leis naturais incentivava no apenas a tentativa de elaborar um conhecimento sistemtico acerca delas, como tambm a aplicao dessas descobertas na correo e no controle do social e dos indivduos. No caso da Sociologia, no sculo XIX que surgem os primeiros esforos sistemticos de delimitao do objeto de estudo e de estratgias metodolgicas para a produo de conhecimento. Deste modo, a Sociologia teve como parmetro o mtodo das cincias naturais, cujo13

SOCIOLOGIA DA EDUCAO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE

emprego sistemtico da observao e da experimentao possibilitou uma progressiva dominao e controle do homem sobre a natureza. Entre o tempo de Coprnico e Newton, as cincias naturais alcanaram um desenvolvimento notvel, foram feitas descobertas tecnolgicas extraordinrias, que se associavam Revoluo Industrial, cujo resultado foi, por exemplo, o surgimento das estradas de ferro, da iluminao a gs, do telgrafo e da fotograa. Com o m de ter o mesmo progresso das cincias naturais e alcanar o status de cincia, a sociologia elaborou um sistema de conhecimentos com base em fatos e tentou livrar-se de concepes dogmticas, supranaturais, religiosas e de ideias preconcebidas, o que estava dentro do esprito do tempo impregnado pelas ideias iluministas, segundo as quais a razo era a principal aliada do homem. So dignos de ateno os fundadores clssicos da Sociologia, na medida em que deixaram para essa cincia um legado terico e prtico que inspirou inmeros intrpretes e seguidores ao longo do sculo XX e cuja fora se estende at os dias atuais: Karl Marx, mile Durkheim, baseados na tradio positivista de August Comte e Max Weber. Apesar das diferenas entre si, esses fundadores da Sociologia tm em comum a responsabilidade pela formao da crena de que o conhecimento sociolgico poderia controlar a sociedade, seja no sentido de sua organizao e conservao, seja no da mudana gradual ou transformao radical:Deixando-nos uma macro-sociologia cujo eixo est nos fatores condicionantes do conito e da solidariedade na sociedade industrial, nas razes da ordem e nas possibilidades de mudana lenta ou acelerada, gradual ou no, para sociedades mais avanadas, quer sejam mais solidrias, mais igualitrias ou mais racionais (FIGUEIREDO, 2001, p. 7).

O impacto das teorizaes produzidas por esses pensadores nas sociedades do sculo XX apontado por socilogos como Vilma Figueiredo. Para ela, se Comte, Durkheim e Weber inuenciaram o desenvolvimento das democracias que se fortaleceram durante o sculo XX, por meio de suas teorizaes sobre a evoluo da racionalidade, a natureza do vnculo social e os tipos de dominao, Marx, entretanto, quem fornece o exemplo mais visvel de teoria posta em prtica. Isso porque foi em seu nome que se desenvolveram argumentos e desdobramentos inspiradores e justicadores da revoluo que pretendeu implantar o comunismo na Rssia e criou a Unio Sovitica (FIGUEIREDO, 2001, p. 9).

A Sociologia, em seu desenvolvimento, inuenciou os destinos das sociedades que almejavam se tornar modernas e, ao mesmo tempo, foi por elas inuenciada, passando a ser produzida em diferentes lugares, com multiplicidade de temas, problemas e propostas. Como apregoa Giddens:14

O discurso da sociologia e os conceitos, teorias e descobertas das outras cincias sociais continuamente circulam dentro e fora daquilo de que tratam. Assim fazendo, eles reestruturam reexivamente seu objeto, ele prprio tendo aprendido a pensar sociologicamente. A modernidade ela mesma profunda e intrinsecamente sociolgica (1991, p. 49).

O debate sociolgico atual e as transformaes na sociedade capitalista

Por isso, ao caminhar da macro para a microssociologia, essa cincia vem se diversicando tanto metodologica quanto teoricamente, procurando dar conta dos novos problemas sociais que tm aparecido. Assim, durante todos esses anos, as cincias sociais se articularam basicamente em torno de trs grandes paradigmas: o marxismo, o funcionalismo e o weberianismo. Normalmente, os cientistas sociais aderiam a uma ou a outra viso de mundo, de modo que se era ou marxista ou funcionalista ou weberiano, quando muito, funcional-weberiano. Tais paradigmas, apesar dos diferentes conceitos e metodologias, tinham origem no contexto da sociedade industrial e na crena de que o progresso seria alcanado por meio da razo e da cincia. O eixo bsico desse pensamento era a ideia de um sujeito e de um m unitrios e tambm de superao, que em um futuro iria se efetuar1, ou seja, aquilo que Lyotard designou como as metanarrativas, que so narraes com funes legitimadoras, tais como:Emancipao progressiva da razo e da liberdade, emancipao progressiva ou catastrca do trabalho (fonte do valor alienado no capitalismo), enriquecimento da humanidade inteira por meio dos progressos da tecnocincia, e at, se considerando o prprio cristianismo na modernidade (opondo-se, neste caso, ao classicismo antigo), salvao das criaturas por meio da converso das almas narrativa crstica do amor mrtir. A losoa de Hegel totaliza todas estas narrativas, e neste sentido concentra em si a modernidade especulativa (LYOTARD, 1993, p. 31).

Por conseguinte, os atuais desaos da Sociologia e, de maneira geral, das cincias sociais emergiram na segunda metade do sculo XX e tornaram-se mais evidentes ou aguados no incio deste sculo, quando o mundo parece ter nalmente entrado em uma nova fase. Apesar de os pensadores clssicos ainda serem uma fonte inesgotvel de conhecimento para se pensar a contemporaneidade, a complexidade e a incerteza que vivenciamos parecem no condizer mais com muitos dos conceitos por eles elaborados.

1 Weber foi o nico desses pensadores clssicos que viu o uso abusivo da razo sob uma perspectiva negativa. Para ele, a racionalizao leva ao desencantamento do mundo, criando uma jaula de ferro. Em sua viso, nem a cincia, nem a losoa podem dar um sentido existncia. A modernidade no comporta solues. Cabe ao homem conviver com os paradoxos (TRAGTENBERG, 1992, p. xiv).

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SOCIOLOGIA DA EDUCAO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE

Diversamente de outros perodos histricos, o sculo XX desenvolveu, em escala abrangente e dinmica, tecnologias comunicacionais e informacionais, cujo impacto no parece ser menor do que o de tcnicas anteriores, como as da poca do surgimento da sociologia como cincia. Contudo, se no sculo XIX a racionalizao da sociedade ainda era uma potencialidade, na conjuntura posterior Segunda Guerra Mundial sofrer saltos e redenies. David Harvey (1992) v a uma intensa fase de compresso do espao e do tempo similar ocorrida no nal do sculo XIX, que modicou o panorama de ento. medida que o sculo XIX se estendeu, a tcnica no apenas passou a ser prolongamento da cincia, como tambm da sociedade. A modernidade avanou materializando-se nela, permitindo, por meio da separao do tempo e do espao, o desencaixe das relaes sociais. Foi nesse caminhar que, no nal do sculo XX, a tecnologia tornou-se estruturadora das prprias sociedades. Em meio ao processo de modernizao da sociedade observa-se o aparecimento de uma cultura de massa, que visou conquista de um maior mercado possvel e dirigiu seus produtos a consumidores em expanso. Como propala Renato Ortiz, os meios de comunicao de massa contm uma dimenso que transcende as territorialidades locais, pois o circuito tcnico sobre o qual as suas mensagens se apoiam responsvel por um tipo de civilizao que se mundializa. A circulao, princpio estruturante das relaes sociais, ocorre com base nesses meios, indicando a existncia de uma malha imprescindvel para a mobilidade cultural. Portanto, assim como as antigas estradas de ferro, a materialidade dos meios de comunicao permite interligar as partes desta totalidade em expanso (ORTIZ, 1991, p. 58-59), mas por meio de uma velocidade cada vez maior e ininterrupta. A vocao mundial sobre a qual se estrutura essa modernidade repousa sobre as exigncias de uma civilizao urbano-industrial, conectada cada vez mais pelos meios de comunicao voltados ao grande pblico. Isto signica que, embora j no nal do sculo XIX a emergncia de uma modernidade-mundo2 possa ser captada em alguns estratos sociais dos pases ocidentais mais desenvolvidos, a sua plena realizao ocorre apenas no decorrer do sculo XX, com o advento da globalizao, da precarizao do trabalho, da fragmentao das sociedades, da reestruturao do capitalismo e das novas tecnologias comunicacionais, eletrnicas e informacionais, como o conjunto

2 Modernidade-mundo pode, em sntese, ser compreendida com base na existncia de processos globais que transcendem os grupos, as classes sociais e as naes. Comportaria a emergncia de uma sociedade global, em que os homens encontram-se interligados, independentemente de suas vontades. Para uma compreenso melhor desse conceito, veja: ORTIZ, Renato. Mundializao e cultura. So Paulo: Brasiliense, 1998, p. 7.

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convergente de tecnologias em microeletrnica, computao (software e hardware), telecomunicaes/radiodifuso, optoeletrnica, a engenharia gentica e seu crescente conjunto de desenvolvimentos e aplicaes. No momento em que o processo de racionalizao sobre o qual se ancora a modernidade ocorre nas diversas esferas do tecido social, a sociedade passa a ser caracterizada como um conjunto desterritorializado, cujas partes so articuladas umas s outras. Com isso, no foram apenas a Primeira Guerra Mundial, o choque da Segunda Guerra Mundial, a revoluo sovitica e a ascenso dos movimentos fascistas que zeram com que o mundo ocidental entrasse em uma nova fase; tambm o advento do ps-industrialismo, de uma burocratizao cada vez mais impessoal, a proliferao de armas qumicas e nucleares, a devastao do meio ambiente e a deteriorao da vida social, assim como a atuao cada vez maior dos meios de comunicao como cimentadores sociais, entre outros acontecimentos, ajudaram a produzir uma desconana em relao s ideologias do progresso e uma incerteza sobre o futuro e colocaram em xeque as metanarrativas que guiaram as cincias sociais. Uma sensao de que tudo o que slido desmancha no ar, como bem pontuou Marx no Manifesto Comunista, vai a par do processo de secularizao e individualizao da sociedade e da crise das cincias, as quais parecem no dar mais conta dos acontecimentos, no conseguindo, muitas vezes, prev-los ou explic-los. Esse processo de substituio de uma sociedade disciplinar, estruturada com base na noo de dvida innita e de dever absoluto, por uma sociedade do controle, assentada na informao, na estimulao das necessidades, no sexo, no culto da naturalidade, da cordialidade e do humor e no levar em conta os fatores humanos (LIPOVETSKY, 1994) indica a passagem da modernidade ps-modernidade, na teoria e na cultura em geral. O momento de radicalizao da modernidade, segundo autores que negam a ps-modernidade, entendido como um fenmeno de superao daquela3. Essa mutao, que apenas veio a ser amplamente analisada nas ltimas dcadas do sculo XX, quando nos deparamos com o processo de reestruturao do sistema capitalista implementado pela revoluo tecnolgica da informao, no ocorreu da noite

O debate sociolgico atual e as transformaes na sociedade capitalista

3 Concordamos com Renato Ortiz, no sentido de que a ps-modernidade pode ser compreendida como uma congurao social que se projeta para alm da anterior, mesmo se construindo com base nela, uma vez que um momento de radicalizao das modernidades anteriores. Ortiz. Mundializao e cultura, op. cit, p. 68-69.

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para o dia4. Todavia, j em 1950, ano do aparecimento da televiso, alguns autores comearam a discutir e analisar esse processo de transformao cultural, social, econmica, tecnolgica e poltica, que impulsionou a nova congurao social, poltica, econmica e existencial, cujo marco foi a exploso de maio de 1968. A proclamao desse movimento de todos os desejos, bem como a sua pretenso autenticidade e ao direito diferena, como novas vises de mundo, em nome do respeito ao indivduo e da erradicao dos dogmatismos morais e religiosos, apontam o novo esprito da poca. Com essa mudana normativa, que instituiu sociologicamente o indivduo puro, o importante passa a ser poder se exprimir e se assumir. Esse novo sujeito soberano e incerto, por no ter mais o peso de morais rgidas para indicar a sua conduta, deve elaborar suas prprias regras (EHRENBERG, 1998, p. 133). Riesman (1971, p. 85), que no incio da dcada de 1950 publicou A Multido Solitria, com a assistncia de Nathan Glazer e Reuel Denney, gura entre os cientistas sociais que se preocuparam em analisar o declnio do modelo normativo, baseado na disciplina e na culpa, que guiou a individualidade at 1950. Ele argumentava que a sociedade estava transitando de um estgio orientado para dentro para um estgio orientado para o outro. As pessoas, antes inuenciadas pelos pais e outras autoridades mais velhas, passavam a depender da aprovao de seus pares. No incio da segunda metade do sculo XX, Riesman j percebia que educao, lazer e servios caminham conjuntamente com um crescente consumo de palavras e imagens dos novos meios de comunicao de massa (RIESMAN, 1971, p. 85). Se essas tcnicas, juntamente com o capitalismo, ajudaram a corroer os laos comunitrios ao mesmo tempo em que aumentavam a demanda por comportamentos mais socializados, a difuso da televiso, aps a Segunda Guerra Mundial, criou uma nova galxia da comunicao, aprofundando ainda mais processos iniciados anteriormente, como os de individualizao e de distanciamento entre o tempo e o espao. Com a sua introduo, um sistema de comunicao essencialmente dominado pela mente tipogrca e pela ordem do alfabeto fontico deixado para trs. Em seu lugar, emerge um meio fundamentalmente novo caracterizado pela sua seduo, estimulao sensorial da realidade e fcil comunicabilidade, na linha do menor esforo psicolgico (CASTELLS, 1999, p. 358).

4 Steven Connor arma que embora o termo ps-modernismo tenha sido usado por alguns escritores dos anos 1950 e 1960, no se pode enunciar que o conceito de ps-modernismo tenha se cristalizado antes da metade dos anos 1970, quando armaes sobre a existncia desse fenmeno social e cultural to heterogneo comearam a ganhar fora no interior e entre algumas disciplinas acadmicas e reas culturais, na losoa, na arquitetura, nos estudos sobre o cinema e em assuntos literrios. CONNOR, Steven. Cultura ps-moderna: introduo s teorias do contemporneo. So Paulo, Loyola: 1992, p. 13. Outros autores, como Ciro Marcondes Filho, postulam que o ps-modernismo j existia em 1920.

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Ao modelar a linguagem da comunicao societal, os media, especialmente a televiso e o rdio, moldaram o ambiente no qual agimos e interagimos. Quanto mais esses media penetram em nossa vida, mais tendemos a, individualmente, nos absorver. Castells preconiza que a difuso desses media, cujo eixo central a TV, pressupe uma importante caracterstica da sociedade em que um nmero cada vez maior de pessoas est morando sozinhas. Ciro Marcondes Filho, por sua vez, ao mencionar o papel da televiso, distingue nela uma caracterstica nica. Para este autor, ela no apenas foi o veculo dominante no nal da modernidade; como tambm foi o veculo de ingresso na nova fase social, m da modernidade, interregno ps-modernidade e agora cibersociedade (MARCONDES FILHO, 2000, p. 36). Deste modo, como principal meio de comunicao da modernidade, a televiso, junto com a motorizao, contribuiu amplamente para o connamento das pessoas em casa, para a imploso da esfera pblica e para a poltica de seduo de massa (MARCONDES FILHO, 2000, p. 36). No nal do sculo XX, a Internet, aliada ao aparecimento e cotidianizao de sistemas multimediticos, como o computador, que rene media dispersos (a televiso, o telefone, o rdio e o jornal), parece aprofundar essa tendncia. Por meio deles, conceitos como interatividade, participao e performance indicam novos vetores, como realidade virtual, imagem, digitalizao, transitoriedade, entre outros. Ou seja, nos deparamos com o aparecimento de uma sociedade em rede, cujo sistema multimeditico se apresenta como o sinalizador de novas tendncias culturais, polticas, econmicas e sociais. Se com os media dispersos j vivamos em um ambiente comunicacional, com a introduo e a difuso dos sistemas multimediticos entramos na sociedade em rede. Com o teclado e a tela as pessoas j acionam programas via satlite e a cabo, veem o clima e jogam. De fato, atualmente a televiso no apenas est conectada a grandes redes, TV a cabo e parablicas; sua tela j integra cassetes, jogos eletrnicos e at mesmo o computador, fazendo o papel de visor (ORTIZ, 1998, p. 63). Diversamente do ambiente de discusso produzido pelo espao pblico moderno, como contraponto ao espao privado, os sistemas multimediticos, cujo epicentro a Internet, aparecem como uma esfera pblica inteira, um mundo em que a constelao de atividades se acha deslocada e condensada no meio eletrnico5. A penetrabilidade em todos os domnios das atividades humanas, atuante nas tecnologias da informao, do processamento e da comunicao, faz com que vivamos em um mundo que j se tornou digital.

O debate sociolgico atual e as transformaes na sociedade capitalista

5 Marcondes Filho. Haver vida aps a Internet?, disponvel em: http://www.anpocs.org.br.http://www.eca.usp.br/ nucleos/locom/home.html. 2000.

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Essas tecnologias no so apenas ferramentas a serem aplicadas, mas tambm processos a serem desenvolvidos. Com elas, segue-se uma relao muito prxima entre os processos sociais de criao e manipulao de smbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e servios (as foras produtivas) (CASTELLS, 1999, p. 51).

As novas tecnologias, ao integrarem mentes e mquinas, funcionam como amplicadores e extenses do homem. Desse modo, pela primeira vez na histria a mente humana se torna uma fora direta de produo e no apenas um elemento no sistema produtivo. Na medida em que a fonte de sua produtividade se encontra na tecnologia de gerao de conhecimentos, de processamento da informao e de comunicao de smbolos, a maior interdependncia entre o homem e a mquina deriva desse novo modo informacional de desenvolvimento. Castells (1999) relaciona esse grande progresso tecnolgico do incio dos anos 1970 com a cultura da liberdade, da inovao individual e da iniciativa empreendedora oriunda dos campi norte-americanos da dcada de 1960. A nfase nos dispositivos personalizados, na interatividade, na formao de redes e na busca de novas descobertas tecnolgicas, muitas vezes sem muito sentido comercial, correspondeu a um seguimento especco da sociedade norte-americana que, em interao com a economia global e a geopoltica mundial, concretizou um novo estilo de produo, de comunicao e de gerenciamento de vida, desembocando na cibersociedade ou sociedade tecnolgica ou sociedade em rede dos anos 1990. Informa Castells que o esprito libertrio dos anos 1960, atuante nessa revoluo da tecnologia da informao, no apenas foi de encontro com a tradio cautelosa do mundo corporativo de ento, como tambm se difundiu pela cultura mais signicativa das sociedades contemporneas.Assim, at certo ponto, a disponibilidade de novas tecnologias constitudas como um sistema j na dcada de 70 foi uma base fundamental para o processo de reestruturao socioeconmica dos anos 80. E a utilizao dessas tecnologias dcada de 80 condicionou, em grande parte, seus usos e trajetrias na dcada de 90 (CASTELLS, 1999, p. 69).

Por se juntarem ao profundo movimento de individualizao das sociedades modernas, essas novas tecnologias simbolizam a liberdade e a capacidade de dominar o tempo e o espao. O seu sucesso, na viso de Dominique Wolton (2000, p. 87), pode ser compreendido por meio de trs palavras chaves: autonomia, domnio e rapidez. A digitalizao, a velocidade e o excesso informativo so considerados por Marcondes Filho como os trs componentes da era tecnolgica. Ao interferirem na ordenao fsica e psquica dos agentes, eles produzem novas snteses, reordenando seu modus

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vivendi e sua estruturao de mundo6. Apesar de haver grandes reas e considerveis segmentos populacionais que no tm acesso a esse novo sistema, sua difuso ocorreu com a velocidade da luz, conectando o mundo, em menos de duas dcadas, por meio da tecnologia da informao. Ao se difundir por todo o conjunto de relaes e estruturas sociais, a tecnologia e as relaes tcnicas de produo penetram no poder e na experincia, modicando-os (CASTELLS, 1999, p. 52, 36). Assim, as ltimas dcadas do sculo XX foram caracterizadas por um impacto desorientador e diruptivo sobre as prticas polticas e econmicas, equilbrio de poder de classe, assim como sobre a vida social e cultural. Reiterando Castells:Uma revoluo tecnolgica concentrada nas tecnologias da informao est remodelando a base material da sociedade em ritmo acelerado. Economias por todo o mundo passaram a manter interdependncia global, apresentando uma nova forma de relao entre a economia, o Estado e a sociedade em um sistema varivel (CASTELLS, 1999, p. 21).

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O grande desao da sociologia o de procurar compreender todas essas mudanas. As transformaes sociais so to drsticas quanto as tecnolgicas, polticas, culturais e econmicas. O surgimento de uma nova estrutura social coloca inmeras diculdades para aqueles que desejam compreend-la. Ela pressupe, para ser ao menos delimitada, uma sociologia humilde e plural. Plural, porque o novo estgio do capitalismo e a globalizao a ele atrelada tm nos mostrado um mundo interconectado por uma tecnologia que chega, em maior ou menor escala, a todos os lugares, penetra em todos os domnios de tal forma que a sociologia sozinha no pode mais dar conta de seu objeto. Por isso, inmeros autores tm chamado ateno interdisciplinaridade, ou seja, importncia de outras disciplinas para se entender as transformaes sociais e o prprio campo da sociologia. Humilde, porque a neutralidade cientca e o racionalismo como os modos dominantes de pensar da cincia (incluindo-se a a sociologia) se mostraram um mito. Eles foram postos em xeque pela teoria do caos e da mecnica quntica, levando necessria relativizao de seus pressupostos. Neste sentido, uma cincia que se pretendia soberana, acima dos fenmenos, subsumindo-os, foi levada a repensar a prpria atividade do investigador diante da precedncia dos fatos e dos fenmenos em relao a ele prprio. Como expe Ciro Marcondes Filho:

6 Marcondes Filho. Haver vida aps a Internet? op. cit.

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Levou a uma postura que - combinada falncia do humanismo, crise dos ideais emancipatrios e a todos os mitos que envolveram o despertar cientco do incio do sculo 19 (progresso, evoluo, razo, teleologia, histria, homem) - se alinhava ao pensamento deste sculo, muito mais modesto em relao s capacidades humanas diante das mquinas, muito mais crtico em relao aos desenvolvimentos da cincia e muito mais consciente das verdadeiras capacidades de pesquisa do ser humano (MARCONDES FILHO, 2000).

Assim, ao ter uma postura crtica diante dos acontecimentos que marcaram o sculo XX, e sem negligenciar a razo, mas tambm no fazendo dela a sua musa, a Sociologia poder nos dizer muito sobre os rumos que as nossas sociedades esto tomando.

Referncias

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LIPOVETSKY, G. O crepsculo do dever: a tica indolor dos novos tempos democrticos. Lisboa: Don Quixote, 1994. LYOTARD. O ps-moderno explicado s crianas. Lisboa: Dom Quixote, 1993. MARCONDES FILHO, C. Superciber. So Paulo: tica, 2000. ______. O princpio da razo durante. [S. l.:s.n.]: 2000. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2005. MARTINS, B. O que sociologia. So Paulo: Brasiliense, 1994. ORTIZ, R. Mundializao e cultura. So Paulo: Brasiliense, 1998. ______. Cultura e modernidade. So Paulo: Brasiliense, 1991. RIESMAN, David. A multido solitria. So Paulo: Perspectiva, 1971. SANTOS, B. Pela mo de Alice: o social e o poltico na ps-modernidade. So Paulo: Cortez, 1996. TRAGTENBERG, M. Introduo edio brasileira. In: WEBER, Max. Metodologia das Cincias Sociais. So Paulo: Cortez, 1992. WOLTON. Internet et aprs? Paris: Flammarion, Champs, 2000.

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Proposta de Atividade

1) Qual a relao entre a Sociologia e a modernidade?

Anotaes

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Anotaes

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Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamentoMrio Luiz Neves de Azevedo / Dalila Andrade Oliveira

O liberalismo, como teoria poltico-econmica e prtica de governo, cumpriu funes histricas fundamentais para avanar no sentido de uma sociedade com maior riqueza e liberdade1. O pensamento liberal deu forma a um modo de produzir, psmedieval, que tem o trabalho livre, apesar dos exemplos de escravismos conhecidos na Histria, e a liberdade de empreendimento para o capital como contedos e o mercado como espao de relao entre possuidores de mercadorias. Entretanto, o liberalismo no se dene de maneira simples. Matteucci (1992), ao escrever o verbete Liberalismo, no Dicionrio de Poltica de Norberto Bobbio, reconhece que no existe um conceito unvoco de liberalismo, o que coloca-nos diante do risco de se escrever uma histria paralela de diversos liberalismos ou de se chegar a um liberalismo ecumnico, que no tem muito a ver com histria (1992, p. 686). A advertncia de Matteucci bastante atual, pois tal conceito continua equvoco (no unvoco), concorrendo, dessa forma, para uma maior diculdade na denio, no s da complexa matriz liberal, mas, sobretudo, do que se convencionou chamar de neoliberalismo e de suas consequncias. Em outro dicionrio, agora de Economia, encontramos a seguinte denio para o termo liberalismo:doutrina que serviu de substrato ideolgico s revolues anti-absolutistas que ocorreram na Europa (Inglaterra e Frana, basicamente) ao longo dos sculos XVII e XVIII e luta pela independncia dos Estados Unidos. Correspondendo aos anseios de poder da burguesia, que consolidava sua fora econmica ante uma aristocracia em decadncia amparada no absolutismo monrquico, o liberalismo defendia: 1) a mais ampla liberdade individual; 2) a democracia representativa com separao e independncia entre os trs poderes (executivo, legislativo e judicirio); 3) o direito inalienvel propriedade; 4) a livre iniciativa e a concorrncia como princpios bsicos capazes de harmonizar os interesses individuais e coletivos e gerar o progresso social [...] (SANDRONI, 1985, p. 241).

1 Segundo Marx e Engels, a burguesia desempenhou na histria um papel eminentemente revolucionrio. Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos ps as relaes feudais, patriarcais e idlicas (1998b, p. 23).

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Observamos ento que o liberalismo constitui um conjunto de princpios que serve de referencial a seus partidrios, portanto, no um sistema nico, imutvel e acabado. Bobbio (1990, p. 114) arma que as caractersticas unicadoras e fundantes do liberalismo residem na economia e na poltica, isto porque, como teoria econmica, apoia-se no livre-cambismo e como teoria poltica prope um Estado que governe o menos possvel. O livre mercado e o individualismo rmam-se, historicamente, como sendo as bases do liberalismo. De acordo com Adam Smith, autor clssico do liberalismo anglo-saxo, o indivduo, ao buscar maximizar o prprio ganho, promove o bem pblico (1980). Para Smith, a explicao para a existncia dessa curiosa energia ego-lantrpica reside no mercado. Ou seja, na procura de benefcios para si, o indivduo guiado por uma mo invisvel e colabora com o desenvolvimento social. As polticas de orientao liberal clssica apoiam-se em Smith, defendendo maior liberdade de escolha, atribuindo certa racionalidade ao mercado e recomendando que o Estado tenha papel mais restrito. Para Smith, o Estado deve limitar-se a (1) proteger as fronteiras nacionais; (2) a administrar a justia interna; e (3) a criar e promover certas obras e instituies pblicas (HUNT, 1989, p. 82). O neoliberalismo O que se conhece por neoliberalismo um projeto poltico e econmico que se (re)apresenta na segunda metade do sculo XX, defendendo, radicalmente, a mnima interveno do Estado e assemelhando-se ao liberalismo defendido pela Escola Neoclssica2, aps um perodo de relativa estabilidade do Estado de bem estar social e de economia poltica keynesiana3. De modo esquemtico, podemos armar que os

2 Segundo Capul e Garnier, a Economia Keynesiana o conjunto de anlises econmicas inspiradas nos trabalhos de John Maynard Keynes (1883-1946), economista e alto funcionrio britnico. A Teoria Keynesiana [...] ope-se frontalmente Teoria Neoclssica e defende a necessidade da interveno do Estado face s crises econmicas (1996, p. 96). A Escola Neoclssica segue a maioria dos princpios da Escola Clssica (automatismo do mercado, liberalismo, individualismo e mnima interveno do Estado). O marginalismo, originado na Escola Neoclssica, faz uma ssura com a Escola Clssica ao negar a teoria do valor-trabalho. O valor para o marginalismo gerado a partir de um fator subjetivo a utilidade marginal. Conforme Sandroni, o valor de cada bem dado pela utilidade proporcionada pela ltima unidade disponvel desse bem, ou seja, por sua utilidade marginal (ibid, p. 256). Alm disto, o valor do bem torna-se maior medida que o produto escasseia, isto , sua utilidade marginal aumenta. O mercado o campo desta determinao. O marginalismo criado e desenvolvido por trs escolas diferentes: a) Escola Inglesa: William S. Jevons (1835-1882) sucedido por Alfred Marshall (1842-1924); b) Escola Austraca: Karl Menger (1840-1921) seguido por Bhm-Bawerk (1851-1914), Friedrich von Wieser (1851-1926), Ludwig E. von Mises (1881-1973) e Friedrich A. von Hayek (1899-1992); c) Escola de Lausanne: Len Walras (1834-1910), que teve como discpulo Vilfredo Pareto (1848-1923). 3 A Economia Clssica foi fundada por Adam Smith e David Ricardo. As publicaes mais relevantes so A Riqueza das Naes, de Adam Smith, de 1776; os Princpios de Economia Poltica, de John Stuart Mill, de 1848, e os Princpios de Economia Poltica e Tributao, de 1817, de David Ricardo.

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pensadores neoliberais, ao estilo dos economistas neoclssicos, so mais liberais que o prprio liberalismo clssico4, desestimando, inclusive, a terceira funo do Estado defendida por Smith, qual seja: a criao e promoo de certas obras e instituies pblicas. Contudo, a roupagem ideolgica do neoliberalismo traz novos adereos e o seu contedo terico comporta determinadas caractersticas que, conforme dito, inspiradas nas escolas neoclssicas, o diferencia do liberalismo de Adam Smith e o distingue, essencialmente, do keynesianismo. Milton Friedman, referncia incontestvel do neoliberalismo, prope que a principal funo do Estado seja a de proteger nossa liberdade contra os inimigos externos e contra nossos prprios compatriotas; preservar a lei e a ordem; reforar os contratos privados; promover mercados competitivos (1983, p. 12). A participao estatal na economia s aceita por Friedman em casos excepcionais. Para ele, alm desta funo principal, o governo pode, algumas vezes, nos levar a fazer em conjunto o que seria mais difcil ou dispendioso fazer separadamente. Entretanto, qualquer ao do governo nesse sentido representa um perigo (FRIEDMAN, 1983, p. 12). Curiosamente, a obra de Smith serve como referncia tanto para a tradio liberalconservadora como para o pensamento mais progressista, tanto para a teoria do valortrabalho, que defende o trabalho como o original fator criador de riqueza, como para a teoria do valor-utilidade, que propugna a utilidade como fonte de valor. Segundo Hunt,As obras de Smith [...] impressionam o leitor por serem extremamente ambguas, quanto questo do conito de classes versus harmonia social, no capitalismo. Um argumento central [...] de que os proponentes da teoria do valortrabalho vem o conito de classes como algo de importncia fundamental para a compreenso do capitalismo, enquanto que a teoria do valor-utilidade v a harmonia social como fundamental e leva, inevitavelmente, a uma verso do argumento da mo invisvel, de Smith. S quando Smith abandonou a teoria do valor-trabalho que ele pde argumentar em favor da mo invisvel e da harmonia social (1989, p. 82).

Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento

4 O monetarismo segue o extremo laissez-faire; caracteriza-se por sustentar que possvel manter a estabilidade do sistema capitalista com medidas de controle sobre a quantidade de moeda no mercado. Contemporaneamente, a Escola de Chicago, representada por seu maior expoente Milton Friedman, a referncia monetarista acadmica. Entretanto, o monetarismo tambm no novo, atualizado pela Escola de Chicago, pois tem referncia no sculo XIX. Marx, em O Capital, em uma nota de rodap, considerou os pressupostos monetaristas como absurdos. Ele explica em nota complementar: "Teoria monetria muito divulgada na Inglaterra na primeira metade do sculo XIX, que partiu da teoria quantitativa do dinheiro. Os representantes da teoria quantitativa armam que os preos das mercadorias seriam determinados pela quantidade de dinheiro em circulao. Os representantes do Currency principle queriam imitar as leis da circulao metlica. No currency (meio circulante) incluam, alm do dinheiro metlico, tambm as notas bancrias. Eles acreditavam alcanar um curso estvel do dinheiro por meio da plena cobertura em ouro das notas bancrias; a emisso devia ser regulada conforme a importao e exportao do metal precioso. As tentativas do governo ingls (lei bancria de 1844) de basear-se nessa teoria no tiveram nenhum sucesso e somente conrmaram sua falta de sustentao cientca e sua total inutilidade para ns prticos" (MARX, 1983, p. 120).

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A obra de Smith, comportando esse paradoxo (ou ambiguidade), d margem a uma dupla interpretao. No entanto, segundo a noo de historicidade, a obra deve ser datada e compreendida de acordo com o esprito da poca em que foi escrita. Destaquemos que o individualismo, a livre iniciativa e a mnima interveno do Estado eram pressupostos bsicos para que regimes e sistemas, baseados no servilismo, no artesanato, na agricultura primitiva, na autarquia dos feudos e no misticismo religioso fossem superados e para que se impedissem retrocessos ao estilo de um neofeudalismo. Enm, o mercado foi um elemento desagregador do modo de produo feudal e a burguesia beneciou-se da impessoalidade das novas relaes sociais, cujas marcas principais so a troca de coisas e o individualismo do laissez-faire, para pr m s subservientes relaes sociais do feudalismo. Desse modo, podemos inferir que a desregulao do servilismo , em essncia, uma regulao capitalista. A compreenso do movimento neoliberal um desao terico, pois, semelhana do liberalismo, no existe um neoliberalismo com sentido unvoco, so vrios neoliberalismos. Grosso modo, os representantes polticos e tericos dessa corrente de pensamento entendem que a sociedade deve voltar a adotar a poltica econmica anterior s regulaes de matiz keynesiano, isto , retornar ao caminho que a Escola Clssica indicou e que a Escola Neoclssica radicalizou na forma, entre as variantes mais conhecidas, do marginalismo e da vertente quantitativista do Monetarismo5. Para a ortodoxia neoclssica e para o neoliberalismo, o mercado deve ser livre e deve ser tratado como o principal regulador nas relaes sociais, de modo que se destine ao Estado, apenas, o papel de vigilante dos princpios de respeito propriedade privada, da preservao dos contratos estabelecidos e de promotor do livre mercado. Como j podemos notar o liberalismo clssico e o neoliberalismo preservam tnues, mas fundamentais, diferenas entre si. Perry Anderson recorda queo neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na regio da Europa e da Amrica do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reao terica e poltica veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem O Caminho da Servido, de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitao dos mecanismos de mercados por parte do Estado, denunciadas como uma ameaa letal liberdade, no somente econmica, mas tambm poltica (1995, p. 9).

5 Nome dado pelo presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt, em 1933, a sua poltica econmica de luta contra a crise [...], marcando uma ruptura com a tradio econmica liberal dos Estados Unidos da Amrica, segundo a qual o Estado no podia intervir na vida econmica (CAPUL; OLIVIER, 1996, 185).

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Segundo Perry Anderson, Hayek entra assim na luta ideolgica e no clima de disputa eleitoral do ps-II Guerra Mundial: O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era o Partido Trabalhista ingls, s vsperas da eleio geral de 1945 na Inglaterra, que este partido efetivamente venceria (1995, p. 9). Anderson nota o que, abertamente, anuncia e reconhece Hayek nas primeiras pginas de sua obra: quando um estudioso das questes sociais escreve um livro poltico, seu primeiro dever declar-lo francamente. Este um livro poltico [sem grifos no original] (ANDERSON, 1995, p. 7). Enquanto os fundamentos do Estado de bem-estar se estruturavam na Europa do psguerra (II Guerra Mundial) e o New Deal6 consolidava-se nos EUA, Hayek, em 1947, trs anos aps a publicao de O Caminho da Servido, convocou vrias celebridades que compartilhavam de sua orientao ideolgica para uma reunio em Mont Plerin, na Sua. Conforme Anderson,Na seleta assistncia encontravam-se Milton Friedman, Karl Popper , Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. A se fundou a Sociedade de Mont Plerin, uma espcie de franco-maonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reunies internacionais a cada dois anos. Seu propsito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro (1995, p. 9-11).

Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento

As propostas econmicas referenciadas na obra terica de representantes desse grupo passam a ser consideradas relevantes por policymakers somente a partir da dcada de 1970, mais precisamente com a crise 1973, pois as dcadas de 1950 e 1960, conhecidas como Os Anos Dourados do capitalismo, constituram um perodo infrutfero para o neoliberalismo7. Os princpios do liberalismo radical no podiam ser aplicados em pases que conheciam os mais altos ndices de crescimento econmico da histria e que maravilhavam-se com a assistncia do Estado de bem-estar social. A crise dos anos 1970 foi a grande prova para o keynesianismo, pois as polticas sociais e econmicas dos governos tinham por pressupostos que os problemas seriam temporrios sem a necessidade de mudanas de fundo (HOBSBAWM, 1995, p. 398). Contudo, dada a falta de efeito das usuais intervenes, parecia ter se esgotado a poltica de keynesiano. De acordo com Hobsbawm, o neoliberalismo tornou-se uma opo para os governantes:

6 Esse um testemunho do que signicou os "Anos Dourados" em uma regio da Itlia: "foi nos ltimos quarenta anos que Modena viu de fato o grande salto frente. O perodo que vai da Unicao at ento fora uma longa era de espera, ou de lentas e intermitentes modicaes, antes que a transformao se acelerasse at a velocidade do raio. As pessoas agora podem desfrutar um padro de vida antes restrito a uma minscula elite" (MUZZIOLI apud HOBSBAWM, 1995, p. 253). 7 Adam Smith sugere: "Mesmo que o Estado no viesse a tirar qualquer vantagem da instruo das camadas inferiores do povo, deveria mesmo assim, interessar-se por que no fossem completamente ignorantes" (1980, p. 425).

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A nica alternativa oferecida era a propagada pela minoria de telogos econmicos ultraliberais. Mesmo antes do crash, a minoria [...] de crentes no livre mercado irrestrito j comeara seu ataque ao domnio dos keynesianos e outros defensores da economia mista administrada e do pleno emprego. O zelo ideolgico dos velhos defensores do individualismo era agora reforado pela visvel impotncia e o fracasso de polticas econmicas convencionais, sobretudo aps 1973 (1995, p. 398).

Alm disso, essa variao ortodoxa de liberalismo como programa econmico de governo ganhou maior crdito poltico internacional com a premiao de dois de seus maiores intelectuais: Friedrich von Hayek e Milton Friedman, que receberam o Prmio Nobel de 1974 e 1976, respectivamente. Entre os pases centrais, a Inglaterra, em 1979, sob o Governo de Margareth Thatcher, foi a primeira a tentar cumprir a agenda neoliberal, seguida pelos EUA, sob a presidncia de Ronald Reagan, em 1980. Perry Anderson faz um conciso relato sobre o processo de implantao do modo de governar neoliberal no Reino Unido:o modelo ingls foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraram a emisso monetria, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os uxos nanceiros, criaram nveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislao anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, nalmente [...], se lanaram num amplo programa de privatizao, comeando por habitao pblica e passando em seguida a indstrias bsicas como o ao, a eletricidade, o petrleo, o gs e a gua (ANDERSON, 1995, p. 12).

Resumidamente, o neoliberalismo, na teoria e na prtica de governo, tambm pode ser considerado um resgate radicalizado da Lei de Say, conhecida pelo nome de lei dos mercados. Jean Baptiste Say (1767-1832), inspirado na mo invisvel de Adam Smith, defende que a iniciativa privada deve ser a empreendedora por excelncia, que o mercado deve ser o sinalizador e o regulador dos negcios, dos investimentos, do cotidiano e das condies de vida dos sujeitos e que o Estado deve se privar de qualquer interveno no mercado. Para Say (1983), portanto, a partir dessa viso de mundo e sob a perspectiva da lei dos mercados, que nada mais que a ideologizao das relaes de troca, no ocorre crise de superproduo, pois, equivocadamente (e a Histria o comprova), entende a oferta cria a sua prpria procura e o mercado tende ao equilbrio. O NEOLIBERALISMO E A EDUCAO Sistematicamente, os fundamentos do liberalismo, principalmente suas correntes mais ortodoxas, tomam por base o individualismo para a formulao das polticas sociais. No diferentemente, as reformas neoliberais identicaram o mercado como30

referncia para as mudanas na relao Estado, sociedade e educao8. O projeto de sociabilidade neoliberal marca-se pelo afastamento da democracia tradicional e pelo menosprezo da ideia de justia social9. A educao um direito social e uma obrigao do Estado. Historicamente, considerada uma atividade de socializao, de integrao social, de formao de cidados e preservao da vida em sociedade. Em suma, a educao um instrumento pblico, potencialmente civilizador, criador, por excelncia, de cidados. Alm disso, antes de ser somente um setor do Estado, uma conquista popular extrada a duras penas do Estado (AZEVEDO, 1995, p. 17). Diante de tanta fora criativa, da complexidade das relaes humanas e, ao mesmo tempo, do dcit educacional ainda existente em grande parte do Planeta e, em especial, no Brasil, o que prope o neoliberalismo para a educao? Na opinio de Friedman, a questo educacional encontra-se no mbito do mercado. Ele admite to somente que a educao possa ser nanciada pelo Estado se justicada pelos efeitos laterais (1983, p. 86). Entretanto, a execuo do projeto do sistema educacional retirada do mbito pblico e transferida para a iniciativa privada. Para Friedman,A interveno governamental no campo da educao pode ser interpretada de dois modos. O primeiro diz respeito aos efeitos laterais, isto , circunstncias sob as quais a ao de um indivduo impe custos signicativos a outros indivduos pelos quais no possvel forar uma compensao, ou produz ganhos substanciais pelos quais tambm no possvel forar uma compensao - circunstncias estas que tornam a troca voluntria impossvel. O segundo o interesse paternalista pelas crianas e por outros indivduos irresponsveis. Efeitos laterais e paternalismos tm implicaes muito diferentes (1) para a educao geral dos cidados e (2) a educao vocacional especializada (1983, p. 83).

Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento

Os pensadores neoliberais costumam distinguir educao e instruo, argumentando que, at certo limite, justica-se a construo de polticas pblicas para a formao geral, pois, necessariamente, a construo de uma sociedade democrtica e estvel demanda (prioritariamente) indivduos alfabetizados com um grau mnimo de conhecimentos. Dessa maneira, a educao geral considerada pelo neoliberalismo como um usufruto pessoal/familiar, entretanto, para alm das possveis vantagens individuais, a universalizao da educao possibilita um ganho para toda a sociedade, ou seja, o benefcio gerado pela educao diretamente ao sujeito no se descola do

8 Descobrir o signicado do que se costuma chamar de 'justia social' tem sido, h mais de dez anos, uma das minhas maiores preocupaes. No consegui esse intento - ou melhor, cheguei concluso de que, com referncia a uma sociedade de homens livres, a expresso 'justia social' no tem o menor signicado (HAYEK apud BUTLER, 1987, p. 89). 9 Cf.: Oliveira (1997). Educao e planejamento: a escola como ncleo do sistema.

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benefcio para toda a sociedade. No entanto, seguindo a lgica do Estado Mnimo e do livre-mercado, Friedman prope a privatizao das escolas, com a venda, inclusive, das instalaes e dos prdios escolares e com a criao do vale-educao, uma espcie de bnus (voucher), distribudos pelo governo, que os pais trocariam pela educao de seus lhos em escolas particulares. As ideias neoliberais tiveram muita fora no movimento de reformas educacionais vivido por muitos pases latino-americanos na dcada passada. Alguns deles tiveram seus sistemas educacionais reformados em uma direo contrria ao movimento de construo da educao pblica como um direito do cidado e obrigao do Estado. Tais reformas vieram no bojo de um movimento mais amplo de reforma do prprio Estado. O Chile comumente apontado como o pas que sofreu maiores inuncias das ideias neoliberais na reforma de seu sistema educativo, o que resultou em modelo de organizao muito peculiar. A educao chilena administrada por um sistema misto, sendo que ao Estado nacional cabe um papel condutor, apesar da descentralizao da educao pblica e uma forte rea de gesto privada. A educao privada est dividida em dois tipos: aquela nanciada pelas famlias e a que recebe recursos nanceiros estatais, conhecida como educao particular subvencionada. A Argentina, a Colmbia, o Peru, entre outros, tambm viveram processos de reformas educacionais orientadas na direo aqui discutida, sendo que em cada pas tais orientaes foram sendo incorporadas de maneira distinta, variando conforme a capacidade de resistncia e contraposio a tais processos. O Brasil, tambm na dcada de 1990, viveu um perodo de importantes reformas tanto no mbito do Estado quanto da educao. As justicativas para tais reformas assentavam-se na necessidade de modernizar o Estado e adequ-lo s exigncias da economia mundial. Para tanto, os referenciais perseguidos pelos reformadores estatais foram, em grande medida, as orientaes neoliberais. Nesse contexto, as reformas educacionais implementadas estavam imbudas da mesma racionalidade presente na reforma do Estado brasileiro, cuja maior expresso a Reforma Administrativa. A suposta crise do modelo burocrtico de administrao ensejou o desenvolvimento de outras formas de organizao do servio pblico, embasadas em maior exibilidade. Trata-se de um processo que pressupe a focalizao das polticas pblicas nas populaes mais vulnerveis, a partir da denio de um padro mnimo de atendimento; a descentralizao da cobertura, visando a ateno local, bem como a implementao de aes e programas; a desregulamentao para permitir maior exibilidade oramentria e administrativa, sobretudo para possibilitar a busca de complementao oramentria junto sociedade e, por m, atingir maior efetividade das polticas, gerando maior impacto por meio da expanso do atendimento com menores custos.

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As reformas dos anos 1990 trouxeram importantes mudanas para a gesto da educao pblica, os modelos fundamentados na exibilidade administrativa promoveram maior desregulamentao de servios e descentralizao de recursos, o que acabou por ampliar a autonomia da escola e fortalec-la como ncleo do sistema10. Tais modelos foram justicados pela busca de melhoria da qualidade na educao, entendida como um objetivo mensurvel em termos quantitativos, devendo ser alcanados por meio de inovaes incrementais na organizao e gesto do trabalho na escola. Tal processo fez com que fossem ampliadas as responsabilidades e espaos de deciso nas unidades escolares, tais como a elaborao do calendrio escolar, o oramento anual da escola, bem como a denio de prioridades de gastos, entre outras. Em contrapartida, verica-se que atravs da autonomia, as escolas no s passaram a contar com maiores possibilidades de decidir e resolver suas questes cotidianas com mais agilidade, como tambm essa abertura tem estimulado-as a buscarem complementao oramentria junto iniciativa privada e a outras formas de contribuio da populao. VIVE-SE TEMPOS DE PS-NEOLIBERALISMO? ( GUISA DE CONCLUSO) No nal da primeira dcada do sculo XXI, mais precisamente a partir da segunda quinzena de setembro de 2008, o sistema capitalista, que se mantinha, em grande medida, referenciado no liberalismo ortodoxo (ou neoliberalismo) e na supremacia do capital nanceiro, entra em crise, a qual, do ponto de vista histrico, ganha uma magnitude que somente pode ser comparada crise de 192911. Apesar de parecer paradoxal, a realidade demonstra que o liberalismo necessita do Estado para a manuteno de sua referncia para o capitalismo. Diante da crise de

Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento

10 Segundo Canzian, os norte-americanos esto enfrentando um sbito processo de empobrecimento que j destruiu cerca de US$ 16,5 trilhes da riqueza disponvel entre as famlias nos ltimos 15 meses. O valor equivale a mais do que tudo o que os EUA produzem em um ano e a quase 13 PIBs do Brasil. S de setembro para c, as famlias caram US$ 9,5 trilhes mais pobres. Os nmeros so do IIF (Instituto de Finanas Internacionais), que rene 380 grandes bancos, e foram divulgados em antecipao a dados semelhantes a serem publicados pelo Fed (o banco central dos EUA) nos prximos dias (CANZIAN, 08 mar. 2009, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/ 0803200911.htm). 11 Olivares e Guedes assim denem o chamado Consenso de Washington: A primeira formulao do chamado consenso de Washington se deve a John Williamson. Seu enunciado concretiza dez temas de poltica econmica, nos quais, segundo o autor, Washington est de acordo. Washington signica o complexo poltico-econmico-intelectual integrado pelos organismos internacionais (FMI, BM), o Congresso dos EUA, a Reserva Federal, os altos cargos da Administrao e os grupos especialistas. Os temas sobre os quais existe acordo so: disciplina oramentria; mudanas nas prioridades do gasto pblico (de reas menos produtivas como a sade, educao e infra-estruturas); reforma scal encaminhada para buscar bases tributrias amplas e modelos secundrios moderados; liberalizaco nanceira, especialmente das modalidades de lucro; busca e manuteno de modelos de cmbios competitivos; liberalizao comercial; abertura para entrada de investimentos estrangeiros diretos; privatizaes; desregulaes; garantia dos direitos de propriedade (2009, http://www.eumed. net/libros/2005/gog/3c.htm).

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2008, economistas ligados ao establishment dos EUA passam a defender essa interveno, inclusive a estatizao de determinados smbolos do capitalismo mundial, como os grandes bancos de Wall Street. Richardson e Roubini declaram em artigo intitulado Agora, todos ns somos suecos:o sistema bancrio dos Estados Unidos est beira da insolvncia e, se no quisermos car como o Japo nos anos 90 ou os Estados Unidos nos anos 30, o nico meio de salvar os bancos a estatizao. Como economistas defensores do livre mercado, professores de uma escola de administrao no corao da capital nanceira do mundo, sentimo-nos como se dizendo uma blasfmia quando propomos que o governo assuma totalmente o controle do sistema bancrio. Mas o sistema nanceiro dos Estados Unidos chegou a um ponto to crtico que no h muita escolha [sem grifos no original] (RICHARDSON; ROUBINI, 2009).

A declarao de que a alternativa a estatizao faz sucumbir a clebre sentena da primeira ministra do Reino Unido (1979-1990), Margareth Thatcher, de que no havia alternativas ao livre mercado, celebrizada pela abreviao TINA (There is No Alternative), quando se espalharam pelo Globo programas de governo de corte neoliberal, privatizantes e desregulamentadores da economia, culminando, em 1989, na srie de recomendaes liberalizantes denominada de Consenso de Washington12. Esse tipo de ortodoxia uma verdade que foi superada a partir de setembro de 2008. A crise do subprime e do estouro da bolha imobiliria nos Estados Unidos da Amrica tem obrigado, na linha de Richardson e Roubini, a se construir um novo consenso em favor da interveno do Estado na economia. Defendem-se sem ressalvas a nacionalizao de bancos, o salvamento de empresas capitalistas e a injeo de capitais (pblicos) na economia. De certo modo, em tempos de crise, esse gnero de interveno signica a transferncia de rendas e fundos do tesouro pblico para a esfera e interesses privados que se resume na antiga e patrimonialista consigna de apropriao privada de lucros, rendas e dividendos e nacionalizao de perdas e prejuzos. Patrcia Campos Melo, correspondente em Washington do jornal O Estado de S. Paulo, escreve a respeito da crise nanceira:

12 Gramsci, a respeito da poltica econmica italiana na passagem da dcada de 1920 para a de 1930, assevera: [...] o Estado investido de uma funo de primeiro plano no sistema capitalista, na qualidade de empresa (holding estatal) que concentra a poupana a ser colocada disposio da indstria e da atividade privada [...] (p. 408) [...] deste complexo de exigncias nem sempre confessadas, nasce a justicao histrica das chamadas tendncias corporativas, que se manifestam predominantemente como exaltao do Estado em geral, concebido como algo de absoluto, e como desconana e averso s formas tradicionais do capitalismo. Da a impresso de que a base poltico-social do Estado parece repousar sobre a gente humilde e os intelectuais, mas, na realidade, a sua estrutura permanece plutocrtica, o que torna impossvel romper as ligaes com o grande capital nanceiro [sem grifos no original] (p. 410).

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O governo dos EUA j injetou US$2 trilhes no sistema nanceiro desde agosto de 2007, mas isso s o comeo, avaliam analistas ouvidos pelo Estado. H ainda um rombo que pode chegar a US$4 trilhes. Instituies como Citibank e Bank of Amrica so tidas como insolventes. Calcula-se que o sistema nanceiro americano tenha US$10,8 trilhes em ativos txicos papis de origem duvidosa e com baixa aceitao no mercado (MELO, 2009, p. 2009).

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Essa no uma novidade para o sistema dominante. Poderiamos recordar as polticas pblicas posteriores ao crash de 1929 para demonstrar como o sistema capitalista alcana a sada para as crises. desnecessrio pontuar que a soluo para aquela crise (1929) foi a regulao e a interveno de Estado que, em pases considerados desenvolvidos, resultou no chamado Estado de Bem-Estar Social, em poca conhecida como anos dourados do capitalismo. Em suma, ao mesmo tempo em que a teoria (neo)liberal supe averso interveno do Estado, o sistema capitalista necessita de que o Estado seja o regulador das relaes econmicas e polticas entre os diversos atores sociais e garanta, legal e coercitivamente, o jogo de mercado. Os pressupostos do neoliberalismo so postos em questo diante da realidade construda pelo prprio capitalismo: o sistema capitalista para ser operativo, apesar do discurso em contrrio, necessita da regulao pelo Estado. Descartada essa regra, deixado (ideo)lgica dinmica do mercado, os atores sociais que tm por referncia o mercado sem regras, inebriados pela atmosfera do jogo e da etrea iluso da acumulao sem limites, tendem ao suicdio por denhamento, maneira narcsica, ao paralisar-se diante da nica alternativa reconhecida pelo neoliberalismo: o prprio mercado. O esmaecimento do neoliberalismo como modelo de organizao poltica e a falncia do mercado como eixo regulador da vida em geral tambm se reetem na educao. Se durante os anos 1990 os programas de reformas eram unnimes em propor a descentralizao da educao, maior participao da comunidade, inclusive no nanciamento educativo, a livre-escolha e a busca dos pressupostos da economia privada na gesto da escola pblica, na atualidade assistimos a um movimento de busca de maior articulao e de estmulo organizao sistmica.

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Proposta de Atividade

1) A partir da anlise crtica do presente captulo e com base em leituras complementares, dena o que o neoliberalismo.

Anotaes

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Anotaes

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Consideraes sobre o trabalho como categoria explicativa do fenmeno educativoEloiza Elena da Silva

So inmeras as mudanas que ocorrem no mundo do trabalho, em consequncia da reestruturao produtiva que se d no atual contexto de globalizao da economia. No Brasil, as mudanas comearam a acontecer realmente com a abertura da economia ao mercado externo, ocorrida na dcada de 1990, quando as empresas perderam a proteo governamental e passaram a ter como concorrentes os produtos importados. O acesso ao mercado internacional ampliou a gama de fornecedores e compradores, fazendo com que as empresas nacionais se reestruturassem, investindo em tecnologia e qualidade, visando a garantir sua fatia no mercado globalizado. As mudanas no mundo do trabalho se revelam tanto no surgimento de novos campos prossionais e empregatcios quanto na revoluo tecnolgica, na elevao dos ndices de desemprego e no aniquilamento de algumas prosses, bem como no surgimento de novas funes sociais. com base nesse contexto historicamente modicado que pretendemos discutir a educao atual, mais precisamente o fato de os objetivos e ns de nossa educao estarem ancorados em princpios muito prximos aos objetivos (e resultados) atribudos educao pelo senso comum. O entendimento da educao como ideologia pode ser observado nos ditos populares que apregoam um poder social/reformador educao e esto largamente difundidos por grande parte dos meios de comunicao, como a televiso, os jornais e revistas, os quais, desconsiderando os demais condicionantes sociais, transmitem a ideia de que a educao pode ser o fator chave do sucesso ou no de um indivduo. Tais ideias fundamentam-se em um princpio de igualdade entre todos os homens e, nesse caso, a educao cumpre o papel de garantir, ainda que ideologicamente, essa41

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igualdade, atuando teoricamente como niveladora de oportunidades, preparando o cidado para a vida em sociedade e para atuar no mercado de trabalho. Isso signica que, como o acesso educao fundamental um direito de todos, recai apenas no indivduo a responsabilidade pelo seu fracasso ou seu sucesso; ou seja, no se considera o fato de muitas vezes as oportunidades de emprego no atenderem demanda de pretensos trabalhadores que esto excludos do mercado produtivo. Essa suposta igualdade se concretiza ento como produtora de profundas desigualdades, que passam a ser compreendidas como de responsabilidade apenas do indivduo, independente das oportunidades reais que lhe foram negadas. Ao mesmo tempo, esse comprometimento entre educao e formao para o trabalho, em uma sociedade em que a venda da fora de trabalho fator primordial para a sobrevivncia da maior parte da populao, exige que questionemos o real e o imaginrio constantes nessa relao e baseados nos conceitos de igualdade e individualidade, conforme os objetivos e ns atribudos educao, no que se refere ao preparo para o trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) estabelece como prioridade do Estado a educao bsica (Ensino Fundamental e Mdio). Assim, o ensino ulterior, ou aquele que realmente possibilita uma formao prossional, depender exclusivamente da capacidade do indivduo para acess-lo (considerados, nesse caso, o esforo pessoal e a capacidade de consumo). Para analisar a questo, importante lembrar que a escola, como instituio, est sempre comprometida ideologicamente. A prtica pedaggica na sociedade humana, em sua essncia, uma prtica ideolgica que carrega em si o objetivo preestabelecido de formar os homens de que ela necessita para se manter na forma em que est estabelecida. Na medida em que se vive na sociedade capitalista, baseada na relao capital-trabalho, justica-se que as denies para a educao estejam quase sempre vinculadas ao binmio cidadania e trabalho, a comear por seus objetivos e ns:A educao, dever da famlia e do Estado, inspirada nos princpios de liberdade e de solidariedade humana, tem por nalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualicao para o trabalho (BRASIL, 1996, p. 5).

Em um pas em que teoricamente todos so iguais e que, pelo acesso educao, de acordo com sua aplicao individual, todos teriam a mesma possibilidade de alcanar sucesso ou no, a categoria trabalho rma-se ento como condicionante do fenmeno educativo. A educao toma a forma de redentora do homem, assume o poder de realizar mudanas no ser social, independentemente dos demais condicionantes envolvidos no mesmo processo, considerados em sua totalidade.

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A rearmao da categoria trabalho no primeiro plano dos objetivos educacionais signica que estes se mantm sob parmetros do passado, que se ignora o fato de que o mundo do trabalho j no mais o mesmo e que, em um momento em que as oportunidades de trabalho sucumbem ao desemprego, apenas uma boa qualicao prossional no capaz, por si mesma, de gerar novas oportunidades de emprego. Essa viso ideolgica que confere formao escolar o poder de levar qualquer