sociologia hoje

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CONDIES HISTRICAS DO NASCIMENTO DA SOCIOLOGIA A Sociologia uma das cincias humanas que estuda as unidades que formam a sociedade, ou seja, estuda o comportamento humano em funo do meio e os processos que interligam os indivduos em associaes, grupos e instituies. Enquanto o indivduo na sua singularidade estudado pela psicologia, a Sociologia tem uma base terico-metodolgica, que serve para estudar os fenmenos sociais, tentando expliclos, analisando os homens em suas relaes de interdependncia. Compreender as diferentes sociedades e culturas um dos objetivos da sociologia. Os resultados da pesquisa sociolgica no so de interesse apenas de socilogos. Cobrindo todas as reas do convvio humano desde as relaes na famlia at a organizao das grandes empresas, o papel da poltica na sociedade ou o comportamento religioso , a Sociologia pode vir a interessar, em diferentes graus de intensidade, a diversas outras reas do saber. Entretanto, o maior interessado na produo e sistematizao do conhecimento sociolgico atualmente o Estado, normalmente o principal financiador da pesquisa desta disciplina cientfica. Assim como toda cincia, a Sociologia pretende explicar a totalidade do seu universo de pesquisa. Ainda que esta tarefa no seja objetivamente alcanvel, tarefa da Sociologia transformar as malhas da rede com a qual a ela capta a realidade social cada vez mais estreitas. Por essa razo, o conhecimento sociolgico, atravs dos seus conceitos, teorias e mtodos podem constituir para as pessoas um excelente instrumento de compreenso das situaes com que se defrontam na vida cotidiana, das suas mltiplas relaes sociais e, consequentemente, de si mesmas como seres inevitavelmente sociais. A Sociologia ocupa-se, ao mesmo tempo, das observaes do que repetitivo nas relaes sociais para da formular generalizaes tericas; e tambm se interessa por eventos nicos sujeitos inferncia sociolgica (como, por exemplo, o surgimento do capitalismo ou a gnese do Estado Moderno), procurando explic-los no seu significado e importncia singulares. A Sociologia surgiu como uma disciplina no sculo XVIII, na forma de resposta acadmica para um desafio de modernidade: se o mundo est ficando mais integrado, a experincia de pessoas do mundo crescentemente atomizada e dispersada. Socilogos no s esperavam entender o que unia os grupos sociais, mas tambm desenvolver um "antdoto" para a desintegrao social. Hoje os socilogos pesquisam macroestruturas inerentes organizao da sociedade, como raa ou etnicidade, classe e gnero, alm de instituies como a famlia; processos sociais que representam divergncia, ou desarranjos, nestas estruturas, inclusive crime e divrcio. E pesquisam os microprocessos como relaes interpessoais. A Sociologia pesquisa tambm as estruturas de fora e de poder do estado e de seus membros, e a forma como o poder se estrutura atravs de microrrelaes de foras. Um

dos aspectos que tem sido alvo dos estudos da sociologia, e tambm da antropologia, a forma como os indivduos constituintes da sociedade podem ser manipulados para a manuteno da ordem social e do monoplio da fora fsica legitimada. Socilogos fazem uso frequente de tcnicas quantitativas de pesquisa social (como a estatstica) para descrever padres generalizados nas relaes sociais. Isto ajuda a desenvolver modelos que possam entender mudanas sociais e como os indivduos respondero a essas mudanas. Em alguns campos de estudo da Sociologia, as tcnicas qualitativas como entrevistas dirigidas, discusses em grupo e mtodos etnogrficos permitem um melhor entendimento dos processos sociais de acordo com o objetivo explicativo. Os cursos de tcnicas quantitativas/qualitativas servem, normalmente, a objetivos explicativos distintos ou dependem da natureza do objeto explicado por certa pesquisa sociolgica: o uso das tcnicas quantitativas associado s pesquisas macrosociolgicas; as qualitativas, s pesquisas micro-sociolgicas. Entretanto, o uso de ambas as tcnicas de coleta de dados pode ser complementar, uma vez que os estudos micro-sociolgicos podem estar associados ou ajudarem no melhor entendimento de problemas macro-sociolgicos. A Sociologia uma rea de interesse muito recente, mas foi a primeira cincia social a se institucionalizar. Antes, portanto, da Cincia Poltica e da Antropologia. Em que pese o termo Sociologie tenha sido criado por Auguste Comte (em 1838), que esperava unificar todos os estudos relativos ao homem inclusive a Histria, a Psicologia e a Economia. Montesquieu tambm pode ser encarado como um dos fundadores da Sociologia - talvez como o ltimo pensador clssico ou o primeiro pensador moderno. Em Comte, seu esquema sociolgico era tipicamente positivista, (corrente que teve grande fora no sculo XIX), e ele acreditava que toda a vida humana tinha atravessado as mesmas fases histricas distintas e que, se a pessoa pudesse compreender este progresso, poderia prescrever os "remdios" para os problemas de ordem social. As transformaes econmicas, polticas e culturais ocorridas no sculo XVIII, como as Revolues Industrial e Francesa, colocaram em destaque mudanas significativas da vida em sociedade com relao a suas formas passadas, baseadas principalmente nas tradies. A Sociologia surge no sculo XIX como forma de entender essas mudanas e expliclas. No entanto, necessrio frisar, de forma muito clara, que a Sociologia datada historicamente e que o seu surgimento est vinculado consolidao do capitalismo moderno. Esta disciplina marca uma mudana na maneira de se pensar a realidade social, desvinculando-se das preocupaes especulativas e metafsicas e diferenciando-se progressivamente enquanto forma racional e sistemtica de compreenso da mesma.

Assim que a Revoluo Industrial significou, para o pensamento social, algo mais do que a introduo da mquina a vapor. Ela representou a racionalizao da produo da materialidade da vida social. O triunfo da indstria capitalista foi pouco a pouco concentrando as mquinas, as terras e as ferramentas sob o controle de um grupo social, convertendo grandes massas camponesas em trabalhadores industriais. Neste momento, se consolida a sociedade capitalista, que divide de modo central a sociedade entre burgueses (donos dos meios de produo) e proletrios (possuidores apenas de sua fora de trabalho). H paralelamente um aumento do funcionalismo do Estado que representa um aumento da burocratizao de suas funes e que est ligado majoritariamente aos estratos mdios da populao. O desaparecimento dos proprietrios rurais, dos artesos independentes, a imposio de prolongadas horas de trabalho, e etc., tiveram um efeito traumtico sobre milhes de seres humanos ao modificar radicalmente suas formas tradicionais de vida. No demorou para que as manifestaes de revolta dos trabalhadores se iniciassem. Mquinas foram destrudas, atos de sabotagem e explorao de algumas oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criao de associaes livres, formao de sindicatos e movimentos revolucionrios. Este fato importante para o surgimento da Sociologia, pois colocava a sociedade num plano de anlise relevante, como objeto que deveria ser investigado tanto por seus novos problemas intrnsecos, como por seu novo protagonismo poltico j que junto a estas transformaes de ordem econmica pde-se perceber o papel ativo da sociedade e seus diversos componentes na produo e reproduo da vida social, o que se distingue da percepo de que este papel seja privilgio de um Estado que se sobrepe ao seu povo. O surgimento da Sociologia prende-se em parte aos desenvolvimentos oriundos da Revoluo Industrial, pelas novas condies de existncia por ela criada. Mas uma outra circunstncia concorreria tambm para a sua formao. Trata-se das modificaes que vinham ocorrendo nas formas de pensamento, originada pelo Iluminismo. As transformaes econmicas, que se achavam em curso no ocidente europeu desde o sculo XVI, no poderiam deixar de provocar modificaes na forma de conhecer a natureza e a cultura. CORRENTES SOCIOLGICAS Porm, a Sociologia no uma cincia de apenas uma orientao terico-metodolgica dominante. Ela traz diferentes estudos e diferentes caminhos para a explicao da realidade social. Assim, pode-se claramente observar que a Sociologia tem ao menos trs linhas mestras explicativas, fundadas pelos seus autores clssicos, das quais podem se citar, no necessariamente em ordem de importncia: (1) a positivista-funcionalista, tendo como fundador Auguste Comte e seu principal expoente clssico em mile Durkheim, de fundamentao analtica; (2) a sociologia compreensiva iniciada por Max

Weber, de matriz terico-metodolgica hermenutico-compreensiva; e (3) a linha de explicao sociolgica dialtica, iniciada por Karl Marx, que mesmo no sendo um socilogo e sequer se pretendendo a tal, deu incio a uma profcua linha de explicao sociolgica. Estas trs matrizes explicativas, originadas pelos seus trs principais autores clssicos, originaram quase todos os posteriores desenvolvimentos da Sociologia, levando sua consolidao como disciplina acadmica j no incio do sculo XX. interessante notar que a Sociologia no se desenvolve apenas no contexto europeu. Ainda que seja relativamente mais tardio seu aparecimento nos Estados Unidos, ele se d, em grande medida, por motivaes diferentes que as da velha Europa (mas certamente influenciada pelos europeus, especialmente pela sociologia britnica e positivista de Herbert Spencer). Nos EUA a Sociologia esteve de certo modo "engajada" na resoluo dos "problemas sociais", algo bem diverso da perspectiva acadmica europeia, especialmente a teuto-francesa. Entre os principais nomes do estgio inicial da sociologia norte-americana, podem ser citados: William I. Thomas, Robert E. Park, Martin Bulmer e Roscoe C. Hinkle. A Sociologia, assim, vai debruar-se sobre todos os aspectos da vida social. Desde o funcionamento de estruturas macrossociolgicas como o Estado, a classe social ou longos processos histricos de transformao social ao comportamento dos indivduo num nvel micro-sociolgico, sem jamais esquecer-se que o homem s pode existir na sociedade e que esta, inevitavelmente, lhe ser uma "jaula" que o transcender e lhe determinar a identidade. Para compreender o surgimento da sociologia como cincia do sculo XIX, importante perceber que, nesse contexto histrico social, as cincias tericas e experimentais desenvolvidas nos sculos XVII, XVIII e XIX inspiraram os pensadores a analisar as questes sociais, econmicas, polticas, educacionais, psicolgicas, com enfoque cientfico. O socilogo dentro da organizao intervem diretamente sobre os resultados da empresa, contribuindo com os lucros e resultados da organizao. quando a organizao observada e estudada podem se verificar as falhas assim alterar seu sistema de funcionamento e gerar lucro. A SOCIOLOGIA COMO CINCIA DA SOCIEDADE Ainda que a Sociologia tenha emergido em grande parte da convico de Comte de que ela eventualmente suprimiria todas as outras reas do conhecimento cientfico, hoje ela mais uma entre as cincias. Atualmente, ela estuda organizaes humanas, instituies sociais e suas interaes sociais, aplicando, mormente o mtodo comparativo. Esta disciplina tem se concentrado particularmente em organizaes complexas de sociedades industriais.

Ao contrrio das explicaes filosficas das relaes sociais, as explicaes da Sociologia no partem simplesmente da especulao de gabinete, baseada, quando muito, na observao casual de alguns fatos. Muitos dos tericos que almejavam conferir sociologia o estatuto de cincia, buscaram nas cincias naturais as bases de sua metodologia j mais avanada, e as discusses epistemolgicas mais desenvolvidas. Dessa forma foram empregados mtodos estatsticos, a observao emprica, e um ceticismo metodolgico a fim de extirpar os elementos "incontrolveis" e "dxicos" recorrentes numa cincia ainda muito nova e dada a grandes elucubraes. Uma das primeiras e grandes preocupaes para com a sociologia foi eliminar juzos de valor feitos em seu nome. Diferentemente da tica, que visa discernir entre bem e mal, a cincia se presta explicao e compreenso dos fenmenos, sejam estes naturais ou sociais. Como cincia, a Sociologia tem de obedecer aos mesmos princpios gerais vlidos para todos os ramos de conhecimento cientfico, apesar das peculiaridades dos fenmenos sociais quando comparados com os fenmenos de natureza e, consequentemente, da abordagem cientfica da sociedade. Tais peculiaridades, no entanto, foram e continuam sendo o foco de muitas discusses, ora tentando aproximar as cincias, ora afastando-as e, at mesmo, negando s humanas tal estatuto com base na inviabilidade de qualquer controle dos dados tipicamente humanos, considerados por muitos, imprevisveis e impassveis de uma anlise objetiva. COMPARAO COM OUTRAS CINCIAS SOCIAIS No comeo do sculo XX, socilogos e antroplogos que conduziam estudos sobre sociedades no-industrializadas ofereceram contribuies Antropologia. Deve ser notado, entretanto, que mesmo a Antropologia faz pesquisa em sociedades industrializadas; a diferena entre Sociologia e Antropologia tem mais a ver com os problemas tericos colocados e os mtodos de pesquisa do que com os objetos de estudo. Quanto a Psicologia social, alm de se interessar mais pelos comportamentos do que pelas estruturas sociais, ela se preocupa tambm com as motivaes exteriores que levam o indivduo a agir de uma forma ou de outra. J o enfoque da Sociologia na ao dos grupos, na ao geral. J a Economia diferencia-se da Sociologia por estudar apenas um aspecto das relaes sociais, aquele que se refere a produo e troca de mercadorias. Nesse aspecto, como mostrado por Karl Marx e outros, a pesquisa em Economia frequentemente influenciada por teorias sociolgicas. Por fim, a Filosofia social intenta criar uma teoria ou "teorias" da sociedade, objetivando explicar as varincias no comportamento social em suas ordens moral, esttica e histricas. Esforos nesse sentido so visveis nas obras de modernos tericos sociais, reunindo um arcabouo de conhecimento que entrelaa a filosofia hegeliana, kantiana, a teoria social de Marx e, ao mesmo tempo, Max Weber, utilizando-se de os

valores morais e polticos do iluminismo liberal mesclados com os ideais socialistas. primeira vista, talvez, seja complexo apreender tal abordagem. Entretanto, as obras de Max Horkheimer, Theodor Adorno, Jrgen Habermas, entre outros, representam uma das mais profcuas vertentes da filosofia social, representada por aquilo que ficou conhecido como Teoria Crtica ou, como mais popularmente se diz, Escola de Frankfurt. SOCIOLOGIA DA ORDEM E SOCIOLOGIA DA CRTICA DA ORDEM A Sociologia, em vista do tipo de conhecimento que produz, pode servir a diferentes tipos de interesses. A produo sociolgica pode estar voltada para engendrar uma forma de conhecimento comprometida com emancipao humana. Ela pode ser um tipo de conhecimento orientado no sentido de promover um melhor entendimento dos homens acerca de si mesmos, para alcanarem maiores patamares de liberdades polticas e de bem-estar social. Por outro lado, a Sociologia pode ser orientada como uma 'cincia da ordem', isto , seus resultados podem ser utilizados com vistas melhoria dos mecanismos de dominao por parte do Estado ou de grupos minoritrios, sejam eles empresas privadas ou Centrais de Inteligncia, revelia dos interesses e valores da comunidade democrtica com vistas a manter o status quo. As formas como a Sociologia pode ser uma 'cincia da ordem' so diversas. Ela pode partir desde a perspectiva do socilogo individual, submetendo a produo do conhecimento no ao progresso da cincia por si ou da sociedade, mas aos seus interesses materiais imediatos. H, porm, o meio indireto, no qual o Estado, como principal ente financiador de pesquisas nas reas da sociologia escolhe financiar aquelas pesquisas que lhe renderam algum tipo de resultado ou orientao estratgicas claras: pode ser tanto como melhor controlar o fluxo de pessoas dentro de um territrio, como na orientao de polticas pblicas promovidas nem sempre de acordo com o interesse das maiorias ou no respeito s minorias. Nesse sentido, o uso do conhecimento sociolgico potencialmente perigoso, podendo mesmo servir finalidades antidemocrticas, autoritrias e arbitrrias. A EVOLUO DA SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA A sociologia no mundo foi-se mostrando presente em vrias datas importantes desde as grandes revolues, desde l cada vez mais foi de fundamental participao para a sociedade mundial e tambm brasileira. Desde o incio a sociologia vem-se preocupando com a sociedade no seu interior, isto diz respeito, por exemplo, aos conflitos entre as classes sociais. Na Amrica Latina, por exemplo, a sociologia sofreu influencias americanas e europias, na medida em que as suas preocupaes passam a ser o subdesenvolvimento, ela vai sofrer influncias das teorias marxistas.

No Brasil nas dcadas de 20 e 30 a sociologia estava num estudo sobre a formao da sociedade brasileira, e analisando temas como abolio da escravatura, xodos, e estudos sobre ndios e negros Nas dcadas seguintes de 40 e 50 a sociologia voltou para as classes trabalhistas tais como salrios e jornadas de trabalho, e tambm comunidades rurais. Na dcada de 60 a sociologia se preocupou com o processo de industrializao do pas, nas questes de reforma agrria e movimentos sociais na cidade e no campo e a partir de 1964 o trabalho dos socilogos se voltou para os problemas scio polticos e econmicos originados pela tenso de se viver em um pas cuja forma de poder o regime militar. Na dcada de 80 a sociologia finalmente volta a ser disciplina no ensino mdio,e tambm ocorreu a profissionalizao da sociologia. Alm da preocupao com a economia poltica e mudanas sociais apropriadas com a instalao da nova repblica, voltam tambm em relao ao estudo da mulher, ao trabalhador rural, e outros assuntos culminantes. PRINCIPAIS SOCILOGOS MILE DURKHEIM MARCOS SOCIAIS Na adolescncia, o jovem David mile presenciou uma srie de acontecimentos que marcaram decisivamente todos os franceses em geral e a ele prprio em particular: a 1 de setembro de 1870, a derrota de Sedan; a 28 de janeiro de 1871, a capitulao diante das tropas alems; de 18 de maro a 28 de maio, a insurreio da Comuna de Paris; a 4 de setembro, a proclamao da que ficou conhecida como III Repblica, com a formao do governo provisrio de Thiers at a votao da Constituio de 1875 e a eleio do seu primeiro presidente (Mac-Mahon). Thiers fora encarregado tanto de assinar o tratado de Frankfurt como de reprimir os communards, at liquidao dos ltimos remanescentes no "muro dos federados". Por outro lado, a vida de David mile foi marcada pela disputa franco-alem: em 1871, com a perda de uma parte da Lorena, sua terra natal tornou-se uma cidade fronteiria; com o advento da Primeira Guerra Mundial, ele viu partir para o f front numerosos discpulos seus, alguns dos quais no regressaram, inclusive seu filho Andrs, que parecia destinado a seguir a carreira paterna. No entretempo, Durkheim assistiu e participou de acontecimentos marcantes e que se refletem diretamente nas suas obras, ou pelo menos nas suas aulas. O ambiente por vezes assinalado como sendo o vazio moral da III Repblica2, marcado seja pelas conseqncias diretas da derrota francesa e das dvidas humilhantes da guerra, seja por uma srie de medidas de ordem poltica, dentre as quais duas merecem destaque especial, pelo rompimento com as tradies que elas representam. A primeira e a chamada lei Naquet, que instituiu o divrcio na Frana aps acirrados debates parlamentares, que se prolongaram de 1882 a 84. A segunda representada pela instruo laica, questo levantada na Assemblia em 1879, por Jules Ferry, encarregado de implantar o novo sistema, como Ministro da Instruo Pblica, em 1882. Foi quando a escola se tornou gratuita para todos, obrigatria dos 6 aos 13 anos, alm de ficar

proibido formalmente o ensino da religio.3 O vazio correspondente ausncia do ensino de religio na escola pblica tenta-se preencher com uma pregao patritica representada pela que ficou conhecida como instruo moral e cvica. Ao mesmo tempo que essas questes polticas e sociais balizavam o seu tempo, uma outra questo de natureza econmica e social no deixava de apresentar continuadas repercusses polticas e o que se denominava questo social, ou seja, as disputas e conflitos decorrentes da oposio entre o capital e o trabalho, vale dizer, entre patro e empregado, entre burguesia e proletariado. Um marco dessa questo foi a criao, em 1895, da Confdration Gnrale du Travail (CGT). A bipolarizao social preocupava profundamente tanto a polticos como a intelectuais da poca, e sua intervenincia no quadro poltico e social do chamado tournant du sicle no deixava de ser perturbadora. Com efeito, apesar dos traumas polticos e sociais que assinalam o incio da III Repblica, o final do sculo XIX e comeo do sculo XX correspondem a uma certa sensao de euforia, de progresso e de esperana no futuro. Se bem que os xitos econmicos no fossem de tal ordem que. pudessem fazer esquecer a sucesso de crises (1900-01, 1907, 1912-13) e os problemas colocados pela concentrao, registrava-se uma srie de inovaes tecnolgicas que provocavam repercusses imediatas no campo econmico. a era do ao e da eletricidade que se inaugura, junto com o incio do aproveitamento do petrleo como fonte de energia ao lado da eletricidade que se notabiliza por ser uma energia limpa, em contraste com a negritude do carvo, cuja era declinava e que, ao lado da telegrafia, marcam o incio do que se convencionou chamar de segunda revoluo industrial, qual seja, a do motor de combusto interna e do dnamo. Alm dessas invenes, outras se sucediam. Embora menos importantes, eram sem dvida mais espetaculares, como o avio, o submarino, o cinema, o automvel, alm das rotativas e do linotipo que tornaram as indstrias do jornal e do livro capazes de produes baratas e de atingir um pblico cada vez maior. Tudo isso refletia um avano da cincia, marcada pelo advento da teoria dos quanta, da relatividade, da radioatividade, da teoria atmica, alm do progresso em outros setores mais diretamente voltados aplicao, como a das ondas hertzianas, das vitaminas, do bacilo de Koch, das vacinas de Pasteur etc. No pois de se admirar que vigorasse um estilo de vida belle poque, com a Exposio Universal. comemorativa do centenrio da revoluo, seguida da exposio de Paris, simultnea com a inaugurao domtro em 1900. O ltimo quartel do sculo fora marcado, alm da renovao da literatura, do teatro e da msica, pelo advento do impressionismo, que tirou a arte pictrica dos ambientes fechados, dos grandes acontecimentos e das grandes personalidades da monumentalidade, enfim para se voltar aos grandes espaos abertos, para as cenas e os homens comuns para o cotidiano. Porque este homem comum que se v diante dos grandes problemas representados pelo pauperismo, pelo desemprego, pelos grandes fluxos migratrios. Ele objeto de preocupao do movimento operrio, que inaugura, com a fundao da CGT no Congresso de Limoges, uma nova era do sindicalismo, que usa a greve como instrumento de reivindicao econmica e no mais exclusivamente poltica. certo que algumas conquistas se sucedem, com os primeiros passos do seguro social e da legislao trabalhista, sobretudo na Alemanha de Bismarck.

Mas se objetivam tambm medidas tendentes a aumentar a produtividade do trabalho, como o taylorismo (1912). Tambm a Igreja se volta para o problema, com a encclica Rerum Novarum (1891), de Leo XIII, que difunde a idia de que o proletariado poderia deixar de ser revolucionrio na medida em que se tornasse proprietrio. a chamada desproletarizao que se objetiva, tentada atravs de algumas "solues milagrosas", tais como o cooperativismo, corporativismo,, participao nos lucros etc. Pretende-se, por vrias maneiras, contornar a questo social e eliminar a luta de classes, espantalhos do industrialismo. Enfim, estamos diante do esprito moderno. Na cole Normale Suprieure, o jovem David mile tivera oportunidade de assistir s aulas de Boutroux, que assinala os principais traos caractersticos dessa poca: progresso da cincia (no mais contemplativa, mas agora transformadora da realidade), progresso da democracia (resultante do voto secreto e da crescente participao popular nos negcios pblicos), alm da generalizao e extraordinrio progresso da instruo e do bem-estar. Como corolrio desses traos, o mestre neokantiano ressalta as correntes de idias derivadas, cuja difuso viria encontrar eco na obra de Durkheim: aspira-se constituio de uma moral realmente cientfica (o progresso moral equiparando-se ao progresso cientfico); a moral viria a ser considerada como um setor da cincia das condies das sociedades humanas (a moral ela prpria um fato social) ; a moral se confunde enfim com civilizao o povo mais civilizado o que tem mais direitos e o progresso moral consiste no domnio crescente dos povos cuja cultura seja a mais avanada.4 No pois de se admirar que essa poca viesse tambm a assistir a uma nova vaga de colonialismo, no mais o colonialismo da caravela ou do barco a vapor, mas agora o colonialismo do navio a diesel, da locomotiva, do aeroplano, do automvel e de toda a tecnologia implcita e eficiente, alm das novas manifestaes morais e culturais. Enfim, Durkheim foi um homem que assistiu ao advento e expanso do neocapitalismo, ou do capitalismo monopolista. Ele no resistiu aos novos e marcantes acontecimentos polticos representados pela Primeira Guerra Mundial, com o aparecimento simultneo tanto do socialismo na Rssia como da nova roupagem do neocapitalismo, representada pelo Welfare State. DURKHEIM E OS HOMENS DE SEU TEMPO Durkheim nasceu em pinal, Departamento de Vosges, que fica exatamente entre a Alscia e a Lorena, a 15 de abril de 1858. Morreu em 1917. De famlia judia, seu pai era rabino e ele prprio teve seu perodo de misticismo, tornando-se porm agnstico aps a ida para Paris. Aqui, no Lyce Louis-le-Grand (em pleno corao do Quartier Latin, entre a Sorbonne, o Collge de France e a Facult de Droit), preparou-se para o baccalaurat, que lhe permitiu entrar para a cole Normale Suprieure. Bastou-lhe, pois, atravessar a praa doPanthon para atingir a famosa rue dUlm, sem sair portanto do mesmo quartier, para completar sua formao. Na Normale vai se encontrar com alguns homens que marcaram sua poca. Entra em 1879 e sai em 1882, portando o ttulo de Agrg de Philosophie. Ali se tornara amigo ntimo de Jaurs, que obtivera o 1 lugar na classificao de 1876 e sara em 3 na agrgation de 1881; foi colega de Bergson, que entrou igualmente em 1876 em 3 lugar e saiu em 1881 em 2. Dois colegas que se notabilizaram: o primeiro como filsofo, mas sobretudo como tribuno, lder socialista, que se popularizou como defensor de Dreyfus

e acabou por ser assassinado em meio ao clima de tenso poltica s vsperas da deflagrao da guerra em 1914; o segundo, filsofo de maior expresso, adotou uma linha menos participante e muito mstica, apesar de permanecer no index do Vaticano, e alcanou os pncaros da glria, nas Academias, no Collge de France, na Sociedade das Naes e como Prmio Nobel de Literatura em 1928. Entre esses dois homens to amigos mas to adversos Durkheim permaneceu no meio-termo e num plano mais discreto. O Diretor da Normale era Bersot, crtico literrio preocupado com a velha Frana e que chama a ateno do jovem mile para a obra de Montesquieu. Sucede-o na direo Fustel de Coulanges, historiador de renome que influencia o jovem mile no estudo das instituies da Grcia e Roma. Ainda como mestres sobressaem os neokantianos Renouvier e sobretudo o citado Boutroux. Durante os anos em que ensinou Filosofia em vrios liceus da provncia (Sens, St. Quentin, Troyes), volta seu interesse para a Sociologia. A Frana, apesar de ser, num certo sentido, a ptria da Sociologia, no oferecia ainda um ensino regular dessa disciplina, que sofreu tanto a reao antipositivista do fim do sculo como uma certa confuso com socialismo havia uma certa concepo de que a Sociologia constitua uma forma cientfica de socialismo. Para compensar essa deficincia especfica de formao, Durkheim tirou um ano de licena (1885-86) e se dirigiu Alemanha, onde assistiu aulas de Wundt e teve sua ateno despertada para as cincias do esprito de Dilthey, para o formalismo de Simmel, alm de tomar conhecimento direto da obra de Tnnies, que lanara sua tipologia da Gemeinschaft e Gesellschaft. Mas e surpreendente verificar-se que, apesar de certa familiaridade com a literatura filosfica e sociolgica alem, Durkheim no chegou a tomar conhecimento da obra de Weber e foi por este desconhecido tambm.5 Isto no impede a Nisbet de dizer que Durkheim, em companhia de Weber e Simmel, tenha sido responsvel pela reorientao das cincias sociais no sculo XX.6 Achava-se, portanto, plenamente habilitado para iniciar sua carreira brilhante de professor universitrio, ao ser indicado por Liard e Espinas para ministrar as aulas de Pedagogia e Cincia Social na Facult de Lettres de Bordeaux, de 1887 a 1902. Foi este o primeiro curso de Sociologia que se ofereceu numa universidade francesa, tendo sido, pelo prestgio que lhe emprestou Durkheim, transformado em chaire magistrale em 1896. Nessa cidade, to voltada para o comrcio do Novo Mundo, florescera um esprito burgus e republicano, simultneo com a manuteno do racionalismo cartesiano. A o jovem mestre encontrou condies adequadas para produzir o grosso de sua obra, a comear por suas teses de doutoramento. A tese principal foi De la division du travail social, que alcanou grande repercusso: publicada em 1893, foi reeditada no ano em que deixou Bordeaux (1902) . A tese complementar, escrita em latim, foi publicada em 1892 mas editada em francs so em 1953, sob o ttulo de: Montesquieu et Rousseau, prcurseurs de la Sociologie. Logo aps, em 1895, publicou Les rgles de la mthode sociologiquee, apenas dois anos depois, Le suicide. Assim, num perodo de somente seis anos, foram editados praticamente trs quartos da obra sociolgica de Durkheim, que demonstra uma extraordinria fecundidade terica.

Talvez o curto lapso de tempo entre suas principais obras tenha propiciado uma notvel coerncia na elaborao e na aplicao de uma metodologia com slidos fundamentos tericos. Alm disso, escreveu uma srie de importantes artigos para publicao imediata e outros editados mais tarde, sobretudo seus cursos, que eram sempre escritos previamente. O que surpreende ainda em sua trajetria intelectual no s a referida fecundidade, mas sobretudo a relativa mocidade com que produziu a maior parte de sua obra. Fora para Bordeaux aos 30 anos incompletos e, no decorrer de uma dcada, j havia feito o suficiente para se tornar o mais notvel socilogo francs, depois que Comte criara esta disciplina. preciso no se perder de vista o fato de que o prestgio intelectual era, no seu tempo, exclusividade dos velhos, mas nenhum dos retratos ou fotos de Durkheim conhecidos fixa os momentos bordelenses de sua vida, os quais, como se viu, foram decisivos. Sua primeira aula na universidade versou sobre a solidariedade social, refletindo uma preocupao muito em voga na poca. Alm disso, a solidariedade constitui o ponto de partida no apenas de sua teoria sociolgica, mas tambm da primeira obra estritamente sociolgica que publicou. O esquema durkheimiano apresentado mais adiante procura fixar de maneira bem ntida essa caracterstica. Sua intensa atividade intelectual pode ser comprovada tambm pela iniciativa, tomada em 1896, de fundar uma grande revista, qual seja, LAnne Sociologique, que se converteu num verdadeiro trabalho de laboratrio, na expresso de Duvignaud.7 Os propsitos enunciados no prefcio do volume I no so apenas apresentar um quadro anual do estado em que se encontra a literatura propriamente sociolgica, o que constituiria uma tarefa restrita e medocre. Para ele, o que os socilogos necessitam de ser regularmente informados das pesquisas que se fazem nas cincias especiais, histria do direito, dos costumes, das religies, estatstica moral, cincias econmicas etc., porque a que se encontram os materiais com os quais se deve construir a Sociologia (cf. Journal Sociologique. p. 31). Uma peculiaridade curiosa, relacionada com o referido desconhecimento mtuo de Durkheim e Weber, reside no fato de aquele ter publicado em LAnne (v. XI, 1906/1909) uma resenha de um livro de Marianne Weber, nada menos que a mulher de Max Weber; trata-se de Ehefrau und Mutter in der Rechtsentwicklung, publicado em 1907, que parece ter interessado a Durkheim por suas preocupaes com os problemas da famlia e matrimnio. Ele critica o simplismo da argumentao de M.me Weber, ao desenvolver sua tese de que a famlia patriarcal determinou uma completa subservincia da mulher (cf. ibid. p. 644-49). Em Bordeaux teve como colegas os filsofos Hamelin e Rodier, este comentarista de Aristteles e aquele, discpulo de Renouvier, tendendo, porm, mais para o idealismo hegeliano do que para o criticismo kantiano. Ao deixar essa cidade, sucedeu-o Gaston Richard, seu antigo colega na Normale, mas que, dissidente mais tarde de LAnne, veio a se tornar um dos maiores crticos de Durkheim. Este, por sua vez, empreende sua segunda migrao da provncia para a capital, como todo intelectual francs que se projeta.

Em Paris nomeado assistente de Buisson na cadeira de Cincia da Educao na Sorbonne, em 1902. Quatro anos aps, com a morte do titular, assume esse cargo. Mantm a orientao laica imprimida por seu antecessor, mas em 1910 consegue transform-la em ctedra de Sociologia que, pelas suas mos, penetra assim no recinto tradicional da maior instituio universitria francesa, consolidando pois o status acadmico dessa disciplina. Suas aulas na Sorbonne transformaram-se em verdadeiros acontecimentos, exigindo um grande anfiteatro para comportar o elevado nmero de ouvintes, que afluam por vezes com uma hora de antecedncia para obter um lugar de onde se pudesse ver e ouvir o mestre, j ento definitivamente consagrado. O ambiente intelectual foi para Durkheim o mesmo que a gua para o peixe, o que ele herdou de seu pai e transmitiu aos seus filhos. Seu filho, morto na guerra, preparava um ensaio sobre Leibniz. Sua filha casou-se com o historiador Halphen. Seu sobrinho Marcel Mauss tornou-se um dos grandes antroplogos, colaborador e co-autor de De quelques formes primitives de classification. A famlia praticamente se estende aos seus discpulos, que se notabilizaram nos estudos sobre a Grcia (Glotz), os celtas (Hubert), a China (Granet), o Norte da frica (Maunier), o direito romano (Declareuil). Os mais numerosos tornam-se membros da que ficou conhecida como Escola Sociolgica Francesa: alm de Mauss, Fauconnet, Davy, Halbwachs, Simiand, Bougl, Lalo, Duguit, Darbon, Milhau etc. etc. Trata-se na verdade de uma escola que no cerrou as portas. A OBRA SUA POSIO NO DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA Em artigo publicado em 1900 na Revue Bleue (La Sociologie en France ao XIXe sicle), defende a tese de que a Sociologia uma cincia essencialmente francesa (DURKHEIM, 1970: p. 111), dado seu nascimento com Augusto Comte. Mas, morto o mestre, a atividade intelectual sociolgica de seus discpulos foi sobrepujada pelas preocupaes polticas. E a Sociologia imobilizou-se durante toda uma gerao na Frana. Mas prosseguira, enquanto isso, seu caminho na Inglaterra, com Spencer e o organicismo. A Frana ps-napolenica viveu num engourdissement mental, que s se interromperia momentaneamente com a Revoluo de 1848 e, posteriormente, com a Comuna de Paris. Durkheim severo no julgamento do perodo que o antecedeu de imediato: fala mesmo de uma acalmia intelectual que desonrou o meado do sculo e que seria um desastre para a nao(id., ibid. p. 136). O revigoramento da Sociologia se teria iniciado com Espinas, que introduziu o organicismo na Frana, ao mostrar que as sociedades so organismos, distintos dos puramente fsicos so organizaes de idias. Mas para Durkheim tais formulaes so prprias de uma fase herica, em que os socilogos procuram abranger na Sociologia todas as cincias. tempo de entrar mais diretamente em relao com os fatos, de adquirir com seu contato o sentimento de sua diversidade e sua especificidade, a fim de diversificar os prprios problemas, de os determinar e aplicar-lhes um mtodo que seja imediatamente apropriado natureza especial das coisas coletivas(id., ibid. p. 125-26).

Nada disso podia fazer o organicismo, que no nos dera uma lei sequer. A tarefa a que se props Durkheim foi

em lugar de tratar a Sociologia in genere, ns nos fechamos metodicamente numa ordem de fatos nitidamente delimitados salvo as excurses necessrias nos domnios limtrofes daquele que exploramos, ocupamo-nos apenas das regras jurdicas e morais, estudadas seja no seu devir e sua gnese [cf. Division du travail] por meio da Histria e da Etnografia comparadas, seja no seu funcionamento por meio da Estatstica [cf. Le suicide]. Nesse mesmo crculo circunscrito nos apegamos aos problemas mais e mais restritos. Em uma palavra, esforamo-nos em abrir, no que se refere Sociologia na Frana, aquilo que Comte havia chamado a era da especialidade(DURKHEIM, 1970: p. 126). Eis, em suas prprias palavras, as linhas mestras de sua obra. Sua preocupao foi orientada pelo fato de que a noo de lei estava sempre ausente dos trabalhos que visavam mais literatura e erudio do que cincia: A reforma mais urgente era pois fazer descer a idia sociolgica nestas tcnicas especiais e, por isso mesmo, transforma-las, tornando realidade as cincias sociais(id., ibid. p. 127). A superao dessa metafsica abstrata exigia um mtodo, tal como o fez em Les rgles de la mthode sociologique. Mas estas no surgiram de elaboraes abstratas desses filsofos que legiferam diariamente sobre o mtodo sociolgico, sem ter jamais entrado em contato com os fatos sociais. Assim, somente depois que ensaiamos um certo nmero de estudos suficientemente variados, que ousamos traduzir em preceitos a tcnica que havamos elaborado. O mtodo que expusemos no seno o resumo da nossa prtica(id., ibid. p. 128). A tarefa a que se props era, pois, conscientemente da maior envergadura. Ela se tornou possvel no final do sculo XIX devido "reao cientfica" que estava ocorrendo. Nesse sentido, a Frana voltava - a desempenhar o papel predestinado no desenvolvimento da Sociologia. Dois fatores favoreciam isso: primeiro, o acentuado enfraquecimento do tradicionalismo e, segundo, o estado de esprito nacionalista. A Frana e o pais de Descartes e, apesar de sua concepo ultrapassada de racionalismo, para super-lo era mais importante ainda conservar os seus princpios : Devemos empreender maneiras de pensar mais complexas, mas conservar esse culto das idias distintas, que est na prpria raiz do esprito francs, como na base de toda cincia(id., ibid. p. 135). Eis-nos portanto diante de um renascimento do iluminismo, na figura desse Descartes moderno que foi mile Durkheim. CONCEPO DE CINCIA E DE SOCIOLOGIA

Dentro da tradio positivista de delimitar claramente os objetos das cincias para melhor situ-las no campo do conhecimento, Durkheim aponta um reino social, com individualidade distinta dos reinos animal e mineral. Trata-se de um campo com caracteres prprios e que deve por isso ser explorado atravs de mtodos apropriados. Mas esse reino no. se situa parte dos demais, possuindo um carter abrangente: porque no existe fenmeno que no se desenvolva na sociedade, desde os fatos fsico-qumicos at os fatos verdadeiramente sociais (La Sociologie et son domaine scientifique.Apud CUVILLIER, 1953: p. 179). Nesse mesmo artigo (datado tambm de 1900), em que contrape suas concepes quelas formalistas de Simmel, e onde antecipa vrias colocaes posteriores (como sua diviso da Sociologia, cf. p. 41), Durkheim fala tambm de um reino moral, ao concluir que: a vida social no outra coisa que o meio moral, ou melhor, o conjunto dos diversos meios morais que cercam o indivduo (id., ibid. p. 198). Aproveita para esclarecer o que entende por fenmenos morais: Qualificando-os de morais, queremos dizer que se trata de meios constitudos pelas idias; eles so, portanto, face s conscincias individuais, como os meios fsicos com relao aos organismos vivos(id., ibid.). No incio de sua carreira Durkheim empregava o termo "cincias sociais", paulatinamente substitudo pelo de sociologia, mas reservando aquele ainda para designar as cincias sociais particulares (i. , Morfologia Social, Sociologia. Religiosa etc.), que so divises da Sociologia. Ao iniciar suas funes em Bordeaux, foi convidado a pronunciar a aula inaugural do ano letivo de 1887-88, publicada neste ltimo ano sob o ttulo de Cours de Science Sociale (DURKHEIM, 1953: p. 77-110). Ele corresponde na verdade a um programa de trabalho serve para expressar suas concepes bsicas sua preocupao dominante de limitar circunscrever ao mximo a extenso de suas investigaes. Nesse sentido, a Sociologia constitui uma cincia no meio de outras cincias positivas (id., ibid. p. 78). E por cincia positiva entende um estudo metdico que conduz ao estabelecimento das leis, mais bem feito pla experimentao: Se existe um ponto fora de dvida atualmente que todos os seres da natureza, desde o mineral at o homem, dizem respeito cincia positiva, isto , que tudo se passa segundo as leis necessrias (id., ibid. p. 82). Desde Comte a Sociologia tem um objeto, que permanece entretanto indeterminado: ela deve estudar a Sociedade, mas a Sociedade no existe: Il y a des socits (id., ibid. p. 88) que se classificam em gneros e espcies, como os vegetais os animais. Aps repassar os principais autores que lidaram com essa disciplina, conclui: Ela [a Sociologia] tem um objeto. claramente definido e um mtodo para estud-lo. O objeto so os fatos sociais; o mtodo e a observao e a experimentao indireta, em outros termos, o mtodo comparativo. O que falta atualmente traar os quadros gerais

da cincia e assinalar suas divises essenciais. (...) Uma cincia no se constitui verdadeiramente seno quando dividida e subdividida, quando compreende um certo nmero de problemas diferentes e solidrios entre si (id., ibid. p. 100). O domnio da cincia, por sua vez, corresponde ao universo emprico e no se preocupa seno com essa realidade. No mencionado artigo publicado na Revue Bleue, e antes de tratar do tema a que se propusera, faz algumas consideraes de grande interesse, para mostrar como a Sociologia uma cincia que se constitui num momento de crise O que certo que, no dia em que passou a tempestade revolucionria, a noo da cincia social se constituiu como por encantamento (id., ibid. p. 115) e quando domina um vivo sentimento de unidade do saber humano. Parte de uma distino entre cincia e arte. Aquela estuda os fatos unicamente para os conhecer e se desinteressa pelas aplicaes que possam prestar s noes que elabora. A arte, ao contrrio; s os considera para saber o que possvel fazer com eles, em que fins teis eles podem ser empregados, que efeitos indesejveis podem impedir que ocorram e por que meio um ou outro resultado pode ser obtido. Mas no h arte que no contenha em si teorias em estado imanente (id., ibid. p. 112).8 A cincia s aparece quando o esprito, fazendo abstrao de toda preocupao prtica, aborda as coisas com o nico fim de represent-las (id., ibid. p. 113). Porque estudar os fatos unicamente para saber o que eles so implica uma dissociao entre teoria e prtica, o que supe uma mentalidade relativamente avanada, como no caso de se chegar a estabelecer leis relaes necessrias, segundo a concepo de Montesquieu. Ora, com respeito Sociologia, Durkheim concebe que as leis no podem penetrar seno a duras penas no mundo dos fatos sociais: e isto foi o que fez com que a Sociologia no pudesse aparecer seno num momento tardio da evoluo cientfica (id., ibid.,). Esta e uma idia repetidas vezes encontrada nos vrios artigos que Durkheim publicou na virada do sculo, como, por exemplo, na mencionada aula inaugural de Bordeaux. Fica evidente que, apesar do seu desenvolvimento tardio, a Sociologia fruto de uma evoluo da cincia. Ela nasce sombra das cincias naturais; eis a idia final do mencionado artigo a propsito de Simmel: a Sociologia no corresponde a uma simples adio ao vocabulrio, a esperana e a de que ela seja e permanea o sinal de uma renovao profunda de todas as cincias que tenham por objeto o reino humano (apud CUVILLIER, 1953: p. 207). O MTODO Les rgles de la mthode sociologique (1895) constitui a primeira obra exclusivamente metodolgica escrita por um socilogo e voltada para a investigao e explicao sociolgica. importante ressaltar sua prpria posio cronolgica: publicada depois de Division du travail social (tese de doutoramento em 1893), seus princpios metodolgicos so inferidos dessa investigao (ainda que no fosse trabalho de campo); tais princpios por sua vez so postos prova e aplicados numa monografia exemplar que Le suicide (1897), em que a manipulao de variveis e dados empricos feita

pela primeira vez num trabalho sociolgico sistemtico e devidamente delimitado. Simultaneamente com a elaborao dessa monografia em que utiliza o mtodo estatstico, Durkheim organiza uma outra de menor porte em 1896 (La prohibition de l'inceste et ss origines. DURKHEIM, 1969: p. 37-101), e onde o mtodo de anlise de dados etnogrficos aplicado numa perspectiva sociolgica. Esta linha. de investigao tem prosseguimento na sua no menos importante monografia publicada em 1901-02 De quelques formes primitives de classification (id., ibid. p. 395-460), elaborada de parceria com Mauss. Estas duas monografias antecipam a ltima fase metodolgica de Durkheim, que culmina com a publicao relativamente tardia de Les formes lmentaires de la vie religieuse (1912). Essa fase de grande originalidade do ponto de vista metodolgico, na medida em que a manipulao de dados etnogrficos permite a anlise de representaes coletivas, que so encaradas, num sentido estrito, como representaes mentais ou, melhor dito, representaes simblicas que, por sua vez, so imagens da realidade emprica. Em outros termos, Durkheim empreende os primeiros delineamentos da sociologia do conhecimento. Sua originalidade consiste em que, atravs da anlise das religies primitivas o totemismo como sua forma primeira e mais simples , pode-se perceber como os homens encaram a realidade e constroem uma certa concepo do mundo e, mais ainda, como eles prprios se organizam hierarquicamente, informados por tal concepo. Como se viu, a sucessiva introduo de elementos enriquecedores da anlise adquire um significado metodolgico especial, pois constitui ao lado de conhecimentos positivos que proporciona clara demonstrao do processo de induo cientfica. Em De quelques formes primitives de classification, Durkheim e Mauss escrevem: Todos os membros da tribo se encontram assim classificados em quadros definidos e que se encaixam uns nos outros. Ora, a classificao das coisas reproduz essa classificao dos homens (DURKHEIM, 1969: p. 402. Grifos do original). Essa , em ltima anlise, a tese de Les formes lmentaires e que, naquele mesmo texto, igualmente enunciada como segue: Em resumo, se no estamos bem certos de dizer que essa maneira de classificar as coisas est necessariamente implicada no totemismo, e, em todo caso, certo que ela se encontra muito freqentemente nas sociedades que so organizadas sobre uma base totmica. Existe pois uma ligao estreita, e no apenas uma relao acidental, entre esse sistema social e esse sistema lgico (id. ibid. p. 425. Grifos nossos). A questo epistemolgica que se levanta da maior relevncia cientfica e do maior interesse sociolgico. Em sntese, no e apenas atravs das

verbalizaes que o homem procura representar a realidade: ele o faz at mesmo pela maneira como se dispe territorialmente, face a essa realidade. E suas formas organizacionais da vida social, alm de mediaes empricas, so portadoras de uma ideologia implcita, que forma um arcabouo interno quase disfarado se no fora a agudeza de penetrao do esprito cientfico do investigador sustentador virtual do sistema social. necessrio um mtodo apurado, tal como desenvolveu Durkheim, para que se possa ver, descrever e, o que e mais importante do ponto de vista cientfico, classificara(s) realidade(s). Essa nos parece uma das mais notveis contribuies cientficas da Sociologia, cujos mritos devem ser prioritariamente creditados a Durkheim. Na Introduo de Les rgles Durkheim chama a ateno para o fato de que os socilogos se mostram pouco preocupados em caracterizar e definir o mtodo que aplicam: est ausente na obra de Spencer; a lgica de Stuart Mill se preocupou sobretudo em passar sob o crivo da dialtica as afirmativas de Comte; enquanto este lhe dedica um s captulo de seu Cours de philosophie positive (v. VI, 58a lio) o nico estudo original e importante que temos sobre o assunto (DURKHEIM, 1895: p. 1). Se nesse captulo Comte se mostra largamente influenciado por Bacon e parcialmente por Descartes, pode-se perceber como este tambm influenciou Durkheim. Mas talvez se deva a Montesquieu a maior dose de influncia sobre o autor das Rgles. Embora este no se mostre preocupado simplesmente em estabelecer leis explicativas dos fenmenos sociais, acha-se implcita a idia das relaes necessrias que se estabelecem no mbito dos fenmenos da sociedade. J na sua tese complementar sobre Montesquieu ele evidenciara sua preocupao com duas instncias encadeadas de descrever e interpretar a realidade social.9 Com respeito a Descartes, a vinculao e menos evidente, mas no se pode deixar de assinalar certa semelhana na formulao de Les rgles de la mthode sociologique com as Rgles pour la direction de lesprit, uma espcie de manual inacabado de metafsica e publicado post-mortem. 10 A primeira regra cartesiana poderia servir perfeitamente como epgrafe das Rgles de Durkheim: Os estudos devem ter por finalidade dar ao esprito [ingenium no original latino] uma direo que lhe permita conduzir a julgamentos slidos e verdadeiros sobre tudo que se lhe apresente (DESCARTES, Rgles. 1970: p. 1) . Apesar de Descartes utilizar a aritmtica e a geometria nas suas exemplificaes e demonstraes, fica claro que suas regras no se limitam s matemticas ali tomadas como prottipo das cincias. O tratamento dos fenmenos como coisa e uma constante nesse trabalho de Descartes, tal como no de Durkheim. Assim, a Regra XV (de Descartes) recomenda que, ao se tomar a figura de um corpo, deve-se tra-la e apresent-la ordinariamente aos sentidos externos. Na Regra V, Descartes define o mtodo:

Todo mtodo consiste na ordem e arranjo dos objetos sobre os quais se deve conduzir a penetrao da inteligncia para descobrir qualquer verdade (id., ibid. p. 29). E na Regra VI faz uma recomendao que largamente desenvolvida em Logique de Port-Royal: distinguir as coisas mais simples daquelas mais complexas e que, como todas as coisas podem ser distribudas em sries, e preciso discernir nestas o que e mais simples. Na Regra XII essa colocao retomada, para mostrar todos os recursos necessrios para se ter uma intuio distinta das proposies simples, seja para fins classificatrios, seja para fins comparativos. Tais colocaes no deixam de estar presentes na recomendao bsica de Durkheim, no que se refere constituio dos tipos sociais (cap. IV): Comea-se por classificar as sociedades segundo o grau de composio que estas apresentam, tomando por base a sociedade perfeitamente simples ou de segmento nico; no interior dessas classes se distinguiro as diferentes variedades, conforme se produza ou no uma coalescncia completa dos segmentos iniciais (DURKHEIM, 1895: p. 86) LE SUICIDE: UMA MONOGRAFIA EXEMPLAR Quase 70 anos aps sua publicao, um socilogo americano, Selvin, fez inserir um artigo no American Journal of Sociology em que o estudo de Durkheim e considerado ainda um modelo de pesquisa social, onde o mtodo central utilizado o da anlise multivariada (a introduo de progressivas variveis adicionais permite aprofundar o tratamento do problema at garantir generalizaes seguras).12 A utilizao da estatstica como instrumento de anlise feita a por Durkheim, ao mesmo tempo que, na Inglaterra, Booth, Rowntree e Bowley usam mtodos estatsticos refinados no estudo de problemas ligados ao pauperismo. 13 Mas foi a descoberta americana de Le suicide que veio colocar definitivamente esta obra no rol dos clssicos imperecveis e sempre modernos, aps a traduo inglesa feita em 1951 por John A. Spaulding e George Simpson, com introduo assinada pelo ltimo. Algumas valorizaes especficas devem ser citadas: Merton apresenta-a como um dos melhores exemplos do que ele veio a chamar teoria de mdio alcance uma generalizao segura base de dados empricos tratados com preciso e segurana ao lado de A tica Protestante e o Esprito Capitalista de weber (MERTON, 1968: cap. 11, esp. p. 59 e 63). Rosenberg mostra como Durkheim ps em prtica a generalizao descritiva do tipo replicao, que envolve diferentes populaes para a anlise comparativa de um fenmeno (ROSENBERG, 1968: p. 224).14

Stinchcombe, ao estudar as formas fundamentais da inferncia cientfica, recorre a Le suicide para mostrar como a prova mltipla de uma teoria e mais convincente do que a prova simples e para ilustrar um experimento crucial (no sentido baconiano ) Durkheim ps prova a noo vulgar de seu tempo de que o suicdio resultaria de uma enfermidade mental, e comparou populaes diferentes para mostrar que, se fosse o caso, as populaes com altas taxas de enfermidade mental teriam altas taxas de suicdio: Assim Durkheim pde descrever um conjunto de observaes (as relaes entre taxas de enfermidade mental e taxas de suicdio. para vrias regies) que dariam um resultado (correlao positiva), se a enfermidade mental causasse o suicdio, e outro resultado diferente (correlao insignificante), se operassem as causas sociais. Durkheim realizou depois estas observaes e a correlao entre taxas de enfermidade mental e taxas de suicdio resultou insignificante. Isto refutou a teoria alternativa (tal como estava formulada) e fez com que sua teoria fosse muito mais veraz (STINCHCOMBE, 1970: cap. 2, esp. p. 36). Madge, enfim (last but not least), mostra como Durkheim escolheu esse tema por trs razes: 1) o termo suicdio poderia ser facilmente definido; 2) existe muita estatstica a respeito; 3) uma questo de considervel importncia. Durkheim estava absolutamente seguro de sua tarefa, que era demonstrar que as cincias sociais podem examinar uma questo social importante, sobre a qual outras pessoas haviam filosofado por muito tempo, e pde mostrar, mediante a apresentao sistemtica de fatos existentes, que possvel chegar a concluses teis que podem ajudar com proposies prticas as aes futuras (MADGE, 1967: cap. 2, esp. p. 16). POSIO METODOLGICA Les Rgles constituem um esforo sistemtico com vistas elaborao de uma teoria da investigao sociolgica (FERNANDES, 1959: p. 78), voltada para a busca de regularidades que so prprias do reino social e que permitem explicar os fenmenos que ocorrem nesse meio sem precisar tomar explicaes emprestadas de outros reinos. A posio metodolgica de Durkheim , por conseguinte, estritamente sociolgica, a tal ponto que se torna difcil enquadr-lo numa determinada corrente sociolgica sem correr o risco de tomar a parte pelo todo. Assim, por exemplo, sua tipologia social evolutiva estabelecida a partir da solidariedade social mecnica e orgnica poderia sugerir, tal como as primeiras pginas de La division du travail poderiam confirmar, que se trata meramente de um organicista. Mas o problema no se coloca de maneira to simplista. Para compreend-lo preciso levar em conta o ambiente intelectual do sculo XIX, quando surgiu, principalmente na Inglaterra mergulhada no industrialismo, uma reao contra a concepo mecnica da sociedade, fruto desse mesmo industrialismo e na qual a diviso do trabalho se apresentava como uma grande conquista do esprito inventivo do homem.

Essa reao visava antes de tudo a uma valorizao do homem, para superar a excessiva valorizao d mquina. Da uma srie de esforos no sentido de uma concepo orgnica da sociedade, que instruiu tanto concepes conservadoras tal como a de Spencer quanto socialistas tal como a de John Ruskin.15 Na verdade, qualquer tentativa de simplesmente explicar o social pelo orgnico esbarraria com os preceitos metodolgicos explicitados nas Rgles. Ao concluir Ls rgles, Durkheim sintetiza seu mtodo em trs pontos bsicos: a) independe de toda filosofia; b) objetivo; c) exclusivamente sociolgico e os fatos sociais so antes de tudo coisas sociais. Buscando uma emancipao da Sociologia (DURKHEIM, 1895: p. 140) e procurando dar-lhe uma personalidade independente (id., ibid. p. 143) diz claramente nas pginas finais: Fizemos ver que um fato social no pode ser explicado seno por um outro fato social e, ao mesmo tempo, mostramos como esse tipo de explicao e possvel ao assinalar no meio social interno o motor principal da evoluo coletiva. A Sociologia no e, pois, o anexo de qualquer outra cincia; , ela mesma, uma cincia distinta e autnoma, e o sentimento do que tem de especial a realidade social de tal maneira necessrio ao socilogo, que apenas uma cultura especialmente sociolgica pode prepar-lo para a compreenso dos fatos sociais (id, ibid.). Assim, o enquadramento que se pode fazer de Durkheim numa ou noutra corrente sociolgica so e vlido para aspectos parciais de sua obra. Florestan Fernandes ressalta que a primeira formulao adequada dos fenmenos de funo e da utilizao da explicao funcionalista na Sociologia surge com A Diviso do Trabalho Social e As Regras do Mtodo Sociolgico de Durkheim (FERNANDES, 1959: p. 204-05). Em sua obra metodolgica Durkheim coloca a explicao, posteriormente chamada funcionalista (embora no revestida de preocupaes teleolgicas que, segundo ele, levariam a confuses com a filosofia), entre outras explicaes que no se enquadram nessa corrente e mesmo a contradizem. Assim ocorre com a explicao gentica, que tanto repudiam os funcionalistas modernos.16 Em suas obras posteriores, a abordagem funcionalista est ausente (Le suicide) ou aparece espordica e secundariamente (Les formes lmentaires de la vie religieuse). Outras caracterizaes comumente feitas de Durkheim enquadram-no como sociologista e/ou positivista. Sua caracterizao como sociologista, tal como faz Sorokin, por exemplo, coloca-o ao lado de Comte e serve sobretudo para marcar uma linha divisria entre Durkheim e Tarde, este caracterizado como psicologista (SOROKIN, 1938: cap. VIII, esp. p. 329 et segs.). A divergncia bsica consiste na precedncia ou proeminncia do indivduo e da sociedade. Durkheim, na medida em que desenvolve sua teoria mediante a adoo de conceitos bsicos de coero, solidariedade, autoridade, representaes coletivas etc., est na realidade fundamentalmente preocupado com a manuteno da ordem social. Nesse sentido, sua posio e antiatomista e se antepe abordagem de Spencer e Tarde sobretudo, essencialmente individualistas e em linha com a tradio liberal do sculo XIX com que, na

medida em que o indivduo busca sua realizao pessoal (sobretudo sua riqueza), estar contribuindo para o bem-estar social. A posio durkheimiana a propsito das relaes indivduo-sociedade talvez seja uma das mais universais e coerentes em toda a sua obra. Apesar de uma interpretao muito pessoal que no vem ao caso discutir aqui das formulaes durkheimianas, Parsons ressalta que a metodologia de Durkheim a do "positivismo sociologista" (PARSONS, 1968: v. I, cap. IX, p. 460 et seqs.; para as citaes a seguir, ver p. 307, 61 e 343 respectivamente).17Identificando-o como herdeiro espiritual de Comte, seu positivismo implica o ponto de vista de que a cincia positiva constitui a nica posio cognitiva possvel do homem face realidade externa. Parsons ressalta que a originalidade de Durkheim est em diferenciar-se de seus antecessores, para quem a tradio positivista tinha sido predominantemente individualista. Ele elevou o fator social ao status de elemento bsico e decisivo para explicar os fenmenos que tinham lugar no reino social, e que o social s se explica pelo social e que a sociedade um fenmeno sui generis, independente das manifestaes individuais de seus membros componentes. Parsons chama a ateno para o fato de que na obra metodolgica mais antiga de Durkheim (Division du travail) se encontram duas linhas principais de pensamento: Uma, polmica, e uma crtica do nvel metodolgico das concepes subjacentes do individualismo utilitarista. Outra, sua prpria doutrina, um desenvolvimento da tradio positivista geral, a que a maior parte do argumento deste estudo se refere. Com efeito, a clareza das posies conceituais de Durkheim obedece a uma constante metodolgica: discute primeiramente as concepes correntes (vulgares ou no) a respeito de um fenmeno, para, em seguida, apresentar a sua prpria, solidamente construda em termos coerentes com uma interpretao estritamente sociolgica. Aps a anlise e interpretao dos dados empricos, a discusso terica do problema retomada, com vistas a chegar a concluses que no s caracterizem em definitivo o fenmeno estudado, mas constituam tambm acrscimo valorativo das teorias anteriormente elaboradas. Nesse sentido, Le suicide e Les formesconstituem modelos de trabalho cientfico no campo das cincias sociais e a demonstrao de como fazer um estudo, seja de um fenmeno isolado, seja de um fenmeno de delimitao mais difcil. Este o caso da vida religiosa, em que o ponto de partida da anlise foi localizado no estudo das manifestaes religiosas mais antigas e, por conseguinte, mais simples o totemismo para se atingir em seguida os aspectos mais complexos do fenmeno. Concretiza-se, assim, a j mencionada influncia cartesiana sobre a metodologia durkheimiana.

O ESQUEMA TERICO

O esquema aqui apresentado para sintetizar a teoria sociolgica durkheimiana constitui antes uma leitura dessa teoria que uma criao original propriamente dita do chefe da Escola Sociolgica Francesa. Nesse sentido, corresponde a uma certa violentao, justificada porm numa coleo para fins didticos. Assim, o esquema funciona como um guia para o leitor, visando integrao dos textos adiante selecionados. O leitor pode encontrar no esquema os principais elementos contidos na teoria durkheimiana, mas, evidentemente, no encontra ali suas formulaes. Estas podem ser encontradas nos textos selecionados, os quais podem ser melhor situados no conjunto da obra de Durkheim e no esquema em foco, onde as vinculaes entre as partes selecionadas da obra podem ser vistas, ainda que esquematizadas; o que e, a um so tempo, defeito e qualidade do esquema. Assim sendo, o esquema no explica propriamente a teoria, mas explicado por ela ou pretende s-lo, na forma em que foi graficamente construdo. O esquema pretende ser tanto diacrnico como sincrnico, por se supor que ambas as diretivas podem ser encontradas na teoria sociolgica de Durkheim.

A diacronia representada horizontalmente, tendo a solidariedade social ponto de partida da teoria durkheimiana ao iniciar seus cursos em Bordeaux como ponto de partida tambm da organizao social; e a anomia como fim desta, melhor dito, quando ela afrouxa seus laos e permite a desorganizao individual, ou ausncia dos liames e normas da solidariedade. A sincronia simultaneamente representada na vertical tal como uma estrutura18 a partir de um fundamento concreto e objetivo, que a morfologia social, at atingir a fisiologia social, assim definida pelo prprio: Essas normas impessoais do pensamento e da ao so aquelas que constituem o fenmeno sociolgico por excelncia e se encontram com relao sociedade da mesma forma que as funes vitais com respeito ao organismo: elas exprimem a maneira como se manifestam a inteligncia e a vontade coletivas (apud CUVILLIER, 1953: p. 200-01). No cruzamento das linhas de sincronia e diacronia se situa a sociedade como organizao central, que pode ser apreendida pelos fatos sociais e de onde emanam tanto efeitos coercitivos sobre indivduos e grupos como fenmenos abstratos de conscincia coletiva e suas manifestaes concretas que so as representaes coletivas a prpria matria da Sociologia, tal como declara no seu estudo La prohibition de linceste et ss origines (DURKHEIM, 1969: p. 100). Daqui surgem manifestaes polares, como os fenmenos culturais sagrados ou profanos, e os dois tipos de direito (repressivo e restitutivo) vinculados diretamente aos tipos de solidariedade social (mecnica e orgnica), as quais determinam por sua vez dois tipos diferentes e evolutivos de organizao social. Nos quatro cantos do esquema so colocados ncleos primordiais da produo durkheimiana, a que correspondem quatro obras importantes. No canto superior direito, a religio, vinculada s representaes coletivas, constitui a via atravs da qual veio a elaborar os primeiros delineamentos da sociologia d conhecimento a religio uma forma de representao do mundo, ou mesmo uma forma de concepo do mundo. No canto superior esquerdo, a moral representa uma preocupao constante do autor, que s a desenvolveu em cursos publicados postumamente; ela est estreitamente vinculada educao como forma de socializao dos homens, ou de internalizao de traos constitutivos da conscincia coletiva.19 No canto inferior esquerdo situou-se a diviso do trabalho, perspectiva bsica quase morfolgica e estreitamente vinculada aos tipos de solidariedade social, os quais so simbolizados no esquema pelas funes, que refletem a influncia organicista revelada especialmente nesta parte, que primeira da obra de Durkheim. No canto inferior direito, situou-se o suicdio, cuja monografia propiciou a elaborao de uma outra tipologia: a que permite mostrar o comportamento individualista, o grupal e o que reflete a frouxido das normas sociais que conduzem anomia. Em sntese, a obra sociolgica de Durkheim um exemplo de obra imperecvel, aberta no a reformulaes, mas a continuidades e que marca a etapa mais decisiva na consolidao acadmica da Sociologia. Sua maior qualidade talvez seja a prioridade do social na explicao da realidade natural, fsica e mental em que vive o homem. Essas qualidades que se exigem de um

clssico esto presentes por toda sua obra, e da qual se procura dar uma idia por fragmentria que seja nos textos adiante selecionados.20 Apesar de suas razes no tempo em que viveu, a obra de Durkheim respondendo a preocupaes da sociedade e da Sociologia de sua poca constitui um modelo do produto sociolgico, cujo consumo no se esgota na leitura, mas continua a fruir nos produtos de seus discpulos e leitores. Se ela apresenta lacunas a ausncia das classes sociais um exemplo , isto no diminui o seu valor especfico. Essa falha, bem como a ausncia da pesquisa de campo notada por Kroeber, no seriam antes fruto de indagaes e preocupaes posteriores a ele e no propriamente de seu tempo? Lvi-Strauss v em Mauss, sobrinho e discpulo dileto de Durkheim, um marco involuntrio do tournant durkheimienne, ao mesmo tempo que assinala um declnio intelectual da Escola Sociolgica Francesa, s compensado pelo renascimento americano de Durkheim nos anos 50. curioso que dois dos crticos21 mais severos de Durkheim achavam-se nos Estados Unidos no fim da Segunda Guerra Mundial, justamente quando e onde a Sociologia moderna deslancha suas grandes contribuies renovadoras que no deixam de reconhecer uma posio proeminente de Durkheim. O fato importante a ressaltar que a Sociologia so se desenvolve e se completa na medida em que assimila as contribuies de seus grandes mestres. O mrito creditado a estes est sobretudo em proporcionar a todos ns, seus discpulos, uma srie daquilo que Merton repete de Salvemini os libri fecondatori capazes de aguar as faculdades dos leitores exigentes. MAX WEBER VIDA E OBRA Pondo-se de lado alguns trabalhos precursores, como os de Maquiavel (1469-1527) e Montesquieu (1689-1755), o estudo cientfico dos fatos humanos somente comeou a se constituir em meados do sculo XIX. Nessa poca, assistia-se ao triunfo dos mtodos das cincias naturais, concretizadas nas radicais transformaes da vida material do homem; operadas pela Revoluo Industrial. Diante dessa comprovao inequvoca da fecundidade do caminho metodolgico apontado por Galileu (1564-1642) e outros, alguns pensadores que procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abord-los segundo as coordenadas das cincias naturais. Outros, ao contrrio, afirmando a peculiaridade do fato humano e a conseqente necessidade de uma metodologia prpria. Essa metodologia deveria levar em considerao o fato de que o conhecimento dos fenmenos naturais e um conhecimento de algo externo ao prprio homem, enquanto nas cincias sociais o que se procura conhecer a prpria experincia humana. De acordo com a distino entre experincia externa e experincia interna, poder-se-ia distinguir uma srie de contrastes metodolgicos entre os dois grupos de cincias. As cincias exatas partiriam da observao sensvel e seriam experimentais, procurando obter dados mensurveis e regularidades estatsticas que conduzissem formulao de leis de carter matemtico.

As cincias humanas, ao contrrio, dizendo respeito prpria experincia humana, seriam introspectivas, utilizando a intuio direta dos fatos, e procurariam atingir no generalidades de carter matemtico, mas descries qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do esprito. Os positivistas (como eram chamados os tericos da identidade fundamental entre as cincias exatas e as cincias humanas) tinham suas origens sobretudo na tradio empirista inglesa que remonta a Francis Bacon (1561-1626) e encontrou expresso em David Hume (1711-1776), nos utilitaristas do sculo XIX e outros. Nessa linha metodolgica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (17981857) e mile Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos como o fundador da sociologia como disciplina cientfica. Os antipositivistas, adeptos da distino entre cincias humanas e cincias naturais, foram sobretudo os alemes, vinculados ao idealismo dos filsofos da poca do Romantismo, principalmente Hegel (1770-1831) e Schleiermacher (1768-1834). Os principais representantes dessa orientao foram os neokantianos Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey estabeleceu uma distino que fez fortuna: entre explicao (erklren) e compreenso (verstehen). O modo explicativo seria caracterstico das cincias naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fenmenos. A compreenso seria o modo tpico de proceder das cincias humanas, que no estudam fatos que possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experincia humana e procuram extrair deles seu sentido (Sinn). Os sentidos (ou significados) so dados, segundo Dilthey, na prpria experincia do investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos na experincia dos outros. Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo filsofo e historiador e no, propriamente, cientista social, no sentido que a expresso ganharia no sculo XX. Outros levaram o mtodo da compreenso ao estudo de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria reservada a Max Weber. UMA EDUCAO HUMANISTA APURADA Max Weber nasceu e teve sua formao intelectual no perodo em que as primeiras disputas sobre a metodologia das cincias sociais comeavam a surgir na Europa, sobretudo em seu pas, a Alemanha. Filho de uma famlia da alta classe mdia, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou-o no sentido das humanidades. Weber recebeu excelente educao secundria em lnguas, histria e literatura clssica. Em 1882, comeou os estudos superiores em Heidelberg; continuando-os em Gttingen e Berlim, em cujas universidades dedicou-se simultaneamente economia, histria, filosofia e ao direito. Concludo o curso, trabalhou na Universidade de Berlim, na qual idade de livre-docente, ao mesmo tempo em que servia como assessor do governo. Em 1893, casou-se e; no ano seguinte, tornou-se professor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu

srias perturbaes nervosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, s voltando atividade em 1903, na qualidade de co-editor do Arquivo de Cincias Sociais (Archiv tr Sozialwissenschatt), publicao extremamente importante no desenvolvimento dos estudos sociolgicas na Alemanha. A partir dessa poca, Weber somente deu aulas particulares, salvo em algumas ocasies, em que proferiu conferncias nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua morte, em 1920. COMPREENSO E EXPLICAO Dentro das coordenadas metodolgicas que se opunham assimilao das cincias sociais aos quadros tericos das cincias naturais, Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, "a captao da relao de sentido" da ao humana. Em outras palavras, conhecer um fenmeno social seria extrair o contedo simblico da ao ou aes que o configuram. Por ao, Weber entende "aquela cujo sentido pensado pelo sujeito jeito ou sujeitos jeitos referido ao comportamento dos outros; orientandose por ele o seu comportamento". Tal colocao do problema de como se abordar o fato significa que no possvel propriamente explic-lo como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das cincias naturais), mas compreend-lo como fato carregado de sentido, isto , como algo que aponta para outros fatos e somente em funo dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude. O mtodo compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as aes de um indivduo contm e no apenas o aspecto exterior dessas mesmas aes. Se, por exemplo, uma pessoa d a outra um pedao de papel, esse fato, em si mesmo, irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dvida (o pedao de papel um cheque) que se est diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ao carregada de sentido. O fato em questo no se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significaes sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem ao pedao de papel a funo do servir como meio de troca ou pagamento; alm disso, essa funo reconhecida por uma comunidade maior de pessoas. Segundo Weber, a captao desses sentidos contidos nas aes humanas no poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos procedimentos metodolgicos das cincias naturais, embora a rigorosa observao dos fatos (como nas cincias naturais) seja essencial para o cientista social. Contudo, Weber no pretende cavar um abismo entre os dois grupos de cincias. Segundo ele, a considerao de que os fenmenos obedecem a uma regularidade causal envolve referncia a um mesmo esquema lgico de prova, tanto nas cincias naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lgica da explicao causal idntica, o mesmo no se poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados para cada um dos dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para Weber, estabelecem relaes causais em termos de regras de probabilidades, segundo as quais a determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer simultaneamente., outros. Essas leis referem-se a construes de comportamento com sentido e servem para explicar

processos particulares. Para que isso seja possvel; Weber defende a utilizao dos chamados tipos ideais, que representam o primeiro nvel de generalizao de conceitos abstratos e, correspondendo s exigncias lgicas da prova, esto intimamente ligados realidade concreta particular. O LEGAL E O TPICO O conceito de tipo ideal corresponde, no pensamento weberiano, a um processo de conceituao que abstrai de fenmenos concretos o que existe de particular, constituindo assim um conceito individualizante ou, nas palavras do prprio Weber, um conceito histrico concreto. A nfase na caracterizao sistemtica dos padres individuais concretos (caracterstica das cincias humanas) ope a conceituao tpicoideal conceituao generalizadora, tal como esta conhecida nas cincias naturais. A conceituao generalizadora, como revela a prpria expresso, retira do fenmeno concreto aquilo que ele tem de geral, isto , as uniformidades e regularidades observadas em diferentes fenmenos constitutivos de uma mesma classe. A relao entre o conceito genrico e o fenmeno concreto de natureza tal que permite classificar cada fenmeno particular de acordo com os traos gerais apresentados pelo mesmo, considerando como acidental tudo o que no se enquadre dentro da generalidade. Alm disso, a conceituao generalizadora considera o fenmeno particular como um caso cujas caractersticas gerais podem ser deduzidas de uma lei. A conceituao tpico-ideal chega a resultados diferentes da conceituao generalizadora. O tipo ideal, segundo Weber, expe como se desenvolveria uma forma particular de ao social se o fizesse racionalmente em direo a um fim e se fosse orientada de forma a atingir um e somente um fim. Assim, o tipo ideal no descreveria um curso concreto de ao, mas um desenvolvimento normativamente ideal, isto , um curso de ao objetivamente possvel. O tipo ideal um conceito vazio de contedo real: ele depura as propriedades dos fenmenos reais desencarnando-os pela anlise, para depois reconstru-los. Quando se trata de tipos complexos (formados por vrias propriedades), essa reconstruo assume a forma de sntese, que no recupera os fenmenos em sua real concreo, mas que os idealiza em uma articulao significativa de abstraes. Desse modo, se constitui uma pauta de contrastao, que permite situar os fenmenos reais em sua relatividade. Por conseguinte, o tipo ideal no constitui nem uma hiptese nem uma proposio e, assim, no pode ser falso nem verdadeiro, mas vlido ou no-vlido, de acordo com sua utilidade para a compreenso significativa dos acontecimentos estudados pelo investigador. No que se refere aplicao do tipo ideal no tratamento da realidade, ela se d de dois modos. O primeiro um processo de contrastao conceituai que permite simplesmente apreender os fatos segundo sua maior ou menor aproximao ao tipo ideal. O segundo consiste na formulao de hipteses explicativas. Por exemplo: para a explicao de um pnico na bolsa de valores, seria possvel, em primeiro lugar, supor como se desenvolveria o fenmeno na ausncia de quaisquer sentimentos irracionais; somente depois se poderia introduzir tais sentimentos como fatores de perturbao. Da mesma

forma se poderia proceder para a explicao de uma ao militar ou poltica. Primeiro se fixaria, hipoteticamente, como se teria desenvolvido a ao se todas as intenes dos participantes fossem conhecidas e se a escolha dos meios por parte dos mesmos tivesse sido orientada de maneira rigorosamente racional em relao a certo fim. Somente assim se poderia atribuir os desvios aos fatores irracionais. Nos exemplos acima patente a dicotomia estabelecida por Weber entre o racional e o irracional, ambos conceitos fundamentais de sua metodologia. Para Weber, uma ao racional quando cumpre duas condies. Em primeiro lugar, uma ao racional na medida em que orientada para um objetivo claramente formulado, ou para um conjunto de valores, tambm claramente formulados e logicamente consistentes. Em segundo lugar, uma ao racional quando os meios escolhidos para se atingir o objetivo so os mais adequados. Uma vez de posse desses instrumentos analticos, formulados para a explicao da realidade social concreta ou, mais exatamente, de uma poro dessa realidade, Weber elabora um sistema compreensivo de conceitos, estabelecendo uma terminologia precisa como tarefa preliminar para a anlise das inter-relaes entre os fenmenos sociais. De acordo com o vocabulrio weberiano, so quatro os tipos de ao que cumpre distinguir claramente: ao racional em relao a fins, ao racional em relao a valores, ao afetiva e ao tradicional. Esta ltima, baseada no hbito, est na fronteira do que pode ser considerado como ao e faz Weber chamar a ateno para o problema de fluidez dos limites, isto , para a virtual impossibilidade de se encontrarem aes puras. Em outros termos, segundo Weber, muito raramente a ao social orienta-se exclusivamente conforme um ou outro dos quatro tipos. Do mesmo modo, essas formas de orientao no podem ser consideradas como exaustivas. Seriam tipos puramente conceituais, construdos para fins de anlise sociolgica, jamais encontrando-se na realidade em toda a sua pureza; na maior parte dos casos, os quatro tipos de ao encontram-se misturados. Somente os resultados que com eles se obtenham na anlise da realidade social podem dar a medida de sua convenincia. Para qualquer um desses tipos tanto seria possvel encontrar fenmenos sociais que poderiam ser includos neles, quanto se poderia tambm deparar com fatos limtrofes entre um e outro tipo. Entretanto, observa Weber, essa fluidez s pode ser claramente percebida quando os prprios conceitos tipolgicos no so fluidos e estabelecem fronteiras rgidas entre um e outro. Um conceito bem definido estabelece nitidamente propriedades cuja presena nos fenmenos sociais permite diferenciar um fenmeno de outro; estes, contudo, raramente podem ser classificados de forma rgida. O SISTEMA DE TIPOS IDEAIS Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sultanismo. Todos esses tipos ideais so apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme critrios pessoais, isto , trata-se de conceituaes do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor

perceba claramente do que ele est falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que Weber articula suas definies e na maneira sistemtica com que esses conceitos so relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relaes sociais, Weber formula novos conceitos mais especficos, pormenorizando cada vez mais as caractersticas concretas. Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposio, por um lado, explicao estrutural dos fenmenos, e, por outro, perspectiva que v os fenmenos como entidades qualitativamente diferentes. Para Weber, as singularidades histricas resultam de combinaes especficas de fatores gerais que, se isolados, so quantificveis, de tal modo que os mesmos elementos podem ser vistos numa srie de outras combinaes singulares. Tudo aquilo que se afirma de uma ao concreta, seus graus de adequao de sentido, sua explicao compreensiva e causal, seriam hipteses suscetveis de verificao. Para Weber, a interpretao causal correta de uma ao concreta significa que o desenvolvimento externo e o motivo da ao foram conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relao. Por outro lado, a interpretao causal correta de uma ao tpica significa que o acontecimento considerado tpico se oferece com adequao de sentido e pode ser comprovado como causalmente adequado, pelo menos em algum grau. O CAPITALISMO PROTESTANTE? As solues encontradas por Weber para os intrincados problemas metodolgicos que ocuparam a ateno dos cientistas sociais do comeo do sculo XX permitiram-lhe lanar novas luzes sobre vrios problemas sociais e histricos, e fazer contribuies extremamente importantes para as cincias sociais. Particularmente relevantes nesse sentido foram seus estudos sobre a sociologia da religio, mais exatamente suas interpretaes sobre as relaes entre as idias e atitudes religiosas, por um lado, e as atividades e organizao econmica correspondentes, por outro. Esses estudos de Weber, embora incompletos, foram publicados nos trs volumes de sua Sociologia da Religio. A linha mestra dessa obra constituda pelo exame dos aspectos mais importantes da ordem social e econmica do mundo ocidental, nas vrias etapas de seu desenvolvimento histrico. Esse problema j se tinha colocado para outros pensadores anteriores a Weber, dentre os quais Karl Marx (1818-1883), cuja obra, alm de seu carter terico, constitua elemento fundamental para a lufa econmica e poltica dos partidos operrios; por ele mesmo criados. Por essas razes, a pergunta que os socilogos alemes se faziam era se o materialismo histrico formulado por Marx era ou no o verdadeiro, ao transformar o fator econmico no elemento determinante de todas as estruturas sociais e culturais, inclusive a religio. Inmeros trabalhos foram escritos para resolver o problema, substituindo-se o fator econmico como dominante por outros fatores, tais como raa, clima, topografia, idias filosficas, poder poltico. Alguns autores, como Wilhelm Dilthey, Ernst Troeltsch (1865-1923) e Werner Sombart (1863-1941), j se tinham orientado no sentido de ressaltar a influncia das idias e das convices ticas como fatores determinantes, e chegaram concluso de que o

moderno capitalismo no poderia ter surgido sem uma mudana espiritual bsica, como aquela que ocorreu nos fins da Idade Mdia. Contudo, somente com os trabalhos de Weber foi possvel elaborar uma verdadeira teoria geral capaz de confrontar-se com a de Marx. A primeira idia que ocorreu a Weber na elaborao dessa teoria foi a de que, para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento do capitalismo, era necessrio fazer um estudo comparativo entre as vrias sociedades do mundo ocidental (nico lugar em que o capitalismo, como um tipo ideal, tinha surgido) e as outras civilizaes, principalmente as do Oriente, onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Depois de exaustivas anlises nesse sentido, Weber foi conduzido tese de que a explicao para o fato deveria ser encontrada na ntima vinculao do capitalismo com o protestantismo: Qualquer observao da estatstica ocupacional de um pas de composio religiosa mista traz luz, com notvel freqncia, um fenmeno que j tem provocado repetidas discusses na imprensa e literatura catlicas e em congressos catlicos na Alemanha: o fato de os lderes do mundo dos negcios e proprietrios do capital, assim como os nveis mais altos de mo-de-obra qualificada, principalmente o pessoal tcnica e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes. KARL MARX Karl Heinrich Marx (Trveris, 5 de maio de 1818 Londres, 14 de maro de 1883) foi um intelectual e revolucionrio alemo, fundador da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filsofo, historiador, terico poltico e jornalista. O pensamento de Marx influencia vrias reas, tais como Filosofia, Geografia, Histria, Direito, Sociologia, Literatura, Pedagogia, Cincia Poltica, Antropologia, Biologia, Psicologia, Economia, Teologia, Comunicao, Administrao, Design, Arquitetura, e outras. Em uma pesquisa realizada pela Radio 4, da BBC, em 2005, foi eleito o maior filsofo de todos os tempos. JUVENTUDE - KARL MARX ADOLESCENTE. Karl Marx foi o ltimo de sete filhos, de uma famlia de origem judaica de classe mdia da cidade de Trveris, na poca no Reino da Prssia. Sua me, Henri Pressburg (1771 1840), era judia holandesa e seu pai, Herschel Marx (17591834), um advogado e conselheiro de Justia. Herschel descende de uma famlia de rabinos, mas se converteu ao cristianismo luterano em funo das restries impostas presena de membros de etnia judaica no servio pblico, quando Marx ainda tinha seis anos.[2] Seus irmos eram Sophie (d. 1883), Hermann (1819-1842), Henriette (1820-1856), Louise (18211893), Emilie (adotado por seus pais), Caroline (1824-1847) e Eduard (1834-1837). Em 1830, Marx iniciou seus estudos no Liceu Friedrich Wilhelm, em Trveris, ano em que eclodiram revolues em diversos pases europeus. Ingressou mais tarde na Universidade de Bonn para estudar Direito, transferindo-se no ano seguinte para a

Universidade de Berlim, onde o filsofo alemo Georg Wilhelm Friedrich Hegel, cuja obra exerceu grande influncia sobre Marx, foi professor e reitor. Em Berlim, Marx ingressou no Clube dos Doutores, que era liderado por Bruno Bauer. Ali perdeu interesse pelo Direito e se voltou para a Filosofia, tendo participado ativamente do movimento dos Jovens Hegelianos. Seu pai faleceu neste mesmo ano. Em 1841, obteve o ttulo de doutor em Filosofia com uma tese sobre as "Diferenas da filosofia da natureza em Demcrito e Epicuro". Impedido de seguir uma carreira acadmica, tornouse, em 1842, redator-chefe da Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), um jornal da provncia de Colnia; conheceu Friedrich Engels neste mesmo ano, durante visita deste a redao do jornal.

ENVOLVIMENTO POLTICO Em 1843, a Gazeta Renana foi fechada aps publicar uma srie de ataques ao governo prussiano. Tendo perdido o seu emprego de redator-chefe, Marx mudou-se para Paris. L assumiu a direo da publicao Anais Franco-Alemes e foi apresentado a diversas sociedades secretas de socialistas. Antes ainda da sua mudana para Paris, Marx casouse, no dia 19 de junho de 1843, com Jenny von Westphalen, a filha de um baro da Prssia com a qual mantinha noivado desde o incio dos seus estudos universitrios. (Noivado que foi mantido em sigilo durante anos, pois as famlias Marx e Westphalen no concordavam com a unio.) Do casamento de Marx com Jenny von Westphalen, nasceram cinco filhos: Franziska, Edgar, Eleanor, Laura, Jenny Longuet e Guido, alm de um natimorto. Ao que consta, Franziska, Edgar e Guido morreram na infncia, provavelmente pelas pssimas condies materiais a que a famlia estava submetida. Marx tambm teve um filho nascido de sua relao amorosa com a militante socialista e empregada da famlia Marx, Helena Demuth. Solicitado por Marx, Engels assumiu a paternidade da criana, Frederick Delemuth, e pagando uma penso, entregou-o a uma famlia de um bairro proletrio de Londres No tratamento pessoal Leandro Konder ressalta Marx foi produto de seu tempo: "Antes de poder contestar a sociedade capitalista Marx pertencia a ela, estava espiritualmente mais enraizado no solo da sua cultura do que admitiria", e que diante dos padres da Inglaterra vitoriana mostrou: "traos tpicos das limitaes de seu tempo". Como moas aristocrticas, suas filhas tinham aulas de piano, canto e desenho, mesmo que no tivessem desenvoltura para tais atividades artsticas. Tambm em 1843, Marx conheceu a Liga dos Justos (que mais tarde tornar-se-ia Liga dos Comu