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CLÓRIS VALENTINA PEREIRA SOCIEDADE CULTURAL E BENEFICENTE RUI BARBOSA: MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DE UM CLUBE NEGRO CANOAS, 2009

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CLÓRIS VALENTINA PEREIRA

SOCIEDADE CULTURAL E BENEFICENTE RUI BARBOSA:

MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DE UM CLUBE NEGRO

CANOAS, 2009

1

CLÓRIS VALENTINA PEREIRA

SOCIEDADE CULTURAL E BENEFICENTE RUI BARBOSA:

MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DE UM CLUBE NEGRO

Trabalho de conclusão apresentado a banca examinadora do curso de do Centro Universitário La Salle - Unilasalle, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em História.

Orientação: Prof. Elsa Gonçalves Avancini

CANOAS, 2009

2

CLÓRIS VALENTINA PEREIRA

SOCIEDADE CULTURAL E BENEFICENTE RUI BARBOSA:

MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DE UM CLUBE NEGRO

Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em História, pelo Centro Universitário La Salle - Unilasalle.

Aprovado pela banca examinadora em: ___ de ______ de 2009.

BANCA EXAMINADORA:

________________________

_______________________

_______________________

3

Dedico este trabalho a todos aqueles que em mim

acreditaram, em especial à minha família que sempre

direta ou indiretamente me apoiou.

Em especial à Doroti, modelo de perseverança, e à

Daianne, em quem repouso meu amor e esperança

4

AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus por permitir o cumprimento de mais uma etapa de vida.

Agradeço de maneira especial a minha orientadora Elsa Gonçalves Avancini,

pelo incentivo, carinho e atenção a mim dedicados.

5

RESUMO

O presente trabalho consiste no registro da história da Sociedade Cultural e

Beneficente Rui Barbosa, clube negro no município de Canoas. Através da coleta e

pesquisa de imagens guardadas pelos sócios busca-se analisar e relacionar as

possíveis representações simbólicas contidas nas imagens Considera-se contribuir

para a diversidade de registro da História Local do Município de Canoas, visando à

visibilidade e à inclusão desses sujeitos históricos.

Palavras-chave: História afro-brasileira. História local. Memória.

6

RESUMEN

El presente estúdio procura registrar la história de la Sociedad Y Beneficente Rui

Barbosa, club negro de la ciudad de Canoas. Através de coleta y pesquisa de

imagenes guardadas por los sócios tratasse de analisar y relacionar las possibles

representaciones simbólicas contenidas em las imagenes. Intenta-se contribuir a la

diversidad del registro de la historia local de la ciudad de Canoas, a la visibilidad y la

inclusión de estes sujectos históricos.

Palabras-clave : história afrobrasileña. História local. Memória.

7

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................8

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLOGIA ...........................................10

2.1 Da metodologia .................................................................................................11

3 AS ORGANIZAÇÕES NEGRAS .........................................................................13

3.1 A Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa ..........................................17

4 MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DA S. C. B. RUI BARBOSA ..................................20

5 CONCLUSÃO .....................................................................................................28

REFERÊNCIAS ..................................................................................................31

ANEXO A – PAINEL 1 .......................................................................................33

ANEXO B – PAINEL 2 .......................................................................................34

ANEXO C – PAINEL 3 .......................................................................................35

ANEXO D – PAINEL 4 .......................................................................................36

8

1 INTRODUÇÃO

A partir do Trabalho de Conclusão de curso de História- Licenciatura, que teve

como tema a Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa, e das aulas das

Disciplinas de Cultura, quando o tema sobre o uso da imagem foi abordado, surgiu a

idéia da realização deste trabalho.

As motivações dessa pesquisa foram encontrar e organizar material a nível

local, que retome a história de grupos sociais de afro-descentes, valorize sua

identidade cultural, promova a auto-estima e sirva de apoio para as práticas de

ensino.

A Sociedade Cultural e Benificiente Rui Barbosa comemorou em março de

2009, 41 anos de fundação. Atualmente, localiza-se na Rua Farroupilha, 834, bairro

Nossa Senhora das Graças, em Canoas. É um clube onde a maioria dos associados

são afro-descendentes.

A compreensão de qual memória imagética foi constituída, e o uso dado a ela,

durante a trajetória de consolidação do clube é fundamental para o reconhecimento

da importância histórico-social da ação desse grupo na comunidade local, além de

contribuir no processo de valorização dessa identidade cultural.

A pesquisa foi realizada a partir de fontes bibliográficas e do acervo fotográfico

da família Marcelino, uma das famílias fundadoras do clube. O arquivo da própria

entidade foi consultado para a complementação da pesquisa, bem como outros

documentos.

As imagens utilizadas para a realização deste trabalho, inclusive o material

resultante dele, serão cedidas para o acervo do Museu e Arquivo Histórico La Salle

(MAHLS), e para o acervo do próprio clube.

O registro escrito desse estudo é organizado em cinco capítulos. O primeiro

apresenta algumas referências teóricas e conceitos utilizados para a análise das

questões propostas.

O segundo capítulo, elaborado a partir de pesquisa bibliográfica, apresenta um

breve histórico da formação de associações e clubes sociais negros no Rio Grande

do Sul, considerando o desenvolvimento econômico, social e político do país.

9

O terceiro capítulo apresenta a Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa,

seu processo de fundação e sua trajetória de consolidação nesses 41 anos de

história.

O quarto capítulo analisa, a partir de fotografias realizadas no clube, quais

imagens foram feitas e guardadas por esse grupo de pessoas e porque constituem a

memória visual do clube.

O registro desse estudo se encerra no quinto capítulo, onde os pressupostos

teóricos são relacionados com o processo vivenciado pela comunidade na luta pelo

seu reconhecimento e valorização etno-culturais, enquanto agentes receptores,

produtores e difusores de história.

Cabe salientar que foram anexados ao trabalho painéis produzidos a partir

dessa pesquisa. Os mesmos integraram a Exposição África-Brasil: memórias,

liberdades e ritos de vida, na comemoração da Semana da Consciência Negra,

promovida pela Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa.

10

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLOGIA

O caminho percorrido para a produção desse trabalho iniciou-se com a análise

de um conjunto de idéias e teorias pertencentes ao campo da História Cultural.

George Duby a considera, dentro de um contexto social, os mecanismos de

produção e recepção dos objetos culturais. Se a História Cultural interessa-se por

sujeitos produtores e receptores de cultura, igualmente se interessa por agências de

produção e difusão cultural, como as organizações sócio-culturais.

Le Goff apresenta a memória como “a propriedade de conservar certas

informações, remetendo-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas,

graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou

que ele representa como passadas”. Contudo, nos lembra que as ciências humanas

(especialmente sociologia, história e antropologia) se ocupam da memória coletiva,

noção partilhada por Maurice Halbwachs, que diz que a memória é um fenômeno

construído coletivamente e submetida a flutuações, mutações e transformações

constantes.

Quanto às manipulações da memória, podem ser conscientes ou

inconscientes, como afirma

Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram ou dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes mecanismos da manipulação da memória coletiva (LE GOFF, 2003, p. 422).

Portanto, o estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abordar

os problemas de tempo e da história, sendo que ambos se encontram

irremediavelmente vinculados à memória. Em outras palavras, é o estudo da

manipulação pela memória coletiva de um fenômeno histórico. Pesquisar a memória

coletiva nas palavras, nas imagens, nos gestos, nos ritos e nas festas é uma

conversão do olhar histórico, como nos afirma Pierre Nora, a memória coletiva é o

que fica do passado vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem do passado.

Segundo Le Goff (2003), entre as importantes e significativas manifestações da

memória coletiva que surgiram no decorrer dos tempos, vale ressaltar o

11

aparecimento de dois fenômenos no final do século XIX e início XX: a construção de

monumentos aos mortos e o advento da fotografia. Para esse autor,

[...] a fotografia é que revoluciona a memória: multiplica-a e democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo ,assim, guardar a memória do tempo e da evolução cronológica (LE GOFF, 2003, p. 46).

Com a evolução dos processos e a massificação da fotografia, a demanda

social das imagens foi ampliada ao longo do século XX, e tornando-se acessíveis a

muitas famílias. Considerando que

a fotografia permitiu que quase toda a gente- não só os mais abastados – pudesse se transformar num objeto-imagem, ou numa série sucessivas de imagens que mantém presentes momentos sucessivos da vida ou ter presente a memória (LEITE, 2001, p. 75).

Assim sendo, as imagens fotográficas retratam a história visual de uma

sociedade, documentam situações, estilos de vida, gestos e atores sociais. A análise

desses registros permite ampliar e aprofundar a história cultural de alguns grupos

sociais, oportunizando a compreensão do seu universo simbólico.

2.1 Da metodologia

A fotografia assumiu por um período o caráter irrefutável do que realmente

aconteceu, o testemunho do realmente vivido. Seu uso nas ciências sociais por

muito tempo foi relegado a um segundo plano de caráter meramente ilustrativo.

Dentro de uma tendência historiográfica de revisão das fontes documentais, foi

desenvolvido um conjunto de instrumentos críticos para dar suporte à utilização e

análise crítica da fotografia como fonte histórica.

Segundo Leite (2001), “a imagem fotográfica tem significados evidentes,

aparentes e latentes, perceptíveis após um primeiro olhar, que lhe conferem uma

comunicação instantânea, capaz de dispensar mediações”, portanto é necessário

verificar a natureza, os elementos constitutivos e o condicionamento social do

significado das imagens fotográficas.

12

Para Mauad (2004), se considera a fotografia simultaneamente como

imagem/documento e como imagem/monumento, sendo no primeiro caso um índice,

marca de materialidade passada; e no segundo, um símbolo, aquilo que no passado

a sociedade estabeleceu como imagem para o futuro. Portanto se a fotografia

informa, ela também conforma determinada visão de mundo.

Na realização desse trabalho buscou-se, dentro das possibilidades postas,

seguir a metodologia indicada por Miriam Moreira Leite, segundo a qual podemos

analisar as fotografias de três formas distintas. Primeira, através das características

externas gerais (tamanho, tipo, fotógrafo, publicação, instituição de conservação).

Segunda, a análise interna das fotografias (a maneira, o espaço e o sentido das

imagens registradas pela câmara). E, na terceira situação, tenta-se construir séries

ou seqüências de fotografias, de acordo com o problema estudado.

Considera-se que a fotografia é um produto cultural, fruto de trabalho social de

produção sígnica. Neste sentido, a fotografia pode, por um lado, contribuir para a

veiculação de novos comportamentos e representações da classe que possui o

controle dos meios técnicos de produção cultural. Por outro, atuar como eficiente

meio de controle social, na manutenção do comportamento através da educação do

olhar.

13

3 AS ORGANIZAÇÕES NEGRAS

O escravismo brasileiro não foi um sistema homogêneo, assumindo formas

variadas conforme o contexto econômico, político, social e geográfico durante mais

de trezentos anos. Assim sendo, a oposição do escravo ao escravismo também foi

diversificada. As relações de todo o tipo entre escravos, libertos e livres pobres,

eram mais desinibidas e ricas nas aglomerações urbanas do que no meio rural.

A presença do negro em território rio-grandense é registrada desde a época da

penetração dos lagunenses nos Campos de Viamão e do processo de expansão

portuguesa até o Rio da Plata. Embora, muitas vezes distorcida, e até negada, a

resistência do negro à escravidão, individual ou coletiva, também esteve presente.

O movimento abolicionista no Rio Grande do Sul culminou em 1884 com festas

de libertação em Pelotas e Porto Alegre estabelecendo que os negros, deixando de

ser escravos, deveriam permanecer trabalhando para seus senhores por cinco anos,

preservando a mão-de-obra. Transformava-se escravo em “contratado” e

escravocrata em “emancipacionista”.

O movimento abolicionista tomou grande força entre as camadas urbanas,

pois eram descompromissadas com a escravidão, no tocante a sua utilização como

força de trabalho numa produção econômica para o mercado, dispensando os

contratados antes da Lei Áurea. Apoiados na Lei de 1871 criaram-se tanto fundos de

emancipação, quanto sociedades emancipadoras, que pagavam ao senhor o preço

que o mesmo estipulava para libertar seu cativo.

Segundo Muller, em Porto Alegre, entre os anos de 1889 e 1920, registram-se

mais de setenta sociedades com intensa atividade social desenvolvida por grupos de

negros. Exemplo disso é a Irmandade Nossa Senhora do Rosário, fundada em 1786,

com funcionamento e regras previamente definidas pela Coroa e pela Igreja

Católica, e que se tornará com o passar do tempo, em um espaço de resistência do

grupo de negros admitidos, bem como um elemento de diferenciação de outros

negros não admitidos.

Muller afirma:

A grande experiência vivida por estes negros na Irmandade do Rosário de Porto Alegre deu-se na medida em que eles aprenderam a fazer uso de tais regras, propondo algumas releituras que permitissem incorporar os seus

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interesses. A comunhão do mesmo espaço e das mesmas tarefas, a constante troca de informações, e a capacidade desenvolvida para, em silêncio, estabelecer estratégias visando a ascensão social de seus membros, foram responsáveis pela transformação da Irmandade em um espaço de luta (2008, p. 264).

Em 1828, ano da fundação da Igreja do Rosário, a Irmandade do Rosário de

Porto Alegre aprovou seu primeiro Compromisso, ficando respaldada legalmente

para dar sequência às suas atividades. A Confraria do Rosário passou a perseguir

uma série de objetivos, que visava desestigmatizar o homem negro e integrá-lo à

sociedade. Uma das mais importantes preocupações era a manutenção de parte das

tradições africanas ligadas ao culto dos antepassados e a reafirmação, através de

funerais, da importância social de cada Irmão. A preocupação com a formação

educacional, divulgando o gosto pela instrução e de que através dela teriam

oportunidades de vida, e com a formação de um pecúlio, para evitar uma velhice

miserável aos confrades e ajudar a descendência a chegar mais longe, também

constava inicialmente no Compromisso.

O potencial de acumulação de bens extrapolou os objetivos, sendo um pouco

mais tarde incorporado ao Compromisso um artigo, cujo objetivo era orientar todas

as administrações vindouras a direcionar esse acúmulo para a compra de cartas de

alforria e lutas pela abolição.

As iniciativas levadas a cabo pela Irmandade contribuíram para a formação de

um grupo diferenciado de negros, uma espécie de “elite” intelectual e proprietária,

que a partir de 1870, buscou ampliar seu espaço social fundando clubes,

associações beneficentes e até um jornal. É deste contexto a fundação da

Sociedade Musical Floresta Aurora (1872), o clube mais antigo e até hoje em

funcionamento, juntamente com mais outras setenta e duas entidades de caráter

diverso até o ano de 1920.

Em outras localidades do estado também as irmandades católicas, à exemplo

de Porto Alegre, foram o berço da organização e resistência negra. Loner, em sua

pesquisa da rede associativa negra em Rio Grande e Pelotas, confirma

O início de sua organização em Pelotas data do tempo do Império, com a congregação em irmandades católicas, como a Irmandade Nossa Senhora do Rosário e a Irmandade de São Benedito, esta última responsável pela fundação e manutenção de um asilo para crianças na cidade, a partir de 1901 (LONER, 2008, p. 247).

15

Segunda a autora é a partir destas confrarias e irmandades que outros tipos de

associações surgiram, como a S. B. Feliz Esperança, provavelmente de 1878, sendo

a primeira entidade leiga que permitiu a criação de várias outras, que utilizavam sua

sede e com quem compartilhavam sócios, para formaram clubes carnavalescos, de

futebol ou ainda, de artesãos, como a Fraternidade Artística (1880) ou o Centro

Ethiópico (1884), criado para a representação política do grupo na luta abolicionista.

Das primeiras décadas da República até a formação do Estado Novo, sob o

prisma do positivismo e suas implicações a nível nacional e regional, como

conseqüência da transição capitalista que o país passava, emergia uma nova ordem

urbano-industrial,quando outras oportunidades de trabalho surgiam relacionadas à

cidade, como centro administrativo, político, comercial, industrial-manufatureiro,

cultural, etc.

O novo mercado de trabalho livre em formação no Rio Grande do Sul, dentro

do ideário castilhista, não absorveu a mão-de-obra negra. Os postos de trabalho

foram ocupados pelos imigrantes estrangeiros, e seus descendentes, tidos como

mais aptos em detrimento da mão-de-obra negra, que carregava os estigmas sociais

impostos pelo sistema escravista. Conforme Loner

[...] os negros foram deixados sozinhos e o preconceito de cor se intensificou, ocasionando a necessidade da ampliação da rede associativa étnica. Criaram-se fortes entidades recreativas e carnavalescas, grupos teatrais e esportivos e até associações políticas (2008, p. 250).

As entidades mutualistas permaneceram atuantes, sendo nesta etapa de

transição, o elemento mais importante de congregação da comunidade negra, pois

não se limitaram às atividades de socorro mútuo, formando bibliotecas,

oportunizaram aulas para sócios e suas famílias, organizavam palestras,

agregavam-se em festas e quermesses, preenchendo uma variedade de funções

essenciais para esse grupo desprotegido e carente de amparos institucionais.

Nesta fase há uma proliferação de entidades. Sempre partindo de uma

entidade-mãe, procuram reforçar as ligações com os valores operários, republicanos

ou de raça através dos nomes das associações como “filhos do trabalho”,

“democracia”, “progresso”, “união africana”, etc. Contudo, apenas a Sociedade

Cooperativa Filhos do Trabalho, de Rio Grande, discrimina a filiação por critério de

cor, aceitando exclusivamente pardos e pretos, sendo que a maioria das

associações optou por uma fundação mista.

16

A Era Vargas e seu ideário desenvolvimentista, com as diferentes identidades

sendo absorvidas pela identidade do brasileiro-trabalhador, com o Estado

aumentando sua área de ação assistencialista, houve arrefecimento na difusão de

clubes negros. Os negros tentaram sua integração à sociedade através da

consolidação como trabalhadores, sendo que a luta pela organização da classe

operária se tornou uma importante estratégia de suas lideranças, que participavam

ao mesmo tempo de associações classistas e de associações negras.

A partir das associações classistas houve uma tentativa de ocupação de um

espaço político, com eleições de representantes negros para a Câmara de

Deputados, cujo movimento acabou sendo reprimido pela política repressiva do

Estado Novo, pois tinha pouca tolerância a manifestações étnicas diferenciadas e

menos ainda com lideranças sindicais. Com raras exceções, a rede associativa

negra ficou reduzida apenas aos clubes carnavalescos e esportivos. Mais tarde,

apenas aos carnavalescos, já que havendo uma diminuição do racismo nos

esportes, times e federações tendem a desaparecer.

Loner considera que apenas nos anos 50 aparecem no Brasil novos

movimentos e forma de luta englobando a população negra. Quando este momento

chega, a maioria dos militantes já havia desaparecido, levando com eles sua

memória e sua luta contra a discriminação.

Segundo Jesus (2005, p. 13), a maioria das associações beneficentes negras

nasceu entre as décadas de 1920 e 1930, e eram envolvidas com formas políticas

mais culturalistas, onde a ascensão social, o progresso econômico e a formação de

uma “elite negra” tinham um papel relevante, chegando até meados da década de

1960. Considera ainda

no período final da década de 1970, com a emergência dos movimentos sociais no país, os “movimentos negros” passam a atuar de forma mais efetiva na sociedade. Sendo assim, se constituem novos atores que passam a ter uma atuação de destaque em torno das problemáticas raciais do país. Desta forma, discutem-se mais a questão do racismo no Brasil, os problemas sociais, políticos e econômicos enfrentados pela população negra, trazendo à tona a problemática em torno de uma construção de identidade negra brasileira.

O movimento negro brasileiro sofre a influência das independências das

colônias portuguesas na África e o movimento Black Power norte-americano. Os

seguidores dessa nova corrente abandonam os credos do conformismo e ascensão

17

social, assumindo um discurso mais “politizado”, baseado na raça e na classe.

Dentro dos clubes e associações, esse redirecionamento do movimento negro se

traduziu em um conflito geracional nos quadros de dirigentes. Os dirigentes mais

antigos, situados numa orientação culturalista, e os mais recentes buscam uma

redefinição da identidade negra e, geralmente, ocupam cargos paralelos nos clubes

e nas entidades específicas do movimento negro.

Atualmente, conforme a geração do quadro de dirigentes do clube, a

administração tende a priorizar uma ou outra prática dentro das atividades

organizadas pela comunidade.

3.1 A Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa

A Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa, conhecida pela comunidade

como “Rui”, foi fundada em 3 de março de 1968. Sua sede está situada na Rua

Farroupilha, 834, atualmente bairro Nossa Senhora das Graças, no município de

Canoas, Rio Grande do Sul.

Nesses 41 anos de história, foi um espaço ofertado à comunidade para o

convívio social, práticas culturais, práticas desportivas, com ênfase ao futebol.

Criado com a finalidade de congregar os “elementos de cor em Canoas”,

autodenominado uma entidade sem preconceito de cor, sexo, crença ou ideologia

política (Estatuto, capítulo I, artigo 2), possui sócios brancos desde sua fundação,

sendo seus eventos abertos à comunidade em geral.

Segundo o estatuto, visa a elevação cultural e social de seus associados e

familiares, motivo pelo qual, mantém cursos de diversos tipos, bem como ações

beneficentes aos necessitados da comunidade local.

A iniciativa de criação de um clube em Canoas estava ligada à falta de um

espaço de integração social e a lazer e ao acesso dos negros a clubes. A fundação

da Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa está relacionada à vida pessoal de

“Seu Xirú”, Pedro Adão Marcelino, que agregava as pessoas através de seus

relacionamentos sociais.

Da experiência vivida em outro clube da cidade, o Clube Castro Alves, surgiu a

idéia da fundação. Um grupo de amigos, que não pertenciam aos quadros do clube

18

citado, liderados por seu Xirú, fundou a Sociedade Cultural e Beneficente Rui

Barbosa.

Segundo registros do próprio clube, os sócios fundadores foram: José Olmiro

Vaz, Manoel Jesus dos Santos, Boaventura da Rosa, Durval dos Santos Moraes,

Lauro Pontes, Ariosto da Silva, Astrogildo da Silva, Neurathon Neves do

Nascimento, Pedro Adão Marcelino, Jorge Teixeira e Araci Soares.

Com reuniões improvisadas na casa de Xirú, idealizaram o projeto e as ações

necessárias. Uma delas foi a compra do terreno da sede, que foi parcelada, tendo a

casa dele como garantia da negociação.

A formação do quadro de associados e da diretoria foi logo providenciada. A

primeira eleição foi vencida por José Olmiro Vaz, com Xirú na vice-presidência. Na

segunda eleição, Xirú candidatou-se presidente, iniciando uma série de mandatos

por 21 anos consecutivos.

Atualmente, Xirú (81 anos, viúvo) é patrono honorário do clube, sendo

respeitado e admirado por toda comunidade, interna e externa, por sua história de

vida, luta e dedicação.

A escolha do nome da sociedade foi um processo de eleição da primeira

diretoria, cujo critério era a seleção de um nome que evocasse uma imagem positiva

do negro. Ruy Barbosa de Oliveira, a Águia de Haia, amigo de Castro Alves, Ministro

da Fazenda na Primeira República, e outros tantos atributos, foi logo aceito como o

nome do clube que se iniciava.

Na segunda metade da década de 1970, esse nome foi contestado pelo setor

jovem, influenciado pelo novo Movimento Negro, alegando que Rui Barbosa não

contribuiu com os negros, pois sob suas ordens os arquivos sobre a escravidão

foram incinerados. Polêmicas a parte, o nome foi mantido por já estar incorporado

ao clube como elemento de identidade.

Passada a etapa de compra do terreno, outro objetivo era a construção da

sede. Várias ações para arrecadação de fundos foram promovidas, sendo marcante

o lançamento de títulos remidos (visando o aumento do quadro de associados), os

torneios de futebol e os jantar-bailes.

Os torneios de futebol eram realizados no Parque Getúlio Vargas, conhecido

popularmente como Capão do Corvo. Nessas ocasiões, times da região

metropolitana eram convidados para campeonatos realizados de novembro à

19

janeiro, nos finais de semana, com eliminatórias, repescagem e público garantido.

Além da dança com conjunto musical, havia venda de churrasco e bebidas.

Outra forma de arrecadação, foram os jantar-bailes, realizados em outros

clubes da cidade, que cediam ou arrendavam o espaço. Era um comportamento de

praxe convidar outros clubes negros da região metropolitana. Apesar do esforço

coletivo, as obras da construção da sede, ginásio e telhado foram concluídas

somente em meados da década de 80.

As atividades realizadas pelo grupo de associados em torno da consolidação

do clube acabaram por constituir algumas práticas, que mesmo tendo sanado a

necessidade inicial, seguem fazendo parte do calendário de eventos.

Além dos jantar-bailes, dos almoços de fim de semana, outro evento importante

foi o baile de debutantes, significativos tanto na valorização da auto-estima, quanto

na visibilização e conquista de espaço social.

Juntamente com a integração interna, havia a externa, com outros clubes

negros de todo o estado, sugerindo uma forte rede associativa. O futebol foi

importante prática integradora. O time e os torneios com outros clubes eram

atrativos para as comunidades envolvidas.

O carnaval não era uma prática constante, mais em conseqüência do gosto

pessoal de Seu Xirú, que preferia futebol. Embora tenha sido praticado em poucas

ocasiões, o carnaval infantil promovido pelo clube chegou a ser referência na cidade

de Canoas.

Outras atividades também eram desenvolvidas, além da prática do futebol.

Aulas de reforço escolar, cursos, palestras e oficinas são regulares no clube. Há

uma preocupação com a valorização da formação e educação dos sócios e de seus

familiares. Embora passe por períodos de maior ou menor intensidade, a formação é

uma prática constante no clube.

Em relação à assistência, são realizadas algumas ações em prol das famílias

associadas que passam por alguma necessidade como doença grave ou

desemprego. Os enterros e a assistência a família enlutada também fizeram parte

desse processo. A assistência é uma preocupação ainda hoje, especialmente com

os sócios fundadores, e de idade avançada, que necessitem de recursos para sua

sobrevivência e interação social.

20

4 MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DA S. C. B. RUI BARBOSA

A Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa, fundada em março de 1968,

com a finalidade de congregar afro-descendentes da cidade de Canoas e

oportunizar um espaço de recreação, lazer e convívio social.

Na sua trajetória de consolidação, o clube foi criando práticas sócio-culturais,

com um calendário de eventos definidos, como torneios de futebol, jantar-bailes

comemorativos, além de eventos dedicados à beneficência.

No ano seguinte à fundação houve a escolha da primeira Rainha do Clube, e

também a preocupação de registrar fotograficamente o evento, iniciando o registro

imagético do clube.

A coleção de fotografias analisadas para este estudo pertence à família

Marcelino, uma das fundadoras do clube. Portanto guardam características de

álbuns de família, como aponta Leite (2001, p. 73) retratos de família são um tipo

específico de documentação fotográfica que está entre os mais difundidos e nos

quais se encontram imagens de grupos familiares ou de indivíduos isolados. Além

disso, “é uma representação de alguém que sabe que está sendo fotografado”

(2001, p. 97).

Essa coleção constitui-se de 33 fotos de tamanhos variados, 12 em preto e

branco e 11 coloridas. Abarcam o período de 1969 à 2008, algumas poucas indicam

no verso o fotógrafo e a maioria são anônimas. Em sua maioria marcaram eventos,

festas, jantar-bailes e homenagens realizadas no clube ou pelo clube.

O primeiro critério de organização das fotografias da coleção foi cronológico; o

segundo, por eventos. Com exceção dos retratos das rainhas, princesas e misses,

não foi possível formar nenhuma seriação.

Para a análise interna das fotografias, foram realizadas entrevistas com

membros da família Marcelino, que procuraram datar, identificar pessoas e relatar

evento e o local.

A série de fotografias formada por rainhas, princesas e misses, é formada por

11 fotos, e são do período de 1969 a 2008. Exceto duas, a de 1971 e a de 2008, as

outras são em preto e branco.

21

Nessa série de fotografias, comparativamente, é possível perceber o padrão de

beleza estética, e sua influência e transformação através dos anos, percebida e

reproduzida pelo clube.

A influência dos títulos de Miss Universo, de Ieda Maria Vargas e Martha

Vasconcelos, é percebida nas fotografias com a incorporação da capa e da coroa.

1971 - Rainha Naremir

passa faixa para Rainha

Tânia

2008 –

Miss mais Bela Negra

1972 – Rainha do Clube

– Elisabete e Levonir

1974 – Miss Mulata

- Anita 1976 – Rainha do Clube

- Consuelo

22

A penetração no setor jovem do ideário do novo Movimento Negro, alterando o

estilo estético, e a questão da identidade étnica.

Outros aspectos, por associação de idéias, podem ser percebidos como a

formalidade, seriedade e neutralidade nos concursos.

1969 – 1ª Rainha Naremir

– Cabelos alisados,

vestido longo e luvas.

1975 – Miss Brotinho Leonora –

Cabelos Black Power, brincos de

argolas e bata.

1977 – Perfilamento das candidatas a Rainha

do clube para julgamento.

1982 – Comissão Julgadora do Concurso de

Rainha – Membros sem ligação direta com o

clube – Postura para fotografia.

23

As práticas sociais dentro do clube acabaram por cristalizar um calendário de

eventos anuais, como as comemorações do aniversário do clube e o do dia das

mães.

A comemoração do aniversário do clube é uma data de grande destaque,

geralmente é a oportunidade em que as pessoas do clube, ou relacionadas com ele

de alguma forma, são homenageadas.

Uma das características identitárias do clube é de ser um “clube de família”.

Esta marca pode ser percebida nas imagens de mães, homenageadas ou prestando

homenagens, e nas fotografias onde grupos familiares aparecem.

1993 - Aniversário de 25 anos –

Darci Silveira, ex-presidente do CSSGAPA

2008 – Aniversário de 40 anos –

Flávio Madruga e João B. Velleda -

Homenageados

24

1971 - Homenagem do dia das mães

– Xirú homenageia sua mãe, Celita.

2008 – Homenagem às mães – Celeste Marcelino,

Naremir Marcelino Ilha e Sueli

1976 – Concurso da Rainha do Clube –

Gilda Marcelino homenageia a Rainha.

1974 – Festa de Casamento no clube –

Sergio Ilha e Naremir Ilha, com os pais

da noiva, Gilda e Xirú.

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A busca de reconhecimento, visibilidade, valorização sócio-histórica podem ser

percebida pelo caráter oficial e formal nas imagens de homenagem pública prestada

ao clube.

2008 – Aniversário de 40 anos –

Homenagem ao ex-presidente pelo presidente –

Xirú e Levonir, pai e filho.

2008 – Homenagem prestada pela Câmara de

Vereadores de Canoas pelo aniversário de 40

anos do clube. No centro da bancada Presidente

da Câmara, com Xirú e Naremir à esquerda, no

plano inferior Presidente e vice-presidente do

clube, Levonir e César.

2008 – Homenagem prestada pela Câmara de

Vereadores de Canoas pelo aniversário de 40

anos do clube - Pose do coletivo do clube

presente à homenagem. Ao centro, Presidente

da Câmara e Xirú.

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A análise da coleção de fotografias evidencia os conceitos de imagem/

documento e imagem /monumento. Além de registrar sua história - o documento;

mensagens sígnicas de comportamento, postura, identidade são transmitidas - o

monumento.

Enquanto memória fotográfica, os mecanismos de lembrança/esquecimento

são acionados na seleção de fotografias que foram guardadas/cedidas. É possível

perceber quem detém o controle da memória, no caso a Família Marcelino, pois

além de estar presente na maioria das imagens, tem a posse delas. O que foi

lembrado, as comemorações, os concursos, as homenagens; quanto o que é

esquecido, o carnaval, o futebol; estão relacionados ao que esta família interpreta

como representativo da identidade do clube, merecedor de pertencer à memória do

clube. Talvez isso se deva a marca das presenças de Seu Xirú e família na

comunidade.

Contudo, a organização desse acervo foi apenas iniciada. A busca por outros

acervos, e outras memórias, se faz necessário na continuidade desse trabalho,

mesmo consciente das dificuldades representadas pelo valor monetário do recurso

fotográfico para muitas famílias.

Por outro lado, é importante salientar a importância dada à família na memória

do clube. A constituição do grupo familiar é importante fator dentro da resistência

cultural afro-brasileira, se contrapondo à visão branca de desagregação da família

escrava e, portanto, da família negra na sociedade brasileira.

Essa forma de resistência cultural pode ter um vínculo com a organização

social dos grupos étnicos africanos vindos para o Brasil, onde a vida coletiva estava

ligada fundamentalmente as famílias e as linhagens. Tanto mais poderoso era o Rei,

quanto mais linhagens familiares o sustentassem. Os grandes reinos ou impérios

africanos não tinham fronteiras territoriais demarcadas, a fronteira de um reino

terminava onde residia a última família fiel ao Rei.

Essas marcas culturais da África na cultura brasileira foram tão invisibilisadas,

que se torna difícil desvinculá-las de outras práticas. Para Thorton (2004), os

elementos da cultura africana no novo mundo persistiram e resistiram muito mais do

que historiograficamente se fez supor. Apesar das diferenças étnicas dos aqui

aportados, existiam muito mais formas de comunicação entre os grupos, na medida

em que tanto no Brasil, quanto na África existiram línguas francas de comunicação

que possibilitaram o contanto.

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A família negra e sua estruturação estão presentes ainda hoje não só nos

clubes, mas também nas comunidades remanescentes de quilombo e casas de

religiões afro-brasileiras que mantiveram suas estruturas coletivas baseadas na

organização familiar.

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5 CONCLUSÃO

O presente estudo procurou demonstrar aspectos da formação da memória

constituída da Sociedade Beneficente e Cultural Rui Barbosa, especialmente a

memória fotográfica.

A S.C.B. Rui Barbosa é um clube social formado por afro-descendentes no final

da década de 1960, em Canoas. O grupo fundador buscava um espaço de lazer e

recreação para si e seus familiares, já que não eram aceitos em outros clubes.

Em seu percurso de 41 anos, o clube contribuiu para a preservação cultural da

identidade negra em Canoas. Através de seu calendário de atividades sociais,

oportunizou o convívio e o debate relacionado aos problemas da população afro-

descendente. A prática associativa da comunidade negra evidencia sua estratégia

de resistência a exclusão sócio-cultural, construída a partir da busca de visibilidade e

reconhecimento da comunidade canoense.

Na trajetória de fundação e consolidação do clube, foi feito o registro fotográfico

dos eventos do clube, geralmente por fotógrafos anônimos contratados pelas

famílias, às vezes por próprios familiares.

A coleção utilizada para a realização deste trabalho faz parte do acervo da

Família Marcelino, o que por si só, é carregado de significados. Um deles é de qual

segmento interno do clube detém essa memória. Outro é da importância dessa

família dentro da história do clube.

A observação da coleção permitiu formar uma única série reunida sob o tema

Rainhas,princesas e misses. A partir dessa série foi possível analisar as influências

sofridas pelo grupo fotografado durante esse período.

As primeiras fotografias dessa série apresentam um padrão estético próximo

ao padrão da elite branca dominante na cidade. A partir de meados da década de

1970, esse padrão é alterado. Sob a penetração do Movimento Negro no setor

jovem do grupo, o estilo Black Power é adotado por parte do grupo. Embora, os

padrões ditados pela classe dominante ainda sejam absorvidos, como demonstrados

pela incorporação da capa e da coroa, muito provavelmente inspirados pelos títulos

de Miss Universo conquistados por brasileiras em anos anteriores.

As demais fotografias, por serem de natureza muito variada, foram organizadas

sob o genérico tema Eventos, já que apresentam comemorações diversas. Nesse

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segmento foi possível observar além da busca da representação de formalidade e

oficialidade, a evocação da família, uma das marcas identitárias do clube. Nas

fotografias realizadas na Câmara de Vereadores em sessão de homenagem aos 40

anos do clube, percebe-se a luta pela conquista de espaço e reconhecimento da

sociedade em geral.

Além de analisar o que e porque as fotografias mostram, procurei ressaltar o

que as fotografias não mostram. Nesse caso específico, o carnaval e o futebol,

ambos praticados no clube. A primeira dedução está relacionada com a família a

qual pertence a coleção. O carnaval não era do agrado pessoal de Xirú, presidente

do clube por muitos anos, sendo poucas vezes realizado no clube. O futebol,

embora muito praticado no clube, não era visto como algo que merecesse ser

registrado fotograficamente, ou o grupo que o praticava não tinha recursos para

registrá-lo.

É importante destacar a presença da imagem familiar e autodenominação de

“clube de família”, ambas constituintes da identidade e da memória do clube. O uso

do grupo familiar na organização interna do clube, nas imagens elaboradas pode ter

um relacionamento remoto com a cultura africana original e como forma de

resistência sócio-cultural afro-brasileira.

O estudo da coleção fotográfica apresentou obstáculos a serem vencidos pelo

pesquisador. A cedência e coleta das fotografias foram bastante difíceis, ou por ter

um valor afetivo para quem cede, ou por conflitos do que ceder ou sobre quem deve

ceder. Por ser uma coleção familiar, o registro fotográfico foi de natureza variada, o

que dificultou a organização e seriação. Para a análise, foi preciso entrevistas com

os membros da família para identificação de pessoas, datas, local, eventos,

representados pelas fotografias. E finalmente, o cuidado ético no registro do trabalho

desenvolvido.

Durante o período de pesquisa e elaboração desse estudo, foi comemorado

pelo clube a Semana da Consciência Negra. Entre as atividades comemorativas,

esteve a Exposição África-Brasil: memórias, liberdades e ritos de vida, pertencente

ao acervo do MAHLS e cuja apresentação obedece a calendário de itinerância

disponibilizado às escolas.

Para essa exposição foram especialmente produzidos, e incorporados ao

acervo, painéis produzidos com base nessa pesquisa sobre a memória fotográfica

do clube. A fim de registro, imagens dos painéis serão anexadas a esse estudo.

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Por fim, este trabalho não teve, desde seu início, a pretensão de esgotar

questões relacionadas à memória visual do clube, posto que se faz necessário

agregar a memória de outras famílias e segmentos, conforme pudemos verificar nos

contatos feitos durante a exposição. Se por um lado este trabalho deixa a satisfação

de realizá-lo; por outro, deixa a certeza da necessidade de futuras pesquisas e

outras abordagens, como o estudo das questões de gênero da presença feminina

no clube e da participação dos clubes negros no futebol canoense.

31

REFERÊNCIAS

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32

LONER, Beatriz Ana. A rede associativa negra em Pelotas e Rio Grande. In: SILVA, Gilberto Ferreira da; SANTOS, José Antônio dos; CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha (org.). RS negro : cartografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. MAESTRI, Mário. O escravo gaúcho : resistência e trabalho. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1993. ______. O escravo no Rio grande do Sul : a charqueada e a gênese do escravismo gaúcho. Porto Alegre: EST/UCS, 1984. MULLER, Liane Susan. As contas do meu rosário são balas de artilharia : irmandade, jornal e associações negras em Porto Alegre 1889-1920. Dissertação de Mestrado em História (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas). 1999. 252 f. Porto Alegre: PUCRS, 1999. OSÓRIO, Helen. Colônia. In: BOEIRA, Nelson; GOLIN, Tau (Coord.) História geral do Rio Grande do Sul . Passo Fundo, RS: Méritos, 2006. v. 1. PESAVENTO, Sandra Jatahy. A emergência dos subalternos : trabalho livre e ordem burguesa. Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS, 1989. PEREIRA, Clóris V. A Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa . Trabalho de Conclusão de Curso (História), Centro Universitário La Salle, Canoas, 2009. SCHWARTZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil . São Paulo: Publifolha, 2001. THORTON, John. As transformações da cultura africana no mundo atlântico. A África e os africanos na formação do mundo atlântic o. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. VIANNA, Francisco José Oliveira. Populações Meridionais do Brasil. In: OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo : a diversidade cultural no Brasil – Nação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

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ANEXO A – PAINEL 1

34

ANEXO B – PAINEL 2

35

ANEXO C – PAINEL 3

36

ANEXO D – PAINEL 4