sobre o timo (Órgão)

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  • 8/18/2019 Sobre o Timo (Órgão)

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    50   JANEIRO DE 20 12

    CIÊNCIA

    Quando

    o TIMOnão

    vai bem

  • 8/18/2019 Sobre o Timo (Órgão)

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    PESQUISA FAPESP 191  51

      F  O  T  O  S

      L  E  O   R  A  M  O  S  E  E  D  U  A  R  D  O   C  E  S  A  R

    Cópia extra de gene

    prejudica o amadurecimento

    das células de defesa na

    síndrome de Down

    TEXTO  Ricardo Zorzetto e Francisco Bicudo

    ILUSTRAÇÃO Mariana Coan Começa-se a conhecer melhor a razãopor que as pessoas com síndromede Down, que atinge uma em cada700 crianças, são mais suscetíveis

    a desenvolver doenças autoimu-nes do que o restante da população.

    Nelas, um sofisticado mecanismo que ensina ascélulas de defesa a reconhecer e combater o queé estranho ao organismo encontra-se desregu-lado, mostraram pesquisadores brasileiros emum estudo publicado em setembro no Journal of Immunology. A consequência desse desequilíbrioé que as células que deveriam proteger o corpopassam a atacá-lo, levando ao desenvolvimento deenfermidades autoimunes como o diabetes tipo 1,o hipotireoidismo ou a doença celíaca.

    A pediatra Magda Carneiro-Sampaio e suaequipe no Instituto da Criança (ICr) da Facul-dade de Medicina da Universidade de São Paulo(FMUSP) verificaram que algo não andava bemcom o amadurecimento das células de defesa dascrianças com síndrome de Down quando pude-ram comparar a atividade do timo delas com a dotimo de crianças sem o problema. Órgão pequenoe achatado em forma de borboleta, o timo se si-tua no tórax, atrás do osso esterno e à frente docoração, e funciona como uma escola de treina-mento de guerra. É ali que um grupo especial decélulas de defesa – os linfócitos T, responsáveis

    por orquestrar o combate a infecções e a elimi-nação de células doentes – aprende a distinguiro que integra o próprio corpo e deve ser preser-vado daquilo que vem de um organismo estranhoe deve ser exterminado.

    Quando o timo funciona bem, os linfócitos quepassam por esse treinamento e se mostram capa-zes de reconhecer e atacar as células do próprioorganismo são destruídos ali mesmo – a morte éo destino de 95% a 97% dos linfócitos T. Só saemdo timo para a circulação sanguínea e a linfática os3% a 5% restantes dos linfócitos, que demonstram

    ter a habilidade de identificar e atacar apenas osagentes infecciosos, os compostos estranhos aocorpo ou as células defeituosas. Na síndrome deDown, porém, esse rigoroso sistema de preparo eseleção celular encontra-se desbalanceado.

    O desajuste no amadurecimento dos linfó-citos só começou a ficar evidente nos últimosanos, quando o grupo de Magda usou técnicasde biologia molecular para estudar o timo de 60crianças (14 com síndrome de Down e 46 sem)com idade entre 4 meses e 12 anos. Todas elashaviam passado por uma cirurgia para corrigirdefeitos cardíacos graves que exigiu a retirada do

    _ IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS

    IMUNOLOGIA

    PEDIATRIA

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    timo. Ao comparar o funcionamento dotimo, os pesquisadores constataram que,em média, esse órgão era menos ativonas crianças com síndrome de Down doque naquelas sem o problema ( ver info-

     gráfico acima ).

    Ogeneticista Carlos Alberto Morei-ra Filho e a psiquiatra e especia-lista em bioinformática Helena

    Brentani avaliaram o nível de ativação dequase 22 mil genes nas células do timo everificaram que cerca de 400 desses ge-nes, muitos deles responsáveis pela mul-tiplicação celular e pelo amadurecimentodas células de defesa, se encontravammenos ativos nas crianças com Down.Um em especial chamou a atenção. É ogene autoimmune regulator (AIRE). Essegene codifica a produção de uma proteínaessencial para a seleção apropriada doslinfócitos T. Sem essa proteína, os linfó-

    citos nocivos ao próprio organismo nãosão exterminados no timo, como deve-riam, e se espalham pelo corpo.

     A patologista Maria Irma Seixas Duar-te e a biomédica Flavia Afonso Lima ob-servaram que havia duas vezes mais cé-lulas com o gene AIRE ativo no timo dascrianças sem Down do que no daquelascom a síndrome. Em média, 155 célulaspor milímetro quadrado expressavam o AIRE no timo das crianças do primeirogrupo e apenas 70 no daquelas do se-gundo. “O baixo nível de expressão do

    gene AIRE permite compreender porque as doenças autoimunes são maisfrequentes em quem tem síndrome deDown”, conta Magda.

    O padrão de acionamento dos genesnas células do timo ajuda também a ex-plicar os sinais clínicos observados emcrianças com Down, a anomalia cromos-sômica mais comum em seres huma-nos, causada pela presença de uma cópiaextra do cromossomo 21 no núcleo dascélulas. Desde muito cedo na vida, boaparte das pessoas com Down apresentaproblemas autoimunes desencadeadospelo ataque das células de defesa a ór-gãos específicos. O risco de desenvolverhipotireoidismo, diabetes tipo 1 ou doen-ça celíaca é respectivamente 4 vezes, 6vezes e de 10 a 40 vezes maior entre ascrianças com síndrome de Down do queno restante da população. Há quase trêsdécadas também se sabe que o timo des-

    sas crianças é menor do que o daquelassem a anomalia cromossômica.Ante os resultados de agora, Magda e

    sua equipe propõem uma reinterpretaçãoda origem dos problemas autoimunes fre-quentes na síndrome de Down. “As enfer-midades autoimunes que essas criançasapresentam são decorrentes de uma imu-nodeficiência primária, e não secundáriacomo se classifica atualmente”, afirma.

    O que essa reavaliação significa? Emprimeiro lugar, que a causa das doençasautoimunes nas pessoas com Down é di-

    ferente do que se pensava. “A origem domau funcionamento do sistema de de-fesa delas é genética e aparece durantea formação do embrião”, conta Magda.Até então, a explicação mais aceita pelosespecialistas era que esses problemasautoimunes decorriam da degeneraçãodo timo causada pelo envelhecimentoprecoce. Em segundo lugar, que essascrianças podem não estar recebendo me-dicação adequada.

    A fim de aprimorar o tratamento des-sas crianças, a equipe de Magda e a dopediatra Zan Mustacchi iniciaram emdezembro no Hospital Infantil DarcyVargas, em São Paulo, a triagem daquelasque têm síndrome de Down e apresen-tam infecções recorrentes mesmo depoisde vacinadas contra doenças virais e bac-terianas. Eles pretendem verificar se essasuscetibilidade maior a infecções – elas

    O PROJETO

    Autoimunidade na criança: investigação dasbases moleculares e celulares da autoimunidadede início precoce – nº 2008/58238-4

    MODALIDADEProjeto Temático

    COORDENADORA Magda Carneiro-Sampaio – FMUSP

    INVESTIMENTOR$ 1.470.770,68 (FAPESP)

    Treinamento de guerraTimo prepara células de defesa para identificaragentes infecciosos e compostos estranhos ao corpo

    Apenas de 3% a 5% dos linfócitosgerados no timo (linfócitos T)vão para a corrente sanguínea.Eles se espalham pelo corpoe permanecem prontos paracombater agentes infecciosose células doentes

    No timo, os linfócitosaprendem a identificaro que é estranho aoorganismo e deve serdestruído. Uma seleçãorigorosa elimina oslinfócitos (em preto )defeituosos ou capazesde atacar o próprio corpo

    Multiplicação  

    Vigilância 

     Amadurecimento 

    Precursoras doslinfócitos, células--tronco vindasdo fígado e damedula dos ossospenetram no timoe começam a semultiplicar

         

                 

           

        

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    podem agravar os problemas cardíacos,frequentes nas crianças com Down –também decorre do mau funcionamentodo timo. “Se for confirmado, poderemosprogramar uma vacinação complemen-tar na tentativa de melhorar a respostaimunológica dessas crianças e, em certoscasos, indicar o uso preventivo de anti-virais e antibióticos para aquelas comcardiopatia congênita”, diz Zan.

    Anos atrás o grupo do Instituto daCriança decidiu investigar a ati-vidade do timo na síndrome de

    Down porque o padrão de problemas

    imunológicos apresentados por essascrianças lembrava o de outra enfermi-dade rara associada à disfunção desseórgão: a poliendocrinopatia autoimunetipo 1 (APECED). Comum em italianosda Sardenha, finlandeses e judeus ira-nianos, essa poliendocrinopatia, tambémse caracteriza pela atividade anormal dotimo. Em ambas, linfócitos que deve-riam ser destruídos escapam à seleçãoe atacam o próprio corpo por causa daatividade anormal do gene AIRE, quese encontra no cromossomo 21.

    órgão. Mas o teste genético ainda é caropara ser adotado pelo sistema público depaíses como o Brasil – seriam necessáriosa cada ano US$ 2,4 milhões para aplicaro teste às 600 mil crianças que nascemno estado de São Paulo. Por esse motivo,o grupo da USP pensa em aproveitar aultrassonografia do feto, feita durante agestação, para avaliar o tamanho do ti-

    mo. “Esse seria apenas um item a maisa ser verificado durante a avaliação deanomalias fetais por ultrassom”, diz LuizAntonio Nunes de Oliveira, chefe do Ser-viço de Radiologia do ICr.

    Como o timo é proporcionalmentegrande no feto, é possível identi-ficá-lo por meio desse exame de

    imagem. “Os casos em que o timo formenor que o normal ou não estiver vi-sível seriam considerados suspeitos e os

    médicos poderiam solicitar um leuco-grama logo após o nascimento”, explicaOliveira. A obstetra Roseli Nomura, doDepartamento de Obstetrícia e Gine-cologia da FMUSP, trabalha agora paradescobrir as melhores condições técni-cas para avaliar o timo por ultrassom noúltimo exame pré-natal, sem aumentarmuito a duração e o preço do exame.

    Identificar mais cedo a atividade anor-mal do timo é importante para a sobre-vivência do recém-nascido. As crian-ças com imunodeficiências graves, porexemplo, não devem receber a vacina

    BCG, aplicada logo após onascimento. Essa vacina anti-tuberculose é produzida com bacilos vivos, que podem cau-sar uma infecção grave – e atéfatal – nesses bebês. “Quantoantes se fizer o diagnóstico,mais cedo se pode programara imunização mais adequa-da para a criança”, afirma apediatra Cristina Jacob, che-

    fe da Unidade de Alergia e Imunologiado ICr. Nos casos de imunodeficiênciacombinada grave, o diagnóstico preco-ce permite o encaminhamento rápidoda criança para o transplante de célulashematopoiéticas, a única opção terapêu-tica possível por ora. n

    Na APECED alterações na estruturadesse gene, como a encontrada em 2007pelo grupo de Magda em uma família de

     brasileiros descendentes de italianos, pre- judicam a expressão do AIRE e a seleçãodos linfócitos T. Na síndrome de Downtrechos muito pequenos de material ge-nético – os micro-RNAs, encontrados emabundância no cromossomo 21 – podem

    interferir na atividade do AIRE e de ou-tros genes. “Pretendemos investigar opapel desses micro-RNAs na próximaetapa do trabalho”, conta Magda.

    Ela e os pesquisadores da USP pla-nejam ainda usar testes que permitamavaliar o tamanho e a atividade do timopara identificar, se possível antes mesmodo nascimento, essas e outras imunodefi-ciências primárias graves. Consideradasraras, essas enfermidades se manifestammuito cedo na vida e deixam as crianças

    mais suscetíveis a infecções ou a proble-mas autoimunes. Calcula-se que uma emcada 10 mil crianças apresente algumaforma de imunodeficiência grave (partedos casos com alteração no timo), quasesempre fatal sem o tratamento correto.

    Uma das imunodeficiências que ospesquisadores esperam detectar cedo éa síndrome de DiGeorge, que afeta umaem cada 4 mil crianças. Consequência daperda de um pedaço do cromossomo 22,essa síndrome causa defeitos no coraçãoe na face e impede o desenvolvimentonormal do timo. De 1% a 2% das crianças

    com a síndrome podem até mesmo nascersem o timo, o que impede a formação dosistema imunológico e só é corrigido pormeio do transplante do órgão. A equipedo ICr quer identificar ainda os casos deimunodeficiência combinada grave, queatinge 1 em cada 40 mil bebês.

    Nos últimos anos alguns estados norte-americanos incluíram na triagem neo-natal – o teste do pezinho – um exameque mede o número de linfócitos recém--liberados pelo timo, que funcionam co-mo indicador no sangue da atividade do

    Pesquisadores buscamcondições técnicas paraavaliar o timo no pré-natal

    Artigo científicoLIMA, F. A. et al. Decreased AIRE expression andglobal thymic hypofunction in Down Syndrome.The Journal of Immunology. v. 187 (6), p. 3.422-30. 15 set. 2011.

    Alterações nofuncionamento dotimo prejudicam oprocesso de seleçãoe deixam escaparlinfócitos T queatacam órgãos comoa tireoide, causandodoenças autoimunes

     Ataque