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REVISTA MEMENTO V.4, n.2, jul.-dez. 2013 Revista do mestrado em Letras Linguagem, Discurso e Cultura UNINCOR ISSN 2317-6911 “CIÊNCIA” EM FOCO: A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA FOLHA DE S. PAULO SOB UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA Leonardo Coelho CORRÊA-ROSADO 1 Resumo: Esse trabalho é um estudo do processo de divulgação científica, sob a perspectiva da Análise do discurso da divulgação científica (ADDC), na seção “Ciência” da versão impressa do jornal Folha de S. Paulo. O objetivo do presente artigo é descrever o processo de recontextualização de saberes científicos em dois textos extraídos da referente seção. Além disso, objetivamos realizar um estudo quantitativo que nos permita apreender a quantidade de textos de divulgação científica publicados na seção, bem como a recorrência de temas presentes na mesma, considerando o recorte temporal adotado. Desse modo, nossas análise dividem-se em duas etapas: a) quantitativa, na qual fizemos o rastreamento dos textos na seção escolhida considerando a quantidade de textos, as temáticas recorrentes e os tipos de pesquisas; b) qualitativa, na qual analisamos o processo de recontextualização do saber científico nos textos selecionados. Nossos resultados evidenciaram que houve a recorrência das estratégias divulgativas de denominação, definição e metáfora. Palavras-chave: Análise do Discurso da Divulgação Científica. Processo de recontextualização. Estratégias divulgativas. Mídia impressa. Introdução O presente trabalho é um estudo do processo de divulgação científica, sob a perspectiva da Análise do discurso da divulgação científica (ADDC), na seção “Ciência” da versão impressa do jornal Folha de S. Paulo jornal este escolhido devido ao fato de ser um 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (Linguística do texto e do discurso/análise do discurso) da Faculdade de Letras (FALE) da UFMG. Belo Horizonte/MG Brasil. [email protected]

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V.4, n.2, jul.-dez. 2013

Revista do mestrado em Letras Linguagem, Discurso e Cultura – UNINCOR

ISSN 2317-6911

“CIÊNCIA” EM FOCO: A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA FOLHA DE S. PAULO

SOB UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA

Leonardo Coelho CORRÊA-ROSADO1

Resumo: Esse trabalho é um estudo do processo de divulgação científica, sob a perspectiva

da Análise do discurso da divulgação científica (ADDC), na seção “Ciência” da versão

impressa do jornal Folha de S. Paulo. O objetivo do presente artigo é descrever o processo de

recontextualização de saberes científicos em dois textos extraídos da referente seção. Além

disso, objetivamos realizar um estudo quantitativo que nos permita apreender a quantidade de

textos de divulgação científica publicados na seção, bem como a recorrência de temas

presentes na mesma, considerando o recorte temporal adotado. Desse modo, nossas análise

dividem-se em duas etapas: a) quantitativa, na qual fizemos o rastreamento dos textos na

seção escolhida considerando a quantidade de textos, as temáticas recorrentes e os tipos de

pesquisas; b) qualitativa, na qual analisamos o processo de recontextualização do saber

científico nos textos selecionados. Nossos resultados evidenciaram que houve a recorrência

das estratégias divulgativas de denominação, definição e metáfora.

Palavras-chave: Análise do Discurso da Divulgação Científica. Processo de

recontextualização. Estratégias divulgativas. Mídia impressa.

Introdução

O presente trabalho é um estudo do processo de divulgação científica, sob a

perspectiva da Análise do discurso da divulgação científica (ADDC), na seção “Ciência” da

versão impressa do jornal Folha de S. Paulo – jornal este escolhido devido ao fato de ser um

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (Linguística do texto e do

discurso/análise do discurso) da Faculdade de Letras (FALE) da UFMG. Belo Horizonte/MG – Brasil.

[email protected]

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jornal de prestígio e de ser um jornal de circulação nacional –, durante o período de 07 a 13 de

novembro de 2011.

Nosso objetivo é descrever o processo de recontextualização de saberes científicos em

dois textos extraídos da referente seção. Além disso, objetivamos realizar um estudo

quantitativo que nos permita apreender a quantidade de textos de divulgação científica

publicados na seção, bem como a recorrência de temas presentes na mesma.

Para a realização de nosso objetivo, realizaremos a análise em um nível quantitativo e

um nível qualitativo. No nível quantitativo, iremos fazer o rastreamento dos textos presentes

na referida seção no que diz respeito a três variáveis: a) quantidade de textos encontrada, b)

temáticas recorrentes, c) tipos de pesquisas. Esse estudo quantitativo norteará nossas ações

para análise qualitativa, já que a partir dos dados levantados neste nível de análise, iremos

selecionar os textos para a análise qualitativa, considerando o critério de recorrência temática.

Já no nível qualitativo, iremos analisar os procedimentos de recontextualização (expansão,

redução e variação) e as estratégias divulgativas recorrentes no corpus, de forma a

compreender como o conhecimento científico é vulgarizado na mídia selecionada.

Análise do discurso da divulgação científica: considerações gerais

Como uma vertente da Análise do Discurso (AD), a Análise do Discurso da

Divulgação Científica (ADDC) tem como objeto de estudo o discurso e, desse modo,

investiga, de um ponto de vista linguístico-discursivo, os fenômenos a ele relacionados.

Porém, de uma maneira específica, tal vertente lida diretamente com o discurso da divulgação

científica, que, de um modo geral, podemos entender como:

(...) o conjunto de informações midiáticas que são produzidas em situações

comunicativas distintas das estabelecidas entre os cientistas e seus pares, sendo,

pois, um texto reformulado por um jornalista, ou mesmo para um cientista, para um

leitor não especializado no assunto (...). (DIAS; CATALDI, 2010, p. 248).

Assim, a ADDC considera o texto como uma unidade de análise, mas que deve ser

enfocado a partir de seu contexto real de aparição, de acordo com os propósitos e as

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finalidades de cada situação comunicativa, como bem ressaltou van Dijk (2011), o que nos

permite compreender que os textos jornalísticos de divulgação científica constituem uma

forma de discurso público nos quais se integram uma série de fatores relacionados com o

contexto em que surgem.

A ADDC está situada no limiar entre a Ciência/Tecnologia e a Divulgação desta em

práticas midiáticas específicas. Seu interesse compreende os acontecimentos da informação

científica durante sua adaptação para as diversas audiências de não iniciados, bem como as

mudanças que a informação sofre quando passa de uma situação retórica para outra, além da

transformação do discurso. Nesse sentido, como aponta Calsamiglia (1997), o discurso

divulgativo, embora utilize informações procedentes do discurso científico, trata-se de um

novo discurso, visto que seu modo de elaboração é específico e está determinado por

concepções próprias de produção e de difusão. É por isso que, quando falamos do discurso de

divulgação científica e do processo de constituição do mesmo, temos que pensar no processo

de recontextualização do conhecimento científico, processo esse relacionado com um

conjunto de procedimentos discursivos, bem como com estratégias divulgativas utilizadas

pelo divulgador de ciência para re-criar o saber científico ali encenado.

O processo de recontextualização como prática discursiva

De acordo com Calsamiglia et al (2001), o processo de recontextualização de um

determinado saber científico na mídia impressa se dá de forma a “re-criar” esse mesmo saber

para um público não especializado. Nesse sentido, tal processo está calcado no pressuposto de

que a tarefa divulgadora exige a elaboração de uma forma discursiva que esteja adequada às

novas circunstâncias e, sobretudo, à reconstrução do conhecimento divulgado para um público

diferente. Tal processo evidencia, então, que o discurso de divulgação científica é uma

representação discursiva de um outro discurso sobre o saber divulgado. Trata-se, portanto –

nas palavras de Cassany (2001) –, de um processo dinâmico e bastante complexo, envolvendo

várias dimensões do processo discursivo, sobretudo a dimensão interdiscursiva e intertextual.

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Sob a óptica de Calsamiglia (2000), o processo de recontextualização se concretiza a

partir das seguintes perguntas: o que dizer? Como dizer? Como explicar? Como motivar?

Com que intenção?

Essas perguntas arroladas permitem com que os profissionais do jornalismo ligados à

divulgação científica orientem suas práticas de modo a re-criar o discurso científico,

considerando sempre as novas condições de produção e de difusão.

Ciapuscio (1997) aponta que o processo de recontextualização das informações sobre

ciência e tecnologia na mídia impressa vale-se de três procedimentos discursivos específicos:

a) expansão, b) redução e c) variação. Esses procedimentos variam de acordo com alguns

parâmetros contextuais, como a situação comunicativa, o propósito de quem a realiza e o

perfil do destinatário.

A expansão, segundo Ciaspuscio (1997), visa proporcionar os significados conceituais

necessários para obter a efetiva participação cognitiva e comunicativa do leitor. Logo, na

expansão, o jornalista/divulgador substitui um termo por outro semanticamente equivalente,

explicita alguns conhecimentos compartilhados pelos participantes ou ainda introduz uma

informação nova que, de maneira implícita, já havia sido enunciada no discurso. Já a redução

objetiva suprimir determinada informação científica que, por diversos motivos, não é

necessária ou conveniente na versão divulgada, isto é, há uma condensação e sintetização das

informações no texto divulgativo. A variação, por seu turno, refere-se às transformações

ocorridas desde o texto fonte até o texto divulgativo e está relacionada à seleção lexical, à

apresentação da informação, à modalidade enunciativa e a outras características linguístico-

discursivas.

Descrevendo o corpus: alguns apontamentos metodológicos

Como apontado em nossa Introdução, os textos quem compõem o corpus deste

trabalho foram extraídos da seção “Ciência” da versão impressa do jornal Folha de S. Paulo,

no período de 07 de novembro de 2011 (segunda-feira) a 13 de novembro de 2011 (domingo).

Segundo informações disponíveis no próprio site do jornal, a Folha de S. Paulo, ou

simplesmente Folha, é um jornal de âmbito nacional que está em circulação desde 19 de

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fevereiro de 1921 (cujo nome original era Folha da Noite). Com o passar do tempo, o jornal

foi se desenvolvendo e, na atualidade, é um dos jornais de maior tiragem do Brasil, estando ao

lado de O Globo e de O Estado de S. Paulo (Estadão). Segundo dados do Instituto

Verificador de Circulação (IVC), a circulação média diária da folha, em 2010, foi de 294.498

exemplares. A Folha é hoje um dos jornais mais influentes do país, divulgando informações

diversas ligadas aos setores econômico, político, cultural, esportivo, social, etc. do Brasil e do

Mundo.

O jornal é composto por cadernos e seções variadas. No caderno C, encontramos a

seção “Ciência” que é o interesse desse trabalho, visto que é nela que podemos visualizar,

com maior propriedade, o processo de recontextualização do saber científico.

Desse modo, a seção “Ciência” foi escolhida pelo fato de ser uma seção diretamente

ligada à questão da divulgação científica. Entretanto, outras seções do jornal em questão

também parecem lidar com textos de divulgação científica como a seção “Saúde”, que em

todas as edições utilizadas estava veiculada ao lado da seção “Ciência” dentro do caderno C.

Analisando o corpus

Nas seções subseqüentes, apresentaremos os resultados encontrados em nossas

análises. Em primeiro lugar, evidenciaremos os dados relativos à análise quantitativa. Em

segundo lugar, os dados concernentes à análise qualitativa do corpus.

Análise quantitativa

A análise quantitativa procedeu-se de forma a averiguar a quantidade de textos de

divulgação científica publicados na seção escolhida, durante o período em estudo, bem como

as principais temáticas científicas publicadas. Além disso, realizamos uma quantificação dos

tipos de pesquisas publicados na seção “Ciência” da Folha de S. Paulo no período de 07 a 13

de novembro de 2011. Esse tipo de estudo foi importante para podermos observar a

recorrência temática na seção em análise, bem como apreendermos a representação de ciência

que a Folha encena a seus leitores.

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(1) Em relação à quantidade de textos, consideremos a tabela abaixo:

Tabela 1 - Número de textos encontrados na seção "Ciência" da Folha de S. Paulo no

período de 07 a 13 de novembro de 2011

Dia da semana Quantidade de textos (%)

Segunda-feira 01 6,25

Terça-feira 01 6,25

Quarta-feira 02 12,5

Quinta-feira 02 12,5

Sexta-feira 04 25

Sábado 04 25

Domingo 02 12,5

Total 16 100

A tabela 1 evidencia que a quantidade de textos encontrada foi de 16 textos, sendo que

metade (8 textos) deles foram publicados na sexta-feira (11 de novembro) e sábado (12 de

novembro). A tabela ainda mostra que há uma espécie de gradação entre a quantidade de

textos publicados no início da semana para os publicados no fim de semana.

Nos primeiros dias da semana (segunda-feira e terça-feira), a quantidade de textos

concentra-se em 1 texto por dia. Na quarta-feira e quinta-feira, há um crescimento do número

de textos que passa de 1 para 2 por dia. No final de semana (sexta-feira e sábado), há um

aumento na frequência, na qual os textos passam de 2 para 4 textos por dia. Esse número

decresce para 2 textos no domingo.

Embora seja interessante a gradação apresentada e discutida acima, não podemos

afirmar que ela seja algo recorrente na mídia em questão, uma vez que, para tal,

necessitaríamos de mais dados e mais edições para comprovar ou não esta tese. Deixamos

essa observação em aberto para que outros pesquisadores possam analisar este fato.

(2) Quanto à recorrência temática, consideremos a tabela a seguir.

Tabela 2 - Temáticas recorrentes no corpus

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Pela tabela 2, observamos que foram encontradas 13 temáticas para os textos de nosso

corpus, sendo que duas temáticas são mais recorrentes do que as demais: a temática missão à

Marte, cujos textos (3 textos) discorrem sobre o projeto Life, que, através da sonda russa

Fobos-grunt, enviará micro-organismos ao “planeta vermelho”; e a temática de cruzamento

genético, cujos textos (2 textos) tratam da criação do tomate roxo, rico em substância

antioxidantes, por pesquisadores da USP através do processo de mutagênese. As demais só há

a recorrência de 1 texto por tema.

Essa análise quantitativa das temáticas de nosso corpus permitir-nos-á a selecionar os

textos para análise qualitativa, já que, como apontado em nossa Introdução, selecionaremos

um texto de cada uma das duas temáticas mais recorrentes.

O último aspecto quantitativo analisado diz respeito aos tipos de pesquisas publicadas

na seção “Ciência” da Folha de S. Paulo no período considerado. Por tipo de pesquisa,

entendemos se se trata de uma pesquisa realizada em âmbito nacional, ou se se trata de uma

pesquisa realizada em âmbito internacional.

(3) Vejamos a tabela 3 abaixo para melhor compreendermos os nossos dados.

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Tabela 3 - Tipo de pesquisa encontrado no corpus

A tabela 3 demonstra que, em relação aos tipos de pesquisa encontrados em nosso

corpus, há uma predominância de pesquisas internacionais, visto que 50% dos textos (8

textos) correspondem a este tipo de pesquisa. No âmbito das pesquisas nacionais somente

18,75% (3 textos) tratam de pesquisas que foram realizadas no Brasil (é o caso, por exemplo,

dos textos que discorrem sobre a produção do tomate roxo).

Dentro da categoria “Outros”, foram incluídos textos cujas temáticas não refletem

resultados de pesquisa propriamente ditos (como a nota sobre o processo jurídico contra a

revista Nature), bem como textos de caráter opinativo que simplesmente discutem um

determinado conhecimento científico de maneira geral (é o caso do texto sobre a relação entre

o cérebro humano e a percepção da realidade).

Assim, com a predominância de pesquisas realizadas em âmbito internacional,

podemos inferir que a Folha de S. Paulo, de certo modo, acaba reproduzindo a ideologia de

que as pesquisas internacionais têm maior credibilidade do que as nacionais. Isso nos leva a

apontar que a representação do objeto ciência na seção “Ciência” na Folha de S. Paulo vai ao

encontro de tal ideologia.

Portanto, pela análise quantitativa apresentada nesta seção, observamos que durante o

período de 07 a 13 de novembro de 2011, a Folha de S. Paulo publicou, na seção “Ciência”,

um total de 16 textos, estes distribuídos em 13 temáticas diferentes, sendo que 2 temáticas são

mais recorrentes do que as 11 demais. Além disso, 8 dos 16 textos discorrem sobre pesquisas

internacionais, enquanto 3 deles falam de resultados de pesquisas nacionais. Feito a análise

quantitativa, passemos para a análise qualitativa.

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Análise qualitativa

Como apontado em nossa Introdução, a análise qualitativa deste trabalho objetivou

descrever o processo de recontextualização que ocorre no âmbito da seção “Ciência” da Folha

de S. Paulo, em termos dos procedimentos discursivos de expansão, redução e variação, e em

termos das estratégias divulgativas encontradas.

Desse modo, para fazermos o estudo qualitativo, selecionamos dois textos, baseando-

se no critério de recorrência temática, isto é, selecionamos textos que referissem às duas

temáticas mais recorrentes. Portanto, de acordo com a tabela 2, os dois textos selecionados

correspondem às seguintes temáticas: a) Missão à Marte e b) Cruzamento genético.

(1) O quadro evidencia quais textos foram selecionados para este tipo de análise.

Temática Título Data de

publicação Fonte Código

Missão à Marte Sonda russa levará micro-

organismos para lua de Marte

09/11/2011

(quarta-feira)

Salvador

Nogueira

(Colaborador da

Folha)

TEX01

Cruzamento

genético

Cruzamento gera tomate roxo

que não é transgênico

12/11/2011

(sábado)

Marília Rocha

(agência de

Campinas) TEX02

Quadro 1 - Textos selecionados para a análise

Vale ressaltar que, ao longo de nossas discussões nas seções abaixo, iremos utilizar os

códigos dados aos textos escolhidos para, deste modo, evitar a repetição dos títulos das

matérias em nosso trabalho.

Os procedimentos de recontextualização: expansão, redução e variação

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Divulgar ciência na mídia impressa, como já mencionamos, significa informar sobre

um certo conhecimento científico para um público não especializado e bastante heterogêneo e,

dessa forma, a prática divulgativa vale-se de certos procedimentos que recontextualizam esse

conhecimento próprio do âmbito científico para uma outra esfera social e para um outro

público. Assim, a divulgação científica na mídia impressa utiliza os procedimentos de

expansão, redução e variação para recontextualizar o saber científico.

Nesta subseção, trataremos da maneira como esses procedimentos ocorrem nos textos

selecionados para este trabalho.

A finalidade comunicativa do TEX01 é informar sobre o lançamento espacial da sonda

russa Fobos-Grunt, que partiu do Cazaquistão no dia 08 de novembro de 2011, carregando

micro-organismos (bactérias e outros parasitas) em direção à lua Fobos de Marte (maior lua

de Marte). O texto também informa sobre o desenvolvimento do projeto Life (sigla para

Experimento Vivo em Voo Interplanetário), que procura investigar se seres vivos suportam

uma travessia interplanetária, bem como testar a ideia de que formas de vida podem se

transferir de um corpo celeste a outro. Trata-se, portanto, de um texto de divulgação

científica, visto que divulga dados relativos a um projeto científico.

Desse modo, em termos do procedimento discurso de expansão, no TEX01, este

ocorre de forma a evidenciar alguns conhecimentos ligados tanto aos micro-organismos que

embarcaram na sonda russa Fobos-Grunt, quanto ao projeto Life em si. Assim, a expansão

procura trazer à superfície do texto conhecimentos que são importantes para o leitor da Folha,

uma vez que, o mesmo não é um membro da comunidade acadêmica em que tais

conhecimentos foram produzidos.

(1) Vejamos o exemplo.

(1) A bordo de uma cápsula viajarão criaturas como as bactérias Deinococcus

radiodurans, conhecida por sua imensa resistência à radiação, e os tardígrados,

invertebrados minúsculos que desidratam e ficam em animação suspensa. A única

missão dessa trupe: sobreviver. (TEX01)

(2) O exemplo a seguir também corrobora as nossas explicações.

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(2) De toda forma, o espírito do experimento Life é um pouco esse mesmo: testar a ideia

de que formas de vida podem se transferir naturalmente de um corpo celeste a

outro (talvez “embarcadas” no interior de rochas ejetadas de um planeta por um

impacto de asteroide). (TEX02)

O exemplo 1 nos mostra a expansão relativa aos micro-organismos utilizados no

projeto Life. É interessante observar que tal expansão procura evidenciar a razão pela qual a

bactéria Deinococcus radiodurans e os tardígrados foram selecionados. Já o exemplo 2

demonstra os objetivos gerais do projeto Life e as perguntas de pesquisa que orientam o

desenvolvimento do projeto, expandindo para o leitor os conhecimentos relativos ao projeto.

Em termos de redução, esta ocorre, sobretudo, nas relações lógicas, de caráter

argumentativo, que o locutor procura estabelecer ao longo do texto

(3) Visualizemos o exemplo abaixo.

(3) No papel, a Fobos-Grunt (que ainda levará “de carona” o microssatélite chinês

Yinghuo-1, que ficará em órbita de Marte) é uma missão espetacular. Mas, se algo der

errado e houver uma colisão, a nave estará levando formas de vida da Terra. Ou

seja: há risco de contaminação. (TEX01)

Desse modo, para que a premissa “se algo der errado e houver uma colisão” possa

levar a conclusão “há risco de contaminação”, é necessário um argumento que permita essa

passagem, que, no caso, diz respeito à quais riscos tais micro-organismos podem causar. Ao

longo do texto, não observamos nenhum tipo de informação concernente aos riscos de

contágio dos micro-organismos, Deinococcus radiodurans e tardígrados; ao contrário, quando

mencionados no texto, observamos somente a causa pela qual eles foram selecionados para a

missão (ver exemplo 1). Portanto, há uma redução e é nesse sentido que vemos o

procedimento de redução ocorrendo no texto em análise (o leitor, por falta de conhecimento

prévio, poderá não fazer as inferências necessárias).

A variação, por sua vez, ocorre de forma a tornar certos conceitos e termos científicos

mais próximos do leitor. Nesse sentido, estratégias léxico-semânticas de denominação,

definição e metáfora são utilizadas.

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(4), (5) e (6) Consideremos os exemplos para observamos o procedimento discursivo

de variação no texto em análise.

(4) O foguete que partiu ontem do Cazaquistão leva a bordo os primeiros astronautas a

visitar as imediações de Marte. Mas eles são apenas bactérias e outras criaturas com

dimensões microscópicas. (TEX01)

(5) LEMBRANCINHA

A sonda Fobos-Grunt também vai recolher amostrar de solo do satélite e, se tudo der

certo, trazê-las de volta para a Terra em agosto de 2014. (TEX01)

(6) Note que nem havia bactéria deliberadamente colocadas a bordo da sonda. O medo era

que alguma tivesse “entrado de gaiato no navio” e sobrevivido à longa viagem

interplanetária. (TEX01)

Como podemos observar nos exemplos acima, o autor optou por utilizar termos mais

próximos do leitor para tornar o conhecimento divulgado mais acessível, utilizando, com

efeito, várias estratégias léxico-semânticas. Devido à importância de tais estratégias para a

ADDC, faremos sua análise na seção subsequente.

O TEX02 foi publicado no sábado 12 de novembro de 2001 e sua finalidade

comunicativa é a de informar o leitor sobre a produção de um tomate roxo pelo grupo de

pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, através do método de

cruzamento genético (mutagênese), método tradicional de desenvolvimento de plantas

domésticas. Assim, a matéria em análise também procura informar sobre o método utilizado

para a constituição do tomate roxo que, segundo o texto, não existe na natureza. Um ponto

curioso da matéria é o fato de que ela ressalta (em dois momentos, para sermos mais

específicos, no título, e no terceiro parágrafo do texto) que o tomate roxo não é um

transgênico, mas na verdade um tomate comum, que agrupa características de três variações

em uma só.

(7) Agora, o pesquisador Lázaro Eustáquio Pereira Peres, do Centro de Energia Nuclear

na Agricultura da USP, mostrou que também um fruto desses sem que ele seja

geneticamente modificado.

“É um tomate comum, mas agrupamos características de três variações em uma só.”

(TEX02)

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Como podemos observar no exemplo 7 acima, o locutor, para evidenciar que a

variedade roxa do tomate não é um transgênico, reproduz, através de uma citação direta

(discurso direto), a fala do pesquisador, dando credibilidade ao que está sendo apontado, já

que o pesquisador em questão é um dos cientistas envolvidos no projeto.

Dessa forma, uma hipótese que sugerimos para poder explicar a necessidade de

justificar que a variedade de tomate roxo produzida pela USP não é um transgênico está no

próprio fato de o termo transgênico denotar polêmica. Cataldi (2003), analisando a divulgação

científica dos transgênicos na mídia impressa espanhola, utilizando, para tal, o arcabouço

teórico metodológico da ADDC, defende a tese de que a divulgação do conhecimento sobre

planta transgênica caracteriza-se como uma divulgação debate. Assim, divulgar um produto

sob a denominação de organismo geneticamente modificado (transgênico) pode acarretar

polêmica, já que, ao longo da matéria, observamos que há uma intenção por parte do

enunciador que é a de levantar os benefícios que tal variedade de tomate pode trazer à saúde

do leitor da Folha. Logo, a divulgação, neste texto, é uma divulgação que evidencia os

benefícios para a saúde da variedade desenvolvida.

Quanto os procedimentos discursivos utilizados na divulgação deste conhecimento,

observamos que a expansão ocorre de forma a explicitar certos conhecimentos (não

compartilhados pelo leitor) sobre alguns elementos chaves para a compreensão desta

variedade de tomate roxo, tais como, a função de uma substância antioxidante, o que é o

método de sequência de cruzamentos (mutagênese), a função da anticianina, entre outros.

(8), (9) e (10) Consideremos os exemplos.

(8) Um tomate roxo, com mais antioxidantes do que o tomate comum (o que ajuda na

prevenção de doenças como o câncer), está mais próximo da mesa do brasileiro.

(TEX02)

(9) A variedade foi desenvolvida na USP de Piracicaba após uma sequência de

cruzamentos – método tradicional para criar formas novas e úteis de plantas

domésticas. (TEX02)

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(10) Como resultado, o tomate, que é naturalmente rico em lipoceno, um antioxidante,

ganhou maior concentração de antocianina, outra substância que ajuda a

desacelerar o crescimento de células com tumores. (TEX02)

Da mesma maneira que no TEX01, a expansão, no TEXO2, também ocorre no

infográfico utilizado para explicar como o tomate roxo foi produzido, evidenciando quais

espécies foram usados no cruzamento. Nesse infográfico, é possível visualizar as espécies de

tomates utilizadas para a criação do tomate roxo, bem como uma definição de cada uma das

referidas espécies. Assim, temos também uma ancoragem entre o componente verbal e o

componente visual da matéria.

Em termos de redução, este procedimento ocorre quando o locutor pressupõe que o

interlocutor já compartilha o conhecimento necessário para compreender certo conceito ou

certa informação. É o caso, por exemplo, o do uso da expressão “sem que ele seja um

organismo geneticamente modificado” e dos termos ”hibridização” (que aparece no “olho” da

notícia) e “vitamina C”.

(11), (12) e (13) Os exemplos corroboram com nossas análises.

(11) Agora, o pesquisador Lázaro Eustáquio Pereira Peres, do Centro de Energia Nuclear

na Agricultura da USP, mostrou que também um fruto desses sem que ele seja

geneticamente modificado. (TEX02)

(12) Segundo ele, a variedade tem também o dobro de teor de vitamina C encontrado em

um tomate comum. (TEX02)

(13) Planta é o resultado de hibridização de três espécies e já pode ser testada no campo

por empresas brasileiras. (TEX02)

A redução também ocorre quando certas informações não são explicitadas no texto

para que haja a passagem de uma premissa a uma conclusão de caráter argumentativo.

(14) O exemplo evidencia este tipo de redução.

(14) Para garantir os diretos sobre a criação, a equipe da USP usou um tomate híbrido.

As plantas da primeira geração são homogêneas, mas não as da segunda. O

produtor teria que comprar a semente original para obter o tomate roxo.

(TEX02)

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No que diz respeito à variação no TEX02, observamos que esta ocorre de forma

bastante similar ao TEX01, isto é, o autor, para aproximar o leitor do conhecimento

divulgado, procura utilizar uma vocabulário mais próximo deste último, bem como algumas

estratégias léxico-semânticas para explicar certos conceitos.

(15) e (16) Vejamos os seguintes exemplos.

(15) A variedade foi desenvolvida na USP de Piracicaba após uma sequência de

cruzamentos – método tradicional para criar formas novas e úteis de plantas

domésticas. (TEX02)

(16) Fruto produzido por equipe da USP tem mais substância antitumores. (TEX02)

No exemplo 15, a expressão denominativa “sequência de cruzamentos” foi usada no

lugar do nome do método (mutagênese). Já no exemplo 16, o adjetivo “antitumores” foi

utilizado no lugar de antioxidantes. Logo, o autor varia certos termos para tornar a informação

mais próxima do leitor, caracterizando, com isso, o processo de recontextualização do saber

científico divulgado.

Portanto, os procedimentos de expansão, redução e variação nos dois textos analisados

ocorrem de forma bastante similar e, de maneira geral, recontextualizam as informações

científicas para um universo diferente daquele em que elas foram geradas.

As estratégias divulgativas: denominação, definição, explicação e metáfora

Nesta seção de nosso trabalho, iremos discorrer sobre as estratégias divulgativas

utilizadas pelo enunciador dos textos analisados. As estratégias divulgativas, nas palavras de

Cassany e Martí (1998), são distintos tipos de recursos ou procedimentos verbais que têm

como objetivo tornar acessível ao público os termos e os conceitos técnicos, formulados em

um registro especializado próprio do âmbito cientifico.

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Assim, nos textos analisados, observamos que há recorrência de algumas estratégias

divulgativas: a) denominação, que, de acordo com Cataldi (2003), é uma estratégia prototípica

da divulgação científica, b) definição e c) metáfora.

A denominação, que compreendemos como sendo a estratégia léxico-semântica

utilizada para referir-se ao termo ou conceito divulgado (CATALDI, 2007b), aparece nos dois

textos analisados. No TEX01, houve denominações diferentes para os dois elementos

divulgados: os micro-organismos enviados à Marte através da sonda Fobos-Grunt; e do

projeto Life.

(2) Consideremos o quadro para visualizarmos as denominações no TEX01 de nosso

corpus.

Quadro 2 - Denominações encontradas no TEX01

As denominações referentes aos micro-organismos vão desde uma denominação

genérica (micro-organismos, seres vivos, vida, criaturas, formas de vida), até uma

denominação específica (bactérias, tardíagrados, Deinococcus radiodurans), passando por

algumas denominações mais populares, que, de certo modo, dão um tom agradável ao texto

(trupe, primeiros astronautas a visitar as imediações de Marte, microastronautas). Essas

últimas permitem inserir o leitor no universo representando, captando-o de uma maneira

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peculiar. Vieira (1999) ressalta, inclusive, que os textos de divulgação científica devem ser

agradáveis de ler, proporcionando um momento de descontração. As últimas denominações

relativas aos micro-organismos parecem ir ao encontro desta tese.

Já as denominações referentes ao projeto Life também são denominações genéricas

(projeto, experimento). Só há uma denominação que evidencia uma dos elementos do projeto:

a viagem a Marte (viagem será bem mais longa).

No entanto, embora as denominações referentes tanto aos micro-organismos quanto ao

projeto variem entre denominações genéricas e específicas, todas elas procedem do âmbito

científico. Isso pode ser explicado pelo próprio conhecimento científico que está sendo

divulgado: Missão à Marte. Apesar de haver um interesse econômico, social, político,

biológico, por detrás desta pesquisa, somente o último é evidenciando nas denominações

utilizadas pelo enunciador do TEX01.

Já no TEX02 encontramos as denominações arroladas no quadro a seguir para o

conhecimento divulgado.

(3) Consideremos, então, o quadro.

Quadro 3 - Denominações encontrados no TEX02

As denominações para a variedade mutagênica de tomate roxo encontradas no TEX02

vão desde uma denominação genérica (planta, variedade), até uma denominação específica

(tomate roxo que não é transgênico, tomate híbrido, cruzamento específico).

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(17), (18) e (19) Vejamos algumas destas denominações em excertos do texto em

análise.

(17) “É um tomate comum, mas agrupamos características de três variações em uma

só”. (TEX02)

(18) “Apesar das mutações serem comuns na natureza, esse cruzamento específico seria

improvável”, diz Peres. (TEX02)

(19) Agora, o pesquisador Lázaro Eustáquio Pereira Peres, do Centro de Energia Nuclear

na Agricultura da USP, mostrou que também é possível desenvolver um fruto desses

sem que ele seja geneticamente modificado. (TEXO2)

De acordo com os exemplos, observamos que as denominações encontradas no TEX02

não evidenciam os aspectos econômicos como geralmente ocorre com os transgênicos; ao

contrário, o que é evidenciado através das denominações (e também através de outras

estratégias) é os benefícios, relativos à saúde, que tal variedade de tomate irá trazer ao

consumidor (que pode ser o leitor da Folha).

Outra estratégia encontrada nos textos analisados é a definição. Segundo Cataldi

(2008), a definição é a estratégia léxico-semântica utilizada para explicar o termo divulgado.

Assim, no TEX01, a definição ocorre quando se define o que é uma bactéria Deinococcus

radiodurans e um tardígrado.

(20) A bordo de uma cápsula viajarão criaturas como a bactéria Deinococcus

radiodurans, conhecida por sua imensa resistência à radiação, e os tardígrados,

invertebrados minúsculos que desidratam e ficam em animação suspensa.

Já no TEX02, a definição ocorre para explicar o que é o método de sequência de

cruzamentos, bem como as espécies de tomates utilizadas (informações encontradas no

infográfico do texto).

(21) A variedade foi desenvolvida na USP de Piracicaba após uma sequência de

cruzamentos – método tradicional para criar formas novas e úteis de plantas

domésticas.

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(22) Solanum galapaguense

Tomate selvagem que só existe nas ilhas Galápagos. Tem o gene que torna o

fruto roxo, mas apenas quando há excesso de luz. Em condições normais, seus

frutos são vermelhos.

É interessante ressaltar que a estratégia léxico-semântica de definição é muito similar

em ambos os textos: elas procuram explicitar as funções (para que serve) de certos elementos

(micro-organismos, antioxidante, licopeno, etc.) que contém uma relação direta com o

conhecimento divulgado. Porém, no TEX02, a definição ocorre de forma a definir

(propriamente dito) as espécies de tomates utilizadas. Como já mencionamos, essas definições

são encontradas no infográfico utilizado.

A última estratégia encontrada nos textos analisados foi a metáfora. A metáfora é uma

estratégia divulgativa na qual o enunciador utiliza recursos analógicos (que ele pressupõe que

sejam compartilhados pelo leitor) para explicar o termo divulgado. Através da metáfora, o

enunciador aproxima o conhecimento divulgado, que advém de uma outra esfera de atividade

humana (no caso a esfera científica), do leitor mediano da Folha (que, por sua vez, pertence a

uma esfera diferente da científica). Em nosso corpus, observamos que tal estratégia ocorre

somente no TEX01.

(23) e (24) Consideremos os exemplos.

(23) Note que nem havia bactéria deliberadamente colocadas a bordo da sonda. O medo

era que alguma tivesse “entrado de gaiato no navio” e sobrevivido à longa viagem

interplanetária

(24) De toda forma, o espírito do experimento Life é um pouco esse mesmo: testar a ideia

de que formas de vida podem se transferir naturalmente de um corpo celeste a outro

(talvez “embarcadas” no interior de rochas ejetadas de um planeta por um impacto

de asteroide).

Pelos exemplos acima, observamos que a metáfora permite, através da analogia que

lhe é subjacente, contextualizar o procedimento descrito pelo enunciador: como os micro-

organismos poderiam ter viajado no espaço. O uso de metáforas concernentes ao domínio

marítimo (“embarcar”; “entrar de gaiato no navio”) parecem ser adequadas para descrever o

transporte de micro-organismos através do espaço.

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Portanto, as estratégias divulgativas nos textos analisados permitem que os

conhecimentos divulgados tanto no TEX01, quanto no TEX02, sejam aproximados do leitor

da Folha, para que, assim, ele possa se informar sobre as “últimas novidades” da ciência

(embora nem toda a ciência seja privilegiada na Folha, como já apontamos anteriormente).

Tais estratégias, como pudemos perceber, vão ao encontro dos procedimentos discursivos que

balizam o processo de recontextualização (que “re-cria” o conhecimento divulgado), e, além

do mais, refletem os âmbitos de procedência delas (principalmente, as denominações).

Considerações finais

O presente trabalho objetivou analisar o processo de recontextualização do saber

científico na seção “Ciência” do jornal Folha de S. Paulo, durante o período de 07 a 13 de

novembro de 2011. Para tal, foram realizados dois tipos de análise: uma análise quantitativa e

uma análise qualitativa.

A análise quantitativa dos textos do corpus permitiu-nos delimitar as temáticas

recorrentes na referida seção, durante o período em estudo. Através dessa delimitação,

pudemos selecionar os textos (2 textos) para a análise qualitativa, para, assim, alcançarmos o

nosso objetivo: o processo de recontextualização na seção em estudo.

Na análise qualitativa, observamos que o processo de recontextualização ocorre de

forma a aproximar o leitor do conhecimento divulgado. Nos dois textos analisados, os

procedimentos de expansão, redução e variação permitiram tornar as informações procedentes

do âmbito científico, em informações mais claras para o leitor. Os procedimentos discursivos,

de maneira geral, foram bem realizados nos textos analisados, já que a “balança” entre

conhecimento prévio e conhecimento novo estava equilibrada.

Além do mais, as estratégias divulgativas utilizadas – no caso dos textos analisados,

observamos a recorrência das estratégias de denominação, definição e metáfora – também

auxiliam a construir o conhecimento específico de forma a atender as exigências cognitivas do

leitor que, pelo fato de não estar vinculado às esferas acadêmicas dos conhecimentos

divulgados pelos textos analisados, não tem condições de administrar os conhecimentos

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técnicos, necessitando, com isso, de uma recontextualização deste saber. As estratégias

também demonstraram que o quê predomina nos textos é o ponto de vista científico (e não

econômico, político e social, embora eles também guiem as pesquisas divulgadas), já que, no

que diz respeito ao TEX01, o projeto Life é representado de forma a evidenciar os objetivos

científicos do mesmo e, no que concerne ao TEX02, a variedade produzida pelos

pesquisadores da USP é representada como mais uma alternativa no combate ao câncer,

evidenciando, com efeito, os benefícios que tal variedade pode gerar à saúde do consumidor

(o jornal inclusive menciona a ideia de que tal tomate foi produzido com este fim).

Portanto, o processo de recontextualização na Folha de S. Paulo, a partir da análise

dos textos da seção “Ciência” atende às necessidades cognitivas dos leitores do referido

jornal, bem como evidencia a ideologia que baliza este procedimento.

“Science” in focus: scientific divulgation in Folha de S. Paulo under a discursive

approach

Abstract: This work is a study of the process of scientific divulgation, from the perspective of

Discourse Analysis of Scientific Divulgation (DASD) in the "Science" section of the printed

version of the newspaper Folha de S. Paulo. The purpose of this article is to describe the

process of recontextualization of scientific knowledge in two texts taken from the referring

section. Furthermore, we aimed to perform a quantitative study that allows us to grasp the

amount of scientific texts published in the section as well as the recurrence of themes present

in it, considering the period adopted. Thus, our analysis can be divided into two stages: a)

quantitative, in which we trace the texts in the chosen section considering the amount of texts,

the recurring themes and types of research, b) qualitative, in which we analyze the process

recontextualization of scientific knowledge in selected texts. Our results showed that there

was a recurrence of the strategies divulgativas denomination, definition and metaphor.

Key-words: Discourse Analysis of Scientif Divulgation. Recontextualization process.

Divulgative strategies. Press media.

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