soares 2012

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REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 2012 55 abstract A proposta deste artigo é apresentar o relato de um caso de inclusão de aluno com diagnóstico de autismo em escola de música do estado de São Paulo. Tal escola desenvolve desde 2006 o Programa de Apoio Pedagógico e Inclusão (Papi) que tem por objetivo oferecer suporte a alunos e professores para que a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais ocorra de forma significativa e efetiva. O trabalho é baseado nos pressupostos da educação inclusiva e da educação musical, e está organizado em diferentes ações com os professores e com os alunos e suas famílias. Os resultados obtidos até o momento têm sido muito satisfatórios e apontam para avanços no processo de aprendizagem musical do referido aluno, trazendo contribuições para a discussão sobre a inclusão nesse contexto. PALAVRAS-CHAVE: educação musical especial, educação inclusiva, apoio pedagógico LISBETH SOARES Fundação das Artes de São Caetano do Sul ![email protected] This article aims at presenting a case study of inclusion a young diagnosed as autistic – in a school of music in São Paulo. This school has been developing a supporting and inclusion programme (Papi in Portuguese) which aims at offering a support to students and teachers so that the inclusion process occurs in an effective way. The work is based on the assumptions of Inclusive Education and Musical Education and is organized into different actions with the teachers, students and their families. The results obtained so far have been very satisfactory and indicate progress in the musical learning of that student, making contributions to the discussion on the inclusion in this context KEYWORDS: special musical education, inclusive education, pedagogical support resumo Programa de apoio pedagógico e inclusão: um estudo de caso* Pedagogical support program and inclusion: a case study * Colaboraram com a autora as professoras Viviane Louro, Cássia Paula Bernardino e os monitores Karina Sartorello e Fernando Antônio Guimarães.

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Karagiannis Et Al Soares 2012

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  • REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 2012 55

    abstract

    A proposta deste artigo apresentar o relato de um caso de incluso de aluno com diagnstico de autismo em escola de msica do estado de So Paulo. Tal escola desenvolve desde 2006 o Programa de Apoio Pedaggico e Incluso (Papi) que tem por objetivo oferecer suporte a alunos e professores para que a incluso de alunos com necessidades educacionais especiais ocorra de forma significativa e efetiva. O trabalho baseado nos pressupostos da educao inclusiva e da educao musical, e est organizado em diferentes aes com os professores e com os alunos e suas famlias. Os resultados obtidos at o momento tm sido muito satisfatrios e apontam para avanos no processo de aprendizagem musical do referido aluno, trazendo contribuies para a discusso sobre a incluso nesse contexto.

    PALAVRAS-CHAVE: educao musical especial, educao inclusiva, apoio pedaggico

    LISBETH SOARES Fundao das Artes de So Caetano do Sul [email protected]

    This article aims at presenting a case study of inclusion a young diagnosed as autistic in a school of music in So Paulo. This school has been developing a supporting and inclusion programme (Papi in Portuguese) which aims at offering a support to students and teachers so that the inclusion process occurs in an effective way. The work is based on the assumptions of Inclusive Education and Musical Education and is organized into different actions with the teachers, students and their families. The results obtained so far have been very satisfactory and indicate progress in the musical learning of that student, making contributions to the discussion on the inclusion in this context

    KEYWORDS: special musical education, inclusive education, pedagogical support

    resumo

    Programa de apoio pedaggico e incluso: um estudo de caso*Pedagogical support program and inclusion: a case study

    * Colaboraram com a autora as professoras Viviane Louro, Cssia Paula Bernardino e os monitores Karina Sartorello e Fernando Antnio Guimares.

  • SOARES, Lisbeth

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 201256

    A Fundao das Artes de So Caetano do Sul,1 no estado de So Paulo, uma escola com longa tradio no ensino de msica e oferece cursos livres e profissionalizantes em msica e teatro, alm de cursos em dana e artes visuais. Com cerca de 4000 alunos, vem oferecendo formao artstica em vrios nveis, para crianas a partir de 5 anos de idade e

    tambm para jovens e adultos.

    Desde 2007, a instituio conta com o Programa de Apoio Pedaggico e Incluso (Papi),

    coordenado pelas professoras Cssia Bernardino, Lisbeth Soares e Viviane Louro. Tal iniciativa se

    deu devido ao aumento significativo de alunos com deficincias e dificuldades de aprendizagem

    nos ltimos anos, sendo necessrio, portanto, organizar o atendimento e desenvolver atividades

    especficas para que o aprendizado musical ocorresse de forma efetiva, tendo como parmetros

    os pressupostos da educao inclusiva.

    Para que um aluno seja beneficiado pelo programa, foram estabelecidos alguns

    procedimentos:

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    exemplo).

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  • Programa de apoio pedaggico e incluso: um estudo de caso

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 2012 57

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    No ano de 2011, o programa atendeu 13 alunos, com diferentes caractersticas, necessidades e diagnsticos, tais como: autismo, sndrome de Down, deficincia intelectual, hidrocefalia, hiperatividade e dficit de ateno, disfuno do processamento auditivo. Em relao ao nmero total de alunos matriculados na escola, a porcentagem equivalente a esses casos parece ser insignificante, mas gera demandas diferenciadas e traz novas questes para o corpo docente, a respeito do ensino de msica para todos.

    Tais questes emergem das aes desenvolvidas nesse programa, considerando os pressupostos da educao inclusiva e da educao musical, bem como os objetivos da prpria instituio na formao de msicos profissionais. Entre elas destacamos:

    !"J4"B30"40%&%("L"-+,,>902".0-0$,(."(,"-.:6&'(,"-0%(?@?&'(,"$*+"(-0$(,"-(.("+,"(23$+,"com necessidades especiais, mas para favorecer o aprendizado de todos os alunos?

    !" A+4+" (-.0$%0." '+4" (," ()=0," M:" .0(2&G(%(,7" '+$6.&F3&$%+" -(.(" (" '+$,6.3)*+" %+"conhecimento e para a continuidade no trabalho?

    Todas essas indagaes fazem parte de uma questo maior, mais ampla, que est relacionada s condies de acesso e permanncia de alunos com necessidades especiais nas escolas de msica: quando, de fato, o ensino de msica ser para todos? Ao valorizar o processo educacional como espao de apropriao da cultura, Padilha (2006, p. 48) ressalta que

    Mediante esta apresentao inicial, a proposta deste artigo relatar um estudo de caso a partir das aes do programa realizadas com um dos alunos acompanhados, aqui identificado como Breno,2 fazendo consideraes sobre todo o trabalho e apresentando seus resultados, com a inteno de colaborar com a discusso sobre a educao inclusiva na educao musical.

    O presente estudo foi realizado no perodo letivo de 2011, sendo desenvolvido por dois monitores e uma professora, integrantes da equipe que atua no Papi. Os dados foram coletados a partir de observaes em sala de aula, de relatrios de monitores e professores e de avaliaes realizadas diretamente com o aluno em questo.

    Caracterizao do aluno

    Breno um rapaz com 18 anos, muito interessado por msica. Pouco fala, mas vem ampliando seu vocabulrio e demonstrando seus interesses por meio de manifestaes

    2. Nome fictcio.

    [] preciso e possvel um olhar radicalmente voltado para ver o deficiente como algum que vai se apropriando da cultura e no apenas somando hbitos. Que preciso e possvel valorizar e priorizar atividades e prticas educativas que mobilizem o simblico; que os limites de cada um so desconhecidos e um dos maiores limites o nosso o que desconhecemos do outro, nosso aluno, nosso educando.

    dados iniciais

  • SOARES, Lisbeth

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 201258

    corporais, tais como sorrisos, pulos,e outros movimentos. Tem diagnstico de autismo3 e um longo percurso trilhado entre escolas e terapias. Seu interesse por msica comeou desde cedo e seus pais o levaram para uma escola prxima sua residncia, na qual teve contato com teclado e com alguns fundamentos da teoria musical.

    Entrou no curso de Musicalizao da Fundao das Artes aos 11 anos. Na ocasio, seus pais procuraram a escola destacando o interesse e os saberes do filho em relao msica, tendo o objetivo de ampliar a sua comunicao e interao social. Como Breno vinha de um aprendizado anterior, j tinha algumas noes bsicas da linguagem musical, o que foi aprofundado no decorrer das atividades proporcionadas.

    Nesse curso, um dos grandes desafios foi proporcionar atividades nas quais Breno pudesse mostrar seus conhecimentos, mas tambm avanar nos aspectos cognitivos, musicais e sociais. Na poca, ele participou das aulas tericas em grupo e das atividades prticas da Orquestra Infanto-Juvenil, acompanhando todo o processo de estudo e mostrando satisfao e interesse. Foram necessrias algumas adaptaes de estratgias e recursos, visando sua integrao com o grupo e seu desenvolvimento musical. Alm disso, a famlia sempre se mostrou parceira, trazendo elementos que pudessem colaborar com o trabalho. Na ocasio, foram feitos contatos com a psicloga que o atendia, no intuito de ter maiores dados sobre suas questes e possibilidades.

    No ano de 2011, este aluno foi matriculado no Nvel 2 do curso de Formao Musical4 e, por deciso conjunta de professoras-coordenadoras do Papi e coordenao da Escola de NO,&'(7"'3.,+3"(,"%&,'&-2&$(,"%0"H>64&'(7"K0.'0-)*+"0"A+.(27",0$%+"%&,-0$,(%+"%("%&,'&-2&$("%0"Estruturao. A turma da qual fez parte formada por adolescentes e adultos, com conhecimento musical variado, ou seja, h alunos que j tiveram estudos anteriores em outras escolas e alunos que iniciaram seus estudos na prpria Fundao das Artes.

    Aes desenvolvidas

    Aps a Musicalizao, Breno, j adolescente, passou a frequentar as aulas do Curso Bsico, com apoio de monitor. Atualmente cursando o Nvel 2 do Curso de Formao Musical, Breno vem sendo acompanhado por monitores nas diferentes disciplinas oferecidas. Esse trabalho orientado pelas professoras-coordenadoras, por meio de reunies e troca de informaes.

    A seguir sero apresentadas as aes realizadas com Breno nesse processo.

    Monitoria

    No Papi, a inteno da monitoria favorecer tanto o aprendizado do aluno com dificuldades quanto a prtica pedaggica do professor. Para essa funo so selecionados alunos dos nveis finais do curso de Msica (tanto do curso de Formao Musical quanto do Profissionalizante),

    3. O autismo est dentro dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (CID-10 F 84.0 ou F 84.1) e se caracteriza por trs pilares bsicos: atraso de linguagem; dificuldade na comunicao e na interao social e estereotipias (movimentos ou falas repetitivas). No h uma causa reconhecida na comunidade cientfica para tal, mas, at o momento, o que se sabe que de causa gentica e no tem cura; contudo, h possibilidade de avanos de acordo com a estimulao e trabalho intensivo de terapias especficas (Schwartzman, 2010).

    4. Formao Musical: curso estruturado em seis etapas semestrais, nas quais o aluno tem as disciplinas tericas 1H>64&'(7"K0.'0-)*+7"J,6.363.()*+7"A+.(27"P(.4+$&("0"C-.0'&()*+Q7"(2L4"%0"4(6L.&(,"%0"-.:6&'("04"'+$M3$6+"0"(32(,"de instrumentos.

  • Programa de apoio pedaggico e incluso: um estudo de caso

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 2012 59

    para acompanhar os alunos indicados nas aulas regulares. Os alunos monitores recebem uma bolsa integral da escola em troca do trabalho oferecido. Alm do acompanhamento nas aulas, esses monitores tambm colaboram com a confeco de materiais pedaggicos, de acordo com as necessidades de professores e alunos.

    Considerando o trabalho dos monitores, vrias aes foram necessrias, no s para oportunizar avanos no conhecimento musical, mas tambm para favorecer o entrosamento de Breno com os professores, com os colegas de classe e para desenvolver a sua autonomia. Consoante com Zillmer (2008, p. 55), entendemos ser importante refletir constantemente sobre a prtica pedaggica criando novas possibilidades para fazer um deslocamento daquilo que esse aluno trazia em seu sintoma, nas suas estereotipias, nas suas repeties de fala, para, a partir disso, formular o projeto pedaggico desse aluno.

    No incio, os monitores relatavam grande necessidade de interveno para que Breno de fato participasse das aulas, pois entrava na sala de aula e no pegava seu material espontaneamente, sendo necessrio pedir que o fizesse. Nesse sentido, as orientaes para os monitores foram de realizar perguntas ao invs de direcionar a ao, ou seja, questionar, por exemplo: O que para fazer agora?, chamando sua ateno para as orientaes dos professores e para o movimento do grupo. Assim, buscamos colocar Breno como agente de seu aprendizado, tirando-o de uma condio de passividade.

    Com o passar do tempo, e por estmulos de interao como cumprimentar-lhe ao chegar, perguntar sobre seu bem-estar, perguntar seu nome completo ou dos familiares, comentar fatos do cotidiano da sala de aula, Breno comeou a emitir respostas orais, ainda bem objetivas, mas que mostram a importncia desse tipo de incentivo.

    Nas aulas de Coral, o monitor buscou, ao mesmo tempo, valorizar as manifestaes de Breno, entendendo suas risadas ou movimentos como expresses de alegria pela atividade, mas tambm o orientando para evitar tais expresses sem necessidade ou motivo aparente, buscando minimizar as estereotipias e evitar prejuzos para a prtica coral. Assim, ao ver Breno rindo, o monitor lhe dizia frases como: Voc est sorrindo por que gostou da msica? ou Esta msica interessante, no ?, ou seja, o monitor buscou dar sentido para tais manifestaes. Nas aulas de apoio, que sero descritas a seguir, esse tipo de interveno tambm foi feita. Em determinada ocasio, a professora props um exerccio de estruturao, mas Breno no mostrou interesse, pois ouvia alunos tocando bateria na sala ao lado. Este interesse no foi manifestado verbalmente, mas sim pelos sorrisos e balanceios do corpo, sendo que a professora observou e interveio: Voc quer ver o pessoal tocando? Com a confirmao tambm com um sorriso, ambos foram apreciar o som da bateria. Segundo Zillmer (2008), o trabalho educacional com pessoas com autismo deve valorizar seus interesses, partindo destes para desenvolver seu conhecimento.

    No que diz respeito ao aprendizado musical, a presena do monitor nas aulas de Coral tambm colaborou para que Breno entendesse a estrutura da partitura para tal grupo, identificando os sistemas e a linha meldica de sua voz.

    Outras caractersticas de Breno so a dificuldade de copiar e ler as anotaes da lousa por iniciativa prpria. Para isso, o monitor o incentivava a escrever, em todas as aulas, um cabealho no caderno, com data, em qual aula ele estava no momento e nome do professor, para que se situasse e entendesse o porqu da participao naquela atividade. Muitas vezes, Breno compreende o que pedido de forma literal, ou seja, ao invs de escrever a data (dia/ms/ano), escreve a palavra data. Esse tipo de resposta muito comum em autistas, pois eles possuem dificuldade na questo da generalizao dos conceitos e no processo simblico (Louro, 2009).

  • SOARES, Lisbeth

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 201260

    Por esse motivo, aes como estas que o monitor se propunha so importantes, pois com o tempo possvel alcanar a abstrao esperada.

    Nas demais disciplinas, os monitores colaboraram tambm com a realizao das diferentes atividades, tais como em ditados rtmicos ou meldicos, na leitura de partituras e nas atividades em grupo, sempre atentos s orientaes dos professores. O interesse e a satisfao de Breno sempre so identificados, assim como suas conquistas em termos de aprendizado.

    Flexibilizao curricular

    Segundo Brasil (1998, p. 41),

    No caso de Breno, o currculo adaptado para suas necessidades, o que foi discutido entre professoras-coordenadoras do Papi, coordenadores da Escola de Msica e alguns professores do curso de Formao Musical. Quando ele passou a cursar o Nvel 1, frequentou todas as disciplinas regularmente, mas aps o primeiro semestre o corpo docente identificou dificuldades no acompanhamento das aulas de Estruturao, devido caracterstica mais conceitual e abstrata da matria e por ela ser desenvolvida com muitas aulas expositivas. Sendo assim, foi definido que ele iria refazer o Nvel 1, dessa vez com dispensa de tal disciplina. Dessa forma, Breno fez aulas individuais de Estruturao uma vez por semana, ministradas por uma das professoras-coordenadoras, em horrio diferenciado das aulas em conjunto e com contedo voltado para suas possibilidades cognitivas atuais.

    K(.("RSTR"+"'+.-+"%+'0$60"%0/&$&3"B30"U.0$+"60.:"(32(,"&$%&9&%3(&,"%0"H>64&'("0"J,6.363.()*+7"considerando seu ritmo de aprendizagem e suas necessidades. Acompanhar o grupo nas aulas de Apreciao e Percepo, com presena de monitor e com adaptaes de materiais e atividades. Essa proposta ter como pressuposto tambm a discusso a respeito das prticas pedaggicas, entendendo que h necessidade de reflexo sobre as concepes que norteiam esse trabalho.

    Aulas de apoio

    Tais aulas acontecem semanalmente, em horrio diferenciado das atividades regulares. So propostas atividades prticas e tericas envolvendo: atividades psicomotoras musicais; exerccios de memria; jogos de abstrao, percepo e coordenao motora; exerccios relativos aos contedos desenvolvidos nas aulas coletivas. Muitas das atividades esto baseadas nos princpios da psicomotricidade, pois segundo Louro e Andrade (2009), as relaes entre psicomotricidade e aprendizagem musical so muitas, j que necessrio desenvolver alguns aspectos como esquema corporal, equilbrio, lateralizao e lateralidade, noo espacial, noo temporal e tnus para aprender.

    No caso especfico de Breno, tais aulas tambm tm o objetivo de apresentar o contedo da disciplina de Estruturao por meio de estratgias e materiais diferenciados, buscando desenvolver conceitos especficos e proporcionar condies para os avanos cognitivos. Nesse sentido, as aulas buscam respeitar os saberes de Breno bem como seu ritmo de aprendizagem, oferecendo diferentes alternativas para atingir o mesmo propsito, conforme aponta Soares (2006, f. 11) ao apresentar alguns cuidados que o professor de msica deve ter com alunos com necessidades especiais:

    as adaptaes curriculares no nvel do projeto pedaggico devem focalizar, principalmente, a organizao escolar e os servios de apoio. Elas devem propiciar condies estruturais para que possam ocorrer no nvel da sala de aula e no nvel individual, caso seja necessria uma programao especfica para o aluno.

  • Programa de apoio pedaggico e incluso: um estudo de caso

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 2012 61

    Como exemplo, apresentaremos o processo realizado a respeito do contedo Escalas Maiores. O trabalho teve incio com a identificao de tons e semitons, com a utilizao de piano, da lousa e de fichas com as letras T (representando tom) e ST (representando semitom). A utilizao das fichas fez-se necessria nesse caso para que tivssemos como avaliar o aprendizado de Breno, pois ao ouvir duas notas, ele as nomeava adequadamente e sabia registrar sua altura, mas no sabia responder se havia ouvido um tom ou um semitom. Assim, a professora solicitou que Breno ouvisse as notas e apontasse a ficha correspondente, o que favoreceu sua resposta e permitiu identificar seus avanos. Feito isto, a professora passou a realizar ditados de tom e semitom apresentando os intervalos escritos em uma folha e pedindo para que Breno os classificasse, escrevendo as respectivas letras (T e ST), sendo possvel notar que Breno conseguiu abstrair tal conceito.

    Paralelamente, a professora foi apresentando os acidentes, indicando as alteraes advindas do seu uso. Para um aluno como Breno, indicar que o som subiu (devido ao uso do sustenido, por exemplo) ou que o som desceu (devido ao uso do bemol) pode gerar dvidas, pois sua compreenso pode ser literal, sendo necessrio apresentar diferentes alternativas para a aquisio de tal conceito. Assim, aps verificar que ele identificava e nomeava os acidentes, a professora realizou alguns exerccios auditivos fazendo uso de uma escada feita com caixas. Nessa escada, cada degrau correspondia a um acidente e um objeto foi colocado em determinado degrau. A professora tocava determinado intervalo e perguntava ao aluno o que havia acontecido, pedindo-lhe que colocasse o objeto no degrau correspondente. Dessa forma, Breno conseguiu responder satisfatoriamente e mostrou compreenso do contedo, o que foi confirmado na realizao de outros exerccios.

    Aps esses procedimentos iniciais, os quais demandaram algumas aulas, Breno foi convidado a escrever algumas escalas maiores na lousa. Nessa ocasio, a professora o orientou, retomando o aprendizado de tom e semitom e do uso dos acidentes. Breno conseguiu identificar os semitons, pois se baseou na estrutura das escalas maiores, porm teve dificuldades em utilizar os acidentes da forma correta, o que fez com que a professora buscasse outros recursos, como a utilizao do piano. Nesse instrumento, Breno tocou as escalas perfeitamente, o que mostrou que ele estava entendendo o assunto, havendo necessidade apenas de intervir para que o registro na pauta fosse feito a contento.

    A partir desta breve descrio podemos inferir que tais aes so necessrias e so positivas no s para Breno, mas para outros alunos, na medida em que proporcionam diferentes maneiras de apreenso de um mesmo contedo.

    Adaptaes de avaliaes e materiais

    Adaptar outro recurso comum no Papi e, para o aluno em questo, fundamental. Como o currculo flexvel e observamos algumas questes diferenciadas em relao abstrao, o material, atividades e a avaliao foram adaptados. Segundo Faleiros e Pardo (2003, p. 90),

    utilizar materiais diversificados, permitindo o aprendizado atravs dos diferentes sentidos, o que poder contribuir para que o aluno estabelea conexes a partir do que est sendo desenvolvido;

    valorizar respostas diferenciadas para uma mesma pergunta aceitando, por exemplo, respostas no verbais ou simplesmente sim ou no;

    apresentar o mesmo conceito de diversas formas, permitindo que cada aluno tenha a oportunidade de compreend-lo e assimil-lo.

  • SOARES, Lisbeth

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 201262

    Seguem alguns exemplos:

    !"J4"34"0E0.'>'&+"%0"(-.0'&()*+7"$+"B3(2"+"-.+/0,,+."0,-0.(9("B30"+,"(23$+,"&%0$6&/&'(,,04"e escrevessem os nomes dos instrumentos utilizados, Breno tinha como recurso algumas imagens de instrumentos, tendo que assinalar a figura daquele que considerava correto.

    !"V(".0(2&G()*+"%0"34"%&6(%+".>64&'+W402@%&'+7"'3M+"+FM06&9+"4(&+."0.("("-0.'0-)*+"%(,"alturas, o ritmo foi previamente apresentado para Breno, na inteno de eliminar algumas das variveis que poderiam dificultar a sua resposta. Outra opo foi a de apresentar diferentes melodias como alternativas, para que Breno assinalasse a resposta certa.

    !"V+,"%&6(%+,".>64&'+,7"+"?.3-+"%0"-.+/0,,+.0,"+-6+3"-+."$*+"(-.0,0$6(.7"$0,,0"4+40$6+7"atividades com diferentes frmulas de compasso, solicitando que Breno os fizesse apenas utilizando a semnima com unidade de tempo.

    !"K(.("+"A+.(27"(,"(%(-6()=0,"/+.(4"/0&6(,"$("-(.6&63.(X"(2L4"%("-(.6&63.("'+$90$'&+$(27"+"aluno utiliza uma partitura com figuras, para que possa compreender melhor o contedo da letra, a organizao da msica, e consiga memorizar a letra.

    Alm disso, so utilizados materiais concretos para auxili-lo nas aulas em conjunto e de apoio, conforme j relatado. Esses materiais so elaborados e confeccionados pelas professoras-coordenadoras e pelos monitores. Alguns exemplos: fichas com figuras rtmicas para ajud-2+"(",0"+.?($&G(."40$6(240$60"$("(32("%0"H>64&'(Y"%0,0$5+"%+"60'2(%+"%+"-&($+"-(.("B30"020"compreenda tom e semitom; imagens relativas aos assuntos da aula, etc.

    Todas essas adaptaes esto fundamentadas na importncia da acessibilidade, pois a forma como usualmente as atividades so apresentadas no favorecem as respostas de Breno. Alm disso, tambm so considerados os objetivos das mesmas, para que todos tenham clareza do que possvel adaptar.

    Aes com professores

    Na inteno de tambm colaborar com a reflexo sobre as prticas docentes, as aes do Papi voltam-se para os professores da Escola de Msica, buscando levantar dados sobre os alunos acompanhados e sobre as necessidades e expectativas desses profissionais, sempre considerando os objetivos traados para a disciplina como um todo. Aos poucos, o trabalho vem caracterizando-se como um trabalho de ensino colaborativo, o qual, segundo Mendes (2006, p. 30), busca valorizar os saberes de cada parceiro, visando um engajamento em um processo conjunto de tomada de deciso, trabalhando em direo a um objetivo comum. Portanto, reunies formativas com os professores e monitores para que sejam discutidas questes relacionadas ao autismo e ao aluno em questo so oferecidas pelo menos uma vez no semestre.

    Nesse sentido, concordamos com Mateiro (2003, p. 35), quando afirma que

    as adaptaes curriculares no nvel do projeto pedaggico devem focalizar, principalmente, a organizao escolar e os servios de apoio. Elas devem propiciar condies estruturais para que possam ocorrer no nvel da sala de aula e no nvel individual, caso seja necessria uma programao especfica para o aluno.

    o saber ensinar confrontado com a superficialidade intelectual, uma vez que o professor considerado um tcnico capaz de aplicar os conhecimentos adquiridos, mas com um conhecimento educacional insuficiente para enfrentar as situaes reais de aprendizagem que se apresentam no dia-a-dia da sala de aula.

  • Programa de apoio pedaggico e incluso: um estudo de caso

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 2012 63

    Assim, busca-se partilhar saberes por meio de observaes em sala de aula, trocas a respeito das condutas e atividades propostas e da avaliao, alm de trocas de informaes sobre histrico familiar e clnico. No caso de Breno, as aes esto voltadas para a apropriao do conhecimento e tambm para a socializao, sendo consideradas importantes estratgias de formao continuada ou permanente, necessrias para a implantao da educao inclusiva.

    Aes com as famlias

    Entendemos que a parceria entre escola e famlia essencial e, portanto, buscamos manter contato constante com a famlia de Breno e dos outros alunos atendidos pelo Papi, sempre com o intuito de discutir sobre as aes realizadas e de trocar informaes, tendo o objetivo maior de obter conquistas no que diz respeito ao aprendizado musical. So realizadas reunies regulares, em pequenos grupos ou coletivas, para apresentar os resultados obtidos e para discutir sobre as prximas aes.

    A famlia de Breno mostra-se muito presente, apostando no seu filho, identificando seus interesses e valorizando o trabalho desenvolvido na escola.

    Os resultados obtidos at o momento tm sido muito satisfatrios, pois possvel observar avanos no processo de aprendizagem dos alunos atendidos pelo Programa de Apoio Pedaggico e Incluso. Para Soares (2009), todos podem beneficiar-se do ensino de msica e no h motivos para restringir o contato com tal linguagem apenas com fins teraputicos, como muitas pessoas supem que seja o indicado para aqueles com necessidades especiais. Segundo Fonterrada (2007), o ensino de msica deve considerar a importncia de tal rea para o ser humano, colaborando no seu processo de construo de identidade.

    No que se refere ao contedo musical, Breno est avanando em seu processo simblico e conseguindo absorver conceitos abstratos de teoria musical; est melhorando sua afinao (6.(9L,"%(,"(32(,"%0"A+.(2"0"'+$,0?3&$%+"('+4-($5(."4(&,".(-&%(40$60"(,"(32(,"%0"H>64&'("0"Percepo. Os ganhos sociais tambm so evidentes. O aluno j se localiza sozinho pela escola, o que antes no fazia; tem mais responsabilidade com seu material, comeou a interagir com o grupo, cumprimentando os amigos de turma e tendo mais iniciativa em suas aes do dia a dia, o que foi observado tanto na escola quanto por seus pais.

    H06+4($%+"("B30,6*+"Z04"B30"40%&%("L"-+,,>902".0-0$,(."(,"-.:6&'(,"-0%(?@?&'(,"$*+"apenas para os alunos com necessidades especiais, mas para favorecer o aprendizado de todos os alunos? e refletindo sobre as aes do professor, tambm possvel notar que h um novo olhar para esses alunos, antes considerados como problemticos ou fracassados, com poucas condies de avanos. Aos poucos, os professores esto identificando que se trata de uma situao bilateral, sendo importante acrescentar prticas diferenciadas e que possam colaborar com a incluso. Nesse sentido, Mantoan (2010, p. 3) ressalta que a escola deve estar aberta aos diferentes saberes que os alunos trazem, entendendo que aprender implica em produzir novos significados e em novas formas de expressar o mundo, a partir dos conhecimentos culturais, sociais e pessoais.

    Obviamente, no foram obtidos s resultados positivos at ento. Alguns aspectos requerem maior ateno, tal como a atuao dos monitores, pois todos eles tm conhecimentos musicais especficos, mas no tm os conhecimentos pedaggicos necessrios para ensinar msica nem tm os conhecimentos bsicos da educao especial (Soares, 2006).

    resultados e consideraes

    finais

  • SOARES, Lisbeth

    REVISTA DA ABEM | Londrina | v.20 | n.27 | 55-64 | jan.jun 201264

    Todos esses resultados, porm, no excluem a necessidade de uma discusso mais profunda sobre as questes relacionadas ao currculo e s prticas pedaggicas, pois a maioria dos professores julga-se no estar preparada para atender tal alunado. preciso ter clareza de que todos tm responsabilidade frente ao desenvolvimento dos alunos com necessidades especiais, sendo importante criar situaes propiciadoras de aprendizagem, em um contexto inclusivo e no segregatrio. A reviso de concepes faz-se premente nesse contexto, pois entendemos que o papel da escola proporcionar condies para que os indivduos apropriem-se da cultura, conforme aponta Padilha (2006, p. 45): funo da educao escolher os meios adequados para que a apropriao da cultura acontea em cada tempo, em cada espao, em cada ser humano.

    Muitas questes ainda precisam ser discutidas e reavaliadas dentro da rea musical para que a incluso ocorra de forma significativa para todos, mas para isso necessrio um trabalho contnuo, cuidadoso e sempre reflexivo.

    UHC[#